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A MULTIMENSIONALIDADE DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES:
RECONFIGURANDO SABERES DIDÁTICOS, CURRICULARES E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
Este painel tem como eixo central a formação inicial de professores no âmbito dos
Cursos de Licenciatura (Pedagogia e Química) a partir da multidimensionalidade da
atividade docente do qual a didática e as práticas pedagógicas, embora tenham
identidades próprias, constituem-se em elementos fundantes e articulados, tendo em
vista seu estatuto epistemológico e relações que são estabelecidas entre educação,
conhecimento e o contexto social mais amplo. O primeiro artigo, decorrente de pesquisa
documental, discute a formação de pedagogos a partir da análise do estágio curricular
supervisionado desenvolvido na disciplina Didática II, do Curso de Pedagogia. Objetiva
discutir a importância do estágio como espaço privilegiado de formação do pedagogo e,
de maneira mais específica, discutir um programa de estágio que, ancorado na disciplina
de Didática, procurando favorecer a compreensão do futuro professor acerca da
profissionalidade docente. O segundo decorre de pesquisa, que busca compreender, à
luz da Análise de Discurso de Matriz Francesa e estudos sobre Formação de
Professores, em que condições de produção a prática da reescrita de textos acadêmicos
possibilita a emergência da autoria. O corpus é constituído por depoimentos escritos de
quarenta estudantes do curso de Licenciatura em Química, a respeito de sua relação com
a escrita. Os resultados, assinalam que os estudantes que se relacionam negativamente
com a escrita ocupam principalmente a posição de enunciadores de sentidos
legitimados. O terceiro, integra uma pesquisa sobre práticas de leitura e escrita a partir
da História Cultural, reúne documentos de vinte e seis graduandas que cursam
Pedagogia, acerca de suas leituras, em diferentes contextos sociais. A pesquisa aponta
que as participantes vivenciam diferentes práticas de leitura e sentem a necessidade de
intensificá-las em seu cotidiano. Assim sendo, este Painel traz para discussão e análise
as possibilidades formativas que se situam no contexto da Didática, enquanto área
multidimensional que fundamenta o ensinar e aprender.
Palavras-Chave: Formação Inicial, Curso De Pedagogia, Saberes Didáticos.
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INVESTIGAÇÕES SOBRE PRÁTICAS DE LEITURA DE GRADUANDAS EM
PEDAGOGIA: CONTRIBUIÇÕES PARA FORMAÇÃO E ATUAÇÃO
PROFISSIONAL
Maria Betanea Platzer
Centro Universitário de Araraquara – UNIARA
Resumo
O presente trabalho, que integra uma pesquisa mais ampla sobre práticas de leitura e
escrita realizadas por graduandas que cursam Pedagogia, reúne especificamente
discussões sobre as vivências das cursistas acerca de suas leituras, em diferentes
contextos sociais. Objetivamos, a partir de discussões na área da História Cultural e de
pesquisas sobre a formação inicial de professores, investigar as experiências leitoras das
futuras pedagogas. Realizamos um estudo de natureza qualitativa. Como instrumentos
metodológicos, aplicamos questionários a 26 alunas que frequentam o terceiro ano do
curso de Pedagogia, em uma Instituição de Ensino Superior privada, localizada em um
município do interior do estado de São Paulo. Após essa etapa, entrevistamos 10 alunas
pertencentes a esse grupo. As análises dos dados assinalam que: a) a maioria das alunas
revela que gosta de ler; todavia, algumas delas destacam que sentem dificuldade em
realizar a leitura de alguns gêneros textuais, sobretudo, científicos, b) uma parte
significativa de estudantes aponta que realiza a leitura por vários motivos, entre eles, a
aquisição de novos conhecimentos e há alunas que afirmam realizar com maior
frequência as leituras exigidas pela faculdade, c) as graduandas estão cientes da
importância da leitura para sua formação e futura atuação profissional, almejando, no
decorrer do curso e após formadas, intensificarem as suas práticas de leitura, d)
destacam, entre as atividades de leitura vivenciadas na graduação, um Projeto
organizado pelo curso que promove a leitura do gênero textual de literatura, algo que
para a maioria é bastante gratificante. A pesquisa aponta que as participantes vivenciam
diferentes práticas de leitura e sentem a necessidade de intensificá-las em seu cotidiano.
Consideramos importante o olhar atento às práticas de leitura de graduandas de
Pedagogia, valorizando suas vivências e seus anseios, possibilitando, ao longo de sua
formação inicial, o contato com diferentes gêneros textuais.
Palavras- chave: Formação Inicial, Leituras, Experiências.
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Introdução
Verificamos vários estudos acerca do processo de ensino e aprendizagem do
código escrito no contexto da Educação Básica, apresentando problemas acerca dessa
temática e ainda pontuando caminhos para que os educandos possam ter acesso a
práticas de leitura e escrita que lhes sejam significativas (SILVA, 2010; GERALDI,
1999).
Nesse cenário de discussões, há pesquisas que se centram na formação de
professores, especialmente, daqueles que serão responsáveis pelo processo de
alfabetização e de letramento de crianças que frequentam os anos iniciais do ensino
fundamental.
Rezende (2009), ao enfatizar a formação de leitores, aponta a leitura e a escrita
como ferramentas que são indispensáveis, uma vez que propiciam o acesso à instrução,
mas também à formação continuada para a escolaridade e para a vida.
Assim, torna-se fundamental que o professor desenvolva atividades de leitura e
escrita que possibilitem aos educandos a ampliação de seus conhecimentos linguísticos
e o uso do código escrito de forma autônoma e dinâmica no seu dia a dia. Para tanto,
consideramos de suma importância que o professor, em sua formação, possa ter acesso a
diferentes gêneros textuais, dominando-os com desenvoltura para que, dessa forma,
possa usufruir do código escrito na perspectiva apontada por Rezende (2009) e, ainda,
envolver os seus alunos em situações reais acerca do ler e do escrever.
A partir dessas reflexões, focamos no presente trabalho, aspectos sobre a
formação de professores, em especial, graduandos que cursam Pedagogia, visando a
investigar, especialmente, as práticas de leitura que realizam em seu cotidiano com
intuito de (re)conhecer suas relações com a leitura em diferentes contextos sociais,
incluindo o curso de formação inicial. Outro objetivo é o de verificar como entendem o
papel do professor na formação leitora de alunos que frequentam a Educação Básica.
Destacamos que este trabalho, que integra uma pesquisa mais ampla sobre
práticas de leitura e escrita de graduandos em Pedagogia em diferentes espaços sociais,
visando a refletir sobre sua formação leitora e escritora e suas implicações no seu
processo de formação e atuação profissional, foi aprovado pelo Comitê de Ética
(CAAE: 36755814.6.0000.5383) e está vinculado a parte de atividades que são
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desenvolvidas como docente e pesquisadora em um curso de Mestrado Profissional em
Educação.
Fundamentação teórica
Nossas discussões referentes às práticas de leitura estão fundamentadas nas
ideias defendidas pela História Cultural, sobretudo os estudos de Chartier (2001, 1999),
em pesquisas que versam sobre formação de professores (REZENDE, 2009;
PIMENTA, 1999) e, ainda, nas discussões sobre leituras e escola (KLEBIS, 2008;
SOUZA, 2004; YASUDA, 2004; LERNER, 2002).
Com intuito de alcançarmos os objetivos propostos especificamente neste
estudo, realizamos uma pesquisa de natureza qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), em
uma Instituição de Ensino Superior privada, localizada em um município do interior do
estado de São Paulo.
Como estratégias metodológicas, aplicamos questionário a um grupo de 26
alunas que frequentam o terceiro ano de graduação em Pedagogia, no período noturno.
Desse grupo, realizamos entrevista semiestruturada individualmente com 10 cursistas.
As principais temáticas que nortearam a elaboração dos instrumentos de coleta
de dados foram:
- o gosto pela leitura;
- razões que levam as alunas a praticarem a leitura;
- dificuldades manifestadas em relação a leituras realizadas;
- atividades de leituras presentes no decorrer da graduação em Pedagogia;
- relação leitura, formação de professores e atuação profissional.
Discussões e resultados
1. Leituras, escola e formação de professores: algumas reflexões
Ler e escrever, conforme pontua Lerner (2002), são palavras familiares aos
educadores e, em se tratando especialmente do papel da escola no que se refere à
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formação de comunidades de leitores, é necessário formar esses alunos para que possam
recorrer aos textos e, assim, possam, buscar
[...] resposta para os problemas que necessitam resolver, tratando de
encontrar informação para compreender melhor algum aspecto do
mundo que é objeto de suas preocupações, buscando argumentos para
defender uma posição com a qual estão comprometidos, ou para
rebater outra que consideram perigosa ou injusta, desejando conhecer
outros modos de vida, identificar-se com outros autores e personagens
ou se diferenciar deles, viver outras aventuras, inteirar-se de outras
histórias, descobrir outras formas de utilizar a linguagem para criar
novos sentidos (LERNER, 2002, p.18).
Como podemos observar, são vários desafios que o educador assume na tarefa
de desenvolver com seus alunos atividades de leitura que lhes sejam instigantes e
permitam o alcance da formação descrita acima.
