A mulher vai ao cinema

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A mulher vai ao cinema Inês Assunção de Castro Teixeira José de Sousa Miguel Lopes [organizadores]

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Page 1: A mulher vai ao cinema

• Rosa Luxemburgo

• Frida

• Eternamente Pagu

• A história oficial

• Uma cidade sem passado

• Lanternas vermelhas

• Gabbeth

• Tempo de espera

• Sofie

• A excêntrica família de Antônia

• Anahy de las misiones

• Hannah e suas irmãs

• As horas

• Fale com ela

• Persona

ISBN 978-85-7526-164-4

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www.autenticaeditora.com.br0800 2831322

É o caso de alterar o títulodaquele filme de Domingos de Oli-veira, de 1967. Todas as Mulheresdo Mundo. No livro que se vai ler,temos um registro parcial de que, naverdade, há que se falar em “todosos mundos das mulheres”, que elassão várias e criam mundos vastos ediversos: de Rosa, a vermelha, à Vir-gínia, a que tem a cor do tempo; da“maternidade socializada” das mãesda Praça de Maio ao corpo enciclo-pédico de Frida...

A mulher no cinema, a imagemda mulher transformada em luz emovimento amplifica nossa percep-ção do mundo. Nunca o sublime ea paixão, a dor e o sofrimento se fize-ram tão vivos quanto nas mulheresque o cinema eternizou – noirremediável do destino injusto quese vê no rosto de Falconetti, nofilme de Carl Dreyer, O Martírio deJoana D´Arc, de 1928; no desesperoabissal daquela mãe que grita a dorirreparável da morte de seu filho emCouraçado Potenkin, de Einsenstein,de 1925; no absoluto da paixão, quepreenche a tela e o mundo, que sedesprende do rosto inigualável deLouise Brooks, em Lulu, Pabst, de1928. Mas não só de desespero edor é feita a imagem da mulher nocinema, pois se há o trágico e olunar, o cinema também surpreen-deu a mulher como promessa defelicidade.

Lady Macbeth, de Shakespeare,e A Mãe, de Gorki, não são os ex-tremos de uma escala moral; sãoapenas mulheres que fizeram esco-lhas, como Ana Karênina e SantaTeresa de Ávila também o fizeram,escolhas que, mesmo que bordejando

os extremos, estão longe de esgotartudo o que o ser humano é capaz,que ainda falta à humanidade, plena-mente, tanto a liberdade quanto asolidariedade, a alegria e o prazer.As mulheres parecem mais capazesde entender e viver isso.

A mulher vai ao cinema, e entãoo mundo revela-se na rebeldia e naprimavera, mas também no cotidia-no miúdo e calado, que tambémeles estão presentes no profuso dascores da trama de que somos feitos.Há mesmo que reconhecer em nós,no mundo, o insondável, aquelesabismos impenetráveis que as “per-sonas” criadas por Ingmar Bergmanfazem vislumbrar em sua angústia edilaceramento. A todos esses senti-mentos, a todos esses mundos amulher no cinema suscita, inventa,sublinha, fazendo do corpo, da fala,da imagem feminina a linguagem dodecisivo do projeto humano.

A mulher vai ao cinema, e o ci-nema se realiza como inventário dossentimentos humanos surpreendidosna gama de suas diversas co-lorações. Mas o cinema não é só oregistro dos sentimentos, sendo tam-bém expressão da cultura, instru-mento pedagógico e político, me-mória e projeto. No livro que se vailer, estão materializadas algumas daspossibilidades que o cinema abrepara a reflexão sobre questões deci-sivas do nosso tempo. A mulher vaiao cinema é um testemunho tantoda riqueza do cinema como veículoque solicita a mobilização da cons-ciência crítica quanto da vitalidadede nossa vida intelectual malgré tout.

JJooããoo AAnnttoonniioo ddee PPaauullaa

A mulher vai

ao cinema

Inês Assunção de Castro TeixeiraJosé de Sousa Miguel Lopes

[organizadores]

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Filmes discutidos nesta publicação

Imagem da capa: “Mulheres de todo o mundo participaram ontem em milhares de atos para denunciar a violência doméstica, no Dia Internacional contra a Violência de Gênero.(...) Em Santiago de Compostela, como se vê na foto, voluntários cobriram a Plaza

del Obradoiro com 8.000 metros de telas tecidas por mulheres”. (Jornal 20 MINUTOS, Barcelona, Espanha, 26 de novembro de 2004, página 01.

Foto de Miguel Vidal/Reuters)

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Organizadores

Inês Assunção de Castro Teixeira

José de Sousa Miguel Lopes

2a edição

A MULHER VAI AO CINEMA

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COPYRIGHT © 2008 BY OS AUTORES

CAPA

Victor Bittow (Sobre foto de Miguel Vidal/Reuters. Jornal 20 MINUTOS,Barcelona, Espanha, 26 de novembro de 2004, página 01)

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Waldênia Alvarenga Santos Ataíde

REVISÃO

Rosemara Dias dos Santos

Teixeira, Inês Assunção de Castro

A mulher vai ao cinema / organizado por Inês Assunção de CastroTeixeira e José de Sousa Miguel Lopes . — 2. ed. — Belo Horizonte: Autên-tica, 2008.

