A Mulher Misteriosa-115

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  • 8/14/2019 A Mulher Misteriosa-115

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    Ttulo: Mulher Misteriosa.Autora: Barbara Cartland.Dados da Edio: Livros Abril, So Paulo, 1985.Ttulo Original: The Lioness and the Lily.Gnero: romance.Digitalizao: Dores cunha.Correco: Edith Suli.

    Estado da Obra: Corrigida.Numerao de Pgina: Rodap.

    Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente leitura de pessoas portadoras de deficincia visual. Por fora da lei dedireitos de autor, este ficheiro no pode ser distribudo para outrosfins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.

    Mulher misteriosa

    No silncio do quarto imenso do castelo de Windsor, o conde de Rockbrookpreparava-se para apagar as velas quando a porta se abriu deixando entrar

    uma mulher, vestindo apenas um leve nglig. O conde j sabia das visitasnoturnas que a jovem lady fazia aos hspedes do castelo, entregando seucorpo para tentar enredar nobres ricos e poderosos como ele nas malhas deum casamento forado. Mas o sorriso sensual nos lbios dela e o brilhomalicioso do seu olhar fizeram Rockbrook esquecer todas as recomendaes,todo o cdigo de honra. Ele abriu os braos e acolheu a bela visitantepara esquentar-lhe o leito... e foi este fato que deu incio a todo o seutormento!

    livros AbrilTtulo original: "The Lioness and the Lily"Copyright: (c) Cartland Promotions 1981Traduo: Rachel ShwartzCopyright para a lngua portuguesa: 1985 Abril S. A. Cultural - So Paulo

    Esta obra foi composta na Linoart Ltda. e impressa na Editora Parma Ltda.

    Leitura - a maneira mais econmica de cultura, lazer e diverso.LIVROS ABRILRomances com CoraoCaixa Postal 2372 - So Paulo

    CAPTULO I1841Completamente absorto nos prprios pensamentos, o conde de Rockbrookcruzou os pesados portes que levavam enorme manso georgiana,pertencente a sua famlia desde os tempos do rei Charles II.Cavalgou entre as rvores seculares que ladeavam o caminho, sem tomar

    conhecimento da beleza da vegetao ao seu redor, e parou, quase que porinstinto, ao lado dos degraus que conduziam porta de entrada, com seusmajestosos pilares.A criadagem, em cujos uniformes se destacavam os botes com o braso dafamlia, logo percebeu que o novo senhor de Rockbrook no estava em seumelhor humor.Todos ainda sentiam-se inseguros e inquietos diante da reviravolta dosacontecimentos e temiam pela prpria sorte.Como era natural, haviam sempre imaginado que com a morte do antigo condeseu nico filho seria o herdeiro do ttulo e de suas propriedades;

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    hiptese que ainda assim lhes parecia muito longnqua, uma vez que ocondegozava de excelente sade.No contavam porm que ambos, o conde e seu filho, o visconde, morressemtragicamente durante uma viagem, num acidente de trem, meio de transporteconsiderado por muitos altamente perigoso. Dessa maneira, o Condadoacabara, inesperadamente, passando para as mos de um sobrinho que jamais

    sonhara herd-lo.O novo conde estava com trinta e dois anos e at ento viveraa, rdua vida de um soldado de modestos recursos. Sem dvida, agrandeza de sua herana o surpreendera e encantara.Precisava agora tratar de se habituar no s ao ttulo e a suaspropriedades, como tambm a sua nova posio na corte.A bem da verdade, o protocolo a ser observado no palcio de Buckingham eno castelo de Windsor no era novidade alguma para ele.No ltimo ano servira como ajudante-de-ordens ao general de seu regimentoque, por ser um dos prediletos da rainha Vitria, frequentemente estavanos palcios reais, e insistia em lev-lo na sua companhia, sob aalegao:- Voc est comigo h bastante tempo e me conhece o suficiente, Brook,

    para no me fazer um monte de perguntas estpidas. Por isso, sempre queeu tiver de ir ao castelo de Windsor, voc vai comigo!Para um jovem oficial, essas palavras no deixavam de ser lisonjeiras.Tinha, porm, plena conscincia de que seus companheiros sentiam-seenciumados e queixavam-se de favoritismo, apesar de o general serintransigente e nada do que dissessem o faria alterar uma deciso.Agora enxergava claramente que o que lhe parecera um doce interldio emsua vida no exrcito no passara de uma grande iluso.Atravessou o grande hall de mrmore, com suas esttuas de deuses e deusasgregos em pequenos nichos, e entrou na magnfica biblioteca, localpreferido pelo tio sempre que estava sozinho, ou quando no havia damasnas reunies.Futuramente, escolheria uma sala menor, mais confortvel e acolhedorapara descansar.

    Por enquanto o melhor era manter tudo exatamente como sempre havia sido.Quando estivesse preparado para assumir sua autoridade, modificariaalgumas coisas a seu gosto.O estranho que, em vez de sentir-se vibrando por se saberdono de tantas preciosidades, dos quadros que ornamentavam os corredores,dos livros que cobriam de alto a baixo as paredes da biblioteca, sentia-se sombrio e angustiado.Desde criana, quando frequentemente se hospedava ali com os pais,considerava Rock o lugar mais bonito do mundo.Quando servira na ndia, chegara a sonhar com a gua fresca do lago emque sempre se banhara e com a sombra das rvores onde, invariavelmente,um pequeno veado estava deitado, fugindo sua aproximao.Conservava ntidas na memria as lembranas das brincadeiras infantis, do

    esconde-esconde pelos corredores e recantos repletos de incontveisrelquias do passado. Lembrava-se ainda da aflio que tivera num dia emque as travessuras estavam passando dos limites. O mordomo o haviacolocado de castigo no poro. O piso frio e o fechar da porta pesadahaviam lhe causado a impresso de estar num tmulo. Ainda ficavaarrepiado ao lembrar.E eis que, inesperadamente, acontecera o que jamais sonhara. Era o senhorde Rock.Ao receber a notcia da trgica morte do tio e do primo tivera a sensaode ter levado um golpe na cabea.

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    Somente depois dos funerais, quando parentes que nunca lhe haviam dadoateno curvaram-se diante dele e foi cumprimentado pelas maisrespeitveis autoridades do Condado, que percebeu a diferena entrefazer parte de uma famlia importante e ser o chefe dela.Depois de passar toda a noite anterior acordado, no o abandonava asensao de estar beira de um abismo, prestes a ser empurrado para ele.E tudo por causa do que considerara uma inofensiva aventura

    masculina...Logo depois do Natal, o general fora convidado para se hospedar nocastelo de Windsor e, como sempre, ordenara-lhe:- Voc ir comigo!Apesar de o castelo ser muito frio no inverno e a maioria dos hspedesilustres reclamarem da falta de conforto, ele, o modesto capito LyttonBrook, aceitara a ordem com prazer.- No vamos ficar muito - bradara o general -, s quero ver se o prncipeconsorte fez alguns melhoramentos no castelo.- H muito a fazer, sir - ousara replicar, e o general concordara com umgesto impaciente.Os visitantes do castelo de Windsor e das outras residncias reais logopuderam notar que no somente os quartos eram tremendamente frios, como

    tambm todo o servio da residncia era extremamente mal organizado.Frequentemente no havia sequer criados para indicar aos hspedes ondeficavam seus aposentos. No raro era quase impossvel para um recm-chegado encontrar o caminho para o quarto, ao trmino de um jantar.O conde ouvira dizer que numa ocasio o Ministro do Exterior da Franapassara quase uma hora vagando pelos corredores do castelo, tentando emvo identificar seu quarto.Finalmente, quando julgou ter encontrado a porta certa, abriu-a edeparou-se com a rainha, cuja camareira estava escovando-lhe os cabelosantes de deitar.Um outro convidado, amigo pessoal do conde, contara-lhe que, desesperado,desistira de procurar seu quarto:- Fui dormir num dos sofs do salo. Quando a criada me encontrou namanh seguinte, achou que eu estava bbado ed foi buscar um guarda! "m

    O conde achara muita graa e contara o caso ao general, que por sua vez,contara-lhe a histria do lorde Palmerston, conhecido, por razesbvias,como "cupido".Procurava o referido lorde o quarto de uma dama muitssimo atraente eacabara entrando no aposento errado, cuja ocupante ao v-lo pusera-se agritar por socorro, tomando-o por um raptor!8O comentrio agora era de que, com a ajuda do baro de Stockmar, oprncipe consorte tomara para si a rdua tarefa de colocar em ordem edecncia a moradia da rainha.Lamentavelmente, no que dizia respeito ao conde, a inteno era um poucotardia.

    Em sua ltima visita, ele fora deitar-se depois de usufruir no s de umjantar memorvel, regado a excelentes vinhos, como tambm de um agradvelbaile, muito mais animado do que as conversaes arrastadas quetradicionalmente seguiam-se aos jantares.Havia acabado de ler um jornal e estava quase apagando as velas ao ladode sua cama quando a porta se abrira e, para seu espanto, entrara ladyLouise Welwyn, vestindo um nglig branco.Por uma frao de segundo, o conde tivera a ntida impresso de estarvendo um fantasma.Em seguida, porm, ela aproximara-se da cama, com um sorriso sensual e um

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    brilho malicioso no olhar, e ele compreendera ento que era verdade tudoo que ouvira a respeito dela.Segundo seus colegas do exrcito, ela era da mesma categoria de ladyAugusta Somerset, a filha mais velha do duque de Beaufort, que havia sidoavisado do mau comportamento da filha, "sempre pronta a fazer tudo o quelhe passasse pela cabea, sem medir as consequncias".Os rumores de que o prncipe George de Cambridge, homem dado a flertes,

    embora meio tmido, a havia engravidado foram um verdadeiro escndalo.Mais tarde ficou provado que a notcia era falsa, mas enquanto as lnguasse ocupavam dos falatrios, reforando o dito popular de que "no hfumaa sem fogo", lady Augusta saiu do cenrio e lady Louise tomou o seulugar.Louise era extremamente bonita e o conde no seria humano se noaceitasse aquele verdadeiro "presente dos deuses", ou melhor, tudo o queela estava disposta a lhe oferecer.Ainda mais numa noite fria como aquela e numa cama desprovida decobertores, como recusar o calor de um corpo jovem e sensual?Na verdade, o conde surpreendera-se com o calor que lady Louise trouxeraao seu leito.Ele havia tido muitos amores em sua vida, nenhum srio ou duradouro.

    No que sua natureza fosse excepcionalmente volvel, mas suas obrigaespara com o exrcito dificultavam um relacionamento mais prolongado.Certamente no fora ao castelo de Windsor com a ideia de ter um casoamoroso.Danara duas vezes com lady Louise durante o baile e, apesar de ach-laatraente, considerara a conversa de uma outra dama de companhia da rainhamuito mais interessante.Obviamente, ela no sentira o mesmo em relao a ele.- Queria lhe dizer para vir ao meu encontro - ela disse francamente -,mas receei que me ouvissem. Por isso achei mais fcil descobrir o caminhoat aqui.Recordando todos os casos que haviam lhe contado, o conde a julgaraaventureira e corajosa demais, mesmo para quem est em busca de umparceiro amoroso.