Apontamos, nesse cenário, a relevância de o professor (re)conhecer as práticas
de leitura realizadas pelos seus alunos nos diferentes espaços sociais (PLATZER, 2009),
com intuito de valorizá-las e intensificá-las, visto que a escola deverá oportunizar aos
alunos o acesso a diversos gêneros textuais, possibilitando a ampliação de suas relações
com a linguagem escrita, em especial, com a leitura.
Recorremos aos estudos de Kaufman e Rodrígues (1995), ao apresentarem
reflexões sobre tipologias de textos, verificando a necessidade do educando ter acesso a
diversidade textual. Nesse cenário, as autoras pontuam que nem todos os professores
apresentam conhecimento adequado acerca das características peculiares dos diferentes
tipos de texto. Dessa forma, seu trabalho limita-se “[...] a permitir e a propiciar um
contato geral dos alunos com tais textos, porque faltavam ao professor ferramentas mais
específicas para enriquecer este contato, o que otimizaria o aprendizado” (KAUFMAN;
RODRÍGUES, 1995, p.07).
Consideramos que para realizar um trabalho pedagógico e didático que permita
aos alunos a ampliação de suas competências como leitores, é preciso que o educador
tenha uma formação (inicial e continuada) que o possa levar a refletir sobre a relevância
da leitura na atual sociedade, na perspectivas da alfabetização e do letramento
(ASSOLINI, 2013). O educador também deverá ter consciência de suas práticas de
leitura realizadas no seu dia a dia, visto que para formar novos leitores, defendemos que
o professor reflita sobre suas próprias leituras, com intuito de entendê-las, valorizá-las,
ampliá-las e intensificá-las; isso porque, como pontua Rezende (2009, p.XVII): “A
leitura permeia o fazer pedagógico, o ensinar e o aprender. [...].”
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Se são vários os problemas referentes ao ensino da leitura na escola, entre eles,
como destaca Souza (2004, p.76), “[...] Trabalha-se com a leitura da escola e não com a
leitura na escola. [...]”, precisamos, assim, refletir sobre possibilidades para esse essa
atividade seja realizada em uma perspectiva coerente e atraente para alunos e
professores.
Com propostas de estratégias de ensino que sejam adequadas para o processo de
aprendizagem dos educandos na educação básica, consideramos a relevância de, ao
longo de sua formação inicial, foco central das discussões apresentadas neste trabalho, o
graduando em Pedagogia vivenciar situações de leituras que lhes sejam também
significativas.
Para Pimenta (1999), considerando que a natureza do trabalho do professor é
ensinar como contribuição ao processo de humanização de educandos situados
historicamente, os cursos de licenciatura deverão desenvolver nos graduandos
conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possam possibilitar irem
construindo de maneira permanente seus saberes-fazeres docentes a partir dos desafios e
da necessidade que o ensino na condição de prática social lhes apresenta no dia a dia.
Podemos afirmar que, entre outros conhecimentos, o domínio do código escrito é
fundamental no processo de formação e atuação profissional docente. Conforme pontua
Rezende (2009, p.33), “[...] a leitura é matéria-prima no processo de ensino e
aprendizagem, supostamente os cursos de formação de professores deveriam dedicar a
ela especial atenção e cuidados”. Daí, um olhar atento às práticas de leitura vivenciadas
pelos graduandos com o intuito de conhecê-las e intensificá-las.
Para investigações sobre as práticas de leitura realizadas pelas graduandas de
Pedagogia que participaram da pesquisa desenvolvida, recorremos aos estudos de
Chartier (2001, p. 101), ao afirmar que na história da leitura, entendida esta como
prática, “[...] há a cada dia milhões de indivíduos que realizam milhões de atos de
leitura [...].”
2. Graduandas em Pedagogia e suas práticas de leitura: experiências significativas
Apresentamos, a seguir, vivências manifestadas pelas participantes desta
pesquisa acerca de suas práticas de leitura no seu cotidiano, visto que suas
manifestações são fundamentais quando refletimos sobre a formação docente na
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atualidade. Ressaltamos que, por uma questão de ética, os nomes registrados são
fictícios.
Ao questionarmos as 26 cursistas do terceiro ano de Pedagogia sobre o gostar de
ler, verificamos que a maioria manifesta uma relação positiva com a leitura, retratando
que gostam de ler por vários motivos, entre eles, obter informações, adquirir novos
conhecimentos, ampliação de vocabulário e, ainda, possibilidade de desenvolvimento da
imaginação.
Observamos que três cursistas afirmam gostar “mais ou menos” de ler e
justificam suas respostas pelo fato de ser cansativo e às vezes leituras pouco atraentes.
Mesmo assim, afirmam que precisam se esforçar para realizar as leituras, conforme
pontua a estudante Paola:
“[...] tem textos que são muito chatos, difíceis de se entender, mas é por isso que temos
que nos empenhar e ler uma, duas três [...]”.
Como podemos perceber, as estudantes de Pedagogia participantes desta
pesquisa assumem, em sua maioria, uma relação positiva com a leitura.
Sobre o que costumam ler no dia a dia, há uma diversidade de textos apontados
pelas estudantes, destacando com base na tipologia apresentada por Kaufman e
Rodrígues (1995), literários, humorísticos (história em quadrinhos), informações
científicas, seguidos de instrucionais e epistolares.
Ao citarem a leitura de textos literários, a maioria das estudantes aponta a
participação, desde o primeiro ano do curso, em um Projeto de Leitura desenvolvido
pela instituição. Nessa atividade, os estudantes de Pedagogia devem escolher três obras
literárias a serem lidas no decorrer de aproximadamente 5 meses do ano letivo e
realizarem um Portfólio sobre as leituras realizadas. As obras literárias são indicadas
por professores do curso e estes acompanham as leituras realizadas pelos graduandos.
Da relação de obras indicadas, os estudantes escolhem duas e, ainda, podem escolher
mais uma obra a seu critério (que não consta na listagem). Conforme pontuam as
estudantes:
“Para mim, a melhor e maior experiência é o projeto de leitura, porque os textos
didáticos são vistos como na maioria das vezes como obrigação e não um prazer”.
(Claudia)
“O que me ajudou muito no curso foram as leituras do projeto ler.” (Patrícia)
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Em se tratando das razões que as levam a praticar a leitura, encontramos uma
diversidade de intenções nas respostas, destacando: curiosidade, prazer, interesse em
determinados assuntos e aspectos ligados à religião. Algumas alunas, ainda que a
minoria, destacam que leem para seus alunos (considerando que há graduandas que já
atuam como docentes na Educação Básica).
Verificamos também a questão do vínculo afetivo proporcionado pela leitura,
uma vez que encontramos as seguintes respostas:
“Ver a felicidade dos meus filhos, quando interpreto a história, sua atenção [...].”
(Joana)
“Gosto bastante de ler historinhas para os meus priminhos, imitar a voz dos bichos
durante a leitura [...].” (Rita)
Podemos afirmar que as práticas de leitura estão presentes em situações
diversificadas e, no caso das estudantes Joana e Rita, permitem a aproximação entre as
pessoas por meio de leituras partilhadas entre mãe e filhos e também entre os primos.
Não é apenas um ato individual, solitário de leitores com o texto, mas cria e intensifica
vínculos, carregados de afetividade (PLATZER, 2009).
Fica evidente, ainda, a leitura como uma forma de distanciamento da própria
realidade, proporcionando o “viajar” pelo mundo da imaginação para, então,
experimentar novas emoções, no caso, que sejam prazerosas.
“Principalmente quando acontece alguma briga, eu leio livros para tentar não pensar
na minha vida.” (Heloísa)
As estudantes, em grande parte, afirmam que leem também para realização das
atividades solicitadas no curso de graduação, ou seja, trabalhos em sala de aula e
avaliações, considerando o processo de sua formação profissional.
“[...] Quando estão chegando as provas ou quando estou fazendo algum trabalho para
a faculdade.” (Verônica)
“Agora a leitura é com mais frequência, pois o curso que estou fazendo exige muito a
prática de leitura.” (Eduarda)
Ainda que grande parte das graduandas manifestou o gostar de ler diversificados
tipos de textos e por motivos diversos, verificamos que muitas delas neste momento de
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formação, terceiro ano do curso de graduação, revelaram que parte significativa das
leituras realizadas está relacionada aos textos científicos solicitados pelos seus
professores. Nesse contexto, algumas estudantes apontam que sentem dificuldades na
leitura de textos acadêmicos, mas consideram leituras essenciais para a sua formação
como pedagogas.
“A maioria dos textos lidos na faculdade são textos acadêmicos [...] Os textos lidos na
faculdade não são os meus favoritos, são poucos os que me trazem satisfação em lê-
los, mas a leitura desses textos me trazem muitos benefícios.” (Elisabete)
“Não são todos que consigo ler, às vezes eles têm uns termos muito difíceis e termino
esperando o professor explicar.” (Joana)
Ao investigarmos as práticas de leitura das estudantes de Pedagogia, fica
evidente que possuem diversas experiências e vivências com a leitura. É importante
nesse processo de formação inicial, conforme ressaltamos, que o professor universitário
(re)conheça essas leituras e, a partir daí, amplie e intensifique o contato de estudantes
com a diversidade textual.
