A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

419
1 A natureza brasílica entre a visão emblemática e a revolução científica da necessidade humana de conhecer o mundo entre os séculos XVI e XVIII Paulo de Assunção Fundação Biblioteca Nacional 2009

Transcript of A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

Page 1: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

1

A natureza brasílica entre a visão emblemática

e a revolução científica

da necessidade humana de conhecer o mundo

entre os séculos XVI e XVIII

Paulo de Assunção

Fundação Biblioteca Nacional

2009

Page 2: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

2

"Se o que você possui lhe parece insuficiente,

então, mesmo que você possua o mundo, ainda irá sentir-se infeliz"

Sêneca

"Certos livros são para serem provados, outros para serem engolidos,

e alguns poucos para serem mastigados e digeridos". Francis Bacon

"(...)A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar,

sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir

não é mais que o alimento de pensar(...)".

Fernando Pessoa

“Sapere aude” (ousai saber)

Page 3: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

3

Sumário

Apresentação.................................................................................06

Primeiro capítulo A idéia de natureza da

antiguidade ao período medieval................................................29

1.1 A physis no pensamento antigo...................................30

1.2 A natureza e o vasto império romano........................44

1.3 A ideia de natureza e o pensamento medieval...........50

Segundo capítulo

A natureza e a emergência de novos paradigmas......................65

2.1 A ideia de natureza no limiar da modernidade.........66

2.2 A ideia de natureza no século XVII e o despertar da razão..................................................85 2.3 O século XVII: natureza e o pensamento ilustrado...........................106

Terceiro capítulo Portugal e os deseafios na

construção de um novo modelo de saber..................................124

3.1 Portugal no caminho da ilustração...........................125

3.2 Portugal e o estímulo à História Natural.................142

Page 4: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

4

Quarto capítulo Dos relatos de viagens às

descrições dos naturalistas ........................................................166

4.1 Dos relatos de descoberta

aos registros da conquista.........................................167

4.2 Relatos com princípios científicos e ideológicos..............................................173 4.3 O trabalho científico e a forma de relatar...............185

Quinto capítulo A natureza brasílica:

dimensões da descoberta e conquista.......................................208

5.1 A natureza exótica dos trópicos..............................209

5.2 As revelações da natureza tropical.........................221

Sexto capítulo A natureza brasílica:

das coisas notáveis aos fins científicos .....................................242

6.1 A natureza nos relatos de reconhecimento

do território do século XVII....................................243

6.2 Novos olhares: a riqueza natural capturada

para fins científicos..................................................262

Sétimo capítulo A natureza brasílica sob investigação ......................................275

7.1 A ocupação do interior

e a riqueza mineral..................................................276

7.2 A natureza brasílica:

pesquisas e debates..................................................312

Page 5: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

5

Palavras Finais............................................................................375

Notas............................................................................................381

Referências bibliográficas..........................................................420

Page 6: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

6

Apresentação

Os descobrimentos portugueses dos séculos XV e XVI favoreceram o

processo de transformação cultural e científico na Europa. O mundo ampliou suas

fronteiras a novos horizontes e a novas experiências que abririam a mente dos homens

para outros saberes. A exploração marítima apresentou um diferente universo de seres

humanos e espaços naturais diferentes. A partir da experiência dos navegantes, os

Humanistas construíram novos saberes, rompendo os limites do conhecimento

medieval. Esta atitude mental promovida lentamente pelo Humanismo foi fruto de um

conjunto de experiências lentamente engendrado no decorrer do tempo por atores

múltiplos.1

As descobertas marítimas permitiram que o homem português confirmasse ou

não informações debatidas desde a Antiguidade. Surgiu um novo saber geográfico e

as obras de escritores dos séculos anteriores foram revisitadas e questionadas. A

Europa, com destaque para Portugal, orgulhava-se das conquistas e descobertas, pois

conseguiu ultrapassar o saber dos pensadores antigos, mostrando que outras verdades

eram possíveis e estavam diante dos olhos humanos.2

As verdades eternas defendidas no período medieval, que já vinham sendo

questionadas, passaram exame por um mais profundo exame. Cada vez mais os

pensadores sentiam necessidade de mudar de método, valorizando a observação e a

experiência.3 Era preciso encontrar o meio e o modo de compreender e descrever um

mundo natural tão vasto e distinto daquele que se conhecia na Europa. Desde as

primeiras viagens do século XV e XVI, os viajantes procuraram narrar suas

experiências sem preocupações maiores do que informar sobre a experiência

individual em regiões incógnitas. Nos séculos seguintes, havia preocupação quanto a

Page 7: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

7

organizar de forma coerente os dados obtidos por meio da escrita e da imagem. A

narrativa dava a dimensão da aventura e das sensações dos viajantes, fixava o espaço

natural da trajetória do viajante pesquisador enriquecida pela ação e pelo olhar.

A natureza tropical apresentava-se exibindo uma quantidade infinita de

espécies diferentes pela variedade de tamanho, cor, formato etc, nem sempre de fácil

descrição. No século XVI, a fauna e a flora, pela diversidade e características,

encantavam ou causavam temor; constituíam novidade ao viajante habituado às

espécies europeias. Por isso, os registros das observações iniciais demonstram a

dificuldade para individualizar cada espécie e encontrar elementos de correspondência

no universo natural conhecido. Os viajantes procuraram deter-se em aspectos

fundamentais, destacando aqueles que consideravam extravagantes. As descrições

fantásticas, em alguns casos, eram extensas em razão dos detalhamentos. O inusitado

deveria ser apresentado com todos os contornos, para causar admiração. No espaço

desconhecido, a idéia da diferença implicava o que fosse considerado “monstruoso”

pela forma, raridade e/ou, exuberância; estes atributos deveriam ser registrados. Além

disso, eram também importantes os hábitos alimentares dos animais e o

comportamento.

Num movimento gradual, os deslocamentos para a América Portuguesa

cresceram. A ocupação esparsa do litoral, lentamente ia tomando força pelo interior.

O movimento iniciado por religiosos e aventureiros no século XVI descortinou um

território imenso, desconhecido e temido. Uma natureza verdejante e diversificada

extasiava os que ousaram desbravá-la pelos seus prováveis mistérios. No contexto

das terras brasílicas, os bandeirantes avançaram pelo território em busca de riquezas e

na captura de índios, contribuindo também para o redesenho dos limites territoriais

portugueses e marcaria o processo de ocupação da América. Este movimento foi

decisivo para a conquista e para a definição do território brasileiro, que se manteve

unido mesmo após a independência. Movimento que também marcaria o

encantamento e o temor de homens tomando conhecimento do mundo natural e suas

potencialidades.4

O século XVII inaugurou o momento em que o homem se dedica à

concretização e realização de mais descobertas e reconhecimentos. Mais instruído, do

ponto de vista científico, o viajante esta apto a esclarecer melhor diversos assuntos,

Page 8: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

8

inclusive aqueles relacionados à natureza. Este processo foi conturbado e conflituoso,

em face dos questionamentos da Igreja e de uma mentalidade que se acomodava a um

cenário de novidades. O homem ia se habituando aos novos saberes, mas conscientes

de eles poderiam influenciar no seu cotidiano. Percebia a rápida desintegração do

antigo sistema de conhecimento na medida em que a concepção matemático-natural

se desenvolvia para explicar o mundo.

A visão terrena e humana gerada pelo pensamento racional procurou

desvendar a relação homem-natureza, enquanto realidade essencial. O homem

criticava, duvidava e desconstruía as verdades existentes. Questionava o seu

pensamento, tanto no que dizia respeito às formas como aos conteúdos. A razão era o

espírito crítico humano em ação, capaz de buscar o novo e pensar uma outra verdade

que poderia estar além de sua capacidade momentânea de compreender o mundo que

o cercava.

Francis Bacon, um dos pensadores desse período, entendia que a humanidade

passava por um progresso do conhecimento científico que paulatinamente seria

ampliado em função do pensamento racional e das novas experiências. Para ele, era

importante valorizar o conhecimento por meio da experiência e da crítica, pois este,

de fato, impulsionaria o avanço científico.

A observação direta da natureza faria uma renovação metodológica, na medida

em que os relatos e descrições de viagem divulgassem novos conhecimentos. Como

observou Francis Bacon na obra “Instauratio Magna”, as viagens marítimas do século

XVI seriam responsáveis pelo processo e ampliação dos horizontes europeus, que

conduziria a uma nova ciência.5

Os séculos XVI e XVII revelavam que o homem deveria contemplar e

apreender a realidade a partir de novas bases de percepção. As explicações dos

antigos eram questionadas e invalidadas pelo conhecimento que o homem tinha ao seu

dispor. A sociedade sofrera alterações políticas, econômicas, religiosas e havia um

ambiente propicio ao questionamento. Os séculos XVI e XVII podem ser vistos como

a era da dúvida.

Paolo Rossi, ao analisar o nascimento da ciência moderna, observa as

diferenças que marcavam este momento, pois na natureza dos pensadores modernos

não havia distinção de essência entre os corpos naturais e os corpos artificiais. Para

Page 9: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

9

ele, a natureza era questionada também em condições artificiais, pois as experiências

eram construídas pelos pesquisadores a fim de confirmar ou desmentir teorias. Bacon

era contrário à opinião de Aristóteles quando à interação com a natureza ser a única

maneira de exemplificar ou ilustrar as teorias. Neste sentido, o conhecimento

científico aproximava-se da idéia de exploração.6

O homem do século XVIII desejava continuar a desvendar os segredos do

mundo natural e para tanto precisava se aparelhar de elementos que permitissem

realizar o exame e a crítica abalizada. Todavia, antes de emitir qualquer juízo sobre

algum assunto, era essencial conhecer o desconhecido e estabelecer uma ordenação

lógica. Os crescentes estudos desse período dão uma dimensão da dinâmica que

envolve o século XVIII num conjunto de transformações, onde as ciências ganhariam

destaque.

Aumentava a euforia na medida em que o pensamento científico conquistava

avanços e adeptos. Permeava a sociedade européia a convicção de que a ciência e o

raciocínio davam ao homem europeu uma diferenciação em relação aos demais, pois

ele era capaz de compreender as leis que governavam as coisas do mundo, que eram

ao mesmo tempo racionais, naturais e universais.

Os viajantes deixavam a Europa e enfrentavam o Oceano Atlântico. Uma

planície de águas temidas, onde os dias se sucediam sem se avistar terras. O calor, as

tempestades e outros fenômenos naturais davam o ritmo da viagem. A ociosidade nas

embarcações fazia que pelo caminho os aventureiros começassem a fazer os seus

registros, como diários, gravuras ou mapas.7 Os aspectos mais importantes eram

registros, conforme o critério de seleção e a experiência pessoal de cada um deles.

Muitos estavam cientes de que com as informações coletadas poderiam contribuir

para corrigir imprecisões. Isto não era feito com facilidade porque era difícil

compreensão naquela época o espaço e o mundo natural. O importante era traçar

esquemas claros, referências de espécies e itinerários. Os detalhes eram importantes,

exigiam do viajante uma visão global.

No século XVIII havia muito interesse pela fauna e flora existentes sobre a

face da Terra. A multiplicidade delas exigia explicações. A busca pelo

estabelecimento de categorias e classificações foi sendo construída a partir da flora

europeia. O desejo de criar um amplo sistema do mundo natural era evidente.

Page 10: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

10

Procurava-se, por meio de inventários e pela taxionomia identificar todas as espécies

e tornar o seu conhecimento possível através das publicações, como a enciclopédia.

Se havia necessidade de conhecer, havia também uma preocupação econômica em

relação ao mundo natural. Era preciso identificar espécies que pudessem ser

exploradas e que fossem úteis aos interesses humanos.

A coleta de amostras em diversas partes do planeta permitiu instituição de

gabinetes naturais que fascinaram a sociedade. Estes gabinetes eram a comprovação

da pujança do mundo natural, ocultos até então dos olhos humanos, sendo necessário

que viajantes naturalistas trabalhassem intensamente para conhecer este universo. A

valoração deste trabalho seria reconhecida pela posteridade. Os relatos se

transformaram em referências para o conhecimento científico, pois a busca pela

verdade e pelo saber conquistou cada vez mais espaço.

A experiência pessoal era importante, mas ficava cada vez mais evidente que o

aprofundamento do conhecimento se sobrepunha ao mundo das sensações. Por

conseguinte, era importante que o método de observação fosse adequado para explicar

as coisas do mundo natural e a relação que o viajante naturalista estabelecera com a

natureza. Neste sentido, o foco se voltava para a construção de uma visão global e

sistêmica. O viajante simplesmente era o meio pelo qual a descrição, objetiva e clara,

ganhava a forma escrita ou de imagens, sendo este material a base para diferentes

reflexões sobre o mundo natural e a ação humana.

Os registros feitos por estes viajantes, antes de serem um ponto de chegada,

eram um ponto de partida para as futuras explorações da natureza, pois elas se

mostravam infinitas e inesgotáveis. Os trabalhos dos estudiosos caminharam na

direção do aprofundamento numa ordem inteligível do mundo natural, caminho que

continuaria sendo trilhado para decifrar o livro da natureza.

Entre os séculos XVI e XVIII ocorram transformações importantes na relação

do homem com a natureza. A Europa caminhou de uma leitura racionalista empírica

para uma abordagem racionalista científica. Essa mudança adveio de novas

observações e da leitura dos fenômenos do mundo natural. Como defendia René

Descartes, era preciso romper com a subjetividade humana e possibilitar que os

fenômenos da natureza fossem compreendidos por princípios matemáticos,

constituídos a partir do conhecimento empírico do mundo.

Page 11: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

11

A expansão européia alimentou a curiosidade intelectual e científica dos povos

europeus. A relação comercial de troca conduziu a uma inevitável circulação cultural.

Produtos e cultura se envolviam na sedução da troca. As viagens dos descobrimentos

iniciaram o movimento de deslocamento para a América, levando o homem europeu a

conquistar um território desconhecido e inexplorado. Um mundo diferente e povoado

de incertezas.

Os deslocamentos para as novas terras americanas foram lentos, em face das

dificuldades do mar e das precárias condições de subsistência nas terras tropicais. O

desejo de obter riqueza fácil seduziu aventureiros e exploradores e os convenceu a

visitarem as costas das terras desconhecidas.8 Um aprendizado lento, que passava

pelas dificuldades e lições que o Oceano impunha aos viajantes e que continuaria do

outro lado do Atlântico, no processo de aprendizagem e convívio com o mundo

natural.

O século XVIII, marcado pela exploração aurífera na região das Minas Gerais,

estimulou os deslocamentos de diversas áreas da colônia e da metrópole para aquela

região. A idéia de enriquecimento rápido e fácil alimentou os sonhos de muitos que

seguiram para o local, estimulando movimento de homens e de mercadorias.

Circulavam produtos e idéias. Rapidamente, a dimensão do interior da América

Portuguesa conquistou uma nova perspectiva para metrópole. A natureza das colônias

poderia oferecer muito mais recursos do que normalmente oferecia.

No contexto colonial português, o século XVIII pode ser visto como um

momento de reconhecimento e exploração científica do império. Era preciso conhecer

mais detalhadamente as colônias, observando e analisando quais eram as suas

potencialidades. Neste sentido, as viagens filosóficas foram empreendidas com o

intuito de realizar uma leitura empírica, direcionado o olhar para mundo natural

preservado em suas extensas colônias, uma delas o Brasil, a fim de contribuir

significativamente, não só para os interesses econômicos portugueses, como também

para os estudos científicos. As pesquisas foram sendo construídas por mãos múltiplas.

Cada novo estudo publicado estimulava a realização de novas pesquisas, cujo olhar

deveria estar atento aos padrões científicos. As discussões sobre o tema iam se

ampliando como também o incentivo e a realização de coleta de novas espécies, além

dos estudos em jardins botânicos e laboratórios.

Page 12: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

12

Os registros sobre a natureza aparecem nos relatórios oficiais de governadores

das capitanias, caracterizando espécies em suas singularidades, ou fazendo menções

dispersas e fragmentadas. No exercício de seu ofício, cada servidor da coroa procurou

na sua correspondência referir suas ações com acréscimos sobre as áreas em que

atuavam. Assumiam, às vezes, uma posição pró-ativa sugerindo o aproveitamento de

recursos da região.

No século XVIII os trabalhos sobre aspectos da natureza são mais abundantes.

Além do interesse pessoal de alguns registros, havia interesse da metrópole em

promover a exploração dos territórios coloniais, assim como definir os limites das

fronteiras, para garantir o controle sobre elas e evitasse contendas com outras nações.

As negociações que conduziram à celebração do Tratado de Limites (1750)

confirmavam a extensão de uma vasta colônia na América, praticamente

desconhecida nos seus recursos naturais. Da mesma forma, o Tratado de Santo

Idelfonso (1777), cujo objetivo era definir os limites das terras portuguesas e

espanholas, determinou a formação de comissões compostas por astrônomos,

geógrafos, engenheiros, desenhadores e naturalistas, para se dirigirem ao local a fim

de realizarem os estudos para delimitação.9 Território que poderia esconder mais

riquezas e favorecer o desenvolvimento da metrópole.

Na segunda metade do século XVIII, na medida em que a exploração aurífera

diminuía, o governo lusitano procurou agir no sentido de reconhecer melhor as

potencialidades das suas colônias. O desenvolvimento da ciência e das pesquisas

científicas estimulou o governo a enviar exploradores ao Brasil. Eram, na verdade,

viajantes movidos pelo objetivo de coletar dados sobre espécies para serem estudados

na Europa e que tivessem algum valor econômico. Um novo motivo levava o homem

a se deslocar para as terras do além-mar.

Neste contexto, o governo lusitano estimulou a vinda de pesquisadores para a

América Portuguesa, com o intuito de estudar as potencialidades agrícolas e minerais

das terras, com um detalhamento maior. Estas viagens foram empreendidas por

membros da Academia Real das Ciências de Lisboa que registraram em detalhes o

que haviam identificado e estudado. A maior circulação de informações fez que os

materiais produzidos fossem veiculados em revistas e publicações das mais variadas.

Page 13: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

13

Muitos viajantes que atravessaram rapidamente as terras brasílicas elaboraram

relatos passíveis de serem questionados, por transmitirem impressões superficiais,

nem sempre abalizadas, sobre a realidade social e política. De fato, o conhecimento

aprofundado sobre as terras tropicais só viria após uma longa permanência no país.

Era necessário conhecer a língua, usos e costumes dos habitantes para se empreender

uma análise mais profunda. Contudo, as narrativas de viagens, mesmo com

imprecisões, possuíam um aspecto dinâmico e singular para compreender as imagens

formadas do Brasil e principalmente dos condicionantes que envolviam a questão do

deslocamento em momentos diferentes da nação brasileira.

Os viajantes naturalistas forneciam relatos técnicos às instituições para as

quais prestavam serviço. Ao retornarem à terra de origem, muitos proferiam palestras

sobre suas experiências como viajantes, publicavam artigos em jornais e revistas

sobre o tema. Os trabalhos, submetidos a uma seleção editorial, deveriam satisfazer

quanto à objetividade científica. O conjunto de informações deveria dar ensejo à

continuidade das pesquisas. Era importante teorizar e sistematizar uma prática,

visando ao avanço nos conhecimentos técnicos sobre a natureza.

Em suma, a viagem implicava comunicação. Ao fim do deslocamento, havia

necessidade de comunicar as impressões. Todos aqueles que viajavam tinham algo a

dizer. Os registros dos navegadores que percorreram o litoral brasileiro forneceram

informações sobre o Brasil. Rios, montanhas, detalhes sobre a costa foram observados

e lentamente a história dos deslocamentos ia sendo traçada.

A atração que o mundo natural dos trópicos exerceu sobre os estudiosos era

imensa. A diversidade da flora, da fauna e de minerais, nunca antes vistos, indicava

uma região que poderia oferecer muitas descobertas e revelar segredos. Os registros

dos naturalistas nas últimas décadas do século XVIII seriam de fundamental

importância para as novas expedições que visitariam as terras brasileiras no decorrer

do século XIX.

Os exploradores, religiosos, viajantes, naturalistas, dentre outros que passaram

pelas terras da América Portuguesa demonstraram um olhar atento para a terra, seus

habitantes, suas crenças e o mundo natural. Os primeiros registros feitos por aqueles

que conheceram a terra visavam basicamente a relatar as experiências e mostrar as

diferenças, realizando filtros e restrições em função da posição que ocupavam. A

Page 14: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

14

aparente inferioridade do mundo natural americano seria corrigida em parte pelos

registros dos viajantes naturalistas. No século XVIII, era possível identificar

semelhanças entre as espécies da América com algumas africanas e com aquelas

existentes na Europa. A natureza ganhava importância dentro de um sistema,

confirmando a importância da construção de uma visão global.

Pelas instruções dadas aos naturalistas, o olhar deveria estar voltado para o

diferente ou exótico. As espécies que fossem similares àquelas encontradas na Europa

deveriam receber menor atenção. Os naturalistas do século XVIII realizaram registros

mais objetivos e sintéticos, procurando classificar e medir, conforme a formação que

recebiam e as instruções que orientavam suas pesquisas. Nem sempre conseguiram

explicar tudo o que viram, mas registraram como empreendiam suas práticas,

coletando e traduzindo o que avistavam. Quando não era possível descrever ou enviar

exemplares, os desenhos cumpriram a função de fixar em detalhes a imagem das

experiências.

Muitos foram os viajantes que passaram pelas terras brasílicas entre o século

XVI e XVII. Poucos deixariam por escrito as suas impressões. Cada um deles, com

olhar atento para a natureza, tentou compreender e descrever as singularidades do

mundo natural, revelando sua necessidade de compartilhar a descoberta e a novidade.

Não só aqueles que vinham de outras partes do mundo exploraram a natureza

procurando respostas. O interesse pela potencialidade dos recursos naturais dos

trópicos também estimulou muitos homens nascidos na colônia a empreenderem

investigações a fim de reconhecer as espécies das terras brasílicas. Os movimentos

pelo interior do sertão e as ações de bandeirantes revelam o interesse por obter algo a

mais que a natureza pudesse oferecer.

As incursões de colonos, religiosos, viajantes e naturalistas foram registradas,

em alguns casos, por meio de relatórios, memórias e diários de viagem, muitos deles

tendo como foco apresentar aspectos da natureza brasílica. Por meio de suas penas, a

representação do mundo natural ganhou contornos mais nítidos, contribuindo para

afirmar a identidade da terra brasílica.

No século XVIII, a História Natural se destacou no pensamento iluminista.10

O método científico de conhecimento da natureza estava difundido e implicava para o

estudioso saber observar e experimentar. Os intelectuais do período estavam em

Page 15: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

15

consonância com o movimento enciclopedista e desta forma havia uma preocupação

intensa quanto a identificar novas espécies e classificá-las, a fim de organizar ou

ordenar o mundo natural conforme o modelo científico.

A obra do naturalista sueco Lineu, intitulada “O Sistema da Natureza”, foi a

principal referência para a maioria dos estudiosos. Segundo o autor, era fundamental

coletar amostras, descrevê-las e posteriormente analisá-las de forma detalhada. O

intuito de Lineu era mostrar o complexo sistema da natureza, sendo necessário para

tanto uma catalogação universal. Este trabalho hercúleo foi sendo construído por

colaboradores que o auxiliariam na catalogação, assim como o trabalho de outros

viajantes que tanto foi útil no passado, como contribuiu para a montagem deste

sistema de Lineu. No decorrer do século XVIII, identifica-se uma série de expedições

exploratórias de naturalistas que pretendiam ampliar as informações sobre a natureza,

cujo resultado foi a catalogação de várias espécies da natureza.11

Para os viajantes naturalistas, o registro era uma necessidade, ou

obrigatoriedade, por estarem a serviço de alguma instituição a fim de empreenderem

uma missão. Contudo, apesar da busca da objetividade científica, cada relato de

experiência de viagem é particular e único.

Francisco de Carlos Teixeira da Silva ao analisar a interdependência entre

Natureza e Cultura, destacou que a partir do final do século XVIII há uma tendência

para se pensar a “natureza em oposição ao homem ou à ‘cultura’”. O autor entende

que a natureza deve ser concebida “não mais como um dado externo e imóvel, mas

como um produto de uma prolongada atividade humana”.12 Neste sentido, a natureza

passou a ser visível no conjunto das relações históricas, pela admiração, pelo medo ou

pelo olhar científico.

Maria Odila da Silva Dias, em artigo publicado na Revista do Instituto

Histórico e Geográfico, chamou a atenção para os aspectos da ilustração no Brasil,

demonstrando que havia ciência no Brasil no século XVIII.13 Para a historiadora havia

uma ciência voltada para questões práticas como a agricultura, os recursos naturais e

um ambiente propício para a investigação da flora e da fauna. A circulação de

estudantes entre a metrópole e a colônia favoreceu este ambiente, como pudemos

ressaltar anteriormente. A autoria entende que a elite intelectual "luso-brasileira" se

formou seguindo o modelo da corrente iluminista da época. Dentre as características

Page 16: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

16

presentes nesse grupo, a preocupação com a ciência se destaca, tendo em

consideração que o estudo deveria servir a interesses econômicos. Considerando a

obra de Ribeiro Sanches, a autora afirma que havia uma predisposição para o interesse

de novos campos do saber, que emergia a partir do crescimento da burguesia e da

valorização do trabalho, da indústria e do comercio.

Identificar nesse momento um embate entre os princípios aristocráticos e o

ideal liberal da burguesia. A propensão para a ampliação dos conhecimentos sobre a

natureza se evidenciava como uma das formas de criar alternativas à difícil conjuntura

que Portugal apresentava. O foco se dirigia para identificar as possibilidades de

exploração natural e os recursos que a o reino animal, vegetal e mineral poderia

oferecer. A grande questão era que Portugal, e em especial a colônia brasílica, vivera

em função da exploração aurífera, não avançando nas técnicas agrícolas para

produção em larga escala. Este problema deveria ser enfrentado a partir da discussão

sobre a melhoria da produção da colônia, visando ao aumento de lucro para a

metrópole. Acreditava-se que, por meio dos conhecimentos científicos, se conseguiria

resolver problemas sociais. Desta forma, Portugal promovia lentamente uma revisão

da estrutura em que se assentara a sociedade e o conhecimento, mudanças que

provocariam transformações irreversíveis, principalmente no campo da ciência.

Thomas Samuel Kuhn nas obras “A Revolução Copernicana" (1957) e a

“Estrutura das Revoluções científicas” (1962) analisou a ciência a partir de uma

perspectiva histórica, diferente dos estudos até então realizados. Em 1974, escreveu

um ensaio intitulado “Reconsiderando os paradigmas”, onde fez algumas avaliações

sobre suas observações, discutindo a questão das descontinuidades históricas. O

trabalho de Thomas Khun ganhou ressonância em função de sua idéia de paradigma

científico e da impossibilidade de mensurá-lo. O pesquisador ao estudar a história da

ciência identificou que havia duas concepções de ciência, designadas por ele como:

perspectiva formalista e a outra historicista. A primeira concepção via a ciência como

uma prática racional e controlada, enquanto a segunda entendia a ciência como uma

atividade concreta que acontecia ao longo do tempo, por conseguinte, a cada

momento possuía particularidades inerentes ao contexto.

Para Kuhn, a ciência, na concepção historicista, desenvolvia-se a partir da

definição de um paradigma, gerando a ciência normal, que é seguida por uma crise,

Page 17: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

17

que por sua vez leva a uma revolução científica e ao estabelecimento de um novo

paradigma. Neste sentido, a idéia de paradigma para Thomas Kuhn era o de um marco

aceito de forma geral por toda a comunidade científica, que compartilhava dos

mesmos elementos para realizar a atividade científica. Esta tinha como intenção

esclarecer as falhas do paradigma ou analisar as suas conseqüências.

O estudioso entendia que o período de ciência normal era aquele em que se

desenvolvia a atividade científica, tendo como referência um paradigma que a

comunidade científica queria comprovar e colocar à prova. Contudo, ele alertava para

o fato de que o paradigma não conseguia responder a todos os problemas no decorrer

de transformação da sociedade. Por decorrência, o paradigma, em um dado momento

era posto em questão. O paradigma, não atendendo a resolução dos problemas do

homem, entrava num processo de crise, fazendo acontecer a mudança para um novo

paradigma. A este movimento de mudança Kuhn designava de revolução cientifica. O

novo paradigma inicia um novo ciclo, em que as etapas acima mencionadas vêm a se

repetir.

Na perspectiva historicista, sugerida por Kuhn, as teorias interagiam com a

realidade, promovendo um debate. Esse movimento de inter-relação e troca permitia

compreender que o cientista não trilhava apenas uma estrutura absolutamente

racional. Para o autor, este interpretava o mundo conforme os jogos de interesses,

sendo influenciado pela coletividade de cientistas, pelos grupos sociais, por questões

éticas, ou seja, o cientista e seu trabalho só ganhavam dimensão a partir do contexto

histórico-sociológico em que se desenvolvia. Como salienta Paolo Rossi:

“A história da ciência pode servir para nos tornar conscientes do fato de que

tanto a racionalidade, como também o rigor lógico, a possibilidade de controlar as

afirmações, a publicidade dos resultados e dos métodos, a própria estrutura do saber

científico como algo que é capaz de crescer sobre si próprio, não são categorias

perenes do espírito nem dados eternos da história humana, mas conquistas históricas,

que, como todas as conquistas, por definição, são susceptíveis de se perderem.”14

Considerando as ponderações destes autores, entendemos que o século XVIII,

no contexto português, passou por mutações que conduziram ao estabelecimento de

novos paradigmas, na medida em que se buscava responder aos problemas impostos

pela dinâmica da sociedade. Principalmente, porque como destacamos anteriormente,

Page 18: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

18

o trabalho de pesquisa científica estava diretamente ligado ao jogo de interesse do

Estado e dos grupos sociais.

Michel de Foucault, em “As palavras e as coisas” defende que a produção do

saber e a investigação da natureza devem ser estabelecidas a partir de três momentos.

O primeiro onde o saber da semelhança preponderava (século XVI), o segundo

designado por clássico, em que as transformações científicas ocorrem e conquistam

destaque (século XVII e XVIII) e o terceiro momento nomeado como o período de

“condições de possibilidade” quando o processo cientifico entra numa fase mais

elaborada (final do século XVIII e século XIX).15

É neste sentido que consideramos importante analisar o período, sem nos

fixarmos na idéia de uma revolução científica tradicional. Entre os séculos XVI e

XVIII, o jogo de interesses do mundo se alterou, fazendo que os homens buscassem

soluções para as suas necessidades materiais e intelectuais. A idéia de uma

cientificidade foi construída lentamente por múltiplas mãos que não tinham, por

vezes, a consciência do papel transformador que assumiriam. Por decorrência, pensar

a relação do homem com a natureza impõe uma leitura da conjuntura histórica e social

em que as idéias foram produzidas. O que talvez chame mais atenção é o fato da

contínua necessidade humana de conhecer o mundo. Conforme afirma Bruno Latour,

“não existe história das ciências sem que o historiador encontre a multiplicidade de

atores, de recursos e de apostas aos quais ela se misturou [...] a história social das

ciências dá-se antes por fios, nós e percursos”.16

Joaquim Barradas de Carvalho, ao discutir a história como ciência, lembra

que, como observou Lucien Febvre, o anacronismo era um dos maiores perigos para o

historiador. Contudo, este “olha o passado com uma perspectiva que lhe é

forçosamente dada pelo presente, pela sua vida presente, pela sua condição de homem

do seu tempo”.17 Compreender o presente pelo estudo do passado, tem sido uma

afirmativa comum, quando se pergunta por que estudar a História. O historiador que

estuda o passado busca compreendê-lo a partir de uma perspectiva presente, como

salienta Joaquim Barradas de Carvalho: “São os nossos «olhos» de homens do

presente que «vêem» os acontecimentos passados, que os seleccionam, que os

valorizam, em função da problemática das diversas ciências humanas, das diversas

ciências sociais”.18

Page 19: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

19

Nas últimas décadas do século XX a historiografia mundial sofreu um

movimento de expansão significativo, em termos de abordagens, enfoques, fontes e

objetos, tendo como preocupação buscar relacionar o conhecimento da ciência

histórica com outras áreas das ciências humanas.

Por conseguinte, estudar a questão do mundo natural, abordando aspectos que

partem de uma visão emblemática para uma visão científica, faz parte de uma seleção

que valorizamos e julgamos necessário de ser considerada em face das discussões que

o homem contemporâneo enfrenta no início do século XXI. O ser humano, cada vez

mais, observa e estuda a natureza ciente de que seu conhecimento é reduzido

considerando a complexidade e as manifestações incontroláveis do mundo natural.

Debruçar-se na idéia de como a natureza foi articulada pelos homens no decorrer do

processo histórico é compreender como pensamos e nos posicionamos perante o

mundo natural, nos dias atuais.

O objetivo desta pesquisa foi realizar um estudo crítico sobre a forma e o

conteúdo dos relatos de viagens, cartas, documentos oficiais, dentre outros, que

descreveram as características da fauna e da flora da América portuguesa, produzidos

pelos homens entre o século XVI e XVIII, captando como os relatos contribuíram

para a construção de um pensamento científico. Procurou-se desmontar os discursos e

analisar como os homens, em diferentes momentos, captaram a diversidade e a

novidade da natureza brasílica.

Para tanto, procuramos estudar para compreender a idéia de natureza e como

se processou a leitura e a representação da natureza, destacando a forma de pensar o

mundo natural no período compreendido entre os séculos XVI e XVIII. Neste

período, o pensamento científico se estruturaria e geraria uma série de reflexões que

ampliariam o universo de conhecimento humano sobre a natureza e seus fenômenos,

revelando uma mentalidade em transformação. Conforme afirma Chartier:

“compreender as séries de discursos na sua descontinuidade, desmontar os princípios

da sua regularidade, identificar as suas racionalidades particulares, supõe em nosso

entender ter em conta os condicionamentos e exigências que advêm das próprias

formas nas quais são dados a ler”.19

A história cultural foi utilizada como fundamento da abordagem teórica e

metodológica, com ênfase no significado de conceitos, como representações e práticas

Page 20: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

20

culturais explicadas por Roger Chartier. Procuraremos destacar como as

representações resultam em apropriações de práticas, símbolos e signos definidores de

comportamentos, atitudes e maneiras de pensar.

Norteamos nossa reflexão sobre o tema a ser estudado, levando em

consideração o conceito de representação usado por Roger Chartier que enfatiza os

sentidos particulares historicamente determinados, entendendo que há “uma relação

compreensível entre o visível e o referente por ele significado” ao mesmo tempo em

que esta relação “é confundida pela ação da imaginação”.20 Mesmo escolhendo uma

abordagem em história cultural, não foi nosso objetivo nos prender a este ou àquele

método de investigação, já que a nova história cultural tem diferentes modelos. A

utilização das narrativas de viagem e notícias de viajantes naturalistas, como fontes,

visa a identificar as possíveis leituras, por vezes complementares sobre as terras

brasílicas.

O mundo natural era um dado concreto e inédito que os registros incorporaram

e deram significado na razão direta à experiência de vida, os quais foram se alterando

com as transformações científicas. A natureza, escassamente conhecida e pouco

dominada no século XVI, apresentava-se nos textos ao mesmo tempo grandiosa e

perturbadora. Em muitos relatos, os comentários, as observações e até mesmo o hiato

desta informação nos escritos demonstram uma atitude frente ao mundo natural, que

permite compreender o referencial cultural que estes utilizavam para fazer suas

observações.

Silva Dias afirma que a preocupação com a natureza das novas terras

começava a ocupar um espaço maior no desenvolvimento do conhecimento europeu,

promovendo transformações no próprio conceito de natureza e uma revalorização do

saber sobre a ordem e leis naturais,21 até o presente pouco investigado. A natureza,

como observou Silva Dias mostrava-se, essencialmente, igual a si própria em todo o

“orbe”.22

A intensificação das viagens, os interesses comerciais, as disputas entre as

potências européias fez que as terras brasílicas fossem paulatinamente conhecidas e

descritas por diferentes autores. Discursos que se entrelaçam e constroem uma visão

do mundo natural. Neste sentido, tivemos como preocupação abordar os mecanismos

de percepção do mundo natural. Como a natureza passou a ser parte integrante e

Page 21: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

21

integrada de um universo de circulação cultural europeu nos primeiros registros de

reconhecimento e de descrição das terras conquistadas? Como se estrutura o

pensamento científico na compreensão da natureza das terras da América Portuguesa?

Estas são indagações que tivemos como intenção investigar, dando continuidade aos

estudos sobre a natureza e a ciência. Apesar de os trabalhos recentes resgatarem um

debate sobre a percepção da natureza, ela constitui um tema polêmico e abrangente,

como também pouco conhecido no que se refere ao período colonial.

A diversidade de trabalhos de estudos sobre a América Portuguesa, nos últimos

anos, revela que o período colonial permite ainda um amplo campo de estudos. Os

trabalhos historiográficos evidenciam cada vez mais as diferentes opções de correntes

teóricas, de recortes, pontos de observação, de escala por parte do historiador, dentre

vários aspectos. O conjunto de leituras e de contraposição de opiniões revela o

processo de amadurecimento epistemológico, na medida em que a historiografia vai

se definindo enquanto campo científico. Os trabalhos que têm contribuído para o

conhecimento da realidade e a dinâmica do sistema colonial português são diversos e

sofreram alterações no decorrer do século XIX até os dias atuais.

A carência de trabalhos sobre o tema justifica a necessidade de estudar mais

detalhadamente os registros sobre o mundo natural no Brasil. Recentemente, na obra

“A terra dos brasis”, analisei a percepção de natureza dos primeiros jesuítas,

contribuindo com reflexões importantes sobre o mundo natural e a forma pela qual os

religiosos o assimilaram em razão direta dos seus interesses e o do plano da metrópole

para conquista do território.23 Contudo, o trabalho ficou circunscrito ao século XVI e

tem como documentação principal as impressões dos jesuítas, que não foram os

únicos a tecerem informações sobre a fauna e a flora brasileira.

Maria Elice Brzezinski Prestes, em “A investigação da natureza no Brasil

Colônia”, contribui com reflexões importantes sobre o desenvolvimento das ciências,

em especial no final do século XVIII e início do século XIX, bem como sobre os

estudos da natureza realizados no Brasil colônia, por Manuel da Câmara. Apesar das

análises contemplarem considerações sobre a forma de compreensão do mundo

natural, elas não tecem análises específicas sobre as múltiplas percepções da natureza

entre os séculos XVI e XVIII, captando as múltiplas leituras e as transformações que

ocorreram nesse processo. Maria de Fátima Costa, em “História de um país

Page 22: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

22

inexistente”, também realizou um estudo sobre a natureza e a leitura científica,

resgatando os relatos sobre o pantanal e as dificuldades de explicar uma região de

geografia ímpar, ora paradisíaca ora inóspita ao extremo.

Este tema na historiografia contemporânea tem se enriquecido com os

brilhantes trabalhos de cunho filosófico de Serge Moscovici, “La societé contre

nature” e “Essai sur l´histoire humaine de la nature” e a abordagem histórica de

Robert Lenoble em “Histoire de l´idée de nature".

Alain Corbin, resgatando o imaginário social, analisa nas suas obras “ Sabores

e oddores” e “Território do vazio: a praia e o imaginário ocidental”, a sensibilidade

dos odores e as percepções sobre o mar discutindo as formas de apreensão e leitura

que os homens do século XVIII e XIX faziam a respeito do mundo natural.

Dominique Bourg e Stanilas Breton abordam o tema da natureza em “Les sentiments

de la nature”, discutindo o pensamento cristão perante a natureza; as reflexões destes

autores tendem a questionar o mito da simbiose homem e natureza e como a questão

da natureza pode ser entendida na modernidade.

Donald Charlton em “New Images of the natural World: a Study in European

Cultural History, 1750-1800”, realizou um estudo sobre as diversas imagens, por

vezes antagônicas, criadas em relação ao mundo natural. Frederick Turner, na obra “O

espírito Ocidental contra a natureza”, empreendeu uma investigação aprofundada

sobre as diferentes formas de percepção da natureza no mundo Ocidental; refletiu

sobre a forma como se processa a representação estrutural de domínio e conquista que

o homem estabeleceu na sua complexa relação com a natureza. A questão de se

pensar a natureza, por ocasião das descobertas marítimas, foi analisada por David

Arnold na sua obra “The Problem of Nature: Environment Culture and European

Expansion (new perspective on the past)”, que apresenta a diversidade natural do

mundo recém-reconhecido sendo incorporado ao referencial de natureza europeu que

tenta decifrá-lo.

Robert Delort, ao analisar a história dos animais em “Les animaux ont une

histoire”, empreendeu um estudo sobre como a fauna, em especial, foi sendo

incorporada ao universo das representações e categorias que os seres humanos

criaram. Seguindo uma linha cronológica Jean-Marc Drouin, em “L´ecologie et son

histoire”, Jean-Paul Deléage, em “Une Histoire de l´Écologie”, Pascal Acot, em

Page 23: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

23

“História da Ecologia”, e Carole Crumley em “Historical Ecology. Cultural,

Knowledge and Changing Landscapes”, estabelecem a evolução do pensamento sobre

a ecologia nas sociedades, revelando as preocupações do homem no que tange à sua

possibilidade existencial, fruto dos debates e da conscientização sobre a preservação

do meio ambiente.

Keith Thomas, na obra “O homem e o mundo natural”, analisa a relação do

homem com os animais e as plantas, considerando o contexto da Inglaterra entre o

século XVI e XVIII. O estudioso, baseando-se em fontes literárias, faz um exame de

como se processou a mudança da atitude humana em relação à natureza. O autor

identifica que no decorrer do século XVII, o crescimento da área rural e urbana

provocou a derrubada de matas, buscando ampliar as áreas agricultáveis. Este

movimento de expansão e destruição que está na base da Revolução Industrial gerou a

partir da segunda metade do século XVIII uma atitude diferente. As transformações

ocorridas no mundo natural, promovendo a destruição de grandes áreas e o

desaparecimento de espécies, fizeram emergir um sentimento de valorização da

natureza, que conduziu ao questionamento da forma de exploração que se fazia.

Estes trabalhos, citados aqui apenas como exemplos, dentre uma ampla

produção intelectual, abordam a idéia de natureza e a relação da sociedade com a

natureza nas suas rupturas e nas escolhas humanas, dando ênfase ao estudo das

mutações sociais, seja pelas transformações da técnica, da política ou da economia.24

Alguns trabalhos contemplam o estudo de registros dos viajantes e seu

impacto no pensamento científico do século XIX. Dentre esses diversos trabalhos,

podemos destacar as obras mais recentes de Carlos Cardon, “Los naturalistas en la

America Latina”, Flora Süssekind, “O Brasil não é longe daqui”, que delineia como

os registros dos cientistas são incorporados às obras literárias do período. No que

concerne às questões da natureza e do meio ambiente na América, especialmente a

América do Norte e México, são importantes as obras de Gunther Barth “Fleeting

Moments: Nature and Culture in American History”, Arthur Ekirsch, “Man and

Nature in America”, John Stilgoe “Common Landscape of America: 1580-1845”, que

estabelecem reflexões profundas sobre a interação cultura e natureza na construção da

sociedade, dentre outros.

Page 24: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

24

Estas obras, aqui apresentadas, são alguns dos trabalhos mais expressivos que

tiveram por meta pensar, discutir e analisar a natureza em diversos períodos e espaços

geográficos. Todavia, os trabalhos não apresentam o resultado de um estudo

sistemático sobre a natureza brasileira e a construção da história da ciência entre os

séculos XVI e XVIII.

A proposta deste trabalho é fazer uma análise sobre o processo de estruturação

das formas de representação do mundo natural e o processo de transformação do

discurso sobre a fauna e a flora, suas permanências e rupturas, num momento em que

o pensamento científico se estruturava na Europa.

Para atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, mergulhamos numa

pesquisa documental e bibliográfica sobre o tema. A vasta quantidade de obras que

tratam da questão da natureza e os diferentes relatos que foram elaborados nesse

período nos levaram a selecionar os principais registros que atendessem ao tema

central da pesquisa. Tivemos como preocupação explorar os fundos de documentos e

obras existentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Contudo, outras bases

documentais foram consultadas, tais como: Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo

Nacional da Torre do Tombo, Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), Biblioteca

Mario de Andrade.

Foi dado um tratamento às fontes consultadas, visando, dentro da diversidade

delas, a uma síntese sobre o tema proposto e a fornecer ao leitor uma visão global e

progressiva sobre a idéia de natureza e como ela foi registrada por diferentes pessoas.

