A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

16
A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela Angelina Ngungui Departamento de Ciências Sociais, Instituto Superior de Ciências da Educação Universidade Katyavala Bwila, Benguela, Angola DOI: https://doi.org/10.31492/2184-2043.RILP2020.37/pp.157-172 Resumo O presente texto reflecte uma experiência de aula-oficina realizada em contexto de sala de aula, com o pro- pósito de por um lado efectuar uma análise as idéias prévias dos alunos sobre uma música considerada histórica e revolucionária na realidade angolana, e por outro lado, servir-se da música como principal ferramenta meto- dológica para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. É um estudo de natureza qualitativa, um estudo de caso, uma metodologia investigação-acção e serviu-se de um inquérito por questionário aplicado aos sujeitos da investigação em contexto da “aula-oficina”. As produções dos alunos foram analisadas mediante a análise induc- tiva de conteúdo, sustentada por abordagem inspirada na “Grounded Theory” Strauss & Corbin (2008) tendo em atenção à qualidade do pensamento dos alunos à luz da epistemologia da História. Os constructos dos estudantes oscilaram ao nível da categoria “memorização” no estudo exploratório e ao nível da categoria “interpretação” durante o estudo piloto. Palavras-chave: constructos históricos; música; “aula-oficina”. Abstract This text reflects a classroom-workshop experience conducted in the classroom context, with the purpose of analyzing the students' previous ideas about a music considered historical and revolutionary in the Angolan rea- lity, and, on the other hand, to serve music as the main methodological tool to facilitate the teaching and learning process. It is a qualitative study, a case study, an action-research methodology and used a questionnaire survey applied to the research subjects in the context of the “class-workshop”. Students 'productions were analyzed through inductive content analysis, supported by an approach inspired by “Grounded Theory” Strauss & Corbin (2008), taking into account the quality of students' thinking in light of the epistemology of history. Student constructs fluctuated at the “memorization” category level in the exploratory study and at the “interpretation” category level during the pilot study. Keywords: historical constructs; music; “Workshop class”. 1. Introdução Actualmente, as abordagens no âmbito da Educação Histórica têm demons- trando a necessidade de os alunos interagirem activamente com as fontes his- tóricas e transformá-las de tal forma, que sejam úteis e lhes permitam construir o seu próprio conhecimento com autonomia e consciência. Assim, permitir aos alunos momentos, em par ou em grupo na turma, ensaiar competências como:

Transcript of A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

Page 1: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura

em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela

Angelina NgunguiDepartamento de Ciências Sociais, Instituto Superior de Ciências da Educação

Universidade Katyavala Bwila, Benguela, Angola

DOI: https://doi.org/10.31492/2184-2043.RILP2020.37/pp.157-172

ResumoO presente texto reflecte uma experiência de aula-oficina realizada em contexto de sala de aula, com o pro-

pósito de por um lado efectuar uma análise as idéias prévias dos alunos sobre uma música considerada histórica e revolucionária na realidade angolana, e por outro lado, servir-se da música como principal ferramenta meto-dológica para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. É um estudo de natureza qualitativa, um estudo de caso, uma metodologia investigação-acção e serviu-se de um inquérito por questionário aplicado aos sujeitos da investigação em contexto da “aula-oficina”. As produções dos alunos foram analisadas mediante a análise induc-tiva de conteúdo, sustentada por abordagem inspirada na “Grounded Theory” Strauss & Corbin (2008) tendo em atenção à qualidade do pensamento dos alunos à luz da epistemologia da História. Os constructos dos estudantes oscilaram ao nível da categoria “memorização” no estudo exploratório e ao nível da categoria “interpretação” durante o estudo piloto.

Palavras-chave: constructos históricos; música; “aula-oficina”.

Abstract

This text reflects a classroom-workshop experience conducted in the classroom context, with the purpose of analyzing the students' previous ideas about a music considered historical and revolutionary in the Angolan rea-lity, and, on the other hand, to serve music as the main methodological tool to facilitate the teaching and learning process. It is a qualitative study, a case study, an action-research methodology and used a questionnaire survey applied to the research subjects in the context of the “class-workshop”. Students 'productions were analyzed through inductive content analysis, supported by an approach inspired by “Grounded Theory” Strauss & Corbin (2008), taking into account the quality of students' thinking in light of the epistemology of history. Student constructs fluctuated at the “memorization” category level in the exploratory study and at the “interpretation” category level during the pilot study.

Keywords: historical constructs; music; “Workshop class”.

1. IntroduçãoActualmente, as abordagens no âmbito da Educação Histórica têm demons-

trando a necessidade de os alunos interagirem activamente com as fontes his-tóricas e transformá-las de tal forma, que sejam úteis e lhes permitam construir o seu próprio conhecimento com autonomia e consciência. Assim, permitir aos alunos momentos, em par ou em grupo na turma, ensaiar competências como:

Page 2: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

158 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

argumentar, criticar, narrar e reescrever situações históricas, podem gerar cons-tructos nos alunos, sobre o que estão a aprender e a sua aplicabilidade no quo-tidiano.

Observa-se regularmente os professores queixarem-se que os seus alunos andam desmotivados. Não assistem as aulas com a regularidade requerida, não observam, não registam, não observam, nem criticam... e concomitantemente ob-serva-se uma baixa promoção entre estes.

