A Mulher No Cinema Segundo Ann Kaplan - Entrevista a Denise Lopes

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 209 E A mulher no ci nema segundo Ann Kaplan Entr evista a D enise Lo pe s* * Jornalista e mestre em Comunicação, Imagem e Informação pela UFF . Entrevista rea liz ada com a teórica da crítica feminista Elizabeth Ann Kaplan, professora do Insti tuto de Humanidade s da Stony B rooks, nos Estados Unidos, para o curso A Constr ução do Olhar”, durante o seminário A  Mulh er n o fil me noir , realiz ado na UF F, sob a coordenaçã o do curso de pós- graduaç ão em Comuni cação, Imagem e Infor mação. A norte-americana Elizabeth Ann Kaplan é uma das fundadoras da abordagem feminista na crítica cinematográfica, nos anos 70. Junto com teóricas como Laura Mulvey, Mary Ann Donne e Janet Bergstrom, forneceu uma nova perspectiva para a avaliação do chamado cinema clássico narrativo das décadas de 40 e 50, que teve em Alfred Hitchcock um de seus maiores expositores. “Ridicularizadas, ignoradas e muito criticadas”, como ela mesmo admite, o grupo, se apropriando dos, então, emergentes conceitos da psicanálise, foi responsável por inúmeras contribuições aos iniciantes  Estudos Cultur ais, que começavam a ser difundidos de forma interdisciplinar nas universidades norte-americanas e européias. De passagem pelo Brasil, onde realizou palestras no Rio, São Paulo e Brasília sobre o tema  A mulher e o Cinema, Ann Kaplan falou da imagem da mulher nos filmes, da propagação de novas visões sexuais no cinema, da importância e da necessidade da apropriação e da revisão das teorias de Freud e Lacan para a atividade crítica feminista. Fez ainda um balanço das atuais produções cinematográficas. Focando, especialmente, o chamado cinema independente norte-americano. Ann Kaplan elogiou  A Hora da Estrela , filme de 1982 de Suzana Amaral, comparando a personagem brasileira Macabea à Cabíria de  La Strada , de Frederico Fellini. O filme de Suzana Amaral, segundo ela, é “um sensível retrato de uma desajeitada mulher jovem de baixa escolaridade a partir do ponto de vista desta personagem”. “Uma bela tentativa de se colocar dentro de uma questão feminina

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EA mulher no cinema segundo Ann Kaplan Entrevista a Denise Lopes*

A norte-americana Elizabeth Ann Kaplan uma das fundadoras da abordagem feminista na crtica cinematogrfica, nos anos 70. Junto com tericas como Laura Mulvey, Mary Ann Donne e Janet Bergstrom, forneceu uma nova perspectiva para a avaliao do chamado cinema clssico narrativo das dcadas de 40 e 50, que teve em Alfred Hitchcock um de seus maiores expositores. Ridicularizadas, ignoradas e muito criticadas, como ela mesmo admite, o grupo, se apropriando dos, ento, emergentes conceitos da psicanlise, foi responsvel por inmeras contribuies aos iniciantes Estudos Culturais, que comeavam a ser difundidos de forma interdisciplinar nas universidades norte-americanas e europias. De passagem pelo Brasil, onde realizou palestras no Rio, So Paulo e Braslia sobre o tema A mulher e o Cinema, Ann Kaplan falou da imagem da mulher nos filmes, da propagao de novas vises sexuais no cinema, da importncia e da necessidade da apropriao e da reviso das teorias de Freud e Lacan para a atividade crtica feminista. Fez ainda um balano das atuais produes cinematogrficas. Focando, especialmente, o chamado cinema independente norte-americano. Ann Kaplan elogiou A Hora da Estrela, filme de 1982 de Suzana Amaral, comparando a personagem brasileira Macabea Cabria de La Strada, de Frederico Fellini. O filme de Suzana Amaral, segundo ela, um sensvel retrato de uma desajeitada mulher jovem de baixa escolaridade a partir do ponto de vista desta personagem. Uma bela tentativa de se colocar dentro de uma questo feminina* Jornalista e mestre em Comunicao, Imagem e Informao pela UFF. Entrevista realizada com a terica da crtica feminista Elizabeth Ann Kaplan, professora do Instituto de Humanidades da Stony Brooks, nos Estados Unidos, para o curso A Construo do Olhar, durante o seminrio A Mulher no filme noir, realizado na UFF, sob a coordenao do curso de ps-graduao em Comunicao, Imagem e Informao.

