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CURSO: ENSINO MÉDIO DISCIPLINA: MÚSICA 3ª SÉRIE PROFESSORA: SANDRA MELO A MÚSICA DO SÉCULO XIX 1 - Introdução Depois das grandes revoluções políticas, o século 19 foi o período da consolidação do regime democrático e da economia capitalista, na sua fase chamada de "imperialismo": a matéria-prima fluía continuamente para as indústrias européias, vinda dos recém independentes países sul-americanos, das colônias africanas e dos milenares países asiáticos (China, Índia e Japão, entre outros). A rivalidade comercial na Europa foi aumentando e inúmeras guerras localizadas aconteceram. Duas delas consolidaram as unificações nacionais da Itália e da Alemanha. Também o movimento operário se organizou, através dos sindicatos e dos partidos políticos, conquistando, pacificamente ou não, vários direitos sociais até então negados pelas elites. A Ciência tornou-se a principal referência em matéria do conhecimento, desbancando a Filosofia e a Religião, e começou a influenciar o comportamento cotidiano das pessoas. Nas Artes tivemos um desenvolvimento impressionante de tendências e correntes. As principais correntes literárias foram, na seqüência de surgimento: Romantismo, Realismo/Naturalismo e Parnasianismo, Simbolismo e as primeiras correntes modernistas. Nas Artes Visuais: Romantismo, Realismo, Impressionismo, Art Nouveau, Art Décor, Art Naif e as primeiras correntes modernistas. A música foi batizada, genericamente e por comodidade, com o nome de "Romantismo". Entretanto esta denominação não expressa de maneira adequada a profunda transformação musical ocorrida nesta arte entre o final do século 18 e o século seguinte. E muitos historiadores já estão propondo redefinir esta nomenclatura para melhor explicitar as várias correntes musicais. Mas pode ser enriquecedor tentar entender o que significa "Romantismo". A palavra romantismo vem do francês medieval "roman", que, na Idade Média, designava os idiomas que mesclavam o latim com os dos vários povos germânicos invasores e, por conseqüência, todas as narrativas literárias (cheias de aventuras, batalhas, magia, valores cristãos e culto ao amor cortês) escritas neste jargão - do qual, mais tarde, nasceram parte dos idiomas europeus modernos. Aquelas narrativas, chamadas de "romances de cavalaria", deram origem, com o passar dos séculos, ao gênero literário "romance". O "romance" é uma vasta história ficcional retratando muitas personagens, que se relacionam entre si, numa grande extensão de tempo. Os historiadores, de um modo geral, resolveram batizar várias correntes filosófico-culturais com o nome de "romantismo", numa homenagem ao gênero literário, que havia se tornado o mais importante meio artístico no século 18, no qual muitos artistas expressaram suas inquietações pessoais em relação aos acontecimentos sócio-econômicos da época. O Romantismo filosófico-cultural surgiu quase simultaneamente na Inglaterra e na Alemanha no final do século 18. Este movimento era primeiramente uma reação política contra os ataques napoleônicos e, mais tarde, tornou-se uma revolta contra qualquer sujeição às regras sociais, religiosas, culturais e artísticas. Na França, depois de muita resistência, chegou por volta de 1810. E daí espalhou-se para o mundo. CORPO DE BOMBEIRO MILITAR DO DISTRITO FEDERAL DIRETORIA DE ENSINO E INSTRUÇÃO CENTRO DE ASSISTÊNCIA AO ENSINO COLÉGIO MILITAR DOM PEDRO II

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CURSO: ENSINO MÉDIO DISCIPLINA: MÚSICA 3ª SÉRIE PROFESSORA: SANDRA MELO

A MÚSICA DO SÉCULO XIX 1 - Introdução

Depois das grandes revoluções políticas, o século 19 foi o período da consolidação do regime

democrático e da economia capitalista, na sua fase chamada de "imperialismo": a matéria-prima fluía

continuamente para as indústrias européias, vinda dos recém independentes países sul-americanos, das

colônias africanas e dos milenares países asiáticos (China, Índia e Japão, entre outros).

A rivalidade comercial na Europa foi aumentando e inúmeras guerras localizadas aconteceram. Duas

delas consolidaram as unificações nacionais da Itália e da Alemanha.