Por sua vez, os alunos reclamam que os professores de História não prestam, não explicam bem, os textos são muito longos, mesmo que eu leia não aprendo nada... intermináveis queixas dos actores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Com vista a tornar as aulas mais prazerosas, interactivas, optamos por expe-rimentar uma aula-oficina por intermédio da música, por ser a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimen-tos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosas, manifestações cívicas, po-líticas etc. Faz parte da educação desde há longos anos, sendo que, já na Grécia antiga era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos ao lado da matemática e da filosofia (Tennroller & Cunha, 2012).

A opção em implementar metodologías activas, constituí um desafío ao pro-fessor angolano. Entre mudanças ao nivel político, económico, social e particu-larmente educativo, vê-se forçado a munir-se de metodologias que permitam a aprendizagem ao aluno e para que se consiga manter à luz das novas exigências currículares e em sala de aula.

A intenção em realizar a experiência em narrativa, concorre para o desiderato, de fazer diferente, talvez melhor, porém, que dê resultados satisfatórios, na me-dida em que através da música o aluno pode desenvolver as suas capacidades de pensar, criar e produzir dentro do seu contexto educativo, pois a música fala por si só, e contribui para o desenvolvimento integral do aprendente onde o mesmo é um sujeito aberto a novas experiências. Muitas abordagens sobre a importância da música no ensino são feitas sobre variados enfoques e com diferentes objec-tivos. Por exemplo, Tennroller & Cunha (2012) nos seus trabalhos pretenderam compreender como as professoras utilizam a música no processo ensino/apren-dizagem com as crianças de cinco a seis anos. Igualmente, Barros, Marques & Tavares (2018) desenvolveram um estudo sobre a importância da música para o ensino-aprendizagem na educação infantil: reflexões à luz da psicologia his-tórico-cultural, conclui-se que a música como actividade em sala de aula é de suma importância para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. O uso

Page 3: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 159

das músicas principalmente das cantigas de roda no contexto educacional, serve de instrumento de intervenção pedagógica utilizados como uma estratégia dife-renciada de outra já incorporada, dominada e transmitida pelo saber pedagógico através das gerações.

É neste diapasão que optamos por trabalhar em sala de aula o poema “Os Meninos do Huambo” publicado em 1976 por Rui Manuel Rui Alves Monteiro, e neste mesmo ano foi musicado e cantado por Paulo de Carvalho cantor português e, posteriormente, por Ruy Mingas (Abreu, 2015).

O seu autor, Manuel Rui Alves Monteiro nasceu na cidade do Huambo a 4 de Novembro de 1941. Efectuou os seus estudos primários e secundários no Huam-bo, seguindo para Portugal, onde estudou Direito na Universidade de Coimbra, terminando o curso em 1969. Enquanto estudante foi activista cultural da Casa dos Estudantes do Império (CEI), participou em acontecimentos literários e polí-ticas, tendo sido preso por dois meses em Portugal. Exerceu advocacia em Coim-bra e Viseu.

Regressou a Angola em 1974, onde foi Director Geral da Informação e Minis-tro da Informação no Governo de Transição em 1975, e integrou a representação de Angola em organismos internacionais como a OUA e a ONU. Após a inde-pendência ocupou diversos cargos entre os quais o de Director da Faculdade de letras do Lubango e do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED). Foi também professor universitário e jurista.

Poeta, contista, ensaísta, crítico dramaturgo, romancista e cronista, escreve comentários críticas para jornais e revistas angolanas. É considerado figura in-contornável do cancioneiro angolano. Dentre as suas obras tem alguns livros de literatura infantil publicados. É o autor do Hino Nacional angolano, Hino da Al-fabetização, bem como de outros poemas que integram o cancioneiro angolano. Colaborou em diversos jornais como o Planalto, República, «Mosca», suplemen-to do Diário de Lisboa, Jornal de Angola, Correio da Semana. Foi galardoado com o Prémio «Caminho das Estrelas» de 1980, do Concurso de Literatura Ca-marada Presidente, outorgado pelo Instituto Nacional do Livro e do Disco de Angola (INALD) e vai somando prémios até aos nossos dias. Publicou várias obras ao longo dos anos1.

1. As suas obras publicadas foram: Poesia sem Notícia (1967), A Onda (1973), Regresso Adiado (1973), 11 Poemas em Novembro. Ano Um (1976), Sim, Camarada (1977), 11 Poemas em Novembro. Ano Dois (1977), A Caixa (1977), 11 Poemas em Novembro. Ano Três (1978). Agricultura (1978), 11 Poemas em Novembro. Ano Quatro (1979), Cinco dias depois da independência (1979), Memória de Mar (1980), 11 Poemas em Novembro. Ano Cinco (1980), 11 Poemas em Novembro. Ano Seis (1981), Quem me dera ser onda (1982), 11 Poemas em Novembro. Ano Sete (1984), Cinco vezes Onze Poemas em Novembro (1985), 11 Poemas em Novembro. Ano Oito (1988), Crónica de um Mujimbo (1989), 1 Morto & os Vivos (1992), Rio Seco (1997), Da Palma da Mão (1998), Assalto (s.d.) Saxofone e Metáfora (2001). Recuperado de https://www.geledes.org.br/escritor--angolano-manuel-rui-monteiro-lanca-kalunga/

Page 4: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

160 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

Na arena nacional e internacional, outros músicos como André Mingas, Car-los do Carmo (Portugal), Martinho da Vila e Cláudio Jorge (Brasil), entre outros também deram voz as letras escritas por Rui Monteiro. Além de escritor, este autor, participou em filmes, como figurante e declamando poemas, mas também escrevendo diálogos.