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para ver como a personagem se v, ao invs de como ela vista de fora. Seja por um olhar masculino que sabe tudo ou atravs dos olhos da classe alta, disse. Na exposio, que fez a convite do curso de ps-graduao em Comunicao, Imagem e Informao da Universidade Federal Fluminense (UFF), ela analisou a viso da mulher no filme noir a partir de The Lady from Xanghai (A Dama de Xanghai - 1948), de Orson Welles, exibido antes da palestra, e exps conceitos novos a partir de filmes que sugerem, hoje, identificaes a partir de pontos de vistas sexuais diversos.1- Primeiro, gostaria que voc me contasse um pouco do seu trabalho na Universidade. Que cursos voc ministra?

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Na Stony Brook, sou professora titular de Ingls e Estudos Comparativos. Vim para a Stony Brook, em 1987, explicitamente, para estabelecer uma nova marca, criar um Instituto de Humanidades. A principal misso era encorajar a inovao na pesquisa interdisciplinar. Trabalhei na criao de um novo programa curricular de estudos cinematogrficos e de um Certificado Avanado da Graduao em Estudos Culturais. Ensino tambm no Seminrio Superior dos Estudos Cinematogrficos, onde o tpico, em 1998, foi Culturas Itinerantes: Gnero e Raa no Cinema , tema do meu livro sobre filmes multiculturais e tnicos de mulheres no cinema americano, chamado Looking for the other: Feminism, Film and Imperial Gaze (Procurando o outro: Feminismo, Filme e o Olhar Imperial 1998). Alm disso, ensino, regularmente, um curso de graduao interdisciplinar e estou co-ensino um curso em Postmodern and Science: Imaging in the Millennium (Ps-Modernismo e Cincia: A Produo de Imagens no Milnio), onde vou desde a explorao de como as imagens onricas eram representadas em Hollywood e em filmes de vanguarda dos anos 40 at um olhar sobre as imagens futuristas da televiso, como Max Headroom (um talk-show virtual) e Videodrome (A Sndrome do Vdeo - 1982) _ filme de David Cronenberg, em que o programador de tev a cabo comea a ter seu corpo perpassado pelos efeitos das transmisses _, ambos de diretores homens em comparao com as interessantes percepes de Kathryn Bigelow em Strange Days (Estranhos Prazeres 1995), onde uma herona afro-americana investigadora/policial (me, de qualquer modo) a nica a oferecer uma moral e uma perspectiva tica na vida de seu amante e de seu grupo, envolvido com tecnologias avanadas.

2- Nas suas primeiras incurses na crtica feminista cinematogrfica, nos anos 70, voc deve ter encontrado muitos problemas para expor suas idias. Algum mais srio?

Fui uma das pioneiras da crtica feminista cinematogrfica, nos anos 70. Este foi um perodo muito excitante. Ajudei a organizar a primeira Conferncia Nacional de Estudos da Mulher. ramos, principalmente, jovens professores assistentes, artistas independentes e ativistas se encontrando para pensarem juntos sobre mudanas curriculares nas universidades, que pudessem incluir as contribuies acadmicas e artsticas das mulheres, atravs dos tempos, ao menos nas culturas ocidentais, totalmente negligenciadas, at ento, por professores, crticos e tericos do sexo masculino. A mudana dramtica na vida intelectual americana em razo destas iniciativas foi comprovadamente extraordinria. A academia americana teve uma abertura nica, neste perodo. Isto no aconteceu sem esforo! Ns tivemos que batalhar duro por nossos novos cursos. Mas com a nossa determinao e comprometimento em abrir os Estudos da Mulher e dar excelncia e viabilidade a nossas pesquisas, que estavam alm da censura e de fato estimulavam estudantes homens a se interessarem pelo feminismo e as perspectivas feministas, acabamos conseguindo progressos. Primeiro, ramos ignoradas, ridicularizadas e negligenciadas em nosso meio. Esses problemas continuam, mas eu poderia dizer que a maioria das administraes universitrias, iniciada no anos 90, agora finalmente reconheceu a importncia dos Estudos da Mulher, incluindo cursos, tais como Womem and Cinema (Mulheres e Cinema) como fundamentais para uma educao artstica liberal.3- A relao com os psicanalistas nessa poca era tensa, no? Havia mtuas acusaes e a principal apontava para o fato de que as teorias feministas de anlise dos filmes colocavam o personagem feminino no div, ao invs do filme. Como est o relacionamento hoje entre a crtica feminista e a psicanlise contempornea? Est melhor?

