A Morte Lenta Da Cultura Parakana

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    Educao Sistematizada: a morte lenta da cultura Parakan

    RESUMOtrabalho avaliou as interferncias tnico-culturais ocasionadas pelo processo deEducao Sistematizada implantado nas aldeias Parakan. O projeto de pesquisafoi aprovado pelo Comit de tica da Universidade e pelos rgos envolvidos naEducao indgena e gesto da Aldeia, aos quais foi garantido o acesso aos seusresultados finais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, baseada em documentos, entre-vistas semi-estruturadas com os ndios idosos e questionrios aplicados aos professores endios jovens. Foram tomados registros fotogrficos cotidianos das duas aldeias pesquisadas.Os dados obtidos indicam a morte lenta da cultura e dos saberes empricos tpicos da etnia,uma vez que o contedo programtico aplicado no processo de Educao Sistematizada,planejado e executado por professores no-indios, no os contempla. Constatou-se aexistncia de contradies entre a percepo dos professores e dos ndios acerca dastradies e atitudes tpicas. H flagrantes barreiras na comunicao entre eles, pois osprofessores no dominam o dialeto, e uma clara dicotomia entre os ndios jovens e idosossobre a importncia da manuteno dos usos e costumes da etnia, atualmente praticadospelos ndios idosos. Observou-se o abandono dos adereos indgenas e a adoo do pa-dro de comportamento do homem civilizado, evidenciando o aculturamento daquele povo.

    Palavras-chave: Educao sistematizada. Interferncias tnico-culturais. Nao Parakan.Saberes empricos.

    SYSTEMATIZED EDUCATION: THE SLOW DEATH OF THE PARAKAN CULTURE

    ABSTRACThis research investigates cultural interferences from the Systematized EducationalProcess implemented for the Parakan People located in the Xingu area, west of thestate of Para. This project was previously submitted to the University of TaubatEthics Committee and the Education Secretary of Belem do Par Municipality, whichhas accessed its results. Methodological procedures were based on a qualitative approachsupported by documental analysis, interviews and questionnaires. Furthermore, some ofthe most important cultural and religious events have been documented as a photographicdiary. The data collected underwent interpretive analysis. The chosen sample reflected10% of the whole population living in the same location. Research findings reveal that theeducational program does not consider the Parakan Peoples culture. A dichotomy wasnoticed in the way teachers perceive the relevance of preserving Indian traditions andspontaneous attitudes. Moreover, there are strong communication barriers as teachers donot understand their dialect. Within the Indian group, there is a visible dichotomy betweenthe youngest and the oldest ones about the maintenance of ethnic customs demonstratedby the abandonment of traditional clothing and adornments to adopt non-Indian behavioralstandards which reveals a process of ongoing cultural change.

    Key words: Education. Ethnic interference. Parakan Nation. Experienced knowledge

    EDUCAO SISTEMATIZADA: A MORTE LENTA DACULTURA PARAKANRosimar Miranda Teixeira*Isabel Cristina dos Santos**

    Edson Aparecida de Arajo Querido Oliveira***

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    *Mestre pelo Programa de Mestrado em Gesto e Desenvolvimento Regional da Universidade deTaubatUNITAU. Profa. do Instituto de Desenvolvimento Educacional do Par e da UniversidadeEstadual Vale do Acara IDEPA/ UVA. Endereo: Rodovia Augusto Montenegro Conj. COHAB, Trav.SN 4 n 230, GL I, Nova Marambaia. Belm/PA. CEP: 66.623.278 . E-mail: [email protected]**Doutora pela Escola Politcnica da Universidade de So Paulo. Profa. Assistente e Pesquisadora doPrograma de Mestrado em Gesto e Desenvolvimento Regional da UNITAU. E-mail:[email protected]***Doutor pelo Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA). Prof. Assistente, Pesquisador e Coorde-nador Geral do Programa de Mestrado em Gesto e Desenvolvimento Regional da UNITAU. E-mail:[email protected]

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    Introduoquesto indgena brasileira assume uma nova dimenso a partir da promul-gao da Constituio Federal de 1988. A nova lei assegura ao ndio brasi-leiro o direito manuteno de sua identidade cultural, conferindo ao Esta-do o dever de proteger o cidado ndio e atribuindo ao Ministrio da Educa-o a responsabilidade de oferecer aos ndios uma educao especfica e de qua-lidade. Vale salientar que essa foi a primeira grande ao formal para a construode uma Poltica Educacional especfica para os povos indgenas, cujo princpio maiorbaseou-se no respeito diversidade tnica e cultural dos ndios e ao reconheci-mento dos saberes tradicionais, experienciados ao longo de vrias geraes.Tem-se, ento, a abertura do dilogo acerca do reconhecimento das dife-renas culturais existentes na sociedade brasileira, bem como da importncia dese gerar modelos educativos e prticas pedaggicas que assegurem e satisfaamas necessidades bsicas de educao do povo brasileiro, seja qual for sua etnia.Esse compromisso foi assumido a partir da LDBEN/96, bem como da elaborao doPlano Decenal de Educao Para Todos, que estabeleceu um programa adequados minorias ticas do pas e focou na valorizao da imagem do ndio brasileiro,figura marginalizada desde a descoberta do Brasil.Outro aspecto importante no que concerne Educao Sistematizada dosPovos Indgenas a abertura de caminhos para uma reflexo mltipla acerca dointercmbio entre os saberes sistematizados considerados padro pela socieda-de no indgena e os saberes empricos vividos pelos povos indgenas.Esta pesquisa tem por objeto de estudo a Educao, especificamente o en-sino fundamental aplicado aos povos indgenas, por considerar que essa reaconfigura um espao de troca, dilogo e de descoberta. Um espao que abrigauma grande riqueza de diversidade saberes e a oportunidade de compreender opapel do educador junto s comunidades indgenas e as interferncias dessa re-lao no processo de desenvolvimento desses povos.

    A Evoluo da Educao Indgena no BrasilA Educao brasileira teve seu aporte ancorado nos princpios da Compa-nhia de Jesus e seus missionrios coordenados pelo Padre Manoel da Nbrega.Para Portugal, era necessrio consolidar a subservincia e o sentimento daColnia aos que viviam no territrio recm-descoberto. Para os nativos do Brasil, aEducao por eles praticada era sinnimo de resistncia nova ordem que seinstalava, pois os curumins crianas, na lngua tupi-guarani, eram educados pe-los adultos da tribo - pais, avs e tios. Em algumas tribos, o paj era o respons-vel por passar os valores culturais a toda gerao que se iniciava na comunidade.(RIBEIRO, 1986).Assim, a educao sistemtica implantada no Brasil passa a desempenharum novo papel, muito mais orientado pelo esforo de catequizao e dissemina-o do catolicismo, e dos seus ritos, do que pela tipicidade do trabalho agrcola, oqual prescindia de mo-de-obra especializada. Aranha (2006, p.139) descreve essemomento.As metrpoles europias enviaram ao Brasil religiosos para o trabalho mission-rio e pedaggico, com a principal finalidade de converter os gentios e impedirque os colonos se desviassem da f catlica, conforme orientaes da Contra-Reforma.Os missionrios desempenharam papel fundamental no processo da educa-o naquele momento, uma vez que o poder real era dominado pela Igreja Cat-lica, a qual, durante o Absolutismo, representava uma ferramenta importante paraassegurar a unidade poltica na Colnia, de modo a uniformizar a conscincia e af, facilitando, assim, o domnio da metrpole. Assim, a Educao assumia funo