Também o movimento operário se organizou, através dos sindicatos e dos partidos políticos,

conquistando, pacificamente ou não, vários direitos sociais até então negados pelas elites.

A Ciência tornou-se a principal referência em matéria do conhecimento, desbancando a Filosofia e a

Religião, e começou a influenciar o comportamento cotidiano das pessoas.

Nas Artes tivemos um desenvolvimento impressionante de tendências e correntes. As principais

correntes literárias foram, na seqüência de surgimento: Romantismo, Realismo/Naturalismo e Parnasianismo,

Simbolismo e as primeiras correntes modernistas. Nas Artes Visuais: Romantismo, Realismo, Impressionismo,

Art Nouveau, Art Décor, Art Naif e as primeiras correntes modernistas.

A música foi batizada, genericamente e por comodidade, com o nome de "Romantismo" . Entretanto

esta denominação não expressa de maneira adequada a profunda transformação musical ocorrida nesta arte

entre o final do século 18 e o século seguinte. E muitos historiadores já estão propondo redefinir esta

nomenclatura para melhor explicitar as várias correntes musicais.

Mas pode ser enriquecedor tentar entender o que significa "Romantismo". A palavra romantismo vem

do francês medieval "roman", que, na Idade Média, designava os idiomas que mesclavam o latim com os dos

vários povos germânicos invasores e, por conseqüência, todas as narrativas literárias (cheias de aventuras,

batalhas, magia, valores cristãos e culto ao amor cortês) escritas neste jargão - do qual, mais tarde, nasceram

parte dos idiomas europeus modernos. Aquelas narrativas, chamadas de "romances de cavalaria", deram

origem, com o passar dos séculos, ao gênero literário "romance". O "romance" é uma vasta história ficcional

retratando muitas personagens, que se relacionam entre si, numa grande extensão de tempo. Os

historiadores, de um modo geral, resolveram batizar várias correntes filosófico-culturais com o nome de

"romantismo", numa homenagem ao gênero literário, que havia se tornado o mais importante meio artístico no

século 18, no qual muitos artistas expressaram suas inquietações pessoais em relação aos acontecimentos

sócio-econômicos da época.

O Romantismo filosófico-cultural surgiu quase simultaneamente na Inglaterra e na Alemanha no final

do século 18. Este movimento era primeiramente uma reação política contra os ataques napoleônicos e, mais

tarde, tornou-se uma revolta contra qualquer sujeição às regras sociais, religiosas, culturais e artísticas. Na

França, depois de muita resistência, chegou por volta de 1810. E daí espalhou-se para o mundo.

CORPO DE BOMBEIRO MILITAR DO DISTRITO FEDERAL DIRETORIA DE ENSINO E INSTRUÇÃO CENTRO DE ASSISTÊNCIA AO ENSINO

COLÉGIO MILITAR DOM PEDRO II

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As características desta estética foram:

a) liberdade artística e técnica;

b) liberação dos sentimentos pessoais (muitas vezes melancólicos e passadistas) valorizando o "eu"

(reflexo do individualismo da burguesia);

c) nacionalismo;

d) volta a uma Idade Média idealizada;

e) exotismo;

f) saudação ou temor pelo avanço da Ciência;

g) crítica ou fervor religioso;

h) exaltação à Natureza em contraposição às convenções da civilização industrial.

Além disto, para os românticos, a Arte redimiria o ser humano. Os artistas, livres de qualquer herança

dos estilos passados e da tutela aristocrática ou clerical, passaram a se submeter às leis do mercado e

moldavam sua obra conforme suas expectativas e os seus anseios pessoais em relação à competição

individual e ao impacto comercial que poderia causar num público disposto a pagar pela sua criatividade.

Decorrem daí os clichês individualistas de que o Romantismo é a "arte confessionária", "arte da expressão

pessoal", "arte das emoções e sentimentos puros", e os conceitos de "inspiração", "talento" e "gênio".

