A Música Litúrgica no Brasil - CNBB - 79

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1 A MSICA LITRGICA NO BRASILColeo ESTUDOS DA CNBB 1. Espiritualidade presbiteral hoje* 2. Igreja e poltica Subsdios teolgicos* 3. Comunidades: Igreja na base* 4. Pastoral carcerria* 5. A pastoral vocacional Realidade, reflexes e pistas* 6. Igreja e educao 7. A famlia Mudana de caminhos* 8. Pastoral do dzimo 9. Pastoral da sade* 10. Pastoral social* 11. Pastoral da terra I* 12. Estudo sobre os cantos da missa* 13. Pastoral da terra II Posse e conflitos* 14. Educao religiosa nas escolas* 15. Prostituio: desafio sociedade e Igreja* 16. Conselhos presbiterais diocesanos* 17. Com Deus me deito, com Deus me levanto 18. Manual simplificado do trabalhador rural* 19. Por uma sociedade superando as dominaes* 20. Pastoral da famlia* 21. Guia ecumnico* 22. Pistas para uma pastoral urbana* 23. Comunidades Eclesiais de Base no Brasil Experincias e perspectivas 24. Subsdios para uma poltica social* 25. O Papa vem ao Brasil* 26. Sofrer em Cristo Jesus Espiritualidade do enfermo* 27. Bibliografia sobre a religiosidade popular* 28. Pela unidade dos cristos Guia ecumnico popular* 29. Situao do clero no Brasil* 30. Propriedade e uso do solo urbano* 31. Critas hoje* 32. A famlia e a promoo da vida* 33. Liturgia de rdio e televiso 34. Obras sociais da Igreja no Brasil* 35. Campanha da fraternidade* 36. Guia pedaggico de pastoral vocacional* 37. A pastoral das migraes* 38. Comisso justia e paz* 39. Colaborao intereclesial no Brasil* 40. Situao e vida dos seminaristas maiores no Brasil* 41. Para uma pastoral da educao 42. Liturgia: 20 anos de caminhada ps-conciliar 43. Os povos indgenas e a Nova Repblica* 44. Pastoral da juventude no Brasil* 45. Leigos e participao na Igreja* 46. Guia para o dilogo catlico-judaico no Brasil 47. Os leigos na Igreja e no mundo 48. Assemblia eletrnica litrgica* 49. O ensino religioso* 50. A pastoral vocacional no Brasil: histria e perspectivas 51. Orientaes para os estudos filosficos e teolgicos* 52. Guia para o dilogo inter-religioso 53. Textos e manuais de catequese 54. Migraes no Brasil: um desafio pastoral* 55. Primeira semana brasileira de catequese 56. Evangelizao e pastoral da universidade* 57. Diaconato no Brasil 58. Para onde vai a cultura brasileira? Desafios pastorais 59. Formao de catequistas: Critrios pastorais 60. Participao popular e cidadania: A Igreja no processo constituinte 61. Orientaes para a catequese da crisma 62. A Igreja catlica diante do pluralismo religioso no Brasil (I) 63. Educao: Exigncias crists 64. Diretrizes 1991-1994: Caminhada Desafios Propostas* 65. Pastoral familiar no Brasil 66. Maonaria e Igreja: conciliveis ou inconciliveis? 67. Santo Domingo Prioridades e compromissos pastorais 68. A Igreja e os novos grupos religiosos 69. A Igreja catlica diante do pluralismo religioso no Brasil (II) 70. Missa de televiso 71. A Igreja catlica diante do pluralismo religioso no Brasil (III) 72. Comunicao e Igreja no Brasil 73. Catequese para um mundo em mudana 74. Situao e vida dos seminaristas maiores no Brasil (II) 75. Igreja e Comunicao - Rumo ao novo milnio 76. Marco referencial da Pastoral da Juventude do Brasil 77. Misso e ministrios dos leigos e leigas cristos 78. O hoje de Deus em nosso cho 79. A msica litrgica no Brasil.

*: Esgotado.

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A Msica litrgica no BrasilUm subsdio para quantos se ocupam da msica litrgica na Igreja de Deus que est no Brasil

Reviso Alexandre S. Santana Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil. A msica litrgica no Brasil: um subsdio para quantos se ocupam da msica litrgica na Igreja de Deus que est no Brasil / Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil. So Paulo: Paulus, 1999. (Estudos da CNBB; 79) Bibliografia. ISBN 85-349-1520-2 1. Cantos sacros 2. Celebraes litrgicas 3. Msica sacra - Brasil I. Ttulo. II. Srie. 99-1850 CDD-781.71200981 ndices para catlogo sistemtico: 1. Brasil: Msica litrgica: Igreja Catlica 781.71200981 PAULUS 1999 Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 So Paulo (Brasil) Fax (011) 570-3627 Tel. (011) 5084-3066 http://www.paulus.org.br [email protected] ISBN 85-349-1520-2

3APRESENTAOCom grata satisfao, apresento o texto da coleo Estudos da CNBB A msica litrgica no Brasil. O documento 7, publicado em 1976, em alguns aspectos j no respondia mais aos tempos de hoje, diante das mudanas da sociedade, com suas novas formas de comunicao e expresso artstico-musical, como tambm diante da caminhada das nossas comunidades celebrantes. Da a necessidade de atualiz-lo, enriquec-lo, aprofund-lo, ampli-lo. Foram mais de quatro anos de pesquisas, encontros, estudos, contribuies pessoais de liturgistas e musicistas, como tambm de grupos organizados para tal. Sem falar da equipe nacional constituda, que se reuniu vrias vezes para chegar ao texto definitivo. Por mais que se fale ou se escreva sobre isso, nunca se esgotar o assunto. nessa linha que se coloca o nosso texto. Apesar de tanto tempo em preparao, com sucessivas revises e melhoramentos, continua um texto aberto para novas contribuies. Apresenta-se no como Documento, mas sim como Estudo. Sua publicao tem a finalidade, ento, de ser uma luz para a animao de nossas celebraes, e tambm um provocador de novas reflexes, pesquisas, discusses, estudos, debates, de tal maneira que poder ser enriquecido ainda mais. Didaticamente, o texto nos leva a aproveitar dos seus contedos, trazendo, no final de cada parte, um roteiro com perguntas. Um timo subsdio para as equipes de liturgia e de canto, como tambm para encontros e cursos. Temos certeza de que este texto nos ajudar ainda mais a cantar a Liturgia, e contribuir para fazer de nossa vida um louvor a Deus! Um agradecimento a todos os que colaboraram para que isso acontecesse. Deus lhes pague. Braslia, 4 de dezembro de 1998 35 Aniversrio da Sacrosanctum Concilium D. Geraldo Lyrio Rocha Bispo de Colatina - ES Responsvel pela Dimenso Litrgica na CNBB

4PARA VOC, MEU IRMO, MINHA IRM...que lida com msica, canto e dana, na caminhada do Povo de Deus para a Terra Prometida, como animador ou animadora do canto de sua Comunidade, como autor de textos, compositor de msicas ou criador de coreografias para as celebraes do Povo Sacerdotal, como responsvel, em qualquer nvel, pela Pastoral da Msica Litrgica, vo estas pginas, escritas com o carinho do Bom Pastor, que continua conduzindo o Rebanho para as fontes de gua fresca e quer contar com o seu servio, para tornar a caminhada mais amena e animada ao som de melodias e ritmos, ora suaves, ora fortes, de um canto capaz de expressar os anseios que brotam das profundezas de nossas angstias e carncias, canto motivado por uma F que ilumina e aquece os coraes, canto portador da Esperana que no engana, canto transbordante de Amor ao Pai e Humanidade, canto capaz de celebrar as contnuas passagens do Deus Libertador na vida da gente. Voc encontrar aqui o que de melhor pudemos recolher para vir em seu auxlio, pensando em ajud-lo a realizar melhor a sua tarefa musical junto a seu povo, o Povo de Deus: I. Um olhar sobre a realidade musical de nossas celebraes: o que, no momento, aparece de mais significativo, tanto as coisas positivas, que nos alegram, iluminam e encorajam, quanto as negativas, que nos preocupam, questionam e desafiam. II. Uma informao e reflexo to ampla e profunda quanto possvel, vazada na experincia dos povos, na experincia bblica, na experincia eclesial de quase 2.000 anos, que, com certeza, iluminar o seu olhar sobre a realidade

5e ajudar voc, tanto na avaliao do que existe quanto na busca criativa de caminhos para o seu servio musical na Liturgia da nossa Igreja. III. Finalmente, para subsidi-lo de maneira mais concreta nos afazeres do dia-a-dia do seu ministrio musical, uma srie de critrios e orientaes prticas, definidos a partir das melhores tradies e experincias. Que voc, querido irmo ou irm, possa aproveitar da melhor maneira tudo quanto geraes sem conta de outros irmos e irms lhe proporcionam, lembrando que o que se espera de voc , antes de tudo, a entrega de sua prpria vida a servio do Reino, para que o seu ministrio musical tenha o sabor e a consistncia das coisas verdadeiras e vividas, como bem reza uma antiga orao: Cantem a vossa glria, Senhor, os nossos lbios, cantem nossos coraes e nossa vida; e j que vosso dom tudo o que somos, para vs se oriente o nosso viver.1

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LH, III vol., Or. da Manh, sb. 2 sem., p. 884.

61. COMO VAI A MSICA LITRGICA ENTRE NS?1.1. O SONHO DO LTIMO CONCLIO ECUMNICO

1. Trinta e cinco anos atrs, a primeira e solene palavra do Conclio Vaticano II foi justamente a Constituio sobre a Sagrada Liturgia, datada de 4 de dezembro de 1963. Este importante documento veio antes de tudo reavivar a f tradicional da Igreja: Nunca, depois disto (isto , aps a vinda do Esprito Santo, no dia de Pentecostes), a Igreja deixou de reunir-se para celebrar o Mistrio Pascal: lendo tudo quanto a Ele (Jesus) se referia em todas as Escrituras (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual se torna novamente presente a vitria e o triunfo da sua morte (Conc. de Trento) e, ao mesmo tempo, dando graas a Deus pelo dom inefvel (2Cor 9,15) em Jesus Cristo, para louvor de sua glria (Ef 1,12), pela fora do Esprito Santo.2 2. O grande anseio do Conclio, naquele momento, e dos que hoje nos preocupamos com a Liturgia era e : que todos os fiis sejam levados quela plena, cnscia e ativa participao das celebraes litrgicas, que a prpria natureza da Liturgia exige e qual, por fora do batismo, o povo cristo, gerao escolhida, sacerdcio rgio, gente santa, povo da conquista (1Pd 2,9; cf. 2,4-5), tem direito e obrigao.3 3. neste contexto ideal que devemos situar o canto de nossas Comunidades Crists ao celebrarem sua f, e conseqentemente o exerccio dos ministrios musicais. E o mesmo Conclio que, ao constatar que grande parte da participao da assemblia assegurada pela msica, pelo canto, percebe e proclama que a msica, o canto litrgico, no so apenas enfeite, mas fazem parte necessria ou integrante da liturgia solene.4 Por esta razo, os que exercem nestas celebraes algum servio musical, cantores, instrumentistas, regentes ou animadores do canto da assemblia desempenham verdadeiro ministrio litrgico.5 Mas importantssimo recordar, j de incio, a concepo que os padres conciliares tinham da funo ministerial da msica sacra no culto do Senhor. Segundo eles, a msica sacra ser tanto mais santa quanto mais intimamente estiver ligada ao litrgica, quer exprimindo mais suavemente a orao, quer favorecendo a unanimidade, quer, enfim, dando maior solenidade aos ritos sagrados.6 4. Para essa participao ser tambm frutuosa, como deseja o Conclio, tem-se buscado, entre ns, uma resposta sincera pergunta: como ligar mais profundamente liturgia e vida?... Pensando concretamente em nossa realidade de Amrica Latina, de Brasil, e levando em conta a diversidade das regies, como as celebraes litrgicas poderiam suscitar em seus participantes um compromisso com a transformao, tanto pessoal quanto social, como testemunho e sinal do Reino de Deus entre ns?... E o que a msica e o canto de nossas celebraes tm a ver com isso?... 5. Vamos erguer nosso olhar sobre o caminho percorrido, procurando identificar quanto de bom se realizou e precisa no s ser mantido, mas avanar... quanto

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SC 6. SC 14. 4 SC 112. 5 SC 29. 6 SC 112.