296 p.

ISBN 978-85-7526-164-4

1.Mulheres no cinema. I.Lopes, José de Sousa Miguel. II.Título.

CDU 791.43-055.2

T266m

Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria - CRB6-1006

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte destapublicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos,seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da editora.

BELO HORIZONTERua Aimorés, 981, 8º andar. Funcionários30140-071. Belo Horizonte. MGTel: (55 31) 3222 68 19TELEVENDAS: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.bre-mail: [email protected]

AUTÊNTICA EDITORA

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Este livro é dedicado a todas as mulheres, do pas-sado e do presente, que, vivendo em precárias condi-ções sociais, nunca puderam estar em uma sala decinema e nela conhecer a arte cinematográfica. É dedi-cado, ainda, a todas as mulheres que estão nas telas edemais atividades direta e indiretamente envolvidas nacriação, produção, distribuição e exibição dessa arte.Às mulheres que fazem desses ofícios um palco de lu-tas pela justiça, pela liberdade e pela dignidade entreos povos dedicamos este trabalho.

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

PREFÁCIO......................................................................................

Eliane Marta Teixeira Lopes

APRESENTAÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO..............................................

Inês Assunção de Castro Teixeira, José de Sousa Miguel Lopes

APRESENTAÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO................................................

Inês Assunção de Castro Teixeira, José de Sousa Miguel Lopes

PRIMEIRA PARTE

O feminino em estado de rebelião e primavera...............................

Rosa Luxemburgo: o filme – Entre o corvo e o búfalo..........................

Vera Casa Nova, Andréa Casa Nova Maia

Frida Kahlo: um corpo que fala...........................................................

Virgínia Maria Trindade Valadares, Ana Paula Rocha, Keylla Kerche

Eternamente Pagu...............................................................................

Inês Assunção de Castro Teixeira, Maria Isabel Antunes Rocha

A história oficial: as mulheres e seus excessos...................................

Cynthia Greive Veiga

Políticas femininas e arquivos da memória......................................

Maria Antonieta Pereira

Lanternas vermelhas – antinomias da luz: prestígio, dominaçãoe relações de gênero.......................................................................

Cláudia Vianna, Maria da Graça Setton

SEGUNDA PARTE

O feminino na profusão das cores do tapete....................................

O tapete plano do tempo................................................................

Ana Maria Cavaliere

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Tempo de espera..............................................................................

Zeila de Brito Fabri Demartini, Elen Cristina Souza Doppenschmitt

Entre o sonho e a realidade, a trajetória de Sofie................................

Isabel Lelis, Vera de Paula

A vida em Antonia...........................................................................

Carmem Lúcia Eiterer

Anahy: mulher e mãe de guerra e de paz.........................................

Maura Corcini Lopes, Eli Henn Fabris

Universo feminino e relações de gênero em Hannah e suas irmãs....Afrânio Mendes Catani, Renato de Sousa Porto Gilioli

As horas..........................................................................................Luiz Augusto Passos e Michèle Sato

Sobre Fale com ela..........................................................................

Juan Antônio Montiel

O que há por detrás dessa Persona?.................................................

Amaury Cesar Moraes

TERCEIRA PARTE

Indicações e Referências..................................................................

Ficha técnica, sinopse, dados biográficos e filmografiado diretor.....................................................................................

Festivais de cinema de realizadoras/cinema de mulheres...............

Algumas indicações de centros de documentação, estudos epesquisas sobre mulher/gênero/feminino/femininos.........................

Algumas indicações de grupos, entidades, fóruns e redesde gênero e mulheres – Brasil e América Latina..............................

Sites de entidades, redes, fóruns sobre mulher,gênero e feminino...........................................................................

Indicações bibliográficas básicas – mulher/gênero/diferençade sexo/feminino.............................................................................

OS AUTORES.................................................................................

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PrefácioPrefácioPrefácioPrefácioPrefácio

O desafio que propõe este livro, bem como outros trabalhos queproduziram seus organizadores e diversos autores, é o de pensar o cine-ma como uma expressão da cultura, mas também como uma forma deeducação. A construção da cultura implica homens, mulheres, meninose meninas de diferentes classes sociais e idades, que a construirão damaneira como foram construídos – mas não da mesma maneira. Nacultura, nada tem mão única e nada é imune à resistência. O cinematanto recebe quanto oferece imagens, idéias, figuras, modelos de ordeme de rebeldia. Qual o papel que o cinema tem, e como isso pode ter umviés especial do ponto de vista do exercício da educação? Qual o papelque o cinema tem, e como isso pode ter um viés especial do ponto devista da mulher que nele é mostrada?

