A moda nos tempos do Instagram

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B12 Economia DOMINGO, 13 DE ABRIL DE 2014 O ESTADO DE S. PAULO

As maiores grifes não são as úni-cas a pensar grande – muito me-nos, a pensar apenas na divulga-çãonaspassarelas.OestilistaAle-xanderWang,porexemplo,cons-truiuparasia reputaçãodequempensaemespetáculosquefavore-çamasmídiassociais.Emfeverei-ro, o desfile dele foi encerrado

com modelos de aparência robó-ticagirandonumaplataformaen-quantojatos de calor alteravam acor de suas vestes com sensibili-dadetérmica, ummomentocria-do sob medida para o Instagram.“Tentamos pensar nas fotos quevãochegaràrede”,disseele,“tan-to aquelas feitas pelos profissio-nais quanto aquelas que repre-sentam o olhar do público.”

Wang acrescentou que a ima-gem é “algo que sempre levamosemconsideração,aténomomen-to de concepção de uma coleção.Devo admitir que, às vezes, co-mo estilista, pode-se cair na ar-

madilha de criar roupas pensan-do em como elas ficarão nas fo-tos, sem dar tanta atenção aomercado e ao caimento”.

Aatençãodedicadaagoraaodi-gital se estende além da cenogra-fiaedas concepçõesde palco.Es-tilistas e críticos dizem que istojá passou a afetar o desenho demuitas coleções. Tiziana Cardi-ni, diretora da rede milanesa delojasdedepartamentosLaRinas-cente e editorialista da Vogue ita-liana, reparou na mudança.

“Amodasetornoubidimensio-nal”, disse ela. “Tudo ficou pla-no. Vejo que os estilistas, princi-

palmente os mais jovens, estãopensando nas formas, volumes ecoresdemaneiratotalmentedife-rente. Acho que prestam muitomaisatençãonovalor fotogênicode um modelo. Foi a internet que

alterou a linguagem”, disse.Osjovenseditorestambémfo-

ram condicionados a pensar namoda no formato plano da teladigital. “Minha preocupação es-tá na questão geracional”, disseEdFilipowski,presidentederela-ções com a mídia da KCD. “Mui-tos da nova geração não veem asroupas pela primeira vez com osprópriosolhos. Sãotreinadospa-ra ver as fotos em fotografias,num formato bidimensional, enão tridimensional.”

TantoFilipowskiquantoTizia-nadestacaramqueamudançaob-servada não é necessariamente

negativa. Na verdade, a KCD im-plementou “desfiles de moda di-gitais” que existem apenas naweb,embora Filipowskitenha di-to que estes não têm a pretensãodesubstituirodesfiletradicional.

Asmudanças trazidas pela telaplana são acompanhadas por al-guns potenciais lados negativos.Desfiles que parecem envolven-tes ao vivo podem perder muitodoseuimpactonumatela.Acole-ção de outono de Junya Watana-be,todaempreto(difícildefoto-grafar), era composta de peçasfeitascomdiferentestecidosreu-nidos para criar uma colcha deretalhos. “Não se pode ver bem aartedacosturanumateladecom-putador”, queixou-se Raf Si-mons, da Dior, à Interview.

● DesestabilizaçãoAs negociações eletrônicas elevarama instabilidade ao mercado, segundoLewis. Em 6 de maio de 2010, ocorreuna Bolsa de Nova York o chamado“flash crash”. Em poucos minutos, omercado caiu 600 pontos e voltou àpontuação anterior. Mais de 20 milnegociações ocorreram a preços maisde 60% diferentes do momento ante-rior. Os papéis da Procter & Gamblechegaram à mínima de US$ 0,01 emáxima de US$ 100 mil.

● VilõesO livro de Michael Lewis tem recebidocríticas lá fora. Tem gente que achoua história maniqueísta, sem mostrar oponto de vista dos investidores de altafrequência. Andrew Ross Sorkin, do‘New York Times’, escreveu que a cul-pa principal não é dos grandes ban-cos e fundos, que atuam como nego-ciadores de alta frequência, mas dasbolsas e da SEC, a CVM americana.

Fotografia em duas dimensões muda alta costura

Q ual é a importância de ummicrossegundo? No mundodos investidores de alta fre-

quência, um milionésimo de segun-do pode fazer toda a diferença. Emseu novo livro Flash Boys, o escritoramericano Michael Lewis mostraqual foi o impacto do avanço doscomputadores e da comunicaçãono mercado financeiro.