A música “os meninos do Huambo” em Angola e na diáspora é considerada como música de intervenção, adaptando as idéias de Óscar Lopes2 “apesar de esta tendência, designada como música de intervenção, não ser reconhecida como movimento literário independente, mas se pode relacionar diferentes autores de profissões diversas de fé estético-literárias. Em termos de música de qualidade, é impossível dissociar uma tendência de intervenção política ou de intenção realis-ta, por ela revelar a vida real das pessoas, em obras de sensibilidade tão diferentes como as que observamos na forma como entoam esta música, os músicos Ruy Mingas e Paulo de Carvalho. Assim,

O canto de intervenção teve as suas origens numa realidade contestada, estigmatizada pela pobreza, pela miséria, pela injustiça social, pela repressão política que imperavam – e que urgia denunciar. O canto através da música e dos textos poéticos pretendia provocar a consciência das pessoas e abrir, simultaneamente, novos caminhos para uma mudança que propiciasse substanciais melhorias nas con-dições de vida das pessoas (Belo, 2010, p.11).

A este tipo de canção também se denominou «canção de protesto», «canção de resistência», «canto livre» ou «canção de esquerda». (Belo, 2010, p. 12) […]. Em diálogo com Lopes-Graça (1946, p.5/6) citada por (Castro, 2012, p.23) salienta que:

Verifica-se, enfim, nos nossos tão dramáticos tempos, em que, por toda a parte, nessas ora tonificantes, ora trágicas, ora épicas Canções de Protesto, Canções dos Homens Livres, Canções de Partidários, Canções de Resistência, poesia e música reunidas são para os homens uma forma de realização, pro-jecção ou sublimação das suas lutas, dos seus sentimentos, dos seus anseios”.

Infelizmente os dias mantém-se dramáticos e o autor neste poema convo-ca-nos a necessidade de reestabelecer a esperança em tempos vindouros mais risonhos, felizes, onde as feridas ganhas pelas vicissitudes das guerras vividas possam ser saradas. A pensar que é possível recomeçar, sonhar e concretizar os sonhos. No refrão deste poema lê-se:

[…]...os meninos a volta da fogueiravao aprender coisas de sonho e de verdadevao aprender como se ganha uma bandeiravao saber o que custou a liberdade […]».

2. Recuperado de http://www.lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm

Page 5: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 161

Lembra-nos as práticas ancestrais, do assentar à volta da fogueira e os mais velhos contam as histórias da sua trajectória de vida, as guerras desenvolvidas para a sobrevivência, em primeira instância contra a opressão colonial e a seguir a guerra para nos mantermos vivos à custa de muito sacrífico. Mas neste caso, o autor evoca os processos que os angolanos tiveram de percorrer para alcançar a independência, para que a liberdade fosse uma realidade, conta aos meninos os sonhos e também as verdades, e a ideia de que nem tudo são sonhos, existem ver-dades que os meninos precisam conhecer, para a continuidade da guerra, guerra esta que não é feita com armas, mas com o trabalho duro, criatividade, entrega de todos para que se consiga uma Angola boa para se viver, onde não falte pão, água, escola e saúde.

Ideiais de há mais de 40 anos, que estão longe de serem concretizadas, mas cremos que chegará. Cremos que chegarão melhores dias, embora em diversida-de, unidos faremos da diversidade um potencial para o desenvolvimento de um Estado-nação com integrantes que estabeleçam uma plataforma inclusiva em que todas as forças vivas se empenhem de forma individual e colectiva para a reconstrução da tão almejada nova Angola, onde reine a democracia e a igualdade de direito. Aguardamos ansiosos por sabermos “que as estrelas são do Povo”.

O cancioneiro angolano em toda sua História é rica de músicos e poetas que emprestaram corpo e alma para despertar as consciências das populações através de mensagens que relatavam o prenúncio de novos tempos, tempo de viver a liberdade negada ao povo por longos anos. Estas mensagens foram passadas, in-terpretadas cada uma da sua forma e com escassos recursos disponíveis para a sua propalação. Lembramos aqui à título de exemplo3, em 1975, Júlio Pereira, Car-los Cavalheiro e o seu grupo Xarhanga, tocando o estilo rock progressista uma mistura de sons africanos e portugueses, cantam a música “Indepêndencia”do album BOTA-FORA. Na contra-capa do álbum referia-se específicamente às três colónias portuguesas, por ter sido aí onde se desenvolveu a luta armada que con-duziu a libertação nacional. Música que arrastou milhares e milhares de jovens portugueses. Podia-se encontrar também, entre outros, os temas MPLA e Viva a Guiné-Bissau Livre e Independente. Ainda em 1975, o cantor angolano Ruy Mingas gravou quatro temas que já cantava nos encontros clandestinos, fugindo à censura: Monangambé/ Monangambé (António Jacinto)/ Quem Tá Gemendo (Solano Trindade)/ Adeus à Hora da Partida (Agostinho Neto)/ Muimbuuasaba-lu (Mário Pinto de Andrade), escrevendo Luandino Vieira na contracapa "Aqui está uma das vozes libertadoras de Angola - de África, do Mundo, portanto. Com

3. Recuperado de http://jornalcultura.sapo.ao/eco-de-angola/o-canto-de-intervencao-e-as-ex-colonias-por-tuguesas-antes-durante-e-depois-da-guerra-colonial-1/fotos

Page 6: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

162 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

Agostinho Neto, negro poetano angolano denuncia; com António Jacinto, poeta branco angolano; denuncia com Mário de Andrade, mestiço, poeta, angolano. Ruy Mingas, angolano". Mais tarde grava também Os Meninos do Huambo, um poema de Manuel Rui Monteiro, um canto à esperança!