Ressaltamos a importância de instigar os graduandos a realizarem leituras de
textos científicos, fundamentais para a sua formação na área da educação. Independente
do gosto, os licenciandos precisam se aproximar de forma densa com as leituras
acadêmicas, visto são suportes fundamentais para o seu futuro fazer docente. Como
vimos, há alunas que sentem maior dificuldade na leitura e interpretação de textos dessa
natureza e, por isso, há desafios referentes à docência no ensino superior, entre eles, a
realização de estratégias de ensino que permitam a ampliação de conhecimentos
linguísticos dos futuros docentes, visto que a relação com a leitura deverá ser algo
presente de forma contínua na profissão do professor. Para tanto, fundamentamo-nos na
concepção de estratégia apresenta por Anastasiou e Alves (2003), ao descrevê-la como a
arte de aplicar ou explorar os meios e as condições que se constituem favoráveis e
disponíveis para que a ensinagem se efetive.
Em estudos referentes à formação leitora de graduandos em Pedagogia
(PLATZER, 2014), são retratadas, entre outras, a possibilidade de ampliar e intensificar
as leituras dos graduandos, considerando a necessidade de conhecer suas práticas no
sentido de valorizá-las e compreendê-las. Apontamos essa estratégia como uma
possibilidade de aproximação com os graduandos, em especial, a relação que
estabelecem com a leitura por meio de suas vozes e percepções. Essa aproximação com
as leituras dos estudantes poderá também ser uma possibilidade de o professor
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universitário promover aos estudantes o contato com outros gêneros textuais, entre eles,
os acadêmicos. Nesse sentido, partirá das vivências de seus alunos, respeitando-as e
ampliando-as.
Sabendo que os graduandos em Pedagogia serão futuros professores na
Educação Básica, no caso, poderão atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e no primeiro segmento da Educação de Jovens e Adultos,
questionamos como as estudantes percebem a relação leitura, formação de professores e
atuação profissional.
As graduandas afirmam a importância de o professor ser um leitor durante sua
formação inicial e no decorrer de sua prática como docente, visto que para elas a leitura
contribuirá para si próprias e também para a formação de seus alunos.
“É de suma importância para o pedagogo ter total domínio da leitura, pois e ele quem
vai ensinar os alunos. E para esse domínio o educador tem sempre que se atualizar,
lendo e pesquisando [...].” (Vânia)
“O pedagogo precisa estar sempre atualizado e em busca de seu desenvolvimento
profissional. Isso ocorrerá através da leitura de textos científicos e textos que
auxiliarão em sua profissão. Através da leitura, o pedagogo aumentará o seu repertório
de palavras e de conhecimento, contribuindo para uma melhor escrita. [...]”. (Luana)
“Importantíssimo, pois o pedagogo tem que saber aquilo que diz. E ensinar quem está
aprendendo” (Flávia)
“Um pedagogo preocupado com sua formação como leitor vai despertar o interesse em
seus alunos, como também poderá desenvolver trabalhos científicos.” (Daniela)
Como podemos verificar, há a consciência pelas estudantes da relevância da
leitura no seu processo de formação na graduação e as implicações desse contato com a
leitura na sua atuação como professoras e formadoras de leitores. Nesse sentido,
manifestam, como pontuamos, que sentem dificuldades na realização e interpretação de
alguns tipos de textos, mas em suas falas retratam que necessitam ler, de forma cada vez
mais frequente e densa.
Considerações Finais
Conforme descrevemos neste trabalho, a temática sobre a leitura se caracteriza
como um aspecto de grande relevância nos debates atuais acerca da formação de
professores. Há diferentes enfoques para se refletir sobre essa questão e, entre eles,
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objetivamos investigar as práticas de leitura vivenciadas por graduandos em Pedagogia
no sentido de (re)conhecê-las, valorizá-las, considerando a possibilidade de intensificá-
las e fortalecê-las no decorrer de sua formação.
Como uma possibilidade de investigar as leituras vivenciadas pelos cursistas, é
fundamental adentrarmos em suas práticas, por meio de suas vozes acerca de suas
leituras cotidianas, visto que são amplas e diversificadas.
Como destaca Certeau (1994, p.265): “[...] a história das andanças do homem
através de seus próprios textos está inda em boa parte por descobrir.” É nesse cenário
que se insere o presente trabalho: a tentativa de pesquisar as leituras de estudantes de
Pedagogia, procurando, “[...] adentrar nessa realidade e compreendê-la. [...]”, ainda que
cientes da impossibilidade de esgotarmos as vivências de leitura pelo grupo de
graduandas pesquisadas.
Com bases nos instrumentos e análise de dados coletados, observamos um
universo complexo acerca das leituras realizadas pelas estudantes.
Fica evidente que a maioria das alunas aponta que gosta de ler; contudo,
algumas delas afirmam que sentem dificuldade na realização das leituras de alguns
gêneros textuais, especialmente, de natureza científica.
Verificamos que uma parte significativa de alunas aponta que realiza a leitura
por vários motivos, entre eles, curiosidade e aquisição de novos conhecimentos. Há
alunas que afirmam realizar com maior frequência as leituras exigidas pela faculdade.
Entre as atividades de leitura vivenciadas na graduação, a maioria das cursistas
destaca a relevância da participação em um Projeto de Leitura organizado pelo curso,
que promove a leitura do gênero textual de literatura, considerado pelas estudantes
como bastante gratificante.
Observamos, também, que as futuras pedagogas estão cientes da importância da
leitura para sua formação e futura atuação profissional, vislumbrando, no decorrer do
curso e após formadas, intensificarem as suas práticas de leitura.
Este trabalho releva a diversidade de práticas de leitura pelas estudantes e a
importância de intensificá-las em seu dia a dia. Nesse sentido, defendemos a relevância
do olhar atento às práticas de leitura de graduandos de Pedagogia, valorizando suas
experiências e seus anseios, permitindo, ao longo de sua formação inicial, o contato com
diferentes gêneros textuais.
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Referências
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ESTÁGIO SUPERVISIONADO E DIDÁTICA: ENTRE RESSIGNIFICAÇÕES E
POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO NO CURSO DE PEDAGOGIA
Cristina Cinto Araujo Pedroso
FFCLRP/USP/GEPEFE
Noeli Prestes Padilha Rivas
FFCLRP/USP/GEPEFE
Resumo
Este texto tem como objetivo discutir a importância do estágio como espaço
privilegiado de formação do pedagogo e, de maneira mais específica, pretende discutir
um programa de estágio que, ancorado na disciplina de Didática, procura favorecer a
compreensão do futuro professor acerca da profissionalidade docente. Tem-se como
pressuposto o estágio curricular supervisionado como campo de conhecimento, o qual
dispõe de condições para a construção da identidade docente e a ressignificação dos
saberes implicados na ação pedagógica, e como atividade científica, amparada no
fundamento de que a pesquisa deve permear a formação do pedagogo. Trata-se de um
estudo qualitativo, tendo por corpus o programa de estágio da disciplina de Didática II
(Didática e Práticas Pedagógicas: Planejamento e Currículo), o qual foi analisado na
perspectiva da análise documental. O programa em pauta compreende: atividades de
campo (observação participante em sala de aula; atividades de apoio durante o recreio;
análise do projeto político-pedagógico, do currículo e do plano de ensino do professor;
participação em reuniões pedagógicas e atividade de docência, bem como, produção dos
registros e elaboração de relatórios. O desenvolvimento do estágio conta com
supervisão periódica na universidade realizada por docente e educador. As análises
empreendidas permitiram destacar o potencial do estágio como lócus privilegiado de
formação de pedagogos, sobretudo por fomentar a reflexão e a investigação sobre a
escola, o ensino e as práticas docentes. Além disso, reforçam os argumentos de que as
práticas colaborativas com a escola são essenciais na direção da unidade teoria e prática.
Por fim, evidenciam que a troca de saberes entre docente, educador, estagiário e
professor da escola básica é fundamental na formação do pedagogo.
Palavras-chave: Curso de Pedagogia, Didática, Estágio Curricular Supervisionado,
Currículo.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO E DIDÁTICA: ENTRE RESSIGNIFICAÇÕES E
POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO NO CURSO DE PEDAGOGIA
Introdução
Este texto tem como objetivo discutir a importância do estágio como espaço
privilegiado de formação do pedagogo e, de maneira mais específica, pretende discutir
um programa de estágio que, ancorado na disciplina de Didática II (Didática e Práticas
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Pedagógicas: Planejamento e Currículo), do Curso de Pedagogia, do Departamento de
Educação, Informação e Comunicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, procura favorecer a compreensão do
futuro professor acerca da profissionalidade docente. Assim considerado, este texto
discute primeiramente a Didática em sua dimensão disciplinar nos curso de formação de
professores e, na sequência, a contribuição da proposta de estágio articulado a essa
disciplina.