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    de agente colonizador, por meio da unio entre religio e estado. Situao que semanteria estvel at 1759.Contudo, a animosidade entre Portugal e Espanha estava bastante acentu-ada em virtude das sete misses localizadas em frente fronteira da Regio doRio da Prata, nos locais onde ocorreram s guerras guaranticas. Nesse momento,crescia-se a averso Companhia de Jesus, pois a ordem jesutica ainda tinhaforte influncia sobre a populao, o que era tido como uma ameaa constante satividades do governo. Como se no bastasse, a Companhia contava ainda comuma estrutura de, aproximadamente, 25 residncias, 36 misses e 17 colgios eseminrios em pleno funcionamento, sem contar as escolas de ler e escreverespalhadas por todo Brasil (HILSDOF, 2003).A situao ficou a tal nvel insustentvel que o Marqus de Pombal atribuiu Companhia o interesse de formar um imprio temporal cristo na regio das mis-ses (ARANHA, 2006, p. 191). Sob essa ameaa, em 1759, o governo imperial de-creta a expulso da Companhia de Jesus do territrio brasileiro, criando, assim, umhiato na funo tanto missionrio-religiosa quanto educacional, para as comunida-des margem do acesso s escolas. Este era destinado, apenas, elite socialvigente.Longe de ser uma soluo para os problemas de relaes internacionaisentre a metrpole e a Espanha, algumas dcadas mais tardes, Portugal passariapelo risco eminente de invaso pelas tropas de Napoleo. A soluo encontradapor D. Joo VI seria a fuga para a Colnia; um exlio que duraria mais de umadcada.No retorno metrpole, Dom Joo VI foi sucedido por seu filho Pedro, oprncipe regente, que proclamaria a independncia do Brasil, em 1822. Naquelemomento histrico, foi instituda a primeira Constituio Brasileira, a qual, entreoutros temas, descrevia os direitos Educao Bsica, em referendo ao modelo jem prtica na Colnia. A Constituio reforava a concepo de que a Igreja e afamlia seriam responsveis pela Educao, dispondo a gratuidade para o ensinoprimrio apenas para os filhos de escravos nascidos livres ou de escravos liberta-dos. Cria, tambm, colgios e universidades, locais em que seriam ensinados oselementos das Cincias, Belas-artes e de outras reas do conhecimento (ARANHA,2006).Nos 81 anos de reinado imperial no Brasil, apesar de alguns avanos, aEducao foi colocada em segundo plano. Com isso, os grupos sociais que viviamem nvel precrio, principalmente, os negros e ndios, viveram em total abandono,tendo seus direitos negados. Apesar da abolio da escravido, os negros conti-nuaram sem poder exercer sua cidadania. Muitos no tiveram sequer lugar paramorar e uma das alternativas de vidas comunitria, longe do poder opressor dosbrancos, foi a formao dos quilombos, cujos vestgios remanescem at os diasatuais, em quase todo Pas.Com a queda do Imprio, e com incio da Primeira Repblica, em 1889, foiinstaurado no Brasil o sistema de governo representativo, federal e presidencial.O federalismo deu autonomia aos estados na luta pelo poder. Destacaram-se osestados que possuam certa estrutura, no s administrativa, mas, tambm polti-ca e econmica. Esses estados receberam incentivos para fomentar o seu desen-volvimento, o que, segundo Aranha (2006), teria acelerado o processo de distoroe desigualdade, favorecendo os estados de So Paulo, Rio de Janeiro e MinasGerais.Com relao questo indgena, em meio a controvrsias, foi criado o Ser-vio de Proteo ao ndio SPI, por meio do Decreto-lei n 8.072, de 20 de julhode 1910, que tinha como finalidade a organizao das comunidades indgenas hos-tis e arredias, que deveriam ser treinadas e encaminhadas aos centros agrcolas.Nesses centros, sob os moldes do trabalho rural brasileiro, os indgenas recebiamum lote de terra para se instalarem junto aos sertanejos (RIBEIRO, 1986).Em 1940, foi institudo o I Congresso Indianista Interamericano, realizadoem Patzcuaro, Mxico, onde foi aprovada a recomendao de n 59, proposta por

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    delegados indianistas do Panam, Chile, Estados Unidos e Mxico, que criou o Diado ndio para os pases americanos. O Brasil no enviou representao diplomti-ca para este evento, oferecendo sinais da pouca relevncia que atribua ao tema.O congresso tinha como objetivo fazer um estudo a respeito da questo indgenanos diversos setores da educao e instituio de ensino (RAMOS, 1986).No Brasil, a questo indgena seria superficialmente tratada somente trsanos mais tarde. O Decreto-lei n 5.540, de 02 de junho de 1943, assinado peloento Presidente Getulio Vargas e pelos ministros Apolnio Sales, da pasta daAgricultura, e Oswaldo Aranha, das Relaes Exteriores, estabeleceu a data de 19de abril como sendo o Dia do ndio.J no ano seguinte, 1944, o Brasil celebraria a data com solenidades e ativi-dades educacionais e divulgao das culturas indgenas; movimento que aconte-ce at os dias atuais. Na maioria das vezes, as instituies de ensino prolongamesta ao por uma semana, o que de certa forma ainda no trata os povos indge-nas com os direitos que lhes so devidos (RAMOS, 1986). Estas solenidades eatividades no passariam de aes livrescas, sem maior amplitude ou conseqn-cias. A questo educacional indgena somente seria melhor definida no lanamen-to da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996.O Servio de Proteo ao ndio, criado em 1910, durante o governo do Pre-sidente Nilo Peanha, com a finalidade de assistir s populaes indgenas, seriaextinto em 1967, sob forte indcio de corrupo e de descaso com a educaoindgena. Para suprir as necessidades da causa indianista, no pas, foi criada aFUNAI Fundao Nacional do ndio, sob a lei n 5.371, de 5 de dezembro de1967, vinculada ao Ministrio da Justia.De acordo com Meira (2007), a FUNAI tem por finalidade exercer, em nomeda Unio, a tutela dos ndios e das comunidades, garantir o cumprimento da pol-tica indigenistas dentro dos princpios de respeito pessoa do ndio e s institui-es e s comunidades tribais; inalienabilidade e posse das terras que ocu-pam e o usufruto exclusivo das riquezas nelas existentes.Alm disso, cabe FUNAI preservar o equilbrio biolgico e cultural na socie-dade nacional; resguardar a identidade diferenciada; gerir o patrimnio indgena;promover estudos, anlises e pesquisas cientficas sobre o ndio, visando pre-servao das culturas e a adequao dos programas assistenciais; promover aprestao de assistncia mdico-sanitria aos ndios; promover a educao debase apropriada ao ndio e o desenvolvimento comunitrio; despertar, por meiode instrumentos de divulgao, o interesse coletivo para causa indgena; exerci-tar o poder de polcia nas reas indgenas e nas matrias atinentes proteodos ndios; e, ainda, cumprir e fazer cumprir as disposies do estatuto do ndio,em vigor, desde a sua criao pela Lei no. 6,001, de 19 de Dezembro de 1973. importante ressaltar que a implantao do Estatuto do ndio, ainda quegradual, redirecionou o debate e o tratamento causa indgena em um sentidomais humanizador e histrico. A sociedade brasileira inicia um processo de resga-te e de valorizao dos povos indgenas. Foram muitos os desafios enfrentadospor parte daqueles que estavam frente das comunidades indgenas e que seempenharam para reorganiz-las e aproxim-las da cultura do homem no ndio(ARAJO; GATT JR, 2002).Para Grupioni (2000), vrios foram os problemas acrescidos questo ind-gena, visto que grande parte do contingente de pessoas, designada para colocarem prtica as aes que doravante foram institudas pela nova ordem, no aten-dia s expectativas reais desses povos, ou por falta de conhecimento da realida-de indgena, ou por rigidez no entendimento dos conceitos a que se destina a lei.Contudo, no que se refere educao indgena e apesar dos instrumentosregulatrios, o Brasil vivenciou cinqenta e quatro anos de total obscuridade. Ain-da que tenha sido criada a FUNAI, em 1967, no perodo decorrido desde a Consti-tuio de 1934 at a de 1988, pouco resultado prtico foi apresentado. O quadrofoi alterado somente a partir do movimento criado pela sociedade brasileira, emprol da volta da democratizao e de liberdade poltica no pas, no final dos anos

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    70. Essa discusso reacende a chama tnue que mal aquecia o debate sobre aquesto indgena. Porm, deve-se ressaltar que, sobre a Educao Indgena, se-ria necessrio esperar at a formulao das Leis de Diretrizes e Bases da Educa-o Nacional, em 1996.No texto constitucional de 1988, a democratizao atingiria tambm os po-vos indgenas, garantindo-lhes acesso Educao e Cidadania, fundamentadanos princpios de igualdade de condies de acesso e permanncia na escola, opluralismo das idias e concepes, a gratuidade do ensino pblico e a gestodemocrtica das instituies de ensino (GHIRALDELLI JR, 2000).A Nova Constituio estendeu o dever do estado para com a Educao B-sica a todos os cidados, s crianas de zero a seis anos e aos jovens e adultosque a ela no tiveram acesso em idade prpria, alm das crianas de sete a quatorzeanos, incluindo a nao indgena, uma vez que evidencia o direito EducaoBsica a todos os cidados, independentemente,.de raa, sexo ou religio.Grupioni (2000) destaca que a Educao Bsica para o povo brasileiro pas-sou a ser um direito pblico subjetivo, podendo os cidados acionar os governantespor negligncia e omisso do seu dever de oferec-la. Os recursos pblicos volta-dos Educao foram ampliados para 18% no mbito federal e para 25% noestadual e no municipal.A educao escolar indgena ganhou nova forma e direcionamento, favo-recendo a abertura para a construo de uma concepo abrangente atreladaao Sistema Nacional de Educao/SNE, no mbito do Ministrio da Educao.Essa transferncia de responsabilidade, da FUNAI para o SNE, foi feita com agarantia de que fossem preservados os atributos particulares dos povos ind-genas, tais como: o uso da lngua materna; a sistematizao dos conhecimen-tos e saberes tradicionais; o uso de materiais didticos adequados e prepara-dos pelos prprios professores ndios; um calendrio especfico s necessida-des e rituais da vida indgena, um currculo diferenciado, bem como a participa-o ativa da comunidade na definio dos objetivos e diretrizes para escolaindgena (VEIGA; FERREIRA, 2005).A Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional/LDBEN/96 define que cabeao Estado Brasileiro recuperar a memria e identidade dos povos indgenas, dis-pondo os conhecimentos tcnico-cientficos sociedade nacional. Nessa ocasio,o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas/RCNEI tornou-se um mar-co significativo na histria da educao indgena brasileira, visto que, pela primei-ra vez, a causa dos ndios tratada de forma apropriada.A Educao aos povos indgenas deve estar voltada, prioritariamente, pre-servao das relaes interculturais destes dentro de uma viso de respeito m-tuo e de tolerncia, no s ao tempo de aprendizagem de cada individuo, mastambm, ao modo de vida das pessoas, de forma a impedir e punir a discriminaode indivduos que no se enquadram na chamada cultura nacional ou dominante(MONTE, 2000, p.119). dever do Estado assumir e garantir que a lngua e asculturas indgenas sejam de interesse pblico e intocvel.O RCNEI foi elaborado com a participao geral da sociedade brasileira. Pos-sui fundamentao histrica, jurdica, antropolgica e pedaggica, que sustenta oideal de educao estabelecido pela Constituio de 1988 escola indgena biln-ge, intercultural e diferenciada , alm de propor a formao do professor paraatuar nas reas indgenas.Grupioni (2000) considera que as alteraes efetuadas na nova Legislaoso positivas e possuem sentido de avanos considerveis. Porm, s a lei no suficiente. necessria a sua efetivao, de fato e de direito, uma vez que, apsvinte anos desde a promulgao da ltima Constituio, os resultados referentes educao indgena tm sido insignificantes.Os povos indgenas, apesar de terem conquistado espao com a nova legis-lao, perderam parte dos incentivos voltados para a sua educao especifica. Naregio Norte, em especial no Estado do Par, as escolas, nas em reas indgenas,atuam como extenses das Secretarias Municipais, o que descaracteriza a pro-

