A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser
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CENTRO UNIVERSITAacuteRIO CAMPOS DE ANDRADE
CURSO DE FILOSOFIA
HENRIQUE DA SILVA DEZIDEacuteRIO
A METAFIacuteSICA REALISTA DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO O ATO DE SER
CURITIBA
2013
HENRIQUE DA SILVA DEZIDEacuteRIO
A METAFIacuteSICA REALISTA DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO O ATO DE SER
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Filosofia do Centro Universitaacuterio Campos de Andrade como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de licenciado em Filosofia Orientador Prof MSc Ir Irineu Letenski
CURITIBA
2013
Dedico este trabalho a Jesus Rei e
Senhor Santiacutessimo Sacramento do altar
a quem seja dada a honra e a gloacuteria pelos
seacuteculos dos seacuteculos Ele e somente Ele
eacute a razatildeo de ser do tema deste trabalho
E a todos que buscam no pensamento
filosoacutefico e metafiacutesico o motivo de suas
existecircncias de coraccedilatildeo sincero
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento
filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por
amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por
meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e
os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que
sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada
Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e
Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus
momentos
Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram
fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste
trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha
Teixeira Colleone
Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em
mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei
de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia
do ser e a metafiacutesica realista
Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus
formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio
Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias
e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim
Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos
os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas
oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais
fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo
Porque eacute nele que temos a vida o
movimento e o ser (At 17 28)
Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu
proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice
do meu ser (Confissotildees III 6)
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna
Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
HENRIQUE DA SILVA DEZIDEacuteRIO
A METAFIacuteSICA REALISTA DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO O ATO DE SER
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Filosofia do Centro Universitaacuterio Campos de Andrade como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de licenciado em Filosofia Orientador Prof MSc Ir Irineu Letenski
CURITIBA
2013
Dedico este trabalho a Jesus Rei e
Senhor Santiacutessimo Sacramento do altar
a quem seja dada a honra e a gloacuteria pelos
seacuteculos dos seacuteculos Ele e somente Ele
eacute a razatildeo de ser do tema deste trabalho
E a todos que buscam no pensamento
filosoacutefico e metafiacutesico o motivo de suas
existecircncias de coraccedilatildeo sincero
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento
filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por
amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por
meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e
os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que
sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada
Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e
Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus
momentos
Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram
fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste
trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha
Teixeira Colleone
Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em
mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei
de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia
do ser e a metafiacutesica realista
Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus
formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio
Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias
e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim
Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos
os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas
oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais
fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo
Porque eacute nele que temos a vida o
movimento e o ser (At 17 28)
Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu
proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice
do meu ser (Confissotildees III 6)
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna
Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
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compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
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elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
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e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
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Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
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do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
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32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
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Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
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de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
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a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
Dedico este trabalho a Jesus Rei e
Senhor Santiacutessimo Sacramento do altar
a quem seja dada a honra e a gloacuteria pelos
seacuteculos dos seacuteculos Ele e somente Ele
eacute a razatildeo de ser do tema deste trabalho
E a todos que buscam no pensamento
filosoacutefico e metafiacutesico o motivo de suas
existecircncias de coraccedilatildeo sincero
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento
filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por
amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por
meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e
os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que
sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada
Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e
Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus
momentos
Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram
fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste
trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha
Teixeira Colleone
Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em
mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei
de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia
do ser e a metafiacutesica realista
Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus
formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio
Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias
e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim
Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos
os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas
oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais
fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo
Porque eacute nele que temos a vida o
movimento e o ser (At 17 28)
Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu
proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice
do meu ser (Confissotildees III 6)
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna
Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento
filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por
amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por
meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e
os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que
sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada
Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e
Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus
momentos
Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram
fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste
trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha
Teixeira Colleone
Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em
mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei
de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia
do ser e a metafiacutesica realista
Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus
formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio
Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias
e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim
Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos
os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas
oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais
fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo
Porque eacute nele que temos a vida o
movimento e o ser (At 17 28)
Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu
proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice
do meu ser (Confissotildees III 6)
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna
Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
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______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
Porque eacute nele que temos a vida o
movimento e o ser (At 17 28)
Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu
proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice
do meu ser (Confissotildees III 6)
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna
Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
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42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna
Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
LISTA DE ABREVIATURAS
AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)
At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos
CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)
EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)
Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo
FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)
OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)
S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
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compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
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elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
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e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
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Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
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do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 8
2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16
3 O ATO DE SER 18
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18
32 O ATO COMO SER 21
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23
34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30
352 Propriedades transcendentais do ser 31
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34
361 Analogia 34
362 Substacircncia e acidente 36
363 Ato e potecircncia a causalidade 38
364 Graus de perfeiccedilatildeo 39
37 FINALIDADE 40
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50
REFEREcircNCIAS 52
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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53
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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
8
1 INTRODUCcedilAtildeO
Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior
pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada
na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque
de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se
compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser
(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece
pelo estudo do ser
Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica
declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para
sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu
essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou
importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A
Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a
modernidade
O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele
se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica
realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que
colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em
seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na
modernidade
No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista
a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em
seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no
que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-
Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
9
O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por
Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus
e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute
especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes
definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na
metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a
relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de
explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades
transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia
substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para
enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica
O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo
para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-
aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas
filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute
constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que
estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando
o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo
A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a
Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a
Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto
Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia
Johannes Hirschberger entre outros
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2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
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concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
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compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
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elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
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e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
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Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
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do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
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3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
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por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
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32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
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Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
10
2 A METAFIacuteSICA REALISTA
21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO
Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira
cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da
posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos
universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se
contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a
quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo
em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas
Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira
definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do
realismo metafiacutesico
O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real
Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No
entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao
segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais
contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do
realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente
mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e
estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o
nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou
seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum
in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera
ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo
Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a
metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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53