    Ele permanecera no castelo por trs noites, tendo sido visitado por ladyLouise durante todas elas. Mesmo que, no dia seguinte, estivesse sesentindo meio exausto, consolava-o o pensamento de que valera a pena.Na ltima noite, porm, despedira-se dela, sem a menor dor no corao.- Obrigado - dissera-lhe com um sorriso provocante por ter feito desta avisita mais encantadora que j fiz residncia real.Ela no respondera, mas puxara a cabea dele para perto10dos lbios e seus beijos, sensuais e exigentes, excitaram-no uma vezmais.De volta ao quartel, um pensamento que lhe ocorrera fora o de que uma dasmais urgentes providncias que o prncipe consorte precisava tomar era ade tirar jovens como lady Louise e lady Augusta do servio de atendimento

    rainha.O conde achara a rainha deveras encantadora, exatamente o tipo de mulherque todo homem gostaria de ter.Gostara do jeito perdidamente apaixonado com que olhava para o maridoalemo. Ela era muito jovem, sincera e parecia visivelmente ansiosa poragradar a todos os seus sditos.A atmosfera na corte, desde o casamento deles, tornara-se calma e digna,com um respeito s formalidades que qualquer cidado gostaria de ter naprpria casa.Apesar de que em Londres abundavam lugares de divertimentos masculinos,

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    para todos os gostos, a questo era bem diferente quando se tratava davida familiar.Analisando a situao com honestidade, o conde conclura ter ficadochocado com o comportamento de lady Louise no tanto por ela serpromscua, ou por oferecer-se com uma paixo selvagem, mas por teracontecido sob o teto do lar santificado da rainha.Mais uma vez reafirmara a si mesmo que estava certo em julgar que

    mulheres de moral duvidosa, quaisquer que fossem suas procedncias,deviam ser impedidas de conviver com senhoras respeitveis.Confortava-o o pensamento de que tanto ele quanto lady Louise tinhamconscincia de que o que acontecera entre eles no passava de umaaventura passageira.Ela no fizera qualquer meno de que pudessem se encontrar novamente eele, com todas as responsabilidades que tinha sua frente, sabia quelogo sequer se lembraria dela.O episdio, sem dvida, estava acabado de seu ponto de vista,11embora admitisse que em muito contribura para tornar bem maisexcitante sua visita ao castelo de Windsor.Eis que, repentinamente, no dia anterior uma verdadeira bomba parecia t-

    lo atingido.O conde fora convidado para participar de um jantar semioficial nopalcio de Buckingham, um dos muitos eventos antecipando a temporada derecepes, visitas, bailes e aparies pblicas do monarca.Tivera uma sensao estranha ao ser convidado como conde de Rockbrook eno mais como um simples oficial a servio do general, sensao essa quese afirmou quando seu nome fora solenemente anunciado no imponente salodo palcio.A rainha cumprimentara-o gentilmente, com o sorriso especial quereservava para homens atraentes.Ele, por sua vez, fizera uma mesura ao ser apresentado a ela, estendendo-lhe a mo direita e curvando-se, reverentemente, para roar os lbios namo que a rainha, por sua vez, dera a ele.Ao levantar-se, o conde mais uma vez curvou-se, discretamente, diante de

    Sua Alteza, depois para o prncipe Albert, afastando-se procura de umrosto familiar.Dessa vez, mais do que nunca, impressionou-o o colorido do enorme salo,redecorado por George IV, por onde circulavam as damas com suas jiascheias de brilho e os cavalheiros envergando uniformes ou trajes dacorte, com casacos cor de vinho, culotes, meias brancas, sapatos pretosafivelados e uma espada cintura.Ficara satisfeito ao reconhecer entre os convivas o primeiroministro, sirRobert Peei, de quem gostava e admirava muito.Sir Robert podia ser um tanto drstico em certas ocasies e, sem dvida,era muito diferente de seu predecessor, lorde Melbourne, um homem muitoamvel e atraente.12

    O conde aproximara-se dele e os dois mantiveram uma acalorada discussopoltica at a hora em que o jantar fora anunciado.Ele no pudera deixar de notar que tanto a comida quanto o servio haviammelhorado consideravelmente desde que o prncipe consorte assumirapessoalmente a administrao. Observando-o sentado cabeceira da mesa,do lado oposto ao da rainha, percebia-se sua firme inteno de levaravante a gigantesca tarefa a que se propusera, embora ainda tivesse muitoa fazer.Era notrio que enquanto o povo aceitara o prncipe sem restries,mostrando entusiasmo toda vez que ele aparecia em pblico, as classes

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    mais altas lhe permaneciam indiferentes, e toda a famlia real, ento,lhe era ainda abertamente antagnica."O que ser que o faz to impopular?", o conde perguntara a si mesmo.Achava estranho que todos os predicados do prncipe - sua prudncia, suaastcia, seu talento como caador, msico, cantor - provocassem antipatiae cimes em vez de admirao.A verdade, o conde entendia bem, que, por mais que o prncipe consorte

    se esforasse por parecer britnico, ele era irremediavelmente e, svezes, arrogantemente germnico.Subitamente, apoderara-se dele um sentimento de solidariedade ecomiserao por aquele homem, que estava distante de sua ptria, de tudoo que lhe era familiar e tendo que assumir um papel que no devia sernada agradvel para qualquer um: o de ter papel secundrio ao da mulher,mesmo se tratando da rainha da Inglaterra."Qualquer casamento deve ser uma droga numa circunstncia dessa!",conclura o conde.Uma vez mais sentira-se confortado de no ter se casado. A vida desolteiro tinha todas as vantagens que um homem inteligente pudessedesejar.13

    "Um dia vou precisar ter um filho...", pensou meio nostlgico, lembrando-se de que agora cabia a ele a responsabilidade da continuidade dafamlia. Entretanto, aos trinta e dois anos ainda tinha tempo pelafrente. No havia razo para pressa.Quando a rainha e o prncipe consorte retiraram-se, todos foram sedespedindo e deixando o palcio.Depois de trocar uma ltima palavra com o primeiro-ministro, o condedirigia-se porta quando fora abordado pela duquesa de Torrington.A figura daquela mulher era qualquer coisa de extraordinria. Usava umaexuberante tiara na cabea, uma verdadeira cascata de prolas sobre oamplo decote do vestido, que por sinal era bem mais curto do querecomendava o costume.- Estava para lhe escrever, milorde - dissera-lhe, bastante formal. -Esse encontro facilita as coisas.

    O conde inclinara a cabea, antecipando que receberia um convite. Nomesmo instante, ocorrera-lhe que a duquesa era a me de lady Louise.- Podemos contar com sua presena no castelo de Torrington, na prximaquarta-feira? - ela lhe havia perguntado.O conde ia abrir a boca para dizer que lamentava j ter assumido outrocompromisso quando a duquesa acrescentou:- Pelo que minha filha Louise me disse, sei que tem uma razo especialpara querer conversar com meu marido.Dera um sorriso compreensivo ao conde e prosseguira:- Ele tambm est ansioso para v-lo, meu caro lorde Rockbrook, epermita-me dizer-lhe que o senhor j me fez ficar muito, muito feliz.Batera de leve com o leque no brao do conde e afastara-se, deixando-operplexo.

    Por um momento parecera-lhe no ter entendido bem o que ela tentara lhedizer. Compreendera, em seguida, que no havia14engano algum. Ela fora bem clara e ele no via como poderia se safardaquela situao.O duque de Torrington era muito importante nos crculos da corte, e aduquesa havia herdado o posto de dama de honra da rainha. Se haviamdecidido, ou melhor, se Louise havia decidido que ele era um genroaceitvel, no havia outra coisa a dizer ou a fazer a no ser torn-lasua esposa.

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    A ideia apavorava o conde. Por mais que aquela mulher o excitassefisicamente, no conseguia am-la e ela absolutamente no era o tipo deesposa que imaginara para compartilhar de sua vida e criar seus filhos.Apesar de raramente pensar no assunto, sabia muito bem o tipo de mulherque desejava como companheira.Em primeiro lugar, queria que fosse bonita e tivesse uma presenamarcante. Gostaria que fosse alta, muito digna e merecedora das jias da

    casa dos Rockbrook.Em segundo lugar, ao imaginar a esposa ideal, ele tinha certeza de nodesejar se casar com algum que despertasse nele o tipo de emoes atcerto ponto embaraosas.Obviamente queria sentir afeio por sua esposa. Iria tratla com o maiorrespeito e faria o possvel para proteg-la de preocupaes eaborrecimentos, por menores que fossem.Desde que tivera idade suficiente para pensar, sempre achara que asmulheres dignas de respeito so realmente diferentes das que visam apenasao divertimento.No Condado de Rockbrook, o importante era ter algum de conduta exemplar,uma verdadeira dama que fosse acima de tudo um complemento para elemesmo, algum com quem pudesse ter filhos, algum de quem verdadeiramente

    pudesse se orgulhar.Lady Louise, entretanto, no possua nenhum desses predicados. Tinhaplena conscincia de que no era o primeiro homem a merecer seus favorese no tinha iluses de que, uma15vez casados, ela certamente continuaria mantendo o mesmo comportamentoaudacioso.Era bem do tipo de mulher sempre pronta para fazer tudo o que lhepassasse pela cabea, sem medir as consequncias.A frase que lhe fora dita com relao a lady Augusta podia perfeitamenteser aplicada a lady Louise. Apavorava-o pensar em casar-se com uma mulherpor quem tinha menos respeito do que pela prostituta que noite saa acaminhar por Picadilly."O que devo fazer? Por Deus, o que devo fazer?", perguntava-se desde

    ento.Deixara Londres muito cedo naquele dia, completamente desnorteado. Novia a hora de chegar a Rock, tendo a sensao de que l sentir-se-ia maisseguro.Ao transcorrer das horas, porm, aumentava sua repugnncia ideia deinstalar lady Louise naquela casa ancestral, como sua mulher.Atirou-se numa poltrona da biblioteca, e percorreu com os olhos os livrosencadernados em couro, como se um deles pudesse lhe dar a resposta queprocurava.A porta foi aberta pelo mordomo, que entrou seguido por um copeiro.- Milorde, o almoo estar pronto em quinze minutos. Achei que lheagradaria beber alguma coisa - falou o mordomo, indicando-lhe uma bandejaque o copeiro trazia, repleta de bebidas variadas.

    - Vou tomar um brandy.Normalmente, teria optado por um clice de vinho madeira, mas estava coma alma sobressaltada demais e precisava de algo mais forte, apesar desaber que no existia nada suficientemente forte para destruir a ameaaque pairava sobre sua cabea.Ao ficar novamente sozinho, resolveu consigo mesmo que16teria de tomar uma atitude, embora no lhe ocorresse de imediato o quepoderia fazer.Sem dvida, teria sempre a alternativa de recusar o convite da duquesa e

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    ir adiando sucessivamente a temida conversa com o duque at que ladyLouise desistisse da ideia.Preocupava-o, porm, que, influenciada por seu temperamento audacioso,Louise decidisse informar aos pais que havia sido seduzida por ele, empleno castelo de Windsor.( Podia avaliar o escndalo que surgiria. Muito provavelmente issofomentaria mexericos semelhantes queles que circularam sobre a provvel

    gravidez de lady Augusta Somerset.Naquele caso especfico, apesar do boato ter um certo fundamento, oprncipe Albert acreditou que fosse integralmente verdadeiro, chegando aoponto de tanto ele quanto -a rainha se recusarem a falar com ladyAugusta, instruindo as demais ladies a que fizessem o mesmo.Como era de se esperar, os Cambridge ficaram extremamente ofendidos comessa atitude e os Beaufort ferveram de indignao.O conde no podia imaginar nada pior para o comeo de sua nova vida comochefe da famlia Rockbrook do que ser alvo do mesmo tipo de escndalo ecomentrios.Restava-lhe, ento, na verdade, uma nica sada. Cair na armadilha quelady Louise to bem lhe preparara e casar-se com ela.Revoltava-o, contudo, saber que, se no tivesse herdado o ttulo, ela

    jamais sequer olharia para ele.O duque de Torrington nunca aceitaria um candidato, sem vintm, mo desua filha, mesmo que fosse um oficial do exrcito bem relacionado comoele.Por incrvel que pudesse parecer, sentia-se agora em perigo semelhante aoque enfrentara com um pequeno batalho, na17fronteira noroeste da ndia, quando foram cercados por uma tribo deselvagens, em nmero bem superior ao deles.Naquela situao, s lhes restava esperar pela morte inevitvel esangrenta.Felizmente, haviam sido salvos no ltimo instante; mas agora o conde novia a menor possibilidade de escapar."O que poderia fazer? "