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    posta de uma educao indgena para os ndios.Apesar dos anos decorridos entre o esforo dos jesutas e o esforo empre-endido pelas Secretarias Municipais da Educao, parece que os primeiros osjesutas obtiveram resultados mais consistentes, segundo Aranha (2006), umavez que, naquela circunstncia, permitiu-se a introduo de valores de uma socie-dade com a qual os ndios teriam imediata convivncia. No caso da Educao apli-cada a comunidades indgenas to distantes quanto a Parakan, o contedoprogramtico no se estabelece em prol da convivncia intercultural, mas sim pelasubstituio dos referenciais da cultura indgena pelos padres culturais da cultu-ra branca, ou civilizada.Os Povos Parkan Ontem eHoje no Cenrio Brasileiro

    Os ndios Parakan possuem uma caracterstica autodenominante de Awaet,que significa gente de verdade. Essa denominao foi-lhes dada pelos ndiosArara-Parir, j extintos.Os Arawet chamam os Parakan de iriw pepa y, que significa senhoresdas penas de urubus. Tal denominao em virtude do costume dos Parakan dese enfeitarem com penas de urubus, quando celebram os seus rituais.Os Parakan vivem na terra indgena Parakan, chamada de rea indgenaApyterewa, que se localiza entre os municpios de Senador Jos Porfrio e So Felizdo Xingu, no Estado do Par, com duas aldeias: o Posto Indgena Apyterewa, comuma populao de 203 pessoas, e a Aldeia Xingu, com 161 pessoas (FUNASA,2006).Ambas as aldeias esto situadas margem esquerda do Rio Xingu, sentidoAltamira - So Felix do Xingu, entre os igaraps So Jos e Bom Jardim. O acessos terras Apyterewa feito por barco, pelo Rio Xingu, e por via area. O acesso terra indgena Xingu feito exclusivamente por barco. Pela dificuldade de acessos aldeias, a tribo tem pouca interao externa, exceo de um pequeno comr-cio feito pelos ndios jovens.A chegada dos representantes da FUNAI possibilitou o acesso aos serviosassistenciais que a instituio presta populao indgena e algumas facilidadesdo mundo moderno, como a televiso, que alimentada por energia de um gera-dor leo diesel, e disponvel por sinal de satlite, o que permite uma autonomia,de duas a quatro horas dirias; abriga o Jornal Nacional e a novela. Mas, amodernidade se limita aos poucos recursos de comunicao, uma vez que a regiono tem cobertura de satlite, em tempo integral e, tampouco, alcana sinal detelefone.Os Parakan vivem do cultivo da agricultura de subsistncia, como: mandio-ca, milho, car, batata doce, banana e arroz, da caa, ainda abundante na regio,e da pesca.Na dcada de 1970, em pleno regime militar, a ordem poltica era integraodo pas, com o lema integrar para no entregar. Tendo esse objetivo poltico, aRegio Norte passa a ser alvo de um processo de colonizao acelerado a partirda construo da rodovia Transamaznica e Santarm-Cuiab e da construo dahidreltrica de Tucuru (1974).Contribuiu para o pulso do crescimento regional, a retomada da constru-o da estrada de ferro de Tocantins (iniciada no longnquo ano de 1895) e acorrida acelerada em busca dos grandes castanhais, situados na regio, desde1927. Esses dois movimentos induziram, em 1953, a campanha de pacificaodos ndios, sob a coordenao do Servio de Proteo ao ndio/SPI (FUNAI, 2007).Os povos Parakan da aldeia Apyterewa e os da Aldeia Xingu so conside-rados guerreiros, por tudo que j viveram e conseguiram sobreviver. H, porm,uma caracterstica histrica que responde pela separao dos ndios de uma al-deia e outra. Oliveira (1986) afirma que:

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    Os Parakan do Xingu contam de sua histria, que a ciso entre os gruposocorreu em perodos distintos por motivos de brigas internas e tambm pordoenas, como foi o caso de um surto de poliomielite em 1976, registrado pelaFUNAI. (OLIVEIRA, 1986 apud DA SILVA, 1995, p. 26)No final de 1983, um grupo composto por cento e seis ndios foi encontradopor uma equipe volante sob o comando de Joraroa, nome do ndio-guia daquelaequipe, num acampamento entre as nascentes do Bacaj e Bom Jardim. Em virtu-de da presena de garimpeiros na regio e em face s dificuldades de acesso localidade, a expedio da FUNAI transferiu o grupo para o baixo curso do igarapBom Jardim e, em maro de 1994, um segundo grupo de ndios da etnia Ajowyh,com trinta e uma pessoas, juntou-se ao grupo maior.Foi constitudo, ento, o Posto Indgena Apeterewa-Parakan, que somoucento e trinta e sete integrantes, estabelecendo, desta maneira, um ponto final longa espera de um assentamento definitivo para esse povo, empreitada que seiniciara nos trgicos anos de 1928, quando aquele grupo foi quase dizimado pelocontgio de doenas do homem-branco, como a gripe e a diarria. Esse fato coin-cide com a fundao do Posto de Tocantins.Os Parakan, desde 1928 at o seu assentamento, lutaram para mantersua autonomia, como forma de manter viva a presena de seus antepassados,mas percebendo que estavam definitivamente cercados, acabaram por aceitar efe-tivamente a pacificao, o que, em noutras palavras, significa a aceitao do con-tato e da interveno dos funcionrios da FUNAI, e da obedincia s orientaesdeterminadas pela Fundao.Para Fausto (2007), a pacificao no fora em vo:O esforo de todas essas dcadas para manter a autonomia acabou sendo re-compensado: no primeiro ano de contato, houve apenas trs mortes, sendouma delas por picada de cobra. Descontando-se esta ltima, tivemos um declniodemogrfico de apenas 1,5% - nmero que deixa a nu todas as pacificaesrealizadas anteriormente e estabelece um parmetro para o futuro. Na ocasio,contou-se com recursos financeiros adequados, planejamento das aes, acom-panhamento mdico, funcionrios dedicados e uma pronta aceitao da media-o pelos ndios (FAUSTO, 2007, p. 6 a 8).Atualmente, os Parakan do Xingu e da Apyterewa vivem numa relao har-moniosa com o homem branco. Suas aldeias esto localizadas s margens do RioXingu, o que tem facilitado o intercmbio cultural e comercial. Sem contar que esteacesso facilitou a assistncia que recebem de rgos como FUNAI, FUNASA, SEMEC-ATM, e de um grupo de profissionais da sade pertencente Universidade Federaldo Par, que visita as aldeias duas vezes por ano.