O Grupo Outubro constituído por Carlos Alberto Moniz juntamente com Pe-dro Osório, Alfredo Vieira de Sousa, Madalena Leal e Maria do Amparo, no ál-bum de 1976 “A Cantar Também a Gente se Entende” , ainda canta Viva o MPLA.

Com o passar dos anos os conteúdos das músicas se vão alterando e observa--se um casamento entre músicos portugueses e africanos, começam a ser cantadas canções que reflectem a vida dos africanos em Portugal e a vida dos portugueses em África.

Em 1995 é editado em França um álbum importante, a primeira colectânia de temas gravados por autores dos países de expressão portuguesa, com nomes in-fluentes da música africana como Ruy Mingas, Bonga, Cesaria Évora, Tito Paris e tantos outros, colaboraram neste trabalho a que deram o título de 1975-1995 Indepêndencia!, na capa se podia ler que a ideia da compilação surgiu com o objectivo de lembrar a edição em 1953 da Antologia Poesia Negra de Expressão Portuguesa, preparada por Mário Pinto de Andrade e que homenageava a poesia de diversos autores cabo-verdianos (Aguinaldo, Mariano, Ovídio Martins, Bar-bosa, etc.), são-tomenses (Alda, Costa Alegre e Tenreiro), angolanos (Mário An-tónio e Viriato) e moçambicanos (Craveirinha, Kalungano, Noémia e Coronha)4.

Na mídia, esta música regularmente apresenta um duplo sentido: ora de nos-talgia em memória aos esforços realizados para a libertação do povo da colo-nização, tempos de lágrima, suor e sangue; ora para lembrar a necessidade do resgaste das tradições, da angolanidade, das questões de identidade e dos laços de pertença. Comummente ouvida durante as efémerides políticas, sociais, culturais e de lazer como a data do 4 de fevereiro (dia do início da luta armada), 11 de no-vembro (dia da independência de Angola) por trazer a tona memórias da História do povo angolano, bem como em actos solenes e manifestações populares.

O tema desta música é enaltecida em vários cenários da vida social ango-lana. Cantada por todas franjas sociais à semelhança do hino da República, raras vezes encontra-se alguém que não saiba cantar. A música em referência é poetisada, dramatizada em peças de teatro, filmes e documentários televi-sivos. O seu conteúdo ideológico é de uma riqueza inenarrável e seria im-possível descrevê-lo em detalhe, pelo valor histórico, social e cultural que representa.

4. Recuperado de http://jornalcultura.sapo.ao/eco-de-angola/o-canto-de-intervencao-e-as-ex-colonias-por-tuguesas-antes-durante-e-depois-da-guerra-colonial-1/fotos

Page 7: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 163

Não se encontrou alguma publicação que revele a utilização desta música nos programas escolares ou universitários no âmbito do currículo das ciências so-ciais, talvez seja leccinada nos cursos relacionados com a literatura africana. Mas importa referir que nos debates culturais angolanos, na rádio, televisão, jornais, blogs e site, a música é encarada como uma mensagem cuja expressão manifes-ta-se carregada de sentimento de repulsa, de indignação, de revolta e de denúncia subtil do colonialismo, da escravatura, do racismo da dominação e opressão de um povo sobre o outro, como incentivo a resistência das práticas coloniais e a busca de uma vida melhor.

O poema, a música, “os meninos do Huambo” retrata as ansiedades de um povo saído de um período de guerra colonial. Pois havia se alcançado a inde-pendência proclamada há 10 anos atrás, e na sequência vivia-se um período de guerra civil terminada em 2002, com consequências incalculáveis como a morte da população, mutilados de guerra, orfandade, destruição de infra-estruturas (es-tradas, cidades, pontes, caminhos-de-ferro, pontes) minas em parte do território angolano, miséria, perca de valores, êxodo rural, entre outros males que se arras-tam até a actualidade.

A música “os meninos do Huambo” como parte das cantigas de roda no con-texto educacional angolano, pode servir de instrumento de intervenção pedagógi-ca utilizada como uma estratégia diferenciada de outra já incorporada, domina-da e transmitida pelo saber pedagógico através das gerações, como asseveraram (Barros, Marques & Tavares, 2018).

Por seu turno, Loureiro (2007) defende que a música, em sala de aula, pode ir além de apenas um instrumento; ela é capaz de promover o desenvolvimento do ser humano, torná-lo capaz de conhecer os elementos de seu mundo para intervir nele, transformando-o no sentido de ampliar a comunicação, a colaboração e a liberdade entre os seres. Em concordancia com os estudo anteriormente referen-ciados, o nosso interesse prende-se em perceber que tipo de constructos podem os alunos produzir ao ouvirem, lerem a música “os meninos do Huambo” através das várias dinâmicas a serem utilizadas durante o processo de aula.

Neste espírito, pretende-se aliar a metodología de aula-oficina à música, no sentido de compreender que idéias os alunos manifestarão e em consonância per-ceber o quão estimulante pode ser realizar uma aula com esta característica em realidades que quase não se utilizam os métodos activos no processo de ensino e aprendizagem. A busca feita nas páginas webs, demonstraram não haver traba-lhos desta natureza neste contexto que tenham sido publicados, pelo que desen-volver este estudo constitui um desafio. Ao mesmo tempo o seu desenvolvimento proporcionará aos estudantes momentos de confronto com situações históricas

Page 8: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

164 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

novas; debate de idéias entre o grupo turma e o professor; o que poderá promover a imaginação, o gosto pela música e a consciencialização do valor da música para a vida.