    Essa pergunta martelava-lhe a cabea desde a noite anterior e o condetemia a chegada do momento implacvel em que teria de enviar uma resposta duquesa.Vinha-lhe memria o dilogo que travara com ela, depois de formulado oconvite, e essa lembrana angustiante fazia-o sentir que desde entoestava vivendo um verdadeiro pesadelo.- muito amvel, duquesa. Permita-me que lhe envie posteriormente umaresposta se realmente poderei ir na quartafeira?- Claro - a duquesa replicara, com um sorriso cheio de cumplicidade. -Mas, se tiver um outro compromisso para a quarta-feira, naturalmenteteremos muito prazer em receb-lo no dia em que achar mais conveniente.O conde tivera mpetos de alegar que esse dia nunca chegaria e ficou emmaior pnico ainda quando a duquesa acrescentara:

    - Sei o quanto anseia estar com Louise e ela com o senhor.Felizmente ela no aguardara sua resposta, afastando-se dele com arimponente. A muito custo ele conseguira mover-se, caminhando na direooposta.O conde sara da sala de jantar completamente alheio a tudo que orodeava. Caminhara lentamente pelas salas e corredores at abiblioteca. A decorao de todos os ambientes era extremamente sbria,com uma ligeira aparncia de museu devido imensa quantidade de tesourosde arte e decorao colecionada pelos Brook atravs dos sculos.18

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    Numa frao de segundo, passou pela cabea do conde que estava faltandoum toque feminino naquela casa, e ele teve um estremecimento. Sua tiafalecera h mais de dez anos e, gradualmente, a casa fora ganhando umaaparncia cada vez mais masculina.Ele disse a si mesmo que era daquela atmosfera masculina que elerealmente gostava. No queria mulher alguma em Rock. No queria umamulher tagarelando pelos cmodos, exigindo sua ateno e, pelo amor de

    Deus, no queria especialmente Louise em sua cama!Jogou-se numa poltrona e deixou-se ficar por algum tempo. Levantou-se, desbito, afirmando a si mesmo que no podia ficar naquela prostrao.Precisava se mexer, precisava de exerccio, precisava fazer qualquercoisa, menos ficar pensando nos beijos acalorados de Louise, na paixoque ela havia acendido nele e que agora s lhe causava repugnncia.Tocou o sino e, quando o criado apareceu, pediu-lhe que selasse umcavalo.- Quero o cavalo mais indcil do estbulo!- Pois no, milorde. Quer que um lacaio o acompanhe?- No, vou cavalgar sozinho.Decidido a combater a angstia que o dominava, o condesubiu para vestir uma roupa de montaria. O empregado, que durante anos

    fora seu ordenana no exrcito, manteve-se calado, no querendo agravarainda mais o evidente mau humor do patro. O conde tambm no disse umapalavra at estar pronto. Ento recomendou:- No sei quanto tempo vou ficar fora, Bates, mas, se demorar, no queroque mande ningum por a minha procura. Sei muito bem tomar conta demim sozinho, voc sabe disso.Bates sorriu. Realmente sabia melhor do que ningum como19o conde era perfeitamente responsvel por si mesmo, como tambm por todosos que serviam sob suas ordens.- Fique tranquilo, no vou deixar que se preocupem com o senhor, milorde.No foi muito fcil montar o garanho indcil e arredio que estava a suaespera porta de entrada.Intimamente, o conde desejava que, ao ar livre, pudesse esfriar a cabea

    e encontrar uma soluo para seu problema, Sua ateno, no momento,estava toda voltada em tentar controlar o animal.To logo deixaram para trs as rvores do parque, soltou as rdeas docavalo e permitiu que ele galopasse pelo campo. A velocidade que o animallogo ganhou mais uma vez impediu que pensasse em outra coisa que no oexerccio da equitao, o que, se no lhe trazia consolo para a mente,proporcionava-lhe grande satisfao ao corpo.O cavalo finalmente diminuiu a marcha e o conde foi novamentesobressaltado pela lembrana do possvel casamento."Por que", perguntava-se a si mesmo, "fui to estpido de me deixarenvolver por uma mulher solteira?"Na realidade, no tivera grande escolha. Poderia ter dispensado Louise desua cama, mas teria sido um tolo.

    No passado, todos os seus casos amorosos haviam sido com sofisticadasmulheres casadas, que conheciam muito bem as regras do jogo e no tinhaminteresse algum em contrari-las.No que algumas no tivessem desejado. Ele era atraente e bem-apessoado,alm de um amante ardente. Muitas mulheres haviam lhe dado o corao,embora ele apenas desejasse seus corpos.- Eu o amo. Oh, Lytton, eu o amo! - ouvira repetidas vezes em sua vida.Isso o envaidecia e gratificava, mas ao mesmo tempo no se20lembrava de ter desejado ao menos uma vez tornar o caso permanente, nem

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    ter tido qualquer dificuldade ou pesar em dizer adeus.Cuidado com mes ambiciosas de filhas casadoiras!

    Ouvira a recomendao inmeras vezes, e, especialmente na ndia, tratarade tomar o mximo cuidado com as jovens que conhecera.Ao deixar Oxford, seu pai dera-lhe uma orientao muito clara e precisacom relao ao sexo frgil, na qual baseara sua atitude para com asmulheres.

    - Vou mand-lo para o Grenadiers, Lytton - dissera-lhe circunspecto. - o regimento da famlia e me envergonharia de v-lo servindo em outro.- Sou-lhe muito grato, sir.- Deve ser mesmo! - o pai afirmara. - Vai ver que no poder arcar comqualquer extravagncia e isso significa que deve ter cuidado com asmulheres que procuram tirar dinheiro de jovens inexperientes.- Vou me lembrar de seu aviso, sir - assegurara ao pai, com um sorriso.- Sei -que no pode nem pensar em se casar to cedo, mas vou lhe dizer oque meu pai me disse. - Prosseguira o pai:- Ame-as e deixe-as!Rira na ocasio, mas sempre lembrava-se daquelas palavras do pai.No que mes ambiciosas tivessem se interessado muito por ele. Afinal umoficial subalterno sem dinheiro algum no exercia nenhuma atrao

    especial sobre elas.A situao agora era bem diferente. com seu ttulo e toda a sua fortuna,era, sem dvida, o alvo de grande interesse tanto por parte das mes,como das filhas casadoiras.No esperava, porm, que lady Louise agisse to rapidamente. Ela, semdvida, ganhava disparado a corrida, enquanto as outras no tinham sequerultrapassado a linha de partida.21"Ela me fisgou direitinho!", pensou, inconformado por no conseguirimaginar qualquer plano de ao para livrar-se das malhas daquela mulher.No contendo a revolta que fazia o sangue lhe ferver nas veias, chicoteouo cavalo. Este desembestou numa desenfreada carreira, como se, indignadocom o tratamento, quisesse dar uma lio a seu cavaleiro.O conde pressentia que teria dificuldade em domin-lo. Ajeitou-se melhor

    na sela e tentou deixar-se envolver pela deliciosa sensao de cortar oar com a velocidade.Ao avistar as rvores um pouco mais adiante, temeu que o cavalo seaproximasse muito delas. Poderia acabar pendurado num dos galhos!O garanho galopava selvagemente quando se deu o inesperado tropeo.Instintivamente o conde percebeu que o animal havia enfiado a pata numatoca de coelho.Lutou, por um momento frentico, para manter o cavalo sob controle. Foiem vo. Mais rpido do que o prprio pensamento, sentiu-se sendo Atiradoao cho. Seguiu-se o impacto violento da batida e a dolorosa sensao deuma clavcula quebrada.22

    CAPTULO IIA primeira sensao que o conde teve ao voltar a si foi a de estarpercorrendo vagarosamente um corredor muito longo e escuro. Em seguida,ouviu vozes e imaginou que estava acordando de um sono muito profundo.- Voc deve descansar, bab - algum dizia. - Esteve com ele a noitetoda! Agora eu fico, enquanto dorme um pouco.- No gosto de deix-la sozinha com um homem, miss Priscilla, e pontofinal! - retrucou uma voz mais grave, de pessoa mais velha.- No vejo perigo algum!- Talvez no haja, mas no certo ficar sozinha cabeceira de um homem,

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    como sabe muito bem.- Se ele est inconsciente e no tem a menor ideia de que eu seja umamulher ou um elefante, que diferena faz?- Sei muito bem, miss Priscilla, o que certo e o que errado.- O certo, bab, voc ir deitar-se um pouco, caso contrrio no vaiaguentar por muito tempo, e da o que vou fazer? Seja razovel!- Vou fazer o que me pede, miss Priscilla, sob uma condio. Assim que o

    cavalheiro acordar, a senhorita vai imediatamente me chamar.- Acho que ele vai dormir por uns cem anos, como o Rip van Winkle!A governanta soltou uma exclamao reprovadora e saiu do quarto. Ao ouvira porta ser fechada, o conde abriu lentamente os23olhos. A cabea doa-lhe muito. Lembrou-se ento da queda do cavalo."Devo ter perdido os sentidos", pensou.Percebeu que estava num quarto estranho, numa cama que no era a sua episcou um pouco devido claridade que entrava no quarto.Os raios do sol se refletiam nos cabelos dourados da moa parada junto janela semi-aberta e delineavam sua silhueta esguia.Ocorreu-lhe muito vagamente que aquela devia ser Priscilla. No momentoseguinte, fechando os olhos, ele voltou a mergulhar na serena penumbra da

    inconscincia.Quando acordou novamente, o sol j havia se posto. Estava tudo escuro;apenas a luz de uma vela ao lado da cama iluminava de maneira tnue oaposento.Ele mexeu-se ligeiramente. Uma mo firme levantou-lhe um pouco a cabea elevou um copo aos seus lbios, fazendo-o beber o que lhe pareceu umalimonada, adoada com mel.- Agora durma novamente! - ordenou-lhe sua benfeitora.Ela falava num tom to familiar que lhe lembrava a voz da governanta dasua prpria infncia, e o conde soube imediatamente que devia ser a"bab", cuja voz j tinha ouvido, no podendo dizer se naquele mesmo diaou h mais tempo.Como estivesse muito cansado, obedeceu recomendao sem contestar eadormeceu calmamente.

    Na manh seguinte acordou com uma sensao de extrema ansiedade paradescobrir o que estava acontecendo.Lembrava-se bem de terem lhe dado qualquer coisa para beber na noiteanterior, das vozes que ouvira conversando ao seu lado, e, gradualmente,voltou mente o galope desenfreado que culminara com sua queda.Teve conscincia tambm de que no podia culpar ningum.24A responsabilidade da queda era inteiramente sua. Estava zangado eincitara o cavalo ao galope.Olhou ao redor. O quarto estava vazio agora. Onde estaria?Uma pequena tentativa de se mexer um pouco provocou-lhe dores no brao.Abaixou ligeiramente a cabea e, para sua consternao, verificou queestava com o brao numa tipia. Lembrou-se ento da sensao de ter

    quebrado a clavcula ao cair.A porta se abriu e, sem que fosse necessria uma apresentao, ele sabiaque era a bab que entrava. Era uma mulher de meia-idade, de cabelosgrisalhos, cujo rosto expressava, simultaneamente, bondade e autoridade.- Est acordado, sir?- Estou, sim - o conde respondeu. - Por favor, diga-me onde estou.- Est na herdade de Little Stanton h trs dias, sir.O conde lembrou-se de uma pequena vila a cinco ou seis quilmetros deRock House.- Acho que quebrei a clavcula.