Forjada pelos livros de história - para deleite dos diletantes - e, também, pelos próprios artistas, a

imagem que temos deles é que nasciam predestinados ou eram de outro mundo; tinham uma infância sofrida

e pobre; viviam e morriam com o "mal do século"; estavam sempre ao luar com suas fervorosas amadas

imortais; eram gênios incompreendidos; eram vítimas de intrigas e conspirações; ficavam frustrados,

desesperados, pessimistas, chorosos e dengosos sem qualquer razão aparente; tinham quinze minutos de

uma vasta aclamação pública, mas eram criticados áspera e atrozmente pelos insensíveis críticos da época;

produziam cenas escandalosas ou ataques da mais pura loucura; diziam frases retumbantes de inspirada

elevação filosófica, poética ou existencial; estavam alienados e não se importavam com nada; gastavam o

dinheiro que tinham e o que não tinham e, finalmente, morriam na maior miséria, jovens e esquecidos

injustamente, para ressuscitar, para a maior glória, algum tempo depois. Tudo isto é lenda, igual ao que se

veicula nas revistas sobre astros do cinema e televisão hoje em dia. A realidade é que a arte, em qualquer

momento, vive de um pouco de mistificação, mas é um trabalho e o resultado é fruto de estudos disciplinados

e pesquisas cotidianas incessantes.

Os artistas passaram a trabalhar com ou como empresários do ramo de espetáculos, patrocinados

pelo comércio em geral (lojas, indústrias ou bancos) ou eram amparados pelo Estado. Outros foram free-

lancers, isto é viviam de oportunidades e encomendas.

2 - Características gerais

Muitos pesquisadores da História da Música delimitam o Romantismo musical entre os anos de 1800 e

1890, mas há outros que apontam como seu início o ano de 1830 e o encerram em 1914.

Podemos traçar as características da música do século 19, independente de sua denominação, de

suas datas e de suas lendas.

A melodia desta música toma um aspecto redondo, mais fluente, parecendo ficar infinita. Isto foi uma

conseqüência da introdução de elementos da música folclórica e da música popular, devido às diversas ondas

nacionalistas que ocorreram na Europa naquele tempo. Assim o repouso da melodia é ampliado por "notas

estranhas" e pelas ousadas modulações, que se distanciam cada vez mais da tonalidade de início. Também

esta expansão nas modulações é alcançada através da alteração ou substituição ou introdução de novos

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acordes. Assim chega-se ao cromatismo harmônico, que produz uma indefinição tonal momentânea. Apesar

destas inovações extraordinárias qualquer obra deste período é fortemente baseada na harmonia tonal.

São herdadas as formas do classicismo, mas expandidas com estes novos recursos melódico-

harmônicos. Criam formas cíclicas, ou seja, formas em que um tema é rememorado em várias partes de uma

mesma composição. Cada compositor batizou este processo com um nome: "idéia fixa" (Berlioz),

"transformação temática" (Lizst) ou "motivo condutor" (Wagner). Outros compositores procuram criar

esquemas livres. Muitas destas formas livres são baseadas em roteiros fornecidos pelas outras artes,

principalmente vindos da Literatura.

A dinâmica é explorada em todas as suas nuances e contrastes. Surge o conceito de "tempo rubato"

(andamento "roubado" em italiano) que é uma alteração livre no andamento normal.

Para marcar com mais exatidão o andamento, foi inventado, por Johann Nepomuk Maelzel

(1772/1838), em 1816, um aparelho chamado "metrônomo".

Novas expressões de execução aparecem: "sforzando", "martellato", "dolce" etc. Há, também, uma

tendência em trocar o italiano pelos idiomas nacionais. Assim, temos partituras com a nomenclatura toda em

russo, castelhano ou em norueguês – mas isto só se aprofundou no século 20.

A orquestra sinfônica torna-se gigantesca. Os instrumentos são duplicados, triplicados e até

quadruplicados em número. Adota-se o flautim, o corne-inglês, o pequeno clarinete (no Brasil: requinta), o

clarinete baixo, o trombone e a harpa, entre outros.

Ocorre uma melhora em quase todos os instrumentos, devido às pesquisas científicas e à

industrialização, principalmente dos sopros de metal: são adicionadas válvulas (ou os pistões), por exemplo,

nas trompas e nos trompetes, o que melhora a afinação e aumenta a escala destes instrumentos.

Inventa-se a tuba, padronizada em 1835 pelos alemães Johann Gottfried Moritz (1777/1840) e

Wilhelm Wieprecht (1802/1872) a partir de vários instrumentos de metal antigos, e o saxofone, criado em 1840

pelo francês Adolphe Sax (1814/1894).