Desta forma, tivemos como intenção delinear algumas reflexões de como ocorreu a

leitura da natureza entre os séculos XVI e XVIII, destacando detalhes significativos

para a compreensão de como se processa uma alteração na forma de registrar e

representar a natureza das terras brasílicas. A fim de dar um melhor entendimento

sobre os registros, apresentamos algumas imagens que ilustram a análise e as

informações que recolhemos.

A consulta a uma bibliografia específica em língua estrangeira foi fundamental

para aprofundar os conhecimentos sobre a questão do mundo natural, como também

os artigos publicados e os periódicos. Porém, não foi possível esgotar a bibliografia,

em face do tempo definido para a realização da pesquisa. Procuramos assim refletir

sobre os aspectos mais relevantes que possam contribuir para outros estudos nessa

Page 25: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

25

área do conhecimento.A pretensão deste estudo foi o de criar um sistema de

inteligibilidade, interrogando a questão do mundo natural a partir de uma preocupação

do presente. Sabemos que a arte da narrativa é um elemento importante para a análise

objetiva da documentação histórica. Como afirma José Carlos Reis “Toda escrita

histórica é narrativa (mise-en-intrigue)”.25 Estamos cientes também que o historiador

escolhe e constrói o seu objeto de pesquisa e interroga o passado a partir de uma

abordagem possível. Ao escolher, interrogar, conceituar, analisar e construímos

construção teórica, que apresenta experiências vividas e organizadas numa lógica.

Desta forma, procuramos reorganizar e ressignificar alguns aspectos da cultura

entre o século XVI e XVIII. A ciência valorizava a clareza, o conceito, a

classificação, mas havia limites para o conhecimento. A narrativa aponta para o grau

de inteligibilidade sobre o objeto. Como procuramos demonstrar, as transformações

que conduziram ao pensamento científico representavam de fato uma mudança de

paradigmas. Uma mutação que vinha sendo processada com movimentos de avanço e

recuos, revelando um processo complexo na construção de conhecimento. Como bem

observou Kuhn a ciência foi um empreendimento produzido por uma comunidade

científica em movimento se avanço e recuo.

Da mesma maneira ressaltamos, como já havia lembrado Ana Maria Belluzo,

que o reexame da contribuição dos viajantes é de fundamental importância para a

historiografia, pois eles nos legaram “páginas fundamentais de uma história que nos

diz respeito”. 26

Neste sentido, concebemos este trabalho em sete capítulos. No primeiro

tivemos a preocupação de discutir a idéia de natureza no mundo antigo e no período

medieval, destacando como a ideia de natureza (physis) foi compreendida pelos

primeiros pensadores e como o mundo natural foi estudado e compreendido a partir

de pensadores como Aristóteles e Plínio que serviram de referência para os

pensadores medievais.

Num segundo capítulo, tivemos como objetivo as transformações ocorridas a

partir do século XVI que influenciaram a leitura e compreensão da natureza. Para

entender melhor esta questão, abordamos alguns aspectos do ambiente científico que

se instaurou a partir do século do XVI e as diferentes contribuições que ocorreram até

o século XVIII. Para tanto, optamos por empreender uma visita ao contexto da ciência

Page 26: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

26

e das sociedades científicas que conquistam importância a partir daquele momento.

Procuramos apresentar alguns importantes aspectos do desenvolvimento da História

Natural e o aparecimento das novas experiências. Desta forma, tivemos a pretensão de

destacar a presença de uma comunidade científica que atuava com vigor na Inglaterra,

França e Alemanha, e que a partir da segunda metade do século XVIII começou a se

fazer presente em Portugal.

No terceiro capítulo nos debruçamos no contexto português, destacando

aspectos dos estudos científicos que aconteciam em Portugal. Salientamos as

dificuldades que o Estado enfrentou em função das interferências de um pensamento

religioso arraigado na sociedade e que dominava a Universidade de Coimbra.

Destacamos as transformações ocorridas no decorrer do século XVIII, principalmente

as ações de Sebastião José de Carvalho Melo no sentido de reformular os estatutos da

Universidade de Coimbra. Momento que coincide com a presença de estudiosos

estrangeiros que contribuíram de maneira significativa para a quebra de paradigmas

do pensamento tradicional português.

Num quarto momento, procuramos discutir como as formas de narrativa

passaram por transformações. Dos registros mais abertos, sem grandes preocupações

sobre a forma e a veracidade do que era apresentado, passou-se para registros mais

mediatizados, que orientavam tanto o modo de descrever a natureza, como também

como coletar as amostras a serem enviadas a Portugal.

No quinto capítulo procuramos observar como os viajantes registraram

aspectos do mundo natural no decorrer do século XVI, destacando como os registros

de alguns jesuítas de forma esparsa, podem ser comparados aos dos viajantes

estrangeiros e habitantes da colônia. Entre olhares fragmentados e olhares mais

demorados, evidenciamos a leitura de um mundo natural que na sua diversidade

preenchia um universo fantástico, compreendido no universo das necessidades

alimentares dos homens.

Na penúltima parte, tivemos a preocupação de chamar a atenção para olhares

diferentes que se sobrepõem na compreensão das terras brasílicas. Os interesses de

franceses e holandeses fizeram que Portugal agisse na defesa do seu território. Esse

movimento gerou textos de viajantes que cuja leitura estava preocupada em apresentar

um raciocínio que desse a dimensão da experiência nas terras da América Portuguesa.

Page 27: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

27

Relatos diferentes entre si, mas indicavam novas possibilidades de estudo e

abordagem do mundo natural.

Por último, nos dedicamos a ressaltar os registros que constroem e dão uma

dimensão da vastidão das terras e da diversidade natural, no decorrer do século XVIII.

As investidas pelo interior do território foram estimuladas pelas descobertas de ouro,

levando os viajantes a se depararem com uma natureza desconhecida e poucas vezes

descrita. As andanças pelo sertão e o movimento das tropas favoreceram novos

conhecimentos, sinalizando para recursos a serem explorados. Este movimento de

descoberta foi significativo e se intensificou com as viagens filosóficas, tendo como

marco as prospecções e Alexandre Rodrigues Ferreira. Contudo, este não foi o único a

empreender esforços na leitura científica da natureza. Outros, com menos

aparelhamento mental, contribuíram para dar a dimensão da natureza, comprovando a

necessidade de conhecer o mundo natural. 27

Não existe descrição perfeita nem definitiva. Existem registros que captam um

determinado momento. O relato de viagem ou as notícias de um naturalista são

sempre algo inacabado, algo que poderia ter sido e não é. Como afirmou o viajante

Charles James Fox Bunbury, no século XIX, ao passar pelas terras brasileiras “não foi

sem certo grau de prazer e excitação que olhei pela primeira vez para uma terra tão

estranha e bela e tão rica em todos os prodígios da natureza”. Ele entendia que todos

os homens cultos, ao visitarem o local, perceberiam que desde o clima até a natureza

tudo era diferente e despertava um “sentimento de interesse e curiosidade”.28 É com

este sentimento de interesse e curiosidade que nos debruçamos sobre os relatos,

cientes de que não esgotaríamos a discussão sobre o tema.

Sabemos que a opção por um viés interpretativo carrega o ônus das limitações

inerentes a qualquer escolha. Não foi nossa preocupação exaurir as possibilidades

contidas na abordagem proposta. Procuramos, por meio de vestígios, captar aspectos

sobre a visão da natureza e o contexto histórico em transformação, buscando ainda

novas perspectivas de estudo, tendo em vista outras possibilidades que se abrem com

este trabalho. A diversidade de fontes e informações, parcialmente utilizadas, revela

que ainda são viáveis novos enfoques para o tema, que não foram contemplados neste

estudo. Entendemos que o trabalho histórico é, por natureza, inconclusivo, permitindo

Page 28: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

28

sempre desenvolvimentos posteriores. Acreditamos que nossas indagações nos

conduziram à certeza de que há muito a ser dito.

Page 29: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

29

Primeiro Capítulo

A ideia de natureza:

da Antiguidade ao período medieval

“a natureza ama esconder-se”

Heráclito

Page 30: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

30

1.1 A physis no pensamento antigo

Compreender os mecanismos de decodificação da natureza e os sentidos dados

à flora e à fauna da terra brasílica, no decorrer dos Quinhentos até o Setecentos, é algo

complexo, em face das transformações acentuadas que foram engendradas nesse

período. A ideia de um mundo natural, onde tudo era útil, onde tudo poderia ser

convertido em prol da necessidade humana, sintetizava a concepção de natureza feita

por uma cultura influenciada pelo cristianismo no limiar do século XVI.

O pensamento judaico-cristão de que a natureza por si só nada era, pois quem

lhe conferia significado era o homem, ganhou novos contornos no decorrer dos

séculos subsequentes. Na medida em que o homem conhecia as diversidades naturais

sobre a face da Terra, novas ideias emergiriam e foram sistematizadas. O pensamento

científico do século XVII, que paulatinamente conquista um espaço próprio, definiria

novos parâmetros para a leitura e explicação da natureza, questionando o

conhecimento vindo da Antiguidade e do período medieval.

Neste sentido, é pertinente fazermos uma breve reflexão sobre alguns aspectos

da ideia de natureza feita pelos pensadores antigos e medievais, que nos possibilite

compreender com maior propriedade a discussão sobre o mundo natural no período

que pretendemos analisar.

A organização lógica do mundo foi feita pelo homem a partir de narrativas

míticas. Na Antiguidade, as cosmogonias procuravam dar uma ordenação coerente e

una do Caos primitivo do Cosmos,29 por meio da intervenção de um ente divino que,

ao construí-lo, ordená-lo e modelá-lo, dava origem também à existência humana.

Como destaca Gianni Micheli, “Cosmos” é correntemente entendido como um termo

correlativo de “caos”: “a noção de um mundo composto por um agregado ordenado de

elementos reenvia-nos a um momento antecedente ou subsequente, no qual essa

agregação não subsiste e se tem um conjunto informe de elementos, sem qualquer

coesão inteligível”.30

Page 31: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

31

Na Hélade, no século VIII a.C., as obras de Homero, “Ilíada” e a “Odisséia” e

Hesíodo “Teogonia” apresentam uma estrutura da religião e mitologia helênica.

Homero sistematizou poemas compostos oralmente pelos aedos31 na forma épica. O

conjunto da obra homérica revelava descrições de acontecimentos nos quais seres

humanos e deuses se relacionam.

A obra de Hesíodo, “Teogonia”, narrava as origens do mundo, dos deuses e

dos homens, considerando o mito como uma instância de comunicação

reconhecidamente aceita, dotado de um conteúdo comunicável à sociedade e que era

responsável pela conservação de uma memória do passado, transmitida oralmente e,

em função desta característica, sujeita a transformações. O mundo natural emergia na

seqüência narrativa onde era apresentada a criação do mundo a partir de fases

cósmicas, que se sucediam a partir de elementos antagônicos. A proposta de Hesíodo

era construir um sistema explicativo lógico para o vir-a-ser das coisas do mundo e do

homem, fundamentado no universo mítico onde a natureza era concebida de forma

mágica.32

Na teogonia helênica as forças naturais precediam qualquer existência divina,

as quais eram responsáveis pelo processo de união amorosa e de cissiparidade dando

origem às divindades primordiais e, por sua vez, compartilhavam, na sua essência, da

força geratriz. A assimilação do mundo natural estruturou-se e hierarquizou-se em

função das divindades religiosas, cada qual com poderes específicos, advindos do

elemento natural que lhe tinha dado origem, e no qual atuava diretamente, intervindo

não só na natureza, mas também na vida humana.

O pensamento mítico, preponderante no período arcaico e clássico helênico,

compartilhava espaço com reflexões que caminharam para um pensamento de base

racional.

As especulações dos helenos sobre a natureza começaram cedo, encontrando

na Jônia um espaço profícuo. Os primeiros filósofos inauguraram a pesquisa sis-

temática sobre as coisas do mundo, a chamada “filosofia da natureza”. Estes

pensadores procuraram desvincular a leitura do mundo natural dos mitos e

cosmogonias religiosas. Tales (624-555 a.C.), Anaximandro (609-546 a.C.),

Anaxímenes (585-528 a.C.), Heráclito (540-470 a.C.) demonstravam existir um

ambiente ávido por recolher informações de todos os tipos. O homem desejava

Page 32: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

32

conhecer ao máximo as coisas do mundo natural, a partir de uma explicação racional.

Os pensadores dos séculos VII e VI a.C., procurando debater a concepção de natureza

mágica, empreenderam discussões que levaram a elaborar uma linguagem abstrato-

conceitual para analisar o Cosmo como a realidade humana.33 Estes primeiros

estudiosos inauguravam uma nova forma de pensamento que estaria refletido em suas

ideias e influenciariam textos escritos posteriormente. Era o momento de passagem do

pensamento concreto, baseado na “exterioridade objetiva”, para um pensamento

abstrato voltado para “interioridade subjetiva”, abstrata.34

Os primeiros passos da filosofia tiveram também como ponto central a busca

da origem, princípio do homem e por decorrência o princípio do universo, a “arché”,

retirando da origem primordial a névoa de mistério que a envolvia, e preocupando-se

em compreender “os acontecimentos primitivos” e as forças que produziram o

Cosmos. O termo “arché” foi pela primeira vez utilizado por Anaximandro,

recebendo posteriormente alterações significativas no seu sentido, uma vez que a

utilização da palavra recebeu atribuições diversas variando de acordo com o contexto

histórico. Lígia Watanabe alerta que o termo pode receber vários sentidos ao mesmo

tempo: “seja o princípio enquanto início, movimento, movimento primeiro que deu

origem a todas as coisas; seja o princípio enquanto o que rege a existência de todas as

coisas em todos os tempos, no seu começo, no seu presente, no seu final: seja o

destino, único ou não, para o qual tendem e se dirigem todas as coisas em seus

movimentos”. 35

Desta forma, ocorreram as primeiras reflexões sistematizadas que tiveram

como objeto principal a investigação da natureza physis. Como observa Jean Pierre

Vernant, são os primeiros filósofos que inauguram uma nova reflexão da natureza,

“nada existe que não seja natureza, physis”.36

Tales de Mileto nasceu por volta de 624 a.C. e procurou na suas reflexões

fornecer explicações naturais sobre o mundo, desvinculadas das ações de divindades.

O entendimento das coisas poderia ser feito a partir da observação e da experiência.

Tales viveu num momento de grande prosperidade econômica do mundo

mediterrânico. Sem ter deixado nada escrito, suas ideias foram apresentadas

principalmente por Aristóteles (348-322 a.C.) que já o designava como o primeiro dos

filósofos naturais.37 Este pensador uniu as experiências sensíveis integrando-as a uma

Page 33: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

33

“visão compreensiva e globalizadora” acerca do homem e do universo, tendo como

intenção compreender o princípio único, uno e ordenador de todas as coisas do

mundo.38

Aristóteles afirmava que os primeiros filósofos na procura dos “princípios de

todas as coisas” vão buscá-los na natureza. Para ele, a concepção de Tales, de que o

princípio de tudo era a água, advinha da constatação de que “o alimento de todas as

coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo de que as

coisas vêm é, para todos, o seu princípio)”. Esta ideia era reforçada pelo fato de que

as sementes das plantas tinham uma natureza úmida, “e a água é o princípio da

natureza para as coisas úmidas”.39 A observação continuada da natureza levara Tales

a identificar o princípio úmido na formação de todas as coisas. Tales dava importância

significativa à observação para a elaboração de uma proporção racional. Os órgãos

dos sentidos eram os meios pelos quais se captava a informação, que deveria ser

conduzida a um processo reflexivo, ou seja, um pensamento “científico-filosófico”,

que permitia uma “nova visão de mundo cuja base racional evidenciada na medida

mesma em que ela é capaz de progredir, ser repensada e substituída”.40

Anaximandro também manifestou interesse em refletir sobre o “princípio”, ou

arché, termo que passou a ser comum no pensamento filosófico - introduzindo este

termo no uso corrente filosófico. Para Simplício (século VI d.C.), Anaximandro

acreditava na unicidade do princípio e como na sua mobilidade, afirmando que: “[...]

Princípio dos seres [...] ele disse (que era) o ilimitado [...] Pois donde a geração é para

os seres, é para onde também a corrupção se gera segundo o necessário; pois

concedem eles mesmos justiça e deferência uns aos outros pela injustiça, segundo a

ordenação do tempo”.41

Anaximandro afirmava que o princípio era o ilimitado, ápeiron, conceito

abstrato que expressava ao mesmo tempo a noção de infinito, que comportava “a ideia

de infinitude numérica e espacial, além da distinção constitutiva, ou seja, sem forma

externa e interna”.42 O ápeiron era também um ponto de partida e um ponto de

chegada, inflexão que ao mesmo tempo era máximo e mínimo, “do qual tudo tinha

nascido e no qual tudo acabaria”.43 O pensador entendia que a pluralidade das coisas

comportava o antagônico (quente-frio) e que poderia ser reduzida a algo que era ao

mesmo tempo uno e total e que trilha uma trajetória cíclica. Para ele, a geração dos

Page 34: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

34

seres no mundo natural se fazia a partir ápeiron, em movimentos sucessivos que

comportavam separações de contrários:

“No início, havia apenas o ápeiron a substância infinita; depois, o Calor e o

Frio separam-se e formam, respectivamente, para o exterior e para o interior do

universo, gerando o Seco e o Úmido. Estes, de acordo com as melhores tradições da

família, continuaram a guerrear-se: no Verão, o Seco conseguia prevalecer e arrebatar

grandes quantidades de mar, transformando-as em vapor de água; no inverno o úmido

reconquistava as posições perdidas, pegando nas nuvens e fazendo-as precipitar sob a

forma de chuva ou de neve”.44

Este pensador entendia que as coisas existiam seguindo regras de

decomposição por pares antagônicos, após uma ruptura haveria a busca pelo

equilíbrio e harmonia. O mundo organizava-se em função de uma lei da compensação,

sendo que a multiplicidade do universo das coisas era proveniente da unidade

primordial, pois, “todas as coisas são um (ou é um)”.

Anaxímenes, outro representante da escola de Mileto,45 ao estudar o princípio

das coisas afirmava que esta era possível de ser definida, afirmando que o ar era a

substância primordial, pois: “Diferencia-se nas substâncias, por rarefação e

condensação. Rarefazendo-se, torna-se fogo; condensando-se, vento, depois, nuvem e

ainda mais, água, depois terra, depois pedras, e as demais coisas (provêm) destas”.46

O ar era o princípio invisível que passava por sucessivas transformações,

vindo a dar origem às coisas. A ideia subjacente de natureza era que ela possuía

movimento e passava por fases de aglomeração e desaglomeração

(rarefação/condensação). Para este pensador, o ar era responsável por estabelecer a

noção de existência e a possibilidade de sobrevivência humana através de uma massa

amorfa, invisível, que fazia parte da constituição do homem, que por um lado o

preenchia internamente e, por outro lado, o envolvia externamente.

Heráclito de Éfeso entendia que a todos os homens era “compartilhado o

conhecer a si mesmos e pensar sensatamente”.47 Fugindo de qualquer explicação de

base mítica, dizia que o mundo, o mesmo para todos os seres, “nenhum deus, nenhum

homem o fez, mas era, é e será um fogo sempre vivo, acendendo-se em medidas e

apagando-se em medidas”.48 Para ele, o universo tinha a sua existência, tal como a

oscilação de uma chama, onde as lutas dos contrários estavam presentes. Heráclito, de

Page 35: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

35

forma mais intensa que seus antecessores, quis expor as incongruências entre uma

cultura do mito e a filosofia racional emergente. A distinção existente entre as duas

exigia que uma linguagem nova se constituísse, a fim de evitar erros ou associações.

Heráclito instaurava o predomínio do logos,49 negando como fonte única a

percepção sensorial. Ele argumentava que a linguagem abstrato-conceitual sintetizava

o melhor o desejo de comunicar.50

Podemos afirmar que os pensadores pré-socráticos tiveram como preocupação

discutir a gênese do mundo e das coisas e os princípios constitutivos das mesmas;

além disso, demonstraram que o ser cognoscente poderia responder de forma diferente

a uma mesma pergunta. O pensamento racional poderia se ater a um princípio ou

categoria, dependendo da forma como se constituísse o raciocínio.

Estes pioneiros se destacaram pela atitude de indagar a natureza desvinculada

de uma explicação mítico-religiosa. Como observa Gianni Micheli:

“Os pré-socráticos formulam já com clareza aquele que é o problema do natu-

ralismo filosófico em geral: reduzir a totalidade dos fenómenos, variados e diversos, a

poucos princípios inteligíveis. A individualização dos elementos essenciais constitui

uma explicação racional porque deriva da actividade própria da razão: a abstracção e

a generalização”.51

Neste sentido, a ideia de “natureza” remetia ao conjunto das coisas existentes,

em especial aos seus princípios constitutivos essenciais. A relação entre totalidade e

essencialidade é expressa de modo direto na etimologia da palavra. O termo

“natureza” deriva do verbo latino nasci “nascer”, homólogo do verbo grego physei

“ser gerado”.52 Os filósofos antigos tiveram como base nas suas abordagens

metodológicas a physis. Aqueles que estudavam a physis eram chamados de physikoi,

ou seja, estavam interessados nas coisas da natureza, envolvendo: o processo de

crescimento ou gênesis; a substância física da qual eram feitas as coisas, a arché; uma

espécie de princípio interno organizador da estrutura das coisas, como vimos.

A physis tinha movimento e vida no pensamento antigo; com o decorrer do

tempo, o termo sofreu transformações e a ideia de movimento foi afastada. Para

aqueles que pensavam a physis, as coisas vivas tinham dentro de si o princípio que

indicava o movimento, por isso diferiam das coisas inanimadas que tinham dentro de

si o princípio passivo do movimento. Desta forma, physis era um princípio moral

Page 36: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

36

porque a finalidade do homem era viver “harmoniosamente com a natureza”. Com

salienta Paolo Rossi:

“Tal alma-substância, como para os antigos pensadores jônios do século V

a.C., está "cheia de demônios e de deuses". Cada objeto do mundo é repleto de

simpatias ocultas que o ligam ao Todo. A matéria é impregnada de divino. As estrelas

são animais vivos divinos. O mundo é a imagem ou o espelho de Deus e o homem é à

imagem ou o espelho do mundo. Entre o grande mundo ou macrocosmos e o

microcosmos ou mundo em tamanho pequeno (e o homem é assim) existem

correspondências exatas. As plantas e as selvas são os cabelos e os pelos do mundo,

as rochas, são os seus ossos, as águas subterrâneas as suas veias e o seu sangue. O ser

humano é o umbigo do mundo. Está no seu centro. Enquanto espelho do universo, o

homem é capaz de revelar e de captar aquelas correspondências secretas. O mágico é

aquele que sabe penetrar no interior desta realidade infinitamente complexa, dentro

deste sistema de correspondências e de caixas chinesas que remetem para o Todo,

dentro das quais o Todo está fechado”.53

Platão (428-347 a.C.) entendia que a verdadeira realidade jamais seria

observada, pois só poderia ser contemplada pelo pensamento. Para ele, a ciência era a

capacidade de investigar e entender as ideias por meio do pensamento. A experiência

poderia enganar o ser humano. O conhecimento científico era uma atividade

filosófica, a razão era mais importante do que o preparo de registros detalhados e

observações. Platão entendia que era fundamental que o homem fosse capaz de

realizar um processo dialético. Ao contrapor opiniões, ele deveria separar a opinião

(dóxa) do conhecimento ou ciência (epistéme). Era por meio desta distinção que

Platão afirmava que alma poderia ascender do mundo sensível ao mundo das ideias.

Para Platão, o mundo natural fora criado a partir das ideias pré-existentes, por

um demiurgo. O pensador questionava aquilo que era possível de se conhecer pelos

sentidos, porque as coisas estavam sempre em mutação. Isto fazia que a verdade fosse

difícil de ser atingida. O verdadeiro conhecimento só aconteceria quando o homem

compreendesse o mundo perfeito e imutável, o mundo das ideias. Para tanto, era

necessário que o ser humano conhecesse o mundo por meio da abstração, afastando-se

do mundo sensível e da experiência.

Page 37: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

37

Aristóteles discordou de Platão no que dizia respeito à questão da

mutabilidade. Para Platão, o ser humano ao conceber uma ideia fora dos sentidos

ultrapassava o elemento material, acabando por aceitar a existência de duas

realidades. Para Aristóteles, todos os seres tinham intrinsecamente duas dimensões

indissociáveis, a “matéria e a forma”. Aristóteles entendia que o homem poderia

intervir numa matéria, dando a forma que desejasse. Por conseguinte, ele era agente

responsável por uma transformação (designado por ele de causa eficiente). O estudo

da matéria e da forma num objeto é que permitiria, segundo Aristóteles, o

conhecimento da verdade.

Como destaca Gianni Micheli, a finalidade da natureza é para Platão

condicionada por um “modelo externo extrínseco e é sobretudo considerada no acto

de realização; para Aristóteles, a finalidade é imanente à própria physis”. Além disso,

dá particularmente atenção às modalidades essenciais de realização de cada um dos

fins, mais ênfase do que ao ato final de realização. 54

Aristóteles escreveu algumas obras, como “Física”, “Do Céu”, “Da geração e

corrupção”, “Meteorologia”, “Do universo”, “Da alma”, “Metafísica”, “Ética a

Nicomaco”, “Retórica”, dentre outras. Contudo, a obra “Parva naturalia” é a que mais

detalhadamente trata de aspectos ligados à história animal (“Historia animalium”),

discorrendo sobre partes, movimento, geração dos animais (“De partibus animalium”,

“De motu animalium”, “De incessu animalium”, “De generatione animalium”). Este

conjunto de obras, como outros textos do pensador grego, fornece uma visão sobre a

natureza, com contornos mais definidos e que influenciariam nas discussões

empreendidas na Idade Moderna.

Para explicar a constituição dos corpos existentes na Terra, Aristóteles valeu-

se da teoria dos quatro elementos primordiais: terra, água, ar e fogo, que já havia sido

proposta pelos pensadores pré-socráticos. Os quatros elementos primordiais poderiam

ser compostos de maneiras múltiplas, assumindo formas e qualidades diferentes. Para

o pensador, esta composição se dava em função de qualidades do sensível, da forma

do espaço e da forma do tempo, que permitia a identificação dos seres. Aristóteles

entendia que pelas qualidades do sensível: o seco, o úmido, o frio e o quente; pelo

aspecto da forma do espaço: alto, baixo, longe, perto, pesado, leve etc.; e pelos

Page 38: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

38

aspectos da forma do tempo: novo, velho, agora, depois, é que a matéria adquiria

qualificação e se diferenciava.

As quatro qualidades, seco, úmido, frio e quente, apareceriam sempre nos

quatro elementos primordiais, normalmente em pares, excluindo-se os pares seco-

úmido e frio-quente, porque qualidades contrárias não poderiam se agregar. Em se

considerando esta formulação, a terra seria a composição do frio-seco, a água vinha

da dupla frio-úmido, o ar da reunião do quente-úmido e por último o fogo que se

formaria a partir do quente-seco. Aristóteles, contando com o apoio de Alexandre, o

Grande, (356-323 a.C.) enviou dois mil homens por diferentes lugares a fim de fazer

um levantamento sobre o mundo natural.55 Este levantamento por si só não bastava

como conhecimento, segundo ele. Era necessário que o ser humano fosse capaz de

interferir e dar sentido ao que era observado. Sem isto, nada teria sentido. Alexandre

levou na sua companhia engenheiros, geógrafos e agrimensores. Demonstrando ter

uma visão aguçada, deliberava para que tudo fosse devidamente cartografado e

anotado, principalmente as riquezas naturais.56 Estas práticas estimularam a cultura,

num momento em que o homem passava a ter uma nova dimensão do que era o

universal. Um momento de liberdade intelectual que estava atenta para tudo.

O pensador grego estudou alguns seres vivos e tentou criar uma

hierarquização conforme a sua função no mundo. A finalidade era determinada pela

forma, que era o princípio vital de cada um, a que ele atribuiu a designação de alma

(psykhé em grego e anima em latim).

No decorrer do seu trabalho observou as abelhas, procurando registrar o

comportamento das mesmas e do processo de geração. Outras espécies foram

observadas a fim se compreender a formação e o funcionamento dos órgãos e também

conhecer como as partes estavam organizadas para formar uma espécie. O objetivo de

Aristóteles era estabelecer uma classificação dos seres vivos, considerando para tanto

o caráter animado ou inanimado da matéria. A escala começava, no nível inferior,

com as plantas, depois esponjas, águas-vivas, moluscos e seres semelhantes. Acima

deste nível, estavam os mamíferos e sobrepondo a estes havia os seres humanos. O

comportamento esboçado por Aristóteles seria importante para todos aqueles que

viessem a estudar e indagar o mundo natural. A natureza estava pronta para

responder.57

Page 39: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

39

Aristóteles definia que no primeiro nível da hierarquia estavam os vegetais,

entendidos pelas propriedades de nutrição e reprodução. No segundo patamar,

superior ao anterior, se encontravam os animais, que possuíam as propriedades de

nutrição e reprodução, bem como as capacidades de locomoção e sensibilidade, o que

lhes facultava conhecer por meios dos sentidos. No terceiro e último degrau se

encontrava o ser humano que, além dos elementos acima mencionados, possuía a

razão, o que fazia que ele ocupasse o local mais elevado da hierarquia dos seres vivos.

A razão facultava ao homem a capacidade de organizar as informações a partir dos

sentidos e da ação do intelecto.

Os antigos também discutiram o “sentido de natureza e a natureza de um ser”.

A noção que envolvia os dois elementos foi compreendida por Aristóteles, a partir do

sentido de “natureza”, que envolvia a geração daquilo que crescia, o princípio do

movimento imanente a cada um dos seres naturais em virtude da sua própria índole.

Enfim, a natureza deveria ser compreendida como “a essência dos seres que possuem

em si mesmos e enquanto tais o princípio do seu movimento”. Uma coisa que não

possuía o princípio do movimento que a fazia atuar de acordo com o que não tem essa

substância. Aristóteles concebia mudanças na natureza, acreditava existir uma

essência imutável nos seres vivos, a alma, que forneceria a chave para o entendimento

da finalidade do homem no Cosmo.

Na obra “Historia animalium”, Aristóteles descreveu várias espécies de

vertebrados e invertebrados. Seu trabalho ressalta aspectos que identificavam as

espécies, os hábitos de cada um, buscando compreender e explicar suas

características. O discurso foi construído no sentido de evidenciar similaridades e as

diferenças entre os animais, visando a delinear adequadamente a compreensão sobre

os mesmos. As descrições seguem um tom comparativo, explicando particularidades

ou similaridades; o texto permite inferir que Aristóteles tende a generalizações,

evidenciando que numa categoria as diferentes espécies possuem uma estrutura

idêntica, que permite a sua existência. Havendo diferenças, a explicação é a

possibilidade de o animal influenciar neste aspecto devido a seus hábitos.

Aristóteles procurou construir uma teoria sobre as diversas espécies, não

fazendo registro de aspectos fantásticos; ao contrário, buscou a explicar os animais

pelas suas características físicas e pelos seus hábitos. Para tanto, o filósofo se dedicou

Page 40: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

40

à observação dos animais, mediante as informações que os registros ofereciam,

questionando-os de maneira crítica. Aristóteles era arguto e procurava conhecer e

compreender os fenômenos naturais para depois descrever de forma objetiva. Para o

pensador grego, nada poderia ser afirmado sem que antes fosse verificado, sendo

fundamental para tanto a contínua observação da natureza.

Outros estudiosos pensaram a natureza, procurando compreendê-la.

demonstraram que a compreensão do mundo a partir do referencial mitológico não

atendia mais aqueles que tiveram como objetivo fazer “especulações” sobre a

natureza.

Heródoto (484-420 a C.) visitou a África e teria chegado a Elefantina, limite

do Egito com a Núbia, região da primeira catarata do Nilo. Em seu registro generaliza

toda a África negra,58 descrevendo a região como desértica de extrema secura,

habitada por homens negros que se alimentavam de serpentes e outros répteis e que se

comunicavam por meio de uma língua estranha.59 Animais raros foram registrados

desde a Antiguidade. Heródoto mencionou a existência de bois que andavam para

traz, como caranguejos. Havia Corujas, veado, águias, formigas e outras espécies que

diferiam da normalidade e causavam estranheza. Havia anomalias que eram

registradas em tom fantástico, como a existência de galinhas que botavam três ovos

por dia. Contudo, não procurava discutir os seres, mas sim constatar sua existência,

apontando os aspectos físicos mais importantes.

Teofrasto de Éreso (372-287 a.C.), sucessor de Aristóteles no Liceu, foi o que

mais se debruçou sobre a botânica. Teofrasto nascido em Ereso (Lesbos) escreveu

uma obra que conquistou ressonância na Antiguidade chamada: “Opiniões de

filósofos naturais”. Os estudos que realizou mostravam que ele possuía grande

competência para o estudo de minérios e de substâncias quando submetidas à ação do

calor do fogo, sendo reconhecido pelas obras “Historia plantarum” (História das

plantas - em dez livros) e “De causis plantarum” (Sobre as causas das plantas – oito

livros). Esta última obra faz o registro de cerca de 550 espécies e variedades

encontradas no entorno Mediterrâneo até o Oceano Atlântico. O inventário reuniu

elementos da tradição oral, com observações importantes, uma vez que ele procurou

estabelecer uma classificação das plantas, sem preocupação de explicar, mas sim de

classificar. Teofrasto separou as plantas da seguinte forma: árvores, arbustos,

Page 41: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

41

vegetação rasteira e ervas, tendo o cuidado de marcar as diferenças entre as

variedades cultivadas e aquelas selvagens. Este estudo esclareceu sobre as seivas das

plantas, das ervas medicinais e dos diferentes tipos de madeira. O trabalho de

Teofrasto foi um dos mais representativos e se manteve até a modernidade. Como

destaca Colin A. Ronan, o estudioso grego:

“[...], acima de tudo, deu significados técnicos especiais a algumas palavras -

por exemplo, ele usou pericarpion (pericarpo) para a parte do fruto que envolve a

semente - e esse foi um passo vital para o surgimento de uma verdadeira ciência

botânica. Suas descrições das plantas eram de primeira classe, e foram de valor

permanente as que fez do pericarpo, das flores com e sem pétalas, dos tecidos

existentes mais desenvolvidos nas plantas (tecidos parenquimatosos e

prosenquimatosos), o modo preciso como cresce um tegumento floral e a maneira

pela qual se desenvolvem e se arranjam as flores em uma planta (inflorescência).

Além disso, descreveu e distinguiu entre angiospermas (plantas com sementes

encerradas no pericárdio) e gimnospermas (plantas, como as coníferas, em que as

sementes se apresentam nuas), e, o mais notável, entre monocotiledôneas (plantas,

como a cevada e o trigo, cujo embrião possui um cotilédone) e dicotiledôneas (plantas

cujos embriões têm dois cotilédones, como as ervilhas e os feijões); de fato, suas

descrições destas últimas foram as mais precisas disponíveis até o século XVII”.60

Outros filósofos privilegiaram em suas discussões a possibilidade do

conhecimento e a racionalidade humana, abordando questões ligadas à natureza.

Epicuro (341-270 a.C.) defendia que o Universo era formado de átomos e do vazio.

Para o pensador o vazio era o espaço onde os átomos se locomoviam. Retomando a

proposta atomística apresentada por Demócrito (460-370 a.C.)61, Epicuro afirmava

que:

“Os átomos encontram-se eternamente em movimento contínuo, e uns se

afastam entre si uma grande distância, outros detêm o seu impulso, quando ao se

desviarem se entrelaçam com outros ou se encontram envolvidos por átomos

enlaçados ao seu redor. Isto produz a natureza do vazio, que separa cada um deles dos

outros, por não ter capacidade de oferecer resistência. Então a solidez própria, dos

átomos, por causa do choque, lança-os para trás, até que o entrelaçamento não anule

Page 42: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

42

os efeitos do choque. E este processo não tem princípio, pois que são eternos os

átomos e o vazio”.62

Epicuro entendia que para atingir o conhecimento absoluto dos átomos,

enquanto ilimitados e eternos, o homem deveria valer-se da sensação, para seu

procedimento, através da qual, raciocinando, poderia chegar à indução “de verdades

que não são acessíveis aos sentidos”. O pensador entendia que para se explicar os

fenômenos naturais “não se deve recorrer nunca à natureza divina; antes se deve

conservá-la livre de toda a tarefa e em sua completa bem-aventurança”.63 Para ele, as

sensações eram um meio pelo qual o homem poderia julgar. Para que pudesse julgar

como critério, o homem deveria libertar-se das amarras das fábulas míticas, e por si só

buscar na natureza do universo indicações para o procedimento humano, sem as quais

não poderia “gozar de prazeres puros”.64 Sua preocupação essencial era restituir à

ideia de natureza a unidade primordial, livre das superstições e do temor mítico. Para

Epicuro, a investigação da natureza passava pela percepção sensível imediata, a partir

da qual aconteciam os fenômenos próximos dos sentidos e fenômenos distantes. O

pensador entendia que existiriam múltiplas explicações que poderiam estar presentes

num fenômeno real.65 Por conseguinte, o ser humano precisava ter serenidade de

espírito para fazer suas análises; sem ela não se conseguira uma avaliação sensata.

Epicuro propunha o rompimento com as fabulações míticas, que causavam

danos aos homens, pois já não podiam satisfazer os espíritos, impedindo a felicidade

que é a aspiração última. Como bem destaca Silva, Epicuro tinha “a sede de unidade

que atormenta a inteligência humana, a necessidade de por de acordo as nossas

crenças teóricas e os nossos princípios práticos, de alicerçar as regras da nossa moral

sobre uma concepção da nossa natureza e do universo em que estamos colocados”.66

O Epicurismo rompia parcialmente com o pensamento filosófico helênico. Sua

proposta visava a compreender a condição humana e a inquietude espiritual, que

levava o homem à insegurança. Esta advinha do temor que os homens tinham dos

deuses e de suas interferências na vida terrena e pós-morte. Propunha para a solução

deste problema o esvaziamento do papel dos deuses e suas ações no universo humano.

Utilizando-se das ideias da física de Demócrito,67 entendeu que no universo repleto de

átomos não existiria nenhuma força superior que coordenasse o movimento das

coisas; assim sendo, era inexistente qualquer ação dos deuses.68 Libertando o homem

Page 43: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

43

do temor do ente divino, Epicuro conclamava à liberdade, à total independência do

medo dos fenômenos naturais. Como nota Gianni Micheli: “A doutrina epicurista

pode ser considerada, em certo sentido, a herdeira directa das filosofias arcaicas sobre

a natureza”.69

Neste momento, os deslocamentos humanos eram intensos e os registros

procuravam compreender o universo e a possibilidade de localização mais precisa.

Aristarco de Samos (310 – 230 a.C.), a partir de suas observações, propôs nas suas

reflexões uma teoria heliocêntrica, que seria retomada mil anos depois e se

transformaria num marco para a humanidade. Por meio de cálculos geométricos, o

estudioso procurou realizar o estudo sobre o tamanho e a distancia entre o Sol e a Lua.

Hiparco (190-126 a.C.), O astrônomo, cartógrafo e matemático que viveu em

Alexandria, ao observar as estrelas, fez uma série de comparações com os registros de

outros observadores e criou uma carta e uma esfera celeste com mais de 1.000

estrelas, para auxiliar os navegantes nas suas viagens. Valendo-se do conhecimento da

astronomia babilônica, sobre a graduação sexagesimal do círculo, ele definiu paralelos

e meridianos para o globo terrestre. Seus estudos o fizeram descobrir o fenômeno dos

equinócios e a grandeza de uma estrela pelo seu brilho. Dentre os seus inventos,

destacou-se o dióptro, uma régua graduada, com guia e cursor, que servia para a

mediação de ângulos; e o astrolábio para medir a distância de um astro em relação ao

horizonte, sendo um instrumento importantes para as navegações.70 Sua contribuição

também foi importante na definição da zonas climáticas da Terra, que seria mais bem

compreendia após as grandes navegações do século XV e XVI da era cristã.

Estes homens que tentavam capturar a dinâmica do movimento terrestre foram

influenciados pelos registros produzidos pelos navegantes mediterrânicos que,

paulatinamente, contribuíram para a ampliação dos conhecimentos. A atividade

comercial nas franjas do Mar Mediterrâneo estimulou os percursos terrestres não só

na Europa continental, mas também na Ásia, donde provinha grande quantidade de

mercadorias para serem comercializadas em pontos específicos. Para uma atividade

comercial também intensa, além das melhorias nas embarcações, também foram

criados recursos para que os navegadores tivessem facilidade de comunicação.

O farol de Alexandria foi uma invenção que tinha como objetivo auxiliar na

localização durante a viagem pelo Mediterrâneo e obteve difusão no período seguinte.

Page 44: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

44

Naqueles idos já havia portulanos71 que orientavam os navegadores, fornecendo

instruções náuticas, que permitiam uma dimensão das distâncias entre os portos.

Eratóstenes de Cirene (276-196 a.C.), bibliotecário da Biblioteca de Alexandria, foi o

primeiro a tentar medir a esfericidade da Terra em forma científica, a partir de

informações relativas às posições dos astros fornecidas pelos viajantes. Ptolomeu (83-

161 d.C.) de Alexandria, na sua obra Almagesto e Cosmografia, levando em

consideração as informações que obtivera e o seu estudo sobre o universo, defendeu

que os planetas se moviam com velocidades uniformes em torno da Terra.

Em suma, pode-se notar que o ser humano partiu da sua experiência concreta

no mundo para construir o seu referencial racional, buscando explicar a sua existência

e a existência do mundo de forma coesa. Como salienta Alberto Oliva: “No mundo

antigo, o conhecimento era visto como bios theoretikos ou vita contemplativa. Os

saberes visavam à contemplação da realidade, naquilo que esta tem de permanente, e

ao desvelamento da verdade. Não nutriam a pretensão de transformar os ‘objetos’

investigados. Por essa razão, prevalecia o ideal dedutivista de conhecimento.72 As percepções da natureza eram fruto de uma experiência vivencial onde a

natureza era vista como um princípio tautológico, como afirma Edmund Leach “a

natureza representava, de facto, um princípio tautológico, uma causa final. Pensava-se

que o mundo exterior, dotado de existência independente do pensamento e da ação

humana, estava impregnado de uma ordem - ou de um espírito metafísico”.73

1.2 A natureza e o vasto império romano

Em Roma, a curiosidade humana em relação à natureza incentivou estudiosos

e pensadores a se dedicarem à compreensão da natureza para atender os desejos de um

vasto império. Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.), Marcos Vitrúvio Polião (I a.C.),

Lucius Annaeus Séneca (4-65 d.C.), Caio Plínio Segundo, ou Plínio, o Velho (23-79

d.C.) e Pomponius Mela (século I d.C.) são expressões de um momento de euforia e

de um “espírito enciclopédico do tempo”.74

Page 45: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

45

Marco Terêncio Varrão foi um pensador que se dedicou à religião e à

natureza. Em sua obra “Antiquitates rerum humnarum e divinarum” identifica que a

teologia poderia ser compreendida a partir dos gêneros mítico, político e natural. O

mítico era aquele narrado pelos poetas, o político, o que era relativo aos cultos do

estado e o natural era aquele que estava ligado à natureza do divino, como se

manifestava na natureza da realidade. Marcos Vitrúvio Poliao, que se destacou pela

obra “De Architectura” (Da Arquitetura – 40 a. C) observou a natureza e as

construções, e definiu os padrões e os princípios arquiteturais. Os estudos ampliavam

os horizontes de reflexão, ganhando novas relações e ideias.

Lucius Annaeus Sêneca foi um dos importantes escritores romanos. Possuía

conhecimentos de oratória e ganhou notoriedade pelos seus tratados filosóficos, que

discutiam o ideal estóico da busca da tranquilidade e da renúncia aos bens materiais.

Vivendo em Roma foi crítico do seu tempo fazendo sátiras que questionavam as

práticas autoritárias dos governantes, com a qual conviveu. Na obra “Naturales

Quaestiones” (Problemas naturias) demonstra preocupação com o homem e com a

fraternidade universal, sendo importante para o homem examinar de forma

aprofundada a natureza. Esta possuía um fluxo de energia que estava ligada a regras

de relação, como: causa e efeito ou ação e reação. Para Sêneca o medo humano

advinha da sua ignorância das coisas, sendo necessário conhecer a natureza, para que

pudesse ficar tranquilo. Ele analisa os fenômenos naturais procurando uma explicação

racional, a única possível. A razão facultava a possibilidade de o homem compreender

a natureza e chegar ao equilíbrio interno. Contudo, alertava que era preciso entender o

mundo natural como um todo, tal qual um organismo que também possui sua

perfeição e harmonia. O homem seria capaz de compreendê-la, bastava que ele

vivesse de acordo com os preceitos da natureza. Sêneca entedia que a natureza era a

medida para a vida. Se a natureza possuía regras os homens também deveriam tê-la;

por conseguinte, estes deveriam ter consciência dos seus limites. A inteligência

humana estava diretamente ligada à capacidade humana de perceber os seus vícios.