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    - Receio que sim, sir, mas, como goza de perfeita sade, logo estarrecuperado.- Disse que estou aqui h trs dias. Ento fiquei desacordado todo essetempo?- Creio que quando caiu do cavalo o senhor, desastradamente, bateu acabea.O conde achou graa no ligeiro tom de censura que havia na voz da

    governanta.- E meu cavalo?- Est manco, sir, mas logo ficar bom com o tratamento que estamos dandoa ele em nossos estbulos.- A quem devo tamanha hospitalidade?A governanta hesitou por um momento e depois respondeu:25- A casa era do major Cranford, antes de ser morto na ndia.- E agora?- A viva dele mora aqui, mas est viajando no momento, sir.- Quando estava semiconsciente, tive a impresso de ouvi-la conversar comalgum de nome Priscilla.- Miss Priscilla - ela informou meio relutante - a irm mais nova do

    major Cranford.- Creio que ela a ajudou a cuidar de mim...- que o senhor estava inconsciente, sir.- De qualquer maneira, sou-lhes extremamente grato.Foi necessrio um grande esforo para falar tanto e o conde ajeitou-se,prostrado, nos travesseiros.- Vou ajud-lo a lavar-se, sir, e pedirei que lhe preparem algo paracomer.O conde sorriu.- Agora que me dou conta de como estou faminto.- Mandarei que lhe tragam a refeio, logo que terminar de ajud-lo emsua toalete.Quando ela saiu do quarto, o conde perguntou a si mesmo se realmentehaveria outros criados a quem ela pudesse pedir ajuda, ou se aquela era

    apenas uma desculpa para ir avisar Priscilla de que o enfermo haviavoltado a si.Por um momento, ficou imaginando como seria sua anfitri, mas seja lcomo fosse no restava dvida de que a bab era muito zelosa a respeitodela.Foi com muito esforo que suportou ser lavado, barbeado, penteado e tera roupa de cama trocada.- Agora coma o mximo que puder - a bab recomendou.- Precisa recuperar suas foras depois de ter estado delirante por trsdias.- Delirante? - surpreendeu-se o conde.26 comum acontecer isso, depois de ter levado uma batida

    to forte na cabea.- Falei muita bobagem?- No prestei muita ateno.- O que eu dizia?- Apesar de no ter ficado atenta, sir, uma vez ou outra pareceu-me quetentava escapar de alguma coisa ou de algum.Foi ento que o conde lembrou-se de Louise e, por um momento, tevevontade de cair novamente na inconscincia para poder se esquecer daexistncia dela.A deliciosa refeio que saboreava com tanto prazer pareceu perder o

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    gosto.Ainda assim, depois de ingerir ovos com bacon, torradas com manteiga emel e duas enormes xcaras de caf, animou-se um pouco.Gentilmente, a bab tirou a bandeja.- Procure dormir agora e relaxar bem at que o mdico chegue para v-lo.- O que gostaria realmente era de ver miss Cranford retrucou o conde -, eapresentar a ela as minhas desculpas por tanto trabalho e inconvenincia

    que estou lhes causando.- Seria melhor dormir, sir.Ao v-la olhar receosa em direo porta, o conde teve a impresso deque miss Priscilla estava ali atrs, escuta.Pois estava certo. No minuto seguinte, fez-se ouvir a voz clara e alegreda sua jovem hospedeira:- Posso entrar?- melhor que ele durma antes que o dr. Jenkins venha v-lo - protestoua bab, zangada.- Ele est descansando h dias! - respondeu Priscilla, entrando noquarto.A jovem aproximou-se da cama e o conde achou interessante27

    que sua aparncia correspondesse exatamente imagem mental que haviafeito dela, depois de ouvir sua voz.Era muito bonita e esbelta e loira. Em seu rosto sobressaam-se doisenormes olhos azuis, extremamente vivos e expressivos. O ar brejeiro quelhe brincava no rosto a diferenciava em muito de todas as outras moasloiras que j conhecera.Olhou admirada para o conde e ele lhe disse, com um sorriso:- Como pode ver, Rip van Winkle no demorou tanto para acordar!A pequena gargalhada que Priscilla soltou soou como um gorjeio.- Ento ouviu o que eu disse?- Ouvi-a dizer muitas outras coisas, mas ainda estava semiconsciente.- Mas j se sente melhor, no ?- Muito melhor; e desejo agradecer-lhe pela hospitalidade. Estou curiosopara saber como me encontraram.

    - Eu o encontrei. Na verdade, eu o vi cair quando o cavalo tropeou.Aquela regio muito perigosa por causa das tocas de coelho. Nunca vou acavalo at l.- Devia ter sido mais prudente - o conde disse pensativo. - Como poderiasaber das tocas de coelho se no daregio?- Coitado do cavalo!- Ben disse que, depois daquela contoro, a perna dele vai demorar umpouco para se recuperar e que no vai ser possvel mont-lo antes de umms. Ainda assim, vai precisar de muito cuidado.Havia tal ansiedade na voz da jovem que o conde procurou tranquiliz-la:- Pode confiar em mim, no vou mont-lo antes que esteja perfeitamentebem.

    28- De todo jeito, o senhor tambm no vai poder montarto cedo.Priscilla sentou-se numa cadeira ao lado da cama. O conde ouvia a bab,que descera enquanto conversavam, subindo de novo.- Desculpe-me todo esse trabalho - disse moa. - Entretanto, ainda nome disse a razo de ter me trazido para c.- Porque nossa casa a mais prxima - Priscilla respondeu, comsimplicidade -, e no h outro lugar por aqui onde pudesse ficar, comexceo do Vicariato, com seis crianas barulhentas!

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    - Fico contente que tenha sido voc a boa samaritana e no o vigrio!- Para lhe ser sincera, como minha cunhada est ausente, a bab ficou emprincpio quase que chocada ante a ideia de traz-lo para c, mas bem queest gostando de cuidar do senhor.- Gostando?Priscilla piscou muito os expressivos olhos azuis.- Ela adora ter algum para mimar. Acho que porque gosta de dar ordens,

    e por mais que o doente proteste tem de fazer o que ela manda.O conde teve vontade de soltar uma boa gargalhada, mas temendo quepudesse sentir alguma dor limitou-se a sorrir.- Minha bab era exatamente igual - disse, com uma expresso de ternura.- Tentei lutar contra a tirania dela por anos, sem sucesso algum. Imagineque, quando fui para o colgio, no achei os mestres to autoritriosquanto ela havia sido.Priscilla soltou novamente sua gargalhada melodiosa.- Acho que todas as babs so iguais. A minha severssima comigo, mesmoagora que j sou adulta.Como se atrada pelo fato de falarem dela, a bab materializou-se portado quarto.- Bem, miss Priscilla - disse, autoritria -, no quero Que canse meu

    paciente com suas conversas.29- No estou absolutamente cansado - o conde apressou-se a dizer e estavasendo completamente sincero.- Procure dormir agora, sir - a bab disse, categrica.- Basta que feche os olhos para ver como est precisando descansar.O conde abriu a boca para dizer que no tinha a menor inteno de dormir.Antes que se desse conta, porm, Priscilla j havia sido banida doquarto, as venezianas haviam sido semicerradas e, contra sua vontade, elesentiu-se mergulhando no mundo dos sonhos.O conde s viu Priscilla novamente no final da tarde.O mdico fora visit-lo e recomendara muito descanso. A bab trouxera-lheum excelente almoo e reafirmara um rosrio de ordens e recomendaes.Mesmo contrafeito com sua situao, ele sentia que, por menos inteno

    que tivesse de dormir, assim que fechava os olhos caa no mundo dainconscincia e para sua surpresa cada vez acordava mais lcido.Aproximava-se agora a hora do ch. Priscilla entrou no quarto trazendo umvaso com violetas brancas, que colocou na mesa-de-cabeceira.- Estava colhendo violetas no dia em que o vi cair do cavalo - disse-lhecom naturalidade. - Como pode ver, estou sempre pelos bosques colhendo-as. Acho uma sorte quando consigo formar um buque como o de hoje, somentede violetas brancas, que so as mais raras.- Sorte foi voc ter me visto cair, caso contrrio poderia ficarestendido naquele lugar por dias!- Levou uma hora para que eu conseguisse juntar alguns homens para irbusc-lo. Pensei que outra pessoa at j o tivesse encontrado.- Reconheo que lhe dei um bocado de trabalho!

    - At que foi excitante! - Priscilla o contradisse. - No30acontece nada em Little Stanton. Assim, pelo menos tivemos alguma coisadiferente para fazer.Ela calou-se significativamente por um momento, depois acrescentou:- Como pode imaginar, todos esto curiosos para saber quem voc .O conde sorriu. Era evidente que, pelo modo com que Priscilla falara,estava to curiosa quanto os demais para saber sua identidade.Ficou tentado por um momento a permanecer annimo, ou dar nome falso.Ocorreu-lhe, porm, que, apesar de ter recomendado a Bates que no o

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    procurasse, quela hora todos certamente estariam preocupados com suaausncia e era justo que os tranquilizasse.- Espero que j tenha ouvido falar de Rock House. Ela o olhou surpresa eexclamou, eufrica:- de l? Mas claro! Que tola eu sou! Devia ter logo imaginado deve sero novo conde!- Pensei que tivesse desconfiado...

    - Ouvi dizer que um sobrinho do conde havia herdado o ttulo, mas jamaisesperei v-lo em Little Stanton.- Pois aqui estou!- Devem estar preocupados com sua demora em Rock House... Para sersincera - acrescentou, em tom muito srio -, a bab olhou nos bolsos deseu casaco para ver se havia qualquer coisa que o identificase, nocaso de seu estado piorar.- Ah, ficaram preocupadas que eu viesse a falecer? Priscilla sorriu.- Qual nada! com essa sua aparncia grande e forte, no pensei em momentoalgum que as consequncias pudessem ser to graves.- E no foram! - o conde concordou. - Sinto-me at envergonhado31de estar me comportando feito um invlido, especialmente numa

    casa estranha. Priscilla riu novamente.- Se pudesse prever que um invlido nos iria cair do cu, naturalmenteno poderia desejar outra coisa a no ser que fosse um "estranho alto,forte e atraente", exatamente como a bab prev quando l minha sorte nasfolhas de ch.- Ora, vejam, ento a bab l a sorte?- Somente quando insisto muito - Priscilla esclareceu.- Apesar de ser escocesa e meio vidente, ela desaprova completamente quese brinque com o "desconhecido". raro conseguir que se disponha a ler asorte.- No acho que seja muito difcil faz-lo.- Por que diz isso? - perguntou Priscilla, curiosa.- Porque bvio que mais cedo ou mais tarde um "estranho alto, forte eatraente", como diz, vai aparecer em sua vida.