7de falho ainda permanece e precisa ser corrigido ou superado..., bem como nossas chances de progresso e crescimento. 1.2. NOSSOS XITOS, O QUE DE MELHOR TEMOS CONSEGUIDO. 6. A experincia universal prova que o canto cria comunidade, liga as pessoas entre si, e mais eficazmente as pe em sintonia com o Mistrio, com Deus. Podemos verificar que no Brasil, em nossa Igreja Catlica, dentro do processo da renovao litrgica, vem-se fazendo grande esforo para criar uma msica na linguagem do povo, enraizada tanto na tradio bblico-litrgica quanto na nossa experincia eclesial latinoamericana e brasileira e na cultura musical do nosso pas, na variedade cultural de suas regies. 7. Desde a dcada de 60, vm-se realizando encontros nacionais e regionais de msicos, musiclogos, folcloristas e liturgistas, especialmente por iniciativa da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tendo em vista o estudo, a criao e o incentivo de uma msica litrgica brasileira. 8. Em nvel regional e diocesano, anualmente, se organizam Cursos de Canto Pastoral e Litrgico. Neles, alm de os msicos das mais diversas regies terem a oportunidade de apresentar suas novas composies, cuida-se tambm da formao litrgica dos participantes. 9. Desde 1992, o Curso Ecumnico de Formao e Atualizao LitrgicoMusical (CELMU) procura ajudar na preparao adequada de compositores(as), letristas, animadores(as) de canto, regentes e instrumentistas engajados na pastoral litrgicomusical. Atravs deles e delas, as comunidades esto conhecendo, apreciando e executando cantos provindos de outras Igrejas e tradies crists. 10. A Campanha da Fraternidade, desde 1964, tem organizado, anualmente, concursos que possibilitam a criao de textos e melodias sobre determinado aspecto social da realidade brasileira. 11. Grande variedade de publicaes, nestes ltimos anos, tem dado apoio eficiente prtica da msica litrgica em todas as regies do nosso pas. Primeiro, na euforia da renovao conciliar, apareceram as Fichas Pastorais. Em seguida, publicou-se o Cantos e Oraes, que recolheu e divulgou o que parecia vlido e atual tanto em antigas coletneas, como Harpa de Sio e Ceclia, como nas criaes mais recentes do psConclio... A srie Povo de Deus representou grande esforo de levar a assemblia a cantar os textos prprios da Missa de cada domingo, com melodias e ritmos brasileiros. Muitos compositores de renome nacional foram convidados a participar desse empreendimento. Um pouco por toda a parte, foram-se multiplicando as publicaes de livros ou cadernos de cantos, de gravaes e partituras, ligadas ou no aos folhetos litrgicos, por iniciativa dos prprios compositores, de Editoras, Dioceses, Pastorais, Movimentos ou Grupos. Duas publicaes merecem destaque, pela qualidade criteriosa de seus repertrios e pelo alcance de sua eficcia pastoral, espiritual e litrgica: os quatro volumes do Hinrio Litrgico da CNBB e o Ofcio Divino das Comunidades (ODC). 12. A participao do povo no canto litrgico tem recebido apoio e incentivo da parte de muitos pastores. Em numerosas comunidades, as celebraes vo-se tornando mais vivas e vibrantes, e o canto de toda a assemblia cresce e se faz amplamente presente.

813. A introduo e uso dos mais diversos instrumentos, na grande maioria das comunidades, enriqueceu e valorizou o canto litrgico. 14. O repertrio litrgico-musical tornou-se bastante amplo e variado, procurando responder, tambm, a novas formas de celebrao, como, por exemplo, as celebraes dominicais nas CEBs, as Romarias, os Louvores, as Viglias... 15. A Bblia, a vida do povo, a religiosidade popular e as razes musicais populares tm sido consideradas como fontes de inspirao na composio do canto litrgico. 16. Cada vez mais tem-se dado importncia expresso simblica e corporal, mediante gestos, encenaes e danas ligadas ao canto, tornando as celebraes mais afetivas e expressivas, menos verbais e cerebrais. 17. As possibilidades de criatividade que os livros litrgicos oferecem esto sendo melhor aproveitadas. Nos ltimos anos, vem-se dando maior ateno aos cantos do assim chamado Ordinrio, isto , s partes fixas da celebrao, como tambm s aclamaes do povo, cantadas, na Orao Eucarstica. 18. Na ltima dcada, surgiram cantos que correspondem mais ndole prpria das diversas regies e comunidades, significando um avano no processo da inculturao, quanto aos textos, s melodias, aos ritmos e instrumentos. A publicao do ODC e dos subsdios que o acompanham tem-se destacado dentro deste processo. 19. A introduo de refros meditativos, no incio ou mesmo em algum momento da celebrao, tem favorecido o clima de orao, de meditao, de concentrao, de paz, de ateno. So pequenas frases, simples, de fcil memorizao e repetio, com texto e melodia de boa qualidade. 20. A tomada de conscincia do ministrio da msica, por parte dos msicos e cantores, tem feito crescer a responsabilidade na preparao e execuo das celebraes litrgicas. 21. Ao lado da prtica do canto gregoriano e da polifonia vocal em algumas Igrejas e mosteiros, as comunidades vo tomando conscincia do valor do canto como parte integrante da liturgia, como fator de participao ativa e frutuosa, e como espao para o exerccio da criatividade. 22. Na sua comunidade eclesial, d para perceber alguns dos xitos acima registrados, ou mesmo outras coisas positivas, na experincia musical das comunidades crists? Na sua prpria atuao, no exerccio do seu ministrio musical, voc reconhece algum destes sinais positivos? 1.3. NOSSAS FALHAS, LACUNAS A SER PREENCHIDAS, PROBLEMAS QUE NOS DESAFIAM 23. Observa-se, aqui e acol, um recproco distanciamento entre msicos dotados de uma arte musical mais elaborada e a experincia comunitria da f. De um lado, nem sempre os msicos de mais aprimorada cultura musical se entrosam e se identificam com a experincia celebrativa das comunidades. Do outro, nem sempre as comunidades se preocupam em melhorar seu desempenho musical e beneficiar-se da colaborao de msicos competentes. Tanto as pessoas que se ocupam do canto nas

9comunidades precisariam ser incentivadas a aprimorar sua formao litrgica e musical, quanto os msicos profissionais precisariam receber uma formao crist e litrgica. 24. Ainda so freqentes as celebraes em que algum ou um grupo executa sozinho todos os cantos, no se importando com a participao do povo; assemblias que pecam pela passividade e desinteresse pelo canto; ou, ao contrrio, celebraes em que a assemblia executa todos os cantos, sem valorizar outras possibilidades (solo, grupo, coro, forma litnica). 25. A postura de alguns animadores e animadoras do canto nem sempre tem propiciado um clima de orao e de interiorizao. s vezes h mais rudo e distrao do que contemplao, escuta e louvor. Outras vezes, a msica vista meramente como passatempo, para quebrar a monotonia de celebraes enfadonhas e rotineiras. 26. No so poucos os animadores ou animadoras de canto que, por falta de formao litrgica, desconhecem os critrios de escolha dos cantos para uma celebrao: a funcionalidade de cada canto com relao aos vrios momentos da celebrao; a hierarquia dos cantos: uns elementares, e por isso mesmo mais importantes e necessrios; outros acessrios e, conforme as oportunidades, dispensveis; a adequao dos cantos a cada tempo litrgico, a cada festa, a cada tipo de celebrao e a cada tipo de assemblia. 27. Alm disso, as missas dos chamados meses temticos, ou missas temticas, promovidas por grande nmero de folhetos litrgicos, resultam numa total dicotomia entre o canto e a liturgia. Continua-se cantando na liturgia qualquer msica religiosa, catequtica ou de mensagem, em vez de cantar a liturgia. Este mesmo erro ocorre tambm quando alguns movimentos e/ou grupos propem msicas que no esto de acordo com a ao ritual e os tempos litrgicos. 28. Em nvel de comunicao, existem alguns problemas que no favorecem a execuo do canto: instalao ou regulagem inadequada do servio de som, abuso do microfone (abafando a voz da assemblia, numa postura de show), abuso do volume dos instrumentos, bandas e grupos no integrados com a equipe de celebrao, sem formao e sem motivao litrgica. 29. Os instrumentos musicais, em geral, so usados s para acompanhar o canto, e no so valorizados para executar um preldio, um interldio ou um posldio, e assim propiciar clima de interiorizao e maior proveito espiritual em determinados momentos da celebrao. 30. A demasiada mudana de repertrio, por conta de uma superficial mania de novidade ou concesso onda de consumismo, faz com que o povo no aprenda bem nenhum canto, ficando impedido de participar dele com gosto e prazer, quando se sabe que a repetio, em matria de canto, alm de favorecer a memorizao, um fator de densidade emocional e simblica. 31. O cantar das assemblias demonstra, no raro, grande pobreza rtmica e contrasta com a riqueza de ritmos da msica brasileira. E nem poderia ser diferente, pois mesmo aqueles cantos que, por sua natureza, so portadores de ritmo bem marcante e caracterstico, cantados sem o devido acompanhamento instrumental, terminam na vala comum da mesmice arrastada e entediante. 32. Por outro lado, os textos de diversos cantos muito deixam a desejar: ora trazem discurso complicado e doutrinrio, sem poesia e sem uno; ora so mero jogo de rima, vazio e artificial; ora contm muito texto para pouca melodia, dificultando a execuo; ora pecam pela mtrica irregular dos versos e das estrofes; ora ainda falham por freqentes desencontros entre os acentos das palavras e os acentos da melodia, chegando a

10deformar o real sentido das palavras; ora, finalmente, carregam refros bem mais extensos que as estrofes, numa desproporo que torna o canto pesado e de difcil assimilao da parte da assemblia. 33. Continua ocorrendo, ainda hoje, a prtica da lei do menor esforo ou falta de criatividade musical, ao utilizar-se msicas de sucesso, com textos adaptados para uso na celebrao, sem maiores critrios. 34. Muitas missas, transmitidas pela televiso e pelo rdio, so pobres e no edificam os telespectadores e ouvintes, devido deficiente qualidade musical, por conta de escolha no criteriosa dos cantos e a m qualidade na interpretao vocal e/ou instrumental. 35. lamentvel que a maioria dos que presidem hoje as celebraes litrgicas no canta aquelas partes que lhes so prprias (Oraes, Prefcio, Narrativa da Instituio, Anamnese, Doxologia...), como prope a tradio multissecular das Igrejas e oportunamente sugere o nosso Hinrio Litrgico. 36. Uma das causas do descuido no canto litrgico nas comunidades o fato de, nas prprias casas de formao sacerdotal ou religiosa, no se cuidar devidamente da formao litrgico-musical dos formandos, nem se proporcionar oportunidades de formao mais aprimorada aos que tm maior talento e pendor. Outras vezes, no h interesse da parte dos prprios formandos, por considerarem a msica uma arte dispensvel. Este desinteresse pode ser conseqncia da falta de vivncia litrgicomusical incluindo aqui, o canto gregoriano e a polifonia sacra. 37. Muitos dos que presidem a celebrao apenas suportam o canto da assemblia, em vez de incentiv-lo e valoriz-lo, criando assim obstculos ao povo, no exerccio do direito e dever que tem7 de participar ativamente da celebrao, mediante o canto.8 38. Por toda a parte, faltam pessoas competentes, capazes de organizar e orientar a prtica musical nas comunidades. Para garantir uma preparao adequada de pessoas dotadas, urgente que as comunidades, parquias e dioceses invistam na formao litrgico-musical destes agentes. 39. Muitas comunidades no tm manifestado interesse na aquisio de msicos competentes e de coros de boa qualidade. Isso ocorre, entre outras razes, pelo fato de no se remunerar devidamente o servio dos msicos e de no se investir na sua formao litrgico-musical. sintomtico que, nos conservatrios e nas faculdades de msica, a grande maioria dos estudantes provm das Igrejas Evanglicas. 40. Embora os Cursos de Canto Pastoral e Litrgico venham ajudando muito na aprendizagem de cantos, muitas vezes ainda falham por no valorizar os cantos propriamente litrgicos, limitando-se ao mero ensaio, sem se preocupar o bastante com o embasamento litrgico, teolgico e espiritual. 41. Continua problemtico o canto entre os participantes de celebraes ocasionais, como bodas, casamentos, missa de 15 anos, missa de 7 dia, formatura etc., seja por falta de uma assemblia motivada, seja por falta de conhecimento de cantos adequados. Se, por uma parte, h cantos que tm o mrito de evidenciar o fato humano da unio conjugal, do aniversrio natalcio ou da morte, por outra, so pobres ou carentes em celebrar a dimenso crist e pascal desses eventos.7 8

Cf. SC 14. Instruo sobre a Msica na Sagrada Liturgia Musicam Sacram (MS), n 5 e 4.