Nada que fosse em excesso seria bom para o homem e para a natureza. O homem

deveria se contentar com o necessário e procurar um reencontro com a natureza, pois

ela era sinônimo de sabedoria.

Page 46: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

46

Para descobrir os segredos da natureza era suficiente que o ser humano

contemplasse o mundo natural e o respeitasse. O conhecimento permitiria o homem

não sofrer, pois ele deveria viver bem.75 Pedáneo Dioscórdies (50-70 d.C.) foi um

estudioso da natureza, desenvolvendo drogas medicinais úteis aos homens. Nascido

na região de Tarso, na atual Turquia, estudou em Alexandria e atuou como médico

nas legiões romanas. Escreveu a obra “De matéria médica”, dividida em cinco livros,

onde descreve mais de quinhentas plantas e outros produtos de origem animal e

mineral. Sua obra implica observação e classificação das substâncias conforme o seu

uso na farmacologia. Esse trabalho de médico observador meticuloso permite

compreender como as ervas medicinais eram utilizadas por gregos e romanos e outras

culturas da Antiguidade.

Caio Plínio Segundo, ou Plínio, o Velho (23-79 d.C.) foi um dos naturalistas

romanos mais importantes e seus escritos exerceram influência até a modernidade.

Inquieta, contemplou o mundo para viver bem. Plínio, o Velho, extremamente

prudente, entendia que escrita era a melhor forma de registrar a natureza, pois as

ilustrações poderiam induzir a enganos, porque as tintas apenas imitavam a natureza.

A curiosidade do naturalista o levou à morte. Ao se aproximar de Pompéia para

observar a atividade do Vesúvio (79 d.C.) sucumbiu com os gases vulcânicos que

atingiram a cidade de Stabia. Todavia, legou à posteridade um dos trabalhos mais

representativos de História Natural.

Plínio, o Velho, foi militar e ocupou vários postos a serviço de Roma,

principalmente na região da Alemanha. Segundo a tradição, Plínio fora protegido de

Pomponius Secundus, conforme ele próprio registrava em obras que escreveu sobre

este. Plínio parece ter tido uma propensão para a escrita, pois além de escrever a

biografia de Pomponius Secundus, dedicou-se a um amplo estudo sobre as guerras

germânicas, que posteriormente foi incorporado à “História Natural”. Escreveu ainda

obras de oratória, gramática e uma história de Roma em 30 livros. No final da vida se

dedicou à elaboração da “História Natural”, que foi dedicada ao imperador

Vespasiano (70-79 d.C.), como forma de reconhecer os favores que recebeu daquele

governante.

Plínio, na sua obra “Naturalis Historiae” (História Natural), fez um esforço

parecido com o que Aristóteles havia empreendido nos seus estudos sobre o mundo

Page 47: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

47

natural. Para ele os efeitos naturais eram incertos e a natureza, a todo o momento,

gostava de se esconder por de trás de um véu de mistério. No primeiro livro da sua

obra “História Natural” afirmava que o estudo da natureza era estéril, pois a

natureza/vida era um:

“assunto no seu aspecto menos elevado, empregando termos rústicos ou

estrangeiros, até palavras bárbaras que realmente precisam ser introduzidas com um

pedido de desculpas. Além disso, a trilha não é uma estrada bem batida por

autoridades, nem uma em que a mente está ávida por penetrar: não há uma só pessoa

entre nós que tenha feito essa mesma aventura, nem mesmo um dos gregos que tenha

se dedicado sozinho a todos os aspectos do assunto”.76

Plínio, de forma sistematizada, apresentou um levantamento dos recursos

materiais disponíveis na natureza que poderiam ser úteis aos homens em função da

alimentação e do uso para a cura das doenças humanas, pois os bons alimentos

desterravam a tristeza, e sossegavam as paixões. O escritor romano tinha uma

preocupação: apresentar todas as informações possíveis, sem garantir a sua

veracidade. Seu registro prima pela descrição de animais, minerais, plantas e assuntos

correlatos. Os trinta e sete livros que compõem a obra foram assim divididos:

“- livro I é um sumário da obra e indica as suas fontes;

- livros II a VI referem-se à astronomia e geografia;

- livros VII a XI referem-se à zoologia;

- livros XII a XIX referem-se à botânica e agricultura;

- livros XX a XXVII referem-se à botânica e seu uso em medicamentos;

- livros XXVIII a XXXII referem-se aos remédios possíveis de serem obtidos

de animais e dos seres humanos homem;

- livros XXXIII a XXXVII referem-se à mineralogia e metais.”

Na obra, o autor preocupa-se em apresentar informações detalhadas sobre a

aparência externa, alimentação, hábitos e reprodução das espécies. A lógica da

apresentação é o da descrição dos maiores exemplares de uma espécie para os

menores. Por meio de um processo de comparações, procurou delinear as

características físicas dos animais, principalmente quando estas eram pouco

conhecidas. Para tanto, ele se valia de aspectos/ características de animais conhecidos

para permitir uma melhor compreensão da espécie que pretendia descrever. Em

Page 48: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

48

seguida, apresentava os aspectos que caracterizam os hábitos dos animais e sua

reprodução, destacando o que seria mais notável, misturando elementos reais e

imaginários.

Plínio, o Velho, fez um levantamento do maior número de informações

possíveis sobre cada espécie, de forma que o material fosse consultado por qualquer

pessoa, como de fato o foi. Contudo, não é possível afirmar se o autor teve

oportunidade de observar pessoalmente as espécies ou se coletou e reuniu relatos de

terceiros. Plínio revela-se um erudito, mas suas experiências podem ser questionadas.

Sua obra registra conhecimentos detalhados do trabalho de Aristóteles, cita-o

com freqüência e em determinados aspectos incorpora referências das obras do

pensador grego. Da mesma forma, Plínio revela que conhecia o trabalho de

Teofastros, que também contribui para a elaboração das suas reflexões.

Na verdade, Plínio procurou sistematizar um conjunto de informações sobre a

“História Natural”, até aquele momento. Suas descrições indicam que o maravilhoso

estava presente. Na medida em que faltavam pesquisas para respostas mais

abalizadas, Plínio explicava que algumas espécies poderiam dar origem a outras, sem

possuir os elementos para fazer a afirmativa.

No que tange à veracidade das informações apresentadas, é possível afirmar

que as descrições incorporaram dados que não foram confirmados. Os textos, em

alguns momentos, revelam constatações feitas por terceiros. Desta forma, os registros

faziam parte do universo da cultura do “ouvir dizer” e de “testemunhos”, que ele

procurou organizar. A presença do maravilhoso está presente na leitura do mundo

natural e permite questionar se havia ou não credulidade no que era descrito. É

curioso observar que Plínio, em algumas passagens, registrou o uso de aves para

adivinhação, valendo-se dessas informações para sua obra. Por vezes, remeteu as

observações feitas pelos antigos, mesmo questionando aspectos das obras que

produziram.

As obras que tratavam da natureza conquistaram no império romano grande

difusão. Um dos motivos para elas circularem era o fato de a civilização romana estar

voltada para a terra, dependente da produção agrícola. A influência de Plínio, o

Velho, sobre o seu tempo e dos autores que lhe seguiram foram marcantes.

Page 49: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

49

Pomponnius Mela nasceu na Hispânia na região da Bética, próxima a região

do Estreito de Gibraltar. Como outros autores, Pomponius estudou a terra a partir do

Ocidente e teve a obra de Plínio, o Velho como um referencial.77

Pomponius era um “romano que viaja pelo mundo; e sem qualquer petulância,

sabe como romano do direito, julgar vivos e mortos”.78 O texto de Pomponius Mela,

“De Situ Orbis”, apesar de demonstrar preocupação com a objetividade, não se afasta

da ideia do maravilhoso. O texto faz um levantamento de dados essenciais sobre as

partes do mundo conhecida até aquele momento e pode ser compreendia como uma

obra que trata da geografia descritiva, com preocupação de sistematizar a informação,

dando ênfase para a etnografia, cosmografia ou descrição regional, itinerários e

périplos.79 Além disso, pode ser vista como uma obra que também contemplava a

“cosmologia, história natural, geologia, meteorologia, hidrografia terrestre,

oceanografia, orografia, botânica e zoologia”.80 Considerando também elementos

como a geometria, matemática, astronomia, cartografia.

Pomponius Mela descreveu uma viagem ao redor mundo que ele não fez. A

logografia,81 ou seja, viagem descritiva, era um gênero comum que reunia elementos

advindos da tradição oral, com novos reconhecimentos. As descrições de viagens, ou

periegese, eram feitas desde a Antiguidade, relatando peripécias pelo mar, ou por via

terrestre. Estes textos eram roteiros indicativos para a circulação pelo mar e forneciam

elementos sobre os melhores itinerários e paradas. Neste sentido, a obra foi

importante por coligir uma série de dados que seriam apreciados no século XV,

quando os homens se debruçaram para os escritos antigos a fim de conhecer melhor o

mundo em que viviam, ou como afirmava Pomponius Mela:

“em sua globalidade, este conjunto que dominamos mundo e céu, constitui

uma unidade que engloba todas as coisas; e ele se divide em partes. Oriente ou

nascente chama-se aquela onde surge o sol; ocidente ou ocaso, aquela em que

mergulha; meio-dia é a parte por ele percorrida; e a parte que se contrapõe a esta é o

setentrião. Ao centro deste conjunto está erguida a terra”.82

Contudo, Pomponius Mela não empreendeu grandes avanços no que tange à

descrição da natureza, restringindo-se a descrições amplas que identificavam as

diferentes áreas do vasto império romano. As reflexões estavam postas, porém o

contexto das invasões das tribos germânicas impôs um compasso de espera ao avanço

Page 50: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

50

dos estudos sobre a natureza. Além disso, o cristianismo, de religião perseguida,

passou a ser dominante. O imperador Constantino I (272-337) aderiu ao cristianismo e

a partir do Concilio de Nicéia (325) tem início a sistematização das questões

doutrinárias. A natureza passaria a ser compreendida a partir do horizonte do

pensamento cristão.

1.3 A idéia de natureza e o pensamento medieval

Na fase inicial da Idade Média Ocidental a vida cultural tendeu a se concentrar

nos mosteiros. O momento era de instabilidade, de guerra e de reordenamento das

tribos germânicas que disputavam o território do império romano. O ambiente não era

favorável para quem tivesse como interesse a compressão do mundo natural. No

Oriente, mais influenciado pela cultura helênica e helenística, o pensamento da

antiguidade clássica continuou presente, dando mostras da sua importância e de seu

valor. Os textos antigos continuaram a ser estudados e compilações foram feitas para

permitir maior veiculação idéias.

A desestruturação do Império Romano do Ocidente conduziu a uma

desagregação econômica, política e social. No âmbito da cultura, os textos antigos,

provenientes da cultura helênica perderam a intensidade de circulação, sobrevivendo

apenas em algumas regiões partes desses trabalhos. A Alta Idade Media Ocidental foi

marcada por uma fusão de elementos da cultura romana e das tribos germânicas, do

cristianismo e do legado cultural helênico. O movimento das tribos e as ações de

hostilidade confinaram os grupos à vida rural e por decorrência abalaram a vida

cultural.

A Igreja Católica, herdeira do Império Romano, e baluarte da cristandade, foi

a instituição que se fortaleceu, nesse processo, e manteve uma força intelectual ativa.

As dificuldades temporais, a insegurança e a atmosfera religiosa davam prioridade à

fé e todos os caminhos e reflexão levavam a Deus. Não havia necessidade de

questionamentos de detalhes da natureza. Deus dava todas as respostas.

Page 51: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

51

As referências aos textos da Antiguidade clássica são esparsas durante a Alta

Idade Média, apresentadas como comentários, por vezes eivadas de imprecisões.

Carlos Magno (747-814) ao buscar fortalecer o seu império procurou revitalizar a

cultura ocidental por meio da educação. O monge beneditino inglês Alcuíno (735-

804), convidado para fazer a reforma da corte e do clero, alterou a educação

encaminhando-a para uma reflexão mais profunda; posteriormente, elaborou a

constituição das universidades medievais.

O modelo clássico de saber, baseado no ensino literário da gramática, retórica

e dialética (trivium) e no ensino científico da aritmética, geometria, astronomia e

música (quadrivium), passou a ser retomado nas escolas. Lentamente, a educação

produziria os seus efeitos. A busca pelo conhecimento levou ao interesse pela

indagação. A filosofia cristã da Escolástica representou o movimento de indagação

especulativa. A realização de traduções dos textos antigos para o latim conduziria a

um revigoramento da intelectualidade européia.

Após o ano mil, ocorre uma diminuição das guerras internas e o ambiente

menos conturbado favoreceu o processo de mudanças na sociedade. O renascimento

agrícola, permitindo excedentes, estimulou o crescimento comercial acompanhado de

um crescimento populacional. As melhorias técnicas conduziram a novos

instrumentos e levaram a transformações nos transportes, principalmente o marítimo,

que era estimulado pelo surto comercial.

As trocas comerciais ocasionaram o estreitamento das relações do Ocidente

com o Oriente promovendo mudanças das idéias e no conhecimento. O mundo

islâmico havia preservado a cultura antiga e avançado na especulação dos temas

pertinentes. Os estudiosos árabes mantiveram, ao manterem contato com a cultura

helênica, realizando traduções que chegariam ao Ocidente, alteraram o quadro

intelectual em diversas áreas do saber.

No decorrer do período medieval, a discussão e o estudo sobre a natureza

foram menos intensos. O controle da Igreja reduziu o número de obras,

principalmente por considerar que o estudo do tema poderia conflitar com o

pensamento religioso.

O homem medieval viu na natureza o referencial básico para a compreensão

da condição humana. Para Jacques Le Goff, o homem medieval entendia que “o

Page 52: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

52

horizonte geográfico é um horizonte espiritual, o horizonte da Cristandade”,83 a partir

do qual ele define a si próprio, a natureza e o resto da humanidade. A Bíblia era

considerada a fonte primária de informações para o mundo medieval, porque ela

exercia poder sobre a humanidade, dando sentido à organização social, onde a

natureza e o homem não podiam ser compreendidos sem a presença divina.84

Para o pensamento cristão, Deus era o princípio gerador de todas as coisas.85

Na leitura cristã, a ordem do meio natural, ou do Universo criado, estava diretamente

ligada à estruturação de uma sociedade ordenada. Conforme o texto bíblico, Deus era

um construtor, o artesão do mundo, responsável pela modelação da matéria e pela

harmonia dos alicerces sociais, colocando o homem como senhor de todas as criações

divinas na Terra.86

Para Ludwig Feuerbach, na doutrina da criação judaica, a existência divina era

compreendida como sendo monoteísta, formada por um ser puro, enquanto causa

única, anterior ao mundo natural, sem o qual o vir-a-ser dos elementos naturais não

poderia ter ocorrido. Como destaca o autor: “o monoteísmo é essencialmente

monoteístico, porque ele só tem uma coisa por meta: a si mesmo”. O monoteísmo era

uma expressão de egoísmo que recolhia e concentrava “o homem sobre si mesmo”.

Por decorrência, este fornecia ao homem “um princípio de vida sólido, denso, mas

limita-o teoricamente, porque é indiferente a tudo que não se relacione imediatamente

com o próprio bem-estar”. 87 O ato criativo, segundo Ludwig Feuerbach, exteriorizava

o princípio supremo do judaísmo, o utilitarismo, que identificava os elementos

naturais como “um mero meio para o fim do egoísmo um mero objeto da vontade”,

concluindo que o mundo natural para o hebreu é o “produto de uma palavra ditatorial,

de um imperativo categórico, de um decreto mágico”.88 Ludwig Feuerbach entendia

que a religião era uma forma de alienação, pois o homem projetava no ser supremo os

ideais humanos.

Stanislas Breton, ao estudar o cristianismo e o conceito de natureza, afirma

que este era um termo estranho à linguagem religiosa cristã. O ato criador se referia

sempre de forma individuada a criação do céu, ou da terra, bem como de outros

elementos. Em sentido amplo, o mundo natural eram "todas as coisas" do mundo. O

valor do ato divino criatório residia na capacidade de produzir as coisas a partir do

nada, ex nihilo, ou seja, a partir da inexistência física das coisas. Assim, o pensamento

Page 53: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

53

cristão, ao atribuir ao universo uma origem divina, entendia que o Cosmo era fechado

e finito, pois dependia da vontade de Deus, que era responsável por todas as coisas

existentes no mundo.89 De certa forma, o pensamento cristão compartilhava de

informações e sínteses que o pensamento helênico já havia levantado.

Nesta leitura, o mundo natural provinha de um ato autoritário primordial do

criador, que instaurava a existência do meio natural, em função das necessidades

humanas. Deus criara o mundo, organizando-o e deliberando em seguida: “Façamos o

homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, e às aves do Céu,

e aos animais selváticos e a toda a terra, e a todos os répteis, que se movem sobre a

terra”.90

Conforme observou Paulo de Assunção: “As criações que antecedem

temporalmente a existência humana só têm sua razão de ser em função da vida

humana. Assim sendo, o ser humano, como último ato divino de um processo

criatório, era responsável pelo sentido do mundo”.91 No Gênesis, a criação do mundo

por Deus teve como objetivo básico prepará-lo para a existência humana, que deveria

ser superior às demais criações, valendo-se delas para a sua existência. Neste sentido,

a natureza era apresentada sob um ponto de vista prático: a sobrevivência humana,

pois “por si mesma nada é”.92

O pecado original estabeleceu a consciência humana na distinção entre “o

Homem e a Natureza e definia uma escala valorativa que ia da positividade,

representada pelo homem, a uma negatividade representada pelos elementos

naturais”, na medida em que o homem perdeu o uso e fruto do paraíso.93 Conforme

observa Alberto Vieira:

“O jardim no mundo cristão está inevitavelmente ligado à idéia de Paraíso e

expressa-se formalmente através das flores e fontes. Esta comunhão do homem com a

natureza não é apenas apanágio do mundo cristão. A idéia de jardim com o espaço de

retiro, reflexão e de comunhão com a natureza está presente na civilização

muçulmana e no mundo oriental desde a China ao Japão”.94

O homem foi expulso do paraíso e lançado num mundo natural onde

preponderava um meio selvagem. A partir daquele momento era preciso lutar para

sobreviver. Dependia de o seu engenho viver ou morrer. Era preciso

subjugar/conhecer a natureza em consonância com os seus interesses e necessidades.

Page 54: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

54

A natureza deveria, antes de tudo, ser útil. Ludwig Feuerbach lembra que: “o utilismo,

que nada mais contém, nada mais expressa além do imperativo de não se fazer da

natureza um objeto de pensamento, da contemplação, mas sim da utilização, do

aproveitamento”.95

A natureza, com sua própria dinâmica, nem sempre garantia o mínimo para a

dieta alimentar; e o homem, em face da carência, não se esquecia de sua estada no

Éden. O desejo de reencontro do jardim de delícias era um dos anseios humanos.96

Um dos exemplos disto é o texto medieval “Navigatio Sancti Brendani” (Viagem de

São Brandão), que descreve o jardim de delícias como um local de bosques e rios

formosos. São Brandão (484-577) nasceu na Irlanda e após a sua ordenação iniciou

um périplo missionário. Fundou diversas abadias e empreendeu viagens pela região

do Atlântico norte, relatando-as num texto em latim, provavelmente com acréscimos.

A viagem, enquanto peregrinação, teria durado sete anos e ao final deste período ele

teria chegado ao Paraíso. Um jardim florido que capturava a atenção do homem não

só pelas cores, mas também pelos odores das plantas e pela indescritível beleza. Os

frutos chamavam a sua atenção por nascerem e crescerem todos os dias não faltando

nada aos homens. Da mesma forma, havia bosque com animais e rios com peixes em

abundância.97 Sinais de que a existência humana estaria garantida.

O período medieval e seus pensadores religiosos, direta ou indiretamente,

realizaram reflexões sobre a possibilidade de ascensão a um jardim edênico.

Articulando a relação da razão com a fé, os pensadores entenderam que a fé

proporcionava conhecimento e sabedoria superior à razão filosófica, pois esta era

produto da mente humana, enquanto aquela era oriunda do próprio Deus, que, com

seu poder infinito, conseguia chegar ao conhecimento das verdades fundamentais.

Santo Agostinho (354-430), concebendo que a razão era um dos estágios

preparativos para o ato de fé, almejou entender e explicar a razão em função das

verdades reveladas. Nos seus escritos ele retoma o tema da criação, vinculando a

versão bíblica com o pensamento helênico, a fim de resolver o problema que, para ele,

era o mais importante: a felicidade do homem. Imbuído do pensamento neoplatônico

e preocupado em responder o vir-a-ser da matéria, enquanto forma, através de um

processo de mutabilidade, nem sempre visível, o bispo de Hipona reforçou a idéia de

que o mundo não era coeterno à existência divina, sendo criado por este.

Page 55: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

55

As leituras do religioso defendiam um monoteísmo profundo e contrapunham

de maneira clara o homem ao mundo natural, este reduzido a sua insignificância. Para

ele, natureza não deveria ser objeto de conhecimento, pois não era digna de ser

pesquisada. O desejo humano de conhecimento deveria dirigir-se ao conhecimento do

criador e da fé católica, fim último de toda a reflexão, pois a vida terrena, com suas

riquezas materiais, tendia a fazer que o homem se voltasse para uma existência

pragmática, sem se preocupar com o lado espiritual.98

Estas idéias não permitem compreender a Idade Média como um momento em

que a fé e a religiosidade suplantaram tudo, desprezando outros conhecimentos ou

minimizando a sua importância. Pode-se observar que os pensadores medievais

mantiveram um diálogo estreito com a Antiguidade, procurando construir uma

concepção de mundo e de homem dentro do horizonte da cristandade.

O irlandês João Escoto de Erígena (810-877) foi um dos pensadores que

visitou os textos de patrística grega, onde a herança platônica estava presente. Na sua

obra “Da divisão da natureza” (De divisone naturae - 862-866), composta de cinco

livros, ele realizou reflexões sobre a natureza humana vinculado a um Universo criado

por Deus. A natureza foi concebida com divisões fundamentais. Para João Escoto de

Erígena haveria:

“uma natureza que cria e não é criada (Deus como causa suprema); uma

natureza que é criada e cria (idéias-arquétipos, causas primordiais de todas as coisas);

uma natureza que é criada e não cria (seres submetidos à gestação no tempo e no

espaço); finalmente, uma natureza que não cria e não é criada (Deus como fim último

de todas as coisas). Quando o movimento se completa, volta-se dialeticamente à

unidade, e criador e criatura tornam-se um só”.99

A invasão árabe, na região da península ibérica, favoreceu a circulação de

conhecimento entre as áreas da Ásia Menor e a Europa. A Síria e a Pérsia tinham

abrigado muitos dos escritos antigos e estudos sobre astronomia, alquimia e medicina,

realizando a tradução dos textos gregos para a língua siríaca. A cidade de Bagdá, no

século VIII, transformara-se em centro de cultura, contando com a presença de

homens cultos que desenvolviam seus estudos e realizaram trabalhos de tradução de

obras gregas para o siríaco e para o árabe. Al-Mansur (754-775) fundou a biblioteca

que ficou conhecida como a Casa da Sabedoria, espaço que reunia pensadores e

Page 56: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

56

confirmou como um de polos de irradiação da cultura e da ciência árabe. Da mesma

forma, outros califas como Harun al-Rashid (766-809) e Al Ma’mun (813-833)

estimularam o estudo da matemática e da álgebra.

Ibn Rushd (1126-1198), conhecido no Ocidente como Averróis, foi um dos

comentadores islâmicos de Aristóteles, sendo responsável pela divulgação do trabalho

do pensador grego no Ocidente. Atuando como médico e jurista teve um papel

influente na cidade de Córdoba, revitalizando o debate e a pesquisa sobe os textos

antigos, discutindo que o mundo existia independente de Deus. Este pensamento

causou impacto na sociedade e na filosofia da época na medida em que conquistou

adeptos que defendiam que a filosofia pura deveria ser independente da teologia

cristã.

O movimento português de reconquista fez que os árabes ficassem limitados a

região da Andaluzia. Contudo, a circulação cultural entre as terras cristãs e as terras

dominadas pelos árabes foi contínua, permitindo que textos antigos chegassem à

Europa. Toledo assumiu o papel de centro irradiador das traduções de manuscritos

árabes.

As universidades medievais que surgem a partir do século XII são um outro

marco nas transformações do Ocidente. Em 1088 foi criada a Universidade de

Bolonha, em 1096 a de Oxford, em 1170 a de Paris consideradas locais de ensino

privilegiado sob a tutela da Igreja. As atividades de ensino fizeram que os estudiosos

também contribuíssem com a sociedade, apresentando trabalhos voltados para debates

e polêmicas no que dizia respeito a questões teológicas.

As faculdades de arte das universidades medievais, responsáveis pelo estudo

da natureza, num ambiente em processo de transformação, alimentavam um olhar

mais atento para as reflexões dos antigos. Os textos de Platão, Aristóteles, Ptolomeu

etc. iriam deflagrar um debate profícuo, como podemos observar nas obras de Robert

Grosseteste, Roger Bacon, Alberto Magno e Duns Scot.

Robert Grosseteste (1175-1253) foi o primeiro escolástico a entender,

seguindo as idéias de Aristóteles, que o pensamento científico percorria caminho

duplo. Foi estudante na Universidade de Oxford, e dirigiu esta instituição entre 1215 e

1221. Passou no período seguinte a ensinar teologia, tornou-se Bispo de Lincoln, em

1235, momento que redigiu vários tratados científicos como: “De Sphera”, “De

Page 57: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

57

accessione et recessione maris”, que estudava o movimento das marés e de “De lineis,

angulis et figuris”, que discutia a lógica aplicada às ciências naturais, dentre outras

obras.100

Ele defendia que, das observações particulares, se poderia chegar a uma lei

universal e, portanto, fazer generalizações. No processo inverso, era possível, a partir

de leis universais, deduzir situações particulares. Estes caminhos deveriam ser

avaliados pelo estudioso, por meio de experimentos, indicando a importância da

matemática para a base experimental. A partir de princípios matemáticos, realizou

estudos sobre os astros, o som e óptica. Seu trabalho experimental permitiu o

desenvolvimento de lentes que posteriormente seriam utilizadas no telescópio e no

microscópio.101

O trabalho de Roger Bacon (1214-1294) deu atenção especial à questão da

experiência de como formar de ampliar o conhecimento humano. Bacon estabelece

etapas para se conhecer, era necessário partir da observação, passando para a

formulação da hipótese, para em seguida fazer a experimentação. Concluídas estas

etapas, o experimento poderia ser repetido e verificado.

Suas pesquisas em mecânica, geografia e óptica foram importantes na medida

em que defendia que a observação da natureza e a experimentação eram necessárias

para o conhecimento natural e para realizar verificação, independente do experimento.

Como observa Colin A. Ronan, as obras de Roger Bacon “mostram as virtudes e não

os vícios da escolástica – a mistura do dogma religioso com a filosofia, que era a

marca registrada do pensamento da intelectualidade ocidental entre os séculos IX e

XV”. 102

Nota-se que, além dos trabalhos teológicos, os pensadores se dedicaram à

filosofia da ciência. Alberto Magno (1193?-1280) frade dominicano e bispo de

Regensburg foi um dos primeiros pensadores da igreja a defender a filosofia de

Aristóteles. O religioso logo demonstrou tendência para investigação da botânica,

zoologia, meteorologia, física, química etc. Procurava conciliar a fé divina com o

saberia humana, na medida em que novas conquistas iam sendo empreendidas,

contribuindo com uma abordagem mais empírica sobre os objetos de estudo.

O franciscano John Duns Scot (c.1265-1308) que se formou na Universidade

de Oxford e lecionou na Universidade de Colônia abraçou as ideias de Santo

Page 58: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

58

Agostinho, defendendo que as verdades da fé não eram possíveis de serem

compreendidas por meio da razão. De forma similar aos pensadores que

mencionamos, John Duns Scot valoriza a experiência, principalmente na obra “De

primo Princípio” (Do Primeiro Princípio).103 Para Duns Scot, a ciência era entendida

como uma intuição completa do objeto, ou seja, o conhecimento da sua essência.

Segundo seu pensamento, a ciência poderia ser divida em duas. A primeira

compreendia a matemática, a metafísica e a física, que eram as ciências teóricas, já

proposta por Aristóteles. A segunda abrangia as formas de pensamento e as leis da

linguagem, ou seja, a lógica, a retórica e a gramática. Duns Scot defendia a existência

de cinco sentidos, mais um interno que era responsável pelo entendimento. Cada

sentido fazia que o ser humano fosse capaz de conhecer as diferenças. O intelecto, por

sua vez, possuía operações próprias que o distinguia como concepção universal, capaz

de fazer análises e sínteses. Era por meio dele que o ser humano era capaz de

conceber espécies e gêneros, fazendo ligações entre as idéias. O intelecto descobria

nas sensações o objeto de conhecimento e permitia ao homem conhecer a existência

das espécies por um meio inteligível.104

O teólogo franciscano inglês Willian de Ockham (1285-1347) defendia a ideia

de que a filosofia só deveria tratar de temas que pudessem chegar a um conhecimento

real. Estudou na Universidade de Oxford e foi discípulo de John Duns Scot. Em seus

escritos, defendeu o poder leigo da racionalidade, a liberdade humana e a capacidade

de escolha. O estudioso destacou-se nas suas considerações sobre lógica, formada a

partir dos sentidos. Para ele, o ser humano só era capaz de conhecer se tivesse

experiências concretas, ou comprovações. Segundo o princípio de Navalha de

Ockham: “se haverá várias explicações igualmente válidas para um fato, então

devemos escolher a mais simples”. De forma prática, Ockham entendia que os debates

longos, dispersivos e inconclusos não conduziam a nada. Para tanto, era necessário ser

objetivo. Ockham ao negar a possibilidade de se alcançar as causas verdadeiras dos

fenômenos naturais, por meio de conhecimentos racionais, confirma que o saber só

poderia ser adquirido pela experiência.105

A Universidade de Oxford manifestou um vívido interesse pelos estudos de

filosofia natural, gregos e árabes, por meio dos seus representantes. As investigações

conduziram à realização de trabalhos de óptica, alquimia e mecânica. A cultura árabe

Page 59: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

59

foi difundida nesta instituição pela leitura reflexiva sobre o pensamento antigo,

questionando o que considerava algumas inconsistências. João Philoponus de

Alexandria (c. 490 - c. 570), por sua vez, criticou a explicação de Aristóteles sobre os

movimentos, defendo a idéia de que o valor da velocidade dependia da diferença entre

a força motora e a resistência do meio. Argumentava também que a idéia de espaço

estava associada a um corpo. Da mesma forma Ibn Sina (980-1037), conhecido por

Avicena e Ibn Bãjja (c1138-39), conhecido por Avempace, também manifestou sua

discordância em relação à física aristotélica. O debate estava posto e abria espaço para

que surgissem outros questionamentos em relação ao conhecimento existente.

A recuperação da obra Aristotélica, pela civilização ocidental entre os séculos

XI e XII, deu origem à revisão das reflexões sobre a razão e a fé. O pensamento

aristotélico, negando a criação do mundo por um ente divino, assim como a

imortalidade da alma, defendida por Platão nos seus escritos, obrigou a filosofia cristã

a reformular sua cosmovisão, tentando unir a razão à religião, na tentativa de

sintetizar a racionalidade aristotélica e os ensinamentos cristãos e comprovar que

estas não eram excludentes, mas sim congruentes. A filosofia escolástica deu ênfase à

lógica e ao empirismo, que poderia estar sujeito a um conjunto de leis explicáveis

pelo pensamento racional. As possibilidades sugeridas pelos escolásticos, na busca de

respostas para entender os fenômenos, dinamizaram movimento intelectual.

Os filósofos muçulmanos, que iniciaram a difícil tarefa de conciliação destas

duas partes, posteriormente seguida pelos escolásticos, apelaram para o pensamento

racional de Aristóteles para justificar o primado da fé, fortalecendo-o, por entenderem

que a razão deveria ser guiada por ela. No universo cristão surgiram pensadores cujo

como objeto era encontrar o equilíbrio entre a razão e a religião. Tomás de Aquino

(1225-1274) defendia que a única fonte de conhecimento humano seria a realidade

sensível. O pensador afirmava que os objetos naturais possuíam forma inteligível em

potencia que só poderia ser compreendido por meio do intelecto. Este comportava

duas ações: uma passiva que apreendia os dados do sentido, e outra ativa que fazia a

separação das imagens sensíveis, formulando conceitos abstratos e universais. O

intelecto humano, enquanto agente, era uma dádiva divina, pois sem este não seria

dado ao homem conhecer nada. Tomás de Aquino entendia que existiam dois tipos de

ciência. A primeira, que partia de princípios evidentes, como a geometria e a

Page 60: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

60

matemática e a segunda que era a ciência que surgia a partir de uma ciência superior,

como a perspectiva, que advinha da geometria.106

Tomás de Aquino, na obra “Suma Teológica”, defendeu uma harmonia

intrínseca entre a razão e a fé, entendendo que na fase terrena do homem, este deveria

deixar que sua fé guiasse a razão, pois com isto atingiria a felicidade e no céu

alcançaria o conhecimento pleno. Para Tomás de Aquino, Deus era a causa primeira e

o fim último de todos os homens; estes não deveriam sobrepor a razão à doutrina, pois

a razão nada mais era do que um elemento facilitador para esclarecimento dos dogmas

revelados.107

Este movimento questionador foi impulsionado também pelo desenvolvimento

comercial que alimentava a convicção de que a relação com Deus residia no

comportamento do indivíduo na sua condição terrena. Essa alteração profunda, no

âmbito intelectual e também no cenário econômico com o renascimento comercial,

fez que surgisse progressivamente uma nova consciência religiosa. O homem era um

ser pecador, e o pecado residia em cada um. Cabia-lhe discernir e libertar-se da

mácula que contraíra, buscando reencontrar-se e alcançar a luz divina. Georges Duby,

por sua vez, afirma que cada vez mais, durante a Idade Média, Deus ia assumindo a

associação com a luz; luz irradiada de Deus sobre as criaturas, que une matéria e

espírito, através da graça divina.

Para o cristianismo, a ordem do meio natural, ou do Universo criado, estava

diretamente ligada a uma estruturação da sociedade de forma ordenada. A criação

teológica que identificava Deus como um construtor, o grande artesão do mundo,

imperou nas elaborações mentais que buscaram reunir o homem e Deus para um

retorno ao estágio primordial da vida na Terra, onde a natureza é vista como extensão

da vida humana.108 O simbolismo emblemático da natureza na Idade Média resgatou a

imagem do Éden, paraíso terrestre original perdido, símbolo da esperança e da

salvação, delineado no Gênesis como contraponto de um mundo visível, onde

preponderavam as imagens infernais e as vicissitudes impostas ao homem.

Os parcos meios para a exploração da natureza, as colheitas deficientes, o

trabalho árduo, a miséria e a fome criaram um meio propício para a busca de “um

paraíso de delícias”.109 Idealizava-se o encontro de locais com abundância de recursos

vegetais, animais e minerais, favorecendo o desenvolvimento de uma geografia, que

Page 61: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

61

em termos físicos era a síntese da literatura clássica e das narrativas bíblicas. Um

mundo natural abundante, repleto de árvores frutíferas, rios, fontes e lagos com água

límpida, paisagens verdejantes entoadas pelos cantos dos pássaros era o quadro

edênico imaginado.110 Elementos que estariam presentes nos relatos e crônicas no

decorrer da conquista das terras brasílicas.

Se a Igreja católica defendia verdades absolutas, nem todos os homens se

contentaram com o saber das escrituras sagradas. No decorrer dos séculos XIII e XIV

ocorreram várias expedições pela Europa, tendo como objetivo atingir áreas

inexploradas pelos homens, enfim conhecer a natureza que não fora revelada. Em

1280, Pierre III de Aragão (1239-1285) registrou sua subida ao alto do Canigou, numa

das etapas da expansão da coroa de Aragão pelo Mediterrâneo. Em 1291, Ugolino e

Vandino Vivalid transpuseram o estreito de Gibraltar em busca das riquezas

existentes na África, e não retornaram.111 O homem ultrapassava os limites de espaços

geográficos pouco conhecidos, para ampliar as fontes de riqueza que o mundo natural

lhe poderia ofertar.

O imaginário medieval, em diversos textos, procurou ressaltar o ideal de

fixação em uma vila com algo virtuoso, em face da desordem imperante pelos

caminhos, onde preponderavam uma natureza desconhecida e a turbulência causada

pelas guerras. Se, por um lado, o deslocamento era questionado, por outro ele poderia

permitir o enriquecimento. Aqueles que se arriscavam pelos caminhos e barreiras

impostas pela natureza, como os comerciantes, poderiam obter êxito.

O renascimento agrícola, comercial e cultural, as Universidades e o

surgimento da imprensa guardariam um novo momento para a aventura humana

quanto a conhecer e conquistar o mundo natural. O homem renascentista pretendia

alcançar a fé por meio do conhecimento. A modernidade abriu as portas para um

movimento cultural turbulento, idéias entraram em confronto, as viagens marítimas

deram ensejo à reformulação das leis e das teorias, abrindo novos caminhos para o

pensamento humano. Os avanços técnicos no decorrer do século XIII a XV, tais como

a bússola, o astrolábio, a vela latina, o timão na proa e novos tipos de navios

permitiram que as navegações ganhassem uma nova dimensão, revelando um olhar

questionador em relação à natureza.

Page 62: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

62

A intensificação da circulação e da observação conduziu ao desenvolvimento

tecnológico e seus avanços. O uso dos astros tornou-se fundamental na navegação,

sendo a estrela polar (Draconis)112 um ponto de referência. Em não sendo possível

visualizá-la, os navegadores procuravam outra estrela.

No século XIII, é possível identificar registros de novos tipos de bússolas que

eram utilizadas por navegadores e por andarilhos as quais permitiam uma localização

mais exata. Pedro de Maricourt, discípulo de Roger Bacon, na sua obra “L’Epistola

de magnete” (Epístola de Magnete), de 1269, informava sobre a existência de uma

bússola líquida, fixada em um eixo vertical, com dispositivo para marcações. Este

estudioso, por meio de observação e do raciocínio indutivo, interpretou o magnetismo,

melhorando o princípio da bússola.

No século XIV, Flávio Gioia (Gioja), navegante de Amalfi, aperfeiçoou a

agulha magnética da bússola, introduzindo uma caixa e carta-compasso. O uso da

agulha magnética exigia o uso de instrumentos para medida de ângulo vertical, a fim

de determinar alturas dos astros e, por conseguinte, calcular a latitude. Este trabalho

intensificou o uso da bússola pelos navegadores. 113

O contato com o Oriente permitiu, desde a Antiguidade, a circulação de

conhecimento e a introdução de outros instrumentos de medição de altura dos astros,

por exemplo, a Tábua da Índia. O astrolábio, inventado por Apolônio de Perga (262-

190 a.C.), ou por Hiparco (190-126 a.C.),114 foi aperfeiçoado e difundido pelos árabes

no século VIII d.C. No século XIII d.C., o instrumento era utilizado para identificar as

estrelas, por meio de um disco de metal, graduado em graus, aparelhado com um

dispositivo móvel de visada (alidade de pínulas).

Neste universo pulsante, longe de significar um período de estagnação ou de

trevas, o homem medieval reconsiderou os seus parâmetros, como bem expressou o

pensamento humanista. O Concílio de Florença (1439) deu um impulso decisivo aos

estudos platônicos na Itália, na medida em que doutores da igreja latina e grega se

reuniram para debater textos sagrados, revelando um aprofundado conhecimento de

Platão.

Nicolau Krebs (1401-1464), nascido em Cusa, foi um dos expoentes dos

Quatrocentos, por defender que o saber humano ocorria no plano o intelectual e no

plano racional. Foi educado Deventer, e posteriormente estudou na Universidade de

Page 63: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

63

Heidelberg, ordenou-se padre, participou do concílio de Basiléia (1432), ocupando

diversas posições na estrutura hierárquica da Igreja. Estudioso contumaz, escreveu

três obras fundamentais: “De docta ignorantia” (1440), “De conjecturis” (1441),

“Idiota de mente, Idiota de sapientia, Idiota de staticis experimentis” (1450). Nicolau

de Cusa entendia que acima dos sentidos havia dois graus do saber humano; a ratio e

o intellectus. A ratio, ou seja, intelecto discursivo, era a faculdade que abstraia das

noções particulares os conceitos universais, e formava, em seguida, os juízos e os

raciocínios. Seu objeto era o conhecimento da multiplicidade e do finito. Porém,

admitia que as coisas finitas não eram perfeitamente representadas pela ratio. Por

conseguinte, Deus não poderia ser conhecido por meio da ratio. O intellectus era uma

atividade acima da ratio, iluminada pela fé, tendo como objeto o Uno e o infinito,

entendido por ele como sendo Deus.

O trabalho de Nicolau de Cusa retoma de forma objetiva a discussão de como

era possível conhecer, raciocinar e fazer juízo. Apesar de suas reflexões estarem

eivadas do referencial cristão, elas apontam para um momento de revisão em que

razão e fé não eram incompatíveis.

Na segunda metade do século XV, o retomar das ideias platônicas em

Florença originou a academia platônica florentina, tendo como seu principal

representante Marsílio Ficino (1433-1499). Este filósofo estudou filosofia e escreveu

uma coletânea de textos que ficou conhecida como a “Summa philosophiae”,

abordando questões de lógica e física. Argumentava que a função do pensamento

humano era admitir a imortalidade por meio do pensamento racional (ratio),

intelectual (mens) e imaginativo (spiritus e fantasia).

Suas idéias eram ecléticas e, de certa maneira, dimensionavam o homem como

um ser animado num microcosmo.

Da academia participaram Angelo Poliziano (1454-1494), Giovanni Pico della

Mirandola (1463-1494) e o próprio Lourenço, o Magnífico (1449-1492). Marsílio

traduziu para o latim obras de Platão e Plotino. De seu trabalho de tradutor e de

pensador surgiu a obra “Theologia platonica de immortalitate animorum” (1491).

Enquanto religioso, procurou adequar o platonismo com o cristianismo, discutindo o

conceito posto na Antiguidade de que o homem era um microcosmo.

João Pico della Mirandolla seguiu para a Universidade de Bolonha com o

Page 64: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

64

objetivo de estudar Direito Canônico. Contudo, preferiu aprofundar os estudos na área

de Teologia e Filosofia, realizando posteriormente várias viagens pela Europa. No

decorrer de suas andanças, aprofundou seus estudos, buscando conciliar a religião

com a filosofia. O Humanista, autor de “De dignitate hominis” (Discurso sobre a

dignidade do homem), demonstrou que o conhecimento era fundamental para o

homem. Defendia que o ser humano era capaz de aprender sobre si mesmo e sobre a

natureza, devendo para tanto utilizar seu intelecto. Este movimento em busca do

conhecimento poderia elevar o homem na cadeia dos seres vivos, por sua capacidade

de autotransformação.

A Renascença apontava para uma revisão das ideias platônicas e aristotélicas,

entendendo que o ser humano era capaz de dar impulso ao seu desenvolvimento

intelectual. Em suma, que os avanços tecnológicos instrumentalizaram os homens

para novas conquistas, não deixando de lado o imaginário medieval que alimentava a

possibilidade de um paraíso que não seria encontrado no território europeu. Os únicos

espaços com características próximas de um paraíso para os homens daquele tempo

eram os núcleos habitados e cultivados, cercados, sinais de segurança e descanso após

as árduas travessias tão comuns naqueles idos. Para além dos cercados, encontravam-

se as florestas, a natureza hostil não cultivada, vasta por excelência, e ameaçadora

pela grandeza e perigos iminentes. O homem medieval entendia que o acesso ao

momento da origem do mundo era possível, e as primeiras descobertas acenavam

como manifestações do sagrado, neste sentido. O paraíso existia e estava separado do

território europeu. Tal como a separação que Deus fez com as águas da Terra, no

primórdio da humanidade, as novas terras também tinham sido separadas por Deus.

Page 65: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

65

Segundo Capítulo A natureza

e a emergência

de novos paradigmas

“Os homens astutos condenam os estudos, os homens simples os admiram,

e os homens sábios se utilizam deles, obtida graças à observação."