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A questo sobre psicanlise muito interessante. Eu penso no captulo Is the Male Gaze? ( Masculino o Olhar?) em meu livro de 1983, Women and Film:Both Sides of the Camera (A Mulher e o Cinema: Os Dois Lados da Cmera) _ traduzido por Helen M Potter Pessoa para a editora Rocco, Rio de Janeiro, em 1995 _, que detalha boas razes pelas quais a psicanlise crucial para se entender as diferenas sexuais e as resistncias da cultura patriarcal em relao liberao da mulher e sua participao total e igual na sociedade, em todos os nveis. Pergunto como

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colocar o filme no div (eu gosto dessa formulao) e argumento precisamente de que o modo pelo qual a mulher imaginada nos dramas convencionais de Hollywood emerge do inconsciente patriarcal masculino. So medos e fantasias do homem sobre a mulher que achamos nos filmes, no perspectivas e inquietaes femininas. Argumento tambm como o melodrama hollywoodiano pode (veja meu livro Motherhood and Representation - Maternidade e Representao, de 1992), em algumas de suas formas, expressar os sofrimentos, conflitos e opresses femininas em funo do patriarcalismo, mas que ainda em sua grande maioria os gneros de Hollywood ainda focalizam o que concerne aos homens, desejos e fantasias masculinos. O conflito dentro da comunidade feminista nos anos 70 e 80 fez com que algumas feministas acreditassem que teorizar a mulher dentro do inconsciente masculino no nos ajudaria a sair da priso em que nos encontrvamos. Tambm parecia, s vezes, que as prprias mulheres estavam presas s armadilhas das idias masculinas sobre a mulher. Elas desejavam um enfoque maior nas alternativas para a mulher, na construo de novas subjetividades femininas, na militncia para conquistarem direitos sobre seus prprios corpos, direitos iguais no local de trabalho, etc. Agora mesmo esta tenso est diminuda. Importantes tericas, como Judith Butler, Teresa de Laurentis e Michele Wallace, confirmaram a importncia das teorias psicanalticas e a necessria reviso das idias freudianas e lacanianas a partir das perspectivas feministas. Gays, lsbicas, afro-americanas, hispnicas e asiticas-americanas feministas no so mais to contrrias abordagem psicanaltica, agora bastante diferenciadas de suas formulaes originais. Psicanalistas feministas tm contribudo para estas mudanas. Muitas de ns entendem agora a importncia de manter a psicanlise, por ser esta fundamental para entendermos a ns mesmos e ao funcionamento da sociedade. claro, outras abordagens so valiosas, como as histricas, sociolgicas, performticas, etnogrficas, biolgicas, mdicas, etc, mas no h mais tanta animosidade, especificamente, contra a psicanlise. Fato que me deixa, realmente, muito feliz.4- Em Women in Film Noir (Mulheres no Filme Noir), publicado em 1978, voc indaga se a imagem da mulher no filme noir no era produzida justamente para ser vista como forma de dar e impor um prazer e uma identificao masculina. Apesar da contribuio que essa teoria nos deu, este ponto de vista monoltico no existe mais, sabemos hoje j que o espectador pode projetar seus desejos em gneros, espaos e tempos diversos. Temos

tambm outras formas de fazer filmes. Como voc analisa a funo feminina, de forma geral, nos filmes independentes, especialmente nos filmes americanos independentes, e nos filmes que abordam aspectos gays?

