A Moça Estava Deitada Na Grama

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Moça deitada na grama A moça estava deitada na grama. Eu vi e achei lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: “Moça deitada na grama. Deitada na grama. Na grama”. Pois o espetáculo me embevecia. Não é qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida. A moça, o estar deitada na grama, àquela hora da tarde, enquanto os carros passavam e cada ocupante ia ao seu compromisso, à sua alegria ou à sua amargura, a moça e sua posição me embeveceram. Não tinha nada de exibicionista, era a própria descontração, o encontro do corpo com a tranqüilidade, fruída em estado de pureza. Quem quisesse reparar, reparasse; não estava ligando nem desafiando costumes nem nada. Simplesmente deitada na grama, olhos cerrados, mãos na testa, vestido azul, sapatos brancos, pulseira, dois anéis, elegante, composta. De pernas, mostrava o normal. Não era imagem erótica. Dormia? Não. Pequenos movimentos indicavam que permanecia consciente, mas eram tão pequenos que se percebia seu bem-estar inalterável, sua intenção de continuar assim à sombra dos edifícios, no gramado. Resolvi parar um pouco, encantado. Queria ver ainda por algum tempo a escultura da moça, plantada no parque como estátua de Henry Moore, uma estátua sem obrigação de ser imóvel. E que arfava docemente. Ah, o arfar da moça, que lhe erguia com leveza o busto, lembrando o sangue de circular nas artérias silenciosas, tão vivo; e tão calmo, como se também ele quisesse descansar na grama, curtir para sempre aquele instante de felicidade. Eis se aproxima um guarda, inclina-se, toca no ombro da moça. De leve. Ela abre os olhos, sorri bem-disposta: – Quer deitar também? Aproveita a tarde, tão gostosa. Ele se mostra embaraçado, fala aos pedaços: – Não, moça… me desculpe. É o seguinte. A senhora… quer fazer o favor de levantar? – Levantar por quê? Está tão bom aqui. – A senhora não pode ficar aí assim não. Levante, estou lhe pedindo. – Por que hei de levantar? Minha posição é cômoda, eu estou bem aqui. Olhe ali adiante aquele homem, ele também está deitado na grama. – Aquele homem é diferente, a senhora não percebe? – Percebo que é homem, e daí? Homem pode, mulher não? – Bom, poder ninguém pode, é proibido, mas sendo homem, além disso mindingo

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Moça deitada na grama e outras crônicas para ensino médio.

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Moa deitada na grama

A moa estava deitada na grama.

Eu vi e achei lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: Moa deitada na grama. Deitada na grama. Na grama. Pois o espetculo me embevecia. No qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida. A moa, o estar deitada na grama, quela hora da tarde, enquanto os carros passavam e cada ocupante ia ao seu compromisso, sua alegria ou sua amargura, a moa e sua posio me embeveceram.

No tinha nada de exibicionista, era a prpria descontrao, o encontro do corpo com a tranqilidade, fruda em estado de pureza. Quem quisesse reparar, reparasse; no estava ligando nem desafiando costumes nem nada. Simplesmente deitada na grama, olhos cerrados, mos na testa, vestido azul, sapatos brancos, pulseira, dois anis, elegante, composta. De pernas, mostrava o normal. No era imagem ertica.

Dormia? No. Pequenos movimentos indicavam que permanecia consciente, mas eram to pequenos que se percebia seu bem-estar inaltervel, sua inteno de continuar assim sombra dos edifcios, no gramado.

Resolvi parar um pouco, encantado. Queria ver ainda por algum tempo a escultura da moa, plantada no parque como esttua de Henry Moore, uma esttua sem obrigao de ser imvel. E que arfava docemente. Ah, o arfar da moa, que lhe erguia com leveza o busto, lembrando o sangue de circular nas artrias silenciosas, to vivo; e to calmo, como se tambm ele quisesse descansar na grama, curtir para sempre aquele instante de felicidade.

Eis se aproxima um guarda, inclina-se, toca no ombro da moa. De leve. Ela abre os olhos, sorri bem-disposta:

Quer deitar tambm? Aproveita a tarde, to gostosa.

Ele se mostra embaraado, fala aos pedaos:

No, moa me desculpe. o seguinte. A senhora quer fazer o favor de levantar?

Levantar por qu? Est to bom aqui.

A senhora no pode ficar a assim no. Levante, estou lhe pedindo.

Por que hei de levantar? Minha posio cmoda, eu estou bem aqui. Olhe ali adiante aquele homem, ele tambm est deitado na grama.