A percussão é enriquecida só mais no final do século com o xilofone, o glockenspiel e a celesta,

inventada em 1886 pelo francês Auguste Mustel (1842/1919), entre outros. Os tímpanos, a partir de Beethoven

e Berlioz, são usados de maneira criativa e até como solistas.

A música para órgão é numerosa tanto em composições religiosas, quanto no repertório de concerto

ou integrado à orquestra sinfônica. O cravo é esquecido e o piano torna-se o instrumento de teclado preferido.

Surgem as sociedades musicais (ditas "filarmônicas" - do grego amigos da música), a partir de

meados do século 18, que promovem espetáculos (óperas e balés), concertos, recitais e audições, e

contratam compositores, regentes, cantores, virtuoses, coro etc. e, depois, cobram ingresso.

Aparece, talvez pela primeira vez na história da música, a especialização. Há músico que é

especialista em compor, outro em reger uma orquestra, outro em executar determinado tipo de instrumento e

assim por diante.

Aumenta, em quantidade e qualidade, a edição de partituras e a publicação de livros sobre música.

Schumann, Berlioz e Wagner, só citando alguns compositores importantes, possuem numerosos textos sobre

diversos aspectos musicais como também suas opiniões sócio-políticas.

A crítica de jornal ajuda a divulgar as apresentações, põe em circulação - para efeito educacional

também - as novas estéticas e concorre para aumentar as brigas entre compositores, executantes, cantores,

libretistas, coreógrafos, editores, empresários, políticos, religiosos e públicos em geral. Os motivos são sempre

os mesmos: dinheiro, cargos e manias pessoais, entre outras coisas.

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Surge a noção de história da música e do repertório histórico nos concertos, recitais, óperas e balés, o

que ajuda a definir a rotina - desenvolvida por Mendelssohn e Schumann - na apresentação de uma récita

sinfônica.

a) a sequência básica de gêneros deve ser a seguinte:

I. uma "abertura" (de concerto ou de ópera);

II. uma pequena peça sinfônica qualquer (entreato de ópera, suíte de balé, marcha etc.) ou uma pequena

"sinfonia"

III. (intervalo);

IV. um "concerto" para solista e orquestra;

V. uma grande "sinfonia" ou um "poema sinfônico".

b) o repertório deveria ser "histórico" (normalmente de Bach a Wagner), sempre fazendo uma homenagem a

um ou dois compositores do passado, e a estréia de uma nova obra.

c) os aplausos só podem ser feitos após o término da música, não entre os andamentos (Mahler foi quem

instituiu este costume).

Aparece a Musicologia, ciência musical que estuda todos os aspectos que envolvem esta produção

artística, menos a parte da execução e da composição.

3 - Música instrumental 3.1 - Sinfonia, sinfonia de programa, poema sinfônico, abertura e música de câmara

Ludwig van Beethoven (1770/1827) foi uma ponte entre dois períodos históricos e sua obra nos revela

uma das preocupações fundamentais da música do século 19: como unir as formas clássicas com as novas

descobertas estéticas. Como conseqüência disto, temos duas correntes: uma que defendia a música absoluta

e a outra a música programática.

Os defensores da primeira foram Felix Mendelssohn (1809/1847), Robert Schumann (1810/1856) e

Johannes Brahms (1833/1897) e desenvolveram a sonata, a música de câmara e a sinfonia, seguindo os

modelos clássicos e não desejavam associar a música com algo exterior à sua própria linguagem.

A segunda era defendida por Hector Berlioz (1803/1869) e Franz Liszt (1811/1886), que inventaram

novos gêneros como a sinfonia de programa e o poema sinfônico, apoiando-se em fatores extra-musicais.

Além daquelas características expostas no tópico anterior, ambas as tendências se utilizam mais dos

seguintes procedimentos:

a) os temas já são modificados na exposição;

b) eles são esmiuçados em todos os seus detalhes até esgotarem todas as suas possibilidades criativas;

c) a introdução e a coda ficam extensas e apresentam novos temas;

d) a coda pode servir para mais elaborações temáticas;

e) as pontes entre uma seção e outra são mais trabalhadas;

f) troca do minueto/trio pelo "scherzo" ("brincadeira" em italiano), que é mais intenso, robusto e rápido;

g) todos os andamentos de uma peça recebem um tratamento composicional mais profundo;

h) aumento ou fusão dos andamentos;

i) mudanças internas de velocidade;

j) uso da voz solista ou coral na trama sinfônica;

k) longa duração.