Francis Bacon

A descoberta das coisas deve ser feita

com recurso à luz da natureza e não pelas trevas da Antiguidade.”

Francis Bacon

Page 66: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

66

2.1 A ideia de natureza no limiar da modernidade

No final da Idade Média o pensamento cristão passava por uma série de

questionamentos sobre a própria ordenação da Igreja e do poder temporal.

Paulatinamente o homem lançava o olhar para as coisas do mundo natural, como uma

curiosidade maior. Seu grande desafio era aprender a olhar o mundo que o cercava.115

O interesse pela natureza despontava no século XVI como algo irreversível. O

Renascimento promoveu importantes transformações no século XV. O debate de

ideias, que fez surgir em Florença a Academia Platônica, com figuras de humanistas

como Marsílio Ficino, Pico della Mirandola, dentre outros, se espalhou pela Europa,

assumindo nuances específicas em cada região. Concomitantemente, despontam

novos seguidores de Aristóteles, como Pietro Pomponazzi (1462-1525), observando

que certos tipos de eventos parecendo milagrosos eram, de fato, fenômenos de ordem

natural. Suas ideias contra as proposições da Igreja o tornaram alvo de perseguições e

suas obras proibidas pelo Concílio de Trento (1545-1563).116 Uma ebulição de

pensamentos dinamizava a sociedade renascentista.

Neste momento, é possível identificar que entre o século XV e XVI emergem

novas discussões sobre a ideia de natureza. Os pensadores dialogaram com as ideias

medievais e da antiguidade clássica e contribuíram com novos elementos na leitura

dos fenômenos do mundo natural. O Humanismo, como movimento literário e

filosófico que nasce nas cidades italianas na segunda metade do século XIV,

conquistou rapidamente a Europa, celebrando o ser humano. As ideias humanistas se

contrapunham à visão medieval, em que o papel do homem era reduzido, sujeito aos

perigos do mundo, normalmente oscilando do pecado à salvação, como vimos. Neste

sentido, era preciso pensar o papel do homem num novo universo. Para o

Humanismo, o tema central era a questão da liberdade do homem e a sua capacidade

de criar um novo projeto de vida. Como centro de tudo, deveria engajar-se na busca

da verdade. O ser humano possuía capacidade intelectual ilimitada para construir o

Page 67: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

67

saber; bastava usar suas faculdades mentais. Os pensadores humanistas entendiam que

havia muita ignorância na sociedade, sendo o indivíduo sufocado pela religião. O

homem devidamente instruído poderia chegar à liberdade em sua plenitude.

O olhar para a Antiguidade serviu para recuperar textos antigos, mas também

para discutir a formação do homem. A educação do período não o preparava para

exercer o seu papel na sociedade, conforme sua capacidade. O homem necessitava de

uma educação adequada à perspectiva histórica, cheia de contrastes que exigiam

solução.

A obra de Erasmo de Rotterdam (1466-1536), “Elogio da Loucura”, criticava

a sociedade e os seus valores. Momento em que a riqueza dos príncipes contrastava

com a pobreza da população, da mesma forma que o desregramento de papas e bispos

revelava a fragilidade do cristianismo. Haveria justiça na sociedade? Onde ela estaria?

O ser humano estava insatisfeito e Erasmo de Rotterdam procurou, por meio do seu

escrito, questionar a sanidade do mundo. O príncipe dos Humanistas entendia que a

razão humana era capaz de distinguir entre o bem e o mal, sendo o homem capaz de

definir o seu destino. O texto instigava os leitores à reflexão e a entenderem que não

se estava tocando “na oculta cloaca de vícios da humanidade, nem revelamos as suas

torpezas e infâmias, limitando-nos a mostrar o que nos pareceu ridículo. Se, apesar de

tudo, ainda houver ranzinzas e descontentes, que ao menos observem como é bonito e

vantajoso ser acusado de loucura.”117

A sociedade renascentista era algo digno de se questionar. Para Erasmo, a

maioria dos homens era ingrata, fingida e alimentava comportamentos errados. Os

sábios se perdiam em divinizar suas ideias, tornando-se pessoas desagradáveis e de

difícil convívio. Além disso, alimentavam um desprezo pelos demais e não gostavam

absolutamente de ninguém. Para ele, nesse universo: “Quase todos os homens são

loucos; mas por que quase todos? Não há quem não faça suas loucuras e, a esse

respeito, por conseguinte, todos se assemelham; ora, a semelhança é justamente o

principal fundamento de toda estreita amizade”.118

Os Humanistas procuraram repensar os filósofos antigos a fim de integrá-los

na concepção cristã de vida, nesse novo universo da loucura. Contudo, o horizonte

cristão se ampliara progressivamente. O homem avançava pelo Oceano Atlântico e

encontrava regiões desconhecidas. As certezas eram postas à prova. O mundo passava

Page 68: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

68

a ser uma grande indagação. Como registrou Thomas More (1478-1535), na sua obra

“Utopia”, o avanço em direção ao Equador gerava questionamentos expressos na fala

do personagem Hitlodeu:

“de uma parte e de outra, no espaço compreendido pela órbita do sol, não

viram senão vastas solidões eternamente devoradas por um céu de fogo. Aí, tudo os

aturdia de horror e espanto. A terra inculta tinha apenas como habitantes os animais

mais ferozes, os répteis mais terríveis, ou homens mais selvagens que os animais.

Afastando-se do equador, a natureza se abrandava pouco a pouco; o calor é menos

abrasador, a terra se cobre de uma ridente verdura e os animais são menos selvagens.

Mais longe ainda, aparecem povos, cidades, povoações, em que se faz um comércio

ativo por terra e por mar, não somente no interior e com as fronteiras, mas entre

nações muito distantes”.119

O registro de um mundo imaginário, próximo ao ideal, é delineado por

Thomas More, que ignora os problemas da sociedade. Nesse universo utópico, os

meios de produção pertenciam a todos e a atividade comercial beneficiava o coletivo.

A liberdade religiosa reinava e o humano era instado a viver conforme a sua natureza.

Este novo modelo de governo e sociedade demoraria a chegar, apesar de ser desejado

por muitos.

A partir do Renascimento, o espaço começou a ser construído sobre novos

moldes. A geometria permitiu imaginar outras representações espaciais. Estas, antes

de serem uma imitação do real, eram uma ilusão. Havia uma representação espacial

simplificada que atendia a uma forma de perceber o espaço. Contudo, o movimento

humano pelos mares modificou estas representações e o ser humano foi convidado a

imaginar e a questionar como fez Hitlodeu. Contudo, a racionalidade dos interesses

econômicos nem sempre explicou o gosto pela aventura, pelo desconhecido ou novo,

que só a mentalidade medieval tinha alimentado. As descobertas, ao sintetizarem um

conjunto de novos processos técnicos (teóricos e empíricos), astronômicos, em nível

da arte náutica, como vimos anteriormente, possibilitaram a abertura dos olhos do

mundo. 120

Portugal assumiu papel de destaque nesta empreitada, além de promover uma

verdadeira revolução nas artes náuticas; impulsionou o conhecimento sobre as novas

terras americanas. O mundo passou a ser cada vez mais representado, os espaços

Page 69: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

69

planetários construídos na sua aproximação com a realidade, seguindo os

reconhecimentos que cada viagem exploratória promovia, enquanto as configurações

fantasiosas iam perdendo sua intensidade. O contorno do mundo começava a ser mais

definido. O homem europeu conseguia realizar uma representação abstrato-conceitual

nos mapas que ganhavam difusão nesse momento, questão posta desde a Antiguidade

pelos pensadores pré-socráticos. Como afirma Guillermo Giucci “a única fonte

verdadeira e confiável de conhecimento do Novo Mundo apóia-se na experiência

pessoal. E a experiência do desconhecido e ameaçador implica uma reavaliação

profunda da série de conceituações imaginárias erigidas a partir da ilusão”.121

O homem ia conseguindo ver a Terra dissociada da imagem Céu-Inferno,

enquanto esferas interligadas e decorrentes. A imaginação humana estava

simbolicamente livre para romper os estreitos limites da Terra e dominá-lo; tal como

os primeiros seres humanos do período paleolítico, que desenhavam nas cavernas, o

homem, ao delinear os contornos do mundo, tornava-se possuidor da coisa

representada. O desejo humano de captura do mundo natural era uma constante.

Os descobrimentos, ao revelarem para a humanidade a dimensão do globo

terrestre, desencadeiam uma nova reordenação de estruturas de pensamento, uma

mudança histórica até então nunca vista. Segundo Edmundo O’Gorman, o

descobrimento da América:

“não deixou de refletir nas novas ideias astronômicas que deslocaram a Terra

da sua condição de centro do universo para convertê-la num carro alado de

observação do céu, foi uma mudança cujas conseqüências ultrapassaram o seu aspecto

meramente físico. É claro que se o mundo perdeu sua antiga natureza de cárcere para

converter-se em casa aberta e própria, é porque o homem, por sua vez, deixou de

imaginar-se a si próprio como um servo prisioneiro para transfigurar-se em dono e

senhor do seu destino. Em vez de viver como um ente predeterminado num mundo

inalterável, começou a se imaginar como dotado de um ser aberto, habitante de um

mundo construído por ele à sua medida e semelhança”.122

O palco da atuação humana era ampliado, assim como o seu conhecer, e essa

“novidade-mudança” é responsável “por um novo mundo de coisas, informações,

dados, diferenças etc”.123 As descobertas prepararam o caminho para uma nova

Page 70: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

70

ciência, o homem despertava para sua consciência crítica, desterrando do saber os

erros longamente enraizados no pensamento europeu.124

As descobertas marítimas, ao permitirem um re-conhecimento do mundo,

traziam consigo uma nova leitura da existência humana. A Igreja, detentora do saber

primordial sobre as origens da civilização ocidental, revê as suas afirmações. O

microcosmo medieval é implodido, e surge um macrocosmo que o pensamento

ocidental tem que reordenar.

O novo precisava ser inserido no discurso religioso das Escrituras Sagradas,

como parte componente dissociada da célula materna. As terras americanas acenavam

para um reencontro das partes, até então desunidas, a ideia de um jardim de delícia

mostrava-se presente. Uma única lógica as envolvia, pois uma única razão as tinha

tornado possível. O ponto comum era que o monoteísmo cristão reunia de maneira

convergente todas as coisas criadas pelo ente divino.125

A verdade católica atingia uma amplitude máxima, tendo como certeza que

Deus ofertara aos homens europeus a possibilidade de conhecer os seus pares,

regulados por uma mesma ordem e uma mesma regra que era o cristianismo. Deus

oferecera, senão o Paraíso, pelo menos algo muito próximo de uma situação idílica, há

muito tempo desejada. As novas terras foram inseridas num contexto religioso de

concepção que entendia que o universo, feito por Deus, era ampliado pelo engenho do

homem europeu.

As descobertas eram o sinal de uma nova era. O homem conseguia contemplar

a onipotência divina e sua criação na sua plenitude.126 As novas tecnologias da

navegação possibilitaram o alargamento do horizonte da cristandade. Se a fé católica

se espalhava pelo mundo, o movimento do pensamento científico ia assumindo

contornos mais nítidos. O conhecimento sobre os mares acumulados por séculos

passou a ser cada vez mais sistematizado, conduzindo ao que seria conhecido como

revolução científica. Como salienta Paolo Rossi:

“A propósito do nascimento da ciência moderna se falou e ainda se fala,

justamente, de 'revolução científica'. Um dos aspectos característicos das revoluções

consiste no fato de que elas não só olham para o futuro, dando vida a algo que antes

não existia, mas também constroem um passado imaginário que, em geral, tem

características negativas.”127

Page 71: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

71

Portugal fez parte desse processo de transformação, olhando para o futuro e

contribuindo para realizar as transformações da sociedade no caminho de um novo

pensamento. D. Henrique, o navegador (1394-1460), foi o agente da reunião de

especialistas na vila de Sagres. Para lá afluíram matemáticos, cosmógrafos,

cartógrafos e especialistas da construção naval do período. O resultado deste empenho

foi o avanço marítimo português vencendo o Cabo Bojador, aventura feita por Gil

Eanes (século XV) em 1434. Aos poucos, os mapas foram sendo modificados a partir

das informações dos viajantes. O Infante D. Henrique pautou-se pela famosa máxima

de Pompeu, navigare necesse est, vivere non est necesse. Portugal neste momento

assumiu um papel importante no movimento de viagens marítimas que levaram ao

reconhecimento das ilhas do Atlântico e de partes da África, para em seguida chegar à

Índia e à América.

Em 1472, Abraham Zacuto (c.1450-1510) estabeleceu o “Almanach

Perpetuum”, compôs tabelas da declinação do sol e aperfeiçoou o astrolábio que

seriam utilizadas como referência nas viagens posteriores, como a de Vasco da Gama

e de Pedro Álvares Cabral.128 No decorrer do século XVI, as viagens marítimas

permitiram que novos instrumentos e tábuas de medição fossem criados ou

melhorados. Da mesma maneira, manuais de navegação, com descrições geográficas

aparecem como a “Suma de Geographia” do navegador espanhol Martín Fernandez

de Enciso, publicado em 1519. Os registros sobre viagens ganharam uma ampla

difusão e rapidamente se evidencia a importância da circulação da informação e das

trocas culturais e econômicas que se empreenderam, onde as descrições sobre a

natureza aparecem com mais constância. Os europeus olhavam atentos para as terras

distantes, buscando encontrar algo possível de ser explorado e que gerasse riqueza.

O homem observava, analisava e construía novas leituras sobre o mundo

natural e a dinâmica que envolvia a Terra. Em 1537, Pedro Nunes (1502-1578)

publicava o “Tratado da Sphera” de Sacrobosco explicando como determinar a

latitude a partir da medição de duas alturas do Sol. A invenção do quadrante

náutico,129 do noturlábio,130 o octante,131 bem como outros instrumentos e tábuas

astronômicas permitiram o rápido desenvolvimento da navegação e a precisão do

navegar, que seriam fundamentais para os séculos seguintes. O desconhecimento de

tais técnicas impedia a localização de embarcações, tendo em vista as correntezas do

Page 72: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

72

mar e os efeitos do vento. Desta forma, a experiência e o conhecimento eram

fundamentais para o êxito das expedições. Pedro Nunes defendia que o conhecimento

científico deveria ser compartilhado para resolver problemas práticos da navegação

valendo-se de cálculos matemáticos.132

A obra “Arte de Navegar” de Pedro de Medina foi editada em Valadolid, no

ano de 1545. Nos anos seguintes a obra foi traduzida para outras línguas e ganhou

novas edições. O sucesso desse trabalho consistia na forma de sua narrativa; de fácil

compreensão e de interesse para os navegantes, fornecia informações sobre os

movimentos do mar ou dos ventos e a relação com as fases da lua, como fazer uso da

altura do sol, dentre outros assuntos náuticos.133

Observa-se que as grandes viagens marítimas incorporaram novos

conhecimentos que foram sendo encontrados na África, Ásia e América. As

descobertas sintetizaram um conjunto de novos processos técnicos (teóricos e

empíricos), astronômicos, em nível da arte náutica, e possibilitaram a abertura dos

olhos para o mundo. Este passou a ser cada vez mais representado, segundo os

reconhecimentos que cada viagem exploratória promovia, fazendo que as

representações fantasiosas fossem perdendo sua intensidade. As formas de pensar a

realidade sofriam transformações, migrando da fé para a racionalidade. O empirismo

sensorial, atribuindo papel central à vivência de cada indivíduo, pela evidência da

observação, entendia que da própria vivência deriva a acumulação informativa que

compõe o arcabouço de conhecimento do indivíduo.

A cartografia náutica, que paulatinamente floresceu em qualidade e

quantidade, consolidou uma consciência geográfica global. As explorações feitas

pelos navegadores lusitanos, dentre eles: Diogo Cão (século XV), Bartolomeu Dias

(1450-1500), Vasco da Gama (1469-1524) e Pedro Álvares Cabral (1467-1526), entre

outros, além de inaugurarem o contato com as novas civilizações da África, da Índia e

da América, possibilitaram a união dos mares até então desconhecida, rompendo com

as concepções medievais influenciadas pela Bíblia e pelos textos clássicos da

Antiguidade.134

Uma nova visão do mundo, mais próxima da realidade e, por conseguinte,

mais detalhada, superava os esboços cartográficos antigos. O homem dava contorno

ao seu mundo, apreendendo-o e tornando-o objeto de estudo. Os descobrimentos, ao

Page 73: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

73

revelarem a verdadeira dimensão do globo terrestre para a humanidade, desencadeiam

um novo reordenamento das estruturas de pensamento, uma mudança histórica até

então nunca vista. O palco da atuação humana era ampliado, assim como o seu

conhecer. As descobertas prepararam o caminho para uma nova ciência, na medida

em que a natureza passava a ser indagada pelo homem. As certezas eram relativas.

Havia dúvidas e buscavam-se respostas.135

A partir da Idade Média, a ideia da esfericidade da Terra já estava

consolidada. Contudo, a discussão convergiu para outro aspecto: seria o Sol ou a

Terra o centro do Universo. Os antigos acreditavam que a Terra era estacionária e que

todos os corpos celestes se moviam no seu entorno, em órbitas circulares. A invasão

muçulmana na Península Ibérica permitiu o estabelecimento de escolas de

Astronomia, compilando dados para a tábua astronômica Hakémite. Nos séculos XIII

e XIV, entre os astrônomos, já circulava a ideia da teoria heliocêntrica que não era

aceita pela Igreja.

Nicolau Copérnico (1473-1543), ao defender a ideia de que o Sol estava em

repouso e que os demais planetas giravam no seu entorno, lançou a base da nova

astronomia, mudando o referencial de leitura consagrado desde a Antiguidade. O

estudioso defendia que o movimento dos astros dependia das distâncias dos planetas

em relação ao sol, tese que não foi aceita pela Igreja. Em 1543, Nicolau Copérnico

publicou a obra “De Revolutionibus Orbium Coelestium” (Da Revolução de esferas

celestes)”,136 na qual afirmava que não havia um único centro para todos os corpos

celestes ou esferas, como afirmara Ptlomoeu. Copérnico entendia que existiam dois

centros de rotação, sendo a Terra o centro da rotação da Lua e o Sol era o centro da

rotação de outros planetas; por conseguinte, o sol era excêntrico em relação ao centro

do universo. O estudioso afirmava que o centro da terra não coincidia com o centro do

universo, mas apenas com o centro da gravidade e da esfera da lua, apresentando um

novo problema que era a explicação sobre a gravidade. Copérnico defendia que a

relação entre a distância Terra-Sol e a altura do firmamento era menor do que a

relação entre o raio terrestre e a distância. Afirmava ainda que todos os movimentos

que apareciam no firmamento não eram derivados de movimentos do firmamento,

mas sim do movimento da Terra. O firmamento mantinha-se imóvel, enquanto a Terra

realizava uma completa rotação sobre os seus polos fixo em movimento diuturno. Da

Page 74: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

74

mesma forma, chamava a atenção para o fato de que aquilo que parecia movimentos

do Sol não derivava deles, mas do movimento da Terra ao redor do Sol, o que

implicava afirmar que a Terra possuía mais de um movimento. Copérnico acreditava

que o movimento da Terra era suficiente para explicar as desigualdades que

apareciam no céu. 137 Como bem lembra Paolo Rossi:

“A simplicidade do novo sistema, no entanto, era mais aparente do que real:

para justificar os dados das observações, Copérnico foi forçado, em primeiro lugar, a

não fazer coincidir o centro do universo com o Sol (o seu sistema foi chamado de

heliostático, ao invés de heliocêntrico), mas com o ponto central da órbita terrestre;

em segundo lugar, foi obrigado a introduzir de novo, como em Ptolomeu, uma série

de círculos girando em torno de outros círculos; e finalmente atribuir à Terra (além do

movimento de rotação ao redor do seu eixo e de translação ao redor do Sol) um

terceiro movimento de declinação (declinationis motus) para justificar a

'invariabilidade do eixo terrestre com relação à esfera das estrelas fixas.”138

As ideias defendidas por Nicolau Copérnico levavam o homem a abandonar as

crenças antigas para construir uma nova astronomia, levantando novas discussões

quanto às recentes e revolucionárias proposições.

O conhecimento da natureza podia ser atingido pela experiência direta, dando

destaque também para a intuição e a emoção. A lógica e a ideia de uma ordem

racional da natureza, defendida pela escolástica, passou por questionamentos e

provocou novas especulações. O pensamento moderno palmilhava com cuidado este

universo, demonstrando uma falta de consciência sobre as transformações que

estavam sendo engendradas e os paradigmas entravam em crise.

Este processo de reordenamento intelectual contou com vários protagonistas

que contribuíram, cada um, com novos conhecimentos que afetariam o conjunto de

saberes sobre o mundo natural.

Um desses protagonistas foi Bernardino Telésio que nasceu em 1509 em

Cosenza (Itália) e estudou em Pádua. Escreveu a obra “De rerum natura iuxta propria

principia”, explicando a natureza a partir dos princípios universais imanentes à

mesma natureza. O mundo natural era constituído de matéria, considerada homogênea

e inerte, e de força que animava e transformava continuamente toda a matéria.

Alertava para o fato de que muitos tinham investigado a natureza com grandes fadigas

Page 75: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

75

e “inutilmente”. Indagava o que a natureza poderia ter revelado. O ser humano ao

buscar o entendimento da natureza esqueceu que era importante estudar cada uma das

partes, a exemplo do estudo de Telésio, seguindo os “sentidos e a natureza nada mais;

aquela natureza que, concordando sempre consigo própria, age e efectua sempre as

mesmas coisas e do mesmo modo”.139

O outro foi Giordano Bruno (1548-1600) que nasceu em Nola, entrando ainda

jovem na Ordem dos Dominicanos. Foi acusado de heresia e afastado de sua ordem,

sendo posteriormente processado pelo tribunal da Inquisição e condenado à morte. As

obras principais de Giordando Bruno que geraram polêmica e causaram a sua

acusação foram: “De la causa principio e uno” (1584); “De l'infinito, universo e

mondi” (1584); “De gli Eroici furori” (1585); “De innumerabilibus, immenso et

infigurabili” (1591). Para Giordoano Bruno, o conhecimento se dividia em quatro

graus em ordem hierárquica ascendente. Primeiro, eram os “sentidos”, cujo objeto era

o sensível, entendo que a verdade que manifestava era mera aparência. A “razão”

vinha em seguida, e por ela é que se atingia a verdade num processo dialético,

discursivo, sucessivo. O terceiro grau era o “intelecto”, condutor imediato para a

verdade. E no último grau a “mente”, que atingia a verdade na sua unidade e numa

simplicidade absoluta.140

A Igreja, ao buscar unidade e hegemonia sobre a sociedade, não admitia que

se proliferassem ideias divergentes daquelas que os teólogos propunham. Se os

mecanismos de perseguição e controle se ampliavam, estes não conseguiram inibir o

desejo humano de questionamento. A epopéia da ousadia em saber e conhecer estava

apenas começando e colocava em dúvida as ideias defendidas pela Igreja.

Galileu Galilei (1564-1642) no livro “Discorsi e Dimostrazioni Matematiche

Intorno a Due Nuove Scienze” (Discurso e demonstrações matemáticas sobre as duas

novas ciências - 1638), registra a importância das observações e informações que

tivera do Arsenal de Veneza, local onde se fabricavam navios e armas, considerado

como um local de produção de conhecimento.141 Seu estudo atacava o Universo

fechado e hierarquizado da física escolástica, propondo uma ideia de espaço a partir

da geometria. Além disso, rompia com a concepção aristotélica de repouso,

defendendo a ideia de movimento. Proposições que alteravam os conceitos

vigentes.142

Page 76: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

76

O astrônomo Johannes Kepler (1571-1630), ao tomar o sol como ponto

comum às órbitas planetárias, esboçou a possibilidade de uma dinâmica no sistema

heliocêntrico, que poderia explicar a queda dos corpos. Valendo-se dos trabalhos de

seus antecessores, dentre eles Tycho Brahe (1546-1601), chegou a estabelecer duas

leis que contradiziam em parte os estudos anteriores. A primeira era que os planetas

descreviam um movimento elíptico no entorno do Sol, sendo que este ocupava um dos

focos da elipse. A segunda era que as velocidades dos planetas eram variáveis ao

longo da órbita, passando a ser mais veloz quando estavam próximas do sol.143

Os estudos do astrônomo alemão trouxeram grande impacto para os

navegadores da época, pois ao analisar as tabelas astronômicas, identificou-se a

necessidade de correções. O estudioso, ao estabelecer os princípios astronômicos da

Lei das Áreas Iguais, a Lei das Órbitas Elípticas e a Lei da Proporcionalidade dos

Quadrados das Revoluções e dos Cubos das Distâncias, permitiu que estes

conhecimentos fossem incorporados aos dados astronômicos da navegação. Neste

sentido, o movimento de descobertas da mesma maneira que gerou conhecimentos

novos, incorporou diferentes conhecimentos aprimorados numa velocidade muito

rápida.144

O alvorecer da modernidade despontou na Europa um conjunto de saberes

teóricos e práticos construídos por diversas mãos. O trabalho de navegadores,

cartógrafos, astrônomos, matemáticos abria campo para as investigações e

especulações. Exigiu novos equipamentos e a mudança de referencial. O estudo da

estrela Polar que permanecia fixa no céu, pois o eixo de rotação da Terra apontava

para a direção da estrela, permitiu aos navegadores utilizá-la como referência durante

a noite. Desta maneira, o termo “orientar”, que era utilizado nas viagens terrestres por

causa da tradição de se tomar Jerusalém como referência, cede espaço para o termo

“nortear”, fruto das observações astronômicas. 145

Este conhecimento não foi construído apenas pelo Ocidente. O contato com o

Oriente permitiu que os navegadores tivessem contato com outros povos, mas

principalmente com outros conhecimentos sobre a arte de marear. Este intercâmbio

representou uma ampliação das técnicas e por vezes uma melhoria qualitativa nas

viagens marítimas. O olhar europeu se abriu para novos horizontes, percebendo a

Page 77: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

77

diversidade biológica. Ficava patente que só a experiência possibilitava conhecer o

novo e rever o conhecimento legado pela Antiguidade.

O século XVI lançou um novo olhar para a natureza e para o corpo humano.

Em algumas cidades italianas as investigações sobre o corpo humano foram

intensificadas na medida em que textos árabes e gregos, traduzidos para o latim,

conseguiram difusão. Na Universidade de Pádua (1222) o estudo da filosofia natural,

além do conhecimento da obra aristotélica, e dos escritos de Galeno (c. 131- c. 200)146

incorporou as ponderações de pensadores mulçumanos, como Averróis (1126-

1198)147. O estudo do corpo humano, por meio de dissecações, foi importante para

questionar o conhecimento vindo da Antiguidade. Andreas Vesalius (1514-1564) ao

observar as dissecações procurou, com o auxílio de desenhista, fazer representações

claras sobre as partes do organismo (ossos, músculos, sistema circulatório, sistema

nervoso, abdômen, coração, pulmões, cérebro) influenciando os estudos sobre a

anatomia humana.148 O médico William Harvey (1578-1657) concentrou o seus

estudos no entendimento da circulação sangüínea. Empreendendo uma série de

dissecações de animais diferentes, notou que o coração endurecia ao contrair-se,

indício de que ele era um músculo. Outro aspecto observado era que as válvulas

existentes só permitiam o fluxo de sangue num único sentido.149 Para Harvey, o

coração bombeava o sangue por artérias e veias, que compunham um único sistema de

circulação.

A medicina avançava em descobertas sobre as partes que compunham o

microcosmo humano. Os estudos dos órgãos e sua contribuição para o bom

funcionamento do organismo revelavam uma complexa leitura do corpo humano, que

funcionava a partir de sistemas. O próprio ser humano fazia parte de um sistema

maior, que o unia ao mundo natural, do qual dependia. As interdependências

provocavam discussão sobre os mecanismos da natureza e as contribuições que esta

poderia trazer para a saúde do homem. Desta forma, é conveniente ressaltar que o

saber sobre o organismo humano englobava o estudo da natureza, tendo em vista

muitos médicos passavam a estudar as propriedades de substâncias advindas de

plantas e animais que poderiam ser objeto de uso farmacêutico. E cada vez mais ele se

apresentava ao homem, pois como afirmava Heráclito a natureza amava esconder-se.

Page 78: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

78

Estudos começavam a ser publicados, procurando dar uma visão geral sobre o

conhecimento do mundo natural. Girolamo Cardano (1501-1576), matemático e

estudioso da mecânica e das obras dos gregos, escreveu duas obras “De rerum

varietate” (1557) e “De subtilitate” (1550), visando à compreensão sobre a

diversidade do mundo natural. Este pensador utiliza o recurso da analogia, como

elemento do raciocínio, buscando construir a unidade das coisas.150

A crítica às concepções abstratas da natureza, que não conduziam à apreensão

imediata, estava presente na reflexão de muitos pensadores. O Renascimento e o

Humanismo determinaram que era preciso conhecer e não apenas ver. Desta forma,

havia uma tendência para os pensadores defenderem que o verdadeiro conhecimento

vinha da natureza, porque ela revelava a si própria, cabendo ao homem estabelecer os

critérios de observação, a fim de obter as respostas.151

Albrecht Dürer (1471-1528), nascido em Nuremberg, foi hábil no uso da

perspectiva e da ilusão de três dimensões na representação gráfica. Estudioso,

explorou diversas figuras de animais e plantas a partir da observação e de esboços

feitos por terceiros. Preocupada em ser fiel à realidade, delineou com precisão

aspectos dos seres que estudou. Suas pinturas eram registros precisos de sua

observação e foram publicadas pelo impressor Christophe Plantin (c.1514 – 1589) que

patrocinou diversos trabalhos científicos de botânica, tendo em vista o grande

interesse que despertavam na sociedade.

Neste cenário, os estudos de botânica e zoologia ganharam estudos mais

elaborados que influenciariam a caminhada das ciências nos séculos posteriores.

Dentre os precursores estão Otto Brunfels, Jerome Bock e Leonhart Fuchs que

realizaram trabalhos inovadores e passaram a ser considerados como os "pais alemães

da botânica".

Otto Brunfels (1488-1534) nasceu em Mainz, estudou no mosteiro de

Estrasburgo. Naquele momento, as ideias protestantes fervilhavam e Brunfels

reorientou sua fé para o luteranismo. Atuou como professor e demonstrou possuir

interesse pela medicina, sistematizando informações sobre a flora, e elaborou uma

obra designada de “Herbarum vivae eicones” (Ilustrações vivas de plantas), publicado

o primeiro volume em 1530 e o segundo no ano seguinte.152 A obra valia-se das

informações de Dioscórides (90-40 a.C.)153 e de outros estudiosos de plantas; sua

Page 79: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

79

contribuição foi o registro de mais de duzentas plantas desenhadas por Hans Weiditz

(1500-1536). As gravuras, de tamanhos variados, mostravam uma precisão científica

que impressionava pela beleza, bem como pelos detalhes e por registrar o habitat

natural da espécie. O olhar atento registra uma natureza em sua plenitude e pode ser

considerado um marco no estudo da botânica no mundo ocidental.

Jerome Bock (1498-1554) também foi educado num meio católico, vindo

posteriormente a abraçar o luteranismo. Pelas referências apresentadas no seu

trabalho, ele provavelmente recebeu formação na área de medicina, especializando-se

em botânica. Em 1539, publicou a obra o “Neu Kreütter Buch” (Novo livro das

plantas), com descrições de plantas, adotando critérios mais objetivos para o

detalhamento da espécie; realizou um histórico de cada uma e as possíveis

interligações entre elas, valendo-se de referências de Brunfels e David Kandel (1520-

1592).154

Leonhart Fuchs (1501-1566) era luterano e também teve formação em

Medicina. Em seus trabalhos a influência dos escritos gregos é marcante,

principalmente de Dioscoride e Galeno, demonstrando um distanciamento respeitoso

em relação às fontes medievais. Sua obra sobre ervas medicinais, “De historia

stirpium” (A história natural das plantas - 1542) foi ricamente ilustrada com desenhos

de Heinrich Füllmaurer e Albrecht Meyer, e de xilogravuras de Rudolph Speckle.

Conforme afirma Paolo Rossi, no prefácio da obra, Leonhart Fucks registra que

tomara todos os cuidados necessários para que todas as plantas fossem representadas

com as raízes, caules, folhas, flores, sementes e frutos. Sua preocupação era com a

exatidão e não com a estética, e por isso cuidou para que não se representassem as

espécies conforme eram na realidade. 155

Leonhart Fuchs organizou a descrição de mais de quinhentas espécies por

ordem alfabética, procurando organizar em cada capítulo um gênero e suas

subdivisões.156 Preocupou-se com o registrar das diferentes partes e seus nomes,

destacando as diversas morfologias e propriedades das plantas. Porém, seus estudos

restringem-se a descrições gerais das flores, seus odores, cores e folhas sem delimitar

as espécies por seus órgãos de reprodução ou de frutificação. Se por um lado, os

trabalhos pouco acrescentavam em informações de base científica, por outro

Page 80: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

80

conseguiram sistematizar e catalogar as espécies, contribuindo para o avanço de

outros estudos.

Valerius Cordus de Oberhessen (1515-1544), demonstrando um ávido

interesse por plantas, realizou viagens que resultaram na elaboração da “Annotationes

in Pedacii Dioscoridis de Matéria medica livros V”, publicada após sua morte em

1561. A obra reunia a descrição de uma série de plantas analisadas sob o ponto de

vista do uso farmacêutico, com descrições precisas e minuciosas, confirmando o

desejo de catalogação das espécies. O trabalho de Valeris Cordus de Oberhessen foi

continuado pelo suíço Konrad Gesner (1516-1565) que empreendeu um amplo

trabalho sobre espécies da flora, apresentando a estrutura das plantas.

Konrad Gesner demonstrou desde cedo ser um aluno estudioso dedicando-se

ao conhecimento do grego e do hebraico, e publicou a “Bibliotheca universali sive

catalogus omnium scriptorum locupletissimus in tribus linguis Latina, Graeca et

Hebraica”, uma bibliografia que registrava os livros impressos em latim, grego e

hebraico. Em 1537, foi professor de grego na Academia de Lausanne, onde estudou

Medicina. Konrad Gesner escreveu a obra “Opera botânica” (Trabalhos botânicos)

que continha mais de 1.300 gravuras, que seria completada após a sua morte. A obra

classificava as plantas em florescentes e não-florescentes e identificava cada uma pelo

modo pelo qual a seiva era suprida.157 Os estudos de Konrad Gesner não ficaram

restritos à botânica, pois também se dedicou à zoologia e elaborou a obra “Historia

animalium” (História dos animais - em cinco volumes publicados entre 1551-1587),

com mais de 3.500 páginas e que seria finalizada após a sua morte.158 Contudo, ele

não fez uso da anatomia comparada. Sua classificação dos animais foi feita em ordem

alfabética, sendo cada animal descrito em capítulos amplos, subdividido em seções.

Nestas foram feitos os registros do nome do animal em várias línguas, o habitat onde

eram encontrados, comportamentos, formas de criação e procriação, bem como o

possível uso para alimentação ou para a medicina.159 agrupou os animais em:

quadrúpedes (vivíparos e ovíparos) pássaros, peixes, crustáceos, insectos e anfíbios.

Naqueles idos, as pesquisas no âmbito da fauna tinham como referência os

trabalhos de Pierre Belon e Guillaume Rondelet.

O francês Pierre Belon (1517-1564) recebeu formação como farmacêutico e

provavelmente estudou botânica com Valerius Cordus. Por meio de uma rede de

Page 81: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

81

relações obteve licença para praticar Medicina, e ocupou um lugar na corte do rei

Carlos IX (1550-1574). Realizou viagens pela Europa e Oriente Próximo, visitando a

Grécia, a Turquia e o Egito, das quais resultaram anotações sobre o mundo natural e a

elaboração de três obras. No texto “La nature et diversité des poissons” (A história

natural de estranhos peixes marítimos - 1551), estudava cetáceos e peixes, revelando o

trabalho de Belon na identificação das glândulas mamárias dos cetáceos que ele

classificou como mamíferos. Outra obra foi “Sobre a vida aquática” (1553), que

tratava das espécies que habitam rios e mares. Na obra “L’histoire de la nature des

oyseaux avec leurs descriptions et naïfs protraicts retirez du naturel” (A história e

natureza dos pássaros - 1555), Pierre Belon faz descrições detalhadas sobre a

anatomia das aves, fruto de suas dissecações, comparando os resultados com o

esqueleto humano. Seus estudos também se dirigiam à botânica, para redigir um

tratado sobre as coníferas, conhecido como “De arboribus coniferis, resiniferis,

aliisque, nonnullis sempiterna fronde virentibus...”.

Guillaume Rondelet (1507-1566) estudou inicialmente humanidades na

Universidade de Paris, passando em seguida a cursar medicina. Conquistou

reconhecimento como professor de anatomia e Medicina em Montpellier, mas o

trabalho que o tornou conhecido foi o estudo intitulado "De piscibus marinis” (Livro

dos peixes marinhos), escrito em latim e publicado em Lyon, entre os anos de 1554-

1555. Em 1558, a obra foi traduzida com o título “L’Histoire entiere des poissons,

composee premierement en Latin par Maistre Guillaume Rondelet...” (A história

completa dos peixes). O texto apresentava o sistema digestivo, respiratório e

reprodutivo de animais aquáticos. As reflexões avançavam na medida em que fazia

estudos comparativos entre o ouvido do golfinho, do porco e do ser humano. Num

tom claramente enciclopédico Rondelet analisou e dissecou várias espécies,

chamando a atenção para a importância desta prática no processo de construção do

conhecimento.160

No final do século XVI e início do XVII ficava evidente que os antigos

sistemas de classificação não eram suficientes para explicar as novas descobertas. Era

necessária a criação de novas bases que pudessem dar inteligibilidade ao

conhecimento mais técnico de cada espécie. Em diferentes partes da Europa surgiam

Page 82: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

82

estudos que reuniam informações e resultados de pesquisas que apontavam para uma

nova etapa do pensamento racional.

Andrea Cesalpino (1519-1563) estudou na Universidade de Pisa, onde

adquiriu conhecimentos sobre filosofia, medicina e botânica. Conhecedor dos textos

de Aristóteles, fez uma das primeiras tentativas para classificar flores e frutos, com

base em princípios aristotélicos (matéria e forma). Em “De plantis libri XVI” (1583)

descreve aproximadamente 1.500 plantas apresentado-as como seres vegetativos que,

conforme o pensador grego, eram organismos simples. Rigoroso em suas

observações, não aceita critérios como gosto, utilização farmacêutica para a

classificação das plantas. Para ele, o sistema de compreensão da natureza deveria

levar em conta a morfologia e a fisiologia dos vegetais.

O bolonhês Ulisse Aldrovandi (1522-1605) estudou matemática e latim. De

espírito irrequieto seguiu para Roma, onde manteve contato com Guillaume Rondelet

aproximando-se da História Natural, e estudou sobre vegetais analisando os órgãos

reprodutores. Em 1561, passou a lecionar na Universidade de Bologna temas ligados à

História Natural, e formou o primeiro jardim botânico italiano, um herbário com

aproximadamente 7.000 espécies. Empreendeu estudos de embriologia e dedicou

parte da sua vida à pesquisa de pássaros e insetos; classificou mais de 1.500

variedades de cada um. Como homem do seu tempo, demonstrou interesse em relação

aos quadrúpedes, árvores e minerais e fez também ponderações fantásticas. Em sua

obra “Histoire naturelle” dedicou atenção aos pássaros, registrou espécies da África,

Ásia e América, cometendo algumas impressões. Tal situação não impediu que

fossem desprezadas suas descrições sobre hábitos alimentares, técnicas de captura e

utilidade dos mesmos para a medicina. Seu trabalho referia aspectos que os

pesquisadores que o antecederam não mencionavam.

Os estudos mineralógicos no século XVI revelam o interesse dos

pesquisadores sobre a metalurgia e a mineralogia. As obras “Descrição dos métodos

de mineração e processamento de minério de chumbo” (1574), de Lazarus Ercker

(1528-1594) e “De re Metallica” (Metalurgia - 1555), de Georgius Agrícola (1494 -

1555) constituem dois estudos que primam pela descrição dos métodos mais

adequados para analisar os metais preciosos, afastando-se das práticas dos

alquimistas.161

Page 83: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

83

Georg Bauer nasceu em Glauchau, estudou medicina na Universidade de

Leipzig, organizou a publicação dos trabalhos de Hipócrates e Galeno. Observador da

natureza fez estudos de sementes e de seus usos para fins médicos. Seu trabalho

consistiu no exame de fósseis, estudos de geologia, sempre destacando que as suas

observações eram fruto de uma experiência pessoal.162 A ideia de que o conhecimento

não vinha apenas dos livros, como defendiam os escolásticos, ganhou adeptos que

admitiam que o homem só adquiria conhecimento pela observação do objeto. Paolo

Rossi sentenciou: “Captar o que é essencial e menosprezar o supérfluo. Mas onde

procurar o que é essencial? e como detectar o supérfluo? Os ensaístas da Antigüidade

e da Renascença, nas suas obras, davam amplo espaço às interpretações alegóricas,

aos mitos, às lendas relativas a um determinado animal e a certa planta, ou à sua

comestibilidade, aos possíveis usos, e às representações poéticas e literárias.”163

No final do século XVI era evidente que as viagens de descobertas haviam

promovido a circulação cultural e bens materiais que levaram os indivíduos a

indagarem sobre a ordem do saber vigente.164 A Europa conhecia-se e avaliava-se em

função da emergência das novas culturas, que paulatinamente iam sendo identificadas,

impulsionadas e expandidas pelo surgimento e desenvolvimento da imprensa. Como

observou Luís Filipe Barreto, “os descobrimentos foram uma imensa explosão dos

limites da terra e do mar, uma nova e maior extensão dos horizontes e modalidades de

comunicação intercivilizacional”.165 O reconhecimento de novas culturas deu ensejo à

ampliação dos horizontes econômicos e a um desenvolvimento mercantil mais

acentuado, promoveu alterações nos padrões comportamentais como um todo.

Essa alteração ou reordenação da estrutura mental europeia de incorporação do

novo/desconhecido processou-se de maneira morosa no seio do corpo social. O novo

adquiriu forma por meio dos conhecimentos informativos dos viajantes e também por

meio dos estudos de diversos homens que desejaram rever os parâmetros

estabelecidos. Como observa Paolo Rossi:

“O mundo terrestre é o mundo da alteração e da mutação, do nascimento e da

morte, da geração e da corrupção. O Céu, ao contrário, é inalterável e perene, os seus

movimentos são regulares, nele nada nasce e nada se corrompe, mas tudo é imutável e

eterno. As estrelas, os planetas (o Sol é um deles) que se movem ao redor da Terra

não são formados pelos mesmos elementos que compõem os corpos do mundo

Page 84: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

84

sublunar, mas por um quinto elemento divino: o éter ou quinta essência, que é sólido,

cristalino, imponderável, transparente e não sujeito a alterações. As esferas celestes

são feitas da mesma matéria. Sobre o equador destas esferas em rotação (como "nós

em uma tábua de madeira") são fixados o Sol, a Lua e os outros planetas”.166

As transformações materiais e as conquistas dos homens resultaram novas

observações e indagações sobre as formas de ser, sentir, estar e ver a natureza. Gianni

Micheli ao analisar o naturalismo renascentista, observou:

“O nascimento da ciência moderna, que trouxe consigo uma renovação radical

dos princípios básicos e dos métodos de investigação da ciência tradicional,

pressupunha a ruptura global do quadro geral de referências da investigação

científica; a consequente aspiração a uma nova ordem alternativa do conhecimento da

natureza parte, portanto, de um terreno em que se reproduz a antinomia entre

investigação racional abstracta e investigação empírica das origens”.167

A preocupação com o método advém do fato de o homem não aceitar a

autoridade do conhecimento do período anterior. Era preciso reexaminar o mundo e

criar fundamentos para as ideias, independente da tradição. O método implicava a

regra e na ordenação. O pensamento humano deveria valer-se da razão para

estabelecer o ordenamento, discutir a ocupação sequencial de cada elemento,

identificar vínculos e estabelecer comparações. Esta renovação radical dos princípios

básicos e dos métodos de investigação foi designada por estudiosos como revolução

científica ou, como afirmou Thomas Kuhn, como um momento de quebra de

paradigmas. O que podemos observar é que uma nova ordem para o conhecimento da

natureza se desenvolvia levando à investigação racional e empírica. A odisséia

humana na busca dos enigmas da natureza caminhava para uma nova fase.