1142. H tambm coros polifnicos que no fazem distino entre msica sacra e msica litrgica, entoando cantos que no so prprios para a celebrao. 43. Sintomas preocupantes: celebraes promovidas por movimentos religiosos, congregando freqentemente grande nmero de participantes, aqui e acol, com ampla divulgao da mdia, pouco levam em conta os textos litrgicos, substituindoos facilmente por textos de grande pobreza existencial, potica e teolgica. Descamba-se para desvios preocupantes, que podem desvirtuar a experincia espiritual da comunidade crist de vrias maneiras: 44. seja pelo exagerado individualismo, intimista e sentimentalista, muito eu e muito meu, desvirtuando a dimenso comunitria da f, numa busca de emoes que reduz a relao com Deus a mero jogo de sentimentos, sem a profundidade e a amplitude do compromisso cristo, sem a seriedade da f como entrega confiante vontade do Pai, em comunho com os irmos e irms, para a realizao do seu Reino aqui e agora. Quo distantes estamos de textos como os trs Cnticos Evanglicos registrados nos dois primeiros captulos do Evangelho de Lucas, que bem poderiam servir de referncia para todos os autores e ministros musicais: cantos nos quais o que sobressai a dimenso coletiva da f, que celebra a ao libertadora de Deus em favor de todo o povo; cantos em que o eu ou o meu, quando aparecem, chegam explicitamente carregados das esperanas de todo o povo, num forte sentimento de solidariedade com os oprimidos e excludos da terra!; 45. seja pelo exagerado militantismo: cantos que pregam com insistncia a luta pela justia social, pela superao dos problemas ecolgicos e econmicos, mas que, nesta pretenso de promover o engajamento sociopoltico dos cristos, empobrecem a sua experincia espiritual, ao no cultivar suficientemente as razes da F, a referncia essencial a Jesus Cristo, a dimenso potica e orante do canto litrgico. Os Salmos do Antigo Testamento e os muitos hinos que aparecem nos textos do Novo Testamento, bem como a longa tradio da Igreja, devem ser sempre ponto de referncia para o canto de hoje tambm. 46. Por onde voc tem passado, tem percebido alguma dessas falhas, dessas mazelas, desses problemas? Revendo, com serenidade, sua prpria atuao no campo da msica litrgica, reconhece alguma destas marcas negativas? De tudo isso, quais os problemas que mais o desafiam, e qual poderia ser sua contribuio pessoal para que a Igreja local, onde voc exerce o seu ministrio musical, v encontrando solues eficazes?

122. NOSSAS REFERNCIAS, NOSSAS FONTES DE INSPIRAO, NOSSOS MODELOS2.1. O CANTO BROTA DA VIDA 47. Por que se canta numa celebrao litrgica? Por que o canto, a msica, a dana tm a tamanha importncia? Importa responder bem a estas perguntas. Letristas e compositores, cantores e instrumentistas, regentes ou animadores do canto, coregrafos, equipes de liturgia e assemblias, todos ganharemos em saber as razes do nosso cantar. Todos lucraremos em poder desempenhar cada um o seu papel, com pleno conhecimento de causa. 48. O Apstolo Pedro insistia com os cristos do seu tempo, em plena perseguio, para que no se perturbassem, sempre prontos a dar a razo de sua esperana (1Pd 3,15). No momento da celebrao da f, a comunidade crist, sobretudo atravs do canto, testemunha a sua esperana da maneira mais solene e vibrante, ao proclamar, como assemblia sacerdotal, as obras maravilhosas daquele que nos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa (1Pd 2,9). 49. Trata-se evidentemente de celebraes, de cantos, que brotam das profundezas do ser... celebraes e cantos que se enrazam nas emoes e aspiraes profundas dos que desejam a vida (Sl 34,13), dos que tm fome e sede de justia (Mt 5,6), ao encontro das quais o Senhor vem (Lc 12,43; Ap 22,20). 2.1.1. Do grito de admirao ao aleluia da ao de graas 50. A vida bela, como diz o canto popular: Eu fico com a pureza da resposta das crianas: a Vida, bonita e bonita! Viver e no ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz!... Eu sei que a vida devia ser bem melhor e ser, mas isso no impede que eu repita: bonita, bonita e bonita! Gonzaguinha 51. A beleza da vida encanta as crianas e os que, como as crianas, so capazes de perceb-la a cada passo e da vida se tornar eternos aprendizes. Desta nica fonte, que a Vida, brotam o sorriso e o canto. O sorriso de quem contempla e se deleita. O canto de quem vibra e celebra. 52. O msico e liturgista J. Gelineau j observou: De quem canta espontaneamente, se diz que ele ou ela est feliz. O canto sinal de alegria. Mas de onde vem esta alegria que leva a cantar? Ela nasce de um sentimento de plenitude no ser vivente que se expande sem amarras... Diante da beleza que o arrebata, o ser humano deixa subir de sua alma um grito de admirao. Ele sai de si mesmo com o som de sua

13boca, para se deixar carregar at o objeto do seu louvor. Definitivamente, o canto a imagem viva do sacrifcio espiritual.9 53. Se, como dizia Santo Agostinho, cantar prprio de quem ama, diante da Divindade possvel que o primeiro sentimento seja mais de estupor, e a primeira atitude seja cobrir o rosto, como Moiss (Ex 3,6); exclamar: Ai de mim, estou perdido!, como Isaas (Is 6,5) ou: Afaste-se de mim, porque sou um pecador!, como Simo Pedro (Lc 5,8). Mas, quando se vai estabelecendo uma relao de confiana entre o ser humano e o Deus da Aliana, as expresses variam da admirao diante da majestade divina e do seu poder, que leva ao canto de adorao (Sl 95/94), admirao diante da beleza e da bondade da criao, que inspira o canto de ao de graas (Sl 104/103); ou, finalmente, a admirao diante do amor fiel e libertador do Senhor da Histria, que faz explodir o Aleluia dos redimidos (Sl 146/145). E todos os recursos so utilizados para exprimir de maneira total esse louvor: Louvem a Deus tocando trombetas, louvem-no com ctara e harpa! Louvem a Deus com dana e tambor, louvem-no com cordas e flauta! Louvem a Deus com cmbalos sonoros, louvem-no com cmbalos vibrantes! (Sl 150,3-5) 54. Trata-se de uma ao de graas, de um louvor que vai muito alm da simples gratido, do mero agradecimento. o testemunho solene, a confisso pblica de que o Senhor o nico Deus verdadeiro, o nico Senhor e Salvador, o nico que merece ser louvado, bendito e adorado por sua santidade, grandeza, justia, bravura e poder, manifestados em obras admirveis, realizadas em favor do seu povo. 55. Essa a tnica maior do livro dos Salmos, que desemboca nos cnticos do Novo Testamento, marcadamente nas trs louvaes em grande estilo reportadas por Lucas logo no incio do seu Evangelho, s quais j nos referimos acima e voltaremos depois.56. Mas o prprio Jesus Cristo quem fecha com chave de ouro este ciclo de ao de graas, quando, na vspera do dia de sua morte, se rene com seus discpulos, para tomar com eles a Ceia da Pscoa. Celebrando a libertao definitiva do seu Povo, Jesus se apresenta como o novo Cordeiro Pascal, que oferece seu corpo e sua vida, dos quais o po repartido entre todos passa a ser o Sacramento... e apresenta seu Sangue como Sangue da Nova e Eterna Aliana, do qual o vinho partilhado entre todos se torna igualmente Sacramento... E ele faz isso dando graas ao Pai, pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho nico (Jo 3,16) e lhe deu esse poder de dar a vida... e de retom-la (Jo 10,18). Jesus nos manda, ento, celebrar estas coisas em sua memria (1Cor 11,24-25). E, depois de terem cantado os salmos, foram para o monte das Oliveiras (Mt 26,20). claro que, a partir de ento, Jesus e os seus discpulos deram aos Salmos de sempre, e a todos os cantos que vierem a ser compostos para a assemblia crist, a dimenso essencial e terminal de todo louvor: ser a expresso da entrega de nossas vidas em Cristo, pela causa do Reino, para a glria de Deus Pai (Fl 2,11). A partir de ento, se inaugura o Cntico Novo dos Redimidos da terra (Ap 5,9), a ao de graas definitiva.

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J. GELINEAU, Chant et Musique dans le Culte Chrtien, Flerus, Paris, 1962, p. 19.

1457. Como autores ou compositores, como agentes litrgico-musicais, at onde vai nossa capacidade de contemplao e admirao diante do milagre da Vida, do encanto da Natureza e da passagem de Deus na Histria? Nosso louvor fruto do nosso encantamento diante das maravilhas da Criao? Nossa poesia emana da contemplao prazerosa da ao de Deus na vida das pessoas e na histria dos povos? Ou nos contentamos com a repetio medocre de chaves desbotados e enfadonhos e no conseguimos esconder nosso vazio e nossa superficialidade?

2.1.2. Do grito de socorro prece suplicante 58. Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu, a gente estancou de repente ou foi o mundo, ento, que cresceu; a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra l... Chico Buarque 59. Setembro passou, outubro e novembro, J tamo em dezembro, meu Deus, que de ns?... Meu Deus, meu Deus! Assim fala o pobre do seco Nordeste com medo da peste da fome feroz. Ai, ai, ai, ai! Patativa do Assar - L. Gonzaga 60. E mais: Quando uma criana tem medo, ela d um grito; quando tem fome, chora. Algum est em perigo, grita por socorro; est sofrendo, geme. Este grito ou esta queixa precedem qualquer explicao. No entanto, seu significado desconcertante. o vexame de querer viver; a negao de que a morte seja necessria. Para algum que est pungido pela angstia, a recusa do desespero, este mundo sem retorno. Consciente ou inconscientemente, o grito chamado. Ele afirma que existe algum capaz de escutar e prestar socorro: Se eu posso gritar o suficiente para me fazer escutar, estou salvo!10 61. Quando esse grito de socorro, esse gemido angustiado, se torna, por alguma razo, uma experincia espiritual mais profunda, ele pode se tornar melodia e ritmo, msica e dana, no tanto para fazer valer o abatimento da dor ou a fatalidade da morte, quanto para alimentar a ntima certeza de que h uma esperana e a ltima palavra ser da Vida.