O cinema, produção da cultura, desse negócio de homens e mulhe-res, não apenas conta histórias, mas também tem história – e não apenasuma. Expandido por todo o mundo, em cada país onde foi e é produzi-do, há a feição dele, isto é, de sua cultura, de seu povo. Vamos falar umpouco da história dos primórdios do cinema.

Filmes e figuras em movimento1 foram desenvolvidos cientifica-mente muito antes de suas possibilidades artísticas ou comerciais serem

1 A palavra cinema tem em sua etimologia a origem grega Kinein e a latina ciere citus,ambas palavras relativas a movimento, colocar em movimento.

Vá ao cinema!

Eliane Marta Teixeira Lopes

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desenvolvidas e exploradas2 . Em 1824, um inglês publicou um artigo noqual anunciava que o olho humano retinha a imagem por uma fraçãode segundo além do momento em que ela estava presente. Isto levoumuitos cientistas a inventarem variadas maneiras de demonstrar esse prin-cípio. Um deles foi Thomas Alva Edison, que patenteou o Kinetoscopeem 1891. Na Europa, em 1895, os irmãos Lumière, Louis e Augusteintroduziram o cinematógrafo, combinando impressor, câmera e proje-tor. A partir daí, produziram vários filmes curtos sobre situações de rua esituações de portas de fábrica; o mais famoso deles, o de um trem que,entrando em uma estação, causou pânico na platéia. Era como se esti-vesse, ao vivo, atropelando a todos.

Em 1896, o francês Georges Méliès3, adepto das magias e da fantasiateatrais, depois de assistir ao filme dos irmãos Lumière, provou que ofilme podia interpretar a vida muito bem e fez uma série de filmes queexploravam o potencial de narrativa do novo meio. Em 1899, ele filmouCinderela em 20 cenas. Essa talvez tenha sido a primeira abordagem dofeminino no cinema. Cinderela, boa e doce, serve de empregada a suamalvada madrasta e suas filhas. Ajudada por sua madrinha, a fada boa, elavai aparecer esplêndida e misteriosa no baile do príncipe. Seduzido porela, ele a reencontrará, depois de tê-la perdido, graças ao sapatinho decristal perdido na escada depois de sua fuga alucinada à meia noite. Exis-tirão não menos que 345 versões do conto Cinderela. A mais antiga é umahistória chinesa que foi deixada por escrito no século IX antes de Cristo.Depois dela é que vem a mais conhecida por nós ocidentais, a de CharlesPerrault, escrita em 1697. No conto, o que torna interessante essa históriasimples e comovente são suas características de rapidez, o anonimato des-provido de realismo físico dos personagens que permite uma imediataidentificação do leitor/a e sua leveza. Mesmo sabendo que Cinderela é“cem vezes mais bela que suas irmãs” e sua madrasta, “a mais altiva e amais orgulhosa que jamais se viu”, no conto não se conhecem suas quali-dades físicas. Todos qualificativos empregados pelo autor para descrevê-la

2 Esses dados foram extraídos, entre outras fontes, de “Motion Pictures, History of,” Microsoft®Encarta® 96 Encyclopedia. © 1993-1995 Microsoft Corporation. All rights reserved. ©Funk & Wagnalls Corporation. All rights reserved.

3 http://www.alphacentauri.be/Friends/Melies/Index.htm. Confira também: DUARTE, Rosália.Cinema e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 26.

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são de natureza moral e psicológica. Só em 1949, com o filme de WaltDisney, é que vamos acrescentar a esses adjetivos o loura, com traçosdelicados, pequena e, naturalmente, branca.4

O estilo documentarista dos irmãos Lumière e as fantasias teatrais deMéliès foram fundidos na ficção realista do inventor americano EdwinPorter, que é freqüentemente chamado de “o pai do filme de história”.Trabalhando no estudo de Edison, Porter fez o primeiro filme O grandeassalto do trem, em 1903, que fez grande sucesso marcando aí o início docinema como arte popular e indústria. Rapidamente vai deixando de serapenas diversão e se transformando em máquina de fazer dinheiro e ex-pandindo-se para diferentes partes do mundo. Iniciava-se também a erado cinema mudo, que começava a ser uma indústria. Nos filmes mudos,para que não existissem dúvidas, legendas e rótulos eram inseridos entreas cenas explicando a ação ou os diálogos. Dentro das salas de exibição,um pianista, ou um violinista, acompanhava com o ritmo e a melodia opróprio suceder da trama. As barracas do início do cinema se transforma-vam em salas elegantes e espaçosas que as classes mais altas da sociedadecomeçaram a freqüentar. Ir ao cinema começou a ser um programa.