Page 85: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

85

2.2 A ideia de natureza no século XVII e

o despertar da razão

No século XVII o movimento racional procurou harmonizar homem, Deus e

natureza. A busca por fundamentos para fazer esta equalização levou o homem a

pesquisar e a buscar fundamento para suas explicações. O homem tinha consciência

de não ter condições de se apoderar da natureza, mas empreendeu todos os esforços

para conseguir entendê-la. Para tanto, eram necessários novos métodos.

A preocupação com o método advinha não aceitação da autoridade do

conhecimento no período anterior. Era preciso reexaminar o mundo e criar

fundamentos para as ideias, independente da tradição. O método implicava regra e

ordenação. O pensamento humano deveria se valer da razão para estabelecer o

ordenamento, discutindo porque cada elemento ocupava aquela sequência,

identificando vínculos e estabelecendo comparações. Conforme Rosário Villari:

“A convivência entre tradicionalismo e busca da novidade, de

conservadorismo e rebelião, de amor à verdade e culto da dissimulação, de prudência

e loucura, de sensualidade e misticismo, de superstição e racionalidade, de austeridade

e <consumismo>, de afirmação do direito natural e de exaltação do poder absoluto, é

um fenômeno de que se podem encontrar inúmeros exemplos na cultura e na realidade

do mundo barroco”.168

No decorrer do século XVII, aconselhava-se aos que viajavam pelos mares

que tivessem conhecimento sobre geografia e história natural. Era prudente, antes de

partir, que se estudasse o local de destino, procurando por registros prévios. Quando

necessário, deveriam fazer anotações de assuntos e referências que pudessem auxiliar

na viagem e que portasse também uma carta geográfica. Estes cuidados não excluíam

a necessidade de conhecer os equipamentos técnicos como o astrolábio para medir as

altura e a bússola para identificar a posição em que se encontrava. Como leitura geral,

Page 86: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

86

sobre geografia, as obras de Estrabão, Varenius, Plínio e Pomponius Mela eram

citadas, como também alguns escritos mais recentes.

No início do século XVII havia a convicção de que o homem deveria

contemplar e apreender a realidade a partir de novas bases de percepção. As

explicações dos antigos já haviam sido questionadas e parcialmente invalidadas pelo

conhecimento produzido no século anterior. Era ponto comum que a sociedade sofrera

alterações políticas, econômicas, religiosas irreversíveis. Restava caminhar para

outras conquistas.

No âmbito do conhecimento, muitos autores tinham evidenciando a

necessidade de novos sistemas de classificação. Apesar de algumas tentativas, os

pesquisadores não conseguiram estabelecer critérios para uma sistematização da

diversidade de espécies que a cada momento o mundo natural apresentava. O que

prevalecia era um ecletismo teórico que impedia uma visão mais centrada em critérios

e formas lógicas de classificar. Se o homem fizera descobertas e tinha novas certezas,

suas dúvidas ainda eram muitas.

A nova ciência da natureza, que estava em processo, partiria da metafísica

nominalista, constituindo uma ciência natural que diferia da visão aristotélica e

medieval. A ideia que permeava o pensamento era o de ver a natureza compreendendo

os fenômenos e os diferentes experimentos que se poderia fazer. A natureza era

interrogada a partir de uma série ordenada de perguntas, existindo também um

conjunto de hipóteses, que permitiriam a compreensão da natureza por meio de uma

construção mental. O homem indagava a natureza, que respondia. Mas isto não

bastava. Em seguida, o ser humano deveria ser capaz de confirmar ou refutar a

hipótese. Para o pensamento científico que lançava a sua base, os detalhes e as

alterações eram importantes. Características como forma, cor, odor, posição, tamanho

deveriam ser quantificadas e qualificadas.

A natureza deveria ser explicada a partir dos elementos que a constituíam e

não por meio de uma intervenção divina. O desejo de explicar o mundo natural, por

meio de causas puramente físicas, passava a ser um objetivo a ser perseguido.

Contudo, a natureza só daria as respostas se o homem indagasse. O olhar que coletava

e catalogava informações já não era suficiente. Era preciso dialogar com o mundo

natural, buscando respostas para as perguntas.

Page 87: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

87

Francis Bacon (1561-1626) nasceu em Londres e foi um dos pensadores que

se aventurou na busca de uma nova interlocução com a natureza. Foi político e jurista,

participou como membro do Conselho particular de Jaime I (1566-1625) e chanceler

do reino. Posteriormente, foi acusado de concussão e condenado pelo Parlamento a

uma multa de valor elevado, que foi perdoada pelo rei. Este episódio põe fim à sua

vida política e passa a dedicar-se inteiramente aos estudos.

Sua obra “Instauratio magna scientiarum”, deveria conter seis grandes partes.

Todavia, finalizou apenas duas, e apenas alguns fragmentos das demais partes. A

primeira parte foi nomeada como “De dignitate et argumentis scientiarum” e a

segunda como “Novum organum scientiarum”.169 Para Francis Bacon:

“Ainda não foi criada uma filosofia natural pura. As existentes acham-se

infectadas e corrompidas: na escola de Aristóteles, pela lógica; na escola de Platão,

pela teologia natural; na segunda escola de Platão, a de Proclo e outros, pela

matemática, a quem cabe rematar a filosofia e não engendrar ou produzir a filosofia

natural. Mas é de se esperar algo de melhor da filosofia natural pura e sem

mesclas”.170

Na “Instauratio magna scientiarum”, Francis Bacon iniciou a classificação

geral das disciplinas humanas, considerando: a memória, a fantasia, a razão, tendo em

conta o objeto e o sujeito do conhecimento. Contemplava, então, três disciplinas

diferentes: a “História” tanto civil quanto natural, que registrava a memória, incluindo

dados e fatos; a “Poesia”, que ele considerava a elaboração imaginativa dos dados e a

Ciência ou Filosofia, que era o conhecimento racional de Deus, do homem e da

natureza. Para Francis Bacon, a “ciência do homem” dividia-se em ciência do homem

individual (philosophia humanitatis), ligada ao espírito e à matéria, e em ciência da

sociedade humana (philosophia civilis), que trata da arte de governar e das relações

sociais e dos negócios.

No “Novum Organum”, Francis Bacon almejava compreender as regras da

ciência da natureza. Ele entendia que as naturezas eram precisamente os fenômenos

experimentais, objeto da física especial (luz, calor, peso, etc.); as formas eram as leis

genéticas e organizadoras das naturezas, as essências ou causas formais, objeto da

metafísica. O estudo destacava a importância do interesse especulativo e da técnica. O

ser humano precisava entender o que fazia.

Page 88: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

88

O trabalho de Francis Bacon foi representativo, na medida em que defendeu

que o homem deveria abandonar o conhecimento dos pensadores antigos, para

construir um novo saber sobre a natureza. Segundo ele, a reverência à Antiguidade: “o

respeito à autoridade de homens tidos como grandes mestres de filosofia e o geral

conformismo para o atual estádio do saber e das coisas descobertas também muito

retardam os homens na senda do progresso das ciências, mantendo-os como que

encantados”.171

Para ele o maior obstáculo ao progresso da ciência consistia no fato de o

homem ser pouco propenso a novas tarefas e a novos saberes, entendendo que era

impossível fazê-lo. Os homens mostravam-se desconfiados e prudentes frente à

obscuridade da natureza, à brevidade da vida e aos enganos que os sentidos poderiam

causar. Tudo isto influenciava na falta de condições ideais para a elaboração de um

juízo. Outro problema era a dificuldade de se realizar experimentos e certo “fluxo e

refluxo” das ciências.172

A ciência deveria comportar a investigação, tendo a experiência como

elemento da construção do saber. A observação pura e simples não constituía uma

experiência capaz de gerar conhecimento. Nas palavras de Bacon: “Ciência e poder

do homem coincidem, uma vez que, sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a

natureza não se vence, senão quando se lhe obedece. E o que à contemplação

apresenta-se como causa é regra na prática”.173 Este pensador acreditava que o

homem, afastado de preconceitos, poderia realizar a observação neutra, capaz de

propiciar a explicação dos fenômenos.

Para tanto, era necessário um método sistemático que fosse capaz de guiar a

investigação. Cabia ao filósofo natural formular uma indagação da natureza e seguir

um método para obter respostas. Dependia da sua capacidade de compreender o que a

natureza lhe revelava. Como afirma Francis Bacon: “O homem, ministro e intérprete

da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo

trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais”.174 Para ele,

a natureza superava muito em complexidade, os sentidos e o intelecto. Todas aquelas

belas meditações e especulações humanas, “todas as controvérsias são coisas malsãs.

E ninguém disso se apercebe”.175 Segundo o pensador:

Page 89: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

89

“Já é tempo de expor a arte de interpretar a natureza. A propósito devemos

deixar claro que, embora acreditemos aí se encontrarem preceitos muito úteis e

verdadeiros, não lhe atribuímos absoluta necessidade ou perfeição. De fato, somos da

opinião de que se os homens tivessem à mão uma adequada história da natureza e da

experiência, e a ela se dedicassem cuidadosamente, e se, além disso, se impusessem

duas precauções: uma, a de renunciar às opiniões e noções recebidas; outra, a de

coibir, até o momento exato, o ímpeto próprio da mente para os princípios mais gerais

e para aqueles que se acham próximos; se assim procedessem, acabariam, pela própria

e genuína força de suas mentes, sem nenhum artifício, por chegar à nossa forma de

interpretação. A interpretação é, com efeito, a obra verdadeira e natural da mente,

depois de liberta de todos os obstáculos. Mas com os nossos preceitos tudo será mais

rápido e seguro.

Não pretendemos que nada lhe possa ser acrescentado. Ao contrário, nós, que

consideramos a mente não meramente pelas faculdades que lhe são próprias, mas na

sua conexão com as coisas, devemos presumir que a arte da invenção robustecer-se-á

com as próprias descobertas.”176

Neste processo, era importante registrar todo procedimento. As etapas

deveriam ser descritas de forma criteriosa, bem como o resultado obtido. Tudo

deveria ser fixado para que outros pudessem verificar e seguir a experiência. Além

disso, as informações deveriam ser precisas e objetivas, tendo em vista que os

interlocutores pudessem entender e reproduzir a experiência, pois para Francis Bacon,

a ciência pressupunha que o pesquisador interagisse com os seus pares.

A ideia de que a ciência era um conhecimento dinâmico e que dependia de

vários pesquisadores, cada um acrescentando um elemento à pirâmide do saber,

estava posto a partir deste momento. A ciência fazia parte de um movimento

construtivo e o método experimental era o caminho para ampliar o conhecimento do

mundo natural. Como observa Alberto Oliva:

“A ciência moderna procura promover a aliança da explicação com a

dominação. A efetiva explicação dos fenômenos propicia ao homem, como se

começou a apregoar a partir de Francis Bacon, conquistar poder sobre eles. Torna-se,

por isso, arma fundamental no enfrentamento das forças cegas da natureza, que põem

em risco a sobrevivência. Diferentemente das explicações científicas, as da religião e

Page 90: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

90

da filosofia não possuem a capacidade de transformar o mundo. Quando muito,

conseguem gerar, nas pessoas que adotam suas visões de mundo, atitudes e

comportamentos”. 177

Na obra que deixou inacabada, sua intenção propor uma reforma da filosofia

natural. O trabalho foi dividido em seis grandes partes: a primeira que trataria das

divisões da ciência, a segunda abordaria as direções a respeito da interpretação da

natureza, a terceira discorreria sobre o fenômeno do universo, a quarta discutiria a

escada do intelecto, a quinta analisaria as antecipações da nova filosofia e na última se

examinaria a nova filosofia.178 A nova sociedade que estava em processo estaria

assentada no desenvolvimento do conhecimento científico e cresceria na medida em

que compreendesse melhor o mundo natural.

Entre a constatação da necessidade do método e a constituição de métodos

para o conhecimento da natureza foi preciso acrescentar novas ideias. O

conhecimento verdadeiro para Francis Bacon seria possível se houvesse um adequado

conhecimento dos elementos. Ao considerar as artes mecânicas, Paolo Rossi ressalta

que:

“A avaliação das artes mecânicas feita por Bacon é baseada em três pontos: 1)

elas servem para revelar os processos da natureza e são uma forma de conhecimento;

2) as artes mecânicas se desenvolvem sobre si próprias, quer dizer, ao contrário de

todas as outras formas do conhecimento tradicional, elas constituem um saber

progressivo, e crescem tão rapidamente 'que os desejos dos homens se acabam antes

mesmo que elas tenham alcançado a perfeição'; 3) nas artes mecânicas, ao contrário

do que ocorre nas outras formas de cultura, vigora a colaboração, tornando-se uma

forma de saber coletivo; de fato, nelas convergem as capacidades criativas de muitos,

ao passo que nas artes liberais os intelectos de muitos se submeteram ao intelecto de

uma única pessoa e os adeptos, na maioria das vezes, corromperam tal saber em lugar

de fazê-lo progredir".179

Para Francis Bacon o método indutivo era constituído de uma tábua da

presença (responsável pelo registro das formas que se investigam), uma tábua de

ausência (responsável pelo controle de situações que as formas pesquisadas se

revelam ausentes) e uma tábua da comparação (responsável pelo registro das

variações entre a presença e a ausência). Era por este método que um fenômeno

Page 91: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

91

poderia será analisado, mostrando a importância de uma experiência possível de ser

verificada. Afirmava ainda que: “um único e simples método, para alcançar os nossos

intentos: levar os homens aos próprios fatos particulares e às suas séries e ordens, a

fim de que eles, por si mesmos, se sintam obrigados a renunciar às suas noções e

comecem a habituar-se ao trato direto das coisas”.180

Francis Bacon entendia que cada indivíduo, “além das aberrações próprias da

natureza humana tinha uma cova devido à natureza própria e singular de cada um”.

Para tanto, era importante perceber que cada um poderia ter opinião distinta devido à

educação que recebera ou à leitura de livros ou pelas autoridades que respeitavam. Por

conseguinte, “que o espírito humano – tal como se acha disposto em cada um – é

coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, e até certo ponto sujeita ao acaso. Por

isso, bem proclamou Heráclito que os homens buscam em seus pequenos mundos e

não no grande ou universal”.181

Para Francis Bacon a filosofia natural deveria levar em conta tanto o

conhecimento da causa como os efeitos dela. O desejo de controle estava presente e

não é exagero afirmar que o saber poderia levar a dominar a natureza. Bacon, numa

visão bem pragmática, entendia que a observação da natureza e o conhecimento

gerado deveriam ser úteis aos homens e à sociedade. Como observa Lucaina Zaterka,

isto significava, no âmbito epistemológico “implodir dicotomias rígidas tais como

teoria/prática e contemplação/atividade”.182

As ideias de Francis Bacon ganham maior ressonância quando constatamos

que outros pensadores romperam com estruturas confinadas, reelaborando o saber.

Galileu Galilei, defensor das ideias de Copérnico, avançara nas pesquisas e descobrira

os satélites de Júpiter e novas alternativas para a determinação da longitude da terra.

O homem alçava vôos mais longos. Em 1609, ele construiu uma luneta que permitiu a

observação mais precisa do céu e dos planetas. O estudioso identificou a existência de

manchas solares e de crateras na Lua e a existência de astros na órbita de Júpiter e

anéis no entorno de Saturno. Para tanto, realizou uma série de cálculos geométricos

para conhecer as dimensões das sombras que se projetavam sobre a superfície da Lua.

Dando continuidade às suas investigações, Galileu conseguiu demonstrar que corpos

com massas idênticas lançados da mesma altura, quando livres da resistência do ar,

caiam ao mesmo tempo.183 Ficava claro, para ele, que o método fazia parte do

Page 92: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

92

processo que leva à verificação de hipótese e dele dependia o resultado, com afirmou

Alberto Oliva:

“Da sacralização da natureza se passa à atitude que visa a ter sobre ela

controle instrumental proporcionado pelo saber com vocação praxiológica. A partir do

Novum organum de Francis Bacon, conhecimento autêntico é o que, fundando-se na

observação, vai propiciar poder sobre os fenômenos estudados. As ciências naturais se

tornam "saberes de domínio”.184

Outro passo importante no caminho da construção de um pensamento foi dado

por René Descartes (1596-1650) que estudou no colégio jesuítico de La Fleche, e

cursou Direito na Universidade de Poitiers. Em 1618, ele alistou-se no exército do

Príncipe d’ Orange, Maurício de Nassau (1567-1625), com o objetivo de ser militar,

intento que não levou avante. Suas andanças o aproximou do universo intelectual do

período; conheceu as obras de Galileu, e manifestou objeções a trabalhos de outros

pensadores.185

Em 1637, Descartes publicou três pequenos resumos do seu pensamento

científico: “Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria”, acompanhados por um prefácio,

que ficou conhecido como o “Discurso sobre o Método”. Em 1641, aparecem as

“Meditações Metafísicas” e três anos depois ele publica “Os Princípios de Filosofia”,

dedicado à princesa palatina Elisabeth (1596-1662).

Descartes defendia que a ciência tinha que ser útil ao homem. Para tanto, era

salutar que o conhecimento fosse fundamentado a partir do pensamento racional de

forma que as teorias comportassem o raciocínio lógico. Para Descartes, o pensamento

matemático era o responsável por apresentar ideias claras, pois os conceitos eram

idênticos para todos, independente das situações. Nesse sentido, a ideia de

objetividade estava diretamente ligada à possibilidade de descrever um fenômeno por

meio de conceitos expressos por números e medidas.

Na obra “Discurso sobre o Método” confessava a sua insatisfação em relação

ao ensino que recebera, pois entendia que a filosofia escolástica não conduzia a

nenhuma verdade indiscutível. Para ele, a matemática era o meio pelo qual o

raciocínio poderia ter certeza. Nesta lógica, Descartes tinha como objetivo defender

um método universal, baseado na matemática e norteado pela razão. A primeira regra

era a “evidência”, ou seja, nada poderia ser reconhecido como verdadeiro se não

Page 93: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

93

houvesse evidências para tal. O homem deveria evitar conclusões precipitadas,

enquanto não tivesse claro o que estava observando. Neste sentido, a ideia de

“evidência” era aquilo que o homem não poderia duvidar. O cuidado para examinar

um objeto conduzia a outra regra: a “análise”. Esta deveria dividir as dificuldades em

diferentes e inúmeras partes, para que fossem devidamente examinadas. Este era um

processo demorado e amplo, por decorrência era necessária uma terceira regra: a

“síntese”. O ser humano deveria saber guiar seus pensamentos, a partir dos objetos

mais simples e mais fáceis de conhecer e aos poucos ascender a conhecimentos mais

complexos, tomando o cuidado de não ter omitido nada de importante.

Para Descartes o conhecimento estava fundamentado na valorização da

dúvida. A reflexão era o elemento fundador do saber, por contribur para a construção

progressiva do conhecimento.186 O raciocínio deveria conduzir à evidência intelectual,

sendo o ser humano capaz de construir juízos.187 O método racionalista, proposto por

Descartes, não partia dos sentidos, pois estes poderiam enganar, mas sim do ato da

razão que era capaz de ter intuições. O processo de dedução, que acompanhava o

pensamento, era um processo de intuição continuada. Era possível duvidar sempre de

cada ideia. Nada era verdadeiro para Descartes. Sua proposta era instituir a dúvida

como elemento básico do pensamento humano. Desta forma, o pensador dava

contorno mais acabado àquilo que os homens do seu tempo tinham certeza. Tudo era

uma dúvida e o mundo natural não fugia desta situação.

Os filósofos naturais apontavam questões metodológicas relativas à construção

do conhecimento científico. Para eles nada poderia ser explicado com base em causas

ocultas. As explicações deveriam advir da experiência e dos debates, pelo uso da

razão.

Isaac Newton (1642-1727) defendeu que não era possível construir teorias sem

que as hipóteses fossem devidamente comprovadas. O estudioso, ao estabelecer a lei

da gravitação universal, que considerava a força de atração que um planeta exercia

sobre o outro, contribuiu para uma precisão mais definida dos corpos celestes. Tal

fato possibilitou que tábuas de dados astronômicos fossem atualizadas, bem como os

registros da natureza. Na sua obra “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica”

(Princípios matemáticos da filosofia natural - Principia), de 1687, formulou quatro

leis que explicavam o movimento dos corpos celestes e terrestres. Para Newton, a

Page 94: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

94

atração não era uma força física, mas sim matemática. Seus estudos conduziam à

ideia de que a certeza não estava na hipótese e sim nas explicações de base

matemática. Estas considerações passariam a constituir um marco para o

desenvolvimento das ciências, na medida em que representava o movimento de

somatória de ideias e observações feitas por Copérnico, Kepler e Galileu. Newton

tinha como objetivo estabelecer um novo entendimento do universo, unindo a razão à

observação empírica sistemática.

Newton explicou que o movimento de queda livre dos corpos era acelerado,

similar ao da Lua. Isto se devia à natureza idêntica das forças de atração, “que va-

riavam com o inverso do quadrado da distância entre os corpos”.188 Todavia, ele não

explicou a causa da gravidade, e os indícios o levavam a afirmar que a gravidade

existia seguindo as leis por ele expostas, e que explicava os movimentos dos corpos

terrestres e celestes. Desta forma, Newton afirma que o "como" é mais importante do

que o "porquê". Quatro regras indicavam o procedimento para produzir conhecimento

sobre a natureza:

“- O Universo é simples e explicações complexas não devem ser adotadas.

- Para efeitos similares devemos considerar causas idênticas.

- Proposições comuns aos corpos conhecidos devem ser aplicadas a todos os

corpos.

- As considerações e hipóteses baseadas em experimentações devem

prevalecer sobre as que nelas não se basearem”.189

Os filósofos naturais indicavam questões metodológicas relativas à construção

do conhecimento científico. Para eles, nada poderia ser explicado baseado em causas

ocultas. As explicações deveriam advir da experiência e dos debates. Como defendia

Isaac Newton, não era possível construir teorias sem que as hipóteses não fossem

devidamente comprovadas. Paolo Rossi afirma com propriedade que “As leis de

Kepler se tornaram leis "científicas" somente depois que Newton se serviu delas,

sendo as mesmas leis aceitas pela maioria dos astrônomos somente no decorrer da

década de sessenta do século XVII”. 190

A ciência moderna estava sendo gerada, pois uma nova forma de produção de

conhecimentos procurava atingir uma verdade possível de ser explicada a partir da

natureza. Longe de ser um processo simples, a ciência advinha da transformação da

Page 95: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

95

sociedade, do olhar e do pensar o mundo natural, entendendo que este processo era

uma construção coletiva, que poderia seguir duas grandes correntes metodológicas, a

matematicidade e a experiência. A natureza encantada do período medieval cedera

espaço à visão voltada para as características materiais e de compreensão dos

fenômenos. A visão mística e emblemática perde espaço, abrindo caminho para a

ciência moderna. Como bem observa Paolo Rossi:

“A ciência moderna não nasceu no campo da generalização de observações

empíricas, mas no terreno de uma análise capaz de abstrações, isto é, capaz de deixar

o nível do sentido comum, das qualidades sensíveis e da experiência imediata. O

instrumento principal que tornou possível a revolução conceitual da física, como é

notório, foi a matematização da física. E para os seus desenvolvimentos deram

contribuições decisivas Galilei, Pascal, Huygens, Newton e Leibniz.”191

John Locke (1632-1704) nasceu em Wrington. Sua formação foi influenciada

pelo nominalismo escolástico, empirismo inglês, racionalismo cartesiano e pela

Filosofia de Malebranche. Foi um dos percussores da defesa dos direitos naturais do

homem e da noção de consentimento dos governados. Entendia que os homens eram

iguais e que poderiam agir livremente desde que não prejudicassem os seus

semelhantes. Acreditava que a tolerância era importante para o convívio social e que

as leis deveriam assegurar a justiça entre os homens. Na sua obra “Two Treatise of

Government” (Sobre o governo civil -1689), analisou a condição do governo e a

justificação do mesmo quanto aos seus ideais e operações, entendendo que o governo

deveria agir em função do bem comum. Suas ideias influenciaram o Iluminismo,192

destacando-se as obras: o “An Essay Concerning Human Understanding” (Ensaio

sobre o Intelecto Humano - 1690); “Some thoughts concerning education”

(Pensamentos sobre a Educação - 1693). Contudo, a questão que intrigava Locke era

o fim da filosofia natural.

Francis Bacon e John Locke entendiam que o fim da filosofia natural era

prático. Locke ponderava que o conhecimento da natureza tinha como objetivo

dominá-la, a fim atender as necessidades humanas. Para Locke, o ser humano passava

por experiências externas e internas. As experiências externas ocorriam por meio da

“sensação” dos objetos nas características externas, como: cores, sons, odores,

sabores, extensão, forma, movimento etc. A experiência interna ocorria por meio da

Page 96: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

96

“reflexão”, que opera a partir dos objetos da sensação, como: conhecer, crer, lembrar,

duvidar, querer etc.

Locke entendia que as ideias ou representações dividiam-se em ideias

“simples”, e o espírito era passivo, e ideias “complexas”, que surgiam a partir de

diferentes combinações das primeiras, e o espírito era ativo. Das ideias complexas,

Locke considerava como importante a “substância” proveniente do acumulo de ideias

simples referentes ao substrato que dava identidade. Também considerando o espírito

ativo do homem eram importantes as "ideias de relação" e as análises que ele designa

de "ideias gerais". As “ideias de relação” estavam ligadas às questões temporais e

espaciais, que por meio da análise poderiam conduzir a uma idéia abstrata. O

pensamento científico deveria estabelecer uma série de relações logicamente

organizadas, tendo correspondência com a realidade e que fossem fidedignas. Desta

forma, seria possível fazer explicações corretas e confiáveis, concluía o pensador.

Locke dava especial importância à experiência, por entender que a observação

e a análise faziam parte do processo de conhecimento. Para ele, o homem deveria

examinar por meio das ideias e redescobrir a experiência concreta original. Como

podemos observar, a ciência moderna, ao mesmo tempo em que coincide com um

novo conceito de realidade mais mediato e complexo, exige que um processo de

raciocínio abstrato conceitual se efetive pela observação, sistematização, reflexão,

relação que conduza a uma possível ideal geral.193 Como bem observou Julían Maria:

“É o homem que, com um imperativo essencial de racionalidade, vai constituindo sua

ciência. O homem do século XVII tem uma consciência efetiva e precisa de

modernidade. O renascentista era o homem que tinha sintomas, indícios de

modernidade, que ia encontrando coisas velhas, que de tão velhas já pareciam

novas”.194

Se a racionalidade era um imperativo, ela deveria abranger todas as áreas do

saber. Além disso, o pensamento racional entendia que era importante compartilhar

experiências e discutir o que os pares pesquisavam. O pesquisador se abria para o

mundo e dialogava com aqueles que direta ou indiretamente poderiam contribuir para

a sua reflexão. Pela correspondência trocada, entre diferentes pensadores, pode-se

notar a intensa circulação de conhecimento científico que alimentava o debate e o

movimento de descobertas. Um pensador estava atento ao que seu par realizava, por

Page 97: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

97

vezes fazendo objeções e correções, enfim debatendo o problema. No âmbito da

botânica e da zoologia estudos continuavam sendo feitos a fim de reconhecer as

espécies e decifrar o grande quebra-cabeça da natureza.

Na medida em que o homem questionava a criação divina das coisas do

mundo, avançara na abordagem sobre o surgimento da vida por geração espontânea.

O tema, cerceado pelos pensadores da Igreja durante a Idade Média foi cogitado neste

período.

O debate sobre a geração dos seres causou polêmicas que podem ser

observadas a partir de dois modelos diferentes.

O primeiro modelo era o do pré-formismo, que entendia que os seres foram

formados no início do mundo. Deus, o criador, teria concebido os primeiros seres

vivos, dando condições para que estes se desenvolvessem e legassem às gerações

seguintes a sua herança. Esta concepção preponderara até o século XVI, quando

passou a ser alvo de constantes ataques. O outro modelo era o da epigênesis, que

entendia que os seres vivos haviam surgido da própria matéria inerte, que por meio de

um princípio vital organizou e deu origem ao ser vivo. Esta concepção foi questionada

no decorrer do século XVII, a partir do trabalho de Francesco Redi (1626-98) em que

defendeu a tese de que era impossível o surgimento de seres vivos a partir de corpos

em estado de decomposição. Seu trabalho consiste em afirmar que deveria existir uma

vida pré-formada, ou seja, que todos os seres vivos, procediam de outros seres

vivos.195

Nicolas Andry de Boisregard (1658-1725) ao observar espermatozóides,

chegou a cogitar uma tese mecânica para a fecundação. Para ele, os óvulos possuíram

alguma abertura, por onde o espermatozóide poderia passar. Feita esta operação, a

abertura se fechava e não permita a passagem de mais nada. Enquanto estudioso de

medicina, foi o responsável pela análise de parasitas intestinais. Esse trabalho foi

muito difundido por meio de publicações.

Charles de L’Écluse (1526-1609), professor da Universidade de Leyden, foi

responsável pela organização do primeiro jardim botânico da Europa. Enquanto

funcionário de Maximiliano II (1527-1576) teve oportunidade de viajar para observar

e reunir espécies vegetais. Após a morte do seu protetor, ele continuou suas

investigações sobre a flora espanhola. Em 1587, fundou o jardim botânico de Leyde,

Page 98: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

98

tendo como preocupação o cultivo de plantas raras vindas de diversas partes da

Europa como Portugal e Espanha.196 Em 1601, publicou a obra “Rariorum plantarum

historia: Fungorum in Pannoniis observatorum brevia historia” (Relato de plantas

raras), que discorria sobre aproximadamente seiscentas espécies, sendo ilustrada por

mais de mil gravuras. O estudioso agrupou as espécies por afinidades, estabelecendo

uma análise científica.

O inglês Thomas Moufet (1552-1604) estudou no Trinity College de

Cambridge, cursando posteriormente medicina em Bale, na Suíça. Foi um dos

estudiosos que se dedicou ao estudo dos isentos e escreveu a obra “Theatrum

insectorum” (Teatro de insetos), publicado em 1638, trinta anos depois de sua morte.

Seu trabalho reúne espécies de diferentes partes da Europa. Elaborou a classificação

dos insetos em sem perigo, que compreendia as espécies domésticas e as que viviam

ao ar livre; esta última espécie compreendia aqueles que teciam e os caçadores. Havia

ainda os venenosos de tamanho grande e pequeno.197

No decorrer dos séculos XVII e XVIII, as obras de botânica e de zoologia vão

excluindo as construções fantasiosas. No tratado “De quadrupedis” (1652) o

naturalista inglês Jan Jonston (1603-75) ainda inclui elementos de uma literatura

fantástica, resquícios que iam se esvaecendo, enquanto outros estudos emergiam para

compreender a natureza por meio de um método investigativo. O conjunto de seus

escritos não pode ser desconsiderado, na medida em que procurou escrever uma

enciclopédia de História Natural, compilando material desde a Antiguidade.

Em 1640, John Parkinson escreveu o tratado “Theatrum botanicum” (1640) no

qual dividia as plantas em dezessete classes, dentre elas as plantas cheirosas, as

venenosas, narcóticas e nocivas, as refrescantes, as quentes, as umbrelíferas, os

cereais, as pantanosas, aquáticas e marinas, as arbórias e frutíferas, as exóticas e

extravagantes. Apesar de os critérios serem fluidos, era uma tentativa de estabelecer

novas categorias.

O inglês Robert Hooke (1635-1703) afirma que a História Natural deveria

limitar-se à descrição e classificação dos objetos naturais, por entender que seria

difícil estudar as alterações e as modificações da natureza no decorrer dos séculos.198

Ao construir o microscópio, Hooke ampliou a visão do homem em até trinta vezes, e

possibilitou-lhe olhar mais detalhadamente o que até então era invisível. Seu uso

Page 99: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

99

tornou-se comum nos estudos da natureza.199 Na obra “Micrografia”, de 1664,

descreve as observações que fizera numa fina camada de cortiça, defendo a existência

de pequenos poros na superfície. Esses poros foram chamados de células,200

defendendo a ideia de que a compressibilidade da cortiça devia-se a esses poros. Este

trabalho foi considerado o primeiro estudo sobre microscopia. Para a realização deste

trabalho Hooke realizou analisou pequenos corpos e isentos nas lentes, e preservou os

resultados em gravuras.. O olhar microscópico, a partir do aprimoramento das lentes,

garantiu o crescente estudo das células até chegar à identificação do olho múltiplo da

mosca e o ferrão da abelha.201 Em 1665, Robert Hooke ao estudar os fósseis afirmou

que corpos petrificados poderiam resultar de processos naturais.202

No século XVII destacam-se os significativos estudos de médicos e biológicos

como Jan Swammerdam (1637-1680), Marcello Malpighi (1628-1694), Nehemiah

Grew (1641-1712) e Anton van Leeuwenhoek (1632-1723), dentre outros, o foco

deste estudo não nos permite entrar em detalhamento maior.

Jan Swammerdam classificou insetos, tendo como referência o trabalho de

René Descartes. Adotou como critério a separação daqueles que se desenvolviam

diretamente (sem transformação), os que adquiriam asas, gradualmente, os que

adquiriam asas no decorrer da fase larvar e os que passavam pelo estágio de ninfa.

Suas pesquisas contemplaram a analise dos métodos de reprodução.203 Seus estudos

avançaram no sentido de descobrir os glóbulos vermelhos, fazer descrições do cérebro

e da medula espinhal.

O médico bolonhês Marcello Malpighi estudou embriologia na Universidade

de Bolonha. Malpighi observou tecidos de organismos e identificou vasos capilares,

onde o sangue corria apenas das artérias para as veias. Realizou estudos

microscópicos de pulmão e publicou em 1661 a obra “De pulmonibus observationes

anatomicae” (Observações anatômicas do pulmão). Seu método experimental chama a

atenção para a necessidade de confirmação das descobertas.

Nehemiah Grew nasceu na Inglaterra estou no College de Cambridge e fez

seus estudos de medicina na Universidade de Leyde. As suas pesquisas se dirigiram

para o estudo da anatomia dos vegetais, vindo a apresentar a Royal Society o trabalho

“The Anatomy of vegetables begun” (1670). Seu trabalho continua e três anos mais

tarde apresenta a obra “Idea of a Phytological History”, seguido de estudos de

Page 100: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

100

conservação de plantas raras e em 1682 publica a “Anatomy of Plants", que reunia

escritos antigos e analisava as espécies, debatendo o que outros pesquisadores haviam

desenvolvido.

Anton van Leeuwenhoek dedicou-se desde cedo ao estudo do microscópio.

Desenvolveu técnicas de polimento das lentes que aumentavam a capacidade dos

instrumentos e fabricou centenas de microscópios. Estes novos recursos permitiram

sua evolução nos estudos dos insetos, observando o ciclo da vida da pulga e a

constituição da cochonilha (composta de corpos de insetos).204 Sua pesquisa foi

compartilhada com os membros da Royal Society, sendo marcante a observação de

bactérias, microorganismos, e o combate à tese sobre a geração espontânea. Chegou à

conclusão de que o sêmen contido nos testículos determinava a reprodução dos

mamíferos, corroborando as pesquisas de William Harvey.205

O naturalista inglês John Ray (1627-1705), considerando o pai da botânica

inglesa, estudou no Colégio de Santa Catarina em Cambridge, transferindo-se depois

para o Trinity College, e adquiriu sólidos conhecimentos para o domínio da língua

latina. Atuou na Universidade de Cambridge e devido a divergências com a Igreja

Anglicana teve que se afastar da instituição. Dedicou-se a viagens de estudos, sempre

defendendo a importância do método nas descrições de diferentes espécies. Visitou a

França, os Países Baixos, a Alemanha, a Áustria, a Suíça e a Itália, sempre dedicado à

observação da flora local. Para ele o estudo da plantas era um lazer, pois sentia prazer

em contemplar e admirar a beleza natural na sua diversidade em cada estação do ano.

Era fascinante perceber as mudanças de formas e cores que a natureza apresentava aos

homens, mas que muitos não estavam preparados para compreender.

Em 1660, John Ray redigiu um “Catalogus stirpium circa Cantabrigian

nascentium” (Catálogo de plantas que crescem na vizinhança de Cambridge), tendo

como referência o trabalho de Gaspard Bauhin (1560-1624)206. Em 1682, John Ray

publicou o estudo “Methodus planta rum nova” (Novo método - para classificação -

das plantas), que constituía sua proposta de classificação das plantas. Quatro anos

depois, saia o primeiro volume da obra “Historia plantarum” (História das plantas -

1686-1704), um catálogo de mais de 18.000 espécies e variedades de plantas, subdivi-

didas em 33 classes com base na distinção entre plantas monocotiledôneas e

dicotiledôneas.207 John Ray entendia que a natureza possuía especificidades e

Page 101: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

101

graduações diferentes que não poderiam ser ordenadas de forma geométrica e

simétrica; sua classificação foi, portanto, construída a partir das características do

fruto, da flor e da folha. Este trabalho seria uma referência para os botânicos no

decorrer do século XVIII.

John Ray realizou também estudos de zoologia, e escreveu sobre o tema duas

obras: “Sinopse sobre animais quadrúpedes e serpentes” (1693), “Relato de insetos”

(1710) e a “Sinopse sobre pássaros e peixes” (1713), cujos conteúdos consistiam na

conclusão de que a natureza poderia interferir no desenvolvimento das espécies.

Contudo, o método de classificação empregado era conservador, as espécies viviam

no ambiente determinado por Deus.208

Ray classificou os animais como os que tinham sangue, (mamíferos, pássaros

e peixes) diferenciados pela estrutura do coração e os que não tinham sangue (como

insetos e crustáceos) sendo separados de acordo com o tamanho. O naturalista John

Ray demonstra um compromisso metodológico com a observação e a experimentação,

defendo que a analise do mundo natural deveria ser impessoal e os julgamentos não

poderiam ser apressados.209

O estudioso entendia que a fragmentação de um organismo impedia a

compreensão do todo. O importante era assimilar a estrutura da planta que poderia

conduzir a uma interpretação da espécie. Ele defendia a importância da transmissão

da ideia precisa para cada elemento, daí a conveniência de ser conciso nas

caracterizações da fauna e da flora. Como bem observa Paolo Rossi:

“Embora quase todos os cientistas do século XVII tivessem estudado em uma

universidade, são poucos os nomes de cientistas cuja carreira se tenha desenvolvido

inteira ou prevalentemente e no âmbito da universidade. Na verdade, as universidades

não estiveram no centro da pesquisa científica. A ciência moderna nasceu fora das

universidades, muitas vezes em polêmicas com elas e, no decorrer do século XVII e

mais ainda nos dois séculos sucessivos, transformou-se em uma atividade social

organizada capaz de criar as suas próprias instituições”.210

As novas ideias exigiam novos espaços para o debate do pensamento

científico. A partir de Galileu o avanço da ciência em face da observação empírica

dos fatos foi ampliado e deu ensejo a um novo conjunto de pesquisas científicas.

Enquanto a ciência se desenvolvia, as universidades européias se revelavam centros

Page 102: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

102

tradicionais de estudos clássicos, valorizando a Medicina e o Direito. A ciência

empírica não estava ligada às universidades, mas ganhou ressonância nos grupos que

se formaram a partir do século XVII, cujo objetivo era compartilhar de experiências e

observações.

Em 1603 foi fundada a “Accademia dei Lincei”, em Florença por Frederico

Cesi (1585-1630), reunindo vários estudiosos de diferentes conhecimentos. Filósofos,

astrônomos, alquimistas, mecânicos, dentre outros compartilhavam as suas pesquisas.

Paulatinamente, outras academias foram surgindo e reunindo no seu entorno uma elite

intelectual reconhecida pela sua importância social e política. O teor dos debates e a

dedicação de seus membros fizeram que as Academias assumissem um papel

dinâmico, sendo reconhecidas como espaço do saber. Cabia a elas organizar e difundir

a produção de conhecimentos. Apesar do papel de relevo que estas instituições

conquistaram, a realidade se impôs claramente. Para a realização de pesquisas, além

do conhecimento eram necessários recursos financeiros, de que nem sempre os

pesquisadores dispunham.

Em 1652 foi fundada a “Academia Naturae Curiosorum” criada por médicos

que conquistaram notoriedade com a divulgação do jornal científico “Ephemeridan”.

Em 1677, o imperador Leopoldo I (1640-1705) reconhece a sociedade como

instituição de interesse do Estado, passando a ser conhecida como “Deutsche

Akademie der Wissenschaften Leopoldina”.

Na Inglaterra, a Royal Society, fundada em 1660, foi um dos locais onde as

técnicas e os experimentos e as técnicas foram debatidos, em busca de um novo

conhecimento do mundo. Os membros da associação, oriundos de um grupo de

estudiosos do Gresham College que praticavam atividades desde 1645, por meio de

suas reuniões, debates e artigos impulsionaram a pesquisa científica.211 Os cientistas

envolvidos na Royal Society tinham uma estreita ligação com as questões do período,

principalmente quanto ao processo de transformação da sociedade advindo da

industrialização, do qual foram elementos importantes.212 A Royal Society foi

reconhecido pela coroa, mas sem o apoio financeiro necessário para o

desenvolvimento das pesquisas. Os membros da instituição é que continuaram a

financiar os seus estudos, garantindo a autonomia do desenvolvimento técnico, como

Page 103: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

103

também da divulgação do saber científico, por meio palestras e experimentos

públicos.213

Na França, a Academia de Montmor foi o primeiro passo na busca do

estabelecimento de uma academia de Ciências. A instituição reuniu cientistas

importantes como: Pierre de Fermat (1601-1665), Blaise Pascal (1623-1662), Pierre

Gassendi (1592-1653), dentre outros. O que se pode destacar é a farta comunicação

que os membros da academia estabeleciam com outros colegas de diferentes nações.

Os trabalhos dos cientistas no decorrer do tempo foram importantes para o

desenvolvimento da ciência em solo francês. Contudo, os custos para manter a

Academia impediram que esta tivesse uma existência mais longa.214

Em 1663, Samuel Sorbière influenciou o rei Luiz XIV (1638-1715) para que

formasse a “Académie Royale des Sciences” a partir da Academia de Montmor. A

instituição deveria ser útil à sociedade, realizando estudos de História Natural,

seguindo procedimentos de experiências e observações. A Academia surgia como um

local financiado pelo Estado onde se poderiam fazer experiências. 215

Dando continuidade os trabalhos, em 1666, o governo francês criou a

“Académie Royale des Sciences”, sob os auspícios do Estado. Naquele momento, o

investimento era justificável por ser um meio através do qual o Estado francês poderia

avançar tanto no desenvolvimento agrícola a como industrial. O ministro Jean-

Baptiste Colbert (1619-1683) entendia que a reunião de pesquisadores seria

importante para a ciência francesa e para a definição de políticas que favorecessem o

desenvolvimento do Estado. A “Academie Royale des Sciences” passou a ser palco da

atuação de estudiosos que participavam das reuniões e seminários, divulgando o seu

trabalho.216

A “Societas Regia Scientiarum”, criada em 1700, foi patrocinada por

Frederico I da Prússia (1657-1713). A instituição foi reconhecida em 1711, vindo a

ser reestruturada por Frederico II (1712-1786). Pierre-Louis Moreau de Maupertuis

(1698-1759) assumiu a direção e alterou o nome para Academia Real Prussiana das

Ciências (Königliche Preussische Akademie der Wissenschaften). A influência

francesa é notória, pois orientou os trabalhos do jardim botânico e das coleções de

Historia Natural até o século XIX.217 Em 1724 foi criada a Academia Scientiarum

Imperialis Petropolitana, sob a proteção de Pedro, o Grande, da Rússia (1672-1785).

Page 104: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

104

A instituição conquistou respeitabilidade e durante o governo da czarina Catarina

(1684-1727), quando foram garantidos recursos para o seu funcionamento, a fim de

desenvolver investigações e formação de pesquisadores. Neste caso, o papel da

Academia foi fundamental para a constituição da Universidade de Moscou que seria

fundada em 1755.218

As academias eram locais de troca de informações, onde se realizavam

experiências que eram debatidas e os relatos apresentados aos membros da instituição

e ao público. Os trabalhos individuais passavam a ser compartilhados pelos membros

dessas instituições.219 Desta maneira, eram mantidos os vínculos entre os estudiosos,

principalmente a partir do século XVIII, os quais se reuniam com propósito de

discutir e submeter suas ideias e engenhos à critica dos especialistas. Como destaca

Paolo Rossi, as academias e Sociedades científicas ganharam importância pelas

características particulares que assumiram, como:

“a existência de reuniões dos letrados, bem como o uso de regras particulares

de comportamento para as ditas reuniões e a adoção de uma postura crítica com

relação às afirmações de quem quer que seja como norma principal de

comportamento. A verdade não está ligada à autoridade da pessoa que a enuncia, mas

somente à evidência dos experimentos e à força das demonstrações”.220

O crescimento dos laboratórios, observatórios, centros de estudos e

instituições de pesquisa demonstrava que o associativismo científico era forte. Muitas

dessas ações serviam aos interesses políticos e econômicos das monarquias, que

usufruíam da utilidade social da ciência, ao mesmo tempo em que incorporavam

novos valores. O método científico possibilitava a diferentes pesquisadores, de

instituições distantes, a troca de informações a partir de um mecanismo de

homogeneidade cultural e científica. Tal situação pode ser identificada pela troca de

correspondência entre os estudiosos e o predomínio de uma linguagem científica.