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J. GELINEAU, op. cit., p. 17.

1562. E quando esta experincia vivida em clima religioso ou luz da f no Deus da Vida, Deus-conosco, o grito pode se tornar ladainha e multiplicar os Senhor, tende piedade ou os Rogai por ns... 63. confrontado com a dor, com o pecado e com a morte que o ser humano faz a experincia mais realista e objetiva dos seus limites e mais facilmente intui a presena de Algum que deve estar por perto, que est com a gente. 64. Esta , pelo menos, a experincia do povo de Israel: diante do seu Deus, ele se sente como se nada fosse sem seu Salvador, nada pudesse sem seu Defensor. Portanto, nada de estranhar que os Salmos, o livro de cantos e orao do povo, sejam antes de tudo, e com uma freqncia que d na vista, gritos de socorro de quem experimenta a fragilidade, o pecado; de quem se sente ameaado e perseguido; de quem se sente injustiado e oprimido; de quem sofre os achaques da doena e da dor; de quem sente a morte rondando por perto. a condio humana, que do abismo de suas angstias e frustraes, dos seus medos e remorsos, de sua ansiedade e sede de justia, faz subir o seu grito eficaz at os ouvidos de um Deus que ternura e graa, justia e libertao: Das profundezas eu clamo a ti, Senhor: Senhor, ouve o meu grito! Salmo 130(129) 65. No por nada que o Filho de Deus, ao assumir-se como Filho do Homem, vale-se dos cantos do seu povo para fazer chegar ao Pai os lamentos de toda a humanidade, as splicas de todos os oprimidos, que clamam por sua boca: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Salmo 22(21),2; cf. Mt 27,46 66. Seu clamor, porm, sobretudo um grito confiante, mesmo in extremis: Em tuas mos entrego o meu esprito. Salmo 31(30),6; cf. Lc 23,46 Pois ele carregava consigo a certeza maior: Eu via sempre o Senhor diante de mim, porque ele est minha direita, para que eu no vacile. Salmo 16(15),8; At 2,25 67. por isso que o canto da assemblia crist, solidria com todos os sofrimentos da humanidade, ser, antes de tudo, gemido e clamor, cheio de esperana, verdade, pois na esperana j fomos salvos (Rm 8,24). Quer se trate de um grito ingnuo e breve, quer de uma lamentao prolongada e insistente, so sempre gemidos e clamores de quem j se sabe, de antemo, escutado e atendido, pois, no cerne da sua f, est a certeza maior, a essncia mesma da Boa Nova: Eis que eu estarei com vocs todos os dias, at o fim do mundo (Mt 28,20).

1668. Como autores, compositores, agentes litrgico-musicais, at onde vai a nossa experincia pessoal da dor, do pecado, da opresso, da perseguio e da morte? At onde vai nossa solidariedade com os sofredores, pecadores, oprimidos, excludos e perseguidos? Nossa arte, nossa msica, nosso canto, nossa inspirao brotam dos pores da humanidade, das profundezas da condio humana? Ou ser que nosso canto, nossa msica, nossa arte, do a impresso de superficialidade, insensibilidade e alienao? 2.1.3. Do grito de surpresa celebrao da comunho e da unidade 69. Sonho, que se sonha s, pode ser pura iluso. Sonho, que se sonha juntos, sinal de soluo. Ento vamos sonhar, companheiros, Sonhar ligeiro, sonhar em mutiro! Z Vicente 70. A experincia do encontro tem sido fonte de inspirao para poetas e msicos. E quando esta experincia se d entre os que comungam da mesma f e esperana no Deus da Aliana, que nos assume como seu Povo e nos educa para a justia e a fraternidade atravs dos seus profetas e do seu prprio Filho, como no prorromper numa efuso incontida de prazer e alegria, como a do Salmo 133(132)? Vejam como bom, como agradvel, os irmos e irms viverem unidos! 71. Como escrevia um insigne msico e liturgista h mais de trinta anos, a unio das vozes exprime a unio dos coraes. O canto em coro manifesta a comunidade e a constitui. Ele ordena os passos daqueles que avanam em caravana ou em cortejo; coordena os gestos dos remadores ou dos ceifeiros; coloca em unssono os coraes de um povo a cantar o hino da vitria; estreita a amizade dos convivas na festa das bodas.11 72. A msica, por fora dos sons e do ritmo, provoca a participao, ao mesmo tempo, em termos de emoo, de animao e de unanimidade da assemblia, ajuntando-a e projetando-a na imensido do mistrio de Deus, ou seja, no seio da Trindade-Comunho, em Jesus Cristo, cuja presena evocada com peculiar eficcia. Essa eficcia 'congregante' da msica tem tudo a ver com a palavra do Senhor: onde dois ou trs estiverem reunidos em meu nome, eu estou a no meio deles (Mt 18,20). 2.1.4. Da celebrao da unidade ao canto de resistncia 73. o que testemunham tantas experincias colhidas no seio da cultura popular, como as toadas do eito, quando da limpa dos roados; ou as toadas de mutiro, ao se tapar uma casa de taipa; ou ainda o canto das destaladeiras de fumo e o das quebradoras de coco, em ambiente rural. Em meio urbano, algumas de suas expresses musicais so capazes de estimular as galeras ou os folies a danar, em variados tipos de ritmos, noites e dias seguidos, quase sem pausa. Estas e tantas outras expresses autnticas

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J. GELINEAU, op. cit., p. 25.

17da ndole cultural que emergem espontaneamente no meio de nosso povo ganham fora, sobretudo pelo fato de virem revestidas de msica. 74. No teria brotado de uma experincia semelhante um canto como o Salmo 46(45)? Deus nosso refgio e nossa fora, defensor sempre alerta nos perigos. Por isso no tememos se a terra vacila, se as montanhas se abalam no seio do mar; se as guas do mar estrondam e fervem, e por sua fria estremecem os montes. Nele, por trs vezes, se repete o refro: O Senhor dos exrcitos est conosco, nossa fortaleza o Deus de Jac! 75. No daria para lembrar aqui igualmente o canto quase ininterrupto dos romeiros, que viajam, muitas vezes caminhando a p longos percursos, at chegar ao ponto terminal da romaria de seus sonhos? Oh! Que caminho to longe, to cheio de pedra e areia! Valei-me, meu Padre Ccero e Me de Deus das Candeias! Folcmsica do Juazeiro do Norte, CE 76. Mas , sobretudo, na experincia das Comunidades Eclesiais de Base e dos Movimentos e Pastorais de cunho scio-libertador que vamos colher as expresses mais vibrantes e fortes dessa f e resistncia, dessa unio que faz a fora, pois no seu cerne est o Senhor da Histria, o prprio Deus: povo dos pobres, povo dominado, Que fazes a com ar to parado? O mundo dos homens tem de ser mudado, Levanta-te, povo, no fiques parado! Autor desconhecido Igreja povo que se organiza, gente oprimida buscando a libertao, em Jesus Cristo, a Ressurreio! Autor desconhecido 77. E a caminhada, quase interminvel e cansativa, de repente se torna, ao canto exuberante de religiosidade e de f, uma fonte cada vez mais abundante de alegria e entusiasmo, medida que os peregrinos vo se aproximando da Terra Prometida, a

18Cidade da Justia e da Paz. Esse o clima que permeia os Cnticos das Subidas (Salmos 120/119 a 134/133), culminando na euforia do Salmo 122(121): Alegrei-me quando me disseram: Vamos casa do Senhor! 2.1.5. O canto como sinal de festa 78. Uma festa atinge o seu clmax quando se comea a cantar ao som dos instrumentos. O canto, a msica, a dana, tm sido e continuaro sendo, sem dvida, em todos os tempos e culturas, a expresso mais vibrante de festa e de comunho de um povo e o smbolo mais expressivo daquela realidade escatolgica que est nas aspiraes de todos os coraes sedentos de justia e felicidade. Aclamem a Deus, nossa fora, aclamem ao Deus de Jac. Acompanhem, toquem os pandeiros, a harpa melodiosa e a ctara. Toquem a trombeta pelo novo ms, na lua cheia, dia da nossa festa. Salmo 81(80),2-4 79. Voc j se havia dado conta da importncia do canto para a vida da sua comunidade de f? Sua arte, seu ministrio litrgico-musical, esto servindo eficazmente ao processo de unidade-identidade comunitria? Tm sustentado a f e garantido a resistncia nos momentos de crise, de luta ou perseguio? Tm propiciado momentos vibrantes e gratificantes de festa e confraternizao? A msica, o canto da sua comunidade, se enrazam numa experincia humana e espiritual profunda, ou so mais uma rotina sem graa, uma festividade vazia? 2.2. A IMPORTNCIA DA MSICA NA CAMINHADA DO POVO DE DEUS 80. No por acaso que a Bblia ilustrada por admirveis poemas, expresses lricas ou picas da experincia espiritual de um povo que vem de longe, por fora de uma Palavra, de um chamado, e que vai adiante, incansavelmente, "caminhando e cantando e seguindo a cano"12. 81. Na Bblia, existem mais de seiscentas referncias ao canto e msica. Do primeiro livro, o Gnesis, que se inicia justamente com um canto Criao (Gn 1), ao ltimo, o Livro do Apocalipse, que aparece como o desenrolar de uma esplndida e majestosa liturgia, a msica, o canto, a festa, parecem ser no apenas fonte inesgotvel de

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Geraldo Vandr: "Para no dizer que no falei de flores".

19energia para os que esto a caminho, mas a tnica dominante da prpria realidade terminal e definitiva, que chamamos de Reino de Deus. 2.2.1. A importncia da msica na histria de Israel 82. O Povo de Israel nasceu numa encruzilhada de culturas e civilizaes. Como a Bblia que esse povo vai escrevendo, tambm sua msica, seu canto, carregam as marcas desse entrelaamento cultural. S pelos anos 1000 antes de Cristo, sob o reinado de Davi, que se formou uma tradio musical com identidade definida e surgiu a primeira coletnea de Salmos. 83. interessante observar que mais de um tero dos Salmos vem acompanhado de indicaes detalhadas a respeito do tipo de melodia, do tom, dos instrumentos, do compositor e do intrprete e, alm disso, das circunstncias que deram origem a tal ou qual composio ou das ocasies s quais destinada. Vejam-se, por exemplo, os Salmos 33(32), 38(37), 45(44), 46(45), 51(50), 52(51), 54(53), 55(54), 56(55), 57(56), 60(59), 88(87), 98(97), 150. 84. Entre todos os cnticos do Antigo Testamento, sobressai o Cntico de Moiss e Mriam (Ex 15). Celebrando a esplendorosa interveno do Deus Libertador, quando da passagem dos hebreus pelo mar Vermelho, este cntico teve importncia relevante na tradio litrgica judeu-crist. Foi o primeiro dos cnticos do AT a ser adotado na liturgia da Igreja, ressoando at hoje, cada ano de novo, na Viglia Pascal, ponto culminante do nosso Ano Litrgico. 85. A essa expresso pica da f pascal vem se ajuntar, qual maravilhoso contraponto, o Cntico dos Cnticos, poema de amor, expresso lrica da f de Israel, que brota de uma rica experincia do amor conjugal, carregada de sensualidade e ternura, uma fasca do Senhor (Ct 8,6), capaz de nos transportar intimidade mesma do amor divino. Coisas do Esprito, que ora sopra com fora e poder, ora com suavidade e ternura. 86. A msica aparece como elemento de destaque na Liturgia do Templo, assim descrita em seu momento inaugural: Ento Davi convocou todo o Israel em Jerusalm, a fim de transferir a Arca do Senhor para o lugar que ele havia preparado. (...) Davi mandou os chefes dos levitas organizarem seus irmos cantores, para entoarem cnticos festivos acompanhados de ctaras, liras e cmbalos. (...) Os msicos Em, Asaf e Et tocavam forte os cmbalos de bronze. Zacarias, Oziel, (...) tocavam lira para acompanhar vozes de soprano. Matatias, Elifalu, (...) tocavam ctara oitavada, para marcar o ritmo. (...) Os sacerdotes Sebanias, Josaf, (...) iam tocando trombeta na frente da arca de Deus. (...) Todo o Israel participou da transferncia da Arca da Aliana do Senhor, no meio de aclamaes, som de trombetas, clarins e cmbalos, alm da msica de liras e ctaras. A Arca da Aliana do Senhor estava entrando na Cidade de Davi, quando Micol, filha de Saul, espiou pela janela e viu o rei danando alegre (...). 87. Entraram com a Arca de Deus e a instalaram dentro da tenda que Davi tinha armado para ela. (...) Davi nomeou levitas para exercerem o ministrio diante da Arca do Senhor, a fim de celebrar, glorificar e louvar ao Senhor, o Deus de Israel. (...) Eles tocavam liras e ctaras, enquanto Asaf fazia soar os cmbalos. Os sacerdotes Banaas e Jaziel tocavam continuamente as trombetas diante da Arca da Aliana de Deus. Nesse dia, pela primeira vez, Davi confiou a Asaf e a seus irmos este louvor ao Senhor:

20Celebrem ao Senhor, invoquem o seu nome, anunciem entre os povos as suas faanhas! Cantem para ele ao som de instrumentos, recitem suas maravilhas todas. (1Cr 15-16) 88. Esses relatos deixam transparecer uma rica e jubilosa liturgia, na qual as aclamaes, a msica, o canto, a dana, so elementos constitutivos e eminentes da celebrao da f de um povo. 89. o que se repete, com renovado entusiasmo, por ocasio da restaurao aps o Exlio na Babilnia, ao serem reconstrudos os muros de Jerusalm. Segundo Neemias, por ocasio da dedicao das muralhas de Jerusalm, os levitas foram convocados para ir a Jerusalm a fim de celebrar a dedicao com festa e ao de graas, ao som de ctaras, cmbalos e harpas. E o povo festejou, pois Deus lhe havia dado grande motivo de alegria. At as mulheres e crianas participaram da festa. Ouvia-se ao longe o barulho da festa em Jerusalm (Ne 12,27-43). Msica, canto, procisses e grande alegria, eis a os componentes de um ritual que brota da exuberncia da f, uma liturgia vibrante, uma alegria contagiante. 90. Mas so os Salmos, sobretudo, o registro mais significativo da experincia de um povo a traduzir sua vida e sua f em msica, canto e dana. Eles so o convite mais sugestivo a celebrar a vida e a f tocando, cantando e danando. Resumo orante da f de nossos pais, eles so o corao palpitante de toda a Bblia. Os Salmos foram o livro de canto do Povo de Israel, de Maria, de Jesus de Nazar, dos Apstolos, da Igreja nascente e continuam sendo, sculos afora, at hoje, o repertrio elementar da celebrao crist. Todo aquele que lida com msica litrgica crist encontra necessariamente, no Livro dos Salmos, o seu primeiro referencial. o canto maior, que vai das profundezas do abismo (Sl 130/129) s culminncias celestiais (Sl 19/18), envolvendo no seu embalo os seres humanos, a vida individual de cada um (Sl 131/130) e a histria dos povos (Sl 136/135), a natureza e todas as suas maravilhas (Sl 104/103), o universo e tudo quanto ele contm (Sl 148). Ou, como dizia um pioneiro do canto litrgico inculturado entre ns, um canto do cho, que o cu e a terra estremecem.13 91. A Bblia tem sido para voc, como artista ou agente litrgico-musical, uma referncia permanente, uma fonte primeira de inspirao, uma escola de poesia e orao, sobretudo os Salmos? 2.2.2. A importncia da msica na comunidade crist primitiva 92. Da primeira Comunidade Crist se diz: Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apstolos, na comunho fraterna, no partir do po e nas oraes. (...) Diariamente, todos juntos freqentavam o Templo e nas casas partiam o po, tomando o alimento com alegria e simplicidade de corao. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E a cada dia o Senhor acrescentava comunidade outras pessoas que iam aceitando a salvao (At 2,42-47).

Pe. GERALDO LEITE BASTOS, proco da Ponte dos Carvalhos, Cabo - PE, nas dcadas de 60-70-80, canto das oferendas.

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2193. Enraizados numa tradio mais que milenar, os protagonistas do Novo Testamento, Maria, Jos, Jesus e os Discpulos, a Comunidade Crist primitiva, so pessoas que continuam a celebrar sua f cantando e exultando de alegria. assim que os Salmos to freqentemente se encontram nos lbios de Jesus e so o livro do Antigo Testamento mais citado nos livros do Novo. 94. Se comearmos a percorrer os Evangelhos, especialmente o de Lucas, que forneceu as referncias elementares para a constituio do Ano Litrgico, e avanarmos pelas Cartas de Paulo at chegarmos ao Apocalipse de Joo, logo nos surpreenderemos com a abundncia e a beleza de textos poticos. Estes, com certeza, provieram da rica experincia litrgico-musical das primeiras Comunidades e marcaram significativa presena na tradio litrgica da Igreja at hoje, tanto na Liturgia das Horas quanto na celebrao da Ceia do Senhor e dos demais Sacramentos: As Bem-aventuranas, nas suas duas verses, respectivamente de Mateus (Mt 5,3-10) e de Lucas (seguidas dos ais, Lc 6,20-26); J mencionamos acima os trs Cnticos de Lucas, que marcam o Evangelho da Infncia: o de Maria (Lc 1,46-55), o de Zacarias (Lc 1,68-79) e o de Simeo (Lc 2,2932). Esses trs Cnticos tiveram importncia decisiva na composio da Liturgia das Horas da Igreja e aparecem como ponto culminante do louvor, respectivamente, no Ofcio da Manh, da Tarde e da Noite. Mas no podemos esquecer o cntico anglico do Glria (Lc 2,14), que teve seu desdobramento na Igreja grega at chegar a ser a grande doxologia (glorificao) que hoje conhecemos; O prlogo de Joo (Jo 1,1-18), que celebra a nova Criao em Jesus Cristo e vale como rplica ou, na linguagem dos antigos, anti-tipo do Hino da Criao do Gnesis; Os numerosos hinos paulinos, que to apropriadamente ilustram as Cartas do Apstolo das gentes (Ef 1,3-14; 5,14; Cl 1,12-20; 1Tm 1,17; 3,16; 2Tm 2,11-13), valendo destacar os dois hinos cristolgicos de Fl 2,6-11 e 1Tm 6,15-16; O hino batismal de Pedro (1Pd 2,21-25); Os hinos e aclamaes, que ocorrem a cada passo na liturgia celeste descrita no Livro do Apocalipse e so, sem dvida, como que um retrato cantado das celebraes das comunidades joaninas. A comear pelo Santo (Ap 4,8), que, tomado da viso do Profeta Isaas (Is 6,3), j era cantado no culto da Sinagoga e continuava ecoando nas assemblias crists, seguem como se fossem um concerto sem fim: Ap 4,11; 5,910.12.13.14; 6,10; 7,10-12; 11,15.17-18; 12,10-12; 15,3-4; 16,5-6.7; 19,1-8... o cntico novo dos redimidos, a celebrarem com vibrao intensa os novos cus e a nova terra, j que, na Pscoa nova do Cordeiro, Deus faz novas todas as coisas (Ap 21,1-5). Quanto a ns, a caminho do Reino, numa tenso permanente entre a certeza do que desde agora j somos e a expectativa do que vamos ser (1Jo 3,2), s nos restar gritar todo o tempo com o Esprito e a Esposa: Vem! Vem, Senhor Jesus! (Ap 22,17.20). 95. Tudo quanto acima lembramos s faz comprovar o acerto de uma insistente recomendao de Paulo e a generosa resposta das primeiras comunidades, que to bem a concretizaram: Juntos recitem salmos, hinos e cnticos inspirados, cantando e louvando ao Senhor de todo o corao. Agradeam sempre a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo (Ef 5,19-20; cfr. Cl 3,16).

2296. Como letrista ou compositor litrgico, como animador do canto da sua Comunidade, em quem voc se espelha? Em Maria e seu canto, em Zacarias ou Simeo, nas Comunidades de Paulo, de Pedro ou de Joo? Nas Bem-aventuranas? De que forma voc, como artista ou agente litrgico-musical, entende e cultiva a sua identidade crist? Quais so suas musas? Quais so suas referncias principais? Quais so suas fontes? 2.2.3. A importncia da msica litrgica na Igreja dos primeiros sculos 97. No ano 112 da era crist, um autor latino, Plnio, o Jovem, em sua famosa Carta ao Imperador Trajano, assim se expressava a respeito dos cristos: Eles se renem antes do amanhecer e cantam a Cristo, a quem consideram como deus. O testemunho deste pago nos d a certeza de que a celebrao crist da f, enraizada na experincia litrgica do povo da Antiga Aliana, desde as primeiras comunidades, como j vimos, vai continuando sculos afora, como experincia de um povo que vibra e canta, e leva adiante o seu projeto de vida. 98. Em meados do sculo II, Justino, Mrtir (+165), em sua Apologia dirigida ao imperador Antonino Pio, sublinha a excelncia do louvor e do canto dos cristos, comparados aos sacrifcios pagos: Porque a nica honra digna dEle, conforme aprendemos, no consumir pelo fogo o que por Ele foi criado para nosso alimento, mas oferec-lo para ns mesmos e para os necessitados, e, mostrando-nos agradecidos para com Ele, dirigir-lhe, por nossa palavra, preces e hinos. 99. Mais adiante, l pelo final do sculo III, incio do IV, Eusbio de Cesaria (+ 339), comentando os Salmos, d conta de que, atravs do mundo inteiro, em todas as Igrejas de Deus, tanto nas cidades como no interior e no campo, os povos de Cristo, reunidos de todas as gentes, cantam hinos e salmos (...) ao nico Deus anunciado pelos profetas, em alta voz, de tal maneira que o som do canto pode ser escutado at por aqueles que esto fora do templo. 100. E como edificante escutar Joo Crisstomo (+ 407), em homilia na igreja de Santo Irineu, em Constantinopla, exaltar a nobreza dos cristos a transparecer do prprio canto unnime da assemblia: O salmo que acabamos de cantar fundiu as vozes e fez subir um s canto, plenamente harmonioso: jovens e velhos, ricos e pobres, mulheres e homens, escravos e livres, todos no usaram seno de nica voz. (...) Juntos, no formamos seno um coro, numa total igualdade de direito e de expresso, pelo que a terra imita o cu. Tal a nobreza da Igreja. 101. Mas sobretudo em Milo, com o santo bispo Ambrsio (+ 397), e a seguir em Hipona, no norte da frica, com seu discpulo Agostinho (+ 430), que ns vamos conhecer, quem sabe, um primeiro ensaio de pastoral da msica litrgica. 102. O canto da assemblia algo que encanta Agostinho: Com exceo dos momentos em que se fazem as leituras, em que se prega, em que o bispo reza em alta voz, em que o dicono inicia a ladainha da prece comum (logo antes de se trazer o po e o vinho para o altar), existe algum instante em que os fiis reunidos na igreja no devam cantar? Na verdade, no vejo o que eles poderiam fazer de melhor, de mais til, de mais santo.14

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Ep 55, 18,34 e 19,35.