    O Papel do Professor na Educaodos Povos Indgenas

    No processo de integrao nacional, os meios de comunicao tm o papel dehomogeneizao das culturas de grupos sociais distintos, com o intuito de torn-losindivduos similares para o mercado de consumo. Assim, de acordo com Da Silva(1995, p. 193-194), a supremacia econmica e tecnolgica e as conseqentes re-laes de poder, entre os pases e mesmo no interior de uma nao, provocam amarginalizao e inferiorizaro de certos grupos sociais em favor de outros.A constituio histrica da educao brasileira marcada por uma diversida-de de concepes curriculares que se manifestam no cotidiano escolar de acordocom a situao poltica, cultural, econmica e educacional de cada momento hist-rico. Apple (2001) afirma que;A educao est intimamente ligada poltica da cultura. O currculo nunca apenas um conjunto neutro de conhecimento, que de algum modo aparece nostextos e nas salas de aula da nao. Ele sempre parte de uma tradio seleti-va, resultado da seleo de algum, da viso de um grupo acerca do seja conhe-

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    cimento legtimo. produto das tenses, conflitos e concesses culturais, polticase econmicas que organizam e desorganizam um povo (APPLE, 2001, p. 59).Sacristn (2000) considera que o currculo escolar, como um instrumento demediao da realidade social, deve, ao contrrio do que representou por sculosde excluso social, tornarse inclusivo. Sua interveno poltica e pedaggica nodeve se prender to somente ao ensinar a aprender, mas, acima de tudo, ensinara compreender e a questionar o mundo, bem como aprender a aprender. O curr-culo deve servir para que as pessoas possam se sentir valorizadas em suaspotencialidades culturais, tnicas e histricas, de forma a se reconhecerem comoconstrutores da histria acumulada para a Humanidade.Para Pimenta (2000), a educao escolar, na condio de veculo de propa-gao de saberes, deve ser compreendida a partir da anlise das diversas reali-dades que cercam o trabalho docente, como: os nveis de classes sociais, as for-mas de preconceito, respeito s diferenas, as interferncias tnicas, a promooda identidade; tudo isto atravs dos contedos e das metodologias, de maneiradinmica e no apenas repetitiva. Esses aspectos so fundamentais para a cons-truo do conhecimento. No entanto, entende-se que, para que esta ao seconstitua, o processo perpassa por questes muito mais elaboradas, o que nosafirma Morin (1993):Conhecimento no se reduz informao. Esta um primeiro estgio daquele.Conhecer implica um segundo estgio: o de trabalhar com as informaes clas-sificando-as e contextualizando-as. O terceiro tem a ver com a inteligncia, aconscincia ou sabedoria. Inteligncia tem a ver com a arte de veicular conheci-mento de maneira til e pertinente, isto , de produzir novas formas de progres-so e desenvolvimento (MORIN, 1993 apud PIMENTA, 2000, p. 21).Um dos aspectos importantes dos saberes o multiculturalismo existenteno currculo, isto , uma prtica educativa cuja base estrutural seja a realidadedas pessoas envolvidas na dinmica do conhecimento, permitindo buscar no coti-diano do educando as percepes necessrias promoo da cidadania, alcan-ando os interesses de aprender e ensinar daqueles que compem um dado con-texto social. Realidade quase sempre em discordncia com a da educao indge-na brasileira (MACHAD0, 2002).Cabe, neste ponto de discusso, uma reflexo acerca do papel do educador,que no pode resumir-se ao de um de mero expectador da histria. Tampouco,caberia ao educador o papel de um aplicador de contedos sistematizados. Aoeducador cabe, como prope Candau (1984), tornar-se desafiador da educaodo seu tempo, construindo pedra sobre pedra para alcanar o projeto histricoforjado das relaes dirias, a partir do currculo oculto de cada individuo, propon-do, intervindo na realidade de tal maneira que os sujeitos possam adquirir auto-nomia e liberdade suficientes para traarem suas prprias metas de vida.O papel da escola e dos educadores atuais deve, necessariamente, estar com-prometido com a implantao de uma concepo de currculo com espao reservadopara o dilogo entre as diferentes culturas. Um espao em que os grupos excludos docurrculo escolar, a exemplo dos indgenas, sejam verdadeiramente representados.Para Thrurie (2002), as reformas atuais colocam os professores frente adesafios primordiais: o de reinventar sua escola, considerando-a um espao detrabalho e o desafio de reinventar a si prprio, como ator de uma profisso queexige atualizao contnua e entrega. As questes convidam o educador a assu-mir e conviver com desafios intelectuais e emocionais que envolvem contextos detrabalho e situaes bastante diversas daquelas que caracterizam o cenrio es-colar no qual aprendeu seu ofcio.Observa-se que os educadores do sculo XXI no s carecem de reinventarsuas prticas pedaggicas e as relaes entre colegas, mas, necessariamente,precisam introduzir em sua prxis novos conceitos de aprendizagem e permanen-tes arranjos didticos, para que, assim, possam responder de maneira mais eficaze com heterogeneidade aos saberes que ocupam o espao da sala de aula.

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    Fvero (2006) considera que um dos papis da Universidade fomentar edesenvolver, na formao dos professores, o ensino baseado na pesquisa, paraque estes possam desempenhar suas aes, apoiados em concepo de resolu-o de problemas. S com a pesquisa desenvolvida na sala de aula, os professo-res tero condies de avanar e, assim, possibilitar que os alunos desenvolvamcompetncias necessrias para enfrentar os problemas do dia-a-dia.Alves e Garcia (2006) defendem que os cursos de formao de professoroferecidos pelas Universidades devem acompanhar o movimento estabelecido nocontexto escolar, ou seja, o currculo pensado para a formao desses professo-res deve congregar a base comum dos conhecimentos estabelecidos para formaros alunos das sries iniciais. As prticas desenvolvidas nas universidades devempriorizar ensinamentos que possibilitem ao futuro professor subsdios que sus-tentem sua prtica, to logo adentre em sala de sala.Para Veiga e Ferreira (2005), a varivel sociolingstica um fator prepon-derante no processo da educao dos povos indgenas e deve ser consideradatanto por educadores no ndios como por educadores indgenas. Em muitas co-munidades, os ndios no falam a lngua dos Educadores, e o contrrio tambmverdadeiro. Esse fato dificulta o dilogo, tornando os esforos de entendimentopouco produtivos. No caso do educador no ndio, preciso que haja muito esfor-o em compreender a lngua falada por aquela comunidade, evitando, assim, quehaja uma descaracterizao da linguagem do grupo.E, finalmente, no basta que o professor tenha competncia para trabalharos contedos previstos para com as comunidades indgenas. Acima de tudo, fundamental que tenha compromisso poltico e social, para, assim, respeitar e, aomesmo tempo, colocar em ponto de igualdade estes povos, por tanto tempo ex-cludos do contexto poltico nacional.Metodologia

    Para que a pesquisa acerca das interferncias culturais ocasionadas peloprocesso de Educao Sistematizada implantado nas aldeias Parakan fosse exe-cutada, foi planejada uma estratgia de pesquisa mista, com procedimentos ade-quados operacionalizao de tal investigao, que conta com recursostecnolgicos mnimos ou inexistentes. A opo foi a adoo de uma abordagemqualitativa de carter exploratrio-descritivo; para o tratamento de dados foi feitoum recorte quali-quantitativo.O mtodo de pesquisa empregado foi baseado no uso de trs tcnicas decoleta de dados: pesquisa histrico-documental; observao participante, entre-vistas semi-estruturadas; e aplicao de questionrios auto-dirigidos.A observao participante foi um procedimento metodolgico adotado noacompanhamento dos principais eventos cotidianos da Aldeia, relacionados aotema e ao objeto da pesquisa, incluindo o registro fotogrfico dos eventos consi-derados mais relevantes documentao dos resultados obtidos. As entrevistasforam dirigidas a uma amostra selecionada de ndios idosos, no-alfabetizados naLngua Portuguesa, e, de acordo com a Constituio Federal do Brasil, de 1988,inimputveis. Os questionrios foram entregues aos jovens ndios alfabetizadosna Lngua Portuguesa, mas, ainda assim, inimputveis e aos demais sujeitosno-ndios da pesquisa.A metodologia usada permitiu uma interpretao do cotidiano dos povosParakan e a compreenso da dinmica nas relaes entre as prticas pedaggi-cas desenvolvidas e suas possveis interferncias no processo de educao dessegrupo tnico.As fontes de informaes utilizadas basearam-se em estudos bibliogrficos,o que permitiu a identificao das principais teorias acerca do objeto, estabele-cendo, por meio da anlise documental, um quadro de referncias tericas e pr-ticas sobre o tratamento da questo indgena pelos rgos responsveis; bemcomo um levantamento da historicidade do processo educacional para os povos

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    indgenas. Estabeleceu-se, ainda, uma relao entre a proposta implantada nasaldeias e as Leis e Diretrizes Nacionais da educao indgena.

    A opo por diferentes tipos de pesquisa baseou-se na necessidade deapropriar abordagem qualitativa diferentes meios de coleta de dados que abri-gassem as especificidades dos sujeitos envolvidos: do grupo alfabetizado, comcapacidade de responder, de modo autnomo, os questionrios; do grupo de ido-sos, que demandou interprete para a conduo de entrevistas semi-estruturadas;e a coleta de impresses do cotidiano, mediante registro fotogrfico, dos quaisparticipam indistintamente ambos os sujeitos.