Havia o esprit de corps, que pesquisadores foram consolidando por meio das

academias. 221

No período havia intensa crítica ao que era o ensino desenvolvido nas

universidades. Conforme uma moção de John Hall222, em 1640, dirigida ao

parlamento, as universidades não ensinavam nem a química, nem a anatomia, nem

faziam experimentos. Para ele, era como “se os jovens tivessem aprendido há três mil

Page 105: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

105

anos atrás toda a ciência redigida em hieroglíficos e, em seguida, tivessem ficado

dormindo como múmias para acordar somente agora”.223

O surgimento das instituições científicas teve como meta desenvolver o

estímulo a uma ciência prática e aplicada, a serviço das nações. Se, por um lado, as

instituições científicas representavam um avanço que acompanhava a pulsação do

desenvolvimento industrial, elas também representaram um questionamento à cultura

tradicional e clássica praticada nas Universidades.

A ciência desejava criar condições para que as pesquisas pudessem ser

realizadas de forma neutra sem interferências religiosas e morais. Era necessário que

o homem empreendesse uma caminhada na compreensão mais lúcida das coisas

humanas e da natureza, a fim de construir uma sociedade mais justa. A busca da

ciência estava apenas nos momentos iniciais e poderia contribuir tanto para a riqueza

da nação, como também para a melhoria das condições de vida humana.

Concomitantemente, emerge um debate subjacente ao surgimento das

academias sobre o controle ou interferência dos interesses do Estado, na medida em

que este subvencionava as pesquisas. Neste momento, abria-se um debate entre

estudiosos que defendiam a ideia de que as pesquisas deveriam ser livres, sem a

ingerência do interesse do Estado. 224

A ciência, a partir do século XVII, revelava uma estreita ligação com o ideal

de justiça e da riqueza social, principalmente a partir do processo de revolução

industrial que aconteceria no século seguinte. Os pensadores demonstravam

preocupação com a reflexão metodológica sobre as experiências, sendo a partir delas

que se poderiam constituir juízos. Talvez, um dos aspectos mais significativos da

contribuição deles tenha sido a ousadia de ir contra os costumes e o conhecimento

consagrado. Eles foram capazes de contradizer verdades seculares e mostrar os erros

dominantes. Para tanto, tiveram que enfrentar aqueles que não conseguiam olhar o

mundo de uma maneira diferente. Seus trabalhos revelam uma nova forma de pensar

em direção à liberdade individual e à busca pelo conhecimento.

Ao olhar a natureza, os pensadores identificaram que ela estava sujeita às leis

que poderiam ser simples ou mais complexas. O espanto da descoberta advinha de o

homem ter consciência de que as leis independiam da vontade humana e divina, e que

ele próprio e sua existência estavam condicionados pelas leis naturais. Enfim, o

Page 106: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

106

homem delineava a dimensão de seu poder e estava se conscientizando de que sua

vida fazia parte de um sistema, do qual ele era apenas um elemento.

Para muitos estudiosos o conhecimento desse momento era marcado pela

construção de discursos polifônicos, que dialogavam, envolviam-se e não estavam

fechados. Longe de ser possível estabelecer um movimento retilíneo ascendente da

ciência, o que se apresenta são movimentos de crescimento e refluxo das pesquisas

científicas sujeitas às condições e interesses diversos. O método aos poucos ganhava

contornos e o homem buscava as categorias universais para organizar o seu saber.

2.3 O século XVIII:

natureza e o pensamento ilustrado

A ilustração, ou iluminismo, conquistou sentido amplo. O termo passou a

identificar o movimento de ideias filosóficas que emergem na França, onde a razão

era o principal elemento para compreender a natureza e a sociedade. A ilustração

também é utilizada como o processo de transformação dos valores e atitudes das

instituições que ocorreram no século XVIII, sem claro delineamento temporal. Os

pensadores iluministas entendiam que o momento em que viviam facilitava a

compreensão do mundo, opondo esta fase ao período medieval quando, segundo eles,

a ignorância e a intolerância impediam o desenvolvimento do ser humano. O homem

caminhava em direção à liberdade de pensamento e de crescimento.

A sociedade conquistara um desenvolvimento nunca visto. As transformações

advindas da industrialização apontavam para a complexidade da sociedade. Os

estudos empreendidos pelos pensadores, nos diferentes ramos do conhecimento,

propiciaram uma reflexão mais aberta, estimulando a cultura escrita e a vida

intelectual de muitas nações. Identifica-se um processo de mutação, em que o saber

passaria a ser o elemento vital da transformação, fazendo que muitos acreditassem

Page 107: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

107

que o espírito humano conquistara a liberdade. De fato, o indivíduo pode expressar

satisfação ou insatisfação com o poder público, passando a regular a atuação das

autoridades. Esta situação pode servista como um momento de consciência ideológica

das diferentes burguesias.225

O século XVI revelava a consciência precisa da modernidade, enquanto a

ciência engatinhava na direção de uma visão sistemática, em que o velho e o novo se

misturavam à procura de uma lógica. O homem avaliava o seu universo, indagando as

crenças e a religião, revendo as bases sociais. O protestantismo e as guerras religiosas

convidavam a uma reavaliação do homem, mas as rupturas já estavam consolidadas

Conforme Colin A. Ronan: “O fim do século XVII e todo o século XVIII foram,

portanto, tempos de mudanças filosóficas, alterações da visão do homem sobre si

mesmo e um ataque àquelas que, por longo tempo, tinham sido as crenças mais caras

ao cristianismo ocidental".226

Nos séculos XVII e XVIII o homem racional teve necessidade de indagar de

forma crítica as instituições e o saber. Seu objetivo era sistematizar e dar lógica ao

mundo em que vivia. Desta forma, o século XVIII foi um momento de maturação das

reflexões do período anterior, pois o homem buscava soluções para a sua vida social,

política, moral e religiosa. Como observa Alberto Vieira: “O homem do século XVIII

perdeu o medo ao mundo circundante e passou a olhá-lo com maior curiosidade, deste

modo como dono da criação estava-lhe atribuída a missão de perscrutar os segredos. É

este impulso que justifica todo o afã científico que explode na centúria”.227

O século XVII termina convidando o homem a voltar cada vez mais a atenção

para as experiências, distanciando-se de elaborações míticas. O olhar para o mundo

natural deveria ser neutro e afastado de preconceitos. Também não poderia deixar de

considerar que a natureza teria que ser considerada em função das vantagens que

pudessem oferecer para a sociedade. Era o momento de consolidar saberes herdados

com os novos conhecimentos advindos da ciência moderna.

A filosofia iluminista, expressão do espírito burguês, procurou utilizar de

forma sintética dos argumentos racionalistas e empiristas para defender a visão de

mundo, recebendo contribuições de diversas áreas; portanto, o termo “iluminismo”

abarca uma série de elementos que, por vezes, podem ser contraditórios.228 Desta

forma, é importante notar que o pensamento iluminista não manifestava afeição por

Page 108: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

108

sistemas filosóficos acabados. Entendia que a multiplicidade era mais importante para

o conhecimento humano. O homem do período dava grande valor à razão, num

momento em que havia uma profunda mudança cultural. O pensador iluminista causa

a impressão de ter alcançado a e onipotência devido às conquistas da ciência.229

O saber conquistava um lugar privilegiado na sociedade, que desejava

compartilhar os progressos materiais promovidos pelos inventos humanos, e também

conhecer e debater assuntos que outrora ficavam confinados a um grupo. O homem

manifestava interesse pelas novidades, mas também pela sua própria História, e seria

ela que conduziria as críticas à sociedade do Antigo Regime. O homem manifestava

apreço pela imagem de uma natureza dinâmica que impulsionava o mundo, e ele

mesmo poderia ser um protagonista capaz de intervir e agir.

Neste cenário, o debate sobre a formação do ser humano ganhava relevo, pois

a educação fazia parte do processo de construção do indivíduo para a esfera pública e

para a construção de uma civilidade ideal. Pelo processo educativo é que se poderia

desenraizar a barbárie imposta durante séculos pelo clero e pela nobreza e conduzir os

homens para horizontes mais abertos e iluminados.230

Nas diversas áreas do conhecimento os estudos avançavam fazendo que a

velocidade das transformações fosse mais intensa do que nos séculos anteriores. O

estudo da botânica até o século XVIII, feito principalmente por médicos, tinha como

objeto de investigação o estudo de algumas plantas voltadas para a fabricação de

substâncias curativas, os remédios. A maioria dos estudos implicava observações e

catalogações de espécies, descrição dos elementos, como vimos anteriormente.

Contudo, a questão da classificação a partir de uma linguagem comum constituía um

problema.

Paolo Rossi, ao analisar este momento, destaca alguns problemas como a

necessidade de uma teoria da classificação que estivesse ligada à teoria da linguagem.

Além disso, o ato de classificar não dizia respeito apenas ao conhecimento, mas

estava diretamente vinculando ao ato de memorização, sendo que tal aspecto deveria

ser considerado na linguagem classificatória. A classificação deveria ser capaz de

captar o que fosse realmente essencial, eliminando os devias que dificultavam a

compreensão.231 Conforme o autor observa, os trabalhos dos classificadores de plantas

Page 109: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

109

foram influenciados pelos trabalhos de George Dalgarno (1626-1687) e de John Wil-

kins (1614-1672).232

George Dalgarno foi um intelectual que se interessou por problemas

lingüísticos e por questões que envolviam o problema de comunicação de pessoas

com deficiência auditiva. Neste sentido, foi o defensor da criação de uma linguagem

universal que fosse capaz de estabelecer a comunicação entre indivíduos de diferentes

culturas. John Wilkins na obra “An Essay Towards a Real Character and

Philosophical Language” (1668), destacou a contraposição entre as línguas naturais e

a língua filosófica ou universal. Para ele, a linguagem universal deveria ser

compreensível e independente das línguas naturais. Desta forma, as coisas poderiam

ser classificadas a partir de imagens mentais e de um método que deveria ser capaz de

evidenciar as relações/ligações que havia entre as diferentes espécies. Para que tal

situação se efetivasse, a relação não poderia induzir a erros ou a um caráter dúbio.

Esta nova estrutura exigia ordenação conforme uma classificação convencional, que

deveria estar nos limites da língua. A criação de uma enciclopédia permitiria o

estabelecimento de uma definição precisa e exata, que ordenaria as coisas dentro de

um conjunto, marcando as diferenças existentes entre elas.233 Wilkins defendia uma

linguagem universal para a ciência. Uma tábua que serviria para todos.

Estas reflexões seriam de suma importância para os estudiosos da natureza que

tiveram como objetivo sistematizar os elementos do mundo natural, buscando

estabelecer as relações entre as espécies, dentro de uma ordenação possível de ser

utilizada por todos.

Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708), professor de botânica no Jardin du

Roi, construiu uma classificação baseada no gênero. O estudioso viajou por diferentes

partes da Europa coletando espécies para compor o seu herbário. Durante sua

trajetória em Portugal e Espanha se interessou pela reprodução das palmeiras,

estudando-as atentamente. Na Holanda encontra o professor de botânica Paul

Hermann (1646-1695) que o convida a lecionar na Universidade de Leyde. Em 1691

foi convidado para a “Académie des Sciences Française”, e publicou a obra

“Éléments de botanique ou méthode pour connaitre les plantes" ( Elementos de

botânica ou método para conhecer as plantas - 1694). O trabalho apresenta um estudo

sobre a estrutura das flores e dos frutos, levando em consideração o método. Da

Page 110: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

110

mesma forma, seu trabalho “Institutiones rei herbariae”, de 1700, realiza um estudo

em que apresenta mais de 600 gêneros e aproximadamente 10.000 espécies.234

Segundo Tournefort: “Os antigos, não sei por qual destino malvado, quanto mais

ilustravam com múltiplos auxílios da medicina, tanto mais ofuscavam a botânica.

Com efeito, eles pensavam em novos nomes com que denominar as plantas para ilus-

trar as suas virtudes e não possuíam ainda normas para atribuir os nomes de uma

forma não arbitrária”.235

Cada um deles, no movimento de organização das informações contribui para

ordenar o que até aquele momento era confuso. O caos do mundo natural era

classificado em diversos gêneros e espécies. Um novo método que iria facilitar os

trabalhos posteriores. Em 1700, Tournefort, seguindo as ordens de Luiz XIV, realizou

expedições de reconhecimento pela região do Mediterrâneo Oriental e Ásia Menor.

Ao retornar à França, em meados de 1702, escreveu “Relation d’un Voyage au

Levant”, registrando as aventuras da viagem e o levantamento a que se dedicara,

demonstrando que seu conhecimento ia além dos estudos de botânica.

O naturalista francês George-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788),

diretor do Jardim do Rei e membro da Academia Francesa, foi um dos que realizou

estudos marcantes no âmbito da História Natural. George-Louis Leclerc estudou no

colégio jesuítico de Dijon, passando em seguida para a cidade de Angers para estudar

matemática e botânica. Na universidade os problemas com um oficial croata o fizeram

abandonar os estudos e realizar uma longa viagem por Bordeaux, Toulouse,

Montpellier, visitando também a Itália. Retorna à França e se instala em Paris,

exercendo atividade no jardim real das plantas. Em 1733 apresenta à Academia

francesa uma memória intitulada “Sur le jeu du franc-carreau” onde aborda a questão

do cálculo diferencial e o cálculo integral em probabilidade. Seus estudos se ampliam,

empreendendo observações sobre as madeiras utilizadas nas construções de navios,

realizando concomitantemente traduções de obras de Isaac Newton e do biólogo

Stephen Hales (1677-1761). A defesa da observação e da experiência o aproximou

dos pensadores ingleses, com os quais trocou correspondência, sendo eleito como

membro da Royal Society, em 1739. Entre 1749 e 1779 publicou a obra monumental

denominada “Histoire naturelle” (História natural)236, onde a maioria das questões

Page 111: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

111

sobre o mundo natural estava posta, na medida em que o autor procurou criar um

sistema que incluísse todas as espécies.237

Buffon atribuiu aos seus estudos uma atenção especial pela compreensão do

movimento dinâmico da natureza. Para o estudioso, era fundamental compreender

como o mundo natural mudava com o decorrer do tempo, sendo possível identificar

em diferentes regiões espécies que possuíam um acentuado grau de similaridade.

Para tanto, recorreu aos textos antigos e as informações coletas a partir do movimento

das descobertas para elaborar a sua proposta de classificação a partir de uma visão

sistêmica. Buffon, ao fazer as comparações das espécies existentes nos continentes

atribui certa inferioridade ao mundo natural da América. Para ele, as condições do

clima alteravam algumas características das plantas e animais, sendo que estes últimos

tinham um porte inferior a outros encontrados em diferentes partes do mundo. Seus

escritos revelam que os seres vivos eram gerados a partir da organização de moléculas

orgânicas, que continham um princípio vital, ou seja, a organização de moléculas

combinadas é que permitiria a formação de um ser vivo. Apesar de a tese da geração

espontânea, por meio de um processo de ordenamento da matéria, ser criticada, ela

continuou a ter adeptos.238

A sistematização do mundo natural perseguida desde o século XVII não seria

empreendida por um único homem. Buffon apenas dera sua contribuição ao mosaico

que se formava sobre história. Caberia a um contemporâneo elaborar com contornos

mais nítidos o grande sistema da natureza.

O naturalista sueco Carl von Linné, ou Lineu, (1707-1778) foi o primeiro a

construir um sistema de classificação que foi utilizado nos períodos seguintes, sendo

referenciado até os dias atuais. Lineu estudou nas Universidades de Lund e Uppsala e

após viagem pela Lapônia e pela Holanda, obteve o diploma de doutor em Medicina,

vindo a atuar na Universidade de Leyden. Durante sua estada nesta instituição

escreveu os “Gêneros das plantas” (1737), com descrições dos diferentes gêneros de

mais de novecentas plantas.239 Tal como outros estudiosos, Lineu viajou pela Europa

fazendo explorações. Ele realizou missões científicas na Lapônia, região pouco

conhecida, vindo a publicar a obra “Flora Lapponica” que apresenta detalhes sobre as

espécies de vegetais, animais e minerais daquela área. Em 1735, nos Países Baixos,

obtém o diploma na Universidade de Harderwijk, interagindo com outros estudiosos

Page 112: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

112

da natureza como Albertus Seba (1655-1736), Herman Boerhaave (1668-1738) e

George Clifford (1685-1760). A estreita relação mantida entre eles fez auxiliou no

conhecimento a na coleta uma série de espécies. Ao retornar à Suécia, ele passou a

lecionar na Universidade d’Uppsala, ocupando primeiramente a cadeira de medicina e

depois a de botânica. Dando continuidade às suas pesquisas viajou pela Suécia,

realizando coletas que comporiam o seu trabalho de maior destaque, o “Sistema da

natureza”, (1735) onde apresentava um novo método de classificação, dividido em

três sistemas de classificação: vegetal, animal e mineral, delineado de brevemente na

sua juventude. O sistema foi sendo aprimorado em novas edições e em 1758, Lineu

apresentou o seu sistema binomial, inserida num amplo sistema, para classificação da

fauna e da flora, um nome para o gênero ou característica comum, o outro, a espécie.

A taxonomia, ou sistemática, reunia várias formas em grupos amplos e abrangentes

considerando raça, espécie, gênero, família, ordem, classe, tipo e reino.240 Segundo

ele, o sistema binominal atendia com precisão todas as especiais animais, vegetais e

minerais. A formação era feita a partir de duas palavras em latim que compreendia um

nome e um epíteto específico (que poderia ser um adjetivo, um genitivo ou um

atributo). Enquanto o nome dava a singularidade da espécie, o epíteto dava a

característica particular, muitas vezes sendo formada a partir do nome de um lugar ou

de uma pessoa. O latim permitia uma compreensão universal e evitava as variações

que um nome poderia ter na língua vernácula.

Valendo-se de anos de estudos na área da botânica, ele procurou classificar os

vegetais a partir dos órgãos reprodutores, o que permitia a continuidade da espécie.

Sua reflexão não excluía a possibilidade de formações hibridas, porém ele defendia o

fixismo, ou seja, a impossibilidade dos seres se transformarem.241 Para ele, as espécies

foram criadas por Deus e depois do Gênesis não variaram.

Para a classificação dos animais alguns aspectos do sistema de John Ray

foram considerados. Lineu procurou estabelecer a classificação, considerando órgãos

específicos como: dentes (no caso de mamíferos), bicos (pássaros), nadadeiras

(peixes), asas (isentos), fazendo distinção para répteis e vermes. Lineu faz a

classificação dos animais em mamíferos, aves, anfíbios e peixes como as quatro

classes de animais com sangue vermelho, os insetos e os vermes como as duas classes

Page 113: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

113

dos animais com sangue branco. Por intermédio deste método foi possível identificar

mais de cinco mil espécies.242

No que tange à classificação dos minerais, Lineu considerou a estrutura do

cristal, relevando a composição química para um segundo plano. A classificação

proposta superava a pluralidade e ambiguidade de nomes que geravam confusão no

estudo da natureza. Sua proposta gerou um modelo capaz de fazer referência precisa

dentro de um sistema.

Como observa Paolo Rossi, o trabalho de Lineu apresentava inconsistências

que poderiam ser tidas com aceitáveis num momento inicial de sistematização:

“É verdade que cabe a Lineu o mérito de ter classificado pela primeira vez o

homem entre os animais, mas é também verdade que ele o coloca entre os

quadrúpedes junto com os macacos antropomorfos e com o bradípode. Na opinião de

Lineu, o rinoceronte é um roedor e os anfíbios abrangem crocodilos, tartarugas, rãs,

cobras, bem como o robalo e a arraia. Sépias, polvos e pólipos são colocados entre os

Vermes.”243

O trabalho de construção de um sistema foi feito por várias mãos, uma vez que

devemos compreender que os novos paradigmas foram compartilhados por estudiosos

e pesquisadores interagindo-se. Erasmus Darwin (1731-1802) contribuiria de maneira

significativa para o debate sobre a História Natural. Havia uma visão fixa no campo

da História Natural no seu livro “Zoonomia”, publicado em 1794. Nesse trabalho,

Darwin defendeu a ideia de que as espécies se transformavam em função de suas

necessidades. Apesar de veementemente criticado por conservadores anglicanos,

Darwin conquistou adeptos da “Naturphilosophie” e de outras correntes de estudiosos

que inspirariam os trabalhos de seu neto Charles Darwin (1809-1882).

No século XVIII a noção de família de plantas agrupadas em gêneros, passa a

ser cada vez mais utilizada, impulsionada pelo trabalho de Buffon. Observa-se que o

vocabulário descritivo das partes de uma planta ou de um animal passou a ser

designados por termos específicos e utilizados em diferentes gabinetes que foram

incorporando os novos avanços como o sistema proposto por Lineu.

O médico Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, chevallier de Lamarck

(1744-1829), foi um dos mais importantes estudiosos de botânica. Foi amigo de

Georges- Louis Leclerc, que indicou Lamarck para trabalhar como botânico no Jardim

Page 114: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

114

do Rei (posteriormente conhecido como Jardim Botânico de Paris) e para a Academia

de Ciências, em função do seu trabalho “Flore française”, de 1778. Em 1793, ele

participa da transformação do Jardim do Rei em Museu Nacional de História Natural,

è designado professor de zoologia, dedicando-se à classificação racional dos animais

invertebrados. 244

O intuito Lamarck era o de realizar a unificação dos estudos sobre a vida dos

seres, reunido os elementos da botânica, zoologia, fisiologia e história natural. Seus

trabalhos conquistaram grande ressonância após a publicação das obras “Philosophie

zoologique” (Filosofia zoológica – 1809) e “Histoire nautrelle des animaux sans

vertebres” (História natural dos animais sem vértebras – 1815-1822). Nestas obras o

autor defendeu duas leis que explicariam o processo de transformação dos seres vivos,

sendo elas: a lei do uso e desuso e a lei da herança do adquirido.

Segundo Lamarck, se um determinado órgão fosse utilizado haveria grandes

possibilidades de desenvolver-se, enquanto a sua não-utilização poderia gerar atrofia.

Desta maneira, as transformações geradas pelo desenvolvimento ou pela atrofia

desses órgãos poderiam ser transmitidas às gerações seguintes.245 Para o botânico, o

mundo animal se transformava em função das necessidades geradas pelo meio

externo. Todo o ser vivo nascia de um outro ser vivo, sendo possível identificar uma

evolução de espécies, considerado um período de longa duração. A defesa de uma

teoria transformista implicava a ideia de uma seleção natural dos seres vivos. Tal fato

advinha da ideia de que o organismo dos seres vivos tinha uma complexidade própria

e uma dinâmica interna inerente ao seu metabolismo. Por conseguinte, a diversidade

de seres vivos, dependendo do local onde se encontravam, poderia ser comparada.

Pois deveria-se analisar as condições de adaptação e os fatores que levaram a

modificação de seu comportamento ou órgãos, para atender às necessidades

específicas. 246

Os estudos de Lamarck que começaram no século XVIII gerariam novas

pesquisas, principalmente na questão da hereditariedade. Tal situação é significativa

para demonstrar que o pensamento científico no início do século XIX está em plena

ebulição, como pode ser visto nos trabalhos de Georges Cuvier (1769-1832) e Charles

Darwin (1809-1882).

Page 115: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

115

No século XVIII a difusão da física e das diferentes pesquisas resultou muitos

gabinetes/laboratórios surgissem. O objetivo era obter um espaço adequado para

realizar experiências, que incluía instrumentos adequados, nem sempre disponíveis e

pesquisadores habilitados.247 Os gabinetes de curiosidades foram comuns no período e

não era difícil encontrar coleções de espécies exóticas da natureza. Nesses locais,

animais embalsamados eram dispostos em meio a uma série de outras espécies,

envolvidas em substâncias que tornavam o ar do recinto irrespirável.

O número de exploradores naturalistas que circulavam por diferentes partes do

globo terrestre evidencia a avidez por novas descobertas e uma preocupação com o

conhecimento científico do mundo natural, que normalmente acontecia nas academias

de ciência européias. Conforme destacou Marie-Noëlle Bourguet:

“O explorador estimula a imaginação pelo facto de suscitar a ideia da aventura

de um herói intrépido e solitário, que parte para um destino desconhecido, que avança

sem quaisquer pontos de referência. Mas esta iconografia romântica esquece que o

explorador é mais um reconhecedor do que um aventureiro, viaja em cumprimento de

uma missão organizada que conta com o financiamento de um príncipe, de um grupo

de comerciantes, de uma instituição científica ou missionária, com objectivos precisos

nascidos de um conhecimento geográfico provisório e das expectativas de uma época.

Em vez de se lançar no vazio, o explorador sabe o que deve procurar, o que pretende

encontrar. Antes de seguirmos os seus passos, convém vermos primeiro o panorama

político, económico e mental que idealizou a sua partida”.248

Era prática comum que os viajantes naturalistas despachassem o material que

tivessem recolhido para a Europa, por vias diferentes. O cuidado em realizar esta

prática era garantir que as amostras recolhidas chegassem ao seu destino. As espécies

coletadas deveriam ser tratadas com cuidado. Sendo possível, as amostras eram

imersas em álcool para preservar as características do material. O acondicionamento

do material também recebia atenção. As espécies eram envolvidas em tecidos ou

substâncias macias para que se evitassem os danos. Em seguida, eram

cuidadosamente embrulhados para chegarem ao destino.

Alexander Dalrymple (1731-1808), na sua obra “Essay on Nautical

Surveying”, escrita em 1771, aconselhava aos navegadores que registrassem os

litorais que visitavam. Era conveniente para ele registrar o terreno e os portos, com

Page 116: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

116

todos os detalhes possíveis, inclusive com nomes, de forma que permitissem uma

compreensão da região e auxiliassem outros navegadores a identificarem as melhores

rotas e os locais mais propícios para desembarque e obtenção de provimentos.249

Além disso, lembrava importância das viagens para o reconhecimento da natureza de

outras partes do mundo.

No processo de coleta dos viajantes naturalistas, as espécies eram catalogadas

comparadas com outras espécies já conhecidas. Por vezes, a falta de condições para a

análise impedia registros mais elaborados. A ausência instrumentos de tecnologia

avançada para o período impedia que as amostras fossem analisadas com maior

cuidado.

Mediante esta situação, todas as anotações e registro que pudessem ser

realizados eram fundamentais. Os animais eram dissecados e todas as informações

úteis para futuras pesquisas eram registradas em detalhes. Como os meios de

conservação de espécies mortos eram rudimentares, esta prática era importante para

os estudos subseqüentes. Desta forma, os naturalistas procuravam delinear as

principais características fisiológicas dos animais, comparado-as com outras espécies,

ou sinalizando para possíveis proximidades entre elas. Contudo, as ponderações e

estudos mais aprofundados eram feitos nos laboratórios europeus e nos jardins

botânicos, onde havia recursos mais adequados e uma bibliografia mais vasta.

Em 1735 uma expedição científica reunia cientistas e geógrafos com o intuito

de determinar, por meio da observação e experimentação matemática, a forma exata

da Terra.250 A equipe foi liderada por Pierre Louis Moreau Maupertius (1698-1759) e

a expedição durou um ano. Parte do grupo da expedição seguiu para a Lapônia com o

intuito de medir um grau longitudinal no meridiano. A outra parte seguiu em direção

ao Equador, para fazer a mesma medição, tendo como líder Louis Godin (1704-1760),

da qual participou Charles Marie de la Condamine (1701-1774). As constatações

confirmavam as afirmativas de Isaac Newton, mas os seus estudos trouxeram

contribuições para a biologia. Em 1745 publicou “Vénus physique” onde procura

explicar os fenômenos genéticos por meio de uma atração físico-química. Ele

defendia que a diversidade e heterogeneidade da natureza eram maiores do que se

imaginava. No início houvera geração espontânea e depois, por combinações,

surgiram novos seres. Ocorrendo mutações, novas espécies poderiam surgir.

Page 117: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

117

O naturalista inglês Joseph Banks (1743-1820) também comandou uma equipe

de pesquisa composta por 126 coletores em todo o mundo, a fim de fazer a coleta de

diversas espécies vegetais para o Kew Gardens. As viagens compreenderam visitas à

terra do Labrador, Terra Nova, América do Sul, Taiti e Nova Zelândia. Banks

concebia a ciência, a botânica em particular, como fator indispensável para o

fortalecimento da economia britânica. Para além da visão mercantilista da natureza,

ele buscava ampliar o conhecimento da ciência, a partir da descoberta de novas

plantas.251

Neste momento, as expedições feitas por cientistas e navegantes permitiram a

descoberta de novas espécies da fauna e da flora. Louis Antonie Bougainville (1729-

1811), James Cook (1728-1779), Jean-François de Galaup, conde de La Pérouse (c.

1741- 1788?)252 e Alexander von Humboldt (1769-1859) empreenderam grandes

viagens a fim conhecer novos ambiente e compreender a dinâmica da natureza em

outras regiões, sendo que o território brasílico foi visitado com pouca intensidade, se

comparado com outras regiões. A coroa portuguesa, ao proibir navios estrangeiros nos

portos coloniais, impediu o fluxo de visitantes em terras americanas. Havia um

controle em relação aos tripulantes das embarcações, com restrições quanto à sua

presença no Brasil; às vezes, era permitido desembarque por um período definido

pelas autoridades portuárias. A razão de tanto cuidado era garantir a exclusividade do

comércio com a colônia e preservar o território das investidas daquelas nações que

tinham interesse na exploração aurífera.

As pesquisas poderiam atender aos interesses econômicos do Estado,

revelando uma visão utilitarista do mundo natural. Novas ideias emergiam no século

XVIII, criticando as doutrinas mercantilistas, ao mesmo tempo em que defendiam a

diminuição da intervenção do Estado na economia. Nesse movimento se destacaram

as reflexões de François Quesnay (1694-1774) e Anne-Robert Jacques Turgot (1727-

1781). A ideia de que a economia possuía suas próprias leis, devendo desenvolver-se

independente da vontade do homem, permeia o debate sobre questões econômicas.

Adam Smith (1723-1790) na sua obra “A riqueza das nações” (1776), defendia as

doutrinas liberais, entendendo que o trabalho era o elemento gerador de riqueza. A

fisiocracia que conquista espaço na Europa no decorrer da segunda metade do século

XVIII acreditava que o estimulo à agricultura era fundamental para assegurar a

Page 118: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

118

felicidade da população. Esta preocupação compunha-se com outras ações do Estado

como uma racionalização do sistema fiscal e uma ação governamental que

estimulasse a produção, cabendo ao Estado garantir a propriedade privada e a livre

concorrência.

Para o desenvolvimento da agricultura e para a exploração de novas riquezas,

era fundamental que as metrópoles/nações conhecessem o potencial das suas terras.

As viagens exploratórias da natureza contribuíram de diretamente para uma revisão

das práticas econômicas do período. Os relatos de viagem, as correspondências, os

desenhos e a coleta de amostras de espécies davam à expedição um caráter notável e

impulsionaram os estudos sobre História Natural e a economia das nações. Por

conseguinte, uma série de manuais que orientavam como se fazer os registros se

multiplicaram, visando a atender diversos interesses em jogo.253

Neste momento, proliferam obras voltadas para instruções de observação e

experiências, dentre elas podemos destacar: o “Traité de l'expérience en général, et en

particulier dans l'art de guérir” (Tratado da experiência em geral e em particular na

arte de curar)”, de Johann Georg Zimmermann (1728-1795); o “Qu'est-ce qui est

requis dans l' art d'observer et jusques-où cet art contribue-t-il à perfectionner

d'entendement?"(Ensaio sobre esta questão: o que é necessário na arte de observar e

em que ela contribui à perfeição do espírito?), de Benjamin Carrard (1730-1789); e o

“Essai sur l'art de observer et de faires des expériences” (Ensaio sobre a arte de

observar e fazer experiências), de Jean Senebier (1742-1809), apresentando os

elementos primordiais para uma boa observação.254

Estes autores afirmavam que o estudioso das coisas do mundo, para fazer suas

observações, deveria possuir um “dom natural”, mas só isto não bastava. A opinião

que deveria haver alguma aptidão foi suplantada pela ideia de que o homem possuía

capacidade de ordenar as coisas do mundo, como defendeu Jean Senebier. Para tanto,

era preciso aprender como realizar a atividade de observação e praticá-la. A

experiência permitiria o desenvolvimento de habilidades e o pesquisador deveria ser

capaz de seguir o melhor caminho para atingir o seu intento.255

No século XVIII evidenciava-se que a observação não significava a verdadeira

experiência. O elemento chave da discussão era como o observador se posicionava

Page 119: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

119

perante o objeto. A experiência era fruto de um observador ativo que fazia indagações

e buscava respostas. A experiência era ainda uma grande “interrogação”.256

O naturalista deveria tomar cuidado nas suas observações, procurando afastar

tudo aquilo que pudesse ser estranho e que viesse a comprometer o seu estudo. Isto

justificava a elaboração das instruções, porque além de apresentarem o processo de

observação exigia-se que o naturalista tivesse uma experiência mais elaborada no

preparo das plantas e animais para envio aos gabinetes. Conforme observava Jean

Senebier:

“A arte de observar consiste então em penetrar as qualidades dos seres que se

estuda, em seguir os seus efeitos, em compreender suas semelhanças e suas

diferenças, em descobrir suas relações, em concluir, se possível, do efeito ou das

diferentes condições do efeito, ou de sua analogia com outros efeitos, à causa do

efeito proposto. Esta arte fornece os métodos para interpretar a natureza, os meios de

aplicá-los, a maneira de descrever as descobertas feitas e de formar boas teorias. Em

geral, a arte de observar é aquela de adquirir ideias claras e exatas sobre os objetos

que acertam os sentidos e de os comunicar aos outros, do modo como foram

recebidas”.257

Ficava evidente que, se nos registros do século XVI, o homem observava a

natureza de forma contemplativa, no século XVIII os registros feitos pelos naturalistas

conduziam à ideia de que o homem não apenas observava, mas intervinha na

natureza, buscando a unidade de entendimento, pois observar era a arte de penetrar

nas qualidades dos seres.258

O naturalista deveria discernir sobre o método mais conveniente para observar

conforme as circunstâncias em que se encontrasse. Era fundamental que o estudioso

tivesse uma bagagem de informação ou se valesse da leitura de eruditos sobre o

assunto. Ele não deveria incorrer no erro de fazer operações que outros já tivessem

elaborado. Seu esforço deveria ser canalizado para aperfeiçoar os conhecimentos do

que era novo e que pudessem complementar as lacunas deixadas por estudos

anteriores. O naturalista deveria ser capaz de fazer analogia, retificar observações

equivocadas, alertar para obstáculos e fornecer orientações para novas pesquisas.259

Se o observador era importante, a técnica e os instrumentos para se fazer a

observação também o eram. As orientações dos documentos que tratavam deste

Page 120: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

120

assunto demonstravam claramente quais eram as operações necessárias para se fazer o

preparo do material, determinando uma ordem para que futuros estudos fossem feitos

com precisão. O naturalista necessitava ser paciente e exercitar constantemente a

concentração na sua atividade. Deveria ter destreza para realizar as operações

principalmente em plantas e animais de pequeno porte que exigiam delicadeza. As

instruções lembravam sempre a importância da integridade e objetividade da

informação, que exigia prudência e atenção do estudioso nas suas atividades. Muitas

vezes, estes elementos não eram suficientes. Era importante que o naturalista tivesse

um espírito aventureiro e que manifestasse uma paixão pelo mundo natural, tendo em

conta que as condições de pesquisa não eram favoráveis e por vezes as expedições

mata adentro resultavam na perda da vida. Sem dúvida, era preciso ter coragem.260

As observações não poderiam ser feitas de forma aleatória. Era preciso

exatidão. O pensamento científico impunha uma lógica que, por decorrência,

influenciava na forma do olhar. Primeiramente, o objeto necessitava ser analisado e

em seguida as suas partes estudadas. Não bastava uma visão do conjunto, era

fundamental observar separadamente cada parte, indagar sobre a especificidade delas,

questionar sobre como cada parte estava relacionada com a outra, fazendo disso um

sistema.

Os sentidos davam início ao processo de conhecimento que conduzia à

reflexão e à formulação das impressões sobre o objeto observado. Este processo

poderia influenciar posteriormente, modificando o sentido da observação. O

pensamento científico entendia que várias observações deveriam ser feitas, pois esta

prática poderia confirmar ou não o que se tinha verificado num primeiro momento. A

repetição das experiências poderia validar as respostas ou conclusões feitas pelo

pesquisador. O estudioso deveria atentar para as possíveis variações que observasse

durante o processo. Esta situação seria anotada com as respectivas observações,

identificando as circunstâncias em que ocorriam.261

O registro que acompanhava o material deveria ser preciso e minucioso.

Clareza e exatidão são uma constante no proceder, pensar e relatar. As observações

não poderiam confundir o raciocínio. O naturalista deveria anotar tudo prontamente,

de preferência no local onde a observação ocorria, não deixando para depois,

confiando na memória. Esta não era confiável.262

Page 121: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

121

Em suma, concordamos com Maria Elice Brzezinski Prestes, quando afirma

que para Jean Senebier, assim como para “Zimmermann e Carrard, fazer observações

e experiências é seguir de perto o que fazem os bons naturalistas observadores do

período. Em outras palavras, a boa observação e a experiência são coisas que se

aprendem pela imitação dos grandes textos experimentais”.263

Podemos observar que neste aspecto residia uma diferença significativa entre

alguns registros dos século XVI. Alguns cronistas fizeram seus relatos tempos depois

do contato com o mundo natural dos trópicos. Eram, na verdade, lembranças de

experiências que a memória havia preservado. Algumas observações ficaram

relegadas ao esquecimento. Esses textos não são descrições detalhadas de aspectos

marcantes fixados pela memória.264

As academias científicas que conquistaram grande importância foram

estimuladoras das pesquisas e da difusão do conhecimento, promovendo o

financiamento de expedições de pesquisa que contribuíram com novas informações. O

apoio às pesquisas dos naturalistas acabaria influenciado a ampliação de trabalhos em

diferentes regiões, coletando de plantas, insetos e pedras. Era necessário, então, que

os registros das expedições e os resultados das pesquisas fossem publicados, visando

a atender aos anseios das sociedades científicas; os governos deveriam apoiar e

estimular este tipo de estudos. Enquanto alguns conquistavam o reconhecimento

público, outros ficavam perdidos nos arquivos, cabendo aos historiadores revelar a

produção desse período.

Na medida em que as experiências de viagens se avolumavam e se

constatavam as diferentes informações em circulação, era recomendável que se

tivesse cuidado com as notícias e as versões de temas, pois muitos procediam de

pessoas que ignoravam o assunto ou enfatizavam o que lhes convinha. Em 1728,

Ephraim Chambers publicou o “Dicionário universal de artes e ciências”, que reunia

termos técnicos e científicos, ordenados alfabeticamente; cada um deles recebia ao

lado uma explicação do seu significado.

Contudo, o marco do pensamento iluminista foi a “Enciclopédia”, que teve

como editor o filosofo Jean Le Rond D'Alembert (1717-1783), e a partir de 1747,

Denis Diderot (1713-84). A “Enciclopédia”, ou "Dicionário racional de ciências, artes

e ofícios" que reuniu mais de 71.000 verbetes e 2.800 gravuras.265 O projeto agregou

Page 122: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

122

um amplo grupo dos mais destacados estudiosos do período, que contribuíram para a

sistematização do conhecimento, reunindo opiniões de diversas correntes. Esta

proposta era uma demonstração do caráter aberto que abrigava uma pluralidade de

pesquisas naqueles idos.

Contudo, ao final do século XVIII, apesar de todo um processo de conquistas,

havia muitas perguntas em aberto. As incertezas eram muitas e convidavam a novas

especulações. Paul Hazard identifica, nesse momento, o interesse que o mundo natural

despertava cada vez mais na população. Coleções de borboletas e herbários faziam

parte de alguns homens que demonstravam grande interesse em compreender a

natureza e também em tentar descrever as suas características e ciclos.266 Novas

etapas do conhecimento estariam por vir.

O crescimento da história natural do século XVIII, neste breve painel que

traçamos, foi marcado pelo pensamento empirista e pela necessidade de enumeração

completa dos seres. Este movimento levará à discussão do problema da identificação,

pois muitos registros sobre plantas e animais não traziam suficientes descrições

realizadas na Antiguidade. Em alguns casos, as formas de descrever eram arbitrárias e

sem critérios e comprometia a informação. Esta situação agravava-se com o número

crescente de espécies identificadas, tornando o trabalho de sistematização uma tarefa

hercúlea. Conforme destaca Maria E. B. Prestes: “Como resultado dessa dupla

vertente arregimentando os esforços de investigação do mundo natural, o século

XVIII poderia ser resumido como o palco de uma mistura complexa de sistemas

teóricos que admitiam algum grau de mudança sem perder o controle sobre o impacto

causado pelas novas descobertas”.267

O sistema de classificação proposto por Lineu, a partir de caracteres

morfológicos do aparelho reprodutor das plantas, ganhou difusão por organizar os

seres vivos dentro de uma lógica compressível, sendo considerado uma referência

obrigatória para os pesquisadores do século XIX. Além disso, ao propor a

classificação a partir do funcionamento do organismo, evidenciou que este era mais

importante que a somatória do estudo das partes. Desta forma, procuramos mostrar

como a ideia de natureza foi pensada ao longo desses períodos. Longe de chegar a um

ponto comum, tivemos como objetivo apontar a diversidade de visões sobre o mundo

natural. Visões que interagiram e que eram, por vezes, antagônicas. Conhecimentos

Page 123: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

123

que eram reavaliados no movimento do processo histórico e das transformações

técnicas realizadas pelo homem.

Page 124: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

124

Terceiro Capítulo

Portugal e os desafios na

construção de um

novo modelo de saber

“Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz;

porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo.

Não saber, porém, é não existir.

Fernando Pessoa

Page 125: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

125

3.1 Portugal no caminho da ilustração

As transformações provocadas pela Revolução Industrial e pela Revolução

Francesa causaram profundas reformas nas últimas décadas do século XVIII em

Portugal. A nação lusa vivia uma crise econômica significativa e um momento de

mudanças científico-culturais, após a expulsão dos jesuítas. Comparada com as

demais nações europeias a defasagem lusitana era incontestável.

A influência jesuítica em Portugal, desde o século XVI, marcou de forma

intensa as diferentes instituições lusitanas e se fez presente também no âmbito da

educação e dos estudos científicos. A Companhia de Jesus contribuiu de forma

significativa para o debate científico nas terras lusitanas, mesmo que o ritmo e a

profundidade dos estudos fossem diferentes do de outras partes da Europa. A

estratégia da ordem garantiu a seus membros e antigos alunos um diálogo com a

ciência e, no caso português, intercâmbio entre diferentes partes do império. Este

movimento permitiu um intercâmbio entre Ocidente e Oriente e, consequentemente, o

desenvolvimento de diferentes estudos em Portugal.268

A "Aula da Esfera" do Colégio de Santo Antão foi decisiva para as ciências

em Portugal. Com bem observou Henrique Leitão, o termo “Aula da Esfera” refere-se

ao ensino da cosmografia e da astronomia, que naquele momento era baseado no

“Tratado da Esfera” de Sacrobosco (século XIII). Contudo, os ensinamentos

ministrados no colégio englobavam outros assuntos, como: geometria, aritmética,

álgebra, trigonometria, geografia, hidrografia, cartografia, ótica, construção de

equipamentos científicos, técnicas de construção em arquitetura e engenharia militar,

e diversos temas considerados científicos.269

A “Aula da Esfera” surgiu na última década do século XVI e foi mantida pelos

jesuítas até a sua expulsão de Portugal em 1759. Numa sociedade controlada pelos

Page 126: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

126

tribunais da Inquisição, a “Aula da Esfera” foi uma brecha para o debate e pesquisas

de temas científicos. As inovações em curso no século XVII e primeira metade do

século XVIII estiveram presentes nas reflexões empreendidas pelo Colégio de Santo

Antão. No decorrer desse período, jesuítas vindos de diferentes partes da Europa

lecionaram disciplinas, em face da ausência de professores, nas terras lusitanas.