A "sinfonia de programa" é um tipo de obra na qual o compositor tem a intenção de mostrar uma

história através dos sons. O plano formal é o mesmo da sinfonia comum, mas modificando-a para este novo

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propósito. Exemplo é a "Pastoral" (1808) de Beethoven, onde cada andamento tem uma ilustração musical,

mais ou menos realista, de rios, pássaros e trovões. Mais dramática é a "Sinfonia Fantástica" (1830) de

Berlioz. Ele construiu a música com um tema recorrente e suas transformações, que simbolizam os diversos

momentos de um enredo de amor trágico. O compositor fez questão de divulgar antes a história ao público

para que este compreendesse a música.

O "poema sinfônico", com a mesma intenção da sinfonia de programa, tem, em sua maioria, um

andamento. Aqui o tratamento formal é livre. Para dar unidade à obra faz-se uso de um ou mais temas

cíclicos. Foi Liszt que criou este termo e, além dele, Richard Strauss (1864/1949) compôs importantes peças.

Os compositores nacionalistas se aproveitaram deste gênero para exaltar a sua pátria: Bedrich Smetana

(1824/1884), Alexander Borodin (1833/1887) e Nikolay Rimsky-Korsakov (1844/1908), entre outros. Às vezes o

compositor distribuía o roteiro ao público e outras vezes deixava propositadamente vaga a idéia da qual fez a

música.

Uma composição particularmente interessante é "Quadros de uma Exposição" (1874) do russo

Modest Mussorgsky (1839/1881). Trata-se de um poema sinfônico para piano solo, com um tema cíclico e

descrições musicais de imagens e sentimentos.

Um gênero híbrido é a "abertura de concerto" (ou só "abertura"), que não é exatamente um prelúdio

para outra obra. Ela também pretende descrever um assunto extra-musical num andamento curto. Não há

plano formal preestabelecido, mas a base é sempre algum esquema clássico ligeiramente modificado. A

"abertura de concerto" foi mais usada pelos compositores que defendiam a música absoluta, contradizendo

suas próprias teses.

Existem muitas sinfonias, músicas de câmara e sonatas com títulos muitas vezes pitorescos e que

não tem intenção descritiva, pertencendo a vários compositores das duas correntes. Há peças que lembram

um suposto estado de espírito ("Patética" de Tchaikovsky) ou que se referem ao lugar onde foi composta

("Quarteto americano" de Dvorak) ou que são uma homenagem para alguém ou alguma instituição ("Abertura

Festival Acadêmico" de Brahms) etc. Alguns títulos foram dados por eles mesmos por alguma razão simbólico-

pessoal, mas, também, por biógrafos, críticos e diletantes, muitas vezes, sem autorização do próprio

compositor.

Apesar de certa estética musical defender a associação de sons com imagens e sentimentos, o

debate ainda é inconcluso. O crítico Eduard Hanslick (1825/1904) escreveu que a música é incapaz de

exprimir qualquer coisa além dela mesma e estas emanações poéticas, pictóricas e emocionais são ilusões,

então deve-se apenas apreender a estrutura da música para que a sua fruição seja plena de prazer sonoro.

3.2 - Concerto solo

O concerto foi muito trabalhado pelos compositores do século 19. Nas primeiras décadas, seguiram o

modelo clássico, mas logo as características deste novo período o transformaram completamente. Além

daquelas já abordadas, ocorreram as seguintes mudanças:

a) acabou-se a dupla exposição, com o solista entrando junto com a orquestra;

b) a cadência era escrita integralmente, com ou sem acompanhamento orquestral;

c) instrumentos-alvo: piano, violino e violoncelo;

d) aparecimento do solista virtuose e estrela.

