A menina gotinha de água - Papiniano Carlos

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17/07/2007

A menina gotinha de água - Papiniano CarlosPapiniano CarlosA Menina Gotinha de ÁguaPorto, Campo das letras, 1999

Era uma vezuma meninachamadaGotinha de Água.

A meninaGotinha de Águaviviano mar sem fim.E era linda,tão linda,vestida de esmeraldae luar.Ora no fundo,ora nas vagascoberta de espuma,ela brincavacom suas irmãs.

Brincavacom os peixinhos,dava-lhes beijinhose beliscões,

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e fugia a rirpor entre as algas,e jogavaàs escondidascom as anémonas,que são as floresde mil coresque há no mar.

Às vezes,vinha até à praiae beijavaas pernase os cabelosdos meninos.Depois,a rire a cantaria de novopara o mar,lá para o largover as baleiase os navios.

E a meninaGotinha de Água,vestidade esmeraldae luar,e tão pequenina,a força que ela tinhade mãos dadasàs suas irmãzinhas!

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Todas juntaseram o Mar.Um dia,a meninaGotinha de Água,vestida de esmeraldae luar,estava a dormir,a sonharà flordo mar.

Então,o Solbeijou-ana face,e logo elacomo se voassesubiu no ar.Como se sentia leve!Subiu,subiu,subiuaté que se viunuma nuvemcor-de-rosa.Sorriude contente,olhou em voltae viu milhõesde gotinhas como elaboiarem no ar.— Cá estou eu nas nuvens! —

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disse a Gotinha de Água.

Então o Solde contentesorriu tambéme ao beijá-lanos cabelosacendeu no céuas sete coresdo arco-íris:vermelhoalaranjadoamareloverdeazulanile violeta.Era tão lindo!

Tempos depoisvieram os ventose disseram à nuvem:— Vamos.

E começarama empurraraquela nuveme as outras nuvensque boiavamaltas e rosadassobre o mar.

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A princípio,a gotinhaestremeceude medo.Mas depoisgostouda viagem.E as nuvensviajaram.Eram como grandesnaviosde algodão em rama.

Andaramassimdias e diassobre o Mar.

Até que uma tarde,estava o Sola espreitar,muito vermelho,lá tão longeque pareciaquase atrás do Mar,a meninaGotinha de Águaviu que voavamsobre a Terra.

Olha as praiaslá em baixo!

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E casas!E meninosa brincar!E estradase pontese automóveise comboiosa passar!

Depoiso vento parou.A gotinhaestremeceuquando viudum lado a outrodo céuas nuvens escureceremcomo breu.

Olhavapara baixo e viaa terra seca,os campos secos,secas as fontes,as florese as searasmurchas,e os homenstristes,muito tristessem pãopara darem

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aos meninos.

Então,a meninaGotinha de Águaque tinhanascido no mare usavaum vestido de esmeraldae luar,pensou:E se eu fossedar de beberàs flores,aos campos,se eu fossematar a sedee a fomeaos homense aos meninos?

E dissemuito altoàs suas irmãzinhas— Vamos.E deixou-se cair.Ia à frentede milhõesde gotinhastodas vestidasde esmeraldae luar

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e sorriam,cantavame assobiavamenquanto caíam.

A meninaGotinha de Águapousoumesmo na bocaduma florque sorrindofelizlhe disse:— Bendita!Bendita sejas!

E logouma abelha,que andava por aliem busca de pólenpara fazer mel,pousou numa pétalada linda flore falou-lhe assim:Bom dia, meu amor.Queres tu dar-meum pouquinhodo teu pólenpara os meus favos?E a florde pétalasde ouroabertas

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e cobertasde gotinhas de água,todas vestidasde esmeraldae luar,só lhe disse:— Leva o pólenque quiserespara o teu mel!

O Solbrilhava agoracheio de alegriae sacudiaa luzda sua imensa cabeleirasobre o mundo.E as searasque estavam a morrerde sedeencheram-sede espigase as árvoresabriram no aros braçoscarregadosde frutostão docinhos:ameixasfigosmaçãs, pêras e uvas!E os homens,

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as mulherese os meninosagradeciamsatisfeitosà chuva que vieralivrá-losda sedee da fome.— Obrigado!Obrigado!

Então,a meninaGotinha de Água,vestida de esmeraldae luar,desceuaos caminhosescondidosda terra,passouentre as raízesdas plantas,desceudesceudesceu sempreaté que chegoua um paláciomaravilhosode cristale platinaque haviano seio

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da terra.

Quando acordou,que saudadessentiudo Mar!E disse:— São horas, irmãzinhas.E puseram-sea caminharlá nos caminhosdo fundoda Terra.Caminharam.Caminharam.