Dentre eles se destacaram: o matemático Cristoph Grienberger (1564-1636), Giovanni

Paolo Lembo (ca. 1570-1618) e Cristovão Borri (1583-1632), que participaram

ativamente das polêmicas sobre matemática e cosmologia, e na área de engenharia

militar, especialistas como Jan Ciermans [Cosmander] (1602-1648) e Heinrich Uwens

(1618 -1667).270 Esta circulação de jesuítas, por diversos colégios pertencentes à

Companhia de Jesus, favoreceu a troca científica e cultural.

As aulas de matemática tinham como conteúdo aspectos astronômicos e

tiveram início no Colégio de Santo Antão a partir de 1555, sendo ministradas pelo

padre Francisco Rodrigues.271 O ensino da Matemática já fora estabelecido no

Collegio Romano, fundado em 1551, sendo responsável por esta iniciativa o alemão

Cristóvão Clávio (1537-1612). Outros colégios jesuíticos também se destacaram pelo

estudo da Matemática como o colégio de La Fleche, em Sarthe, que exerceu grande

influência nos séculos XVII e XVIII, como já mencionamos anteriormente.272

João Delgado (1553-1612) foi um dos professores que conquistaram

ressonância lecionando na "Aula da Esfera". As notas de aulas que foram copiadas

pelos alunos circularam com facilidade, revelando detalhes sobre matemática e

astronomia, ou a teórica dos planetas.273

No colégio de Santo Antão, desde 1592, havia o projeto para a elaboração da

cartografia e da descrição geográfica dos territórios portugueses. Apesar dos esforços

dos monarcas para executar o projeto, as dificuldades impostas pela União Ibérica e a

falta de professores impediram que a ideia fosse avante. Contudo, o colégio de Santo

Antão contribuiu com seus estudos para o debate da náutica e de outras questões de

interesse da coroa.274 A partir de 1593, o colégio conquistara um novo espaço na parte

baixa de Lisboa, continuando a ser um foco irradiador de saber. Os estudiosos

analisavam e debatiam a teoria heliocêntrica proposta por Nicolau Copérnico na obra

“De revolutionibus orbium caelestium”.275 Da mesma forma, o trabalho de Galileu

Galilei era conhecido e havia aqueles que compartilhavam a opinião de que havia no

Page 127: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

127

céu mais estrelas para além das que se vêm a olho nu. Se isto era plausível, o mundo

natural poderia ocultar outras verdades. Em 1611, os astrônomos jesuítas

confirmariam todas as descobertas de Galileu, depois de aprofundados estudos.276

Em 1631, foi publicada em Lisboa a obra “Collecta astronômica”, de

Cristóvão Borri. O texto discutia o uso do telescópio nas novas observações

astronômicas e suas implicações. A obra rompia com a tradição ptolomaica e lançava

base para novas pesquisas.277 O colégio conquistou prestígio, fato que pode ser

constatado pela quantidade de alunos que recebeu. No decorrer do século XVII,

aproximadamente dois mil alunos tinham frequentado aulas no colégio. 278

A restauração do trono português, em 1o de dezembro de 1640, representou a

libertação de Portugal do domínio espanhol. Contudo, o reino teve que enfrentar

muitos percalços, devido à falta de recursos financeiros e necessidade de

reorganização do exército.279 O processo de guerras contra a coroa espanhola impôs o

recrutamento de mais engenheiros e arquitetos militares para atender às necessidades

da coroa lusitana. O apoio do Colégio de Santo Antão foi decisivo nesse momento, na

medida em que intensificou o desenvolvimento dos estudos de geometria aplicada à

engenharia, balística, agrimensura e outros conhecimentos importantes para a

atividade militar.280 A circulação de jesuítas de outras partes da Europa por Lisboa

favoreceu a ampliação dos horizontes científicos e contribuiu para um intercâmbio de

informações benéfico a Portugal, nesse momento de reorganização interna.

Apesar de o Colégio de Santo Antão se abrir para a discussão da astronomia e

do ensino da matemática, ainda estava longe de alcançar o avanço de outros colégios

jesuíticos da Europa (França, Holanda, Inglaterra e Itália). A situação era mais crítica

nos colégios de Coimbra e Évora, onde o ambiente para debates mais avançados não

era propício, pois seus dirigentes eram mais conservadores do que os do colégio de

Santo Antão.

O descompasso do colégio de Santo Antão em relação a outros colégios

jesuíticos fez que, em 1692, o Geral da Companhia, Pe. Tirso Gonzalez (1624-1705)

determinasse o estudo da matemática nos colégios jesuíticos lusitanos na “Ordenação

para estimular e promover o estudo da Matemática na Província Lusitana”. O

documento definia as diretrizes e as ações a serem postas em prática pelos

religiosos.281

Page 128: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

128

As orientações e os professores que demonstravam grande conhecimento e

habilidade para o ensino tornaram a “Aula da Esfera” cientificamente mais

interessante. Neste impulso, ocorreu a criação do primeiro observatório astronômico

de Portugal, que contou com a contribuição dos padres Giovanni Batista Carbone e

Domenico Capassi. A importância do colégio de Santo Antão foi inegável nesse

período, pois os professores eram consultados sobre diversos assuntos técnico-

científicos. As atividades de observação astronômica e os resultados positivos

atraíram novos recursos para melhorar as condições de estudo.282

O terremoto de 1o de novembro de 1755 pôs abaixo parte do Colégio de Santo

Antão-o-Novo, mas a sala onde era ministrada a "Aula da Esfera” pouco sofreu com o

sinistro. 283 Como observou Henrique Leitão:

“A ‘Aula da Esfera’ foi, durante cerca de 170 anos, a mais importante ins-

tituição de ensino científico em Portugal, e esta apreciação não precisa de mais

justificações do que a apresentação directa dos factos: foi a única instituição que

assegurou o ensino continuado das disciplinas científico-matemáticas, sem inter-

rupções, de finais do século XVI a meados do século XVIII; a única a conseguir

manter professores competentes nas ciências matemáticas quando todas as outras

instituições fraquejaram; foi o principal centro de formação dos técnicos e espe-

cialistas científicos de que o país precisava. Foi também a instituição onde se

registrou o primeiro aparecimento entre nós de muitas técnicas e conceitos científicos;

foi a porta de entrada da ciência moderna no nosso país. Sem surpresa, é a instituição

que deixou o maior e mais interessante legado documental (notas de aulas,

manuscritos vários, teses, textos impressos, etc.) de interesse científico, mesmo depois

de os seus arquivos terem sido destruídos”.284

Parte da cidade de Lisboa foi destruída pelo terremoto e milhares de pessoas

morreram. Os sobreviventes atônitos não encontravam explicação adequada para o

acontecido. A desgraça que se abatera sobre todos fizera que a população apelasse

para a devoção religiosa. Missas, rezas e outras práticas foram evocadas para

amenizar o sofrimento das almas vivas e encaminhar as almas dos mortos ao seu

destino. O terremoto instaurou o terror pela cidade. A Europa, chocada, acompanhava

como inquietação as notícias da destruição. A natureza manifestara-se com toda a sua

força para que os homens observassem as manifestações do mundo natural e a

Page 129: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

129

destruição que ele poderia causar. A natureza mostrava a sua pujança. Feições de uma

força que os homens se recusavam a aceitar.285

A primeira metade do século XVIII foi próspera para Portugal, reluzindo na

Europa. A Ilustração conquistara lentamente a corte de D. João V (1689-1750), que

por meio de estrangeiros e de um pequeno grupo de iniciados estimularam o debate de

temas emergentes do conhecimento científico. Portugal vinha acompanhando com

prudência e a distância os avanços das ciências em outras cortes e decidiu esforçar-se

para entrar em sintonia com os movimentos ilustrados do período.

Baltasar da Silva Lisboa (1761-1840), ao estudar o percurso da História

Natural em Portugal registrou que no decorrer do governo de D. João V já se

empreendiam explorações do território, tendo como fim o colecionismo e os gabinetes

de curiosidades.286 Variedades de pedras, das mais diversas cores e brilhos, faziam

parte de coleções europeias. A região das Minas Gerais, além garantir à coroa

portuguesa uma quantidade de ouro significativa, mostrou-se uma região rica em

diversidades de pedras preciosas que causava deslumbramento aos europeus, pela

beleza das suas cores.

A Academia Real de História Portuguesa serviu de estímulo cultural. Fundada

pelo rei D. João V em 8 de dezembro de 1720, teve como grandes agenciadores do

processo D. Francisco Xavier de Meneses (1673-1743) e D. Antonio Caetano de

Sousa (1674-1759). Os estatutos da Academia foram confirmados em 4 de janeiro de

1721.287 Contudo, tão rápido como seu de ascensão, foi o processo e declínio. Apesar

da autorização especial aos membros da Academia para pesquisar em arquivos e

cartórios do reino, a reformulação da historiografia não logrou o êxito esperado,

restringindo-se em algumas situações a exercícios de retórica. A Academia elaborou

um conjunto de obras significativas: “Prosas Portuguesas recitadas em differentes

Congressos Acadêmicos”, pelo padre Raphael Bluteau (1728); “Notícias

Cronológicas da Universidade de Coimbra”, de Francisco Leitão Ferreira (1729);

“Memórias para a História Eclesiástica do Bispado da Guarda”, de Silva Leal (1729);

“Memórias para a História do governo de D. João I”, de José Soares da Silva (de 1730

a 1734); “Memórias para a História Eclesiástica do Bispado da Guarda”, de J.

Contador de Argote (de 1732 a 1747); “Memória Histórica da Ordem Militar de S.

João de Malta”, de frei Lucas de Santa Catarina (1734); “Geografia Histórica dos

Page 130: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

130

Estados Soberanos da Europa” de frei Lucas de Santa Catarina (1734-1736); “História

Genealógica da Casa Real”, de António Caetano de Sousa (1735 a 1748), juntamente

com os de “Provas e Índice; Memórias Históricas de Algumas Ordens Militares”, de

Alexandre Ferreira (1735); “Memórias para a História de Portugal que compreendem

o governo de D. Sebastião”, de Diogo Barbosa Machado (1736 a 1751); “História da

Santa Inquisição do Reino de Portugal e suas Conquistas”, de Pedro Monteiro (1749 e

1750); “Memórias para a História da Universidade de Coimbra”, de Francisco Leitão

Ferreira; “Vocabulário Latino e Português”, do padre Raphael Bluteau; “Dicionário

Geográfico”, do padre Luís Cardoso.288 Este conjunto de trabalhos que conquistaram

ampla ressonância no período revelavam o processo de transformação em curso e se

ampliaria a partir da segunda metade do século XVIII.

A primeira metade do século XVIII foi reluzente para a coroa portuguesa. A

descoberta e a exploração das minas de ouro no Brasil contribuíram para a riqueza do

reino e para a estabilidade de seu governo. A grande quantidade de ouro que fluiu das

terras coloniais para os cofres portugueses permitiu uma prosperidade econômica, um

desejo alimentado desde a época das descobertas. Produto da natureza que reluziu e

ofuscou as nações modernas. A mesma natureza impusera um terrível golpe ao povo

português no fatídico primeiro de novembro de 1755.

Esses acontecimentos animaram D. João V a convidar o naturalista Charles

Fréderic de Merveilleux para realizar estudos em Portugal com a intenção de publicar

uma obra sobre a História Natural de Portugal. A primeira visita desse personagem a

Portugal ocorreu em 1714, e em 1723 foi convidado a fazer estudos em Lisboa, e as

pesquisas tiveram início no ano seguinte. Em 1738, ele publicou a obra “Memoires

Instructifs pour un voyageur dans le divers Etats de l’Europe. Contenant des

anecdotes curieuses très propres à eclaircir l’ Histoire du temps, avec des Remarques

sur le Commerce et l’Histoire Naturelle”, 289 a pesquisa incluiu visita à região da Serra

da Estrela e a Sintra.

Em 31 de julho de 1750, D. João V faleceu em Lisboa, no Paço da Ribeira. A

morte do monarca coincidia com o declínio e o esgotamento dos veios auríferos e o

Terremoto de 1755 agravaria ainda mais a situação econômica da nação portuguesa.

Momento de reflexão que, como observou Mary Lucy del Priore, permite

Page 131: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

131

compreender a sociedade portuguesa na sua complexidade oscilante entre

permanências e mudanças:

“Permanência, pois Portugal ancorava-se na estabilidade das estruturas, no

predomínio esmagador do mundo agrário, na dominação da aristocracia senhorial,

leiga e eclesiástica. A ela pertenciam a terra e o domínio do aparelho de Estado, onde,

de tempos em tempos, esbarrava-se na mediação do aparelho burocrático. A

monarquia absoluta e a política econômica mercantilista, politicamente enraizadas no

mundo agrário, seguiam apegadas com tenacidade às suas maneiras de pensar e a seus

valores. Mudança, pois no reinado de D. José, e sob o governo do marquês de

Pombal, os grupos que mantinham uma soma perigosa de poder e prestígio serão

perseguidos e dizimados[...]290

Entre permanências e mudanças, o reino português foi conduzido por D. José

I, filho e herdeiro de D. João V e pelo seu Primeiro-Ministro Sebastião José de

Carvalho e Melo (1699-1782). Este, no seu pronunciamento sobre as vantagens que o

reino poderia alcançar da desgraça causada pelo terremoto, lembrava que, para

restabelecer um Estado, era necessário que um Estado fosse em parte aniquilado. O

tremor, enquanto fenômeno da natureza, permitia destruir alguns sistemas que não

eram condizentes com a nova realidade e os novos interesses da sociedade

portuguesa.291 Como observou Russell-Wood, até o século XVIII, Portugal mostrava-

se voltado para seus territórios coloniais e de certa forma de costas para a Europa. O

reino lusitano era o centro e a continuidade de suas colônias, local onde se cruzavam

caminhos, mercadorias, homens vindos de todas as partes do império.292 Com o

terremoto, as atenções voltaram-se para Lisboa. A riqueza não poupara a desgraça.

Sebastião José de Carvalho e Melo foi o Primeiro-Ministro do rei D. José I

(1714-1777), que assumiu o poder com a morte de D. João V. Nasceu em Soire,

pequena Vila do termo de Coimbra, sendo nomeado como enviado extraordinário à

corte de Londres em 1739, retornado posteriormente a Lisboa. Em seguida, partiu

para Viena, onde se casou com Leonor Ernestina Eva Wolfanga Josefa, condessa de

Daun (1721-1789), sua segunda esposa, filha do célebre Marechal Henrique Ricardo

Lourenço, conde de Daun. Voltou pouco depois a Lisboa, onde ficaria longo tempo

desempregado. Apesar de reiteradas tentativas não conseguiu ocupar nenhum cargo

no Ministério de D. João V, mesmo com as intervenções de Frei Gaspar da

Page 132: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

132

Encarnação, tio do Duque de Aveiro (D. José Mascarenhas da Silva de Lancastre), o

Padre João Batista Carboni, e outros validos daquele monarca. Com a morte de D.

João V, por interferência da rainha viúva, D. Maria Anna Josefa, que o protegia em

atenção à Condessa Daun, José Sebastião de Carvalho e Melo passou a ocupar cargos

importantes no Ministério, desde 1750 até a sua demissão em 1777.

As polêmicas ações empreendidas por Sebastião José de Carvalho e Melo

gerou uma série de insatisfações, e causou o surgimento do grupo dos “ressentidos”.

Tomás de Almeida, membro do grupo dos “ressentidos”, descreve o momento e o

novo secretário da seguinte forma: “[...ele] diz o que quer como Oraculo na presença

de El Rey sem haver quem desmanche as cavilacoes e falsidade que ele persuade por

verdades, tendo a fortuna de fazer crer tudo, e de ser ouvido como se o espirito Santo

fala-se pela sua boca, sendo só Lusbel quem por ela fala, [...]”.293

O poder de Sebastião José de Carvalho e Melo e a figura enigmática do

monarca D. José I favoreceram estudos historiográficos de correntes antagônicas.

João Lúcio de Azevedo no seu estudo sobre o Marquês de Pombal assim delineia a

figura de D. José:

“acerca de quem não pôde a história ainda assegurar se foi realmente um

tirano consciente e sanguinário, como deu a entender o seu válido, ou apenas

malleavel instrumento nas mãos d’ele. Aqui o vemos assistir taciturno á ruína de uma

herança que, por muitas razões, devia suppôr no fundo magnifica, assim como

também o veremos, no correr do reinado, não intervir jamais, ao menos

ostensivamente nas decisões de Pombal. Seria isso boçalidade, indifferença, desapego

das cousas graves para dar preferência aos gosos da vida?”. 294

Em setembro de 1758, D. José I, retornando ao palácio, após uma visita

noturna à marquesa de D. Teresa de Távora e Lorena (1723-?), esposa de D. Luís

Bernardo de Távora (1723-1759), foi emboscado por desconhecidos que o feriram. O

caso ficou envolvido em mistério e foi devidamente explorado por Sebastião José de

Carvalho Melo,295 que empreendeu diligências secretas para descobrir os executores

de tal delito.296 Em dezembro do mesmo ano, numa rápida operação policial, alguns

políticos importantes, dentre eles líderes aristocratas como o conde de Atougia, o

duque de Aveiro e componentes da família dos Távora foram presos, uma perseguição

com forte conotação política, cujo objetivo seria neutralizar a ação da nobreza.

Page 133: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

133

As averiguações indicam também o envolvimento de alguns jesuítas que

teriam atuado como cúmplices no atentado, como o famoso Padre Gabriel Malagrida

(1689-1761) e os padres João de Matos e João Alexandre.297 Este episódio

completava uma série de entraves com a Companhia de Jesus, justificando o alvará

real de 1759, que ordenava o afastamento daqueles que serviam na corte como

preceptores ou confessores da família real, além da prisão e expulsão dos jesuítas.298

O ato de expulsão era realizado com o fim de preservar a autoridade real e a

soberania do Estado lusitano, colaborando também para a harmonia da sociedade

ameaçada pelos religiosos. O argumento utilizado era que a Igreja e especialmente a

Companhia de Jesus não estavam submetidas aos reis portugueses, criando o que

ficou conhecido como um Estado dentro do Estado, duas monarquias, uma temporal e

outra espiritual. Esta atitude, antes de ser um ato monárquico, era uma ação em prol

da segurança da coletividade, pois a punição aos nefastos religiosos visava a

conservar a tranquilidade, e os interesses dos fiéis vassalos. A expulsão assumia,

portanto, ares de proteção e defesa dos súditos à mercê de religiosos que não mediam

esforços para conseguir os seus intentos. Expulsão que causaria uma série de

transformações no reino e no império lusitano. A dimensão dada ao episódio e o tom

dramático em parte contribuíram para abrir campo a mudanças e à geração de

transformações mais profundas.

Portugal sofreu mudança institucional, estruturada por Sebastião José de

Carvalho que, ao assumir suas funções de Primeiro-Ministro, procurou fortificar o

Estado, impedindo o comportamento desregrado da elite portuguesa que gozava de

prerrogativas estimuladoras a práticas irregulares. A Igreja e a nobreza viviam com

grandes recursos enquanto a população caminhava na pobreza. O Primeiro-Ministro

desejava aprofundar a centralização do poder monárquico frente à Igreja e à nobreza e

sanear as finanças do Estado. Para tanto, apoiou-se em leis esclarecedoras do papel

das instituições e das relações existentes entre elas. Como bem salientou Lilia

Schwarcz, a assunção de Sebastião José de Carvalho e Melo não representava,

“entretanto, apenas a conquista pessoal de um político de carreira fulminante. Era

também a vitória de certo ideal administrativo e de um grupo que soube apresentar, no

momento certo, uma série de saídas emergenciais”.299

Page 134: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

134

A centralização de poder almejava reorganizar o império português

extremamente debilitado em sua balança comercial, especialmente com a Inglaterra,

pelos acordos econômicos celebrados entre os dois países, especialmente o Tratado de

Methuen (1703). O saneamento das contas do Estado passava pela revisão das

relações de dependência e pela sangria de recursos que debilitaram as finanças. A

criação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão e da Companhia de Pernambuco e

Paraíba, instituídas em 1755 e 1759, respectivamente, tinha como objetivo acelerar o

desenvolvimento econômico daquelas regiões coloniais, favorecendo a exploração

natural e o cultivo do açúcar e do fumo.300

Fernando Novais destacou que a política ilustrada pombalina era

essencialmente reformista e visava a solucionar a crise do sistema colonial, afetando

por decorrência das relações do Antigo Regime, pois, conforme observa o autor,

“Absolutismo, sociedade estamental, capitalismo comercial, política mercantilista,

expansão ultramarina e colonial são, portanto, parte de um todo, interagem

reversivamente neste complexo a que se poderia chamar, mantendo um termo da

tradição, Antigo Regime”.301 Neste universo, o poderio jesuítico tornara-se, com o

decorrer do tempo, um elemento nocivo à “saúde” do Estado em todas as suas esferas,

reduzindo a ação do rei e abalando principalmente os recursos do Erário Real. O

problema não era apenas a ação da Companhia, como observou Francisco Falcon: “O

processo de debilitação do poder do Estado, com suas inevitáveis seqüelas, traduzidas

sob a forma de inércia, ineficiência e aumento da corrupção no aparelho burocrático,

abriu caminho aos descontentamentos e às pretensões daquelas camadas ou grupos da

burguesia mais diretamente prejudicados, ou mais dispostos a contestar o crescimento

relativo da aristocracia”. Sebastião José de Carvalho Melo identificou o

enfraquecimento do poder real, entendendo ser preciso restabelecer a ordem

econômica do Estado português.302 Paulatinamente, reorganizava-se o Estado

adequando a justiça, o exército e o comércio à nova conjuntura.303

As transformações engendradas por Sebastião José de Carvalho Melo

esvaziaram o poder da Igreja entre 1760-1770, como reflexo do rompimento das

relações com a Santa Sé. O Primeiro-Ministro entendia que não era obrigado a aceitar

os documentos eclesiásticos, ou seja, os tribunais civis tinham o poder de rever as

sentenças dos tribunais da Igreja. A censura em relação às publicações, até então sob a

Page 135: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

135

égide da Igreja, passou para o poder da Real Mesa Censória, alterando também o

funcionamento do Tribunal da Inquisição, determinando que os bens confiscados dos

condenados fossem entregues ao Estado.

No decorrer da segunda metade do século, Portugal passaria por uma intensa

transformação mental e social, impulsionada por forças externas e internas, sendo o

terremoto apenas uma das rupturas do processo histórico português.304 A Europa vivia

um momento de efervescência ideológica movida pela força da razão. O homem

pensando por si mesmo procurava solucionar seus problemas, bastava compreender a

razão universal. A influência de ideias científicas e filosóficas já era intensa, fruto de

um movimento de longa duração no decorrer da primeira metade do século.

Nas cortes europeias a afirmação do poder temporal sobre o poder espiritual

marcava uma nova relação entre Estado e a Igreja. O pensamento iluminista foi

profícuo na discussão da liberdade e autonomia do Estado em relação à Igreja, mas

não poderia se confundir com as ideias iluministas defendidas em outras nações

europeias. Antonio Braz Teixeira, ao estudar este contexto, questionou o Iluminismo

português, observando que o movimento se apresentou como uma ação que pretendia:

“restaurar o espírito renascentista contra a segunda escolástica barroca, como

uma luta contra a tradição e autoridade, fundadas, uma e outra num modo de

pensamento de raiz matemática, uma filosofia de base empirista e sensista, num

intelectualismo e num racionalismo abstractos, de que resultava uma antropologia

eminentemente naturalista, que se pretendia liberta do teocentrismo aristotélico-

escolástico e marcada por um pendor utilitarista, quando não mesmo hedonista, por

um acentuado individualismo e por um reformismo entre ingênuo e utópico”.305

Independente das incongruências, as reflexões incidiam sobre como

harmonizar a ciência e a fé, o racional e o experimental, visando a conciliar o

tradicional com a inovação, deixando clara a necessidade de sistematização dos novos

valores e conhecimentos promovidos pelo avanço do pensamento científico. Tarefa

difícil de ser conduzida, tendo em vista as profundas raízes do pensamento

conservador na massa da população. Procurava-se revisar os conhecimentos a fim de

incorporar as novas ideias apresentadas pela Ilustração a uma minoria.306 A ilustração

em Portugal foi eclética e tentou equilibrar na medida do possível o avanço da ciência

Page 136: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

136

sobre a fé. As reformas empreendidas por Pombal significavam a abertura para a

penetração das luzes.

O debate sobre a revisão dos conhecimentos passou pelo questionamento da

educação e dos sistemas pedagógicos. Uma sociedade mais justa só seria possível se

houvesse uma mudança de hábitos e costumes, rompendo as barreiras do preconceito.

A emergência de um Estado progressista pressupunha uma educação de base

científica, que respeitasse o bem comum, a qual deveria nortear as Escolas e

Academias, até então influenciadas de maneira intensa pelos jesuítas. A secularização

da educação passou a ser uma bandeira propagada pelo pensamento iluminista que

visava a garantir a formação de um ser humano na sua integralidade.

A obra de Luis António Verney (1713-1792), intitulada “Verdadeiro Método

de Estudar”, apesar de confiscada pela Inquisição portuguesa, entrou no reino lusitano

e acabou por influenciar no direcionamento de algumas ações empreendias por

Sebastião José de Carvalho Melo. Verney nasceu em Lisboa onde viveu até a idade de

vinte e três anos. Como muitos intelectuais portugueses, Verney estudou no Colégio

de Santo Antão, em Lisboa, dando continuidade aos seus estudos na Universidade de

Évora, onde já manifestava sua discordância em relação aos métodos jesuíticos. Em

1736, partiu para Roma a fim de dar continuidade aos estudos de Teologia e

Jurisprudência e, ao retornar a Portugal, trazia na bagagem uma nova visão. Um forte

questionamento sobre as ideias escolásticas dos jesuítas e uma proposta para romper

com práticas pedagógicas ultrapassadas.

Na obra “Verdadeiro Método de Estudar”, Verney criticava o sistema

pedagógico dos inacianos, tanto no que dizia respeito ao seu conteúdo como ao seu

método.307 Questionava o ensino português e defendia a necessidade de reformas. As

críticas de Luis Antonio Verney baseavam-se no ideário iluminista. Porém, sua

proposta não entrava em confronto com a revelação e a graça divina, nem procurava

sobrepor a razão a estas. Atribuía o atraso e a decadência de Portugal ao

enclausuramento em que vivia o país. No seu entender, era necessário abrir espaço

para novas ideias, conforme outras monarquias já o faziam. Enfim, libertar Portugal

do claustro.308

Esta opinião foi compartilhada por outros pensadores. Antonio Nunes Ribeiro

Sanches (1699-1783), cristão-novo, foi outro expoente da ilustração em Portugal, que

Page 137: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

137

exerceu influência na política pombalina. Estudou Medicina e Direito na

Universidade de Coimbra, depois de formado seguiu para Salamanca a fim de realizar

o seu doutoramento. Retornou a Portugal, mas foi obrigado a realizar viagem para

outros países e se instalar em Paris, onde conquistou destaque, ao participar da

elaboração da “Enciclopédia”, editada por Jean le Rond d’Alembert (1717-1783) e

Denis Diderot (1713-1784), no ano de 1750. O ponto comum entre ele e Luis Antonio

Verney residia na identificação da necessidade de superar o atraso cultural do reino.309

Sebastião José de Carvalho Melo ao assumir o cargo de Primeiro-Ministro do

governo de D. José I construiria um conjunto de políticas que visava a reformar o

Estado lusitano, considerando parte das ideias destes pensadores. O Primeiro-Ministro

viveu em outras cortes europeias, como vimos, onde teve oportunidade de apreciar as

reformulações em processo e procurou aplicar uma política que rompesse o

isolamento e o atraso português. Esta posição ficaria evidente durante sua atuação

diplomática, iniciada em Londres no ano de 1738, onde permaneceu durante sete anos

e redigiu os seus primeiros escritos de teor econômico.310 Demonstrando possuir uma

ampla visão sobre as relações econômicas entre Portugal e Inglaterra, Sebastião José

de Carvalho Melo chamava a atenção para os problemas decorrentes de acordos

celebrados entre os países, por serem desfavoráveis ao reino lusitano.

Em seguida, foi designando para a Corte de Viena, onde teve oportunidade de

observar as reformas em curso na Áustria. A reforma política e financeira do Estado

mostrava-se imperativa para o fortalecimento da soberania austríaca, acompanhada de

uma nova relação do Estado com a Igreja. A tendência era para o estabelecimento de

um poder civil nacional que controlasse a Igreja, experiência que Sebastião José de

Carvalho Melo não esqueceria, usando-a como referência para as ações a serem

adotadas em Portugal.

Por seu caráter arguto, diplomacia e boa atuação como secretário dos

Negócios Estrangeiros e da Guerra (1750-1756), D. Luis da Cunha indicou seu nome

para a Secretaria dos Negócios do Reino (1756-1777).311 Após o terremoto que abalou

Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo conquistou maiores poderes. Ágil e

lucidamente, iniciou a reconstrução da cidade, entendendo que a catástrofe abria

espaço para que se processasse uma reconstrução do Estado.312 A ocasião reforçou as

dificuldades de caráter econômico enfrentadas por Portugal, decorrentes do fato de o

Page 138: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

138

país depender há muitos anos das riquezas procedentes do Brasil. Riquezas que

seguiam para a Inglaterra com uma rapidez avassaladora.

As manufaturas do reino estavam em condições precárias, e o atraso podia ser

observado em todos os setores, pela falta de investimentos na produção. Em 1784, um

viajante francês desconhecido registrou em algumas cartas escritas a um amigo a

situação em que se encontrava o reino:

“Porém sem embargo da aptidão das terras e suas produções dos bons

engenhos, e seus esforços, pouco se tem adiantado em Portugal este ramo de indústria.

Não posso verdadeiramente atinar coma a causa desta abjeção, em que aqui se vêm as

Fábricas. O Marquês de Pombal, no Reinado passado, sentindo o dano, que padecia a

Nação, em fazer passar os seus cabedais a Reinos estranhos, por gêneros, que podia

fabricar nas suas terras, aonde deixasse o preço deles, ou fundou, ou aumentou todas

as Fábricas de Portugal. É incrível o benefício, que nisto recebeu a nação. Rapazes de

baixa extração, que não podiam aspirar a coisas maiores, e que não podendo

acostumar-se a empregos servir, ou muito penosos, se viam condenados a passar a sua

vida em uma perniciosa ociosidade, abjeto seminário, de que saiam os jogadores, os

requerentes de causa, os contrabandistas, e mesmo os ladrões, e homicidas: passaram

ditosamente a ser membros úteis da Sociedade, e a servir às suas comodidades.

Aumentaram-se os matrimônios, e por conseqüência a população. Cresceu a polícia, o

asseio; cresceu a abundância dos gêneros precisos para os cômodos da vida, e o

dinheiro, que sai do Reino para engrossar os Estrangeiros tornou a girar dentro nele, e

a fazê-lo mais opulento. A muitas destas Fábricas se deram isenções e privilégios

exclusivos, um dos grandes meios de as aumentar, e aperfeiçoar”.313

Portugal não poderia ficar na franja da Europa. Necessitava caminhar a passos

largos para uma transformação que abrisse caminho para uma preparação local e que

implicaria uma mutação de todo o império lusitano. Para tanto, era necessário

preparar de homens capazes de realizar as reformas, sendo a instrução um dos

elementos decisivos na transformação.

O seu projeto não se ateve apenas à educação, apesar de esta ser um dos

pontos fundamentais de sua política. As ações políticas no sentido da centralização do

poder e as ações econômicas de essência mercantilista revelam que Sebastião José de

Carvalho e Melo construiu habilmente um aparato institucional e administrativo para

Page 139: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

139

garantir a sustentação e o funcionamento do Estado português.314A centralização feita

pelo Primeiro-Ministro foi acompanhada de medidas de caráter mercantilistas que

controlaram e restringiram as atividades comercias para garantir os interesses de

determinados grupos. Era necessário fortalecer as exportações portuguesas a fim de

que a classe mercantil florescesse e conseguisse dinamizar a economia, uma vez que o

terremoto havia gerado grandes problemas.

Os cofres do Erário público estavam dilapidados, os setores que compunham a

sociedade viviam em conflito; além disso, havia o atraso no ensino marcado pelos

métodos tradicionais, conforme registrara Luis Antonio Verney. Neste sentido,

Sebastião Jose Carvalho e Melo entendia que o Estado deveria ser o responsável pela

formação dos jovens, renovando a mentalidade portuguesa, em especial da elite. A

educação até então notoriamente influenciada pela religião passaria pelo processo de

secularização. Havia necessidade de uma aceleração histórica. As reformas

determinadas por Sebastião José de Carvalho Melo foram movidas pela modernização

que se contrapunha à ideia de “atraso e decadência” da sociedade e da cultura

portuguesa; a ideia de um novo espírito “científico” exigia novas maneiras de pensar,

inclusive do próprio poder do Estado. Parte do atraso de Portugal e das colônias,

segundo Sebastião José de Carvalho e Melo, devia-se à forte dominação da Igreja e

em especial dos jesuítas, responsáveis pela consolidação de uma ordem imutável.

O novo momento apresentava uma modernização que rompia o equilíbrio de

um universo governado pelas leis divinas. A expulsão dos jesuítas, a condenação do

Pe. Gabriel Malagrida e a alteração do modelo de educação impuseram uma

transformação abrupta à sociedade lusitana, como aquelas que ocorreram no âmbito

econômico. A assimilação de um modelo educacional, fundada no uso da teoria da

razão, só teria seus resultados alguns anos mais tarde.315

A ruptura impunha uma mudança de princípio, um novo conhecimento, em

especial aquele que fosse útil à sociedade, devendo partir da própria monarquia. A

educação dos herdeiros da coroa deveria compreender uma formação intelectual mais

sólida que respaldasse a arte de governar, desde que seguisse as diretrizes definidas

pelo Primeiro-Ministro; caso contrário, estava fadado à perseguição.

A reformulação da educação feita por Sebastião José de Carvalho Melo

propunha situar o ensino sob o controle do Estado, uma vez que os colégios jesuíticos

Page 140: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

140

tinham um domínio acentuado na formação dos jovens das classes dominantes do

reino. Nessa reformulação, a língua portuguesa era imposta como língua oficial e

exclusiva. Uma política pública de ensino poria fim aos desvios, unindo todos sob o

controle do Estado e de uma só língua e, neste sentido, a proposta de reforma da

educação não era meramente pedagógica, mas principalmente política. O ensino tinha

um propósito essencialmente utilitário, como observou Kenneth Maxwell: “criar um

corpo de funcionários educados segundo as ideias iluministas, dispostos a reformar a

burocracia do Estado e a hierarquia da Igreja”.316 Desta maneira, seria possível a

criação de um grupo de funcionários, burocratas e clérigos capazes de defender as

ideias sugeridas pela reforma.

A proposta de Sebastião José de Carvalho Melo para reerguer Portugal, diante

das potências europeias, incluía uma série de transformações no âmbito da educação,

que seria o grande agente transformador. O Primeiro-Ministro entendia que os jesuítas

estavam preocupados apenas com a formação de religiosos para a própria Companhia

de Jesus, enquanto ele propunha organizar a Educação segundo os interesses do

Estado, que deveria chamar para si esta responsabilidade. A ideia de uma educação

útil para sociedade era fundamental para a consolidação do próprio Estado.

Se pensarmos a educação como o um dos elementos capazes de evidenciar o

modo como a sociedade se organiza e/ou se desorganiza, notaremos que a monarquia

portuguesa passava por um processo de transformação e reorganização da sociedade.

Sebastião José de Carvalho e Melo era o empreendedor desta reorganização e dos

novos valores consolidáveis a longo prazo.

Pelo alvará de 28 de junho de 1759, foi suprimida a escola jesuítica de

Portugal e de todas as colônias. Para substituí-los, criou as Aulas Régias de Latim,

Grego e Retórica. Conforme a proposta, cada aula régia era autônoma e isolada, com

um professor único. Este seria indicado pelo bispo ou teria a sua aquiescência, já que

um dos objetivos da educação era a divulgação da doutrina cristã. Os professores

detinham o cargo de forma vitalícia, tendo como meta a difusão da língua portuguesa

entre os indígenas das terras coloniais. Os manuais escolares deveriam ser

modernizados a fim de atender as novas exigências.

Em 1761, Pombal fundou em Lisboa o Colégio dos Nobres.317 Seu intento era

criar um ensino progressista e científico para atender as novas necessidades do Estado

Page 141: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

141

e dos avanços técnicos em marcha, conforme havia proposto Ribeiro Sanches nas suas

“Cartas sobre a educação da mocidade”. 318 Os filhos dos nobres, na faixa etária entre

sete e treze anos, recebiam no colégio uma formação diversificada que incluía:

retórica, poética, grego, latim, história, inglês, francês, lógica, geografia náutica e

arquitetura militar, superando a educação doméstica preponderante entre a elite.319 Era

evidente que a proposta visava à formação moral e intelectual de cidadãos que

pudessem atuar em proveito da pátria nas diversas partes do império. Neste sentido,

para uma forma de gestão administrativa, era conveniente privilegiar a elite

dominante em detrimento dos demais habitantes do império. A formação dos jovens

cidadãos visava ao desenvolvimento econômico e à formação de homens para

atuarem na vida pública. Esta opinião era uma das ramificações da política implantada

por Sebastião José de Carvalho Melo no que dizia respeito à delimitação das

categorias nobiliárquicas. Naquele momento, a nobreza lusitana dominava a maior

parte dos cargos importantes do Estado, de maneira hereditária, fossem de

emolumentos ou de distinção, tais como: presidências de tribunais, comissões

diplomáticas, governos das colônias, postos de comando do exército. Contudo, as

competências e habilidades nem sempre eram condizentes com o exercício da função.

Em 1771, o Primeiro-Ministro empreende a segunda etapa da reformulação do

ensino português, criando a Junta de Providência Literária tendo como uma das suas

atribuições elaborar novos estatutos para a Universidade de Coimbra. A 28 de outubro

do ano seguinte, os novos estatutos aprovados revelavam o objetivo de adequar os

quadros universitários aos avanços do pensamento e da técnica, afastando da

formação o ensino com base escolástica, numa tentativa de aproximar-se da ideologia

iluminista, na medida em que se enfatizavam as disciplinas científicas. Aos jesuítas

coube a responsabilidade pelo atraso e pelas dificuldades da Universidade de Coimbra

e pelo sistema de ensino em vigor. Desta forma, a instituição passou a receber jovens

que obtinham uma formação virtuosa, muitos deles vindos da colônia brasileira.

Deve-se ressaltar que, além da necessidade de um quadro de administradores eficazes

nas colônias, era fundamental o desenvolvimento de setores econômicos que até então

permaneciam inexplorados. Como observa Guilherme Braga da Cruz estas reformas

de inspiração iluminista fizeram que o Estado assumisse o seu verdadeiro papel.320

Page 142: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

142

O “subsídio literário”, criado em 1772, foi instituído a fim de garantir a

manutenção do ensino primário e médio. Este subsídio, sob responsabilidade das

câmaras, era obtido por meio de impostos que incidiam sobre a carne verde, o vinho,

o vinagre e a aguardente. O valor reduzido do montante e a inconstância com que os

professores eram remunerados pelos seus serviços contribuíram para agravar a

situação que se intensificava, pois os professores eram mal preparados para o

exercício da função, principalmente na colônia brasileira.

No âmbito do ensino jurídico, as transformações foram marcantes, revelando o

embate e a relação do Estado com a Igreja. O predomínio da concepção do Direito

Romano e Canônico passou a ser alvo de questionamento na medida em que não

atendia as novas questões, como o papel do Estado e a questão da nacionalidade.

Neste sentido, podemos perceber que Pombal é guiado pelo movimento ideológico de

uma cultura iluminista, tendo a obra de Luís António Verney como referência. É

conveniente ressaltar que a ideia norteadora do processo de reforma era que a

educação poderia estar a serviço da recuperação econômica. Neste sentido, deve ser

compreendido o projeto de ênfase nas ciências naturais, especialmente mineralogia e

botânica, que tinha como meta criar novas formas de exploração dos recursos naturais

nas terras coloniais.

3.2 Portugal e o estímulo à História Natural

Portugal, aos olhos da Europa, era um país obscuro, estagnado em muitos

segmentos, incapaz de atrair um olhar demorado das demais nações. E a fatalidade do

dia primeiro de novembro de 1755 lançava-o no cenário da comoção mundial.

Contudo, o ímpeto progressista de Sebastião José de Carvalho Melo resultou o avanço

e a reconstrução. Ao designar membros da burguesia para funções públicas e

burocráticas, ele priorizou a atividade comercial, tentando romper com as estruturas

arcaicas.

Page 143: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

143

A expulsão dos jesuítas e o atropelo das ações da monarquia portuguesa

evidenciaram a falta de organização e a debilidade do projeto de uma política pública

de ensino, revelando também uma grande firmeza e ousadia no plano concebido por

Sebastião José de Carvalho Melo, apesar da dificuldade que enfrentou.

A estratégia reformuladora não agradava a todos os setores da sociedade, mas

somente àqueles que se achavam mais próximos do Primeiro-Ministro. Como bem

observou Kenneth Maxwell, ao analisar a atuação de Sebastião José de Carvalho e

Melo, o momento era o da consolidação de uma burguesia comercial, apoiada por ele,

gerando:

“reações dentro de Portugal precisamente porque interceptava outros conflitos

no seio da sociedade portuguesa: entre a velha nobreza e homens de negócios novos-

ricos; entre os modernizadores do sistema educacional e os defensores da tradição; e

entre pequenos e grandes empresários. Pombal tratou a oposição implacavelmente.

Suas reformas e seu despotismo eram, portanto, inseparáveis”.321

Para solidificar o seu projeto de reforma, a única via era o despotismo, em face

das rebeldias e desvios presentes na sociedade portuguesa e colonial. O objetivo de

Sebastião José de Carvalho e Melo era criar uma instrução popular para a colônia

brasílica, que não vingou, pois a escassez de professores e a fragilidade interna da

colônia favoreceram a fragmentação do sistema educacional. A proposta educacional

da monarquia não contava com os quesitos necessários para preencher o hiato deixado

pelo modelo jesuíta. Com a ascensão de D. Maria I (1734-1816) e o afastamento de

Sebastião José de Carvalho e Melo da sua função, os projetos foram atalhados e

ruíram. Contudo, nem a falta de condições para a manutenção dos professores ou os

custos elevados para a manutenção das escolas, bem como outros problemas já

salientados anteriormente nesta reflexão, anularam completamente as suas ações.

Como ressaltamos, o projeto para a educação era um dos planos desenvolvidos para a

colônia que se compunha com outros. No que tange à defesa do território da América

Portuguesa, ao estímulo à imigração, à concessão de liberdade aos índios e à difusão

da língua portuguesa, os resultados foram significativos e abalaram as estruturas

coloniais.

Sebastião Jose de Carvalho e Melo teve como meta corrigir as defasagens das

ações e opções dos monarcas anteriores. Este processo de transformação não foi

Page 144: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

144

implementado na sua totalidade em face de uma conjuntura de crise econômica que

envolvia o reino. Contudo, o Primeiro-Ministro soube responder às necessidades do

reino e de uma política que estimulava a produção e a capacidade produtiva das terras

brasileiras. Projetos e ideias que já haviam sido cogitados, mas não foram postos em

prática. Acreditou que eles poderiam ser de fundamentais para reabilitar o reino e

diminuir o grau de dependência que Portugal mantinha em relação a outras nações.

O impacto histórico de suas determinações pode ser considerado como um

verdadeiro terremoto que abalou o sonolento Estado português. Os estudiosos, cada

um a seu modo, tentaram reduzir ou aumentar a atuação da mão-de-ferro de Sebastião

José de Carvalho Melo, simplificando ou ressaltando as suas atitudes mais enérgicas

como elementos negativos da sua atuação como Primeiro-Ministro. O fato é que esta

gerou controvérsias na medida em que rompia com os objetivos de alguns segmentos

da elite metropolitana e colonial. Para esta a intensa atuação do Primeiro-Ministro foi

dramática, similar ao espetáculo de horror causado pela condenação e execução dos

Távoras, em 1759.