Eis uma pequena lista de concertos:

I. Ludwig van Beethoven (1770/1827): 5 concertos para piano, 1 para violino e 1 triplo para

violino, violoncelo e piano;

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II. Niccolò Paganini (1782/1840): 4 concertos para violino;

III. Felix Mendelssohn (1809/1847): 2 concertos para piano e 1 para violino;

IV. Frédéric Chopin (1810/1849): 2 concertos para piano;

V. Robert Schumann (1810/1856): 1 concerto para piano e 1 para violoncelo;

VI. Franz Liszt (1811/1886): 2 concertos para piano (ele teve a idéia de colocar o piano de perfil,

além de tocar de cor!);

VII. Johannes Brahms (1833/1897): 2 concertos para piano, 1 para violino e 1 duplo para violino e

violoncelo;

VIII. Piotr Tchaikovsky (1840/1893): 3 concertos para piano e 1 para violino;

IX. Antonín Dvorák (1841/1904): 1 concerto para violoncelo, 1 para violino e 1 para piano;

3.3 - Miniaturas musicais

Ao lado das obras instrumentais de longa duração, há uma quantidade imensa de músicas que são

curtas, geralmente com três a cinco minutos, mas que nos revelam uma densidade musical muito profunda.

São chamadas de "miniaturas". A forma geral destas peças é: (INTRODUÇÃO) A B A (CODA). Normalmente

há episódios modulantes e trechos de virtuosidade e brilhantismo entre uma seção e outra.

Podemos agrupá-las em duas categorias:

I. Miniatura com característica (onde a reconhecemos pelo título, pelo ritmo ou pela sua funcionalidade,

mesmo deslocada na sala de concerto). Exemplos: marcha (militar, fúnebre, nupcial, etc.), dança (valsa,

mazurka, escocesa, etc.), noturno, rapsódia e estudo;

II. Miniatura sem característica, cuja denominação não nos explica sua intenção ou estrutura. Eis alguns

exemplos: momento, improviso, capricho, prelúdio e fantasia.

Estas peças eram editadas em coleções chamadas álbuns ou ciclos.

4 - Música vocal 4.1 - Ópera

A ópera foi para o século 19 o que o Cinema foi para o século 20. As produções pululavam aqui e ali,

havia muita badalação entre compositores, cantores e produtores, ocorriam golpes publicitários e lances

promocionais, promoviam muito mistério durante os ensaios, aconteciam estréias glamorosas, megasucessos

e retumbantes fracassos.

Os temas recorrentes eram retirados de lendas (européias ou exóticas), biografias (vida de reis,

heróis nacionais ou de artistas), história política (de tendência libertária), ciência, religião, amor, assuntos

cotidianos, humor, entre outros. As fontes eram: folclore, história, peças teatrais, contos, romances, notícias de

jornais etc. E o tratamento dos libretos sobre estes assuntos mudava conforme o estilo literário do momento.

Assim diversas tendências apareceram:

a) Pré-romantismo (das últimas décadas do século 18 até meados do século 19): Ludwig van Beethoven

(1770/1827), Carl Maria von Weber (1786/1826), entre outros.

b) Bel-canto (da primeira década do século 19 até a segunda década do século 20): Gioacchino Rossini

(1792/1868), Gaetano Donizetti (1797/1848), Giuseppe Verdi (1813/1901), Vincenzo Bellini (1801/1835),

Antônio Carlos Gomes (1836/1896), Giacomo Puccini (1858/1924) etc.

c) Grand Opéra (terceira década do século 19 até início do século 20): Giacomo Meyerbeer (1791/1864),

Hector Berlioz (1803/1869), Charles Gounod (1818/1893), Jules Massenet (1842/1912) etc.

d) Nacionalismo (desde o final do século 18 até as primeiras décadas do século 20): Bedrich Smetana

(1824/1884), Carlos Gomes, Modest Mussorgsky (1839/1881) etc.

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e) Verismo (segunda metade do século 19 até as primeiras décadas do século 20): verismo é o

"realismo" na ópera; Verdi, Georges Bizet (1838/1875), Ruggero Leoncavallo (1857/1919), Puccini, entre

outros.

Muitos compositores se enquadram em várias tendências e seria exaustivo ficar classificando-os.

O mais polêmico compositor de óperas daquele século foi Richard Wagner (1813/1883). Ele reuniu

quase todas as tendências acima para criar o conceito de "drama musical", um espetáculo no qual se

fundiriam todas as artes (a música, o texto e o teatro com todos os seus elementos). Para lograr êxito, ele

desenvolveu as seguintes características nas suas obras:

a) uso de lendas alemãs ou européias;

b) ópera contínua (sem divisão em números);

c) harmonia ultracromática;

d) melodia infinita;

e) virtuosidade vocal e orquestral;

f) uso do "motivo condutor" (leitmotiv), que é um pequeno tema musical que simboliza uma situação, um

local, uma personagem, um sentimento ou um outro elemento que tenha alguma importância na trama; os

motivos condutores são transformados, somados, superpostos, relembrados conforme a necessidade do

enredo; assim o ouvinte participa ativamente da história, junto com as personagens.