Mas sendo um negócio rendoso, gerou, além de lucros, brigas poreles. Essa fase (1897-1907) foi conhecida como a guerra das patentes en-tre Edison e os outros e incluiu inúmeros processos, fechamento de salas econfiscação de aparelhos. Para fugir das perseguições jurídicas de Edison,os produtores independentes resolvem ir para outro lado do país, a Cali-fórnia. Ali, distante do centro econômico do país, surge Hollywood e osprimeiros grandes estúdios. Em 1912, Mack Sennett, o maior produtor decomédias do cinema mudo, que descobriu Charles Chaplin e Buster Kea-ton, instala a sua Keystone Company. No mesmo ano, surge a FamousPlayers (futura Paramount) e, em 1915, a Fox Films Corporation. Paraenfrentar os altos salários e custos de produção, exibidores e distribuido-res reúnem-se em conglomerados autônomos, como a United Artists, fun-dada em 1919. A todo-poderosa, 20th Century Fox, só vai surgir em 1935.

A década de 20 consolida a indústria cinematográfica americana eos grandes gêneros – western, policial, musical e, principalmente, a co-média –, todos ligados diretamente ao estrelismo.5 Esse star system é um

4 http://expositions.bnf.fr/contes/grand/162.htm.5 http://www.conhecimentosgerais.com.br/cinema/ascensao-de-hollywood.html.

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sistema de fabricação de estrelas que encantam as platéias. Mary Pick-ford, a “noivinha da América”, Theda Bara, a espiã misteriosa com olhei-ras que farão moda, Tom Mix, Douglas Fairbanks e Rodolfo Valentinosão alguns dos nomes mais expressivos. Com o êxito alcançado, os fil-mes passam dos 20 minutos iniciais a, pelo menos, 90 minutos de proje-ção. O ídolo é chamado a encarnar papéis fixos e repetir atuações que otenham consagrado.

Mas eis que, em 06 de outubro de 1927, algo maravilhoso acontece:o cinema começa a falar!!! A Fox produz curtas e seu primeiro filme deatualidades utilizando o sistema Movietone, que grava o som diretamentena película; Aurora, de Murnau, é lançado apenas com música; O cantorde jazz usa o Vitaphone (sistema de sonorização em discos) para realizarcenas musicais sincronizadas. Em 1928, é apresentado o Mickey de WaltDisney e introduz-se o som sincronizado em desenhos animados. O somdas vozes vai provocar ascensão e queda de vários atores e atrizes; citoapenas Louise Brooks e lembro que a mais bela, Greta Garbo, teve suaatuação e reputação seriamente abaladas. O star system faz com que ato-res e atrizes se convertam em mito6 e já não podem mais contar apenascom a imagem. E surgem, para consolidar os mitos, as revistas especializa-das em pequenos flashes e grandes escândalos da vida cotidiana de atorese atrizes; e a vida privada de cada um passa a ser levada a todos, consumi-da e copiada vorazmente. “Todos querem ser Cary Grant, até eu quero serCary Grant”. E surgem as modas copiadas de atores grandes ou pequenos.Copiadas de menina que fazia um sucesso espetacular, comovendo adul-tos e crianças, as bonecas Shirley Temple fizeram grande sucesso, assimcomo o tipo de sapato, os vestidos e o penteado que ela usava. As criançasdeveriam ser bonitas, inteligentes, espertas, comoventes, elegantes tal comoela. Era chique e revelava contemporaneidade estar entrosado com o queatrizes e atores vestiam. Não menos furor fizeram os modelos de bigodede Douglas Fairbanks ou de Rodolfo Valentino e suas maneiras de amar efazer amor (apenas presumidas).

Já é lugar comum podermos dizer que o cinema educa. E não achoapropriado dizermos que, às vezes, deseduca, já que é sempre educação,

6 Assisti recentemente na TV a um filme interpretado por Charles Bronson e Jill Ireland, emque fica muito clara a origem, o nascimento do mito e a impossibilidade (ou dificuldade) dedestruí-lo: From noon till three (em português: O Grande Assalto).

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mesmo que não se concorde com seus objetivos, métodos ou resultadofinal. E educa talvez de forma mais definitiva, pois apela para emoção, paraa fantasia.7 A imagem é um poderoso veículo de impressão. Nas sociedadespós-modernas, que são essas nas quais convivemos, a imagem se impôsno lugar do objeto. O imaginário dessas sociedades passou a adquirircaracterísticas próprias, alcançando tal intensidade que se passa a visarrecriar a realidade, transformando-a em uma outra realidade – a realida-de virtual. Livre de angústia e de esforço, a imagem oferece a apreensãoinstantânea. Nessa cultura imediatista, o adiamento da satisfação torna-seinsuportável assim como qualquer idéia de trajeto, necessária à constru-ção de um projeto que implique retorno a longo prazo. Busca-se o prazeraqui e agora, e o conhecimento deve ser apreendido de forma rápida,panorâmica e globalizante. A imagem se torna, portanto, uma forma detransmissão de conhecimento que pode se adequar a essa demanda derapidez e “imediatez” com todas as conseqüências que tem.8

O cinema, imagem e(m) movimento, passou a ser, em várias socie-dades, incluindo a brasileira, e desde as primeiras décadas do séculoXX, uma das formas culturais mais significativas. Em pouco tempo, ocinema transformou-se numa instância formativa poderosa, provocan-do novas práticas e novos ritos urbanos com representações de gênero,sexuais, étnicas e de classe reiteradas, legitimadas ou marginalizadas. Ocinema e a TV elegem e indicam o que é e deve ser qualificado e o que,ao contrário, deve ser desqualificado.