23103. Segundo o bispo de Hipona, poucas coisas so to prprias para excitar a piedade nas almas e inflam-las com o fogo do amor divino como o canto. Claro que no falta quem pense diferente e at lhe faa oposio. J naquele tempo era necessrio enfrentar certa preguia ou acomodao dos fiis. Os seguidores das seitas (donatistas) eram muito mais zelosos do que eles. E quanto mais as comunidades se tornam numerosas, tanto menor tende a ser sua participao no canto. 104. Durante muito tempo, o Saltrio havia sido praticamente o nico livro de cantos da Igreja crist. Era uma herana da Sinagoga e se costumava cantar o salmo inteiro por um solista, numa melodia sofisticada, recheada de melismas. Alguns cantores, ou toda a assemblia, repetiam em unssono um verso determinado, que fazia as vezes de refro. Santo Ambrsio conhecera no Oriente uma experincia de salmodia de tipo siriano, muito mais viva e animada, que consistia em repartir a assemblia em dois coros, a alternarem os versos do salmo. O bispo a introduz com pleno sucesso na baslica de Milo. Segundo o seu testemunho, os fiis, que no conseguiam ficar quietos um instante sequer durante as leituras, deixavam toda agitao quando se entoava o salmo, e continuavam a cantar com harmonia e entusiasmo. 105. curioso saber como estes cantos estrangeiros, orientais, numa traduo enrolada do texto hebreu, carregada de palavras pouco familiares, com seu paralelismo estranho em termos de pensamento e de propostas, seus melismas bizarros a se prolongarem sobre uma nica slaba, tinham, apesar de tudo, conquistado coraes que normalmente teriam se mostrado reticentes e ouvidos acostumados mtrica clssica, e isto, mesmo entre ocidentais latinos, amigos da sobriedade. Em qualquer poca, pode-se constatar que os suspiros da pomba espiritual nas fendas do rochedo so de todos os tempos e lugares; mal d para enxergar a um bem prprio de Israel. E a Igreja, hoje, os canta com mais gosto que a Sinagoga no tempo de Jesus.15 106. Mas o que mais impressionou Agostinho, na sua juventude, foram os hinos compostos por Ambrsio e cantados por toda a comunidade. Eles apresentavam um feitio nico e original, se comparados aos velhos salmos um tanto brbaros. Escritos num latim impecvel, tinham a marca do seu autor, um patrcio cordial, mas comedido em suas palavras, um tanto tenso por conta de sua conscincia profissional, sem perder, porm, a ternura; um homem da aristocracia, que podia se permitir ser simples. Nestes hinos no havia uma palavra a mais: encontra-se a a densidade de um smbolo de f.16 Ambrsio opta, ento, por um mtodo simples e corriqueiro, ao qual os ouvidos do povo ainda estavam acostumados; a melodia era despojada, quase totalmente desprovida de vocalizes; dessa forma a melodia no prejudicaria o texto. Corriam o risco de parecer enfadonhos por serem claros demais; em compensao, eram facilmente entendidos, como qualquer cano popular. 107. Ambrsio compe hinos para as diversas horas do dia. Eles iniciam com clara evocao do tempo e da hora. Em seguida, cantam tambm um ou outro dia da Criao, de acordo com a narrao do Gnesis, passando, quase insensivelmente, das realidades provisrias e simblicas da primeira s vises de futuro da segunda Criao, que se manifestaro por ocasio da vinda de Cristo, mas que, em certo sentido, j comearam. Seguem as imagens das horas do dia, cada uma caracterizada de acordo com sua prpria atmosfera, e os fatos ou imagens bblicos a ela associados. O hino termina com15 16

F. VAN DER MEER, Saint Augustin Pasteur dAmes, II vol., Alsatia, Colmar-Paris, 1955, pp. 86-87. F. VAN DER MEER, op. cit., p. 89.

24uma prece implorando a ajuda de Deus. H hinos que cantam os mistrios de Cristo, h outros que celebram a coragem dos mrtires e das virgens. Esses hinos, executados alternadamente, estrofe por estrofe, pelos dois coros em que se dividia a assemblia, transformaram um dia a baslica numa fortaleza da verdadeira f. E o prprio Agostinho que o atesta em suas Confisses: No fazia ainda muito tempo que se havia adotado na Igreja de Milo esta maneira de se consolar e se encorajar, onde os irmos com entusiasmo cantavam juntos na unio das vozes e dos coraes. Eram tempos de perseguio. Reunidos noite na baslica, em viglia, os fiis montavam guarda, dispostos a morrer com seu bispo (...). Foi nesta ocasio que a gente se ps a cantar os hinos e os salmos segundo o costume das regies do Oriente, para impedir que o povo morresse de tristeza e de aborrecimento: instituio que a partir de ento at hoje se mantm, e que j um grande nmero, quase a totalidade das tuas ovelhas mesmo, no resto do mundo, tem imitado.17 108. O impacto desta experincia do canto da assemblia crist na alma de um recm-convertido no poderia ser mais bem descrito: Quanto eu chorei por teus hinos e cnticos, aos suaves acentos das vozes de tua Igreja, que me penetravam de vivas emoes! Essas vozes corriam nos meus ouvidos e a verdade se destilava no meu corao; e da brotavam fervendo sentimentos de piedade, e lgrimas rolavam, e isto me fazia bem ao chorar.18 109. Por tudo isso, mais tarde, ao chegar como bispo a Hipona, Agostinho logo introduz tanto o novo mtodo de canto dos salmos quanto esses hinos. Porm, preocupado com os excessos do emocionalismo, Agostinho confessa que muitas vezes pensou em suprimir os hinos e fazer cantar os salmos da maneira como Atansio de Alexandria havia prescrito a seus leitores: com modulaes to discretas, que tinha mais de recitativo que propriamente de canto. Contudo, mais tarde, ele volta a reconhecer a utilidade do canto em geral, e do canto litrgico popular: particularmente um texto se enraza mais facilmente num corao de boa vontade quando cantado com melodia sugestiva. E Agostinho, em suas explicaes literais dos salmos, vai comentando vontade e com detalhes sobre os antigos instrumentos de msica. 110. Ele fala do poder irresistvel de um Amm, cantado por toda a assemblia no final de uma prece solene. Amm quer dizer verdade, verdade! e de propsito que esta palavra no se traduz, a fim de que aparea ainda mais digna de honra pelo fato do vu de mistrio que a envolve.19 Fala freqentemente tambm do poder cativante dos longos melismas do Aleluia, especialmente no Tempo Pascal. o canto novo do homem novo. Quando a gente o escuta, nosso esprito, por assim dizer, por ele transformado. Encontramos a uma pregustao da Cidade de Deus. Por isso, quando o Aleluia volta no tempo determinado, com que alegria o acolhemos! Quanta saudade quando temos de dizer-lhe adeus!20 111. Agostinho conhece ainda a fora incomparvel do canto espontneo, a jubilao ou o jubilus, um grito sem palavras articuladas que, com certeza, muito convm a quem louva um Deus que nenhuma palavra capaz de definir. O que , ento, cantar na jubilao? compreender que as palavras no conseguiriam exprimir o que canta dentro

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Conf. IX, 7,15. Conf. IX, 6,14. 19 Tr. in Jo 41,3 e D 6,3, cit. por F. VAN DER MEER, op. cit., p. 96. 20 G 8,2; M 92, cit. ibid.

25de nosso corao. E observando a experincia dos que durante a colheita ou em qualquer outro trabalho vo cantando, at a ponto de se liberarem das palavras, e, na sua exultao, j no mais pronunciam nem palavras, nem slabas, mas lanam gritos inarticulados de jubilao, ele conclui: A quem este canto de jubilao melhor conviria do que ao Deus inefvel, j que as palavras no podem exprimir o que ele ; e se no s capaz de exprimilo, no tens, entretanto, o direito de calar-te: que te resta seno o canto de jubilao? Que te resta seno que teu corao jubile sem palavras e que a imensido de tua alegria faa eclodir as barreiras das slabas?21 112. Poucos pregadores tero dado descrio to exata do fiel que canta na igreja como Agostinho, ao comentar o v. 4 do Salmo 70(71): Senhor, livra-me da mo do mpio, do punho do criminoso e do opressor. Quem cantar esse verso, seja quem for, no poder deixar de pensar em suas prprias experincias. Quer ele oua essas palavras da boca do leitor, quer as pronuncie ele prprio como refro (trata-se aqui da antiga maneira de cantar os salmos), ele pensa nos pequenos acontecimentos de sua vida pessoal, em tal inimigo, em tal detrator, num outro que queria mandar prend-lo, ou num outro ainda que escreveu contra ele um bilhete difamatrio. E assim ei-lo a cantar com emoo. Vejam como ele suspira, como suspira profundamente! Ele se pe a cantar com toda a fora: Senhor, livra-me da mo do mpio, do punho do criminoso e do opressor no seu prprio inimigo que ele pensa.22 113. assim que Agostinho, dando continuidade obra de Ambrsio, seu pai espiritual, entendeu a importncia do canto litrgico popular e investiu na sua difuso. O fato que em seu tempo, na sua Igreja, no se viam celebraes sem vida, liturgias resmungadas. Pelo contrrio, havia muitas leituras e cantos a ser ouvidos e aqui e acol um belo canto de todo o povo. E Agostinho, que foi o maior artista de seu tempo, (...) fazia seu povo cantar, porque o canto coisa bonita e contribui poderosamente para edificar as almas.23 Agostinho era algum que sabia escutar e apreciar. A arte do canto para ele era um dom da liberalidade divina e o sinal de alguma coisa muito grande (Ep 166, 5, 13). Comentando o Salmo 42(41),5, ele se reporta a uma festa eterna, na qual ressoa uma msica inefavelmente agradvel e doce ao ouvido do corao. Concluindo com seu mais autorizado bigrafo: Agostinho foi um destes grandes privilegiados que ouvem de vez em quando, de longe, os acordes sedutores dos rgos da catedral celeste.24 114. Dos seis primeiros sculos da nossa Igreja, poca marcada pela atuao dos chamados Pais e Mes da Igreja, ou poca patrstica, podemos afirmar, de modo geral, que o canto litrgico exaltado com sobejas referncias bblicas. canto que reconhece e acolhe os valores humanos e psicolgicos do cantar do povo: extravasamento saudvel de emoes, comunho de sentimentos e ideais, a alegria da festa. Os Pais e Mes da Igreja pem em evidncia os aspectos simblicos e os valores celebrativos do reunir-se em coro para cantar: servio da Palavra, unanimidade que manifesta a unidade em Cristo, sacrifcio espiritual, profecia do reino, comunho com os coros dos anjos e antecipao escatolgica. 115. Algo que nos parece muito atual o fato de os Pais e Mes da Igreja falarem da msica com uma viso ampla e articulada, acolhendo as diversas experincias

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In Ps 32,2, 8. F. VAN DER MEER, op. cit., pp. 97-98. 23 Ibid., p. 98. 24 Ibid., p. 99.