O lugar da Didática no âmbito da formação de professores, enquanto campo
epistemológico, disciplinar e de práticas pedagógicas, tem sido debatido e
problematizado por pesquisadores da área, principalmente Pimenta, Libâneo, Almeida,
Fusari e Franco, os quais têm procurado ressignificá-la em meio às contradições
impostas pelo atual contexto socioeconômico, histórico e político, o qual coloca em
questionamento o papel do ensino, da aprendizagem, da escola e dos professores.
A Didática, ao longo da história, sempre foi sensível e reverberou os desafios
que o contexto propõe à tarefa educativa. Desde o seu início ela surge do e no
enfrentamento das contradições. Por exemplo, no século XVII ela tentou responder aos
desafios da reforma protestante e da proposta de universalização do saber buscando
romper com a hegemonia da educação católica medieval e no século XX, na década de
1980, ela reflete o cenário constituído pelos movimentos sociais dos trabalhadores no
período pós-ditadura e pelos movimentos sociais de reorganização da sociedade civil
brasileira. Dentre outras questões, tais movimentos colocaram em questionamento as
escolas, os currículos e as práticas pedagógicas e impulsionaram a organização dos
professores em sindicato, o surgimento das greves e a ampliação dos cursos de
formação de professores (FUSARI; FRANCO, 2010). Nesse contexto, a Didática
assumiu as questões pedagógicas como base de sua produção e situou as questões
políticas como determinantes das pedagógicas. Diante desse cenário entendeu-se que
[...] a Didática deveria propiciar a análise crítica da realidade do
ensino por parte dos professores em formação, inicial ou continuada,
buscando compreender e transformar essa realidade, de forma
articulada a um projeto político de educação transformadora
(FRANCO, 2010, p. 89).
Na atualidade, a Didática compromete-se com a superação das desigualdades e
com a construção de um mundo mais democrático, justo e igualitário. Nesse contexto,
ela assume o ensino (indissociável da aprendizagem) como seu principal objeto de
análise e investigação, o que demanda certa delimitação de seu campo específico, qual
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seja, as relações entre o ensino e a aprendizagem (LIBÂNEO, 2010). O ensino é
entendido como prática social complexa, específica e multideterminada que se realiza
na práxis social entre os sujeitos envolvidos nesse processo, portanto, ocorre em
situações historicamente situadas, ou seja, nas aulas e demais situações de ensino das
áreas do conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas, nas
sociedades, estabelecendo-se os nexos entre eles (PIMENTA, 2010; ALMEIDA;
PIMENTA, 2014). Portanto, o ensino de qualidade será aquele que resulte em qualidade
formativa; ensinar é organizar intencionalmente as condições para sua realização
visando ao desenvolvimento do exercício da crítica para transformação das condições
vigentes (ALMEIDA; PIMENTA, 2014). Complementando essas dimensões, a Didática
é chamada a responder aos desafios da escola contemporânea, sobretudo a pública. Para
tanto, enquanto disciplina dos cursos de formação de professores, cabe a ela oferecer
aos futuros professores os recursos teórico-práticos que poderão abrir novos caminhos
na busca de condições mais dignas para o trabalho docente e para a aprendizagem dos
alunos (FRANCO, 2010).
Apoiadas em Libâneo (2012), compreendemos que a Didática enquanto campo
disciplinar reúne duas dimensões: a lógica dos saberes disciplinares e a lógica da
relação pedagógica as quais são permeadas pelas práticas socioculturais, a trajetória
social dos alunos, a vida cotidiana, as mídias, as identidades sociais e culturais, dentre
outros aspectos que atravessam os processos de ensinar e aprender. Em outras palavras
[...] a didática é concebida como disciplina que busca melhor
compreender como ações de ensino podem gerar ações de
aprendizagem, tendo como referência os conteúdos das disciplinas,
para propor meios que favoreçam a mútua transição de um a outro
(LIBÂNEO; ALVES, 2012, p. 28).
No nosso entender, a Didática nos cursos de Pedagogia pode oferecer os
recursos teórico-práticos necessários à reflexão sobre o ensino como prática social
contextualizada que tem como intenção a aprendizagem futura dos alunos. Para
Pimenta, Franco e Fusari (2014)
Aí está o papel contemporâneo da Didática que estamos denominando
de Didática Multidimensional: uma Didática que tenha como foco, a
produção de atividade intelectual, no aluno e pelo aluno, articulada a
contextos nos quais os processos de ensinar e aprender ocorrem. Uma
Didática que se paute numa pedagogia do sujeito, do diálogo, onde a
aprendizagem seja mediação entre educadores e educandos (p. 3).
Para tanto, é preciso revigorar a Didática, teórica e profissionalmente,
contemplando a necessidade de: retomar do estudo aprofundado do campo teórico e
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investigativo da Pedagogia; priorizar a pesquisa didática sobre e na escola e sobre e na
sala de aula, destacando as mediações pedagógicas; ampliar seus elementos
constitutivos visando clarear os contextos e as condições concretas em que ocorrem os
processos de ensino e de aprendizagem considerando as questões socioculturais,
antropológicas, linguísticas, estéticas, comunicacionais e midiáticas (LIBÂNEO, 2010).
Todavia a “Didática, certamente, precisa manter fidelidade aos seus elementos
constitutivos clássicos: o que ensinar, para quem ensinar, como ensinar, ou seja, os
elementos que a definem como mediação da aprendizagem” (LIBÂNEO, 2010, p. 69).
As questões anteriormente colocadas mostram que a Didática, nas dimensões
epistemológica, disciplinar e de práticas pedagógicas, está profundamente
comprometida com o ensino e a aprendizagem. Isso evidencia a identidade dessa
disciplina com os cursos de formação de professores bem como o seu potencial
privilegiado de nortear e subsidiar o estágio supervisionado.
O estágio supervisionado tem ocupado posição de destaque na discussão acerca
da formação de professores no Brasil. Diferentes autores, com destaque para Pimenta,
Almeida, Lima, Gomes e Carvalho, têm se preocupado em ressignificar o sentido do
estágio nos cursos de formação de professores e apontar caminhos teórico-
metodológicos para a superação dessa atividade na perspectiva meramente instrumentar.
Se, por um lado, ele tem o potencial de se configurar como espaço privilegiado de
formação por outro pode se configurar apenas como uma atividade meramente técnica e
instrumental, com pouca ou nenhuma articulação com o projeto do curso e sem
aproximação, com o aprofundamento necessário, com o campo de atuação profissional
do pedagogo.
O estágio neste trabalho é entendido como atividade teórica instrumentalizadora
da prática, isto é, como campo de conhecimento e atividade científica (PIMENTA;
LIMA, 2008, p.61). Como campo de conhecimento pode possibilitar ao professor em
formação ressignificar continuamente a prática e a descobrir novas maneiras de
compreender o fazer pedagógico (LIMA, 2012). Isso implica aferir-lhe um estatuto
epistemológico que rompa com sua tradicional concepção, ou seja, atividade prática
instrumental assentada em modelos que foram produzidos pela cultura escolar
dominante e que reduziram a atividade docente a um fazer artesanal.
Conceber o estágio como atividade científica pressupõe potencializá-lo como
espaço de pesquisa, como caminho para a formação de futuros professores no sentido de
analisar, refletir e ampliar a compreensão das situações vivenciadas e observadas pelos
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estudantes de Pedagogia nas escolas, nos sistemas de ensino e demais espaços
educativos. Nesse âmbito, reconhecê-lo como campo de pesquisa significa desenvolver
um processo formativo integrado em que os atores (estagiários, professores formadores
e professores da educação básica) tenham possibilidade de buscar conhecimentos que
permitam a análise de questões educativas e da profissão docente em contextos
históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais
(PIMENTA; LIMA, 2008).
Assim,
o estágio propicia aproximações com a escola (ambiente de trabalho
dos professores), com as práticas didático-pedagógicas (quando
professores e alunos estabelecem relação com o conhecimento por
meio de ações coletivamente desenvolvidas) e com os professores e
alunos (aproximando-se das compreensões e atitudes dos sujeitos
envolvidos na aula) (ALMEIDA; PIMENTA, 2014, p. 16).
Nessa perspectiva, a aproximação com a escola, futuro campo de atuação
profissional do pedagogo, pressupõe uma atitude investigativa, ou seja, espera-se que os
estudantes levantem dados, observem a prática de profissionais mais experientes,
reflitam, analisem, conceituem, busquem articular as teorias estudadas com as situações
práticas, procurem articular os vários elementos que estão percebendo na realidade
observada de modo que avancem no seu desenvolvimento pessoal e na constituição dos
seus estilos de atuação (ALMEIDA; PIMENTA, 2014, p. 29). Portanto, essa
aproximação com a escola e a sala de aula deve ser analítica, ou seja, por meio dela o
estagiário analisa as condições de ensino, as interações entre professor e aluno, a
organização da aula, a visão de ciência predominante, o conteúdo ensinado, os impactos
das políticas educacionais e curriculares na prática docente, dentre outros aspectos
(CARVALHO, 2012). A Resolução CNE/CP 2/2002 (BRASIL, 2002) destaca que o
estágio se caracteriza por “uma relação pedagógica entre alguém que já é um
profissional reconhecido em um ambiente institucional de trabalho e um aluno
estagiário [...]”.