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
11
concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes
contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia
Segundo Gilson (1962 pp 52-53)
Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser
Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e
eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica
(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute
mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo
enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo
as proacuteprias formasrdquo
Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas
coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou
acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a
atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a
definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato
Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo
Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de
estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o
realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero
porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada
pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)
Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou
melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute
chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que
2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
12
compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos
do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se
conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo
(GILSON 1962 p 53)
Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes
Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua
concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora
para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica
22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA
Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar
brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia
Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias
de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu
um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees
Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as
coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em
seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em
Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
concebida por al-Fārābī e Avicena
221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute
(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro
(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de
que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo
sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a
multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente
agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em
poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir
e o eterno no tempo
Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio
como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
13
elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma
determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo
como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo
compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor
como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que
a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio
seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se
corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas
(MOLINARO 2002)
Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser
explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o
fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o
princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas
o ser (MOLINARO 2002 p 22)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)
neste ponto
No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem
Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica
(MOLINARO 2002 p 22)
a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir
aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que
natildeo eacute
b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute
o nada essencialmente
c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou
perecer) Eacute impereciacutevel e eterno
d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo
pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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53
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NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
14
e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e
permanecircncia no ser
Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou
em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a
passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir
estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir
porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo
contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)
222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como
pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser
Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como
aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo
que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)
Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo
platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides
Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista
Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a
ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste
em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao
natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que
necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por
exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a
presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo
acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade
ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
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53
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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
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MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
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NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
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______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
15
Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o
natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro
implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na
figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios
modos (MOLINARO 2002 p 29)
a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar
parte do ser (partem capere)
b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila
c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e
aquilo do que participa
d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo
(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)
223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito
buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do
devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi
fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes
Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai
percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se
entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico
estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba
ocorrendo numa base permanente e imoacutevel
O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo
a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado
de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual
o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela
forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma
passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave
forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)
Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato
continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o
ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
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32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
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______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
16
do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio
que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em
virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer
Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)
Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se
essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente
chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir
uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel
e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)
224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre
essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser
Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)
Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia
Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena
a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)
contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma
importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a
distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples
acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de
existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes
Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de
Aquino
Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e
existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
17
Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos
aacuterabes
Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi
original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes
recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De
Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de
lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-
o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo
definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes
retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo
de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da
metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade
proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
18
3 O ATO DE SER
A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica
do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser
como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no
que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)
Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade
Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A
metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que
Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser
31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS
Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais
em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma
espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no
capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista
de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se
procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira
com princiacutepios indemonstraacuteveis
Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo
de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso
acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende
falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no
primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho
estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios
citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica
Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos
os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se
poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-
6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
19
Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor
maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior
a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar
Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7
De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo
No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute
eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute
potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria
e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada
de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo
eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade
E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho
trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que
Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos
cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial
da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a
Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis
como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto
de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8
Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir
Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute
humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada
mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo
individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9
O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente
7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
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53
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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
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MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
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NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
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______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
20
por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o
que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia
O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o
artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate
afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que
em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia
de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por
sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele
existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria
Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse
Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se
exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a
existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se
haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma
coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo
o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente
Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da
existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe
tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com
o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito
de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)
Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo
de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de
todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate
ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de
ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus
aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em
outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa
10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
22
consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
21
32 O ATO COMO SER
Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a
cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato
da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese
do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que
jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)
A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da
metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato
(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles
o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o
ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar
Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens
Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima
de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda
a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que
abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde
parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche
as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o
esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de
onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)
Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser
eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso
seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os
segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de
seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma
humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando
ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se
conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias
empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
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argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees
realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas
causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e
terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)
Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito
do ato de ser
E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo
Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser
ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S
Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois
nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza
todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado
absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos
modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume
O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos
Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da
atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)
Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles
ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de
todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro
14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88
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Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
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Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
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de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
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53
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______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
23
Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este
eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o
ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a
noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave
noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato
eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON
1962)
Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre
finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela
distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo
de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais
baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de
atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo
de ser (GILSON 1962 p 47)
Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o
que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade
operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente
finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente
33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA
Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p
421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a
distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental
para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus
Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no
capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de
Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute
o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja
a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser
satildeo a mesma coisa
Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho
descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
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______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
24
que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo
da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e
ato e de essecircncia e existecircncia
Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de
essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas
criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser
se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial
em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o
sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso
significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o
seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)
A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente
finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da
seguinte forma
Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18
Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel
conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia
Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos
iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e
natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19
Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois
anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20
Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar
mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria
aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o
que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO
2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo
do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo
18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20
25
entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
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argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente
seria a existecircncia
A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz
um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes
com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua
essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial
eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute
restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a
essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que
ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente
finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como
consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da
existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de
ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)
Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica
realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza
divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui
que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma
filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas
principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da
inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa
negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias
participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a
imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como
se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser
animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e
infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)
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34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
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composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
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Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
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de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
26
34 DEUS E OS ENTES FINITOS
Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes
finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra
para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida
Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes
ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer
eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus
o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos
a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser
Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem
composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica
Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual
fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente
em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o
ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser
lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia
Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo
tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse
raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo
condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus
natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel
Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do
Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia
contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo
quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus
(GILSON 1962)
Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto
de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia
atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do
real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas
que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres
mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a
uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
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Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
27
composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual
determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito
O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas
algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de
outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para
recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser
dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as
coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras
ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das
outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por
modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser
mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON
1962)
Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas
e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o
ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e
profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse
eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra
Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta
algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro
Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas
causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se
perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos
A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto
quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de
Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se
tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida
atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato
deva agir (GILSON 1962 p 75)
Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente
criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia
toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente
eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo
que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
28
Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda
realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas
Gilson (1962 p 81) afirma
Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima
Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem
como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa
seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve
ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute
uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista
da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o
tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia
Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas
com Deus
A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do
latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute
estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo
platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no
neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo
Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e
englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo
essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)
Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave
relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato
21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
29
de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a
referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia
aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja
essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois
dessas definiccedilotildees acrescenta
Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade
Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria
essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente
finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa
maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes
finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por
semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do
panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma
divindade natildeo essencial mas imitativa
Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil
(1967 p 123-124) vai explicar
Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original
Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo
real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
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53
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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
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argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
30
a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo
foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos
35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER
351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua
manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-
se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)
Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo
Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e
transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a
determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o
ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de
ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente
distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da
qual jaacute se tratou
Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a
explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo
a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as
propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro
o bom e o belo
b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que
ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser
determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual
se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o
acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo
A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano
ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades
transcendentais e categoriais do ser
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
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53
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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
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MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
31
352 Propriedades transcendentais do ser
Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro
precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para
evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e
Heidegger
O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade
do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende
o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da
inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter
transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o
vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque
enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades
diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo
proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse
sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)
ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p
132)
Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)
Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar
que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade
satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a
verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se
verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si
mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade
da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades
transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua
distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)
Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade
A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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53
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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
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NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
32