Nas últimas décadas, outras leituras, além das técnicas e incluindo aperspectiva feminista, vêm sendo propostas. É graças a essas análises, aum certo ponto de vista, que hoje é possível assistir aos filmes com me-nos ingenuidade do que há alguns anos. Além disso, novos temas, comoo da Aids, que vem associado ao homossexualismo e ao uso de drogas ea sua aceitação ou não, passam a freqüentar as grandes e as pequenastelas. Um outro tema que não se esconde mais atrás de disfarçadas for-mas de expressão é o racismo e as mais cruentas formas de discrimina-ção e suas manifestações de opressão, libertação e resistência.

7 Daqui em frente me apoiarei largamente no texto de Guacira Lopes Louro O cinema comopedagogia. In: 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000.

8 Cf: LIMA, Nádia La Guardia de. Sedução e alienação no ciberespaço. Dissertação deMestrado. FaE/UFMG, 2002.

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As transformações sociais que marcaram os anos 60, especialmenteno terreno das relações de gênero, também se revelam no cinema. Semser um grande filme, Ardida como pimenta (1953), mistura de faroestecom comédia romântica, estrelado por Doris Day no papel de CalamityJane, é muito expressivo para se perceber esse início de um, digamos,movimento de liberação da mulher. A mulher (e sabemos bem a imagemde boa moça que tem Doris Day) luta pelo que deseja, pelo que é seu – aterra e as formas de ocupá-la, assunto sempre de homens – vestida dehomem e agindo como um homem agiria; ao fim do filme, quando en-contra um amor em um homem, ela queima todos esses signos de mascu-linidade, que são também os de uma vida livre e destemida, e se veste demulher e assume o papel que uma mulher deve ter. Era preciso esperarpelos tempos em que a mulher não queimaria suas formas de expressão.

A partir dessa época, mulheres independentes passam a ser apresenta-das de forma positiva em alguns filmes: mulheres que vivem por sua pró-pria conta, que sustentam sozinhas seus filhos e que, eventualmente, podemexpressar sua sexualidade. Chegam mesmo a um papel ativo e nada con-vencional ou estereotipado nas conquistas e nos jogos de sedução. For-mas de sexualidade antes proibidas, para homens e mulheres, tambémsão agora encenadas: personagens gays e lésbicas não apenas se tornamvisíveis como também são, algumas vezes, centrais nas tramas. Apesardisso, ainda são freqüentes os desfechos trágicos para aqueles e aquelasque vivem fora do padrão heterossexual, mesmo que, eventualmente, al-guns desses personagens sejam protagonizados por artistas consagrados.Os jogos de travestismo e transexualidade também aparecem, e mais emcomédias, como em Quanto mais quente melhor (1959), Vitor e Vitória(1982) ou Tootsie (1982); nesses casos, as fronteiras de gênero são atraves-sadas apenas de brincadeira ou transitoriamente. Mas podem ser conside-radas brincadeiras sérias (Priscila, a rainha do deserto – 1994).

Até os anos 70, a preservação da idéia de que a virgindade femininaé intocável mantém-se como uma questão central. Ela se constituía napedra de toque que permitia distinguir as moças bem-comportadas da-quelas que haviam se perdido. Era fundamental, portanto, não apenasser virgem até o casamento mas, principalmente, aparentar ser virgem.Terríveis conseqüências adviriam para aquelas que afrouxassem o au-tocontrole. Ao mesmo tempo em que acentuavam o caráter sexual “na-turalmente” ativo dos homens, os vários discursos em circulação

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tornavam-se escorregadios quando tratavam da sexualidade das mulhe-res. A ambigüidade em relação à sexualidade feminina sugeria que essasexualidade poderia explodir, repentinamente, caso não fosse cuidadosa-mente vigiada, controlada, governada. Cabia às boas moças exercer ocontrole não apenas sobre si mesmas mas também sobre a impetuosidadede seus namorados e noivos. O sexo legitimado era, certamente, o sexoconjugal, sancionado pelas leis civis e pela igreja. No entanto, até mesmono contexto do casamento, a maioria dos filmes populares, romances,comédias e musicais, bem como os filmes e seriados da televisão (quepassavam a ser divulgados no Brasil), evitavam apresentar situações quesugerissem relações sexuais. Camas de solteiro, separadas por mesinhas decabeceira com delicados abajures, constituíam-se no mobiliário tradicio-nal dos quartos de casais, e beijos, quando mais calorosos, eram gradual-mente esmaecidos, com o discreto passear da câmera sugerindo que aação amorosa continuava. Fora do casamento, a sexualidade era, quasesempre, representada como perigosa, proibida, vergonhosa ou subversi-va, usualmente sujeita à punição ou à condenação. Os anos noventatrouxeram o adultério sem-censura e o debate sobre ele. O adultério podeser cor-de-rosa (Amor à primeira vista; Ponte de Madison) sem ferir oscônjuges, mesmo que implique uma terrível e dolorosa renúncia dosamantes, ou pode ser devastador e mortal (Atração fatal).