Sua questo sobre a mulher no filme noir oportuna, porque minha nova, revisada e ampliada edio foi publicada pelo British Film Institute, em Londres! Agora vou alm desse debate na nova introduo e defendo, no apenas por uma leitura contra a corrente, na qual espectadores femininos possam recuperar o que esteja talvez mencionado como uma imagem opressiva feminina, mas tambm pela possibilidade de que o espectador feminino possa se identificar com muitas personagens em qualquer narrativa flmica. Continuo achando que, usualmente, h uma hierarquia de discursos nos filmes comerciais, o que faz (pelo menos at recentemente) com que o discurso do homem seja mais valorizado do que o feminino. Isto est mudando agora, particularmente, por causa do progresso dentro da cultura que os estudos da mulher esto realizando. Voc mencionou perspectivas gays e lsbicas: claro, elas esto tendo uma enorme importncia em desestabilizar a viso monoltica heterossexual (sempre, inevitavelmente, dominada pelo homem). Mulheres ou homens juntos mudam (ou podem mudar) construes de gneros dominantes, que prevalecem. Imagens de gays rompem com o status quo da sexualidade. Ento, filmes independentes dos anos 70 e 80 foram muito importantes para trazer tona algumas idias alternativas sobre sexualidades. Enquanto isso, algumas mulheres realizadoras de filmes, que discuto em meu livro _ Shirley McLaughlin, Ariel Dougherty, Barbara Hammer, Michelle Parkinson e muitas outras _, estavam fazendo filmes sobre a unio de mulheres, que a sociedade no tinha de fato notado antes de certos filmes sobre homossexualismo masculino e fotografias (que emergiram um pouco depois), balanando as estruturas. Penso no poder de Tongues Untied (1989), de Marlon Riggs, no filme de Isaac Julien _ Looking for Langston (1989) _ e nas fotografias perturbadoras de Robert Mapplethorpe. Talvez porque a arte gay masculina fosse mais agressiva e enfocasse principalmente as figuras literrias (como no caso de Langston Hughes), ela acabou conseguindo mais respostas. Mesmo que negativos, debates puderam tomar lugar ao redor destes trabalhos. Desde ento, como voc sabe, foram feitos inmeros filmes em Hollywood sobre lsbicas e gays _ teve uma safra de filmes lsbicos seguindo os pioneiros Personal Best e Lianna, ambos de diretores homens. As mulheres vieram e embora muitos desses filmes, tais como The Incredible Adventures of Two Women in Love, possam ser criticados por comprometerem as sexualidades gays,

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eles deram oportunidade para que grandes massas de audincia se identificassem com personagens que eles sequer podiam imaginar antes ou que eram pensados de forma muito negativa. A AIDS, claro, teve um grande impacto ao trazer luz discusses, tanto em filmes quanto na sociedade, sobre a sexualidade gay. Alguns destes filmes independentes so verdadeiros reparos artsticos. O maravilhoso filme de Yvonne Rainer sobre um relacionamento lsbico posto prova pelo cncer de uma das amantes extremamente vigoroso na representao de uma intensa relao mulher-mulher.5- Voc escreveu algumas interpretaes sobre o mito Madonna, Camile Paglia tambm. Recentemente, ela publicou um livro sobre as vises de Hitchcock em Os Pssaros para a coleo clssica do British Film Institute. Voc j leu este livro? Se j, o que achou dele? Voc concorda com ela?

Estou com medo, eu no li o volume de Paglia sobre Hitchcock. De forma geral, eu acho Paglia muito polmica e extremada em suas opinies para o meu gosto. Prefiro um pouco mais de nuance, um cuidado maior na abordagem destes temas altamente complexos.2146- Voc tem visto filmes brasileiros? Em Central do Brasil, de Walter Salles, ns temos uma mulher que descobre sua sexualidade atravs da relao com um garoto pequeno, que reproduz uma relao de me e filho. Apesar de ser um filme contemporneo, ele reproduz a clssica funo da me. Este fato ainda comum hoje em dia?

Desculpe, ainda no vi Central do Brasil. Espero v-lo. A questo da me tanto nos filmes, como na sociedade americana, foi discutida por mim em extenso em Motherhood and Representation (1992 / Routledge). Tracei a mudana de concepo da mulher na literatura, no cinema e na psicanlise desde 1830 at os dias atuais, dentro dos limites dos EUA, e apenas na cultura de classe mdia branca. Meu livro comea observando como questes entre mes e filhas esto sendo encaradas pelos diretores independentes. Feministas esto ficando muito divididas em consideraes e teorizaes sobre a me e levando em considerao estratgias polticas. Este um tema complexo. Agora mesmo, parece que a ansiedade dos anos 80 sobre a maternidade aflorou para a convencional funo da mulher de me/esposa, dando a impresso de que houve um pequeno afrouxamento. Lsbicas esto tendo seus bebs; novas tecnologias reprodutivas esto desestabilizando velhas idias sobre nascimentos e a famlia nuclear; e a maioria das mes trabalha agora, no