    O tom do conde era meio brincalho, mas Priscilla respondeu com ar srio:- Sabe que isso j aconteceu?- com voc? - o conde sentiu uma estranha excitao.- Comigo, no, mas com minha cunhada Elizabeth.Sem entender bem a razo, uma leve sensao de desapontamento invadiu-o.- Elizabeth sentia-se muito infeliz desde a morte de meu irmo Richard,mas apareceu aqui, inesperadamente, um estranho e acho que vo se casar.Ao ouvi-la falar, o conde no pde deixar de observar a expresso dosolhos dela, que pareciam refletir tudo o que lhe ia na alma.- Deve estar satisfeita.- Creio... que sim - hesitou um pouco. - Desejo que ela seja muito feliz,mas... fico um pouco preocupada com a minha prpria situao, poisElizabeth e todos em geral acham errado que a bab e eu fiquemos sozinhas

    aqui.32- Quer dizer que sua cunhada vai se mudar daqui?Sim, claro. O homem com quem vai se casar tem umalinda casa do outro lado do Condado. Ele disse que eu poderia ir morarcom eles at me casar... mas sei muito bem que nem ele nem Elizabeth mequerem l. natural que prefiram estar sozinhos.O conde teve a impresso de ler atravs dos olhos de Priscilla tudo o queestava pensando e podia entender perfeitamente a situao da jovem.Como se o assunto estivesse se concentrando muito nela mesma, Priscilla

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    perguntou:- Gosta de ser o conde de Rockbrook? Sempre achei que deve serformidvel.- E - concordou o conde sorrindo.- Mas tambm deve ser meio penoso - prosseguiu a moa, como se estivesseponderando consigo mesma - herdar o ttulo por causa da morte de doisparentes.

    - De fato uma grande responsabilidade - assegurou o conde, ficandoencantado com o amadurecimento e sensibilidade da jovem. - Por isso,agora que estou consciente, acho que mais do que tempo de mandar umaviso a minha casa de que estou aqui e, assim que melhore um pouco, devoser levado para l.- No h pressa, senhor. Ser levado agora seria imprudente e doloroso.- Espero que no passe de mais um ou dois dias, mas h algum que pudesselevar um recado at l?- Naturalmente. Eu mesma posso ir. Apesar de nossos cavalos no serem tovelozes, nem to bem tratados quanto o seu, esto habituados a levarElizabeth e a mim para todo lugar que queiramos ir.- Acho que seria melhor que mandasse uma outra pessoa- o conde disse, categrico.

    Ele no podia deixar de pensar que a ida de Priscilla at sua33casa e o fato de o estar hospedando daria margem a muitos comentrios.- Se acha melhor, Ben pode ir ento.- timo - o conde aprovou. - Se no for lhe pedir muito, poderia mearrumar papel e caneta?Escreveria para o administrador geral, um homem chamado Anstruther, queestava cuidando de tudo at que designasse um novo secretrio, uma vezque o antigo se aposentara com a morte do tio.Havia vrios cargos vagos em Rock. Muitos acharam que a mudana de senhorera o momento oportuno para se afastarem dali. O conde estava aguardandoo momento oportuno de examinar o assunto com o administrador para nomearas pessoas melhor qualificadas para cada cargo.Priscilla saiu e logo voltou com o papel e a caneta. Como o conde tivesse

    dificuldade em escrever por causa do brao esquerdo na tipia, elasegurou o papel para que ele escrevesse a carta dando as instrues quequeria.Estava para assinar quando lhe ocorreu que a melhor maneira de compensarPriscilla por todo aquele trabalho era proporcionar-lhe alguns prazeresgastronmicos que estava certo eram difceis de se obter em LittleStanton.Acrescentou ento um post scriptwn a sua carta, pedindo que lhe enviassemfrutas, ovos, leite, carne de carneiro, de frango e presunto.- A bab deve ter encontrado algum dinheiro ao revistar meus bolsos.Pergunte-lhe onde o colocou e d um guinu a Ben.- Um guinu? - perguntou Priscilla, arregalando os olhos.- Ben vai ficar muito espantado!

    - Ento vamos espant-lo!Priscilla deu um de seus sorrisos encantadores.- Acho que no posso mais consider-lo um "estranho alto e forte", mas ummgico de contos de fadas! Se lhe trouxer um ratinho, pode transform-lonum cavalo to puro-sangue quanto o seu?34Gostaria que mandasse vir para c um de meus cavalos para montar?No havia qualquer segunda inteno nas palavras de Priscilla e apergunta do conde a fez corar.No... claro que no! Estava apenas brincando!

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    - Mas uma boa ideia. Vou falar com meu camareiro quando chegar.- Pediu-lhe que viesse?- No justo que a bab fique cuidando de mim e no desejo cans-la.- Vai ficar enciumada por preferir os servios de seu camareiro aos dela.O conde riu.Mais uma vez, como se tivesse sido chamada, a governanta apareceu emandou Priscilla ir se deitar.

    Em seguida, serviu ao conde uma refeio leve e ajudou-o a acomodar-separa dormir.- Se precisar de qualquer coisa durante a noite, milorde, s tocar asineta que deixei ao lado de sua cama. No se acanhe de toc-la. Estou dooutro lado do corredor e tenho sono leve.Nem por um segundo o conde duvidou disso, uma vez que as babs precisavamestar atentas ao menor choro de criana.- Obrigado, bab, espero no precisar incomod-la.- Boa noite, milorde, procure descansar bastante.A maneira como havia feito a recomendao dava a impresso de julgar queo conde levasse uma vida mundana e atribulada, o que no estava muitolonge da verdade.Uma vez sozinho no quarto, assaltou-o novamente a lembrana de Louise,

    quase que to sorrateiramente quanto a prpria entrada dela no quarto docastelo de Windsor. Ele sabia que a duquesa devia estar estranhando afalta de resposta a seu convite.Uma sensao de alvio o invadiu ao constatar que sua visita teria de seradiada, gostasse ela ou no. Infelizmente, no havia35como cancel-la de vez. Louise certamente o estava aguardando para falarcom o duque, e a duquesa no desistiria do convite to facilmente.Parecia ver Louise aproximando-se cada vez mais de sua cama, em suacamisola branca, com seu sorriso sensual e seu olhar malicioso, como umafera selvagem pronta para atacar.Realmente a imagem no podia ser mais precisa, trazendo lhe memria umfato ocorrido muito tempo antes, quando estivera na ndia com seuregimento, e fora caar com um jovem oficial.

    Depois de caar alguns veados e vrios outros pequenos ani mais, dera-seconta de que no havia mais balas em sua espin garda e, contrariado,soubera que o oficial havia esquecido de levar mais munio.Ordenara-lhe, pois, que voltasse ao acampamento para bus car o necessrioe tratara de se acomodar sob uma rvore espera de seu regresso.Fora ento que, instintivamente, percebera estar em perigo, Pusera-se dep, com a respirao suspensa. Para seu pavor, vira-se frente a frentecom uma jovem leoa feroz e perigosa, que se aproximava lentamente.Ficara imvel, encostado rvore, apontando a arma descarregada emdireo ao animal, embora soubesse que no teria chance alguma desobrevivncia.De olhos brilhantes, narinas are antes e msculos tensos, ela preparava-se para atacar sua presa de um momento para outro, no restando outra

    alternativa ao conde a no ser rezar por um milagre.Eis que, inesperadamente, como se a mo da Providncia tivesseinterferido em seu favor, uma flecha certeira fora atirada por trs,ferindo a leoa no dorso. Ela rosnara de dor, voltara-se e embrenhara-sena mata.Seu oficial correra at ele e recarregara a espingarda. Fora incrvel asensao de ter escapado do perigo.Entretanto, dizia agora a si mesmo, milagres acontecem s36uma vez na vida. Louise estava a sua espreita, pronta para atacar, e

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    desta vez no havia esperana de salvao.Assim que amanheceu, Bates apareceu com as provises que lhe pedira.A notcia de sua chegada fora efusivamente anunciada por Priscilla que,praticamente, irrompera quarto adentro.- Como sabia... como adivinhou que amos adorar ter tanta coisadeliciosa?- Que bom! Bates j chegou?

    - Est descarregando os mantimentos na cozinha e a bab est protestandoque no era necessrio, embora seu rosto esteja alegre e no tenha feitomeno de devolver coisa alguma!- E no para devolver! Alm de estar me alimentando aqui, quero queusufruam de tudo.- muita bondade sua.- Bondade foi a de vocs me receberem!- Espero que a bab no assuma o ar de ofendida por achar que no estavagostando de nossa comida - Priscilla sorriu.- Acho que no h nada mais estpido do que as pessoas fingirem ser maisricas do que so, e ns... ns somos muito pobres.- Como? - perguntou o conde surpreso.- Porque Richard deixou muitas dvidas e Elizabeth no tem fortuna de

    famlia.Priscilla fez um gesto encantador com as mos.- por isso que est to eufrica de se casar com o rico sr. Charlton,que est muito apaixonado por ela. E ela por ele, diga-se de passagem.- Assim est melhor - aparteou o conde, com uma pontinha de sarcasmo. -Creio que no se casaria com ele apenas Por dinheiro caso no o amasse,no ?Claro que no! Como pode pensar numa coisa dessas? a e Richard eram muitopobres, mas muito felizes.37Havia tal indignao na defesa de Priscilla que o conde sentiu-seobrigado a desculpar-se.- Perdoe-me. Havia me esquecido de que este um lugar de conto de fadase os personagens dessas histrias sempre se casam e vivem felizes.

    Havia no tom de voz do conde um misto de ironia e amar gura, pois elelembrou-se que se se casasse com Louise estava fadado a sofrer antes edepois do casamento. Mais uma vez ela surgiu aos seus olhos como umaperigosa leoa.Percebeu ento que Priscilla o olhava interrogativamente.- Por que fala desse jeito? - perguntou-lhe depois de um momento.A ltima coisa que passaria pela cabea do conde era fazer confidncias aPriscilla.- Talvez esteja com inveja dessa felicidade - respondeu em tom jovial.- Est sugerindo que gostaria de se casar e ser feliz para sempre?- Claro! No o que todos, homens e mulheres, desejam?- Seu sonho vai se realizar - profetizou Priscilla, esfregando uma mo naoutra.

    - O que quer dizer?- Observava-o quando estava inconsciente e conclu que tem tudo o que umamulher pode desejar num homem.O conde arqueou as sobrancelhas, mas desistiu de fazer qual quercomentrio ao perceber que Priscilla falava a srio, sem qualquerinteno de adul-lo. O seu tom de voz era baixo mais parecia que falavaconsigo-mesma:- No apenas porque ... forte e bem-apessoado, mas, embora eu nem oconhea direito, senti que corajoso... bom e humano.- Como pode ter certeza?

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    - Posso estar enganada, mas minha intuio diz que no S uma coisa mepareceu errada.- Errada?38- Quando estava delirante, falou muita coisa sem sentido. Entretanto,tive a impresso de que odiava algum... ou talvez uma situao... nosei, s sei que falava num tom de dio com um certo desgosto.

    O conde estava admirado. Era impressionante que ela tivesse chegado perfeita concluso do que se passava com ele, atravs do pouco queaparentemente ouvira.Odiava Louise, e pensar nela como esposa causava-lhe profundo desgosto.- Sinto muito... - Priscilla balbuciou. - Fui muito impertinente em lhedizer o que pensava e me... intrometer em sua privacidade. Perdoe-me.- Ora, no h nada a perdoar - replicou o conde.O brilho que iluminou o olhar de Priscilla tornou a expresso de seurosto adorvel.- No pode... odiar ningum, ou ser infeliz - disse ela baixinho -, poisisso estraga o conto de fadas. Talvez eu possa ser sua Fada Madrinha eafastar todo o mal que o perturba.O conde no pde deixar de retribuir o doce sorriso que ela lhe oferecia.