Um patrono construiu para Wagner um teatro em Bayreuth (Alemanha). Neste lugar, que tem uma

acústica perfeita, ele colocou a orquestra abaixo do palco e, durante o espetáculo, as luzes da platéia se

apagavam. Assim criava-se um clima de magia, envolvendo o público.

As suas principais óperas são: O Holandês Voador (1843), Tannhäuser (1845), Lohegrin (1850),

Tristão e Isolda (1865), Os Mestres Cantores (1868), a tetralogia O Anel dos Nibelungos (constituída de quatro

óperas Ouro do Reno de 1869, As Valquírias de 1870, Siegfried de 1876) e O Crepúsculo dos Deuses de

1876) e Parsifal (1882). Wagner se auto-intitulava "a aurora da nova música". Muitos foram os seus seguidores

em vários lugares do mundo até as primeiras décadas do século 20.

Ao lado das óperas apareceram as operetas com estrutura cênico-musical mais simples e com

enredos melodramáticos ou farsescos. Destacam-se neste gênero Jacques Offenbach (1819/1880) e Johann

Strauss Jr. (1825/1899).

Intimamente ligado a este espetáculo está a música para balé. Os seus principais compositores foram

Léo Delibes (1836/1891) e Tchaikovsky, entre outros, que trabalharam em roteiros na mesma linha de assunto

das óperas.

4.2 - Música vocal de câmara e música coral

Houve uma grande produção de música vocal para solista e algum instrumento acompanhante

(canções), exatamente igual à produção que hoje em dia toca nas rádios e televisões.

O gênero mais famoso é o lied (da Alemanha). Existem exemplos documentados desde a Idade

Média, mas recebeu uma transformação radical nas mãos de Franz Schubert (1727/1828), Schumann,

Brahms, Hugo Wolf (1860/1903), Richard Strauss e Gustav Mahler. Os textos se tornaram profundos e o

acompanhamento do piano (ou orquestral) é importante para a estruturação musical.

Todos os compositores escreveram peças para coro, independente de sua condição. Assim temos

obras para amadores, para estudantes e para profissionais. Para diversos usos: para o teatro, para as óperas

e peças instrumentais ou sinfônicas. O estilo e a temática de todas as peças vocais seguem o espírito da

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literatura do século 20: começando pelo romantismo, passando pelo realismo, até chegar ao simbolismo no

final do século.

4.3 - Gêneros religiosos

Muitos compositores, ainda ligados ou independentes do clero, criaram peças religiosas ou de cunho

quase-religioso.

Assim temos "Missas" de Beethoven e de Schubert, "Réquiem" de Verdi, Berlioz e Brahms e peças

diversas de Mendelssohn, Dvorák e Rossini, entre outros.

Algumas delas são próprias para a execução litúrgica, outras fundem elementos de duas ou mais

religiões (é o caso do luterano Brahms que se utilizou da missa dos mortos católica para compor o "Réquiem

Alemão") e outras ainda transcendem o limite de alguma religião específica atingindo regiões humanísticas e

cósmicas transcendentais (é o caso da "Missa Solemnis" de Beethoven).

A MÚSICA DE TRANSIÇÃO ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX

Brahms, Lizst e Wagner, por um lado, e os nacionalistas (Mussorgsky, por exemplo), por outro,

causaram uma grave crise no sistema tonal devido ao uso do cromatismo. Surgiram então, nas últimas

décadas do século 19, duas tendências: os denominados "ultra-românticos" e os batizados de "simbolistas"

(pelos seus vínculos artísticos com esta corrente literária).