Aquele homem diferente, a senhora no percebe?

Percebo que homem, e da? Homem pode, mulher no?

Bom, poder ningum pode, proibido, mas sendo homem, alm disso mindingo

Ah, compreendo agora. Sendo homem e mindingo, tem direito a deitar no gramado, mas sendo mulher, tendo profisso liberal, pagando imposto de renda, predial, lixo, sindicato, etc., nada feito. isso que o senhor quer dizer?

Deus me livre, moa. Quem sou eu para dizer uma coisa dessas? S que a primeira vez, e eu tenho dez anos de servio, que vejo uma dona como a senhora, bem-vestida, bem-apessoada, assim espichada na grama. Com a devida licena, achei que no ficava bem imitar os homens, os mindingos, que a gente tem pena e deixa por a

Faa de conta que eu tambm sou mindinga e a moa abriu para ele um sorriso especial.

Para o bem da senhora, no convm se arriscar desse jeito.

Eu acho que no estou me arriscando nada, pois tem o senhor a me garantindo.

Obrigado. Eu garanto at certo ponto, mas basta a gente virar as costas, vem a um elemento e furta o seu reloginho, a sua bolsa, as suas coisas.

Sei me defender, meu santo. Tenho o meu cursinho de carat.

T certo, mas no deve de facilitar. A senhora se levante, em nome da lei.

Espere a. Ou todos se levantam ou eu continuo deitada em nome da lei da igualdade.

Essa lei eu no conheo, dona. No posso conhecer todas as leis. Essa que a senhora fala, eu acho que no pegou.

Mas deve pegar. preciso que pegue, mais cedo ou mais tarde.

No vai levantar?

No.

Ele coou a cabea. Agarrar a moa era violncia, ela ia reagir, juntava povo, criava caso. Afinal, no estava fazendo nada de imoral nem subversivo. Por outro lado, no pegava bem moa deitada na grama ele devia ter na mente a idia de moa vestida de gaze, area, meio arcanjo, nunca deitvel no cho de grama, como qualquer vagabundo fedorento.

A senhora no devia me fazer uma coisa dessas.

Fazer o qu?

Me expor nesta situao.

Eu no fiz nada, estava numa boa oriental, o senhor chega e

muito difcil lidar com mulheres, elas tm resposta para tudo.

Vamos fazer uma coisa. O senhor faz que no me viu, vai andando, eu saio daqui a pouco. S mais dez minutos, para no parecer que estou cedendo a um ato de fora.

Pode ficar o tempo que quiser decidiu ele. A senhora falou numa tal lei da igualdade, ento vamos cumprir. S que aquele malandro ali adiante tem de se mandar urgente, eu vou l dar um susto nele, j gozou demais da lei da igualdade, agora chega!

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Moa deitada na grama. Rio de Janeiro, Record, 1987. p. 9-12)Arcanjo: anjo de categoria superior.arfar: respirar, ofegar.deleite: grande prazer.

embevecer: encantar; contemplar o que divino, sobrenatural, maravilhoso.frudo: desfrutado.gaze: tecido fino e transparente, de algodo ou seda, usado em curativos ou compressas.Henry Moore: escultor e pintor ingls.oriental: no texto, significa posio de meditao.profisso liberal: profisso exercida por pessoa que trabalha por conta prpria, independente de um patro.

Leia os trechos abaixo e marque a opo correta:

Trecho 1

Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exerccios de redao. Cada um de ns tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expresso contido nos sinais reunidos em palavras. [...](Como comecei a escrever - Carlos Drummond de Andrade)Trecho 2

Toda manh aquela chuva sem parar, pingando na lata velha l de fora no jardim, barulhinho gostoso que ele ficava ouvindo, enrolado no cobertor, olhando as formigas e conversando com elas, o quarto meio escuro, tudo escuro de chuva. [...]

(As formigas - Luiz Vilela)Trecho 3

Flvia logo percebeu que as outras moradoras do prdio, mes dos amiguinhos do seu filho, Paulinho, seis anos, olhavam-na com um ar de superioridade. No era para menos. Afinal, o garoto at aquela idade imaginem se limitava a brincar e ir escola.

(A cadeira do dentista e outras crnicas. Carlos Eduardo Novaes)Nos trechos acima, o narrador :

a) observador - personagem - intruso

b) personagem - observador - intrusoc) intruso - personagem - observador

d) personagem - intruso - personagem

Encontraram o significado real do nome da mascote da Copa: perder dinheiro

No: o ttulo deste post no uma brincadeira. Parece mentira, mas verdade. Como voc j deve saber, o nome da mascote do Mundial de 2014, esse tatuzinho simptico, Fuleco.