    Ao faz-lo uma sbita ideia apoderou-se dele.Quem sabe Priscilla pudesse ajud-lo. Quem sabe, no. Ela realmentepodia!39

    CAPITULO III

    O conde era um homem extremamente metdico. No exrcito, quando planejavauma campanha, era to preciso que via de regra se via alvo decomentrios.- Brook nunca perde seu objetivo de vista - comentara uma ocasio um deseus generais. - A ideia de derrota ou fracasso jamais lhe passa pelacabea.O pensamento de que Priscilla podia salv-lo de Louise ocorreu-lhe como

    inspirao divina. Imediatamente ps-se ento a planejar cada mnimodetalhe.O mais importante de tudo que o duque e a duquesa de Torrington e,principalmente, sua filha jamais desconfiassem que pretendia assumir osagrado estado do matrimnio para escapar deles.Nada havia sido dito entre a duquesa e ele que pudesse compromet-lo, dano haver pressa alguma em justificar a ela a razo de no poder fazer-lhes a visita, conforme o sugerido.Se parecia haver uma segunda inteno no convite dela, era simplesmenteporque ele prprio estava com a conscincia culpada.Apavorava-o a possibilidade de que Louise, como lady Augusta,desconfiasse de estar grvida. Nesse caso, nem mesmo o fato de estarcasado com outra pessoa evitaria o escndalo.

    Na tentativa de acalmar-se, o conde dizia a si mesmo que se Louiseestivesse grvida teria procurado entrar em contato com ele mais cedo. Omais provvel era mesmo que o sbito interesse nele se devesse heranado ttulo e da fortuna.Tinha a vaga lembrana de ter ouvido tempos atrs o comentrio40de que Louise estava tendo um caso com algum conhecido, que nose lembrava quem era. A notcia devia ter se espalhado por Londres e eraessa provavelmente a razo de que, apesar de sua beleza, ainda noestivesse casada aos vinte e trs ou vinte e quatro anos.

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    Encontrando-se desesperada por um marido, que partido poderia ter-lheparecido melhor do que ele?Pela primeira vez, desde que voltara de Londres, comeava a sentir quediminua dentro dele o verdadeiro pnico em que estivera vivendo desdeento.O futuro parecia-lhe mais claro e promissor agora e no a terrvelescurido da qual por mais que tentasse no sabia como escapar.

    Naquela noite, o conde permaneceu a maior parte do tempo acordado,refletindo sobre o que iria fazer e dizer a Priscilla.At o fato de que ela no tinha os pais vivos parecia que lhe facilitavaas coisas. Qualquer me exigiria um noivado de pelo menos trs meses,para que o casamento no parecesse muito precipitado e desse margem afalsas interpretaes.Sim, pois o conde no desejava esperar nem trs semanas quanto mais trsmeses para livrar-se de vez de Louise.Era tambm muito oportuno que a cunhada de Priscilla fosse se casar e elano tivesse para onde ir...Adormecendo, finalmente, de pura exausto, o conde acordou na manhseguinte com um sorriso nos lbios. A vida lhe prometia um futuro douradopelo qual lutar.

    Quando Priscilla entrou no quarto um pouco mais tarde naquela manh,depois do conde ter se lavado, barbeado e tomado um revigorante caf damanh, ele a olhou de maneira diferente do que o fizera at ento.Desde que a vira pela primeira vez, achara-a uma jovem bonita e atraente,divertindo-se com as coisas que falava e, principalmente, com suaespontaneidade.Entendia agora que isso se devia tanto a sua inocncia, quanto41ao seu desconhecimento da sociedade, atributos que, alis, semprebuscara na futura esposa.Ao v-la entrar sorrindo no quarto, no teve dvida de que seu olhartransparente refletia toda sua pureza interior. Certamente ela nuncasequer fora beijada por um homem.No havia comparao possvel entre Louise e ela. Sabia que Priscilla

    sempre se comportaria com o mximo decoro e que seria merecedora de todoo respeito que sempre pretendera dedicar esposa."Talvez ela se sinta nervosa em princpio de ser a senhora de uma mansocomo Rock", pensou ele, "e, principalmente, de ter de frequentar opalcio de Buckingham e o castelo de Windsor. Vou orient-la, porm,sobre como se comportar e o que dizer e, se seguir minha orientao, noter problema algum".Curioso que naquele momento to decisivo de sua vida vinha-lhe mentecomo se sara bem no treinamento de recrutas, tornando-os excelentessoldados.Como o admiravam, os jovens soldados faziam sempre o possvel paraagrad-lo, e Brook nunca tivera problemas de insubordinao ouindisciplina.

    Vivendo numa cidadezinha pacata como Little Stanton, sempre rodeada pelasmesmas pessoas, no restava dvida de que Priscilla se surpreendera com afigura do conde, e que certamente acataria docilmente seus conselhos.A nica coisa que o perturbava era ter de se casar to depressa depois dehaver herdado o ttulo.Se lhe fosse dado escolher, gostaria de poder passar um ou dois anosacomodando-se nova situao e a um tipo de vida completamente diferenteda que levara at ento.O destino, porm, apresentava sempre alguma penalidade a se pagar e, se ocasamento com Priscilla significava livrar-se de Louise, s poderia

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    louv-lo, quer acontecesse de imediato ou dentro de cinco anos.42Notando o ar pensativo do conde, Priscilla aproximou-se da cama.- Dormiu bem? A bab me disse que se alimentou melhor hoje e que logoestar em condies de nos deixar.- Acho que a bab est querendo livrar-se de mim logo!- Temo que essa seja a verdade. Ela o considera uma influncia

    prejudicial para mim.- Ora, vejam! - divertiu-se o conde.A jovem prosseguiu no mesmo tom srio.- Ela diz que, depois de toda fartura que nos proporcionou, ficaremosdescontentes com o nosso dia-a-dia. Alm disso, embora ela no diga,creio que tambm desconfia que vou fazer comparaes entre o senhor e o"moreno desconhecido", quando ele chegar.Havia tal ingenuidade nas palavras da jovem que o conde teve a certeza deque nem por um momento ela o imaginou como seu possvel PrncipeEncantado.A situao chegava a ser at desconcertante, uma vez que ele estavaacostumado a ser perseguido pelas mulheres onde quer que se encontrasse.- Voc disse que apareceu um estranho muito atraente para sua cunhada -

    comentou em voz alta. - Estou surpreso que a bab no o tenhadesestimulado.- Ela o aprovou logo - Priscilla respondeu, sentando-se na cadeira aolado da cama. - Realmente ele o tipo de homem com quem Elizabeth deviacasar-se. bom e atencioso e parece achar que no existe nenhuma outramulher no mundo alm dela.- Estranho que voc mesma no tenha tentado conquist-lo- observou o conde.Priscilla olhou-o surpresa.- Seria muito mesquinho de minha parte quando Elizabeth mais velha doque eu e estava to infeliz com a morte de Richard.43Ento, como se considerasse melhor o que ele havia dito, acrescentou:- Edward foi feito para Elizabeth, no para mim.

    - Por que no? - admirou-se o conde. Priscilla pensou por um momento.- No muito aventureiro e muito circunspecto. Alm disso, consigoadivinhar o que vai dizer antes que ele fale e sei de antemo quais sosuas opinies antes de exterioriz-las.- Realmente no muito estimulante - ele concordou. Mas muitas mulheresdesejam esse tipo de segurana e estabilidade.- Tem conhecido muitas assim?Se o conde tivesse de ser sincero, teria de admitir que, no que lhe diziarespeito, as mulheres pareciam sempre preparadas para pr em jogo suareputao e corriam os maiores riscos por causa dele.Muitas chegavam ao extremo de no se importar de romper casamento e seremmarginalizadas pela sociedade.Dando-se conta de que Priscilla aguardava sua resposta, disse, lacnico:

    - Suponho que seja isso o que queiram.- Tenho certeza de que no est falando a verdade - retrucou, perceptiva.- No tenho dvidas de que leva uma vida de aventuras e agitao e issomesmo o que desejam as mulheres que o admiram.- Voc est me bajulando... Como sabe que h mulheres que me admiram?Priscilla soltou uma gargalhada jovial.- Agora est sendo modesto. At a bab admite que o senhor o "tipo dohomem fino". Por isso que est decidida a mand-lo de volta para casa omais breve possvel.- Ser que a bab teme que voc se apaixone por mim? ele ousou perguntar,

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    curioso.- Est morrendo de medo! - Priscilla admitiu. - A cada dia que passa,noto que a ansiedade dela aumenta.Ela tornou a soltar uma gargalhada encantadora e melodiosa,acrescentando:- Ontem noite, quando ela estava ajudando-me a trocar de roupa, disse:"No v pondo ideias malucas na cabea a respeito de milorde. Assim que

    estiver melhor, vai voltar para Rock, depois para Londres e para um tipode vida que completamente diferente do seu, e voc nunca mais voltar av-lo".O conde achou extrema graa na maneira perfeita com que Priscilla imitoua voz da bab.- O que foi que voc respondeu a ela? - perguntou, rindo. Priscillahesitou por um instante, fazendo-o pensar que serecusaria a responder. Entretanto, surpreendeu-o com sua sinceridade:- Eu disse: Bab, talvez milorde nos esquea, mas ns nunca oesqueceremos, depois de ter nos proporcionado tanta coisa boa e ser togeneroso.- Ora, agradeo muito que me considere generoso - retrucou o conde -, masacho que seu julgamento pode ser precipitado, afinal apenas me viu

    inconsciente ou esticado aqui na cama, usando os pijamas de seu pai.O lado vaidoso do conde, que todo ser humano tem, sentiu naquele momentoum desejo de que ela pudesse v-lo imponente, em sua farda de gala.Em seguida, ocorreu-lhe que a conversao estava tomando um rumo digno deuma pea teatral, faltando apenas para completar o ato que algum fizesseo aparte: Faa o pedido!Ele sentia, contudo, que ainda era um pouco prematuro. Embora estivesseconsciente de que Priscilla gostava de conversar com ele, no escondendoinclusive sua admirao, percebia que no significava nada de maispessoal para ela, nem justificava a preocupao que a bab estavasentindo.- O que vai fazer hoje? - perguntou-lhe, desviando o assunto.45- Vou andar a cavalo. Ah, ia esquecendo-me de lhe dizer que seu cavalo

    est bem melhor. Ben foi dar uma volta com ele hoje cedo e, apesar deainda estar mancando um pouco, j anda com maior facilidade.- Que boa notcia!- Qual o nome dele? - Priscilla quis saber.- Rufus - respondeu o conde. Priscilla franziu o nariz.- Honestamente, no gosto muito. Os nossos cavalos chamam-se Mercury ePegasus. Fui eu quem os batizei e achava-os os cavalos mais lindos domundo at ver seu Rufus!- Pois veja que a bab tem razo at certo ponto. Esse o tipo decomparao que ela no aprovaria! No seria justo ficar insatisfeita comMercury e Pegasus por ter conhecido Rufus.- No h a menor possibilidade de acontecer isso! - Priscilla replicouindignada. - Admiro muito Rufus, mas amo Mercury e Pegasus, especialmente

    Mercury que meu, e nada no mundo tomaria seu lugar no meu corao.- Vejo que leal - comentou o conde.- Se amar os animais e as pessoas desinteressadamente, no me importandode que os outros tenham melhor do que eu, ser leal, ento sou leal.- O que, sem dvida, uma qualidade louvvel. Por outro lado, muito meagradaria v-la montando um cavalo puro-sangue.Passou pela cabea do conde que, se ela montava com a mesma graa com quecaminhava, faria sucesso em qualquer de seus cavalos e seria timo t-lapor companhia nas caadas de inverno.Apesar de nunca ter pensado nisso antes, agora parecia-lhe imprescindvel