e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22
Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no
ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo
da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a
negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A
unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em
outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute
o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade
isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim
como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da
determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e
existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)
encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade
Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja
tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se
uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa
em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a
separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a
presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no
ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um
semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro
semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da
inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)
Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute
inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em
ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas
cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se
substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo
(S Th I XVI III 1r)23
Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda
a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja
22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
33
da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como
adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas
tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime
a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da
verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da
inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)
Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel
amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem
seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S
Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma
noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo
o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser
Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade
que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si
mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se
a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a
permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute
desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute
atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da
mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que
corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica
Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o
amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade
a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da
intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa
tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)
Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo
(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das
explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-
92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes
24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
34
vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor
ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo
perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser
consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde
agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o
esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e
bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da
beleza
36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER
361 Analogia
Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos
de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo
ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo
tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias
que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)
Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de
analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade
Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus
Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um
meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre
elas a analogia
O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma
a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)
27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
35
explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica
intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se
reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco
conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o
termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente
diferente e parcialmente semelhante
A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo
que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo
Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade
supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos
univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da
palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou
metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da
seguinte maneira
a) Univocidade um termo um significado uma coisa
b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e
desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas
c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas
unificadas
O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e
de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo
dos muitos significados e das muitas coisas
Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem
especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica
entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo
gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo
analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN
1982 p 176 grifo do autor)
O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica
Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal
onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo
preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre
pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em
potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
36
acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem
ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo
impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo
seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real
dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade
proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos
analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de
cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo
um conhecimento preciso
362 Substacircncia e acidente
Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash
oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na
substacircncia
Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)
Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em
contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que
tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo
O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro
ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um
ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens
per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)
De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica
Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a
pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas
a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se
qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo
(MOLINARO 2000 p 119)
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
37
Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute
se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real
entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de
mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real
para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)
conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do
ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um
novo significado na doutrina tomista
A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de
substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo
que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer
que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a
nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro
ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico
Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28
Na Suma Teoloacutegica
O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29
Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e
acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como
diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que
aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao
contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir
por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)
28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
38
363 Ato e potecircncia a causalidade
Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a
passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio
para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato
puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos
termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato
como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser
como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson
(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma
heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra
coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser
Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva
agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e
por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo
dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e
causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas
assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo
causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na
conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)
ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada
ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa
eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo
Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar
consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo
produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute
diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia
atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute
existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON
1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal
30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
39
serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir
tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes
Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31
Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade
eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo
comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute
para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma
mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato
mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por
obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo
para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a
essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser
agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia
364 Graus de perfeiccedilatildeo
Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se
sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre
esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que
pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem
e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o
que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para
qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos
entes
Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de
todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita
entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais
imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar
31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
40
Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32
Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute
Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por
uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida
deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino
O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus
a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A
medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste
universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de
grau inferior (GILSON 1962 p 99)
Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo
da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide
das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um
ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e
consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo
37 FINALIDADE
A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano
ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico
percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-
se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano
ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma
finalidade que eacute o ato
32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
41
Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se
Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula
tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido
ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser
Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade
transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente
aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade
e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute
voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se
explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute
accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade
Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim
finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a
atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia
inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se
deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo
ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo
(HIRSCHBERGER 1959 p 142)
Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim
em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que
natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute
o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender
a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico
No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade
estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em
vista de um fim
Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33
33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
42
ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO
2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo
absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo
produziria nem uma coisa nem outra
O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente
eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no
qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute
o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial
Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim
objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar
o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por
exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua
generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo
tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)
o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo
Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem
ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente
eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo
em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo
e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)
Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva
do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do
ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras
palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito
sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel
como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal
34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
43
4 O TOMISMO NA MODERNIDADE
Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na
modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram
A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente
nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo
moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista
de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)
afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos
e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo
Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje
considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido
Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade
da metafiacutesica realista
Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento
filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne
Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado
no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a
escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim
estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX
41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO
Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus
contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica
Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da
Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de
professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou
Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos
ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua
filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias
que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos
35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
44
natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e
religiososrdquo
Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos
filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns
Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos
dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a
disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que
ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores
de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que
Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo
unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se
lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes
Gilson (1962 p 64) afirma
Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes
Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como
podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa
doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele
percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a
essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia
A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de
essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou
no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma
essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao
contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia
sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho
Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque
entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo
negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um
intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
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54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
45
Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque
eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome
[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica
Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo
Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962
p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez
como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um
acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo
o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia
considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse
pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido
especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da
doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi
considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)
Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)
A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia
tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi
sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu
o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano
reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um
aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes
simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37
36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
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53
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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
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______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
46
42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38
O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo
renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica
As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b
p 766-767)
Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo
Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da
separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que
concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para
sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano
de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses
a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)
Leatildeo XIII assim se exprimiu
Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39
A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos
estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et
mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16
47
principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
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HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
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______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
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principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da
importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos
desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na
cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O
Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma
filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma
metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o
pensamento contemporacircneo
Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43
Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de
Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo
como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores
incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente
no seacuteculo XX
43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX
Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de
Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos
seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano
Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas
eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante
40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62
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A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
48
A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do
Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010
p 218)
Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser
Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu
que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de
Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho
dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo
do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques
Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo
Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido
para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)
A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis
termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia
que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo
procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia
platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo
Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno
no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico
ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees
filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas
pelo homem que filosofa
Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com
relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis
O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a
44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
49
salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva
Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar
ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo
pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso
eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de
ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia
Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de
Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico
perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a
modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem
sempre mantendo contato com o ser
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
50
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-
se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de
todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele
Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre
essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de
explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a
opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram
Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica
realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o
fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de
philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar
aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir
A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de
Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne
Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades
filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na
modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana
e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se
os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse
Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o
homem completamente dependente de Deus
Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como
segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca
humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca
de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta
filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia
racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse
diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer
buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do
homem
Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de
mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
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REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
51
modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs
um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica
Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do
ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo
promissor a ser feito para o futuro
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
52
REFEREcircNCIAS
ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012
AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011
ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969
BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006
BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994
CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007
FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001
GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967
GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962
______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957
______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959
______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968
IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013
______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008
ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011
JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965
LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993
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MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
-
53
MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005
MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000
______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002
MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982
______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010
NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011
REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a
______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b
TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013
______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990
______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996
______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980
TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999
54
APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS
Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as
normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica
parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como
exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou
a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho
estas citaccedilotildees
As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles
(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da
seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)
a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes
(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a
Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em
outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-
II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo
respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e
tertia pars
b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros
romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na
Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo
c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou
capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente
artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma
Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra
os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos
d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os
argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar
uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes
ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos
argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita
da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo
separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum
55
argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
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argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da
resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula
O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e
paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em
nuacutemero araacutebico
As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita
de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero
romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a
Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro
As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado
seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo
tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado
o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze
Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento
seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides
et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius
do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de
Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de
abreviaturas
- Resumo
- Sumaacuterio
- 1 Introduccedilatildeo
- 2 A Metafiacutesica Realista
- 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
- 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
- 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
- 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
- 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
- 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
- 3 O Ato de Ser
- 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
- 32 O ato como ser
- 33 Essecircncia e existecircncia
- 34 Deus e os entes finitos
- 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
- 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
- 352 Propriedades transcendentais do ser
- 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
- 361 Analogia
- 362 Substacircncia e acidente
- 363 Ato e potecircncia a causalidade
- 364 Graus de perfeiccedilatildeo
- 37 Finalidade
- 4 O tomismo na modernidade
- 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
- 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
- 43 O tomismo no seacuteculo XX
- 5 Consideraccedilotildees finais
- Referecircncias
- Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
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