As idéias históricas sobre a música revolucionária no ensino e aprendizagem da História podem, contribuir para o alcance de uma aprendizagem progressiva que garanta ao indivíduo a apropriação activa e criadora da cultura, propiciando o seu próprio aperfeiçoamento constante, autonomia e auto-determinação, em íntima relação com os necessários processos de socialização, compromisso e res-ponsabilidade social.

Dentro deste quadro de preocupações questionou-se que constructos mani-festam os alunos em relação a música “os meninos do Huambo” diante da expe-riência de aula-oficina?

Determinou-se como objetivo geral: compreender as idéias que manifestam os alunos sobre a música “os meninos do Huambo” durante a experiência de aula-o-ficina. Os objectivos específicos pretenderam: analisar os constructos manifestos pelos alunos à luz da Educação Histórica através da música “os meninos do Huambo”; e categorizar os dados produzidos pelos alunos à luz dos fundamentos do construtivismo social.

2. A aula-oficinaA aula-oficina desenvolveu-se fundada nos pressupostos do construtivismo so-

cial que sugere que o aluno participe activamente do próprio aprendizado, com base na experimentação individual e a experimentação em grupo, a estímulo a dúvidas e o desenvolvimento do raciocínio, entre outros procedimentos. Rejeita a apresen-tação de conhecimentos prontos ao estudante, utilizando de um modo inovador técnicas tradicionais como, por exemplo: a memorização. Daí que o termo constru-tivista, pelo qual se procura indicar que uma pessoa aprende melhor quando toma parte de forma directa na construção do conhecimento que adquire (Barca, 2004).

As práticas lectivas na escola angolana são consideradas tradicionais. Contu-do, à semelhança dos países suas congéneres, esta escola passa por mudanças à todos os níveis, mais tácitas, porém visiveis nalguns segmentos. Novas atribui-ções são dadas aos actores-chave deste processo.

Embora a Lei de Bases do Sistema de Educação e ensino nº17/16 de 7 de Outubro, defende no seu 2º Artigo o sistema de educação e Ensino como um conjunto de estruturas, modalidades e instituições de ensino, por meio das quais se realiza o processo educativo, tendente à formação harmoniosa e integral do in-divíduo, com vista à construção de uma sociedade livre, democrática, de direito, de paz e progresso social; e apresentar como os fins de sistema de Educação e

Page 9: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 165

Ensino no seu Artigo 4º referências explícitas sobre as competências específicas a formar no indivíduo ao longo do desenvolvimento do sistema de ensino, nas suas diversas alíneas que nos remetem á escola construtivista, estes pressupostos não são tido em conta em contexto real de sala de aula por enquanto. Observa-se dissonâncias entre a Lei de Bases e a sua execução efectiva.

O nosso interesse nesta abordagem converge com os pressupostos plasma-dos na Lei de Bases vigente, na medida em que na visão de Schmidt & Cainelli (2004) e Ngungui (2017), a prática pedagógica do professor de História, ajuda o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho, necessárias para aprender a pensar historicamente, o saber/saber, saber/ser e o saber/fazer, lançando as ‘sementes’ do saber histórico. Ele é o responsável por ensinar ao aluno como captar e valorizar a diversidade das fontes e dos pontos de vistas históricos, levando-o a recons-truírem, por inferência o percurso da narrativa histórica. No entanto ao professor cabe orientar ao aluno como levantar problemas, procurando transformar, em cada aula de História, temas e problemáticas em narrativas históricas.

É preciso pensar na disciplina de História, como uma disciplina fundamen-talmente educativa, formativa, emancipadora e libertadora. Pois a História tem como papel central a formação da consciência histórica dos homens, possibilitan-do a construção de identidades, a elucidação do vivido, bem como a intervenção social e praxes individuais e colectiva. O professor de História com a sua maneira hábil e gentil de ser, pensar, agir e ensinar, transforma seu conjunto de complexos saberes em conhecimentos efectivamente ensináveis, fazendo com que o aluno não apenas compreenda, mas assimile, incorpore e reflicta sobre esses ensina-mentos de variadas formas (Fonseca, 2003).

3. Método do estudoTrata-se de uma experiência educativa que se enquadra no domínio da cogni-

ção histórica. Optou-se por um estudo de caso por ser a melhor estratégia quando se quer responder as questões “Como’’ e “Porquê” sobre um assunto específico a partir de pesquisas qualitativas. Segundo Yin (2005) o "como" e/ou o "porque" são as perguntas centrais – o investigador tem um pequeno controle sobre os eventos – um fenómeno contemporâneo – contexto de vida real. O conhecimento existente sobre o fenómeno é pequeno – as teorias disponíveis para explicá-lo nem sempre são adequadas, por sua vez exige a necessidade de explorar uma situação que não está bem definida.

Associou-se uma metodologia com contornos de investigação-acção, pois se realizou a investigação in loco, com a intenção de conhecer um problema real localizado numa situação imediata. Esta investigação proporciona a possibilidade de efectuar mudanças, ajustes na realidade intervencionada.

Page 10: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

166 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

Utilizou-se o inquérito por questionário como instrumento de recolha de da-dos em contexto de aula-oficina, aplicados a 10 sujeitos participantes na investi-gação. A turma era constituida por 31 alunos, todos participaram na experiência, mas fez-se um tratamento simples de dados aos sujeitos já referidos, por não se buscar a generalização dos dados em investigações de natureza qualitativa.