    A anlise de dados trafegou por dois caminhos: o primeiro, de carter des-critivo em relao aos achados documentais, e o segundo seguiu pautado pelaanlise interpretativa do contedo das entrevistas. A analise interpretativa resul-tou em uma categorizao simples das respostas obtidas, justificada pelo fatodos ndios idosos serem monolnges, no usarem os conectivos gramaticais e,ainda, se valerem da entonao para evidenciar a emoo da fala. Todos essescomponentes da fala indgena, repleta de subjetividade, inviabilizariam a aplica-o de uma tcnica de anlise de contedo mais apurada que, nos termos defini-dos por Bardin (1997, p.19), tem por finalidade a descrio, sistemtica e quanti-tativa do contedo manifesto na comunicao.

    A amostra foi definida por critrios de acessibilidade, a partir de uma popu-lao total de 374 sujeitos, dos quais dez no pertencem comunidade indgenae so funcionrios da SEMEC e professores. Obteve-se a amostra de 35 partici-pantes, nos seguintes grupos: 23 ndios jovens, sendo que 16 deles pertencem ao grupo da Aldeia Apyterewae 07 da Aldeia Xingu. Eles se concentram na faixa etria de 14 a 30 anos,possuem domnio da Lngua Portuguesa, e so alunos da 3 e 4 sries; res-pectivamente; 02 ndios idosos, embora no tenham registro de idade, de acordo com asreferncias de fatos ocorridos, possuem mais de 60 anos. Ambos sedisponibilizaram a participar do estudo. Pelo fato dos ndios idosos no fala-rem portugus, foi necessrio recorrer ao apoio de um intrprete. Para mantera fidelidade das informaes, a entrevista foi gravada mediante autorizaode ambos e do interprete e, posteriormente, transcrita na ntegra; 6 sujeitos no-ndios professores que atuam diretamente nas comunidadesindgenas estudadas; 3 sujeitos no-ndios responsveis pelos Postos Indgenas, pela FUNAI, nasaldeias Apyterewa e Xingu; 01 sujeito no-ndio funcionrio da SEMEC: coordenadora da educao indge-na do Municpio de Altamira.

    A coleta de dados foi consolidada aps a aprovao do projeto de pesquisapelo Comit tica da Universidade de Taubat, e da autorizao da FundaoNacional do ndio e Secretaria Municipal de Educao do Municpio/SEMEC deAltamira. Nessa ocasio, foram entregues questionrios aos sujeitos no-ndiosresponsveis pelos Postos Indgenas e ao sujeito no-ndio funcionrio da SEMEC.Para operacionalizao do levantamento de campo, foram aplicados ques-tionrios aos ndios jovens das duas aldeias e aos sujeitos no-ndios profes-sores. As entrevistas semi-estruturadas foram conduzidas in loco com os ndiosidosos, utilizando-se de interprete. No que se refere aos ndios jovens, a apli-cao dos questionrios foi feita por intermediao dos professores que atuamem sala de aula, aps o esclarecimento acerca da pesquisa e da obteno dolivre consentimento dos referidos informantes.Quanto s entrevistas com os ndios idosos, foi feita uma explanao, comauxlio de um intrprete, a respeito da pesquisa. Feitos os esclarecimentos neces-srios, os participantes foram inquiridos se concordavam ou no em participar doestudo, e se disponibilizariam as informaes para publicao.

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    Para o tratamento dos dados coletados, foram aplicados dois processos: a)os questionrios foram submetidos tabulao e classificados mediante aplicaode critrios da estatstica descritiva; b) as entrevistas com os idosos foram sub-metidas s tcnicas de anlise e interpretao simples do contedo.Resultados e Discusso

    A Constituio Brasileira de 1988 evidencia uma nova proposta educacionalpara os povos indgenas e tem como ponto diferencial o respeito individualidadee aos saberes empricos, concedendo-lhes liberdade para construir e gerenciarsua prpria autonomia. Este um anseio que se percebe na fala de Terena (2001)quando afirma que:Agora queremos comear um novo tempo, caminhar no novo sculo onde aterra dos sonhos de nossos antepassados comea a ter uma nova vida. Umavida que nasce no corao dos mais jovens e onde as crianas indgenas e noindgenas, usando a mesma arma do homem branco, como o papel e a leitura,escrevem um novo texto na histria da nossa gente. Escrevendo a nossa verda-deira historia! A verdadeira historia do nosso Brasil (TERENA, 2001, p. 5).Tal anseio, tambm, est expresso no propsito deste artigo, cujo objetivofoi o de conhecer o processo da educao sistematizada implantada nas comuni-dades indgenas Parakan, de modo a compreender a relao existente entre aao educativa, as disfunes do currculo trabalhado com esta etnia e as interfe-rncias ocasionadas a partir desta ao.As informaes coletadas permitiram o cotejamento entre as caractersticassocioculturais particulares do povo Parakan, a percepo dos sujeitos no-ndiosprofessores e o contedo programtico aplicado no processo de educao siste-matizada. O resultado da pesquisa e das observaes do cotidiano das aldeiasest apresentado a seguir.

    O povo Parakan

    Ambas as tribos so chamadas de Parakan - nome da lngua falada poresses ndios. Esta lngua est classificada na famlia Tupi-guarani. Uma das carac-tersticas da lngua Parakan a inexistncia do vocbulo no. Mesmo na rela-o de ensino entre pais e filhos.Diferente do processo de educao sistematizada, em que h uma fortenfase na busca e justificativa do jeito certo de fazer, no processo de aprendiza-gem tpico desse povo indgena, as crianas aprendem por ensaios e erros, repe-tindo a ao tanto quanto for necessrio. Durante a observao participante, opesquisador no constatou nenhum tipo de interveno durante o ensino, nasocasies ocorridas naquele perodo.Um exemplo dessa forma de ensinar foi observado pelo pesquisador: en-quanto a me produzia os colares de sementes, os filhos, que sempre estavampor perto, mexiam nos objetos usados pela me. Em uma das ocasies, notou-seque as crianas espalhavam as sementes pelo cho. A me, pacientemente, jun-tava as sementes, depositando-as novamente na vasilha. Esse ato repetiu-se atque as crianas percebessem que as sementes deviam ficar na vasilha e no nocho. Em momento algum a me discorreu sobre o jeito certo de fazer ou deagir. Como uma forma de cuidar silenciosa, outro fato foi observado. Este, porm,de cunho familiar. Em certo momento, a pesquisadora observou a atitude de umandia adulta enquanto o marido dirigia-se ao rio para tomar banho. Por todo ocaminho, a esposa ndia seguia distncia o ndio marido e se manteve vigilante equieta at que ele terminasse o banho. Quando inquirida a respeito da atitude,respondeu que acompanhava marida para outra mulher no pega, segundo as

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    palavras da ndia.Os dois exemplos citados permitem vislumbrar, para alm dos sentidos daspalavras, o processo de ensinar e cuidar caracterstico de uma cultura bastantesensorial e que se expressa pelo silncio e pela capacidade de reproduo decomportamentos ancestrais, que esto sendo lentamente alijados do cotidianodas duas aldeias, cuja memria das tradies e dos saberes empricos dessa civi-lizao se perde, em agonia, no isolamento dos poucos ndios idosos que restam.A seguir, so apresentados o perfil scio-demogrfico do povo Parakan,suas percepes acerca do processo de aprendizagem de uma nova linguagem ede seus costumes e tradies, bem como a anlise dos depoimentos dos ndiosidosos. Em seguida, expem-se o perfil dos professores, suas trajetrias juntosaos Parakan e suas percepes a respeito da comunidade indgena.Perfil scio-demogrfico dos ndios jovens da Aldeia Apyterewa e daAldeia Xingu

    Aldeia Apyterewa: no grupo de ndios jovens da amostra, obteve-se a se-guinte constituio: 62,5% dos ndios jovens esto na faixa etria entre 15 e 20 anos. Os demaisndios jovens da amostra concentram-se na estreita faixa etria entre 20 e 25anos; 80% dos ndios jovens so do sexo masculino, 20% do sexo feminino; 100% dos ndios jovens possuem famlia e so alunos da 4 serie do EnsinoFundamental.