importando de que classe so. Temas de classe continuam sendo muito importantes, mas no esto sempre expostos nos filmes. Documentrios sobre bem estar e os sem teto revelam uma necessidade de ateno maior com as mes pobres e sem lar. Mas as antigas categorias rgidas sobre a figura da me mudaram dramaticamente, recentemente. Existe, claro, ansiedades em algumas partes a respeito do chamado declnio da famlia e pior a respeito de como as crianas vo poder ter a alimentao que necessitam agora que a maioria das mes est trabalhando. Mas no tenho visto filmes comerciais apresentando problemas como estes como fizeram com freqncia nos anos 80, comeando com Kramer X Kramer (1979). Existem muitos shows de TV sobre pais solteiros e filhos. Homens em filmes, geralmente, so vistos cuidando de crianas sem que isso seja o principal assunto do filme. Pais solteiros e pais divorciados cuidando de crianas nas frias agora so comuns na sociedade e nos filmes. Filmes como Waiting to Exhale (Falando de Amor - 1995), lidam com mulheres afro-americanas de classe mdia e algumas delas so mes, so interessantes. O filme de Toni Morrison _ Beloved (1983)_ produz uma poderosa imagem da me dentro do contexto escravocrata americano passado. Filmes como Eves Bayou (Amores Dividos, de Kasi Lemmons - 1997) provam o poder da me e de outras imagens femininas a partir do ponto de vista das crianas. 7- Ser que voc pode comentar outro filme brasileiro de acordo com suas teorias? Susana Amaral, por exemplo, realizou em A Hora de Estrela um sensvel e maravilhoso retrato de uma desajeitada mulher jovem de baixa escolaridade a partir do ponto de vista desta personagem. Eu sempre lembro desse filme em minhas aulas. Macabea se assemelha um pouco herona de La Strada (A Estrada da Vida - 1954), de Fellini, na sua dificuldade de articulao e emocionalidade intensa. Como Cabria, Macabea anseia por amor, beleza, fama, mas acima de tudo deseja significar algo para algum. O estilo cinematogrfico perfeito molda o tema. uma bela tentativa de se colocar dentro de uma questo feminina, para ver como ela v, ao invs de ver como a mulher vista de fora. Seja por um olhar masculino que sabe tudo ou atravs dos olhos da classe alta. Erndira, de Ruy Guerra, de 1982, foi muito comentado e volta minha mente como um trabalho extraordinrio de arte. Era uma co-produo, com argumento de Gabriel Garcia Marquez. Isto me lembra os timos retratos de mulheres produzidos por Lorca. A forte tirnica av, interpretada por Irene Pappas,

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funciona como um arqutipo feminino, sempre figuras do imaginrio do homem, mas que tm equivalentes sociolgicos em certas funes sociais delimitadas _ sempre donas de bordis ou mulheres que tiveram m sorte em cuidar de si prprias. Isto so sobras de cada paradigma. Eu no estou dizendo que isto real para a herona de Guerra, que um figura complexa, mas que ao mesmo tempo isto emblemtico da situao ardilosa atual da Amrica Latina. Erndira talvez seja a mais interessante figura do ponto de vista feminino _ como uma vtima enigmtica que tem pouca noo de sua explorao. No estilo real mgico de Gabriel Garcia Marquez, o filme evoca mais do que realmente diz. Eu sei que h muitos curta-metragens, vdeos e produes para a tev sendo feitas por mulheres em escolas de cinemas de So Paulo. Mas, infelizmente, no tive a chance de assisti-los.8- Qual diretor de cinema, hoje, que em sua opinio, vem apresentando a melhor abordagem da funo feminina e por qu?

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Esta uma questo difcil. Muitas imagens femininas conflitantes e diferentes esto sendo desenvolvidas agora tanto no cinema independente, quanto no comercial. H uma figura afroamericana feminina muito forte no filme Slam (1998), de Marc Levin. Tambm gosto de Thelma and Louise (Thelma e Louise, de Ridley Scott- 1991), Boys on the side (Somente Elas, de Herbert Ross 1995), Fried Green Tomates (Tomates Verdes Fritos, de John Avnet1991), Driving Miss Daisy (Conduzindo Miss Daisy, de Bruce Beresford- 1989), The Governess (de Sandra Goldbacher 1997) e Artemesia, sobre uma mulher artista do sculo XVII. Lembro da diretora holandesa de A Question of Silence (1984), em Antonias Line (A excntrica famlia de Antnia, de Marleen Gorris - 1995), e em Diane Kurys, na Frana, produzindo poderosas imagens de mes lsbicas em Entre Nous (lanado em vdeo no Brasil, em 83). A diretora britnica Sally Potter uma das minhas favoritas pelo retrato que faz de mulheres em Orlando (Orlando, a Mulher Imortal 1992) e mais recentemente em The Tango Lesson (1997). Eu discuto seu primeiro filme, em Women in Film (Mulheres no Cinema). No livro Riddles of the Sphinx, de Laura Mulvey, ela tambm vista como favorita. No meu livro, discuto o conflito entre me e filha asitica-americanas no curta-metragem de Pam Tom, Two Lies, em que a filha narra a histria e ganha a sua identidade conforme o filme se desenvolve.