Em síntese, o estágio discutido nesse texto é percebido pelo conceito de práxis,
ou seja, como atividade que compreende e transforma a realidade. Assim, é exercício
teórico de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, que
valoriza a prática profissional como momento de construção de conhecimento por meio
de reflexão, análise e problematização dessa prática e como espaço privilegiado da
construção da identidade de professor (PIMENTA; LIMA, 2008). As questões
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anteriormente colocadas apontam para a importância de estudos que se proponham a
analisar a organização do estágio no curso de Pedagogia.
Percurso Metodológico
A pesquisa foi realizada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto, da Universidade de São Paulo.
Trata-se de um estudo qualitativo, tendo por corpus o programa de estágio da
disciplina de Didática II (Didática e Práticas Pedagógicas: Planejamento e Currículo),
o qual foi analisado na perspectiva da análise documental (LUDKE e ANDRÉ, 1986 e
CELLARD, 2008). Dessa forma, entendemos tratar-se de uma pesquisa exploratório-
descritiva, na qual se busca, preponderantemente, a descrição e análise dos dados de
forma articulada e aprofundada (LUDKE e ANDRÉ, 1986).
O estágio supervisionado no âmbito da disciplina de Didática II do Curso de
Pedagogia da FFCLRP: entre ressignificações e possibilidades formativas
A análise do programa de estágio para este estudo foi realizada em função dos
seguintes aspectos: organização geral do estágio, campo de estágio, atividades
propostas pelo programa e relação do programa com o programa da disciplina de
Didática II.
O Curso de Pedagogia, do Departamento de Educação, Informação e
Comunicação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo contempla 400 horas de estágio curricular. Essa carga
horária atende o que preconiza a legislação, especialmente a Resolução CNE/CP nº
2/2002 (BRASIL, 2002) e o Parecer CNE/CP nº 2/2015 (BRASIL, 2015), bem como,
o Programa de Formação de Professores da USP (PFPUSP). Os estágios no Curso de
Pedagogia em tela ocupam papel relevante no processo formativo, sendo ofertados e
organizados ao longo do curso em formatos distintos que visam propiciar ao futuro
professor diferentes experiências teórico-práticas de docência, na perspectiva da
polivalência na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, e de gestão.
Quanto à organização geral do estágio proposto pela disciplina Didática II
ocorre no quarto semestre do curso e contempla uma carga horária de 30 horas,
objetivando que os estudantes se aproximem da realidade vivenciada em uma sala de
aula de Ensino Fundamental I. Assim organizado, possibilita aos estudantes
compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá
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a atividade docente (LIMA; AROEIRA, 2011). Da mesma maneira que os demais
estágios do curso, este está organizado a partir dos seguintes princípios: do trabalho
coletivo e democrático, da valorização da escola pública e da atividade científica como
eixo formativo. A realização dos estágios em duplas fundamenta-se no pressuposto de
que o “trabalho do professor pode ser potencializado se houver um projeto que tenha
sido pensado, construído e avaliado coletivamente” (CORRÊA, 2010, p. 39).
Orientado por esses princípios, o campo de estágio é exclusivamente a escola
pública (das redes municipal e estadual de Ribeirão Preto). A escolha de ter como
campo de estágio somente escolas públicas ancora-se no compromisso que o referido
curso de Pedagogia assumiu, desde sua concepção, de contribuir com a melhoria da
qualidade do ensino das escolas públicas, bem como, em um dos princípios do
programa de forção de professores dessa universidade o qual reconhece a escola pública
como parceira na formação dos futuros professores e foco prioritário de interesse de
pesquisas, projetos e intervenções propostos pela universidade pública.
Em relação às atividades propostas pelo programa de estágio verificou-se
que o mesmo contempla: observação participante das aulas; participação nas
reuniões pedagógicas; atividade de análise do projeto político-pedagógico da escola
e do plano de ensino desenvolvido pelo professor; desenvolvimento de atividade
durante o recreio e atividade de docência (regência de aula). Assim organizado
verifica-se que o programa supera e muito a perspectiva meramente instrumental e
técnica a qual se baseava, predominantemente, na observação e na reprodução de
modelos.
Por meio da observação participante o estudante é levado a olhar de maneira
investigativa para as situações de ensino, estabelecendo os nexos necessários para
compreendê-la na sua complexidade, superando a visão simplista dos problemas de
ensino e aprendizagem e do cotidiano escolar (CARVALHO, 2012). Além disso,
possibilita a aproximação do pedagogo em formação com as situações reais vivenciadas
pelo professor na sala de aula, com seus limites e possibilidades. Essa aproximação
possibilita o necessário encontro do estagiário com a “real condição das escolas e suas
contradições entre o escrito e o vivido, o dito pelos discursos oficiais e o que realmente
acontece” (ALMEIDA; PIMENTA, 2014, p. 34). Assim, o estágio como reflexão da
práxis possibilita a construção de conhecimento sobre a organização do ensino
subsidiada por estudo, análise, problematização, reflexão e proposição de caminhos
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mais apropriados para as situações de ensinar e aprender, tal como é proposto por
Pimenta e Lima (2008).
A análise do programa permitiu verificar que o mesmo prevê atividades que
possibilitam o conhecimento acerca do processo de planejamento, com destaque para
a análise do projeto político pedagógico, do currículo, do plano ensino do professor
e da formação continuada que ocorre nas reuniões pedagógicas.
A atividade durante o recreio tem como objetivo propiciar o conhecimento dos
espaços escolares, bem como, da vida fora da sala de aula. Os estudantes elaboram um
plano das brincadeiras que serão desenvolvidas, com a descrição dos materiais
necessários. Essa atividade é objeto de reflexão dos estudantes nas situações de
supervisão, pois nesse momento eles podem perceber como a escola está organizada e
como se dão as relações dos adultos com as crianças.
A atividade de docência ocorre após a observação participante. Pela análise do
programa verificou-se que os estudantes constroem um projeto de intervenção de
comum acordo com a professora da classe estagiada e sob a orientação das docentes e
educadora responsáveis pelo estágio. O projeto de intervenção é elaborado por meio de
uma Unidade Didática. Essa atividade coloca o estagiário em uma situação de
docência, supervisionada pelo professor responsável pela classe.
A Unidade Didática é elaborada a partir do referencial tratado na disciplina de
Didática II sobre planejamento, bem como, da obra de Dermeval Saviani, Escola e
Democracia, na qual ele discute um processo que, na perspectiva histórico crítica, deve
nortear a relação com o conhecimento. Esse processo considera a prática social do aluno
o ponto partida e de chegada, fazendo o seguinte movimento: prática social inicial,
problematização, instrumentalização, catarse e prática social refletida (SAVIANI,
2011). Interessante destacar que essa orientação teórico-metodológica pode contribuir
para que os estagiários percebam o ensino não como transmissão, mas como fenômeno
complexo que se realiza na práxis social entre os sujeitos situados em contextos, e que
por isso é modificado e modifica os sujeitos envolvidos nesse processo. Essa atividade
de docência garante a aproximação entre o professor em formação e o professor em
ação e seus modos de desempenhar o trabalho. Organizado como campo de
conhecimento o estágio propicia ao futuro professor formular suas representações sobre
a docência e ampliar suas compreensões conceituais a respeito de como ensinar e
aprender (ALMEIDA; PIMENTA, 2014).
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A docência desenvolve-se num quadro permeado de determinações, o que lhe
confere complexidade, bem como pressupõe autonomia e responsabilidade do professor.
Esteves (2012) argumenta que em relação a outras formas de trabalho, a “docência
define-se por ser uma ação sobre o outro, no contexto de uma classe ou turma de alunos,
onde ocorre uma relação pedagógica, uma interação, que escapa em certa medida à
padronização e à racionalização contínua” (p.21). Entendendo-se que o estágio
curricular não é a prática em si, mas uma reflexão sobre ela, depreende-se que a relação
que os estagiários estabelecem com a docência no programa de estágio analisado pode
contribuir para seu processo identitário. Dessa forma, o estágio passa a ser um retrato
vivo da prática docente (PIMENTA; LIMA, 2008, p. 127).
O programa de estágio prevê atividades de reflexão e de planejamento que se
realizam na Universidade nas supervisões periódicas em pequenos grupos, realizadas
pelo educador e pelo docente. Os estagiários são provocados a refletir sobre as situações
observadas e vivenciadas à luz do referencial teórico da disciplina de Didática. Os dados
obtidos por meio das atividades de estágio são registrados sistematicamente em diário
de campo e os mesmos são objeto de reflexão nas supervisões e a análise deles compõe
o relatório. Assim, o estudante vivencia o estágio na perspectiva investigativa, ou seja, o
estágio com pesquisa, tal como propõe Almeida e Pimenta (2014) e Carvalho (2012).
Por fim, a elaboração do relatório é uma atividade que sistematiza todas as
vivências e experiências do estágio articuladas com as discussões teóricas da Disciplina
de Didática II, portanto, representa um espaço de elaboração teórica, de pesquisa e de
autoria. De acordo com Pimenta e Lima (2008, p. 127) “A pesquisa no estágio como
método de formação dos estagiários, futuros professores, se traduz pela mobilização de
investigações que permitam a ampliação e análise onde os estagiários se realizam”.