Os filmes de faroeste criaram o herói branco que, geralmente sozi-nho, salva a cidade, a sociedade, a mocinha, os valores tradicionais,ataca os vilões, em geral índios ou negros etc. Um tipo particular demasculinidade ganha legitimidade e universalidade através desses fil-mes: mocinhos são fortes, corajosos, duros; freqüentemente solitários esilenciosos; são também decididos e capazes de liderar; e, na maioriados western clássicos, são decentes e bons. Por outro lado, uma mascu-linidade mais dura e violenta passa a ser exaltada, especialmente a partirdos anos 80. Surgem os “exterminadores” e “robocops”, os “rambos” etantos outros “duros de matar”. São heróis, de algum modo, sobre-hu-manos que lutam sozinhos contra uma sociedade crescentemente dete-riorada. Os corpos desses novos heróis exalam uma hipermasculinidade,marcada pelos músculos esculpidos nos exercícios e nas lutas, ou pro-duzida por incríveis combinações humano-tecnológicas, em que o cor-po-máquina potencializa as habilidades e poderes do homem. A formaçãode “homens de verdade” contou sempre com esses aliados. A televisão

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popularizou esses tipos, transformando-os mesmo em super-heróis prontosa estar ao lado de cada criança e cada jovem a qualquer hora do dia,fazendo-os julgarem, algumas vezes, ser eles mesmos os super-heróis.

Os filmes dos anos 80 e 90 tornam visíveis, também, outras formasde masculinidade e de feminilidade. As possibilidades de trajetórias e dedestinos são apresentadas menos dicotomizadas, mais plurais e comple-xificadas. Os limites estão borrados, o que, pelo menos em princípio,exige para as imagens muito mais palavras, já se podendo deduzir daíum papel importante da educação, seja na escola, em casa ou em outrolugar. Para que a imagem não ocupe tudo, é preciso ceder lugar cadavez maior à palavra, pois é ela que sempre dá a dimensão limitada eincompleta do ser humano.

Além disso, o advento das redes de televisão a cabo trouxe a possibi-lidade das pessoas confrontarem documentários com filmes, pois são osdocumentários que revelam, mostram o que, muitas vezes, os filmes nãotêm condição (ou não querem) de mostrar e dizer, pois exploram aspectossociais, culturais e humanos antes restritos a especialistas. Quando a pos-sibilidade de confronto é maior, a inteligência das coisas também o é.

Nada disso quer dizer que as pedagogias culturais dominantes te-nham deixado de reafirmar a óptica branca, masculina, heterossexual eocidental; mas temos que reconhecer que uma política de identidade estáem curso. Grupos historicamente subordinados (não apenas do ponto devista de gênero e sexualidade mas também de raça, etnia, classe) buscam,crescentemente, afirmar seus valores, suas escolhas, sua estética; lutampela possibilidade de representar a si mesmos e, para isso, ocupam todosos espaços e instâncias possíveis, entre esses, obviamente, o cinema. Hojeé possível ver, nas salas de cinema, ao lado de filmes americanos – aindacom ampla dominação no mercado9 –, filmes europeus, coreanos, india-nos, sul-americanos e outros. Tudo isso permite que a leitura de um filmepossa ser interpretada pelo que se assistiu de outro.

Os leitores deste livro devem saber que os autores dos diversos arti-gos são, antes de serem doutores ou professores, amantes do cinema. Éamar o cinema, aquela sensação que dá a sala escura, a tela grande(com ou sem pipoca), que permite a leitura e a interpretação de um

9 A França comemorou, este ano, a volta do grande público ao cinema francês.

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filme. E aqui talvez se abra um segredo e um convite: para uma leiturade um filme, ou para se tornar um leitor ou leitora de um filme, o truqueé ir muito ao cinema, é assistir aos filmes indicados pelos amigos ou pelobonequinho que aplaude mas também se deixar guiar pela intuição deque “pode ser bom” ou “gosto desse artista” ou “gosto desse diretor”. Éclaro que existem filmes ruins, mas são ruins para quem? Há também osque são ditos muito bons, mas são bons para quem? Sempre é bom rela-tivizar e formar opinião, a sua opinião.

Assim, leia os artigos deste livro que traz o cinema, pegue o vídeoou o DVD do filme, mas... vá ao cinema e divirta-se!

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Quando ela mente não sei

Se deveras sente o que mente pra mim

Serei eu mais um personagem

Efêmero da sua trama

Quando vestida de preto

Dá-me um beijo seco

Prevejo o meu fim

Ela faz cinema, ela faz cinema

Ela é demais

Talvez nem me queira bem

Porém faz um bem que ninguém me faz.

(Chico Buarque de Hollanda)

Com grande alegria apresentamos aos leitores e às leitoras a segun-da edição de A mulher vai ao cinema. Como os demais números dacoleção Educação, Cultura e Cinema, este segundo número foi muitobem aceito no País.