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    que a esposa fosse uma exmia praticante da arte da equitao.Sempre observara como as esposas dos amigos ressentiam-se46do fato de serem deixadas para trs quando os homens iam caar.Mas havia muito para uma mulher se ocupar em Rock, alm de acompanh-lo acaadas.O conde parecia agarrar-se a essa ideia por uma necessidade imperiosa de,

    inconscientemente, garantir a si mesmo que no ia perder completamente aindependncia.Afinal, antecipava o prazer que sentiria de falar na Cmara dos Lordes,de frequentar as reunies masculinas, de ser tratado com deferncia emseu clube.Eram inmeras realmente as vantagens que sua nova posio lhe abria.Uma das mais importantes era ser dono de inmeros cavalos de corrida, queestavam sendo treinados em Newmarket, sendo automtica, portanto, suaindicao para o Jockey Club.Desde que herdara o ttulo, o futuro parecera-lhe altamente promissor,mas Louise tivera a capacidade de empanar o brilho de sua alegria.Felizmente agora estava conseguindo enxergar com maior clareza novamentee havia nele um misto de vaidade e triunfo por sentir-se apto a safar-se

    dos planos dela, fazendo-a inclusive de tola.Antes de conhecer Priscilla, corria realmente um srio e assustadorperigo. Ela era merecedora de todos os louvores por ser uma verdadeirafada, capaz de transformar o seu destino.Depois de examin-lo, o mdico disse ao conde que poderia levantar-sedentro de alguns dias, mas teria de permanecer no quarto.- Uma clavcula quebrada leva tempo para ser recuperada, rciilorde, e noseria prudente correr qualquer risco de uma recada, especialmenteconsiderando-se tudo o que o senhor tem a fazer pela frente.- Tudo o que tenho a fazer? - repetiu o conde.47- isso mesmo... - comeou o mdico a dizer, mas parou e olhou-oembaraado. - Perdoe-me, mas no da minha conta.- Mas da minha! - replicou o conde. - Agradeceria muito se conclusse o

    que comeou a dizer.- No nada to importante assim...- Pressinto que - interrompeu-o o conde -, e gostaria muito de saber doque se trata.- Pois bem, milorde, s espero que no v me considerar muitoimpertinente. mais do que sabido nesta regio que a lavoura em RockEstate est muito atrasada e ultrapassada. Estamos, portanto, todosesperanosos de que, sendo jovem e tendo uma reputao de empreendedor,possa fazer grandes modificaes no lugar.O conde estava surpreso.Sempre considerara Rock Estate como um verdadeiro modelo. Possivelmentecomo estivera na ndia nos ltimos anos, no tomara conhecimento dasfalhas existentes.

    Seu silncio fez com que o mdico o olhasse apreensivo.- Perdoe-me, milorde, mas o senhor pediu que eu falasse francamente.- Fico contente que o tenha feito - respondeu o conde. Vou procurarverificar tudo, assim que tenha tempo. Prometo-lhe que novos mtodos enovas ideias sero aplicadas onde for possvel, em Rock.- Sabia que podia contar com sua compreenso, milorde exultou o mdico. -Vai enfrentar muita resistncia para implantar mudanas e ter de lutarmuito. Mas no tenho dvidas de que valer a pena.- Tenho certeza disso - concordou o conde.To logo o mdico se foi, a governanta insistiu para que ele dormisse um

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    pouco, por isso somente aps ter terminado o ch da tarde que viuPriscilla novamente.Ela contou-lhe que fora cavalgar e que, depois do que acontecera aoconde, fora especialmente cuidadosa.48Sei que os campos so muito perigosos, mas meu pai notinha condies econmicas para arcar com mtodos modernos para trat-los

    e menos ainda para empregar homens para esse tipo de servio.- Tambm vou ser mais cuidadoso quando voltar a cavalgar o conde ponderoumais para si mesmo.Priscilla sorriu e ele logo desconfiou do que lhe passava pela cabea.- A bab andou lhe dando conselhos novamente, no ? Ela riu.- Disse-me que aproveitasse enquanto posso, pois a semana que vem teriade me contentar com a minha vida de antes, e, principalmente, com asnossas pobres refeies.- O que voc comeu hoje?- Carneiro assado e torta de framboesa com creme.- Eu tambm. Estava tudo uma delcia!- Se estava! Deve ser uma maravilha poder comer assim todos os dias eachar a coisa mais natural...

    O conde ficou tentado a lhe dizer que, no futuro prximo, ela teriasempre esses prazeres, mas resolveu calar-se para no assust-la e,principalmente, para no intimid-la enquanto estivesse em sua casa.Era muito estranha a sensao de estar com uma mulher que nada fizessepara provoc-lo.Qualquer outra em seu lugar estaria tentando bajular o seu ego e usandodos mais estranhos pretextos para toc-lo.Priscilla, pelo contrrio, conversava com a maior espontaneidade,encantando os ouvidos do conde com sua voz serena e Melodiosa. O assuntoflua fcil entre os dois e, mais uma vez, foi necessria a interfernciada bab para que ela fosse se recolher.No dia seguinte, Priscilla entrou quase danando no quarto, agitando umacarta na mo.49

    - Elizabeth ficou noiva! - contou animada. - Vo se casar dentro de trssemanas.- Voc parece contente - observou o conde.- E estou. Elizabeth est muito feliz. Diz que Edward Charlton muitobom. Ela recebeu como presente de noivado um conjunto de anel e broche desafiras lindssimo!- E voc, vai assistir ao casamento? Priscilla no escondeu seudesapontamento.- Infelizmente, no. Eles vo se casar muito discretamente, na igreja davila de Edward.Visivelmente triste, deu um pequeno suspiro e prosseguiu:- Tinha esperana de que se casassem aqui, mas depois compreendi que elano tem os mesmos laos que eu com Little Stanton, portanto natural que

    se casem na igreja de Edward.- De onde a famlia dela?- Richard conheceu Elizabeth na ndia. O pai dela juiz em Calcut.No podia haver melhor informao do que aquela. Agora ele estavatranquilo de que no haveria qualquer interferncia ou protesto quandodissesse a Priscilla que pretendia casar-se com ela e lev-la para Rockassim que melhorasse.Quando o mdico foi v-lo, no dia seguinte, o conde pressionou-o para lhedizer quando teria alta.- Entendo que esteja ficando enfadado, milorde - disse-lhe o dr. Jenkins.

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    - Bem, no o culpo. Imagino que esteja ansioso para voltar para sua casaque, a bem dizer, como um brinquedo novo.Ele riu da prpria piada e o conde insistiu:- Ento quando posso partir?- Poderia ir amanh, mas ser uma viagem muito sacrificada, mesmo namelhor carruagem. melhor que espere mais uns dois ou trs dias e, aindaassim, ter de ser muito cuidadoso

    50at que sua clavcula esteja completamente ligada. Se,or uma fatalidade, houver um desligamento do osso novamente ento ver oque vai demorar para se levantar novamente.O dr. Jenkins era um homem srio e estava sendo prudente,convencendo o conde com suas palavras a esperar mais trsdias antes de voltar para casa.Decidiu ele ento que o casamento devia realizar-se antes de partir,devendo, pois, comunicar suas intenes a Priscilla imediatamente.A primeira providncia que tomou foi enviar, atravs de um criado, umbilhete a seu procurador para obter a licena.Parecia-lhe, mais do que nunca, ser fundamental que seu casamento fosserealizado no mais absoluto sigilo e sabia que podia contar com a

    confiana e discrio de todos os seus colaboradores.No momento em que a bab entrou no quarto, o conde aproveitou paraperguntar-lhe se Priscilla no poderia tomar ch com ele naquela tarde. Aocasio seria perfeita para fazer-lhe o pedido.A bab, porm, alegou que a sugesto contrariava sua concepo de decoroe, como sempre, miss Priscilla tomaria seu ch sozinha.- bom que v se acostumando - argumentou. - com o casamento de mrs.Cranford, o que sempre vai acontecer a ela daqui para frente.- Esse casamento teve a sua aprovao, no, bab? - o conde sondou-a.Penso que mrs. Cranford e mr. Charlton foram feitos um Para o outro - elaretrucou.E o que ser de miss Priscilla? Ela j tem idade suficiente Para secasar.A bab apertou os lbios por um instante e disse, em tom spero:

    51- bom, milorde, que no v pondo ideias na cabea A miss Priscilla.Embora ela tenha um tipo de vida inadequado para uma jovem de sua idade,est muito feliz assim.- E voc nunca tentou fazer nada para ajud-la a ver ou trs pessoas, termais convivncia social?- O que poderia fazer? Mr. Richard morreu h pouco mais de um ano e hmuito pouca gente jovem na vizinhana.A bab fez um gesto eloquente, que o conde entendeu perfeitamente. Comoeram pobres e sem importncia, ningum si preocupava com elas, por maisbonita que Priscilla fosse.- Sempre acreditei - prosseguiu ela - que chega o momento para tudo eDeus vai se incumbir de arrumar-lhe uma boa sorte. S lhe peo, milorde,

    que procure no perturb-la. At a sua chegada, ela nunca parecia ter-sedado conta de que era to sozinha.- E est se dando agora?- Espero que no, milorde... espero sinceramente que no- disse a governanta em voz baixa.O conde no conteve um sorriso quando ela saiu. Pelo que lhe dissera,Priscilla j estava interessada nele, o que tornaria mais fcil aaceitao de sua proposta.Essa perspectiva fazia com que exultasse. Quanto mais observavaPriscilla, mais acreditava que no poderia haver melhor soluo para seu

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    problema.Ela era de fato encantadora. Uma vez vestida com as roupas da moda,confeccionadas pelos melhores costureiros, estaria apta a frequentar opalcio de Buckingham, entre as mais finas damas.Deitado em sua cama, o conde continuou seus devaneios, pintando das maisbelas cores seu futuro com Priscilla.Decidiu de antemo que no levaria a esposa muito cedo ao palcio de

    Buckingham ou ao castelo de Windsor para evita um encontro com Louise.Estava convicto, porm, de que, quando a rainha a conhecesse52ambas se dariam muito bem, pois eram parecidas na aparnciae nocomportamento.Ele havia ficado sensibilizado pela graa, modstia e recato de Victoria,ao ser proclamada rainha da Inglaterra.De fato, na ocasio, Greville, o historiador, dissera-lhe:No houve nunca nada semelhante primeira impressoque ela causou, nem ao coro de elogios que arrancou com seu comportamentoe modos.Conhecendo Greville h anos como crtico mordaz da sociedade em geral, ocomentrio sobre a rainha havia sido verdadeiramente surpreendente.

    Interessante havia sido o prazer que sentira de lhe contar sobre acoroao de Victoria, uma vez que, na ocasio, o conde estivera noexterior.- As atenes de todos estavam completamente voltadas para ela devido asua juventude, inexperincia e desconhecimento do mundo - concluraGreville.As palavras do historiador voltavam-lhe mente agora e podiamperfeitamente ser ditas a respeito da prpria Priscilla.Jovem, inexperiente e desconhecedora do mundo, certamente despertariamuita curiosidade como sua esposa.Uma vez mais, veio-lhe memria a figura ameaadora de Louise, pois eraimpossvel deixar de fazer uma comparao entre a candura de uma e aagressividade da outra.- Como vai ficar desapontada! - disse a si mesmo, sentindo-se triunfante,

    depois de ter-se sentido derrotado.Entretanto, parecia-lhe mais do que justo que desse uma lio naquelacriatura diablica.O pensamento de que o duque, porm, poderia fazer de sua vida na corte uminferno, caso suspeitasse que deliberadamente enganara a filha, deu aoconde um senso de urgncia, ansiando por ver-se casado com Priscilla.Eis que a jovem, com uma leve batida, entra em seu quarto, trazendocuidadosamente um pequeno vaso de flores nas mos.53- Estou lhe trazendo algo especial, os primeiros lrios-do-vale, sintaque perfume delicioso!Ela aproximou-se da cama para que o conde pudesse senti o aroma dasflores.