Todas as atividades propostas no programa de estágio encontram suporte teórico
na disciplina de Didática II. Essa relação entre estágio e a disciplina Didática II leva
os estudantes a perceber a importância dessa disciplina, rompendo com a perspectiva
meramente técnica e mágica. Tratando o ensino como fenômeno complexo e prática
social a disciplina de Didática ajuda a criar respostas novas, assumindo, portanto, um
caráter explicativo, compreensivo e projetivo sobre o ensino, tal como recomendam
Almeida e Pimenta (2012).
As atividades propostas para o estágio e sua disposição ao longo do semestre
atreladas ao programa da disciplina e as discussões em supervisões de pequenos grupos,
favorecem aos estudante de Pedagogia condições para construção de sua identidade
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como professor, bem como de se perceber preparado para se inserir nos contextos e
neles intervir (PIMENTA, 2001).
Considerações Finais: construindo algumas sínteses acerca do estágio na
formação do pedagogo
A realização do estágio curricular sob a forma de interação e de intervenção
mostra-se como um caminho teórico-metodológico que melhor possibilita a
concretização dos fundamentos e objetivos do curso: proceder à mediação entre o
processo formativo e a realidade no campo social. Por intermédio da atitude
investigativa frente à prática docente que se desenvolve na escola e, principalmente,
frente às diversas atribuições do professor (ensinar, orientar o estudo, ajudar
individualmente os alunos, regular as relações, preparar materiais, saber avaliar,
organuizar espaços e atividades, etc...) o estudante, apoiado no referencial teórico da
disciplina de Didática II, vai produzindo nessa experiência de estágio suas
compreensãoes pessoais, seus saberes e compromisso ético profissional com a
escolarização das crianças e jovens.
Por fim, o programa de estágio analisado propõe uma experiência
desencadeadora de observações, problematizações, investigações, leitura, análises e
formulações de novos conhecimentos essenciais à atuação docente.
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PRÁTICAS DE REESCRITA: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES
Filomena Elaine P. Assolini
FFCLRP-USP
RESUMO
Como docente de cursos de graduação, preocupa-nos, há certo tempo, a formação inicial
de estudantes, particularmente os de Pedagogia, licenciandos que irão atuar no Ensino
Fundamental, quer seja no âmbito da sala de aula, quer na gestão escolar. Essa
inquietação instigou-nos a realização de uma pesquisa, que buscou compreender, à luz
da Análise de Discurso de Matriz Francesa e dos estudos sobre Formação de
Professores, se e em que condições de produção a prática da reescrita de textos
acadêmicos possibilita a emergência da autoria. Buscamos observar também, se essa
prática, a reescrita, permite ao estudante ressignificar sua relação com a escrita,
sobretudo quando essa relação é caracterizada por sentidos negativos. O corpus dessa
investigação foi constituído por depoimentos escritos de quarenta estudantes do curso
de Pedagogia, a respeito de sua relação com a escrita, bem como por cerca de duzentos
e sessenta textos, produzidos por eles, a partir de práticas de reescritas. Os resultados
das análises discursivas assinalam: a) estudantes que se relacionam negativamente com
a escrita ocupam principalmente a posição de enunciadores de sentidos legitimados; b) a
prática da reescrita possibilita ao estudante reler o texto por ele produzido, e, assim,
escutar os sentidos que ali circulam; c) reescrever textos oferece ao estudante
oportunidades para olhar o texto a partir do lugar de autor, o que lhe permite
empreender movimentos linguístico-discursivos e interpretativos responsáveis por
contribuir para a instauração da autoria; d) uma das condições favoráveis de produção
de textos acadêmicos envolve discussões desses textos, o que contribui para a ampliação
do arquivo do estudante, a respeito dos temas a serem reescritos. Entendemos que a
formação inicial tem importante papel na preparação profissional do estudante, que
pode aprender a construir textos caracterizados pela autoria.
Palavras-Chave: Formação inicial, Pedagogia, Reescrita.
INTRODUÇÃO
Como docente do Ensino Superior, vimos observando a dificuldade de alguns
estudantes universitários na produção de textos acadêmicos, em especial no que se
refere à (im) possibilidade de posicionarem-se como autores de seu próprio dizer. Nossa
preocupação com tais dificuldades, particularmente no âmbito das denominadas
“disciplinas pedagógicas”, no curso de Licenciatura em Química, motivou-nos a
investigar a relação que estabelecem com a escrita. A pesquisa por nós desenvolvida,
em 2014, denominada Estudantes Universitários e a Escrita Acadêmica: relações e
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consequências para a produção textual, trouxe indícios de que muitos estudantes não se
relacionam positivamente com a escrita, o que afeta o processo de instauração de
autoria, nos textos por eles produzidos.
As conclusões a que chegamos, a partir da citada pesquisa, instigou-nos à
elaboração e realização de um projeto de trabalho que objetivou oferecer aos estudantes
de Licenciatura em Química, em processo de formação inicial, subsídios linguístico-
discursivos para melhorar sua escrita acadêmica. O projeto ao qual nos referimos
denomina-se “Práticas de Reescrita” e parte do pressuposto de que a reescrita possibilita
ao sujeito ocupar o lugar de autor de seu próprio dizer.
Para o filósofo francês Michel Foucault (1969), o autor é considerado como
princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações,
como centro de sua coerência. O autor é aquele que inaugura e instaura uma
discursividade, como, por exemplo, os estudiosos Karl Marx, Sigmund Freud e
Ferdinand Saussure.
Orlandi e Guimarães (1988), diferentemente de Foucault (1969), consideram que
o autor é uma das posições que pode ser ocupada pelo sujeito do discurso. Para tanto,
deve construir um texto claro, coerente e “completo”, isto é, com unidade (começo,
meio e fim). É necessário preocupar-se com o interlocutor e responsabilizar-se pelos
efeitos de sentidos, que podem vir a ser produzidos a partir das formações discursivas
nas quais se inscreve e, consequentemente, pelas formações ideológicas a que se
remetem.
Para dialogar com os teóricos acima, trazemos as contribuições de Tfouni
(1995). De acordo com a linguista, “(...) o autor é uma posição de sujeito a partir da qual
ele consegue estruturar seu discurso (oral ou escrito), de acordo com um princípio
organizador contraditório, porém necessário (...)” (TFOUNI, 1995, p.42). Isso porque
existe no processo de produção de um texto, movimentos de deriva e dispersão de
sentidos inevitáveis, que devem ser controlados pelo autor, a fim de que possa dar ao
seu discurso uma unidade aparente.
Assumimos, em nossas pesquisas, o conceito proposto por Tfouni (1995, 2001),
pois, em concordância com a estudiosa, entendemos que a autoria pode instalar-se
também em discursos orais, o que nos possibilita reconhecer e valorizar essa
modalidade discursiva, na qual podem ser observadas características do discurso da
escrita.
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Ainda nessa seção, destinada à introdução, gostaríamos de destacar que
compreendemos a formação inicial como um processo múltiplo, não linear, cujas vozes,
memória discursiva, saberes, práticas e experiências, acumulados ao longo da história
do sujeito e, portanto, de seu percurso histórico-social e ideológico, afetam
sobremaneira o modo como se relaciona com os objetos do conhecimento, de maneira
ampla e com a escrita, de forma particular, além de afetarem também a constituição da
identidade profissional do sujeito estudante, que, futuramente poderá atuar nos dois
primeiros ciclos da Educação Básica, ensino infantil e ensino fundamental, assim como
na coordenação e gestão educacional.
Para apresentarmos os resultados da investigação que dizem respeito às práticas
de reescrita, organizamos o presente artigo em quatro diferentes seções: a primeira traz
alguns conceitos centrais do arcabouço teórico ao qual nos filiamos e que sustenta
nossos estudos, desde sempre, em seguida, na segunda seção, expomos como se deu a
constituição do corpus. Dedicamo-nos, por fim, às análises discursivas dos recortes
selecionados e concluímos o presente trabalho com algumas considerações finais.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: conceitos centrais
Iniciando a apresentação de alguns dos inúmeros conceitos, princípios e
definições da Análise de Discurso de Matriz Francesa, destacamos o conceito de
discurso: “(...) efeito de sentidos entre interlocutores, sócio-historicamente
determinados” (PÊCHEUX, 1990, p. 168). Compreender o que é efeito de sentidos é
compreender que o sentido não está alocado em lugar nenhum, mas se produz nas
relações: dos sujeitos, dos sentidos, e isso só é possível porque sujeito e sentido se
constituem mutuamente pela sua inserção no jogo das múltiplas formações discursivas.
É importante dizer que a Análise de Discurso de Matriz Francesa (doravante
AD) é um campo teórico formado por três regiões do conhecimento: a linguística, o
materialismo histórico e a psicanálise. A linguística nos permite compreender que a
língua não é neutra nem evidente; ela tem sua ordem e é marcada por materialidade
específica; o marxismo mostra-nos que o homem faz história, mas ela não lhe é
transparente e a psicanálise, por sua vez, traz a noção de sujeito que se coloca como
tendo sua opacidade: ele não é transparente nem para si mesmo.