4. Processo de experiência no terrenoEsta pesquisa foi conseguida, através da aplicação de um estudo exploratório

durante 90 minutos e um estudo piloto correspondente a 45minutos. As aulas foram ministradas numa única turma da universidade com estudantes do 1ºano. Elaboramos um plano de aula e um guião de observação para o alcance dos ob-jectivos preconizados. Lembrar que a música “os meninos do Huambo” é cantada por Rui Mingas e a letra é da autoria de Manuel Rui Monteiro. Mais adiante fare-mos uma breve apresentação da sua vida e obra.

Etapa do estudo exploratórioNesta etapa foram ministradas duas aulas de 90 minutos, distribuidas em 45

minutos para cada uma. A experiência decorreu numa única turma no mesmo dia. No primeiro momento da aula, a professora convocou os alunos a escutarem a

música, durante alguns minutos. O professor não havia explicitado como decor-reria a aula o que gerou um misto de alegria e desconfiança da parte dos alunos. Após a escuta da música, a professora projectou a seguinte questão orientadora:

O que perceberam na música ouvida?Gerou-se um período de interacção que foi interrompido pela professora com

a distribuição da música em papel para cada estudante.Esta tarefa foi realizada no segundo momento, a qual a professora atribuiu

15 minutos para a leitura da música. Neste momento a professora orientou os estudantes a escreverem para as suas folhas de actividades o que perceberam da leitura efectuada a música.

Etapa do estudo piloto Esta etapa decorreu em 45 minutos. A professora solicitou aos estudantes que

lessem o que haviam escrito nas suas folhas de papel. Ocorreu um período de interacção de mais ou menos 10 minutos.

No segundo momento, a professora convocou os estudantes a a formarem grupos constituídos por cinco alunos, a tarefa consisitia em cada um dos consti-tuintes do grupo apresentarem as suas idéias sobre o que haviam percebido sobre a música durante a experiência lectiva. Após a compilação dessas idéias, cada

Page 11: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 167

Coordenador do grupo, leu o texto produzido para a turma, em momento de me-tacognição.

5. Discussão dos resultados As concepções dos alunos acerca da música “os meninos do Huambo, são

aqui analisadas como resultado das actividades realizadas durante a experiência lectiva. Apresentamos apenas um exercício em cada etapa dos estudos.

Assim, na etapa do estudo exploratório solicitou-se aos estudantes que mani-festassem o que haviam entendido sobre a música ouvida. Vale lembrar que os estudantes ouviram a música completa composta por oito estrofes5.

O objectivo desta questão pretendia que os estudantes, ouvissem a música e a interpretassem. Durante o exercício não ocorreram interpretações, pelo que as respostas emanadas das questões foram categorizadas como “memorização”, como apresentamos na tabela 1, os exemplos de parte das respostas emergidas do exercício realizado, bem como das categorias conseguidas destas respostas.

Tabela 1. Exemplos de respostas e categorias emergidas diante da primeira questão(Fonte: Elaboração própria).

Respostas dos alunos Categorias

António Fernão: Memorização

O que entendi na música é que esta música quer dizer a arte da história e como se deve estudar a história. A música consiste nas lágrimas do passado e o acessório de vontade.

Júlia Pita: Memorização

Eu entendi os meninos a volta da fogueira vão aprender coisas de verdade. E vão aprender como fixar uma bandeira.

Valério Manuel: Memorização

Na música entendi que os meninos do Huambo vão aprender como se ganha uma bandeira é coisa que se passou num passado e também ouvir que os meninos inventaram coisas novas.

Durante a aplicação do estudo exploratório, percebeu-se que maior parte dos alunos incidiram as suas idéias históricas no constructo “memorização”, o que nos dá indícios de que, a metodologia é nova e precisava ser bem percebida pelos estudantes, para se alcançar os objectivos preconizados. Por outra, independente de que não deixaram de memorizar, observou-se a ocorrência de troca de idéias entre os estudantes e o docente relacionado com um assunto da sua própria rea-lidade.

5. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D_naXf_c6As

Page 12: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

168 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

Na etapa do estudo piloto traçaram-se os seguintes objectivos: • Analisar a consistência das idéias dos estudantes frente a nova metodolo-

gia trazida para se efectuar o estudo; • Ensaiar uma categorização de idéias dos estudantes com base nos dados

recolhidos. Para a realização deste estudo piloto recolheram-se as idéias prévias dos alu-

nos, primeiramente, retomou-se os textos que os estudantes haviam produzido acerca do entendimento sobre a leitura da música. O exemplo que apresentamos refere-se á actividade grupal realizada, em que cada coordenador do grupo leu o texto produzido pelo grupo.

Manteve-se a questão orientadora: “O que entenderam na música ouvida?” As idéias dos alunos, foram agrupadas em categorias. No estudo piloto emergiram três categorias, a saber: interpretação, memorização com texto em falta e memo-rização com nova ideia.

A maior parte das idéias neste exercício situaram-se ao nível da categoria “In-terpretação”, os estudantes mobilizaram as suas idéias para explicarem o que ha-viam percebido da música. Construiram novos argumentos, e aproveitaram para criticar algum comportamento do colonizador durante o processo de colonização.

Nesta discussão percebeu-se laivos de relações de sentimento de pertença, de identidade, de irmandande e de reconhecimento pelo alcance das independências, Observou-se concordância entre as idéias reveladas pelos estudantes durante a discussão e nas narrações escritas.

Diante da actividade de carácter grupal deu-se o aparecimento de duas no-vas categorias como: “memorização com nova ideia” um grupo apenas situou a sua resposta a este nível, e respeitante a “memorização com texto em falta”, dois grupos incidiram as suas respostas nesta categoria. O que se percebe nesta categorização é que maior parte dos alunos apoiaram-se em evidências para res-ponder as tarefas orientadas, manifestando idéias substantivas diante das fontes apresentadas.