    Aldeia Xingu: no grupo de ndios jovens da amostra, observou-se que: 42,8% dos ndios tm entre 14 e 17 anos, e 57,2%, entre 24 e 28 anos; 67% dos ndios jovens so do sexo masculino, 33% do sexo feminino; A totalidade dos ndios jovens possui famlia e cursa a 3 srie do Ensino Fun-damental

    Embora se observe o acesso das ndias s aulas, o nvel de participao dasmulheres na escola , ainda, insignificante. No h uma difuso do valor da apren-dizagem da Lngua Portuguesa, fato que poderia coloc-las em uma condio maisfavorvel de lutar por seus direitos constitucionais, apesar do alto valor que asindias detm nas comunidades. So elas que definem as decises a serem segui-das pelo grupo, e repassam-nas aos seus companheiros para que sejam anuncia-das nas reunies que acontecem na Casa do Guerreiro. Nem as mulheres da tribo,nem visitantes, ndios de outras etnias ou no ndios, tm acesso referida casa,que representa o poder do pseudopatriarcado praticado pela cultura Parakan.Um dado de relevncia constatado ao longo da pesquisa refere-se preco-ce maternidade praticada na cultura Parakan. Nela, a menina, ao atingir a menarca, entregue ao homem escolhido para ser seu parceiro na procriao. Raramente,as meninas Parakan se casam com jovens da mesma idade. Os seus companhei-ros so sempre ndios mais velhos, o que justificaria o receio de assdio por ndiasmais jovens, aos ndios j casados, uma vez que esta a preferncia dos ndiosmais maduros.Percepes dos ndios jovens sobre o processo de educaosistematizada

    Dado que 100% dos ndios jovens, ainda que as faixas etrias difiram entreas aldeias, foram feitas algumas perguntas gerais sobre o processo de aprendiza-gem oferecido pelos professores que atendem as Aldeias. Foram obtidos os se-guintes resultados:Todos os ndios jovens, que compuseram a amostra, gostam e consideram

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    Educao Sistematizada: a morte lenta da cultura Parakan

    importante aprender a Lngua Portuguesa. o que se constata no depoimento aseguir:Ns queremos estudar para conhecer as cincias, as pessoas, conhecer as cin-cias atravs dos estudos. O povo Parakan quer conhecer a cincias dos bran-cos e chegar universidade atravs da sua prpria inteligncia e com ajuda dosbrancos fazer nova descoberta.Para os ndios jovens, aprender um novo idioma relevante, pois sem odomnio da Lngua Portuguesa, dificilmente, tero condies de sobreviver no mundomoderno. O grau de bilingismo crescente, principalmente, entre os mais jo-vens, uma vez que so eles que viajam para as cidades vizinhas a fim de negoci-arem seus produtos, como artesanatos e castanha-do-par, e, tambm, para sereunirem com as autoridades e agentes da FUNAI.Acerca da aprendizagem do idioma civilizado, Monte (2000) defende que comunidade indgena seja oferecido o ensino bilnge, como assegura a Constitui-o Federal de 1988, e reafirmado pelos Parmetros Curriculares Nacionais deEducao para os Povos Indgenas.Quando os ndios jovens, da Aldeia Apyterewa, foram inquiridos se os pro-fessores lhes ensinavam os costumes da comunidade, 68,8%, da faixa etria en-tre 15 a 20 anos, responderam negativamente, enquanto que 31,2% percebemque a cultura Parakan mantida pelo processo sistematizado de Educao Ind-gena. Ainda no grupo dos ndios jovens, os estudantes concentrados na faixaacima de 20 at 25 anos, em sua totalidade, respondeu que no. Aparentemente,os ndios da faixa etria mais madura, dentro do grupo dos ndios jovens, perce-bem com maior clareza o contraste entre o que ensinado e a cultura Parakanpraticada pelos ndios na Aldeia.Na Aldeia Xingu, constatou-se que 71,5% dos respondentes, que se encon-tram na faixa etria entre 14 e 17 anos, consideram que a educao sistematiza-da contribui para a manuteno da cultura indgena. Os 28,5% dos sujeitos, quecorrespondem aos indivduos da faixa etria entre 24 e 28 anos, responderamque no. Embora, o resultado de 71,5% seja bastante significativo, importantedestacar que, no grupo dos 28,5%, existe uma liderana que exercida por umjovem ndio j bastante aculturado que, inclusive, fez vrias viagens para a Euro-pa em eventos do interesse da etnia. Sua maneira de ser tem influenciado bas-tante os ndios jovens do seu grupo etrio, deixando claro, pelo uso de tnis demarca e roupas de grifes, uma distino entre o ndio em processo de aculturao,pelo convvio com o homem civilizado, e o ndio maduro que manifesta, por meiodos trajes e do comportamento, o vnculo com a cultura daquela etnia.Os ndios jovens, que compem a amostra, foram argidos, ainda, acerca deseguirem os costumes e as tradies que os mais velhos adotam e lhes ensinam.A totalidade dos ndios jovens respondeu que segue os costumes ensinados eadotados pelos mais velhos. Mas, esse resultado contraditrio em relao realidade vivida, e vista, nas aldeias.Os costumes ensinados pelos ndios mais velhos aos novos, quando obser-vados in loco, revelam que alguns dos costumes e tradies foram abolidos. Porexemplo, os ndios jovens no usam mais o adorno no lbio inferior e, tambm,no raspam mais a cabea. Quando questionados acerca do motivo, os ndios,responderam que achamos feio furar o queixo e andar com a cabea raspada. Oreferido artefato, feito de ossos de animais, esculpido durante um ano at chegar forma final tpico da cultura Parakan. Entre os poucos vistos na Aldeia, umdeles foi usado por um dos antepassados de um dos membros da comunidade, eest sendo preservado como relquia.A mudana de conduta do jovem ndio em relao aos costumes e tradies,com nfase ao conceito esttico civilizado, pode refletir a influncia da convivn-cia deste com o homem no ndio, formada pelos arqutipos presentes na relaoentre professor e aluno. Acredita-se que, em razo das observaes e de informa-es obtidas ao longo da pesquisa, o professor, no raro, ignora o fato de que assuas atitudes e posturas desenvolvidas em sala de aula, ou mesmo fora dela, no

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    mbito da Aldeia, acabam por interferir na vida dos alunos com os quais convive.Ainda sobre os costumes e tradies, no que se refere caa, quando inqui-ridos se gostam de caar, 100% dos pesquisados responderam que sim, que gos-tam e praticam. Com relao aos artefatos que utilizam nesta prtica, os sujeitosafirmaram utilizar arco, flexa, arma de fogo, faco, machado. Faz-se, aqui, umaressalva: a arma de fogo atualmente utilizada pelos indgenas no um instru-mento da cultura desse povo e, sim, do homem no-ndio. O convvio dos ndioscom o homem branco adaptou-os ao uso da arma de fogo no s para caar, mastambm para se defenderem quando se sentem ameaados.A necessidade de integrao dos ndios jovens com a cultura nacional, bemcomo a difuso, dentro do grupo, das informaes recebidas por televiso, aindaque pelas parcas horas em que dura a gerao de energia diesel e a recepodo sinal de satlite, deveria ser considerada pelos educadores como um elementosignificativo para o processo da educao sistematizada implantado nas aldeias,visto que estes sujeitos, de alguma maneira, estabelecem uma relao efetivaentre o contedo dos programas com a realidade em que vivem, nas poucas se-melhanas e nos numerosos contrastes. Compreende-se que quanto maior for adivergncia entre os acervos culturais, maior ser o interesse que a diferenaentre cultura indgena e cultura branca despertar no jovem ndio.Anlise interpretativa dos depoimentos dos ndios idosos da AldeiaApyterewa

    O procedimento inicialmente previsto para essa etapa das entrevistas era aaplicao de uma entrevista aberta cujas respostas seriam tratadas por anlisede contedo. Contudo, no foi possvel em decorrncia dos sujeitos entrevistadosno dominarem o idioma portugus.Alm dos idosos serem monolnges, o idioma Parakan caracteriza-se pelaausncia de conectivos para estruturar as frases. A lngua tem uma estruturaminimalista de dilogo, com predominncia de significados mltiplos para os mes-mos vocbulos, o que inviabilizaria a etapa de transcrio de dados, prejudicandoa anlise de contedo. Tal relato necessrio, tendo em vista as dificuldadesvivenciadas nesse processo. Na aproximao com esse grupo, apesar do inter-prete, o dialogo foi bastante difcil, pois muitas falas no foram possveis de serinterpretadas, em razo do recurso fontico-gutural, tpico da linguagem Parakan,como forma direta de expresso de sentimentos, para alm dos sentidos daspalavras.Os respondentes escolhidos so os indios mais idosos da comunidade, com,aproximadamente, 60 anos de idade, apesar de no haver comprovao ou regis-tro qualquer sobre as suas datas de nascimento. So do sexo masculino, possuemfamlia (trs) e so aposentados pela FUNAI, que atua como tutora deles, uma vezque estes no possuem documentos que lhes possibilitem fazer transaes co-mercias e financeiras.Para a argio, optou-se pela abordagem mais simples possvel para que ointrprete pudesse encaminhar o dilogo com os idosos, na presena da pesqui-sadora. Foi solicitado que os ndios idosos fizessem um relato da histria da comu-nidade, onde e como viviam antes do contato com a FUNAI.Os ndios idosos responderam que, h muito tempo, os Parakan erammuitos e unidos e que viviam longe dos brancos. Mas, com a construo daTransamaznica tudo mudou. Suas terras foram invadidas e tiveram que pro-curar outro lugar para morar. um perodo, para os Parakan, de perdas, poismuitas crianas, jovens e velhas morreram. Segundo os informantes, osParakan viviam fugindo do contato com o homem branco, apesar das tenta-tivas da FUNAI, na dcada de 1970. Os Parakan julgavam-se livres e donosdas matas.Com o assentamento no Bom Jardim, local de instalao inicial da Aldeia,

