A Moral Do Dever Em Kant

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A moral do dever em Kant Por: Neiva da Silva Martinelli A doutrina moral de Kant é independente de qualquer sentido religioso. Sua moral exclui a noção de intenção como elemento de uma alma pura, e o dever não é uma obrigação a ser seguida em virtude de um ente superior. Intenção e dever (em Kant) dependem do sujeito epistemológico (eu transcendental) e não do eu psicológico (indivíduo). Para Kant, o sujeito transcendental trata-se de uma maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva, universal e necessária (presente em todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares). Assim, todo ser saudável possui tal aparato, formado por três campos: a razão, o entendimento (categorias) e a sensibilidade (formas puras da intuição-espaço e tempo). Em Kant, a razão (faculdade das idéias) é que preserva os princípios que articulam intenção e dever conforme a autonomia do sujeito. Desse modo segue-se que tais princípios não podem ser negados sem autocontradição. Daí deriva a idéia de liberdade kantiana, de um caráter sintético a priori, sendo que sem liberdade não pode haver nenhum ato moral; para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres. - O imperativo categórico O comando moral que faz com que nossas ações sejam moralmente boas, se expressa no imperativo categórico: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, FMC, 2004, p. 51). Essa lei está atada à razão pura prática. Todo sujeito é racional (tem raciocínio lógico), por isso tem condição de sujeito moral, dotado de normas. Exercer uma ação contrária levaria ao absurdo. O exemplo que Kant nos dá (KANT, FMC, 2004) a respeito da mentira é o mais conhecido. Poderia alguém mentir em benefício próprio, de um ente querido, ou mesmo em favor da humanidade? Kant, nos diz não, pois a mentira jamais poderia ser universalizada sem autocontradição: (...) pois, segundo essa lei, não poderia haver propriamente promessa alguma, já que seria inútil afirmar a minha vontade quanto a minhas futuras ações, pois as pessoas não acreditariam em meu fingimento, ou, se precipitadamente o fizessem, pagar-me-iam na mesma moeda. Portanto, a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente (KANT, FMC, 2004, p. 31). Desse modo, cada sujeito, tem um alarme acionado na sua consciência moral (com a razão pura prática funcionando), que evidencia essa contradição, alertando que essa ação deve ser refutada, visto que essa ação não pode servir para todos. Assim, consultando a razão pura prática (como deveria alguém agir na minha situação?), constataremos que se todos se utilizassem dessa ação, o mundo seria um verdadeiro caos. O imperativo categórico em Kant é uma forma a priori, pura, independente do útil ou prejudicial. É uma escolha voluntária racional, por finalidade e não causalidade. Superam-se os interesses e impõe-se o ser moral, o dever. O dever é o princípio supremo de toda a moralidade (moral deontológica). Dessa forma uma ação é certa quando realizada por um sentimento de dever. A razão é a condição a priori da vontade, por isso independe da experiência. - Diferenças entre os imperativos

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Síntese da ética kanteana

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A moral do dever em KantPor: Neiva da Silva MartinelliA doutrina moral de Kant independente de qualquer sentido religioso. Sua moral exclui a noo de inteno como elemento de uma alma pura, e o dever no uma obrigao a ser seguida em virtude de um ente superior. Inteno e dever (em Kant) dependem do sujeito epistemolgico (eu transcendental) e no do eu psicolgico (indivduo). Para Kant, o sujeito transcendental trata-se de uma maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva, universal e necessria (presente em todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares). Assim, todo ser saudvel possui tal aparato, formado por trs campos: a razo, o entendimento (categorias) e a sensibilidade (formas puras da intuio-espao e tempo). Em Kant, a razo (faculdade das idias) que preserva os princpios que articulam inteno e dever conforme a autonomia do sujeito. Desse modo segue-se que tais princpios no podem ser negados sem autocontradio. Da deriva a idia de liberdade kantiana, de um carter sinttico a priori, sendo que sem liberdade no pode haver nenhum ato moral; para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres. - O imperativo categrico O comando moral que faz com que nossas aes sejam moralmente boas, se expressa no imperativo categrico: age s segundo mxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal (KANT, FMC, 2004, p. 51). Essa lei est atada razo pura prtica. Todo sujeito racional (tem raciocnio lgico), por isso tem condio de sujeito moral, dotado de normas. Exercer uma ao contrria levaria ao absurdo. O exemplo que Kant nos d (KANT, FMC, 2004) a respeito da mentira o mais conhecido. Poderia algum mentir em benefcio prprio, de um ente querido, ou mesmo em favor da humanidade? Kant, nos diz no, pois a mentira jamais poderia ser universalizada sem autocontradio: (...) pois, segundo essa lei, no poderia haver propriamente promessa alguma, j que seria intil afirmar a minha vontade quanto a minhas futuras aes, pois as pessoas no acreditariam em meu fingimento, ou, se precipitadamente o fizessem, pagar-me-iam na mesma moeda. Portanto, a minha mxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente (KANT, FMC, 2004, p. 31). Desse modo, cada sujeito, tem um alarme acionado na sua conscincia moral (com a razo pura prtica funcionando), que evidencia essa contradio, alertando que essa ao deve ser refutada, visto que essa ao no pode servir para todos. Assim, consultando a razo pura prtica (como deveria algum agir na minha situao?), constataremos que se todos se utilizassem dessa ao, o mundo seria um verdadeiro caos. O imperativo categrico em Kant uma forma a priori, pura, independente do til ou prejudicial. uma escolha voluntria racional, por finalidade e no causalidade. Superam-se os interesses e impe-se o ser moral, o dever. O dever o princpio supremo de toda a moralidade (moral deontolgica). Dessa forma uma ao certa quando realizada por um sentimento de dever. A razo a condio a priori da vontade, por isso independe da experincia. - Diferenas entre os imperativos Todos os imperativos ordenam, e so frmulas para exprimir as relaes entre as leis objetivas do querer em geral, e a discordncia subjetiva da vontade humana. Imperativo hipottico: no caso de a ao ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, ou seja, em vista de algum propsito possvel ou real. A habilidade na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar prprio pode-se chamar sagacidade. Por exemplo, a escolha dos meios para alcanar a prpria felicidade (no um ideal da razo, mas da imaginao), continua sendo um imperativo hipottico (considerados mais como conselhos). Imperativo Categrico: no limitado a nenhuma condio, um mandamento absoluto (necessrio), vale como princpio apodctico-prtico (da razo). Segue-se que somente o imperativo categrico equivale a uma lei prtica, e os outros imperativos podem ser denominados de princpios da vontade, mas no leis. Pois, conforme nos diz Kant o mandamento incondicional no deixa vontade nenhum arbtrio acerca do que ordena, s ele tendo, portanto, em si, aquela necessidade que exigimos na lei (KANT, FMC, 2004, p. 50). - As frmulas do Imperativo Categrico Alm da frmula da universalidade da lei, que vimos no que foi exposto anteriormente temos duas outras frmulas: 1- baseada na humanidade como fim: Kant afirma que todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, e no apenas como meio para uso arbitrrio desta ou daquela vontade. Assim o imperativo prtico ser o seguinte: age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio (KANT, FMC, 2004, p. 59). 2- baseada na vontade legisladora universal: a vontade da ao deve ser vista como um dever, ou seja, a idia da vontade de todo ser racional concebida como vontade legisladora universal. Segundo esse princpio, Kant afirma: A vontade no est, pois, simplesmente submetida lei, mas o est de tal maneira que possa ser tambm considerada legisladora ela mesma, e precisamente por isso ento submetida lei (de que ela mesma pode ser considerada como autora KANT, FMC, 2004, p. 62). - Uma Especificao de Fato de Razo e Liberdade nas aes O fato de razo se revela na deciso e no na contemplao. Contemplamos todas as caractersticas possveis, nossas motivaes pessoais, as circunstncias do momento, e nos perguntamos novamente: o que eu deveria fazer? Depois de ter a convico de ter levado tudo em conta, tomar uma deciso por mais difcil que seja, isso corresponde ao fato de razo. Dessa maneira o fato de razo apresentado mediante nossa reflexo (avaliao) de nossas mximas como princpio de vida. Os princpios diversos da prpria razo, baseados em motivos invertidos constituem o que chamamos de mal (transgresso dos limites da razo). E na maldade a avaliao que se faz dos pensamentos corrompida na origem. Como se v, a razo pura uma razo livre de motivos empricos ou particulares, sem interesses do que se pode conseguir com tal ato. E a razo emprica se reduz aos nossos interesses, com base na experincia, em que criamos conceitos de como satisfaz-los. A liberdade consiste na deciso, que leva em considerao padres universais aplicveis que estabeleam a harmonia coletiva. Assim, o indivduo encontra em si mesmo os padres universais que ele consegue exteriorizar. A liberdade exige que a pessoa tome sua deciso baseada em si mesma, partindo de uma viso exterior, que ela vislumbra do seu prprio interior, afirmando sua individualidade. A aplicabilidade de conceitos morais para ns, conseqncia de nossa liberdade. Ao tomarmos conscincia de nossos impulsos, desejos e suas motivaes nos confrontamos se iremos atend-los ou no, e da que parte a nossa liberdade, no confronto de uma questo; faremos as nossas escolhas atravs de uma avaliao. E, se do contrrio, no fizermos o confronto (a anlise), atendendo prontamente aos nossos instintos, ainda assim, teremos tomados uma deciso, que foi conseqncia de nossa liberdade num posicionamento moral. A liberdade humana o fundamento de nossas aes e princpios de vida, fazendo parte essencial na prtica moral. No havendo determinao imediata da razo, no valor moral da ao, o prprio conceito de razo prtica questionvel. Pois, se ela no imediata, no pura, admitindo inclinaes. Para que as leis existam, a vontade deve estar fundada na razo, do contrrio s teremos princpios prticos baseados na subjetividade. Podemos verificar que o solipsismo (negao de tudo que esteja fora da experincia do indivduo) vem a ser uma relao patolgica consigo mesmo. Trata-se de nosso sistema de inclinaes (desejos, impulsos) guiados pelo amor de si ou felicidade prpria. E amor de si corresponde a arrogncia (presuno), amor prprio. Portanto, a razo prtica no pode ser solipsista, pois se baseia na moral prtica entre os homens, nas aes livres segundo as mximas, que se convertem em uma lei universal. O nico amor que pode ser ordenado o amor prtico, que reside na vontade, no patolgico, sem inclinaes, mas por dever (ama teu prximo, at teus inimigos). Consideraes finais Em Kant o dever a necessidade de uma ao por respeito lei. E uma ao por dever elimina todas as inclinaes (todo o objeto da vontade), e, portanto, s resta vontade obedecer lei prtica (baseada na mxima universal), pois trata-se de um princpio que est ligado vontade. O valor moral da ao no reside no efeito que dela se espera, pois o fundamento da vontade a representao da lei e no o efeito esperado (uma boa vontade no boa pelo que promove ou realiza, mas pelo simples querer, em si mesma). A tica kantiana a tica do dever, autocoero da razo, que concilia dever e liberdade. O pensamento do dever derruba a arrogncia e o amor prprio, e tido como princpio supremo de toda a moralidade.Referncias Bibliogrficas KANT, Immanuel. Fundamentao da metafsica dos costumes e outros escritos. So Paulo: Martin Claret: 2004. Disponvel em: . Acesso em: 09 jun. 2014.PARA REFLEXO/DISCUSSO