Na categoria “memorização com nova ideia” os alunos copiaram o conteúdo da música, porém acrescentaram alguns insights que não faziam parte da música.

Emergiu a categoria “memorização com texto em falta” em que parte dos estudantes copiaram o conteúdo da música, para a realização da tarefa orientada, mas copiaram apenas as palavras que os interessou.

Na tabela 2 se pode ler alguns exemplos de respostas por categoria, reveladas pelos estudantes durante a experiência em grupo.

Page 13: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 169

Tabela 2. Exemplos de respostas acividades grupais (Fonte: elaboração própria).

Respostas dos grupos Categorias

1º Grupo

Interpretação

O que percebemos da música eque o povo estava contente pelo alacance da independência. Afinal foi dificil, os colonialistas não queriam ceder e o povo empunhou as armas, catanas e tudo que havia para a sua li-berdade. Agora a roda da fogueira através dos livros, dos mais velhos, a nova geração precisa saber que as independências custaram vidas e não foram poucas, por isso tem que ser valorizado...

2º Grupo

Memorização com nova ideiaPorque os meninos inventaram coisas novas que até já dizem que as es-trelas são do povo. Os meninos ficaram a saber como e que se conquista uma liberdade.

3º Grupo

Memorização com texto em faltaOs meninos a volta da fogueira vão aprender como se ganha uma ban-deira. Vão saber o que custou a liberdade. Com os lábios de dizer novas poesias soletram as estrelas como letras e vão juntando no Céu com pedrinhas.

O que se pode depreender das respostas dos estudantes é que eventualmente na primeira etapa, isto é no estudo exploratório, desconheciam a metodologia e sequentemente a introdução da música como uma forma diferente e inovadora de fazer-se a prática lectiva, rara em contexto angolano. Por outra, ocorreram duas actividades em simultâneo, por um lado, retomaram-se os textos que os estudan-tes haviam produzido acerca do entendimento sobre a leitura da música do mo-mento de metacognição da aula da etapa do estudo exploratório e, por outro lado, cada coordenador dos grupos apresentaram as suas idéias sobre o que haviam percebido sobre a música durante as experiências lectivas após a compilação des-sas idéias pelo grupo.

Pela leitura dos exemplos constantes no quadro, constatamos haver uma pro-gressão do conhecimento histórico dos estudantes. Maior parte das suas respostas incidiram ao nível da categoria “Interpretação”. Observa-se uma progressão na compreensão da música, mesmo pelo nível de elaboração das respostas, o grau de argumentação e as críticas avançadas de forma contextualizada em relação ao primeiro estudo, em que registou-se maior incidência das respostas dos estudan-tes situadas ao nível da “memorização”.

A progressão também é observada em relação a categoria “Memorização com nova ideia” visto que distanciaram-se um pouco da memorização, o que é aceitá-vel considerando que o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, tendo em linha de conta a visão construtivista, visa transitar do conhecimento substantivo ao conhecimento de segunda ordem na aula de História, esta pode ser

Page 14: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

170 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

mais ou menos conseguida, mas desde já reflecte a progressão da compreensão histórica a partir do conhecimento tácito do estudante.

Embora os alunos manifestem conhecimentos substantivos às vezes chamado de conteúdo histórico, organizado sob a forma de um passado histórico utilizável, em diferentes escalas, como defende Lee (2016), compreender a História como uma forma de ver o mundo, envolve uma compreensão da disciplina de História, isto é, das idéias-chave que tornam o co¬nhecimento do passado possível, e dos diferentes tipos de reivindicações feitas pela História, incluindo o conhecimento de como podemos inferir os conhecimentos históricos, explicar eventos, proces-sos e fazer relatos do passado, era o mínimo que se esperava dos alunos, com a aplicação desta experiência.

6. ConclusõesO presente estudo propôs-se analisar a percepção dos sentidos atribuidos pelos

sujeitos participantes a investigação na utilização da música na aprendizagem da História, alicerçando-se na linha de invetigação em Educação Histórica que pro-cura conhecer o pensamento histórico dos intervenientes na experiência, baseado numa metodologia essencialmente qualitativa, fazendo inferência as respostas dos estudantes sobre os conceitos históricos que parecem envolver a experiência.

Podemos inferir que a aula-oficina, permite-nos entender o progresso da aprendizagem dos alunos diante das tarefas planificadas por um lado; por outro lado, dá-nos pistas para a percepção de que tipos de tarefas os alunos se predis-põem a realizar mais em grupo ou de forma individualizada, de modos a que o professor possa adequar-se as expectativas dos seus alunos.

As novas concepções pedagógicas paralelas aos novos aportes teóricos e me-todológicos da história legitimam o uso das fontes, não apenas como suporte informativo, mas sim como todo um conjunto de signos, visual, textual, produ-zido numa perspectiva diferente da comunicação de um saber disciplinar, mas utilizando essas como fins didácticos.

Neste estudo, reforçamos a necessidade de o professor servindo-se das po-tencialidades do ensino problematizador deve entrelaçar questões do universo académico e da vivência de seus estudantes, fazendo com que o conteúdo, que parece tão distante da realidade discente adquira significados (Fonseca, 2003). Com efeito, especialmente, orienta seus estudantes na construção do sentido da História através da observação, descrição, comparação e análise das fontes.