Até que um dia,um pastorinhoque levavaas ovelhaspara o monte,— quem no diria? —viu que duma fragabrotavauma fonte.

— Que lindo! —disse o pastorinho,e com uma folhade castanheirofez uma bica

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por ondea meninaGotinha de Águae suas irmãzinhas,todas vestidasde esmeraldae luar,saltaramalegresa cantar.

Eraum dia de solna Primavera,trinavamos passarinhosnos seus violinos,tocavam os grilose os grilõesnos seus rabecões,assobiavam os melrosnos seus flautinse os sapos,os sapinhose os sapões,à portadas suas casotas,estavam a ouvircontadapelo sapo Zé Manela históriadum menino

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que foi poeta e pastorda Primaverae que eramuito amigodos sapose sapinhose sapõese de todosos que são(como os sapos)humildes mas têmbom coração.

Duas rolas cantavamao desafiotrru-trruutrru-trruuno alto dum pinheiro,e um pica-pau,tau-tautau-tau-taubrincavade carpinteiro.Satisfeitase felizes,as cigarrasfaziam versosao sole à alegriade viver:como é bom amarolaré, olaré,

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o que o Sol aquecee sonhar, cantarolaré, olaré,o que nos apetece.

E atéa senhoraDona Formigasempre atarefadae consumidacom a sua vida,pousou o fardotão pesadoque levavae estavafeliz, esquecidaao sol da manhã…

A meninaGotinha de Água,vestida de esmeraldae luar,olhou o pastorinho,olhou as florese os bichinhosdo montee disse-lhes:— Bom dia, amiguinhos!

E pôs-se a saltarde pedra em pedra,a correr,

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a saltar,a cantartoda contente.

Atrás delavinhamsuas irmãzinhas,e todas vinhammuito contentese felizes.

E tanto correram,tanto saltaramque em breve,eia!estavamno ribeiroao pé do moinho.— Olá, senhor moleiro— Bom dia, meninas.

E as gotinhasde água,vestidas de esmeraldae luar,puseram-sea empurrarcom suas mãozinhasa rodado moinho,e o moleirotodo contente

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dizia:— Obrigado!Obrigado!

E seguiram.Saltavamde penedoem penedo,corriama cantarentre os peixinhose as enguiasesguiasdo ribeiro.

Caminharam.Caminharam.Por entre montes,no meio de vales,de aldeia em aldeia.

E eischegaram um diaà enorme represa,àquela albufeiraainda vazia.

E toca a enchê-laenche que encheque queriam vê-laa transbordar.

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Quantos dias passaram?Estavam agora no topoda alta barragem.Entãoa menina Gotinha de Águadisse às suas irmãzinhas:— Meninas, vamos agorapôr a girar o piãoda electricidade!— Vamos! vamos lá!E lançaram-sea toda a velocidadedo alto da barragem.Etodas vestidas de esmeraldae luarenquanto empurravamcom quanta força tinhamas pás da turbinafelizes cantavam:Roda que rodagira piãoroda turbinana nossa mãocanta rodízioo novo prodígiobailemos de rodagira dança piãoai roda que rodana nossa mão.

Depois

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outros riosse vieram juntartecendo os fios,os caminhosa caminho do Mar.

Até que um dia...um diaeia!chegaram ao estuáriodo grande rio.

Eramagoramilhõese milhõesde gotinhasde água,a correr,a brincar,a cantara caminhodo Mar.

E haviabarcosno rioe homensa pescare pontes,vilase cidades

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debruçadasnas margensa vê-las passar.

Uma tarde,a meninaGotinha de Águaestremeceude amor.Uma gaivotaroçou-lhede levecom sua asa.Era o Marque estava perto!O rioera cada vezmaior,mais largo,mais fundo.E haviajá grandes naviose uma grande cidadecheia de casase de gente.

A meninaGotinha de Águapôs-se a corrermais ligeirae disse

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às irmãzinhas:— Vamos, meninas,toca a andarque estamosa chegarà nossa casano Mar!

E uma toninhaque subiao riodeu um saltofora da águae disse:— Ora vivaquem étão linda!

O céuestava cheiode gaivotasque brincavamcom o fumodos naviose gritavamalegrementequando viam passarvestida de esmeraldae luara meninaGotinha de Água:

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— Ora viva!Ora viva!

Então,a linda meninaGotinha de Água,vestida de esmeraldae luar,viuque chegarafinalmenteao Mar.

E desatoua cantar:Eu soua meninaGotinha de Água,gotinha azuldo Marque foinuvemno ar,chuvaabençoada,fontea cantar,ribeiroa saltar,rioa correr,e que volta

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à sua casano Maronde vaidescansar,dormire sonharantes quede novotorne a sernuvem no ar,chuvaabençoada,fontea brotar,ribeiroa saltar,rioa correre Maruma vez mais.

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Fim

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