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    Educao Sistematizada: a morte lenta da cultura Parakan

    essas terras continuavam sendo invadidas por brancos e por grupo de mineradorasque estavam procura de ouro, fato que tornou o convvio bastante conflituoso.Os garimpeiros e madeireiros, para terem acesso s riquezas naturais dasreservas, usaram de todos os artifcios para conquistar os indgenas, davam-lhespresentes, como armas de fogo, bebidas alcolicas, roupas, panelas, entre outros.Os ndios idosos relataram que, ao mudarem para aquele local sob o coman-do da FUNAI, os Parakan encontraram muitas coisas, menos comida. Segundoeles, a caa ficou escassa na regio, a partir da presena dos invasores brancos.Disseram, ainda, que para pegar os animais tinham de andar vrios dias na mata.Sobre a educao desenvolvida na comunidade, os ndios idosos pouco co-mentaram a respeito. Embora, eles no participem do processo de educao sis-tematizada, ambos os entrevistados consideram importante aprender outra ln-gua, para que possam lutar por seus direitos. Eles ainda manifestaram que gosta-riam que os professores soubessem a lngua materna Parakan, para ajudar ascrianas e jovens a se comunicarem com outros brasileiros.Com relao s tradies da comunidade, comentaram que os ndios jovensno querem mais seguir alguns costumes. Por exemplo, no usam mais o adornono lbio e bebem bebidas do homem branco, ao invs de prepararem sua prpriabebida, e se interessam mais por futebol do que em participar das caadas, embo-ra, para esta ltima ao, ainda se disponibilizem.Ainda os ndios idosos entrevistados no falem o idioma portugus, ficouclaro que eles compreendem a dinmica dos movimentos ao seu redor. Mesmoaqueles indivduos mais simples possuem concepes a respeito do que conside-ram como mais importante para suas vidas. O que fica claro quando se ouve de umndio por mais longe ou isolado que esteja, a seguinte frase: queremos um futuromelhor para as crianas e jovens. Indiferente etnia, permanece a f de que oamanh ser melhor. A passagem do tempo um fenmeno de progresso para ospovos indgenas, que lhes permite semear e alcanar a colheita, pegar os maiorespeixes e outros eventos do cotidiano das aldeias.Perfil dos sujeitos no-ndios professores

    Os professores que atuam no processo de Educao Sistematizada dos povosParakan, nas duas aldeias, apresentam o seguinte perfil scio-demogrfico: Faixa Etria: de 33 a 36 anos de idade. Gnero: 60% do grupo formado por homens e 40% por mulheres. Escolaridade: 20% possuem o 3 grau completo e 80%, o nvel mdio (magis-trio). Tempo de Docncia: 80% possuem mais de 6 anos de docncia e 20%, entre 2e 3 anos de experincia nessa rea.

    De acordo, com as informaes recebidas do grupo, o processo de adapta-o foi bastante sofrido, especialmente no que tange adoo dos hbitos ali-mentares indgenas. Na cidade, os sujeitos estavam acostumados a uma alimen-tao variada e mais balanceada. Nas aldeias no h opo: ou eles comem o queos ndios caam, ou passam fome, ou desistem do trabalho.O convvio do homem branco, ou da cultura civilizada, no ambiente indge-na, induziu mudana de muitas posturas dos professores, pelas circunstnciasvivenciadas nas aldeias. Por exemplo: para que possam ser aceitos pelos indge-nas, estes precisam passar por experincias, como, por exemplo, comer alimentose bebidas preparadas pelos ndios.As experincias junto comunidade permitiram observar que asintermediaes entre os saberes estabelecidos no contexto da sala de aula cami-nham de forma unilateral: os alunos s ouvem e nunca questionam. Portanto, ossaberes expressos so sempre ditos por uma nica voz, a do professor, e, secompreendidas, correm o risco de serem consideradas verdades absolutas.Os resultados obtidos na pesquisa, em relao prtica pedaggica e o

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    respeito cultura Parakan indicaram que 60% dos professores reconhecem queas prticas pedaggicas desenvolvidas nas aldeias no respeitam a diversidadecultural dos indgenas. Para 40% dos pesquisados, as prticas pedaggicas im-plantadas respeitam a cultura Parakan.Quando argidos sobre suas percepes quanto s interferncias que aeducao sistematizada tem ocasionado aos povos Parakan, os professoresenfatizaram as seguintes respostas:Penso que no existe muita interferncia, pois os indgenas querem muito aprendernossa lngua, para viverem melhor (I-P-B);Esta uma situao muito complicada de se explicar, pois ao mesmo tempo emque os ndios buscam novos conhecimentos, muitos acabam assumindo outrasposturas, como por exemplo, aqui na aldeia Apyterewa, os mais jovens nousam mais o adorno de osso no lbio inferior, como os mais velhos. E outra, aeducao trabalhada na aldeia no tem respeitado a identidade desse povo.Reconheo que existem falhas, preciso urgentemente que estas possam sermodificadas (I-P-A);Eu acredito que no houve interferncia, porque o objetivo maior da educaosistematizada de prepar-los para viver em sociedade (I-P-E).O que se percebe nos depoimentos dos professores so algumas contradi-es ou a falta de compreenso do que sejam tais interferncias na vida dospovos Parakan. Na observao participante, reconhece-se o segundo depoimen-to como aquele que mais revela o contexto observado, uma vez que aponta anecessidade dos indgenas buscarem novos conhecimentos, bem como o fato deestarem modificando suas atitudes e hbitos.Grupioni (2006) pondera que a escola indgena de hoje no deve mais servirpara domesticar os indgenas, como fora feito outrora, mas que possibilite a essepovo desenvolver competncias e adquirir conscincia poltica e social, para convi-ver no mundo globalizado.Quando questionados acerca da percepo que tinham sobre a utilidade doprocesso de educao sistematizada na vida dos ndios Parakan, os professoresofereceram alguns depoimentos, dos quais so descritos os mais expressivos,mediante cdigos de identificao:Penso que tenho fomentado o processo de aculturao, visto que os valores dosndios no esto sendo respeitados. Apenas trabalhamos os contedos (I-P-A).Acredito que ainda tenho muito que aprender sobre os Parakan, mas de umacoisa tenho certeza, gosto do que estou fazendo, apesar das dificuldades, queno so poucas (I-P-C).Os possveis equvocos presentes nas falas dos professores parecem-noscompreensveis, se for considerado que estes, em sua maioria, em torno de 80%,possuem somente o ensino mdio, ou seja, no foram preparados para a ativida-de docente.O depoimento que melhor justifica a viso dos professores a respeito dapercepo do processo de aculturao est relatado a seguir:Com relao questo da aculturao, penso que seja inevitvel, pois a partirdo momento em que se compreende que o mundo globalizado exige de qualquerpessoa mudanas para poder sobreviver, e acredito que isto no seja diferentecom as classes indgenas (I-P-B). bem provvel que esse professor tenha razo. No mundo atual, atecnologia regula, em grande parte, as relaes sociais e econmicas e define,em certa medida, a incluso ou a excluso, dos indivduos ou dos grupos sociais.Observa-se a excluso tecnolgica dos povos indgenas que, como os Parakan,se concentram em regies distantes, em espaos no cobertos por sinal desatlite.Assim posto, tem sentido a citao de Santos (2002), quando este avaliaque os espaos no apenas se globalizam, mas, principalmente, as pessoas, pois

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    so elas que modificam os espaos onde vivem, adaptando-os s necessidades, oque, de certa forma, j est acontecendo com os povos indgenas Parakan.O documento denominado Referencial Curricular Nacional para as Escolas In-dgenas (BRASIL, 1998) explicita que seria necessrio fazer uma avaliao contnuadas prticas pedaggicas desenvolvidas no contexto da sala de aula, para que, des-ta forma, se possa assegurar aos alunos indgenas o exerccio pleno da cidadania eda interculturalidade, respeitando-se suas particularidades lingstico-culturais.Moreira e Da Silva (2001) consideram que o currculo, para ser implantadoem qualquer contexto educacional, deve priorizar a manuteno da identidadeideolgica, poltica, cultural e social do grupo, o que no foi observado nas duasaldeias estudadas.Destacam-se, abaixo, depoimentos considerados significativos sobre o cur-rculo escolar:Este ainda no existe nas aldeias atendidas pela Secretaria Municipal de Educa-o SEMEC de Altamira. O trabalho desenvolvido nas aldeias, infelizmente, se-gue o mesmo padro das outras escolas (I-P-D).No sei se existe este currculo, porm, trabalho com os contedos que a SEMECdetermina (I-P-E).O currculo trabalhado de forma que venha favorecer uma melhor relao como mundo globalizado. Entretanto, no h nenhuma participao sequer de ummembro desta comunidade na elaborao do mesmo (I-P-A).Considera-se que um dos maiores problemas da educao brasileira, emgeral, esteja centrado na questo curricular, uma vez que na maioria das escolaseste documento inexiste. Muitos educadores no conseguem fazer diferena en-tre grade curricular e um currculo propriamente dito. Pode-se considerar o currcu-lo como um instrumento vital no processo de ensino e aprendizagem, pois apartir dele que se delineiam as metas a serem alcanadas no processo.Com base nos depoimentos acima, pode-se afirmar que as aes educacio-nais desenvolvidas nas aldeias no esto ancoradas nos princpios bsicos dalegislao educacional brasileira dedicada aos povos indgenas, uma vez que noasseguram o respeito cultura desses povos.