Dando sequência, ressaltamos que, de acordo com a perspectiva discursiva, o
sujeito ocupa diferentes posições discursivas, a partir das quais enuncia. Não
trabalhamos com a noção de indivíduo, sujeito empírico ou psicológico, mas sim de um
sujeito que fala a partir de um lugar, reconhecido institucionalmente. Assim, dentro do
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Discurso Pedagógico Escolar, DPE, temos, por exemplo, a posição sujeito professor,
posição sujeito estudante, coordenador-pedagógico, dentre outras. O sujeito da AD é,
também, o sujeito do inconsciente e sujeito da ideologia, cujo discurso mantém sempre
relação com outros dizeres.
Outro princípio fundamental para a AD é o que se refere à consideração de que
há uma relação constitutiva entre linguagem e exterioridade. Dessa forma, os
interlocutores e as posições de sujeito por eles ocupadas, a situação, quer seja em
sentido estrito (o aqui e o agora), onde ocorre o dizer, quer seja em sentido lato
(contexto histórico-social e ideológico e ainda a memória) isto é, as condições de
produção, não são meros complementos, mas sim características dos dizeres produzidos
pelos sujeitos, segundo Pêcheux (1995) e, portanto, devem ser consideradas, no
processo de análise.
O conceito de memória é relevante para o presente trabalho, pois partimos do
pressuposto de que tanto a escrita quanto a reescrita são formadas por enunciados que
não vêm apenas de um imaginário “ponto de origem” ou “ponto de partida”, mas sim de
enunciados provenientes de outros discursos. Assim, o dizer não é propriedade
particular do sujeito, as palavras não são exclusivamente suas, visto que significam pela
história e pela língua. Dessa forma, o que já foi dito em outro lugar, sentidos já
formulados e enunciados continuam ecoando em suas palavras, produzindo
significados.
Cumpre esclarecer que, de acordo com o enfoque discursivo, entendemos
memória social como “aquela que é inscrita no seio das práticas discursivas”
(COURTINE, 1981, p. 45). Não se trata, portanto, de memória de um ponto de vista
psicológico ou cognitivo.
Para dialogar com o autor acima, mobilizamos Pêcheux (1999), que nos diz:
uma memória não poderia ser concebida como uma esfera plena, cujas
bordas seriam transcendentais históricos e cujos conteúdo seria um
sentido homogêneo, acumulado ao modo de um reservatório: é
necessariamente um espaço de desdobramentos, de réplicas,
polêmicas e contra-discursos (PÊCHEUX, 1999, p. 10).
É a memória que nos permite reconhecer, na reescrita, efeitos de reprodução, de
deslocamentos ou de transformações de sentidos, pois todo dizer encontra-se na
confluência dos dois eixos, o da memória (constituição) e o da atualidade (formulação).
No processo de reescrita, o sujeito está submetido, inconscientemente, tanto a
uma memória social, quanto à memória discursiva (memória particular), memórias essas
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que o conduzem a um determinado gesto interpretativo, e este, por sua vez, estabelece a
predominância de um sentido em detrimento de outros, fazendo parecer, em alguns
casos, que o sentido escolhido é o único possível.
Seguindo com a nossa exposição, destacamos os conceitos de formação
ideológica e de formação discursiva. Esta impõe o que dizer aquela, o que pensar. As
formações ideológicas projetam no discurso as formações discursivas, que são práticas
que estão em constante movimento, entrecruzando-se e, consequentemente,
(trans)formando-se e (re)produzindo saberes, por meio do interdiscurso. Elas são
frequentadas pelo discurso do outro e suas fronteiras são fundamentalmente instáveis,
fluidas e heterogêneas.
Prosseguindo com a exposição teórica, voltamos nossas atenções para os
conceitos de autoria, tal como pensada por três diferentes estudiosos: Foucault (1969),
Orlandi e Guimarães (1988) e Tfouni (1995, 2001).
ASPECTOS METODOLÓGICOS: constituição do corpus e procedimentos
de análise
A fundamentação teórica deste trabalho, a AD, inscreve-se em um paradigma de
ciência específico, fundamentado na interpretação, tal como proposto por Ginzburg
(1989), que nos ensina a buscar, reconhecer e valorizar pistas, indícios e sinais, até
mesmo os imperceptíveis. Os procedimentos de análise consideram os indícios
linguístico-discursivas. que nos levam ao processo discursivo, possibilitando-nos
explicar o funcionamento do discurso e a relação entre esse funcionamento e as
formações discursivas que, por sua vez, remetem às formações ideológicas.
Nesse contexto, é importante dizer que, de acordo com a perspectiva discursiva,
só podemos falar em corpus a partir de um “recorte” de dados, determinado pelas
condições de produção, levando-se em conta os objetivos e princípios teóricos que,
orientando toda a análise, possibilitam uma leitura não subjetiva dos dados, entendidos
aqui como fatos linguísticos, posto que têm historicidade e memória; elementos que se
inscrevem na língua e no discurso.
O corpus dessa pesquisa foi constituído por entrevistas semiestruturadas,
realizadas com vinte e oito estudantes do curso de Licenciatura em Química, de uma
universidade pública do interior do Estado de São Paulo. Integram também o corpus
depoimentos, desses mesmos vinte e oito sujeitos, a respeito de suas relações com a
escrita acadêmica, e, ainda, 148 (cento e quarenta e oito reescritas), por eles produzidas,
a partir de textos que versam sobre diferentes temas educacionais, relacionados às
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disciplinas pedagógicas, por eles cursadas ao longo da graduação, Licenciatura em
Química.
A partir desse “amplo espaço discursivo” (MAINGUENEAU, 1997), realizamos
alguns recortes, compreendidos aqui como fragmentos correlacionados de linguagem e
situação. Desses recortes nasceram as seqüências discursivas de referência, SDR, tais
como formuladas por Courtine (1981).
Para esse evento, analisaremos três fragmentos de práticas de reescrita, sendo
que o primeiro deles é um recorte de um extenso trabalho acadêmico, denominado
“relatório de estágio”, realizado como uma das atividades propostas pela disciplina de
Didática Geral, no ano de 2015. O citado fragmento foi construído sem qualquer
mediação, ou intervenção de docente, educador ou colega de classe. O segundo, por sua
vez, é produto de um trabalho de reescrita, ou melhor, de reescritas, visto que esse
processo exigiu que o mesmo texto fosse reescrito três diferentes vezes, até chegar à
versão “final”, que será, mais adiante, exposta e analisada.
Tendo apresentado alguns dos mais relevantes conceitos teórico-metodológicos
que nos amparam, dedicar-nos-emos, a seguir, à análise discursiva do recorte
selecionado.
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO CURSO DE EXTENSÃO
Tendo em vista nosso propósito de contribuir com ações que pudessem
melhorar a escrita dos sujeitos estudantes universitários, desenvolvemos um projeto de
extensão universitária, para o qual elegemos a reescrita de textos, como alternativa que
pudesse lhes ajudar no processo de aprendizado e aprimoramento da escrita acadêmica.
A prática da reescrita, concebida aqui como “(...) conjunto de modificações
escriturais pelas quais diversos estados do texto constituem as sequências recuperáveis
visando um texto terminal” (FIAD, 2009, p. 148), é por nós tratada como sendo
alternativa viável para o sujeito do discurso ocupar o lugar de autor, visto que este pode
retroceder, retomar o seu dizer e suas interpretações, o que pode lhe ajudar a aprender a
escutar os sentidos que (re)produz.
Os estudantes foram convidados a participar do projeto e a ele aderiram
espontaneamente. Foram concretizados dez encontros de seis horas cada um, no âmbito
de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo. Os materiais, textos
fotocopiados, foram disponibilizados gratuitamente para os estudantes Os encontros
aconteceram aos sábados Ao final de cada uma das reescritas, dávamos devolutivas
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escritas das correções dos textos reescritos, tanto em reuniões gerais, envolvendo todo o
grupo de cursistas, como em reuniões individuais, com fins específicos.
Os textos “originais”, ou seja, os que serviram como ponto de partida para a
elaboração das reescritas, foram escolhidos por nós, em alguns casos, como, por
exemplo, resenhas de livros, capítulos de dissertações e teses, artigos científicos
publicados em periódicos qualificados, e, em outras oportunidades, trabalhamos com
textos trazidos pelos próprios estudantes, por exemplo, relatórios de estágio, de visitas
técnicas, de iniciação científica, de finais de conclusão de disciplina ou curso e artigos
científicos, em processo de elaboração.
O fragmento que mostraremos a seguir refere-se à seção denominada
“conclusões” de um relatório de estágio, elaborado pelo sujeito estudante “M.J.”, no
mês de maio de 2015.
GESTOS DE INTERPRETAÇÃO
Recorte Número 2 - Produção Linguística Escrita- Relatório de Estágio
Podemos agora concluir este relatório, pois apresentamos tudo o que vivemos no
longuíssimo e difícil estágio que nos ensinou muitas coisas, como, por exemplo, que os
estudantes notam de verdade o que fazemos, o que falamos, o que escrevemos, o que
damos de matéria; embora não conseguisse relatar e contar tudo, aprendi sim muito e
podemos falar que os estágios ajudam a gente a amadurecer, a crescer e agora falando
de novo eu afirmo que a experiências que fizemos no laboratório foram muito válidas
porque os alunos gostaram e nós também gostamos muito e ficou claro que não dá para
ensinar Química sem ir no laboratório, a gente, eu e a minha dupla falamos desde o
começo que o laboratório era esquecido, depósito de lixo, que ninguém ia lá. (Sujeito
Estudante-Universitário “M.J.”).