O impacto foi basicamente ruim,na visão do livro. Os sistemas de ne-gociação eletrônica criaram um no-votipo de atravessador, osinvestido-res de alta frequência, que usam sis-temas computacionais supervelo-

zes e, em frações de segundos, se apro-veitam da informação obtida para seantecipar aos outros.

O processo de substituição de pes-soas por computadores nas bolsas ame-ricanas foi concluído em 2007. Entreas histórias contadas por Lewis, está ada criação da Spread Networks, cone-xão de fibra óptica quase em linha retaentre a Bolsa de Nova York e a Bolsa deMercadorias de Chicago, que conse-guiu reduzir a velocidade de comunica-ção entre elas a 13 milissegundos (milé-simos de segundo). As velocidades ofe-recidas pelas operadoras convencio-nais chegavam a 17 milissegundos.

Esse foi só o começo da corrida paraganhar frações de segundo. Os EstadosUnidos têm 13 bolsas e mais de 40“dark pools” (ambientes privados denegociação de ações). Os negociado-res de alta frequência tiram vantagemda diferença de velocidade com que ou-tros investidores conseguem chegar acada um desses mercados. Uma dasprincipais estratégias desses investido-res super-rápidos é deixar à venda pe-quenos blocos de 100 ações de cada em-presa em cada um desses mercados.

Quando um investidor quer com-prar um bloco grande de papéis (porexemplo, de 10 mil ações), o negocia-

dor de alta frequência fica sabendo aovender o primeiro bloco de 100 açõese, com seu sistema de alta velocidade,consegue comprar todos os papéis dis-poníveis nos outros mercados, elevan-do o preço das ações antes de revenderpara o verdadeiro interessado.

Os ganhos costumam ser pequenos,de US$ 0,01 por papel. Mas o volume étão grande que, segundo Lewis, somen-te uma das estratégias usadas por es-ses investidores, de arbitragem de pre-ços em “dark pools”, pode render, porano, US$ 1 bilhão. O autor mostra osinvestidores de alta frequência comopredadores. Segundo ele, é um tipo deintermediação que não beneficia omercado nem facilita os negócios.

O “herói” do livro é Brad Katsuyama,criador da IEX, uma bolsa eletrônicadesenhada para impedir que os nego-ciadores de alta frequência tirem vanta-gem de suas conexões super-rápidas. AIEX, por exemplo, não oferece co-loca-tion. Nesse serviço, outras bolsas alu-gam espaço para que investidores colo-quem seus computadores do lado dosservidores das próprias bolsas, para teracesso mais rápido à informação.

A moda nos tempos do InstagramUtilização da rede social de fotos em desfiles muda a maneira como estilistas, jornalistas e o público em geral captam as novas tendências

RENATOCRUZ●✽ [email protected]

Matthew SchneierTHE NEW YORK TIMES

Na exposição de Dries VanNoten no Musée des Arts Dé-coratifs, em Paris, há um ví-deo reunindo sequências de20 anos de seus espetáculosna passarela. Numa visitaguiada pela exposição ofereci-da há pouco tempo, Van No-ten acenava positivamentecom a cabeça enquanto mo-mentos memoráveis eramexibidos: modelos masculi-nos pedalando bicicletas, mu-lheres caminhando sobreuma imensa mesa de jantar.Mas o que mais chamava aatenção era o número de pon-tos fantasmagóricos ilumi-nando o rosto do público dosdesfiles mais recentes. Eramos smartphones, como disseVan Noten.

Os fotógrafos profissionaisposicionados imediatamentejunto da passarela representamagora apenas uma fração daque-les que se ocupam furiosamentede documentar cada modelo,acessório e detalhe cenográfico.Quase todos os frequentadoresdo desfile, desde a primeira filaaté a plateia mais distante, che-gam agora com o celular em pu-nho, já com o Instagram aberto.

Presente em cada par demãos, a câmera do smartphonese tornou tão pouco notávelque, quando Danielle Sherman,diretora de criação da Edun, so-licitou um diretor e um esqua-drão de 20 iPhones 5s empresta-dos para criar um vídeo de suacoleção outono 2014, quase nãohouve surpresa. “Ninguém dis-se nada, nem questionou, nemmesmo notou”, disse ela.

AssiméamodanaeradoInsta-gram, um período no qual a mí-dia digital está mudando a ma-neira com a qual as roupas sãoapresentadas ou mesmo dese-nhadas. Conforme os desfilessão ajustados para se tornaremexperiências socialmente com-partilhadas, e a própria moda érepensada para atrair os olharesnuma tela bidimencional, al-guns céticos indagam a respeitodaquilo que é perdido ou sacrifi-cado quando a moda é submeti-da ao moinho digital. Não restadúvida que o advento da mídiadigital alterou a moda de manei-

ra fundamental, diz o estilistaAlexander Wang: “Houve umamudança na forma de fotogra-far, na forma de exibir e na formade fazer e desenhar as roupas”.

Revolução. A mídia digital alte-

rou também a maneira de cobrira moda, de consumi-la e com-partilhá-la. As publicações e si-tes especializados no setor queantes se consideravam o redutodo jornalismo de moda tiveramseu território invadido por indi-

víduos. “Agora vejo os desfilesno Instagram”, disse Eva Chen,editora-chefe da Lucky, site es-pecializado em moda.

“Num certo sentido, cada pes-soa no público é seu próprio ca-nal de mídia”, disse Keith Bap-tista, sócio gerente da Project, aagência de talentos de criaçãoque produz desfiles para clien-tes como Wang, Giorgio Arma-ni e Ralph Lauren. “Todos regis-tram esses momentos da expe-riência ao vivo para contar suaspróprias histórias.” (Vale dizerque Eva Chen, por exemplo,tem 10 mil seguidores a mais noInstagram no que a revista naqual ela trabalha.)

Dois mundos. Criar uma expe-riência única – e, por extensão,compartilhável – para os desilu-didos frequentadores dos desfi-les é algo se que tornou parte daresponsabilidade de um estilis-

ta. Os desfiles são pensados pa-ra impressionar não apenas osfrequentadores, mas tambémtodos os seus seguidores. (Issopode ser considerado um neces-sário retorno do investimento,pois, de acordo com Julie Man-nion, presidente de serviços decriação da firma de produção erelações públicas KCD,um gran-de desfile pode custar entre US$2 milhões e US$ 8 milhões).

A designer londrina Mary Ka-trantzou tem consciência daspossibilidades de mostrar seutrabalho na rede desde a épocaem que era estudante da Cen-tral Saint Martins. Depois decriar uma coleção incluindo vá-rias saias com armação, ela selembrou de Louise Wilson, a ex-trovertida diretora do progra-ma de mestrado da faculdade,berrando: “A parte da frente,Mary! Só se pode ver a frente noStyle.com!”. Como no caso de

muitos de sua geração, as estam-pas brilhantes e a paleta de co-res usadas por ela podem ter si-do afetadas pelo espaço digital,como indica Tiziana, mas Marydiz que isso levou sua obra a sedestacar em meio a tantas novi-dades na rede, conferindo a elauma vantagem em relação aosestilistas que não estão cons-cientes do apelo que seus arti-gos podem ter na internet.

E, para os estilistas, é impor-tante lembrar que, no novomundo, cada celular pode seruma câmera. Quando Mary in-troduziu o comércio eletrônicoem seu site, ela usou o Insta-gram par tirar uma foto de umminivestido chamado Mid-night Chrysa, mostrada aosseus seguidores. Trata-se de“um vestido impositivo”, disseela, com preço de US$ 8.680.Ela vendeu três naquele dia. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Alta frequência

Virtual

Para especialistas, novosestilistas passaram a criarroupas pensando emcomo elas ficarão nas fotosdivulgadas pela web

● Plataforma

Chanel.Grife crioumercado‘fake’ paraapresentarsua últimacoleção

DIGITAIS

“Os estilistas mais jovensprestam mais atenção novalor fotogênico de ummodelo. Foi a internetque alterou a linguagem”.Tiziana CardiniEDITORIALISTA DA VOGUE NA ITÁLIA

100 milé o número de itens expostos nosupermercado de mentira que oestilista Karl Lagerfeld criou pa-ra ambientar a coleção outono-in-verno da Chanel em desfile reali-zado na última Semana de Modade Paris, em março. Cada itemcontinha informações customiza-das: o presunto do mercado, porexemplo, tinha a marca Cambon– nome de uma rua na capitalfrancesa onde a grife tem lojas eescritórios próprios.

US$ 10 mié o orçamento estimado para umdesfile de grandes proporçõescomo o da grife francesa Chanel,previsto para ter no máximo 10minutos de duração.

US$ 5 michega a ser o orçamento médiopara um desfile, de acordo comestimativas de Julie Mannion,presidente da KCD, empresa es-pecializada em consultoria

VALERIO MEZZANOTTI/NYT