26existentes, numa prtica celebrativa no distante da vida do povo e ainda no encurralada por regras ou normas intocveis, como mais adiante acontecer. 116. Algumas formas musicais desenvolvidas nesse perodo: A Salmodia: execues solsticas convivem com novos tipos: a dirigidacoletiva (contnua ou alternada); as intercaladas ou responsoriais (recomendam muito o refro); e as formas variadas de antfonas que favorecem a escuta e a intercesso. Os Hinos: nascidos no Oriente, vo se propagando pela Europa, atingindo seu pleno amadurecimento com S. Ambrsio (+ 397). 117. A Salmodia e os Hinos da poca patrstica do testemunho de assemblias que vivem a unidade da F sem se prender uniformidade de expresso, pelo contrrio, expressando a riqueza e a diversidade cultural da poca. As celebraes, enraizadas na vida do povo e na experincia das comunidades, fazem ecoar no s a Palavra bblica, mas tambm as palavras que a cultura forja como resposta eclesial. 118. Os sculos IV e V, poca urea da Ecclesia Mater, ou seja, da maternidade espiritual da Comunidade Crist, representam o ponto culminante da organizao ministerial das assemblias como plena manifestao do Corpo de Cristo, na diversidade e complementaridade dos servios, na variedade e abundncia dos dons do Esprito. provvel que as scholae cantorum tenham surgido nesse perodo. 119. Durante a poca patrstica, cada ambiente eclesial cria e consolida um mundo celebrativo prprio, em sintonia com a cultura local, sempre aberto ao intercmbio com as experincias mais diversas. o triunfo do pluralismo litrgico-musical, ainda aceito e respeitado pela Igreja de Roma. 120. Nesse pluralismo est o Oriente, com suas vrias ramificaes, e as diversas tradies do Ocidente, tais como: a africana (norte da frica); a visigtica (Ibria - Espanha); a galicana, conhecida por sua criatividade exuberante (Glia - Frana e adjacncias); a cltica (Bretanha, Pas de Gales, Irlanda); as itlicas, bem caractersticas conforme as regies (Campnia, Ravena, Aquilia, Benevento, Milo e Roma). no seio dessa diversidade de tradies que se estruturam os rituais dos Sacramentos, o Ofcio Divino ou Liturgia das Horas, o Ano Litrgico ou memorial anual do Mistrio de Cristo, e florescem as vrias formas do canto. No campo litrgico-musical no podemos esquecer a influncia determinante do dinamismo que resultou da expanso missionria e do florescimento monstico. 121. No entanto, com o passar do tempo, nota-se que algo essencial vai sendo deixado de lado: a participao e envolvimento da assemblia. Vai se aprimorando a especializao teolgico-bblica dos compiladores de textos, a gestualidade dos ministros, a afinao dos membros das scholae. Cultura e msica elitistas passam a ocupar e dominar o espao litrgico. A msica, aos poucos, vai se transformando em linguagem de doutos e peritos, em detrimento da participao do povo. 122. Voc sente a importncia de voltar s fontes, originalidade dos incios de nossa experincia eclesial, litrgica, musical?... Sua arte musical litrgica e a de seu grupo se enrazam nessa tradio? Vocs se sentem continuadores dessa tradio de quase dois mil anos? As novidades de hoje em dia carregam os traos originais, as motivaes profundas, a mesma qualidade espiritual, o mesmo zelo pastoral que percebemos na experincia da Igreja dos primeiros sculos?

27 Quais as lies dos incios que importa reaprender, quais os valores originais que necessrio resgatar?... 2.2.4. A msica litrgica na Igreja da poca romano-franca e romanogermnica 123. No que diz respeito ao canto litrgico, o perodo que vai de Gregrio Magno (+ 604) at Gregrio VII (+1085) perodo de complicadssimas elaboraes musicais. Gregrio Magno d toda a importncia s scholae cantorum: estas se situam entre o presbitrio e o povo (= ponte entre os fiis e o sacerdote). Seus mestres so altamente especializados, e os cantores so preparados desde pequenos. Cantos antes executados por toda a assemblia passam a ser interpretados por elas. As melodias so ricas e complexas. Os fiis escutam, se deleitam e se comovem: um novo tipo de participao, a de ouvintes que com certeza se emocionam, mas, pelo resto, permanecem passivos. nico tipo de participao possvel, quem sabe, nas condies culturais da poca. 124. Tal situao da Igreja romana suscita admirao e imitao em toda a Igreja. Do sculo V ao VIII, a Igreja de Roma conheceu seu perodo de maior riqueza, de amadurecimento das formas expressivas, sua poca clssica. Como conseqncia, se d o processo de romanizao das antigas liturgias locais. 125. Nesse contexto, surge uma arte de primeira qualidade, o canto gregoriano ou canto cho, mondico (em unssono), prprio da liturgia latina. A hiptese mais recente sobre sua origem que o canto gregoriano surgiu entre os sculos VIII e IX, com os monges da Francnia, derivado dos cantos do Antifonrio que, a pedido de Carlos Magno, fora introduzido nos centros monsticos e catedrais do seu reino para a unificao da liturgia. O seu declnio teve incio no sculo X, com a inveno dos primeiros sinais acsticos (neumas), para identificar a altura das melodias dos cantos litrgicos. Os neumas so considerados os primeiros rudimentos da notao musical. 126. importante frisar que, nesse perodo: O canto litrgico se torna especialidade e competncia exclusiva de clrigos e monges; O canto gregoriano expande-se, silenciando outras vozes (com exceo do canto ambrosiano); Com isso, no se quer desmerecer o valor intrnseco e inestimvel do canto gregoriano. Os Papas o tm recomendado por causa da oportunidade que oferece participao dos fiis, da maneira pela qual as melodias ajudam compreenso do texto, da discrio, da paz; por causa, enfim, da universalidade. De fato, trata-se de acervo artstico e espiritual de imenso valor, que no pode ser desperdiado, mas que, por suas caractersticas peculiares, no poderia ser proposto incondicionalmente ao conjunto das comunidades crists hoje em dia. 2.2.5. A msica litrgica na poca que vai de Gregrio VII (+ 1085) ao Conc. de Trento (1545) 127. Se considerarmos globalmente o mundo da msica na Igreja a partir do sculo XIII at os tempos mais recentes, deparamos duas situaes: de um lado, uma Igreja-bero-e-protetora do progresso cultural-artstico;

28 de outro, os temores, as lentides, as posies tardias de uma gesto de poder que se sente ameaada pelas transformaes culturais e que reage em favor do conservadorismo e da tradio. 128. Surge o previsvel: a liturgia vai entrando em crise cada vez mais grave e prolongada. Vasta documentao assinala a celebrao em decadncia, realizada mais por dever do que por vocao eclesial; mais pelo repertrio a ser executado do que por inspirao; mais pela burocracia do culto do que pela ao coral do povo; mais pela dramaturgia do que pelo mistrio participado... 129. Depois do gregoriano, surge a polifonia. Esta privilegia uma arte refinada, que mistura timbres, harmonias e ritmos. Neste perodo da histria da msica, surgem grandes nomes de mestres da composio e, conseqentemente, emerge um repertrio que atinge graus elevados de complexidade na escrita e de dificuldades tcnicas na sua execuo. a poca do equilbrio vocal audacioso, regulado e controlado. Cronistas tradicionalistas da poca se insurgem contra suas execues intolerveis. 130. Nessa situao, o povo busca iniciativas nas expresses, ritos marginais (procisses, peregrinaes, bnos...) e celebraes que tocam o litrgico, ricos em valores e em novos repertrios de canto em lngua viva. 131. Mas o fim da Idade Mdia e a Renascena deram msica polifnica tal qualidade, que ela pde ser empregada na liturgia e fornecer-lhe obras-primas graas Escola romana e ao gnio de Palestrina (+1594). A Capela papal permaneceu fiel a esta msica que os documentos da S. S chamam de polifonia sagrada, apesar das discusses sobre os prs e contras da polifonia que chegam at o Conclio de Trento. 2.2.6. A msica litrgica na poca que vai do Conclio de Trento (1563) ao sc. XIX 132. Aps o Conclio de Trento, surge o perodo artstico do Barroco: o sentimento de segurana nas declaraes da Igreja romana d a sensao de se pisar em solo firme, depois da crise protestante. Uma atmosfera de triunfo e de festa invade tambm o recinto e a expresso cultural. As igrejas parecem elegantes sales de atos com paredes de mrmore e de ouro, pinturas nos tetos, onde no faltam os palcos e galerias. Surge o coro, uma tribuna separada do presbitrio, no fundo da igreja: ele reflete a separao e a independncia que a expresso musical adquiriu. 133. No podemos negar o casamento da msica barroca com a liturgia, nem suas coerncias com a concepo de uma ordem monrquica e hierrquica exemplar: Deus, os chefes, os reis, o clero, o povo... Assim, nas igrejas, chefe do coro e organista podero e devero pontificar, mais do que o presidente da celebrao. O rgo ser o rei dos instrumentos e at concorrente do altar. A linguagem meldica ter tal eloqncia, que tornar acessvel ao povo o prprio latim. O jogo alternativo, o contraste do timbre, o tecido feito de contrapontos, estaro em condies de expressar, mais do que um pregador, o sentido da festa!... 134. o sculo de ouro da polifonia, mais esttica do que litrgica, em que se exibiam as qualidades artstico-musicais. 135. O repertrio do barroco e, depois, do Classicismo alimenta a devoo, exalta a sensibilidade subjetiva e coletiva, mantm uma viso religiosa da realidade crist, j que o segredo dos mistrios inacessvel para o povo. 136. Mas, j no sculo XVIII, sentia-se na Igreja um desejo de maior participao comunitria, de mais simplicidade. O descontentamento era geral. Um

29Snodo, acontecido em Pistia (1786), assinala algumas reformas a ser feitas: maior participao dos fiis, msica mais simples e adaptada ao sentido das palavras. Tais mudanas, porm, no se concretizaram! 137. No sculo XIX, prevalecer a oposio contra a msica profana e o estilo teatral, oriundos do barroco. A reforma da msica sacra foi um dos objetivos prioritrios desse sculo. Busca-se uma restaurao do gregoriano autntico, fruto do trabalho dos monges de Solesmes, sob o comando de D. Guranger. Gregoriano e Polifonia so absolutizados como formas-modelo, fontes de inspirao, nico patrimnio digno de ser atingido como genuna riqueza. 2.2.7. A msica litrgica em pleno Movimento Litrgico 138. Foi no sculo XIX que surgiu, na abadia beneditina de Solesmes, na Frana, sob a liderana espiritual de Dom Guranger (1805-1875), um movimento de retorno s fontes e de retomada do fervor litrgico, que veio a desaguar, um sculo mais adiante, no Conclio Vaticano II. Foi o Movimento Litrgico. 139. Bebendo nas mesmas fontes e caminhando de mos dadas juntamente com o Movimento Bblico e o Movimento Ecumnico, o Movimento Litrgico se espalhou pela Europa e, depois da 2 Guerra Mundial, seu raio de influncia e inspirao chegava a quase todos os pases do mundo, sobretudo com o Motu Proprio "Tra le sollicitudine" de So Pio X (1903), que motivou as inovadoras e preciosas diretrizes do papa Pio XII, em suas encclicas Mediator Dei (1947) e Musicae Sacrae (1955). Todas estas propostas de reforma tinham em vista favorecer a participao ativa e consciente do povo na liturgia: uma antecipao do Vaticano II. 140. Os Diretrios diocesanos, as comisses diocesanas e nacionais de Liturgia e Msica Sacra foram-se multiplicando. Os missionrios ocupavam-se com especial cuidado da vida litrgica nas misses. Semanas, congressos, simpsios difundiam por toda a parte esse ar de renovao, divulgando as diretrizes, a produo intelectual dos liturgistas, as experincias de pastoral litrgica, nas quais a msica, o canto especialmente, tinham importante lugar. 2.2.8. A msica litrgica na Igreja de hoje 141. Quinze sculos depois de Agostinho, no Conclio Vaticano II, qual culminncia do arrojado movimento de volta s fontes a que acima nos referimos, vamos deparar o primeiro dos documentos conciliares, precisamente a Constituio sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, se afirma com evidente empolgao: A tradio musical da Igreja um tesouro de inestimvel valor, que excede todas as outras expresses de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessria ou integrante da Liturgia solene. 142. O canto sacro foi enaltecido quer pela Sagrada Escritura (cf. Ef 5,19; Cl 3,16), quer pelos Santos Padres e pelos Romanos Pontfices, que recentemente, a comear por So Pio X, definiram, com insistncia, a funo ministerial da Msica Sacra no culto divino (...). Os atos litrgicos revestem-se de formas mais elevadas quando os ofcios, aos quais assistem os ministros sacros e nos quais o povo participa ativamente, so celebrados com canto.25

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Cf. SC 112 e 113.