    A percepo dos professores com relao aos Parakan

    Quando inquiridos sobre a sua percepo de como vivem os Parakan esobre como o contedo programtico mantm as tradies, os professores apon-taram algum conhecimento a respeito desses povos, porm de uma forma bastan-te superficial. H uma considervel dificuldade em discernir como se processa adialgica entre o que fundamental preservar como cultura e o que pode seracrescentado como valores. Os depoimentos abaixo descritos mostram tal lacuna.Os Parakan vivem atualmente de maneira harmoniosa, lutam pela sobrevivncia.Com a influncia do homem branco, a manuteno das tradies est ameaada. Osrituais j no acontecem como antes. H 15 anos atrs os Parakan se enfeitavamcom penas de urubu para fazer suas danas, hoje no v mais esta ao (I-P-A).O povo Parakan feliz, pois eles mantm vivas suas tradies que so asdanas de agradecimentos a Deus e, por sua vez, vivem da pesca, da caa e dasbelezas de seus artesanatos (I-P-B).No tenho parmetro para falar sobre esta questo (I-P-E).Observou-se que os educadores pouco sabem a respeito dessa etnia. Ques-tionados sobre como so preparados os xams (preparao dos pajs), os pro-fessores no souberam informar. A religio deve ser considerada um aspecto im-portante para o convvio entre professor e ndios, pois esta uma questo quepode colocar em risco a cultura e a identidade dos Parakan, nas prticas desen-volvidas em sala de aula.

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    Os resultados gerais da pesquisa apontaram para a instalao de um pro-cesso de aculturamento dos ndios Parakan. Dadas as diferentes percepessobre o valor intrnseco da memria cultural, traduzidas pelos artefatos, os sabe-res empricos daquela nao indgena so alijados do processo educacional, queos substitui pelos valores da cultura branca, ou no indgena. A prpria linguagemda tribo vai sendo, gradualmente, substituda pelos jarges expressos nas nove-las e no jornal, cujo acesso se d pela durao da energia do gerador a leo epela recepo do sinal de satlite, diariamente, no intervalo das 18 s 22 horas.Concluso e Sugestes

    O conceito de nao deve considerar, acima dos limites geogrficos, a varie-dade de grupos tnicos, histrias, culturas e lnguas distribudos por todo o terri-trio nacional. Esta diversidade sociocultural , sem dvida, uma riqueza que deveser preservada (BRASIL, 1993).Os Povos Indgenas representam, cultural e lingisticamente, uma soma ex-traordinria de experincias sociais diversificadas, impregnadas de valores ticose estticos que, ao longo do tempo, tm contribudo na criao da arte, da msica,da dana e da culinria e na linguagem nacional. Portanto, acima do valor histri-co, as comunidades indgenas, desde sempre, tm influenciado o acervo da cultu-ra nacional.Este estudo buscou compreender como se processa a relao entre os sa-beres sistematizados e os saberes empricos dos ndios Parakan, localizados nasAldeias Apyterewa e Xingu, na Regio oeste do Estado do Par. E, ainda, procuroudescrever o convvio entre os sujeitos ndios, nas categorias pesquisadas, e ossujeitos no-ndios que desempenham o papel de professores e os funcionriosda FUNAI instalados na Aldeia com a misso de prover assistncia aos ndiosaldeados, Desse modo, os dados obtidos a partir da realizao da pesquisa sus-tentam os seguintes entendimentos: A educao desenvolvida nas aldeias Parakan tem contribudo para o proces-so de aculturao dos ndios. Embora, o processo no seja assim denominado,observou-se que a esttica civilizada tem prevalecido na forma de vestir eagir dos ndios jovens; Notou-se adeso ao comportamento do homem branco seja no uso de armasdesassociadas da cultura tpica da etnia, seja na aquisio de hbitos como ouso de bebida alcolica industrializada; No houve um processo participativo para adequar o contedo curricular snecessidades dos indgenas. O que prevaleceu foi o currculo aplicado edu-cao do homem no-ndio. Pequenas adaptaes nos materiais utilizados,bem como na disposio dos espaos de aula podem ser reputadas s circuns-tncias e consideradas irrisrias; Os professores no foram formalmente capacitados para trabalhar especifica-mente com a etnia em questo, e desconhecem a lngua Parakan. Portanto, asdificuldades para desenvolverem as prticas pedaggicas so considerveis; A presena do homem no-ndio influencia negativamente a manuteno dastradies das comunidades Parakan, servindo como um modelo de refern-cia, principalmente nos hbitos de vestir e de se comunicar; Tristemente, observou-se existir um processo de excluso dos ndios mais ve-lhos pelos ndios jovens, em franco andamento. Sendo aqueles osmultiplicadores tradicionais da cultura Parakan, possvel inferir que o isola-mento entre grupos etrios, dentro da mesma zona de convivncia, poderculminar, como j percebido, na morte da cultura tpica dessa etnia; Desconsiderados os saberes empricos daquele povo, mediante a instalaode um processo de educao baseada na assimilao do jeito certo de fazere de agir, nos moldes da educao civilizada, cristalizar-se- um modo deviver e de compreender a realidade incompatvel com a ambincia na selva.

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    Em suma, em relao educao sistematizada desenvolvida nas aldeiasParakan, percebeu-se o risco de degradao das caractersticas histrico-antropossociais da cultura Parakan. Por tendncia, e pela moderada expectativade vida dos povos indgenas isolados, em uma ou duas geraes, imagina-se queesses povos no tero mais identidade, porque perdendo sua cultura e suas tra-dies, no sero nem ndio e nem sero considerado homens brancos.

    Desse modo, acredita-se que o papel do Estado, bem como de outras insti-tuies de apoio, deve ser o de fortalecer e incentivar a ao educativa comunit-ria, de maneira a valorizar no s a cultura, mas fazer com que os direitos dosindgenas sejam respeitados.

    Para que isso ocorra, deve-se priorizar uma formao adequada e valoriza-o do trabalho dos profissionais envolvidos com o desafio de trabalhar nas aldei-as indgenas. Pondera-se que todo projeto de educao voltado para as naesindgenas deve ser pensado, planejado, construdo e mantido pela vontade livre econsciente das comunidades que deles se beneficiaro.

    Por fim, entende-se que este estudo no tem a pretenso de esgotar adiscusso em torno do objeto da pesquisa. Pelo contrrio, espera-se que, a partirdesta iniciativa acadmica, novas buscas sejam empreendidas. E, por meio domtodo cientfico, outras demandas da comunidade indgena, no mbito do De-senvolvimento Cultural, sejam identificadas, debatidas e, ento, atendidas.

    Diante do exposto e visando amenizar os problemas detectados com a rea-lizao da pesquisa, ao que se refere Educao Sistematizada oferecida comu-nidade, elenca-se alguns aspectos considerados bsicos que podero ser inseri-dos no Projeto Educacional para as escolas indgenas Parakan Apyterewa e Xingu: Investir na capacitao dos educadores no sentido de rever as metodologias

    utilizadas na sala de aula; Planejar as atividades a serem desenvolvidas nas salas de aula, para que as

    avaliaes realizadas sirvam para mediar a aprendizagem e no para quantificarresultados;

    Buscar compreenso a respeito das necessidades dos ndios, na perspectivade definir o que deve ser ensinado e aprendido;

    Considerar os saberes empricos dos indgenas; Elaborar um alfabeto na lngua Parakan; Elaborar um projeto pedaggico com metas definidas a curto, mdio e longo prazo; Propor e fomentar a construo de um currculo, ancorado nas teorias que

    embasam a construo do conhecimento diferenciado, bilnge intercultural,comunitrio, bem como que seja apoiado nas experincias de vida dos indge-nas, permitindo, assim, a preservao cultural e tnica desses povos.Para uma formao adequada aos professores que atuam nas aldeias, demodo geral, necessrio que haja um grupo profissional que domine a lnguamaterna desses povos para, ento, ensinar queles que se disponham a traba-lhar nas aldeias.Acredita-se que essas sugestes podem, de alguma forma, contribuir com asinstituies responsveis pelo processo de educao sistematizada dos Parakan,de maneira que as aes pedaggicas a serem desenvolvidas no contexto escolarindgena favoream o desenvolvimento dessa comunidade, sem que se perca devista a manuteno e preservao de sua identidade cultural.

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    Educao Sistematizada: a morte lenta da cultura Parakan

    Artigo recebido em 22/08/2008Artigo aprovado, na sua verso final, em 01/07/2009

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