    - Obrigado - disse ele, comovido. - Creio que, se tivesse de escolher umaflor para represent-la, escolheria, sem dvida, um lrio, um lrio-do-vale.O conde intimamente esperava que ela corasse, ou se ms trasse tmida,mas Priscilla, pelo contrrio, aceitou a comparao com a maiornaturalidade:- com que ento tambm gosta de comparar as flores con as pessoas! Sempredigo que Elizabeth parece um boto rosa, lindo e delicado. A bab, apesarde ficar zangada quandi digo isso, a prpria boca-de-leo, meio austerae assustadora at que se note que as abelhas nunca abandonam essas flores

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    - admitiu o conde -, mas estarei sempre perto de voc para dizer-lhe oque deve fazer. Alm disso, tenho certeza de que quando conhecer a rainhaver que ela no tem nada de assustador, muito pelo contrrio. umamulher extraordinria que vive muito feliz com seu marido, como se podeobservar no s pela maneira como o olha, como tambm pelas palavraselogiosas que diz a respeito dele.O conde tinha nos ouvidos as palavras da rainha sobre o prncipe durante

    uma das raras conversas mais ntimas que haviam tido:"A posio de Sua Alteza Real no nada fcil, mas ele e to maravilhosoque sei que todos faro o possvel para facilitar as coisas para ele".O conde assentira com a cabea, continuando a admirar a rainha, emsilncio. Ocorrera-lhe, entretanto, que no invejava nada a posio deprncipe consorte. Nada como ser o senhor de seu prprio castelo.Seus olhos fixaram-se no rosto srio de Priscilla, com uma certaimpacincia.- Sabe o que vamos fazer? - disse, apertando ligeiramente os dedos delaentre os seus. - Vamos nos casar depois de amanh, assim posso lev-lacom a bab para Rock comigo. Acho que seria bom se voc pudesse continuarcuidando de mim.Houve uma pequena pausa e Priscilla perguntou, vacilante:

    - Depois... de amanh?- Para que esperar? - argumentou o conde. - No quero56deix-la sozinha e, como j disse, seria bom poder contar com sua ajudapara melhorar logo de minha sade.Ser que daria certo? Naturalmente, preciso que tenhamuito cuidado... - ponderou a jovem, num outro tom de voz.Para surpresa do conde, Priscilla levantou-se, desprendendo sua mo dasdele e caminhou at a janela, ficando na mesma posio em que a vira pelaprimeira vez quando recobrara a conscincia depois da queda do cavalo.Ele a olhava a um s tempo intrigado e fascinado com seu comportamento.Estava to convicto de que ela se sentiria lisonjeada com a proposta eno hesitaria nem por um segundo em aceit-la! Alm do mais, sendo umamulher de poucos recursos e praticamente no tendo parente algum, era

    quase inconcebvel que tivesse de pensar duas vezes para se tornarcondessa de Rockbrook.Priscilla estava com o rosto voltado contra a luz e o sol formava umaaurola dourada sobre sua cabea.Enternecido diante daquela figura delicada e incrivelmente forte que elaestava se revelando, o conde concluiu que cabia a ele tirar-lhe qualquerdvida que ainda tivesse:- Venha c, Priscilla. Eu a quero muito!- Estou... pensando.- Em voc, ou em mim?- Em ambos.- Oua, querida, quero-a para minha esposa e no posso acreditar que vrecusar meu pedido.

    Priscilla voltou-se vagarosamente.Afastou-se da janela e, de repente, como se resolvesse suas dvidas,abriu um sorriso que iluminou suas feies e caminhou at ele.- Acho que... vai ser bom me casar com voc, mas tem Certeza de que isso mesmo que quer?57- Claro que tenho - assegurou-lhe o conde. - De fato Priscilla, aprimeira vez que peo algum em casamento.- No podia ser diferente, caso contrrio seria casado e no estaria aquime pedindo! - retrucou ela, numa espontaneidade quase infantil.

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    O conde estendeu o brao e pegou-lhe novamente a mo.- Sei exatamente como se sente - disse-lhe num tom cari nhoso. - quasecomo dar um pulo no escuro, no ? Mas estarei l para segur-la.Priscilla prendeu a respirao por um segundo. Parecia que estava a pontode dizer algo muito srio. Entretanto, com a voz cheia de riso,argumentou:- melhor que espere estar completamente recuperado de sua clavcula. No

    momento no est apto a segurar nem uma bola com a luz do dia!O conde no pde deixar de rir.Definitivamente, jamais pensara que sua proposta de casa mento fosseaceita daquele jeito.58

    CAPTULO IV

    Prscilla saiu do quarto do conde, desceu rapidamente as escadas e foidireto para o estbulo, onde estava preso Jason, seu co.Ao ouvir os passos da dona, o animal se ps a latir e esfregar com aspatas o porto que o separava dela, pulando sobre Priscilla assim queesta abriu a porta, numa indisfarvel alegria.

    Ela abaixou-se para afagar o animal e Ben veio ao encontro dela, dizendo:- At parece que faz um ms que est preso a e no apenas uma hora!- Ele detesta ficar preso no estbulo, Ben, voc sabe disso. Mas o que seh de fazer, a bab no quer que ele perturbe o nosso paciente...Sem esperar pela resposta de Ben, Priscilla atravessou o pequeno pasto ecaminhou em direo ao bosque, s parando quando se encontrou sob asrvores, junto a um tronco cado no qual se sentou. Jason imediatamenteesticou-se aos seus ps, numa atitude de expectativa. "Priscilla passou a mo pela cabea de seu fiel companheiro, perguntando-lhe com ar pensativo:- Que devo fazer, Jason? Fico feliz que ele tenha me pedido em casamento,mas tenho uma sensao estranha, que no consigo explicar a mim mesma, deque ele... de que ele... no me ama - admitiu, relutante.Habituado aos desabafos da dona, Jason levantou a cabea, olhando-a com

    olhos brilhantes, e sacudiu o rabo, como se estivesse entendendo.- Tenho certeza de que amor o que sinto por ele - a59jovem continuou, argumentando consigo mesma. - Ele to bonito, togeneroso, exatamente o tipo do homem com que sempre sonhei. S tenhovontade de estar ao lado dele, de falar com ele... e quando ele sorripara mim... ah, sinto meu corao bater descompassado dentro do peito.Depois de uma pequena pausa, ela disse com toda a emoo:- Mas eu quero amor, Jason, muito amor!Jason soltou um estranho grunhido, como se tentasse responder.Num movimento impulsivo, Priscilla ajoelhou-se ao lado dele, passando obrao por seu pescoo, sem se importar com as folhas secas e os pequenospedregulhos que lhe machucavam os joelhos.

    - Tenho medo, Jason - disse num fio de voz -, tenho medo de no conseguirfaz-lo feliz e, mais ainda, de... perd-lo.O co lambeu-lhe o rosto, procurando instintivamente confortar a dona,saindo busca de coelhos sob as folhas secas to logo ela o soltou.Priscilla voltou a sentar-se, pensativa, no tronco, sem enxergar overdadeiro tapete de flores azuis que se estendia sua frente, nem odourado das rvores ao cair do sol.Diante de seus olhos tinha apenas o bonito semblante do conde, e seusouvidos pareciam constantemente ouvir, como num refro, a voz deledizendo:

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    - Oua, querida, quero-a para minha esposa...Nunca sonhara com esse pedido e, em vez de estar se sentindo nas nuvensde tanta alegria, inexplicavelmente sentia que faltava alguma coisa.- Ele bem mais velho e experiente do que os outros homens queconheci... e to diferente de Edward Charlton! ponderou.Na verdade, muito jovem, inexperiente e vivendo praticamente isolada,Priscilla no conhecia outros jovens de sua idade com quem pudesse fazer

    comparaes e tirar concluses a respeito dos prprios sentimentos.60Intuitivamente, baseava-se no relacionamento da cunhada e do noivo. Muitoantes de que o amor dos dois fosse publicamente declarado, ela j haviapercebido, pela maneira como se olhavam e pelas vibraes que emanavamdos dois, que estavam apaixonados.Sabia reconhecer o amor e, embora o conde a olhasse com ternura e ocontato das mos dele nas suas lhe transmitisse confiana e segurana,era necessrio algo mais para que pudesse ser feliz e pudesse faz-lofeliz. J havia, porm, concordado em se casar com ele.- Vou ajud-lo... Vou cuidar dele... - disse a si mesma, procurandoencontrar uma razo alm do amor para que o casamento pudesse dar certo.No fundo de seu corao, entretanto, algo lhe dizia que no bastava

    apenas isso. Queria mais, muito mais do homem a quem amava. E tinha muitomais para dar.A bab trocou as faixas em volta do ombro do conde e deulhe uma tipialimpa para apoiar o brao esquerdo.Receando por antecipao a dor que iria sentir, latente sempre que semexia, ele no ousou proferir uma palavra sequer.Para sua surpresa, porm, desta vez a dor no aconteceu, o que lhe deunovo nimo, pois era sinal evidente de que logo estaria recuperado e emp.Terminada a tarefa, a bab ajeitou as cobertas e pegou as faixas usadas.Observando-a com um pouco mais de ateno, o conde notou que seusemblante estava carregado, parecendo contrariada.- O que h, bab? - perguntou, com um meio sorriso.- O que andou dizendo a miss Priscilla, milorde, que a perturbou? -

    perguntou ela por sua vez, indo direto ao assunto que a aborrecia.- Ela lhe pareceu perturbada? - estranhou ele.Saiu para uma de suas caminhadas - a governanta retrucou61- o que significa que alguma coisa no est certa, que precisa ficarsozinha para pensar. Eu no entendo. Havia acabado de chegar do bosque!O sorriso do conde alargou-se diante do tom quase agressivo da bab.- Talvez miss Priscilla esteja pensando a respeito de uma proposta queacabei de lhe fazer.- Que proposta, milorde? - Ela o olhou desconfiada.- Pedi que se case comigo depois de amanh - explicou ele, na maiortranquilidade.A governanta se mostrou abismada por um momento, depois uma expresso de

    alvio apoderou-se de seus olhos.- Est falando a srio, milorde?- Claro que estou, bab, e espero faz-la muito feliz.- V-la feliz o que mais quero, milorde, mas por que tanta pressa?- Tenho certeza, bab, de que melhor do que ningum vai compreender arazo. No posso permanecer aqui com miss Priscilla desacompanhado;desejo muito t-la logo comigo em Rock, e l tambm no podemos estarsozinhos, ento o melhor realizar imediatamente o casamento.A bab guardou silncio por um momento, como que avaliando as razesexpostas pelo conde.

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    - Vai dar o que falar, milorde - argumentou, ento.- Talvez, mas o que importa isso?O conde percebeu que a governanta hesitava entre a ideia de um casamentoconvencional e a alegria de ver sua pupila tornar-se condessa,imediatamente.- Acho que milorde sabe o que est fazendo - capitulou -, e se missPriscilla estiver satisfeita assim estou tambm.

    - o que imaginei.Quando a bab saiu do quarto, o conde recostou-se no travesseiro,contente de que tudo estivesse saindo de acordo com o planejado.Priscilla o salvaria de um perigo to iminente quanto o que vivera nandia, ou talvez pior, pois um podia62significar a morte, enquanto o outro a morte lenta, em plena vida.Enquanto no estivessem casados, porm, e Louise no tivesse mais a menorchance de agarr-lo, no conseguiria sentir-se completamente a salvo.- Vou dar a Priscilla tudo o que ela desejar neste mundo- disse a si mesmo.A cabea do conde estava tomada de projetos para o futuro e ele se sentiaeufrico como uma criana em vias de ganhar um jogo difcil. Numa

    necessidade de compensar Priscilla pelo bem que estava lhe fazendo,resolveu que, no dia seguinte, qua