30143. Quatro anos mais tarde, a Instruo da S Romana Musicam Sacram, de 1967, levando em considerao as diretrizes conciliares e fazendo eco mais antiga tradio, assim se expressa: A ao litrgica reveste uma forma mais nobre quando realizada com canto, cada ministro exercendo a funo que lhe prpria, e o povo participando. Sob esta forma, com efeito, a prece se exprime de maneira mais penetrante; o mistrio da liturgia, com suas caractersticas hierrquica e comunitria, se manifesta de maneira mais explcita; a unidade dos coraes mais facilmente atingida pela unio das vozes; os espritos se elevam mais facilmente da beleza das coisas santas at as realidades invisveis; enfim, a celebrao como um todo prefigura mais claramente a liturgia celeste, que se realiza na nova Jerusalm.26 144. A partir do Conclio, algumas intuies e critrios vo inspirando e provocando providencialmente toda uma renovao da msica litrgica: Liturgia a celebrao do Mistrio Pascal realizada pelo Povo de Deus: a participao das pessoas, da assemblia, como exerccio do novo sacerdcio, com Cristo, por Cristo e em Cristo, de fundamental importncia e constitui valor primordial; Canto e msica, antes de ser obras codificadas para execuo, so gesto vivo, experincia existencial; so vivncia simblica aqui e agora, antes de ser repertrio ao qual as pessoas devam se adaptar; Canto e msica participam da dimenso sacramental da liturgia: so smbolos importantes do Mistrio de Cristo e da Igreja, e no ornamento exterior; so encarnao, em estruturas comunicativas, da Palavra, do dilogo salvfico entre as Pessoas Divinas e as pessoas humanas, e no elementos rituais e estticos de uma religiosidade qualquer; Canto e msica, no contexto da ao litrgica, no so realidades autnomas, mas funcionais: esto a a servio do Mistrio da F, da assemblia sacerdotal. Artistas e demais atores se empenharo em encontrar a expresso musical mais bela e adequada, levando em conta o rito e as pessoas que vo execut-lo. O que deve prevalecer no so os gostos, a esttica individual de cada um, mas a essencialidade do Mistrio e a participao frutuosa e prazerosa de todos. Os agentes litrgico-musicais desempenharo tanto melhor o seu papel, quanto melhores intrpretes forem da f, da vida e do jeito de ser da sua gente; Canto e msica, partindo de bases antropolgicas e do universo cultural de quem cr, devem possibilitar a expresso verdadeira da assemblia, bem como a autenticidade de sua participao. A beleza das formas necessria, mas no mensurvel unicamente a partir de normas jurdicas ou estticas; Os repertrios do passado e as novas criaes no devem ser vistos como bens culturais, ostentados para dar prestgio instituio ou embelezar suas cerimnias, mas como subsdios simblicos a ser aproveitados por comunidades concretas, de forma realmente significativa e participativa. 145. Aps experincias desnorteadas e at aberrantes, de um lado, e reacionrias ou repressoras, do outro, vamos chegando a uma realidade musical diferente, equilibrada, rica e promissora. Mas muito importante que todo o Povo de Deus se sinta chamado a fazer florescer, na vida e na celebrao, toda a riqueza de ministrios e carismas que o Esprito suscita, de modo que possa expressar pelo canto a sua identidade, celebrar a sua esperana, ancorado na mesma f exemplar de Maria, podendo alegrar-se com ela, por ver desmoronar os tronos dos privilgios e das barreiras tnicas e culturais, porque todo ser humano e toda linguagem so chamados ao louvor.26

MS 5.

31146. O canto novo deve brotar de comunidades evangelicamente novas, eclesialmente abertas, culturalmente contemporneas. No devemos esconder, porm, quanto longo, duro e no sem quedas e desnimos o caminho dessa novidade. 147. Diante desta viso panormica da msica na Igreja, desde os tempos apostlicos at nossos dias, podemos perceber que houve momentos gloriosos e outros mais penosos. No entanto, com seu canto e sua msica, a Igreja fez-se judia com os judeus, grega com os gregos; seu canto novo se deixou influenciar por melodias simples, como tambm soube preencher com o sopro do Esprito os tubos dos rgos e fazer vibrar as cordas com sinfonias magnficas, que sero para sempre, em termos de arte e de f, glria da humanidade e da prpria Igreja. 148. A Histria continua sendo mestra de vida... Percorrendo a histria da Msica Litrgica, nem que seja nos seus lances mais gerais, o que aproveitar para o exerccio do nosso ministrio musical hoje, em nossa terra?... 2.2.9. A msica litrgica nos documentos da Igreja Catlica latinoamericana 149. Reunidos sucessivas vezes, respectivamente no Rio de Janeiro, Brasil (1955), em Medelln, Colmbia (1968), Puebla de los ngeles, Mxico (1979) e Santo Domingo, Repblica Dominicana (1992), os representantes do episcopado latinoamericano pouco se ocuparam deste assunto, apesar da importncia que o canto e a msica tm na vida de nossos povos e particularmente em nossa prtica celebrativa, das manifestaes religiosas populares s celebraes oficiais de nossas Igrejas. No entanto, vale a pena retomar o pouco que a se afirma ou sugere: A Igreja latino-americana deve dar aos artistas e homens de letras o seu devido lugar, recorrendo a seu concurso para a expresso esttica da palavra litrgica, da msica sacra e dos lugares de culto;27 A coincidncia de problemas comuns e a necessidade de contar com grupos de peritos devidamente preparados aconselham o incremento dos servios que o Departamento de Liturgia do CELAM pode proporcionar; Uma seo de coordenao dos musiclogos, artistas e compositores para unir os esforos que se esto realizando em nossas naes, com o fim de proporcionar uma msica digna dos sagrados mistrios;28 Promover a msica sacra, como servio eminente que corresponde ndole de nossos povos.29 150. O mrito dessas assemblias episcopais latino-americanas foi, sobretudo, criar e relanar, a cada 10 anos, um esprito novo, progressivamente, de resgate da fora libertadora do Evangelho, de compromisso com o oprimido e excludo e de fidelidade s razes culturais de nossos povos, esprito este que vai inspirando o conjunto das atividades da Igreja no continente, e, portanto, sua liturgia e a prpria msica litrgica. 2.2.10. A msica litrgica nos documentos da CNBB

27 28

CELAM, a Igreja na atual transformao da A.L. luz do conclio, concluses de Medelln, n 7, 17c. Ibid., n 9 e 11. 29 CELAM, A evangelizao no presente e no futuro da A.L., Puebla: n 947.

32151. Mais explcita a respeito da msica litrgica tem sido a Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que j em 1976 publicava importante documento sobre a Pastoral da Msica Litrgica no Brasil, pronunciando-se com segurana, profundidade e senso prtico sobre questes de fundo e preocupaes maiores do momento ps-conciliar. Referindo-se participao dos fiis na liturgia, a se afirma: Uma das melhores expresses desta participao a Msica litrgica. Onde h manifestao de vida comunitria existe canto; e onde h canto celebra-se a vida. Por isso, no Brasil, a renovao litrgica tem alcanado um de seus pontos mais positivos, pela criao de uma msica litrgica em vernculo. Esta tem procurado corresponder ao sentimento e alma orante do nosso povo, fazendo-o participar das funes litrgicas de modo expressivo e autntico (...).30 152. O canto, como parte necessria e integrante da liturgia (SC 112), por exigncia de autenticidade, deve ser a expresso da f e da vida crist de cada assemblia. Em ordem de importncia , aps a comunho sacramental, o elemento que melhor colabora para a verdadeira participao pedida pelo Conclio (...).31 153. O canto, portanto, no algo de secundrio ou lateral na liturgia, mas uma das expresses mais profundas e autnticas da prpria liturgia e possibilita ao mesmo tempo uma participao pessoal e comunitria dos fiis (...).32 154. Se a msica for como de fato requer a liturgia, ser sinal que nos leva do visvel ao invisvel, um carisma que contribui para a edificao de toda a comunidade e a manifestao do mistrio da Igreja, Corpo Mstico de Cristo.33 155. Treze anos mais tarde, no Doc. 43, sobre a animao da vida litrgica no Brasil, insistem nossos pastores: Auxilia nossa prece, reforando a palavra que ouvimos, a linguagem universal da msica, cantada ou instrumental (...).34 156. Dos princpios e diretrizes emitidos pelos Bispos da Amrica Latina, e, sobretudo, pela CNBB, o que mais interessa a voc, no desempenho de seu ministrio musical?... O que mais o questiona e desafia?... Em que a gente precisa mais avanar?...

30 31

CNBB, Pastoral da Msica Litrgica no Brasil - Doc 7, 1.12. Ibid., 2.1.1. 32 Ibid., 2.1.2. 33 Ibid., 2.1.3. 34 N 82.

333. ORIENTAES PASTORAIS3.1. O CANTO DA ASSEMBLIA 3.1.1. Os participantes nas nossas assemblias 157. Antes de mais nada, em nossas celebraes, devemos levar em considerao as pessoas. A liturgia, afinal, o lugar por excelncia do encontro das pessoas humanas entre si, e das pessoas humanas com as Pessoas Divinas. 158. Quem so mesmo as pessoas que freqentam nossas igrejas e participam de nossas assemblias ou celebraes, no campo ou nas cidades? So crianas, adolescentes, jovens, adultos e idosos; So homens e mulheres, estas quase sempre em nmero maior; Gente da capital ou do interior, do centro ou da periferia; Gente da Amaznia ou dos Pampas, do Centro-Oeste, do Nordeste, do Leste ou do Sudeste; Gente dos sertes ou do litoral; Gente de classe mdia, gente abastecida, gente carente, classes altas e populares, gente erudita e gente analfabeta;35 Rostos de ndios ou de africanos, rostos de europeus ou de asiticos, mestios que tanto tm de ndio quanto de branco, mas, sobretudo, muito tm de negro, mesmo sem se dar conta disso ou valoriz-lo. 159. Povo, na sua maioria, pobre, sem terra, sem emprego, sem estudo, assalariados ou autnomos de baixo poder aquisitivo, que carrega sobre seu dorso a pesada cruz da opresso e sofre as conseqncias de algum tipo de excluso; gente para quem o Filho de Deus continua olhando com profunda compaixo, porque so como ovelhas sem pastor (Mt 6,34); gente que muitas vezes poderia fazer a pergunta do Salmo 137(136): Como cantaremos a cano do Senhor em terra estranha?... 160. Sobre esse povo, o Apstolo Paulo escrevia: ...vocs que receberam o chamado de Deus, vejam bem quem so vocs: entre vocs no h muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos de alta sociedade. Mas Deus escolheu o que loucura no mundo, para confundir os sbios; e Deus escolheu o que fraqueza no mundo, para confundir o que forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que no tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que importante. Desse modo, nenhuma criatura pode se orgulhar na presena de Deus. Ora, por iniciativa de Deus que vocs existem em Jesus Cristo, o qual se tornou para ns sabedoria que vem de Deus, justia, santificao e libertao, a fim de que, como diz a Escritura: Aquele que se gloria, que se glorie no Senhor (1Cor 1,26-31). 161. Por esse povo simples, Jesus continua bendizendo o Pai, por lhe revelar os seus segredos... convidando-o: Venham a mim todos vocs que esto cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de corao, e vocs encontraro descanso para suas vidas. Porque a minha carga suave e o meu peso leve (Mt 11,25.28-30). E a celebrao , com certeza, para eles e elas, um momento muito especial de experimentar como o Senhor bom (Sl 34(33),9). O canto, a msica, ento, quanto tm a ver com essa35

Cfr. CNBB, Animao da vida litrgica no Brasil - Doc. 43, n 55.

34experincia. Os benditos e toda folcmsica religiosa no tero brotado de uma tal experincia de Deus, e no poderiam ser uma referncia,