Por certo que esta segunda edição poderia ser enriquecida comnovos filmes e colaborações, o que não foi nossa escolha. Além denão pretendermos adiar este novo lançamento, sabemos que semprehaverá grandes filmes que não seriam selecionados, visto os limites deum livro.

É inegável que de agosto de 2005, quando do lançamento da pri-meira edição de A mulher vai ao cinema, até hoje, belas obras fílmicas,cujo argumento central refere-se às mulheres e aos femininos, foram

A mulher vai ao cinemaA mulher vai ao cinemaA mulher vai ao cinemaA mulher vai ao cinemaA mulher vai ao cinemaApresentação à segunda edição

Inês Assunção de Castro Teixeira

José de Sousa Miguel Lopes

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realizadas. Se pensarmos na produção mais recente, por exemplo, tería-mos grandes novos trabalhos. No Brasil, entre muitos outros, podería-mos citar: Estamira (Marcos Prado, 2005); Casa de areia (AndruchaWaddington, 2005); Anjos do sol (Rudi Lagemann, 2006); Carreiras (Do-mingos de Oliveira, 2006); O céu de Suely (Karim Aïnouz, 2006); Jogode cena (Eduardo Coutinho, 2007). Na Argentina, para ficar com maisum país da América Latina, teríamos outros tantos como: Conversandocom mamãe (Santiago Carlos Oves, 2006); Elsa e Fred – um amor depaixão (Marcos Carnevale, 2005) e La niña santa (Lucrecia Martel, 2004).Na Colômbia temos Maria Cheia de Graça (Joshua Marston, 2004), en-tre outras importantes obras da cinematografia latinoamericana. Indo aoutras regiões e países como a Espanha, não poderiam faltar Volver (Pe-dro Almodóvar, 2006) e Te doy mis ojos (Icíar Bollain, 2003). Numaprodução canadense e espanhola, lembramos o filme Minha vida semmim (Isabel Corceix, 2003). Vindo de Espanha/Itália/EUA, destacam-seCem escovadas antes de dormir (Luca Guadagnino, 2005) e dos USA,As mulheres de verdade têm curvas (Patrícia Cardoso, 2002); estes doisúltimos, focalizando questões do universo de jovens mulheres, no con-junto de outras obras. Do Iran não se pode esquecer Às cinco da tarde(Samira Makhmalbaf, 2003) e O caminho de Kandahar (Mohsen Makh-malbaf, 2001), entre inúmeros. Passando ao continente africano, temosos belíssimos Zulu love letter (Radaman Suleman, África do Sul, 2004),Moolaadé (Ousmane Sembene, Senegal, 2004), Esperando a felicidade(Abderrahmane Sissako, Mauritânia, 2002), entre outras importantesobras dessas e outras regiões e países.

Tais fatos indicam que as mulheres continuam presentes e cada vezmais visíveis nas cenas da história e nas telas do cinema. Reinventam seupassado, no presente, e evocam devires históricos e cinematográficos, emluminosas figurações femininas. Sejam eles “os femininos em estado derebelião e primavera”, sejam eles “na profusão das cores do tapete”, ex-pressões de Maria Antonieta Pereira e de Ana Maria Cavalieri com asquais agrupamos os filmes discutidos nas duas partes desta coletânea.

Elas estão interpretando enredos e histórias nas telas. Talvez porisso Chico Buarque as tenha cantado com as palavras em epígrafe. Ecom outras em que diz: “com tantos filmes na minha mente, é naturalque toda atriz presentemente represente muito pra mim. Representepresentemente muito pra mim”.

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Nos trabalhos de produção, de distribuição e exibição dos filmes,seja nos primeiros planos, seja nos mais escondidos e distantes, as mu-lheres se revelam.

Elas estão cada vez mais presentes no cinema, também como dire-toras e roteiristas, como realizadoras. E isso é o mais importante, talcomo se observa em mostras de cinema de realizadoras femininas, aexemplo do Festival Internacional de Filmes de Mulheres de Créteil, naFrança, em sua trigésima edição. Realizado entre 14 e 23 de março de2008, nele foram exibidos 150 filmes de diretoras mulheres de todo omundo, incluindo películas de Taiwan, dos Estados Unidos, do Iran, daRússia, da França, da Índia e uma co-produção germano-turca. No Bra-sil, temos um outro exemplo, o Festival Internacional de Cinema Femi-nino (FEMINA), com sua primeira edição em 2004 e realizado anualmenteno Rio de Janeiro.

Mais vagarosamente, porque aí estão em menor número, visto queo trabalho e a produção de cinema é ainda um universo masculino, asmulheres foram ampliando seu lugar nessa arte: tomam as câmeras nasmãos, escrevem os textos, os roteiros, dirigem os atores, montam oscenários. São muito mais do que atrizes ou intérpretes: são autoras –realizadoras, diretoras, roteiristas – de variados tipos de criação cine-matográfica.