A primeira foi de compositores do universo austro-alemão como Anton Bruckner (1824-1896), Gustav

Mahler (1860-1911) e Richard Strauss, entre outros, ou do "fin de siècle francês", César Franck (1822/1890),

Emannuel Chabrier (1841/1894), Gabriel Fauré (1845/1924), Ernest Chausson (1855/1899) e Paul Dukas

(1865/1935) entre outros. Esta linha desembocou, posteriormente, na corrente expressionista (Schoenberg,

Berg e Webern) e em variadas correntes neo-românticas do século 20: Edward Elgar (1857/1934), Jean

Sibelius (1865/1953), Ferruccio Busoni (1866/1924), Ralph Vaughan Williams (1872/1958), Max Reger

(1873/1916), Sergei Rachmaninov (1873/1943), Ottorino Respighi (1879/1936) e William Walton (1902/1983) e

outros.

Eles radicalizaram o procedimento dos românticos e as suas características eram:

a) ultracromatismo;

b) formas apoiadas, livre ou vagamente, na literatura ou na pintura;

c) alguns usavam formas mais tradicionais, mas interpretando-as livremente;

d) peças longas;

e) grande massa orquestral.

A tendência dos simbolistas (uma denominação provisória) procurava inventar uma harmonia própria

ou apelar para estruturas musicais da cultura de outros povos, ousando aprofundar a ruptura com o passado.

Claude Debussy, Erik Satie e Alexsander Skriabin, atuando isoladamente uns dos outros e sem medo da

crítica, criaram uma obra que incendeia até hoje a imaginação dos compositores.

Page 9: A MÚSICA DO SÉCULO XIX - · PDF fileSurge a noção de história da música e do repertório histórico nos concertos, recitais, óperas e balés, o que ajuda a definir a rotina

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA MÚSICA ROMÂNTICA

1. Maior liberdade de forma e concepção; plano emocional expresso com maior intensidade e de forma

mais personalista, na qual a fantasia, a imaginação e o espírito de aventura desempenham importante papel.

2. Ênfase em melodias líricas, do tipo canção; modulações ousadas; harmonias mais ricas,

frequentemente cromáticas, com o uso de surpreendentes dissonâncias.

3. Tessituras mais densas e pesadas, com corajosos contrastes dramáticos, explorando uma gama maior

de sonoridades, dinâmicas e timbres.

4. Expansão da orquestra, por vezes a proporções gigantescas; invenção do sistema de válvulas, que

propicia o desenvolvimento da seção de metais, cujo peso e força muitas vezes dominam a tessitura.

5. Rica variedade de tipos, desde canções e pequenas peças para piano até gigantescos

empreendimentos musicais de longa duração, estruturados com espetaculares clímaxes dramáticos e

dinâmicos.

6. Estreita ligação com as outras artes, donde o grande interesse pela música programática (sinfonia

descritiva, poema sinfônico e abertura de concerto).

7. Idéias que exerceram enorme fascínio sobre os compositores românticos: as terras exóticas e o

passado distante; os sonhos, a noite e o luar; os rios, lagos e florestas; a natureza e as estações; as alegrias e

tristezas do amor (especialmente o dos jovens); as lendas e contos de fadas; o mistério, a magia e o

sobrenatural;

8. Maior virtuosismo técnico, sobretudo dos pianistas e violinistas.

9. Nacionalismo: reação contra a influência alemã, principalmente de compositores da Rússia, Boêmia e

Noruega.

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Sonata nº 23 em Fá Menor, Opus 57 - Beethoven

(APPASSIONATA)

Uma das sonatas mais populares de Beethoven. O editor Cranz, de Hamburgo, deu-lhe o nome de

Appassionata, pelo qual é conhecida até hoje, em virtude de seu clima emocional de extremado

romantismo.

O primeiro movimento, Allegro assai, é dramático, agitado, com um tom levemente ameaçador. O

segundo tema tem a originalidade de, sendo derivado do primeiro, opor-se nitidamente a ele, como uma

melodia complementar mas que, ao mesmo tempo, garante a unidade estrutural do movimento; os dois

formam como que duas faces contrastantes de uma mesma personalidade.

O Andante con moto é mais sereno, e compõe-se de um tema com variações. No Allegro non

troppo, o clima passional retorna. Treze impetuosos acordes formam uma espécie de introdução a um

motivo quase contínuo que dá ao finale o cunho costumeiro de motoperpétuo. O segundo tema, executado

pela mão esquerda, repete-se, no fim de alguns compassos, num registro mais grave. Após outra série de

acordes incisivos, começa a longa parte central do movimento, rica em contrastes coloridos e que leva ao

vertiginoso final.