O que pouca gente sabia, at agora, que o verbo fulecar existe, sim, e est nos dicionrios. Nos ltimos dias, a foto de uma pgina do Grande e Novssimo Dicionrio da Lngua Portuguesa, de Laudelino Freire, est circulando em redes sociais com o termo em destaque. A palavra tambm aparece no iDicionrio Aulete(dicionrio Caldas Aulete online) eno Dicionrio Michaelis.

Nos trs, o significado o mesmo: perder todo o dinheiro que se leva ao jogo. um brasileirismo. Ou seja: uma gria. Mesmo assim, est l, impresso, com seu significado como prova.

Para o Comit Organizador da Copa, porm, a explicao do nome outra: oficialmente, Fuleco vem da contrao das palavras futebol e ecologia. A escolha foi feita pela internet, com quase dois milhes de votos. Fuleco venceu Zuzeco (de azul e ecologia) e Amijubi (de amizade e jbilo).

(Fonte: www.uolesporte.blogosfera.uol.com.br - 20/3/2014 - Acesso em 21/3/2015)

AS FORMIGAS Foi a coisa mais bacana a primeira vez que as formigas conversaram com ele. Foi a que escapuliu da procisso que conversou: ele estava olhando para ver aonde que ela ia, e a ela falou para ele no contar pro padre que ela tinha escapulido o padre ele j tinha visto que era o formigo da frente, o maior de todos, andando posudo. Isso aconteceu numa manh de muita chuva em que ele ficara no quentinho das cobertas, com preguia de se levantar, virado para o outro canto, observando as formigas descendo em fila na parede. Tinha um rachado ali perto por causa da chuva, era de l que elas saam, a casa delas. Toda manh aquela chuva sem parar, pingando na lata velha l de fora no jardim, barulhinho gostoso que ele ficava ouvindo, enrolado no cobertor, olhando as formigas e conversando com elas, o quarto meio escuro, tudo escuro de chuva. A conversa ficava interessante quando ele lembrava de perguntar uma poro de coisas, e elas tambm perguntavam pra ele.(Conversavam baixinho, para os outros no escutarem). Mas s vezes no lembrava nada para conversarem, e ficava chato, ele acabava dormindo formiga tinha hora que era feito gente mesmo. O bom que ningum precisava gritar, nem tambm mentir, como as pessoas estavam sempre fazendo. E tambm poder ficar olhando assim, sem falar nada, s olhando sem precisar [...]. To bom quem nem sabia direito se estava acordado mesmo ou sonhando, as formigas uma atrs da outra, descendo, a fila certinha. Uma tarde entrou no quarto e viu a mancha de cimento novo na parede, brutal, incompreensvel. - Pra qu que o senhor fez isso? Pra qu que o senhor fez assim com minhas formigas? O pai no entendia, e o menino chorando, chorando. Ento o pai deu no espalho. Mas a me pediu para ele ter pacincia: nesse tempo de chuva as crianas ficam muito excitadas porque no podem sair rua e no tm onde brincar. De manh o menino acordava e olhava para a mancha de cimento na parede. Ficava olhando, at que sentia um bolo na garganta, e cobria a cabea com o cobertor. (VILELA, Luiz. Tarde da noite. So Paulo: tica, 1988. P. 128-9.)

1) Quem o autor do texto? Pesquise e escreva sobre a biografia do autor.(Obs: Pararealizarsua pesquisa clique no link PROCESSO).

2) Quem o narrador do texto? Ele participa da histria?(Obs: Para responder esta questo clique no link PROCESSO).

3) Quem so os personagens? Como eles se relacionam? 4) Qual o lugar onde tudo acontece? Que caractersticas desse lugar importante para os fatos ocorrerem? 5) Em que poca tudo aconteceu? 6) Escreva trs expresses do texto que indicam tempo, capazes, portanto, de informar a durao dos fatos. 7) Releia o trecho: O bom que ningum precisava gritar, nem tambm mentir, como as pessoas estavam sempre fazendo. Essa frase revela o conceito que o menino tem dos adultos. Que conceito esse? 8) A reao do menino ao ver o conserto da rachadura na parede mostra que ele considerou tal ato uma violncia. Que palavras de narrador mostram isso? 9) Crie um novo final para esta histria. 10) O que significa as palavras abaixo? para responder esta questo clique no link PROCESSO.

a) posudo b) brutal c) "incompreensvel" Visualizaes: