A Morte de Danton 1

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o u .Õ1 'lU t= O ~ .o O VI .Q lU VI C u.J 132 Este, pensando que Ottokar matara sua filha, lança-se contra aquele que usa as roupas de Ottokar e mata a própria filha, cuja morte quer vingar. Desse modo, a roupa de Ottokar, su- postamente uma salvação para Agnes, converte-se em sua ruí- na, e o amor que deveria vencer a inimizade torna-se seu ter- rível cúmplice e vingador. Os pais, uma vez despertados para a verdade, podem até acabar apertando as mãos em sinal de reconciliação; no entanto, Johann, filho natural de Rupert, que como tal não é contemplado pelo contrato testamentário e por isso é um filho da natureza, perde a cabeça por causa do mundo antinatural, lançando sobre a cena dessa concórdia demasiado tardia uma sombra de loucura que lembra Shakes- peare. Para Úrsula, irmã das bruxas de Macbeth, que se en- contra na origem do engano trágico, ele diz as palavras de terrível ironia, que convertem o mal em bem depois que o bem se tornara tragicamente o mal: "Vá embora, velha bruxa. Você fez um bom truque,! Estou satisfeito com a obra, embora."!' BÜCHNERII A morte de Danton 1 A peça de Büchner é a ,tr~édia do rev~lucionário. Danton não morre como marur da revoluçao - tomba como vítima dela. A revolução aniquila até mesmo o revolucionário que tenta impedir que ela se converta em tirania. Reunindo tragicamente criação e destruição, a ligação entre revolução e tirania lembra a relação entre pai e filho que está na base de Édipo Rei. Mas o aprofundamento rnítico do contexto histó- rico já está consumado na obra de Büchner. "A revolução é como Saturno: ela devora seus próprios filhos", diz Danton. ! E Saint- Just, que acredita na significação desse sacrifício, ou pelo menos finge que acredita, compara a revolução com as filhas de Pélias, em seu discurso perante a Convenção Nacio- nal que deve condenar Danton: ''A revolução despedaça a humanidade, para rejuvenescê-la.Y Nesse caso, a ironia da comparação passa despercebida ou é silenciada, pois as filhas do rei de Iolco foram vítimas do conselho demoníaco de Me- déia: na ilusão de rejuvenescer seu pai, mataram-no. A con- versão da felicidade em infortúnio, que também caracteriza o curso histórico, está presente na própria estrutura antitética da revolução, que se baseia simultaneamente no amor e no ódio. Como a virtude tem que usar o horror a seu serviço, ela se transforma necessariamente em seu oposto. A revolução, que a princípio foi destrutiva para poder trazer alívio, no final destrói porque não pode aliviar. "Saiam da frente! Saiam! Meus filhos estão chorando, estão com fome. Preciso deixa-los ver para que fiquem quietos. Saiam!":', grita uma mãe na Praça da Revolução durante a execução de Danton. A 133

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parte 1

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    Este, pensando que Ottokar matara sua filha, lana-se contraaquele que usa as roupas de Ottokar e mata a prpria filha,cuja morte quer vingar. Desse modo, a roupa de Ottokar, su-postamente uma salvao para Agnes, converte-se em sua ru-na, e o amor que deveria vencer a inimizade torna-se seu ter-rvel cmplice e vingador. Os pais, uma vez despertados paraa verdade, podem at acabar apertando as mos em sinal dereconciliao; no entanto, Johann, filho natural de Rupert,que como tal no contemplado pelo contrato testamentrioe por isso um filho da natureza, perde a cabea por causa domundo antinatural, lanando sobre a cena dessa concrdiademasiado tardia uma sombra de loucura que lembra Shakes-peare. Para rsula, irm das bruxas de Macbeth, que se en-contra na origem do engano trgico, ele diz as palavras deterrvel ironia, que convertem o mal em bem depois que obem se tornara tragicamente o mal: "V embora, velha bruxa.Voc fez um bom truque,! Estou satisfeito com a obra, vembora."!'

    BCHNERIIA morte de Danton

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    Apea de Bchner a ,tr~dia do rev~lucionrio. Dantonno morre como marur da revoluao - tomba comovtima dela. A revoluo aniquila at mesmo o revolucionrioque tenta impedir que ela se converta em tirania. Reunindotragicamente criao e destruio, a ligao entre revoluo etirania lembra a relao entre pai e filho que est na base dedipo Rei. Mas o aprofundamento rntico do contexto hist-rico j est consumado na obra de Bchner. "A revoluo como Saturno: ela devora seus prprios filhos", diz Danton. !E Saint- Just, que acredita na significao desse sacrifcio, oupelo menos finge que acredita, compara a revoluo com asfilhas de Plias, em seu discurso perante a Conveno Nacio-nal que deve condenar Danton: ''A revoluo despedaa ahumanidade, para rejuvenesc-la.Y Nesse caso, a ironia dacomparao passa despercebida ou silenciada, pois as filhasdo rei de Iolco foram vtimas do conselho demonaco de Me-dia: na iluso de rejuvenescer seu pai, mataram-no. A con-verso da felicidade em infortnio, que tambm caracteriza ocurso histrico, est presente na prpria estrutura antitticada revoluo, que se baseia simultaneamente no amor e nodio. Como a virtude tem que usar o horror a seu servio, elase transforma necessariamente em seu oposto. A revoluo,que a princpio foi destrutiva para poder trazer alvio, nofinal destri porque no pode aliviar. "Saiam da frente!Saiam! Meus filhos esto chorando, esto com fome. Precisodeixa-los ver para que fiquem quietos. Saiam!":', grita umame na Praa da Revoluo durante a execuo de Danton. A 133