Observando o cinema da América Latina e do Caribe, para ficarcom o que nos é mais próximo e familiar, remonta aos primórdios desua história a presença de mulheres como intérpretes, diretoras, produ-toras, escritoras ou como roteiristas, embora em pequeno número quandorealizadoras, o que tem ampliado nos nossos dias. E assim sendo, asdiretoras de cinema dessa região, trouxeram às telas e aos enredos suasensibilidade, suas inquietações, suas preocupações, nelas refletindo vi-das e histórias de mulheres colocadas nas películas com talento e técni-ca. Ainda que para isso elas tenham de vencer inúmeras dificuldades,algumas das quais comuns aos diretores, homens, pois ambos, diretorase diretores de cinema na América Latina e no Caribe, têm de enfrentar osesquemas de produção, distribuição e exibição da produção hollywoodia-na, entre outros problemas.

Sobre os trabalhos das diretoras de cinema na América Latina eno Caribe, especificamente, Concha Irazabal (2002) salienta que mui-tas de suas obras cinematográficas revelam um cinema “marcado por

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compromisso político e social, carregado de frescura e atrevimento”.Muitas realizam seus trabalhos de forma independente, afastando-se dosclichês do cinema hollywoodiano, mesmo em se tratando de diretorasque estão fazendo cinema ou o fizeram na Europa ou nos Estados Uni-dos. Em alguns desses casos, por razões políticas, perseguidas em seuspaíses onde combatiam as ditaduras militares.

Apenas para ilustrar ou mesmo como uma homenagem, lembre-mos de algumas dessas realizadoras, começando pelas pioneiras: as ar-gentinas Emilia Saleny e Maria V. de Celestina, que desenvolveram seustrabalhos na época do cinema mudo; as brasileiras Cléo de Verberena eGilda de Abreu, esta nascida na França, porém brasileira por adoção, eas mexicanas Cândida Beltrán, Mimi Derba, Adela Sequeyro e MariaNavarro. Da Venezuela pode-se citar Margot Benacerraf, que dirigiuduas películas importantes na cinematografia latinoamericana, quaissejam, Reverón (1952) e Araya (1959). Na Argentina da atualidade,com alguns de seus filmes trazendo a temática da mulher à cena, des-taca-se Lucrecia Martel. E no Brasil, mais recentemente, aparecem Ti-zuka Yamasaki e Susana Amaral, ao lado de Eliane Caffe, Ana LuizaAzevedo, Daniela Thomas, Kátia Lund, entre várias outras com impor-tantes contribuições para a produção cinematográfica brasileira con-temporânea.

Ainda segundo Concha Irazabal, muito do cinema das realizadorasdessa região é de pouca projeção comercial, cuja promoção e distribui-ção além de seus limites geográficos é quase nula. Porém, deve-se des-tacar a aposta dessas mulheres no sentido de conquistar um espaço emque possam mostrar sua modesta participação em termos numéricos.Em face do número de diretores homens, essas cineastas vão se firman-do e rompendo barreiras, trazendo novas interpretações da realidade.Não se deixam abater pelas dificuldades, para elas específicas e maioresno universo masculino do cinema, onde cresce a presença de mulheresdiretoras. Essa é uma tendência irreversível, como também em outrosespaços das artes, do conhecimento, da política, embora ainda sejamrelativamente poucas e com pequena visibilidade. Porém, elas valempor muitas, porque são ousadas, aguerridas, persistentes. Como TisukaYamasaki afirmava em uma de suas entrevistas: “se eu não fosse ambi-ciosa e não tivesse um pouco de irresponsabilidade e loucura, não con-seguiria fazer cinema”.

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Mas essa é conversa para outro livro em que possamos discutir asvidas e as histórias das realizadoras de cinema, suas alegrias e dificulda-des, seus projetos, suas frustrações e seus sonhos. Suas obras.

Assim sendo e considerados os baixos índices de edições e vendasde livros no Brasil, a segunda edição de A mulher vai ao cinema é umfato a comemorar. É uma possibilidade para que esta coletânea estendaseus raios e horizontes, ampliando-os a novos leitores e leitoras, ga-nhando maior luminosidade. Abrindo-se a outras percepções e inter-pretações sobre os filmes nela contidos.

Por tudo isso, desejamos que esta nova edição seja uma feliz opor-tunidade para que novos expectadores e expectadoras possam conhe-cer, debater e, sobretudo, sentir a fruição do bom cinema e da leitura.

Esperamos, enfim, que esta segunda edição de A mulher vai ao ci-nema atualize as palavras de João Antônio de Paula, para quem as ima-gens da mulher, feitas e refeitas em luz e movimento, “amplificam anossa visão do mundo”. São “um inventário dos sentimentos humanossurpreendidos na gama de suas diversas colorações”. Idéias que nosremetem à Frida Khalo, uma das mulheres presentes nesta coletânea,quando dizia: “Pies, para qué los quiero, se tengo alas pa’ volar?”.

Belo Horizonte

Maio de 2008

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