Além disso, é de extrema importância a escolha por um procedimento peda-gógico capaz de conduzir os discentes a superação da asserção errónea construí-da no passado da fonte enquanto prova da verdade, ou do acontecido. Logo, é

Page 15: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula-oficina com estudantes do 1º ano de licenciatura em História do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela | 171

indispensável esclarecer aos alunos que toda fonte é um fragmento de memória, um vestígio de um tempo vivido, indícios de situações e/ou representação de uma época.

Ademais, não podemos deixar de mencionar que o uso da comunicação con-textualizada sobre a música revolucionária: “Os meninos do Huambo”, nas aulas fomenta um novo olhar dos docentes, fazendo-os perceber de maneira crítica que idéias mobilizam os alunos mesmo quando diante de uma metodologia nova.

A música em foco, convoca-nos ao conhecimento dos esforços desenvol-vidos para a aquisição das independências, a valorização da bandeira nacional como simbolo da cultura nacional, o regaste da angolanidade; e a necessidade de reavivar e preservar os usos e costumes, rituais, cerimônias e tradições, os ele-mentos culturais como a música, a poesia, importantes como parte da memória colectiva de um povo, fundamental para a reconstrução da consciência nacional.

ReferênciasAbreu, Cesaltina (2015). « «...E os Meninos de há 40 anos, o que aprenderam?...» », Mulemba

[Online]. 6(12), 21-29. Recuperado de http://journals.openedition.org/mulemba/1710; DOI:https://

doi.org/10.4000/mulemba.1710.

Assembleia Nacional. Lei 13/01, de 31 de Dezembro. Lei de Bases do Sistema de Educação -

publicado no Diário da República. I série – nº65. Luanda. Angola.

Barca, Isabel (2004). Aula oficina: Do Projeto à Avaliação. In. I. Barca (org.), Para uma edu-

cação histórica de qualidade (pp. 55 – 74). Braga: CEEP, Universidade do Minho.

Barros, R.; Marques, L. & Tavares, L. (2018). A importância da música para o ensino-aprendi-

zagem na educação infantil: reflexões à luz da psicologia histórico-cultural, IV COLBEDUCA e II

CIEE 24 e 25 de Janeiro de 2018, Braga e Paredes de Coura, Portugal. Recuperado de http://www.

revistas.udesc.br/index.php/colbeduca/article/view/11348.

Belo, José. (2010). A poesia musicada de intervenção em Portugal (1960-1974): a sua aplica-

bilidade no Ensino Secundário. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real.

Cainelli, M. (2012). A escrita da história e os conteúdos ensinados na disciplina de história no

ensino fundamental. Revista Educação e Filosofia Uberlândia, (26), 163-184.

Carvalho, Paulo. (1999). O melhor de. Universal Music Portugal – 546 590-2. CD Compila-

tion Rem (...)

Castro, J. (2012). Discos na luta: a canção de protesto na produção fonográfica em Portugal

nas décadas de 1960 e 1970. Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais, variante de Etnomu-

sicologia. Universidade Nova de Lisboa, Lisboa.

Fonseca, S. G. (2003) Didáctica e prática de ensino de História. Campinas, São Paulo: Papirus.

Lee, P. (2001). Progressão da compreensão dos alunos em História (pp 13-27). In Barca, I.

(org.), Perspetivas em Educação Histórica. Braga: CEEP, Universidade do Minho.

Page 16: A música “Os Meninos do Huambo”: uma experiência de aula ...

172 | RILP - Revista Internacional em Língua Portuguesa - nº 37 - 2020

Lee, P. (2006). Em direção a um conceito de literacia histórica. In. Educar, Curitiba, 131 – 150.

Loureiro, A. (2007). O ensino da música na escola fundamental. Brasil: Papirus.

Mingas, Ruy. (2011). Memória. Maianga – CD 2011758. 2xCD – Compilation, faixa nº.11

<https://www.disc (...)

Ngungui, Angelina. (2017). Construir conhecimento histórico em contexto angolano: um es-

tudo em torno de uma experiência de “aula oficina”. Tese de Doutoramento em Educação não

publicada, Universidade do Minho, Braga. Recuperado de http://hdl.handle.net/1822/45763.

Manuel, Rui (1985). Meninos de Huambo. [S.l.: s.n.]

Strauss, A. & Corbin, J. (1998). Basics of qualitative research: techniques and procedures for

developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage.

Tennroller, D. & Cunha,M. (2012). Música e educação: a música no processo ensino/aprendi-

zagem. Revista Eventos Pedagógicos, (3), 33 – 43.

Yin, R. (2005). Estudos de caso: planeamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. Porto Alegre:

Bookman.

Escritor angolano Manuel Rui Monteiro lança “Kalunga”.(2018). Géledes- Instituto da Mulher

Negra. Recuperado de https://www.geledes.org.br/escritor-angolano-manuel-rui-monteiro-lanca-

-kalunga/.

O Canto de Intervenção e as ex-colónias portuguesas antes, durante e depois da guerra colo-

nial (2015). Cultura-Jornal angolano de Artes e Letras. Recuperado de http://jornalcultura.sapo.ao/

eco-de-angola/o-canto-de-intervencao-e-as-ex-colonias-portuguesas-antes-durante-e-depois-da-

-guerra-colonial-1/fotos.

“POESIA ÚTIL” E LITERATURA DE RESISTÊNCIA. A literatura como arma contra a ditadu-

ra e a guerra colonial portuguesas. Folha de poesia. Recuperado de http://www.lusofonia.x10.mx/

literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm

Ruy Mingas. Os meninos do Huambo. Youtube. Recuperado de https://www.youtube.com/wa-

tch?v=D_naXf_c6As

Data receção: 16/09/2019Data aprovação: 10/03/2020