É possível observar que a posição de sujeito “M.J.”, embora anuncie que “já
pode concluir o relatório” não consegue fazê-lo, pois não dá conta de organizar o seu
texto de forma a dar-lhe um caráter conclusivo, o que implicaria o uso de certos
conectivos da língua portuguesa, que o ajudariam a produzir o efeito de sentido de
“fechamento” e de “finalização”. Um dos motivos pelos quais não consegue “fechar” o
“texto” que produz tem a ver com o fato de utilizar esse espaço para reproduzir
descrições e argumentos já apresentados anteriormente, sem que a eles sejam
acrescentadas análises críticas ou considerações outras, baseadas em argumentos que
poderiam lhe ajudar a sustentar suas afirmações e possíveis conclusões.
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Outros elementos que podem se notados dizem respeito à ausência de coesão
textual, que evitaria o efeito de sentidos de contradição dos fatos narrados. As
sequências apresentamos tudo o que vivemos no longuíssimo e difícil estágio e embora
não conseguisse relatar e contar tudo materializam nossos argumentos. Os enunciados
destacados indiciam que, nessa produção linguística, a posição de sujeito universitário
deixa-se capturar pelas duas ilusões do sujeito (a número 1 e a número 2), tais como
pensadas por Pêcheux (1990). Essas ilusões lhe fazem acreditar que há uma relação
direta entre pensamento, linguagem e mundo e, também, que é a origem do que diz, um
sujeito que supostamente inauguraria sentidos. Sob a regência dessas ilusões, o sujeito
não consegue pressupor a incompletude da linguagem e dos sentidos.
A posição de sujeito “M.J”, não consegue distanciar-se de sua produção
linguística e olhá-la de outro lugar, denominado por Tfouni (2001) de “lugar de autor”.
Ocupar esse lugar permitir-lhe-ia retornar aos enunciados e articulá-los, evitando, assim,
a produção de um efeito de sentido que nos dá a percepção de que escreveu somente
para frente, ou seja, sem considerar e retomar enunciados anteriores.
Cumpre dizer que concebemos autor como uma posição discursiva, diferente de
escritor e de narrador (MAINGUENEAU, 1997) e o seu trabalho consiste em organizar
a afluência dos significantes, mediante a elaboração de “rascunhos mentais”, como
propõe Vygostsky (1984).
Concentremo-nos no recorte abaixo, observando como ficou a terceira versão
do fragmento, após ser reescrito.
Recorte Número 3 – Terceira Reescrita do Fragmento Referente ao
Relatório de Estágio.
Concluímos esse relatório dizendo que, embora o estágio tenha sido longo e
difícil, trouxe-nos muitos aprendizados, dentre eles o de que os estudantes sempre nos
observam, em nossas ações, atitudes, comportamentos e conhecimentos dos conteúdos
da matéria.
Além disso, eu e meu parceiro. L.H. observamos que os experimentos
desenvolvidos no laboratório motivam os alunos, ajudando-os a se interessarem pelo
ensino de Química e compreenderem alguns complexos conceitos. Entendemos,
portanto, que esse espaço deve ser cuidado e preservado, tanto pelos professores e
gestores como pelos alunos.
Para finalizar nosso relatório, queremos dizer que o estágio nos trouxe
amadurecimento pessoal e contribuiu para nossa formação profissional (Sujeito
Estudante-Universitário M.J.).
O recorte que acima expusemos traz a terceira reescrita do fragmento em análise,
tendo sido realizada em condições de produção que instigaram o estudante reler a sua
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primeira escrita, retomá-la e observar a ausência de elementos essenciais, como a
coesão e a coerência. Apresentamos, também, exemplos de relatórios e artigos
científicos, nos quais podíamos identificar parágrafos finalizadores.
É possível notar que o fragmento acima se constitui em um texto, no qual a
posição de sujeito “M.J.” organiza o seu dizer, antes caracterizado pela dispersão, num
todo coerente, conferindo-lhe, assim, unidade e coesão, indícios de emergência de
autoria, de acordo com Tfouni (1995, 2005.). Para essa estudiosa, o autor precisa ter
domínio de certos mecanismos discursivos, a fim de assegurar a progressão textual, que
pode ser desenvolvida a partir da inserção de argumentos que se concatenam aos já
explicitados. No caso em questão, podemos observar que a utilização do conectivo,
além disso, no início do segundo parágrafo, contribui para a evolução textual, sem
contradizer o argumento anterior. É possível observar, também, que o sujeito consegue
produzir efeitos de sentido de fechamento, marcados linguisticamente pelas expressões
“portanto” e “para finalizar”. O efeito de sentido de “fechamento” é outro importante
indício de autoria, posto que o processo de “finalização” exige que o sujeito retroaja
linguisticamente, a fim de concatenar os enunciados.
Outro indício de emergência de autoria, no recorte acima, é a expressão “esse
espaço”, que retoma “no laboratório”. O uso correto do pronome “esse”, seguido do
substantivo “espaço”, assinala que a posição de sujeito retroagiu sobre o processo de
produção de sentidos, procurando “amarrar” a dispersão, que “(...) está sempre
virtualmente se instalando, devido à equivocidade da língua”, como afirma Tfouni,
(1995, p.83). Dessa forma, consegue olhar para o enunciado de um outro lugar, que a
autora denomina “lugar de autor” (TFOUNI, 1995, p. 83).
A breve análise por nós empreendida mostra, portanto, que o trabalho com a
reescrita, quando realizado em condições favoráveis de produção, pode auxiliar o
sujeito estudante a produzir textos acadêmicos, nos quais a dispersão e a deriva de
sentidos são controladas, o que já é passo importante para que possa se posicionar como
autor de seu próprio dizer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho linguístico-pedagógico com a reescrita exige a criação de reais
espaços interpretativos, que permitam aos estudantes inscreverem-se no interdiscurso
que lhes constitui, criar sítios de significância e historicizar “seus” sentidos, colocando-
os ativos no funcionamento da linguagem. É necessário considerar também a
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subjetividade do sujeito educando e sua memória particular de sentidos (memória
discursiva), em relação aos diferentes campos de conhecimento, temas, posto que esses
fatores reverberam no seu dizer atual, quer seja na escrita ou na reescrita.
Alternativas educacionais que ofereçam aos estudantes condições de produção
para que se inscrevam em formações discursivas que lhes permitam relacionar-se de
forma crítica com a escrita, compreendendo-a em sua densidade e em seu
funcionamento linguístico-histórico-ideológico, podem contribuir para que se
desloquem dos lugares de enunciador de sentidos alheios e de reprodutor de paráfrases.
Se, de fato, queremos um ensino que conduza os estudantes pelos quais somos
responsáveis à posição de sujeito-autor, é premente que possamos ajudá-los a
inscreverem-se em outras e novas formações discursivas.
Nessa direção, a reescrita apresenta-se como uma proposta exequível, pois se
trata de um processo que afeta e promove a (re)significação, não apenas dos aspectos
linguístico-discursivos da língua e da escrita, propriamente ditas, mas, também, de
sentidos silenciados, da subjetividade e da identidade do sujeito-estudante, em processo
de formação profissional para o exercício da docência. Nessa linha de pensamento,
destacamos nossa concordância com Hall (2006), que nos ensina que a identidade fixa,
plenamente unificada, coerente é um equívoco, pois ao longo de nossas vidas e,
portanto, em nossas histórias, somos confrontados por uma multiplicidade de
identidades, com cada uma das quais podemos nos identificar, por certo tempo.
No trabalho realizado, pudemos observar que a reescrita provocou nos sujeitos
envolvidos o desencadeamento de “outras” ideias e “novos sentidos”, permitindo-lhes
ressignificar suas relações com as práticas sociais de leitura e de escrita. Dito de outra
forma, a reescrita configurou-se também como um espaço para que pudessem refletir
sobre os seus próprios processos de leitura, de interpretação e de escrita propriamente
dita, configurando-se assim como um espaço onde puderam “falar de si” (FOUCAULT,
1969).
Tendo em vista que esses sujeitos, em breve, ocuparão a posição de sujeitos-
professores, em uma sociedade pós-moderna, acreditamos que serão melhor formados à
medida que se entenderem como sujeitos capazes de contrapor-se ao instituído, às
verdades absolutas, aos “discursos da verdade” sobre o professor, seus saberes e
práticas.
Fechamos este trabalho valendo-nos da imagem do manteau d’Arlequim que
acolhe a ideia de que a constituição do sujeito é marcada pela heterogeneidade de vozes,
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práticas, identidades e incompletude, o que no processo de desenvolvimento e formação
profissional docente nos conduz à certeza de que nada está pronto, acabado. Ao
contrário, estamos em processo ininterrupto de formação, (re) escrevendo-nos, sempre.
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