Modernizar a sociedade portuguesa era um grande empreendimento, radical na

sua essência, cujo processo foi conduzido por um forte agente. Os empecilhos não

eram poucos, mas a qualidade de Sebastião de Carvalho Melo emergiam de seu

virtuosismo e vanguardismo, apesar dos excessos que envolviam a imagem mítica do

político. O fato é que ele, como Primeiro-Ministro, foi um dos homens responsáveis

pelas transformações, como observou José Eduardo Franco:

“Sendo certo que a Sebastião José se deveu o protagonismo determinante da

consecução da política Josefina, quer nos seus êxitos, quer nos fracassos, e dos

projectos reformistas implementados então no reino, não é menos verdade que a

condução desta política foi feita com total proteção e confirmação do Rei que, além

do mais, lhe delegou poderes extraordinários para agir, poderes nunca até então

cedidos a um ministro na história política da monarquia portuguesa”.322

Suas deliberações envolvidas por uma aura iluminista, de fato, não

conseguiram ser transformadoras no grau e na intensidade desejáveis. O terremoto de

José Sebastião de Carvalho Melo fez ruir as estruturas antigas, dando ensejo ao

surgimento de um novo modelo. Aos poucos Portugal se reergueu, alçando vôo para

uma nova fase.

Page 145: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

145

A educação tinha um poder transformador, conforme afirmavam os

pensadores iluministas e acreditava José Sebastião de Carvalho e Melo. Nesse

sentido, era de suma importância a renovação das práticas de ensino a fim de se

adequarem às necessidades das novas gerações. Portugal tinha pressa em atingir a

modernidade, na medida em que verificava os avanços empreendidos por outras

nações.

A Filosofia Natural, por sua vez, precisava passar por um processo de

atualização do método científico para a compreensão dos fenômenos naturais.

Evidenciava-se uma dissonância entre o ensino nas escolas francesas e inglesas,

daquele ensino praticado em Portugal. A Congregação dos Oratorianos despontava no

meio intelectual português como um das instituições propulsoras do estudo da

Filosofia Natural e da Física Moderna, defendendo a necessidade do experimento

científico e de um criterioso método de apreensão dos fenômenos da natureza.323

A Congregação do Oratório de São Felipe de Nery chegou a Portugal em

1668. Os oratorianos praticavam uma autodisciplina rígida e um comprometimento

com a verdade, que deveria ser seguido por todos os seus membros. Dentre suas

práticas, destacavam-se a assistência religiosa aos mesmos favorecidos e também uma

forte preocupação com a educação. Os oratorianos possuíam uma liberdade relativa na

sua orientação pedagógica o que lhes permitia visitarem as novas discussões

metodológicas e filosóficas. Vigorava dentro da ordem uma liberdade maior no

âmbito das ideias, bem como uma maior interação com segmendos mais progressistas

do mundo europeu.324

A hegemonia dos jesuítas, na Universidade de Coimbra, impedia que

movimentos de ruptura se processassem com maior intensidade. Apesar dos

oratorianos terem uma difusão significativa no decorrer do século XVIII, estes não

conseguiram romper as barreiras impostas pelo modelo educacional jesuítico. Quadro

que seria alterado somente a expulsão da Companhia de Jesus das terras portuguesas.

Neste momento, os oratorianos participaram ativamente de grupos de debate

literário e científico, procurando estimular e revigorar com novas ideias as mentes

mais aguçadas. As diferenças, em termos de referencial teórico em relação aos

jesuítas, permitiram que um amplo debate de ideias acontecesse, contribuindo para

romper algumas teses ultrapassadas. A introdução do ensino de filosofia moderna nas

Page 146: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

146

escolas da Congregação do Oratório originou um novo universo de pensamento. Os

religiosos contavam com o apoio do monarca D. João V que, por meio de verba anual,

incentivava a atuação dos oratorianos na área da educação. Observa-se claramente que

parte da elite intelectual portuguesa passou a participar dos círculos mais esclarecidos

estimulados pelas ideias de ilustração numa Europa, onde fervilhavam novas

propostas.

Os jesuítas também haviam demonstrado interesse pelo assunto e

desenvolviam estudos nesse sentido, como abordamos anteriormente, revelando uma

postura mais conservadora quanto a algumas questões de matéria filosófica. Apesar de

esforços neste sentido, pouco se modificou na estrutura do Colégio das Artes de

Coimbra. Preponderava uma visão mais reticente em relação aos avanços do

pensamento filosófico que estava sendo engendrado na Europa.

Portugal estava numa encruzilhada entre uma cultura europeia que era

impactada por novos ventos do pensamento científicos e filosóficos e uma tendência

conservadora presente nas instituições portuguesas de ensino. O momento era de

antagonismos no processo de transição. No decorrer da segunda metade do século

XVIII, rupturas estruturais apontavam uma nova fase.325

A leitura e a utilização de novos textos, como os de Isaac Newton, foram

cerceadas em terras lusitanas. O esperado avanço científico estagnou perante a

dificuldade de penetração em um meio intelectual refratário aos estudos da ciência.

Contudo, as dificuldades não impediu que muitos procurassem apresentar as novas

abordagens do período, como o jesuíta Padre Inácio Monteiro (1724-1812) que, em

1754, publicou o primeiro volume do “Compêndio dos Elementos de Matemática

Necessários para o Estudo das Ciências Naturais, e Belas Letras, para uso dos

estudantes portugueses e para servir de introdução ao estudo das Matemáticas aos

curiosos destas ciências”.326 O jesuíta Inácio de Monteiro defendia a necessidade de

desenvolver a aprendizagem a partir da composição da experiência, da observação e

da prática, apresentado a proposta de um aproximação das ideias em voga na França e

na Inglaterra. Referia a importância de aprofundar os conhecimentos sobre física

experimental, dedicando-se também ao estudo de mecânica e hidráulica. O religioso,

como poucos jesuítas do seu tempo, demonstrou o seu lado contestatório, estando

Page 147: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

147

ciente de que adaptações eram necessárias, frente ao racionalismo proposto pelo

espírito das luzes.327

Sebastião José de Carvalho Melo foi o responsável por empreender o que era

considerado necessário. A renovação dos estudos era ansiada e lentamente vinha

sendo inserida pela influência direta das ciências. A expulsão dos jesuítas acelerou o

processo, permitindo que a reformulação dos estudos se fizesse de forma mais ampla.

A circulação de jovens portugueses por outras capitais europeias a fim de

realizarem seus estudos e empreenderem viagens culturais, que conquistavam ampla

difusão, contribuiu para evidenciar o descompasso da corte portuguesa em relação às

demais cortes europeias. Era necessário modernizar Portugal.

A vivência em cortes europeias deu a Sebastião José de Carvalho e Melo

oportunidade de contato com um conjunto de debates sobre matérias científicas. Em

1733 foi eleito membro da Academia Real da História, sendo admitido posteriormente

como membro da Royal Society. Sua estada como diplomata na corte de Viena o

aproximou de círculos progressistas, que exerciam grande influência na sociedade. O

Primeiro-Ministro sabia que os avanços experimentados por algumas nações

europeias eram provenientes do estímulo a uma educação mais próxima dos interesses

do Estado, que incluía o conhecimento científico na sua estrutura.

Numa decisão estratégica, Portugal abriu as portas para a ciência, colocando-a

a serviço dos interesses do Estado. A nova formação acadêmica, concebida por

Sebastião José de Carvalho Mello, visava a criar uma nova elite que fosse capaz de

identificar as potencialidades do império ultramarino português e explorá-las de forma

adequada, conforme os avanços e recursos que o saber científico possibilitava. A

ciência era útil, pois transformava o conhecimento em novas práticas que redundavam

em favor da lógica administrativa do Estado, extremamente convenientes para uma

nação que se recompunha de um terremoto e de uma situação econômica instável.328

A expulsão dos jesuítas deu ensejo a que fosse empreendido um conjunto de

reformas. A reformulação do sistema educacional evidencia apenas um aspecto das

mudanças que o Estado realizou no âmbito administrativo, político, econômico e

social. A reforma da educação fez parte de um projeto tendo como objetivo a

secularização do Estado e da sociedade, conforme os ventos iluministas.

Page 148: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

148

Se por um lado havia grandes idealizações, por outro havia dificuldades na

efetivação de projetos. O Colégio dos Nobres, antes de significar uma alteração

profunda do sistema, foi um meio para controlar o comportamento abusivo da nobreza

e pode-se entender que foi, como observou Verney, uma forma de corrigir costumes

impróprios da fidalguia e guiá-los para o estudos da Filosofia e das Ciências. Enfim, o

que se pretendia era dar uma nova orientação pedagógica.

Entre a concepção do Colégio dos Nobres e a sua fundação efetiva levou

quatro anos. Apesar de o planejamento detalhado prever o abrigo de cem estudantes, o

que ficou evidente foi a pouca atuação do colégio durante o período de sete anos em

que funcionou. Neste período, a instituição teria atendido pouco mais que 40 alunos.

A falta de êxito do Colégio dos Nobres pode ser um sinal importante para

identificar a conjuntura do período. Havia um desinteresse das famílias nobres em

enviarem seus filhos para esta instituição. Aliado a este fator pode ser registrada a

falta de organização e administração dos cursos, criando uma imagem desfavorável ao

ensino científico. Em 1772, Sebastião José de Carvalho e Mello aboliu o ensino

científico do Colégio dos Nobres, promovendo uma reforma mais profunda que foi

definida pelo novo estatuto da Universidade de Coimbra.

O novo estatuto foi uma das etapas mais importante das transformações do

sistema pedagógico empreendidas pelo Primeiro-Ministro e que pode ser

caracterizada como o apogeu da ilustração no ensino, fundado em princípios da lei e

da razão. Pelas novas diretrizes da universidade, os estudantes de Filosofia Natural

deveriam ter feito previamente um Curso de Humanidades. No que tange ao Curso de

Filosofia Natural, a matéria de História Natural deveria abranger discussões sobre

Zoologia, Botânica, Mineralogia e o conhecimento sobre a obra de Plínio, o Velho,

que ocorria no segundo ano letivo. Estas disciplinas deveriam ser cursadas juntamente

com Geometria, que era ministrada na Faculdade de Matemática. O aluno deveria se

submeter aos exames, e somente se aprovado seguiria para o ano subsequente, pois

dela dependia o estudo da Física Experimental.329

O estatuto determinava que a Filosofia fosse dividida em três grandes partes: a

Racional, a Moral e a Natural, as quais seriam contempladas no curso da

Universidade. A Filosofia Racional era compreendida como a Lógica, elemento

essencial para as operações de entendimento. Este ramo estudaria ainda: a Ontologia,

Page 149: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

149

que preparava para os primeiros princípios das ciências; a Pneumatologia, que

compreendia a ciência dos espíritos, e se dividia em Teologia Natural, e Psicologia; e

a partir delas a Metafísica, que tratava dos primeiros Princípios, e da Natureza

Espiritual. A Filosofia Moral inerente à Ética e à Filosofia Natural abrangia todos os

ramos da ciência que tivesse por objeto “a contemplação da Natureza, exceptuando

somente o que pertence em particular aos Cursos Medico, e Mathematico; o primeiro

dos quaes se limita á Fysica do Corpo humano; e o segundo á Filosofia da

Quantidade, enquanto susceptivel de numero e de medida”.330 Desta forma, o

documento precisava a área de conhecimento que abrangia a Filosofia Natural.

O Estatuto, tendo como referência os debates e as práticas de outras

instituições europeias, entendia que:

“não havendo outros meios de chegar ao conhecimento da Natureza senão a

Observação, e a Experiência; começará o “Curso de Fysica pela História Natural”, em

que se ensinam as verdades de facto pertencentes aos tres Reinos da Natureza, havidas

pela Observação o Sendo porém a Observação limitada aos factos, os Fenomenos, que

a mesma Natureza offerece aos olhos dos homens no Curso ordinario das suas

Operações; depois das verdades conhecidas pela Observação, será necessário passar

ás que somente se podem haver por meio da Experiência; a qual obriga a mesma

Natureza a declarar as verdades mais escondidas, que por si mesma não quer

manifestar, senão sendo perguntada com muita destreza, e artifício”.331

O documento tratava com destaque a parte experimental da Filosofia Natural,

que deveria ter concebida a partir da Filosofia Experimental e da Filosofia Química. A

Filosofia Experimental serviria para indagar as leis e as propriedades gerais dos

corpos considerando-os como “móveis, graves, resistentes, &c. e descubrir a razão

dos factos conhecidos tanto pela Observação, como pela Experiência”. A Filosofia

Química deveria questionar as propriedades particulares dos corpos, analisando os

princípios e os elementos de que eram compostos. A meta era descobrir os efeitos e as

propriedades de cada um e os resultados da mistura deles.332

O estatuto não se restringia às diretrizes principais do novo projeto. Ele era

minucioso no detalhamento das disciplinas e dos conteúdos que cada uma delas. O

documento revelava um projeto pedagógico preocupado com a maneira como as

matérias seriam ministradas, mas também atento a como elas se inter-relacionavam. O

Page 150: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

150

papel do professor era importante em todo o processo, lembrando que estes deveriam

funcionar como estímulo para o aluno. O docente deveria apresentar os conceitos e os

fatos, somente depois fazer um trabalho sobre especulação do entendimento humano,

de forma que o conteúdo ficasse devidamente esclarecido para o aprendiz. Este por

sua vez, não deveria assistir às aulas de forma passiva, principalmente quando se

tratava de aulas nos laboratórios. Era importante que participasse, fazendo

experiências, e pela prática construísse hábitos e sagacidade, deixando de ser mero

expectador da natureza.333

Como podemos observar, o curso foi concebido de forma que o aluno fosse

agregando conhecimento em cada uma das etapas, o que era fundamental para a boa

consecução da fase seguinte. Apesar de Sebastião José de Carvalho Melo apresentar o

projeto da Universidade como um avanço para a compreensão dos acontecimentos

científicos, houve uma série de questionamento ao teor das reformas, principalmente,

pela definição do fechamento da Universidade de Évora; como em outras de suas

ações, o despotismo do ministro não admitiu ideias contrárias às suas, e seus

opositores foram perseguidos.

Deve-se levar em consideração, também, que a reformulação do ensino

atendia aos planos de um Estado com necessidade de explorar adequadamente as suas

colônias. Isto pode ser constatado na medida em que o reino português foi responsável

pela organização do ensino, ficando a seu critério a montagem dos cursos e a

definição dos currículos. Além disso, a nova estrutura educacional visava à formação

de profissionais que pudessem atuar de forma decisiva na administração pública. O

estudo de História Natural abrangia um universo amplo, conforme os estatutos da

Universidade de Coimbra. Contudo, os alunos se detinham mais na compreensão do

reino animal, vegetal e mineral, seguindo os modelos de classificação vigentes.

Segundo o estatuto, o estudo da natureza deveria ser iniciado pela Zoologia e o

instrutor analisaria os animais em função da sua utilidade para o homem na

agricultura e no comércio. No segundo momento de estudo, o alvo era a Botânica, que

se ateria a garantir conhecimento sobre o uso e préstimos de diferentes espécies, não

ficando atenta somente à nomenclatura das mesmas. O estudo da Mineralogia era a

terceira etapa, devendo se atentar para a utilidade que renderia aos homens e não para

o sistema de classificação.334

Page 151: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

151

O estatuto salientava a importância de orientar os discípulos à observação

aliada à prática, ao conhecimento da matemática e, no momento adequado, que

fossem acrescentados os estudos da Física Experimental e posteriormente o de

química. Nota-se que a ênfase na prática era uma constante, apesar de nem sempre

existirem condições propícias para a realização de experiências.

O mesmo documento revelava a importância deste conjunto de conhecimentos

para os interesses da coroa portuguesa. As medições de lugares e terrenos, as táticas

de campanha e da marinha, as construções da arquitetura naval, civil e militar, bem

como as fábricas seriam beneficiadas por este saber. O conhecimento das terras

coloniais atendia ao desejo de estabelecer uma territorialidade da posse, reconhecendo

e demarcando os limites das possessões pertencentes a Portugal.

Conforme o estatuto, o conhecimento da natureza implicava deter habilidades

para a cartografia e o desenho topográfico, bem como para o desenho de animais,

plantas e minerais. Aqueles que desejassem realizar um curso superior, na

Universidade de Coimbra, tinham que ter idade mínima de dezoito anos e saberem ler

e escrever em latim, assim como ter conhecimentos suficientes de grego. O domínio

do inglês e do francês eram também importantes. Para o curso de Medicina, havia um

período preparatório e o estudante deveria possuir sólidos conhecimentos de História

Natural, Lógica, Moral, Química, Física Experimental, Matemática, dentre outras

disciplinas. Em seguida, havia um período de estudos mais aprofundados em diversas

áreas durante cinco anos. O estudo da natureza era fundamental na formação do futuro

médico, na medida em que teria que conhecer as propriedades das espécies da flora e

da fauna para os tratamentos medicinais.

Nos laboratórios de estudo da natureza havia painéis com diversas espécies de

folhas, sementes, cascas, raízes, animais que poderiam ser utilizados também pelos

médicos. Além da identificação das espécies, os estudantes deveriam aviar a receita e

preparar os medicamentos. Este conjunto de conhecimentos era ampliado pelas visitas

ao jardim botânico, onde era possível identificar as espécies no mundo natural. Além

deste estudo, eram importantes as pesquisas no âmbito da Anatomia, cujo objetivo era

conhecer a estrutura do corpo humano e também dos animais. Além do uso de

cadáveres humanos, após a reforma feita por Sebastião José de Carvalho e Melo, era

comum o estudo e a dissecação das aves, a fim de se fazerem estudos comparativos

Page 152: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

152

que pudessem auxiliar na formação acadêmica. Estes elementos são importantes por

evidenciar que o estudo da natureza, antes de conquistar uma relativa autonomia e

definição no âmbito da História Natural, estava diretamente ligado aos estudos de

Medicina.

A reformulação da Universidade de Coimbra não atingiu os cursos da mesma

forma. Os Cursos das Ciências Naturais, que reuniam os cursos de Medicina,

Filosofia e Matemática (que abarcavam a História Natural, a Química e a Física

Experimental) foram os mais afetados.

Para a Universidade de Coimbra foram convidados professores italianos

visando ao ensino dos filhos da aristocracia lusitana. Para os laboratórios do Colégio

dos Nobres foram convidados professores italianos que tiveram a incumbência de

organizar os espaços onde se realizariam os experimentos. João Antonio Dalla Bella

(1730-1823)335 teve a seu encargo a montagem do laboratório de Física e Domingos

Vandelli (1730-1815) ficou responsável pelo Gabinete de História Natural. Na

montagem deste último, a ideia de Vandelli era reunir espécies provenientes do

Jardim Botânico da Ajuda reunindo-as com seu acervo particular que mandara vir de

Pádua. Seu objetivo era o de compor um amplo mostruário do teatro da natureza,

acrescentando “as coisas do Reino do Brasil e conquistas”.336

O Jardim Botânico da Ajuda atenderia, a priori, aos desejos de instrução da

família real. Enquanto jardim de aclimatação, conseguiu congregar no espaço os

interesses de conhecimento botânico com o estudo de novas propostas de exploração

de plantas pela agricultura e medicina. Neste jardim se formou a Casa do Risco, local

em que os desenhistas deveriam registrar suas impressões sobre a natureza, sendo

também um espaço destinado às experiências, com laboratório químico, e analises de

plantas. O Museu de História Natural, criado em 1783, foi o amadurecimento da

experiência do projeto iniciado no Jardim da Ajuda.

Na seqüência, Domingos Vandelli foi escolhido lente de Química e História

Natural da Universidade de Coimbra. Com as reformas pombalinas, passou a ser um

grande impulsionador da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779) e de estudos

sobre a natureza.

A reforma da Universidade havia confirmado a importância do estudo da

natureza e da utilização do método experimental no processo de aprendizado. Além

Page 153: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

153

de Domingos Vandelli, outras sumidades acadêmicas foram chamadas para lecionar

em Coimbra. O matemático Miguel Antonio Ciera (? -1779), que participara das

expedições de delimitação de Limites entre Espanha e Portugal, foi instado a lecionar

Astronomia. Giovanni Antonio Dalla Bella foi convidado para ministrar aulas de

Física Experimental. Com a reforma da Universidade de Coimbra, o ambiente estava

mais bem preparado para o estudo da natureza. As pesquisas sobre aclimatação de

espécimes vegetais, o reconhecimento de espécies da fauna e novos métodos de

cultivos eram o alvo constante destes estudiosos.

Atuando na Universidade de Coimbra, Domingos Vandelli assumiu a missão

de escrever uma história natural das colônias portuguesas, além de ser se um dos

incentivadores para a criação da Academia Real de Ciências de Lisboa. O projeto de

história natural, das colônias portuguesas, era uma proposta ousada e ampla, tendo em

vista que o conhecimento das terras coloniais poderia trazer novos subsídios ao

desenvolvimento da ciência e do Estado português.

O gabinete de História Natural era um dos elementos mais importantes desse

processo e também contribuía para a formação dos jovens naturalistas, onde amostras

de espécies do reino animal, mineral e vegetal estavam disponíveis para estudos.

Além do gabinete, havia o Jardim Botânico que reunia uma série de espécies

cultivadas que também eram utilizadas nas pesquisas e experiências.

Os jardins botânicos das universidades europeias eram de porte modesto,

servindo especificamente para a pesquisa, onde era possível encontrar espécies

próprias para uso medicinal. Em 1768, foi criado o Jardim Botânico da Ajuda, junto

ao palácio real. Um dos objetivos da instituição era fornecer aos membros da família

real uma educação iluminista de base científica. Além disso, visa a realizar pesquisas

e experiências que ampliassem o conhecimento sobre a natureza de forma que esta

pudesse ser mais bem explorada.337

A criação do Jardim da Ajuda auxiliou a realizar uma série de experiências

sobre as plantas e seus benefícios. Neste sentido, o conhecimento sobre as espécies

naturais das terras coloniais era de suma importância para o império português, tanto

no âmbito do desenvolvimento científico, como do econômico. As viagens que

ocorreram nesta segunda metade do século XVIII tinham como objetivo contribuir

para a ampliação do conhecimento sobre as potencialidades das terras coloniais, sendo

Page 154: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

154

parte de um grande projeto. A postura de Sebastião José de Carvalho Melo, no que

tange à reforma da Universidade de Coimbra, foi inovadora e ao mesmo tempo

cautelosa. O momento exigia que o Estado português empreendesse modificações

fundamentais para o processo de reestruturação do aparelho administrativo. Contudo,

as condições financeiras inspiravam cuidados e deveriam ser consideradas por ocasião

dos investimentos na montagem do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.

Sebastião Jose de Carvalho Melo, em carta ao reitor D. Francisco de Lemos, de 5 de

outubro de 1774, aconselhava que este controlasse os gastos, não se iludindo com

aquilo Domingos Vandelli solicitava. A intenção do ministro era criar um gabinete

simples sem onerar os cofres lusitanos. Seu temor era procedente, uma vez que

Vandelli por ocasião da montagem do Jardim Botânico da Ajuda havia realizado uma

“despesa exorbitante e inútil de cem mil cruzados”.338

A previsão de criar um Jardim Botânico em Coimbra tinha como intuito reunir

espécies de diferentes partes dos domínios ultramarinos portugueses. O projeto inicial

de Vandelli foi revisto, pois a ideia era constituir um jardim com menos investimento.

Com a Reforma Pombalina, a Universidade de Coimbra também foi obrigada a

instalar um Jardim Botânico, para que nele fossem cultivadas diferentes espécies de

plantas úteis à medicina, reunindo ali exemplares de diferentes partes do império, para

serem utilizados nas aulas e nas observações dos estudantes.

O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra foi entregue aos cuidados de

Júlio Matiazzi, que assumiria papel importante no Governo de D. Maria I. Júlio

Matiazzi era discípulo de Vandelli e foi responsável, durante o governo da rainha D.

Maria I, pela instrução dos naturalistas brasileiros na realização de suas coletas. O

papel de Júlio Matiazzi, além de orientar, era receber informações e redistribuí-las aos

demais pesquisadores. Desta maneira, os naturalistas acompanhavam regularmente

andamento dos trabalhos de seus companheiros em outras partes do império.339

Domingos Vandelli, além atuar como docente na Universidade Coimbra, foi

um membro atuante da Academia de Ciências de Lisboa, sendo responsável por várias

memórias e registros de grande valor para o estudo da História Natural. O contexto

político na década de 1770 implicava um universo de desconfianças e perseguições,

presente na Universidade de Coimbra, impedindo que alguns projetos se efetivassem,

Page 155: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

155

como o da formação de uma Academia de Ciências, naquela cidade. Um grupo de

intelectuais se articulou para formar uma instituição isenta das intrigas políticas.

D. Luis Antonio Furtado de Castro Mendonça e Faro, 6o Visconde de

Barbacena (1754-1830) foi um dos membros que trabalhou para a formação da

Academia Real de Ciências em Lisboa, tendo sido um dos primeiros a conseguir o

título de doutor na Faculdade de Filosofia. D. João Carlos de Bragança e Ligne de

Sousa Tavares Mascarenhas da Silva, 2o Duque de Lafões (1719-1806) foi outro dos

responsáveis pela formação da instituição. Este era filho de d. Miguel de Bragança

(irmão de D. João V) e de d. Luísa Casimira de Nassau e Sousa. Estudou

humanidades e filosofia, frequentando em seguida a Universidade de Coimbra e

realizou viagens pela Europa e Oriente Médio. Pertencia à alta nobreza de Portugal,

exercendo influência política no século XVIII e ocupou o cargo de marechal e general

do exército.340 Como ex-aluno da Universidade de Coimbra, realizou trabalhos com o

intuito de instituir a Academia, sendo ele o responsável pelo pedido oficial feito à

rainha d. Maria I, neste sentido.

Desde a primeira metade do século XVIII havia um grupo de pessoas que

estimulava o debate sobre as ciências e que formaram gabinetes de curiosidades,

como: d. João de Almeida Portugal, 2º conde de Assumar (1663-1733), que governou

as Minas Gerais e prestou serviços como embaixador em Barcelona, ingressando na

Academia Real de História em 1721 e a Duquesa do Cadaval, d. Margarida Armanda

de Lorena-Armagnac (1675-1730), casada com d. Nuno Álvares Pereira de Melo, 1º

duque de Cadaval (1648-1725), que era filha do Conde de Armagnac e de Harcourt, d.

Luís de Lorena, estribeiro-mor de Luís XV. Conforme registros estes foram os

responsáveis pela montagem de gabinetes de raridades. Conforme está consignado,

outros nobres portugueses também tiveram como ocupação a formação de gabinete de

curiosidades como d. Francisco Xavier de Menezes, 4º conde de Ericeira (1673-

1643),341 cuja paixão pela História Natural era reconhecida por muitos, pois havia

constituído uma biblioteca contando com mais de quinze mil volumes.

O desejo de criar a Academia de Ciências de Lisboa advinha do interesse em

reunir os pensadores mais expressivos da comunidade portuguesa, sem interferências,

visando unicamente ao progresso do pensamento científico. A Universidade de

Page 156: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

156

Coimbra, apesar de reunir um grupo de acadêmicos, estava envolta em uma série de

disputas internas e interesses pessoais que acabavam por gerar a inércia da instituição.

Em 24 de dezembro de 1779 foi fundada a Academia Real de Ciências de

Lisboa, formada pelo esforço de um grupo de intelectuais que defendia a ideia de que

o pensamento científico deveria estar voltado para os interesses da nação lusitana.

Dentre os objetivos da instituição, pretendiam estimular o aumento da agricultura, das

artes e da indústria, a fim de favorecer as atividades do reino. Na realidade, a intenção

era aplicar os saberes em benefício do desenvolvimento de Portugal, sendo

necessário, para tanto, a união das artes com as técnicas. 342

Dentre as atividades da Academia de Ciências de Lisboa, estava a publicação

de estudos para a divulgação de informações sobre a agricultura em favor da

sociedade. Naquele momento, entendia-se que cada nação deveria conhecer

adequadamente o seu território, suas riquezas e seus recursos de forma que pudessem

ser explorados. A História Natural poderia revelar conhecimentos fundamentais que

em benefício da nação.343 Por decorrência, observa-se o aumento das publicações

sobre temas desta disciplina, a fim de atender aos interesses do Estado, bem como dos

homens envolvidos em atividades agrícolas, comerciais e industriais. Esta circulação

de obras, em parte, foi impulsionada pelas viagens filosóficas empreendidas nas

décadas de 1780 e 1790.

A criação da Casa Literária do Arco do Cego, em 1799, permitiu que a

comunidade científica divulgasse o seu trabalho e discutisse os problemas de Portugal

e das terras coloniais portuguesas, conquistando destaque e mesmo tempo dando

visibilidade aos trabalhos de muitos naturalistas, como analisaremos

oportunamente.344

A Tipografia do Arco do Cego foi um espaço de editoração criado para a

divulgação da produção científica do reino. A criação fazia parte do projeto político

de d. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), que via na pesquisa científica e sua

disseminação um elemento importante para formar as novas elites. Deve-se considerar

ainda a preocupação com as novas técnicas agrícolas, num momento em que Portugal

buscava explorar seus recursos naturais com maior propriedade. Outro aspecto

importante é que a Tipografia do Arco do Cego, além dos trabalhos que publicou, se

tornou um espaço de sociabilidade intelectual, identificável no grupo que se formou

Page 157: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

157

no entorno de Frei Mariano da Conceição Velloso, responsável pela tipografia, e nas

publicações que realizou.

D. Rodrigo de Souza Coutinho era afilhado de Sebastião José de Carvalho

Melo. Estudou no Colégio dos Nobres e se formou na Universidade de Coimbra.

Viajou pela Suíça e França, interagindo com pensadores iluministas. Nos idos de

1778, foi nomeado diplomata português junto à Corte da Sardenha, em Turim,

retornando a Portugal. Assumiu o cargo de secretário de Estado da Marinha e

Domínios Ultramarinos (1796-1801), sendo posteriormente presidente do Real Erário

(1801-1803) e ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros (1808- 12) na regência de

d. João VI. Atento à conjuntura política, percebeu que as debilidades administrativas

de Portugal causariam a fragmentação do território colonial, principalmente após a

independência dos Estados Unidos (1776).

Para resolver uma série de problemas, d. Rodrigo de Souza Coutinho recorreu

aideias ilustradas para administrar o reino. Era preciso racionalizar as práticas

administrativas, a fim de aliviar aos súditos o peso tributário. Seu objetivo era reforçar

a unidade do império, por meio de administradores talentosos, escolhendo para tanto

os membros mais preparados da elite colonial.345

Domingos Vandelli indicou seus alunos de Filosofia Natural, formados pela

Universidade de Coimbra, para viagens de exploração científica nas colônias

portuguesas do ultramar, a fim investirem seus conhecimentos na exploração e

aproveitamento dos recursos naturais. O projeto delineado por Vandelli consistia num

detalhado levantamento sobre o reino vegetal, mineral e animal para aproveitado

econômico pelo Estado português; esse trabalho seria compartilhado por d. Rodrigo

de Souza Coutinho.

A proposta incluía que as espécies encontradas nas colônias fossem

devidamente acondicionadas e enviadas para Portugal. Domingos Vandelli, no seu

“Diccionario dos termos technicus de historia natural extraídos das obras de Linneo,

com a sua explicação e estampas abertas em cobre, para facilitar a inteligência dos

mesmos e a memoria sobre a utilidade dos jardins botânicos”, de 1787, afirmava que

o homem: “só com a força da sua imaginação não podia comer, nem vestir-se, nem

executar os seus desejos; enfim nada podia fazem sem o auxilio das produções

naturais, que são a base de todas as Artes, de que dependem principalmente os

Page 158: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

158

comodos, e prazeres da vida. Pois que o conhecimento delas contribui à felicidade

humana”.346

A natureza não era importante somente pela alimentação, ela servia ao homem

para os momentos de recreação, principalmente para aquelas pessoas cujos ofícios

impediam contato com o mundo natural.

Segundo Vandelli, no século XVIII a História Natural era mais cultivada do

que nos séculos anteriores. Tal fato podia ser comprovado pela quantidade de

descobertas desse período e pelo crescimento de museus naturais. Estas instituições

eram importantes, pois “a impossibilidade de se poderem ver todas as produções da

Natureza espalhadas em países tão remotos, supre o Museu, no qual como em um

Amphitheatro aparece em uma vista de olhos, o que o nosso Globo contem”.347 O

museu era um livro sempre aberto, no qual o observador se instruía com prazer e

facilidade. Nele era fácil apreender a nomenclatura das produções da natureza, fazer

comparações e observações para investigar a origem e a formação das espécies, bem

como dos seus usos na economia. O museu era de grande utilidade, porque auxiliava o

homem a estimar a natureza. O filósofo poderia admirar a natureza e seus fenômenos.

O químico poderia descobrir os segredos no mundo natural, já que a natureza amava

esconder-se. O agricultor fazia experimentos que permitiam a multiplicação de

espécies que poderiam ser úteis aos homens. Além disso, o museu servia para a

instrução e diversão humana.348

O conhecimento da História Natural abrangia a extensão do universo, sendo

necessário dividi-lo em vários gêneros, causando confusões, algumas vezes. Para

Vandelli a Anatomia, Medicina, Economia e outras Artes eram ramos da ciência, que

se dividia em Zoologia, Botânica e Mineralogia. A natureza era um espetáculo digno

de ser contemplo nessa ampla diversidade, dotada de leis e dinâmicas próprias.

A Zoologia não consistia apenas no conhecimento dos nomes de cada animal.

Era importante conhecer a sua anatomia, “seu modo de viver, e multiplicar, os seus

alimentos, as utilidades, que deles se podem tirar; e saber aumentar, e curar, e

sustentar os que são necessários na economia”. Era preciso descobrir os uso dos

animais desconhecidos ou “extingui-los se são nocivos, ou defender-se deles”.349

Da mesma maneira, deveria ser compreendida a Botânica. Não bastava ao

botânico saber o nome das plantas, mas que ele conhecesse outras coisas mais difíceis

Page 159: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

159

ou interessantes como “as suas propriedades, usos econômicos, e medicinais; saber a

sua vegetação, modo de multiplicar as mais úteis, os terrenos mais convenientes para

isso, e o modo de os fertilizar”. 350

Quanto à Mineralogia, Domingos Vandelli afirmava que os naturalistas

antigos conheciam as minas de ferro, mas não observaram sua propriedade magnética.

Tal situação havia privado, por muitos séculos, que eles comercializassem com as

“Nações mais distantes, e de saber a grandeza, e figura da Terra”. 351 Os naturalistas

modernos, observando o mineral, o empregaram na navegação e chegaram a regiões

da África, Ásia e à América.

Domingos Vandelli enfatizava que o estudo da História Natural não se

restringia ao conhecimento da nomenclatura. Era fundamental observar e realizar

experiências para conhecer as relações existentes na natureza. Tal processo induzia ao

conhecimento, ao uso das espécies, aos tipos de terra e alterações sofridas com a

exploração do homem, dentre outros aspectos que contribuíam para o entendimento e

aplicação de suas respectivas utilidades. Por conseguinte, era necessária a dedicação a

esse estudo, na verdade um desafio à inteligência humana, desde o conhecimento da

nomenclatura, principalmente aqueles criados por Lineu. 352

Esta situação o motivou a escrever um dicionário para fornecer ao estudioso,

com clareza, os termos técnicos utilizados nas pesquisas de História Natural. A

tradução ficou inicialmente a cargo do Dr. Francisco José Simões da Serra,

demonstrador de História Natural, que faleceu, e Domingos Vandelli executou o

projeto.

O Dicionário dividia-se em oito partes que compreendiam a terminologia de

mamíferos, aves, peixes, anfíbios, insetos, vermes, botânica e mineralogia. O

naturalista ressaltava que, para os gêneros das gramas, pela dificuldade de reconhecê-

las, acrescentara duas tábuas com os riscos de todas as frutificações dos ditos gêneros. 353

A elaboração de uma obra como esta era vital, por não haver “até agora uma

Flora de Portugal, e do Brasil, ajuntamos a este Dicionário um ensaio delas, com os

nomes Portugueses, virtudes medicinais, e uso na tinturaria”. 354 Em Portugal, a única

obra de Botânica era a “Viridarium Lusitanicum” de Gabriel Grisley (1661). Segundo

Vandelli, em correspondência com Lineu, tal trabalho era “miserrimum opus” pela

Page 160: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

160

forma de classificação e registro das espécies, o que justificava a elaboração do

dicionário.

Uma obra sobre a natureza poderia revelar como a matéria viva estava

organizada e como todos dependiam dela. Era preciso conhecer a diversidade e a

complexidade da natureza e estudar as cadeias de dependência. Domingos Vandelli,

na obra “Memória sobre a utilidade dos jardins botânicos a respeito da agricultura

especialmente da cultivação das charnecas”, afirmava que a ciência da agricultura

consistia no conhecimento dos vegetais, da sua natureza, do clima e do terreno em que

eram cultivados. Estes condicionantes permitiam compreender a fertilidade e a

abundância de determinadas espécies sobre outras. 355

Para tanto, era importante o estudo da Botânica e a realização de experiências

e reflexões físicas. Além disso, era fundamental a existência de um jardim botânico

que abrigasse vegetais de todos os climas e terrenos. Conforme Domingos Vandelli,

um botânico ignorava inteiramente quais seriam os terrenos estéreis, a não ser quando

a terra fosse marcada pela presença de enxofre e sal. A existência de mais de treze mil

plantas catalogadas fazia que o botânico tivesse que estudar os tipos de terreno para

identificar quais eram os mais propícios para o cultivo, e por decorrência de interesse

para a economia. Cada espécie de planta se adaptava melhor a um tipo de terra

influenciando diretamente na sua produtividade. Para o estudioso duas eram as

opiniões a respeito da fertilidade da terra:

“A primeira, é que a terra serve somente de matriz aos vegetais, e de nada

mais: a segunda, que os vegetais tomam o maior nutrimento da terra. O que é porém

incontestável, é que o maior nutrimento das plantas depende da água, e

principalmente da chuva, a qual com as partículas diferentes que trás da atmosfera, e

dos sais, e óleos depositados na terra concorre muito para a vegetação. Além do que

contribui o calor, a luz, e matéria elétrica”.356

O assunto era vasto e difuso e já vinha sendo discutido por vários autores. Para

Vandelli, bastava saber que uma terra que impedia a passagem das águas nem do ar,

como o barro, era estéril para o cultivo de determinadas espécies e fecunda para

outras. Da mesma maneira, um solo arenoso, que não retinha as águas e os sais

minerais necessários, poderia ser infecundo para algumas espécies e não para outras.

Tal fato tornava o jardim botânico um local privilegiado para identificar estas

Page 161: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

161

situações. Além de possibilitar a reunião de diferentes plantas, provenientes de

diversas partes do mundo, era possível conhecer os usos que se poderia fazer delas na

medicina, nas artes, no comércio e na agricultura. 357

A importância dos jardins botânicos poderia ser observada, segundo Vandelli,

identificando-se a existência deles em outros países. Naquele momento, havia na

França doze jardins botânicos, na Espanha dois, em Sabóia um, na Itália treze, na

Alemanha vinte, em Inglaterra três, na Prússia quatro, na Holanda oito, na Dinamarca

um, na Suécia três, na Polônia um e na Rússia um. Havia ainda muitos jardins

particulares. Esta profusão de jardins era fruto do desejo e do apoio financeiro dos

monarcas que mandavam pesquisadores pelo mundo para descobrirem novas

plantas.358

O jardim botânico e o conhecimento das espécies poderiam ser constatados

pela circulação das plantas. Muitas delas vindas de áreas distantes se aclimataram na

Europa e ali proliferam. Por estes conhecimentos dos ingleses e dos franceses (em que

se incluíam o reconhecimento das plantas da América conquistada e levadas para a

Europa), Vandelli considerava os benefícios: “imensa utilidade, e cada vez poderão

tirar maior lucro".359 Nos jardins botânicos por serem cultivadas diferentes espécies

de plantas de todos os climas e terrenos era possível escolher as mais próprias e

adequadas ao país. Desta forma, Vandelli elencava alguns exemplos de plantas que

não eram nativas da Europa, mas que conseguiram se adaptar com êxito ao solo e

clima europeu:

“O trigo, ainda que se não saiba verdadeiramente o lugar do nascimento não é

planta da Europa. O milho painço é da Índia. A aveia é da Ilha de João Fernandes, as

borragens vieram de Alepo. O rabão da China; o milho da América; o Arroz é planta,

que se julga da Etiópia, e que antes se cultivava na Índia; a Fava é do Egito; a

Amoreira branca da China; Os Tomates da America; o Pimentão é do Brasil; a

cidreira o Limoeiro da Ásia, Media, Assíria; a Laranjeira da China; o Igname, a

Asafroa é do Egito; a Piteira é da América &c.”360

O naturalista afirmava que quase todas as árvores frutíferas existentes em

Portugal eram provenientes de outros países. Além daquelas que eram úteis à

alimentação humana, havia plantas e árvores que eram utilizadas como ornamentos. A

pesquisa dos jardins botânicos indicava que plantas de climas e solos diferentes da

Page 162: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

162

Europa, quando transplantados para este continente se adaptavam e poderiam ser

utilizadas para fins econômicos. Este trabalho de prospecção levava è análise de

terrenos incultos e à possibilidade de seu uso para tirar proveito para a nação. Estes

terrenos incultos eram chamados comumente de charnecas, que não eram estéreis e se

poderia fazer uso deles, como era possível constatar pelas experiências inglesas,

irlandesas, suecas e francesas. Nas charnecas, como aquelas do Alentejo, nasciam

várias espécies de plantas naturais como o tomilho, a quarqueja, o rosmaninho, a

aroeira, o zimbro, dentre outros. Todavia, uma grande parte do Alentejo era inculta,

por ser terreno arenoso, não se podendo semear trigo ou milho com proveito.361

A grande indagação de Domingos Vandelli era: “Por ventura faltam meios

para fazer melhor este terreno? Ou faltam plantas úteis em alguma parte da Economia,

que lhes sejam próprias? Certamente não.” A solução parcial para o problema era

simples, bastava fertilizar estes lugares incultos. Para tanto, deveria proceder a queima

das plantas com as suas raízes, cujas cinzas faziam o terreno mais fértil. 362 Em alguns

locais não faltavam bancos de barro que faziam os terrenos melhores por impedirem a

passagem da água. Nos casos em que, debaixo do terreno arenoso, não se achasse nem

barro, nem greda, que pudessem ser localizados por meio de uma sonda, havia ainda

alguns terrenos vizinhos, outeiros, onde era possível encontrar conchas marítimas, que

eram excelentes para o cultivo de plantas.

Outras práticas poderiam ser empregadas, desde que se tivesse conhecimento

das qualidades do solo. Caso o terreno a ser cultivado, estivesse nas proximidades do

mar, era possível valer-se de testáceos marítimos ou da turfa que poderiam ser

utilizados na fertilização do solo. Nas localidades em que houvesse rio, deveria fazer

uso das águas para o cultivo, ou nos casos em que as terras fossem encharcadas seria

possível plantar trigo. Se estas orientações não pudessem ser seguidas, poder-se-ia

atentar para o tipo de espécies que se adaptariam ao local ou que pudessem ser mais

favoráveis a uma recomposição do solo. No caso do Alentejo, que era uma das

preocupações da coroa portuguesa, seria possível explorar a região com plantas

“suculentas” como a figueira do inferno e a alcaparra, que se conservavam por muitos

anos em lugares onde a raiz não recebia grande quantidade de água. Para tanto, era

preciso que se procedessem a estudos, como os suecos haviam feito com resultados

positivos em terras com qualidades inferiores àquelas do Alentejo.363

Page 163: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

163

Domingos Vandelli indagava ainda: que proveito se tiraria caso se reduzissem

a pastos estes lugares incultos? Segundo o estudioso, havia plantas próprias para estes

terrenos que permitiriam a manutenção do pasto e a multiplicação dos rebanhos.

Outra alternativa para a região do Alentejo, era o plantio de pinheiros que em poucos

anos daria muito lucro. A amoreira branca, por exemplo, nascia e se criava bem

naquele terreno, sendo as suas folhas mais secas. Estas, por sua vez, eram adequadas

ao sustento dos bichos da seda, além do que, plantando os ramos das raízes velhas das

amoreiras era possível, dentro de quatro anos, encontrar plantas grandes.364

O assunto merecia diferentes considerações; entretanto, a vastidão delas

impedia que se aprofundasse o assunto. O naturalista, afirmava que seu objetivo era:

“fazer experiências sobre as plantas que se cultivam, e se cultivarão neste

Real Jardim Botânico a fim de conhecer as mais adequadas para este feliz clima, e

aquelas que multiplicadas poderão dar maior utilidade: farei mais exatas observações

sobre os lugares incultos, indicarei os meios proporcionados conforme as situações, e

produções, tratando fundamentalmente de todos estes objetos”. 365

Desta maneira, os jardins botânicos eram os locais que permitiam a

observação de processos sistemáticos de experimentação e demonstração da utilidade

econômica das espécies. Estes constituíam instrumentos privilegiados na construção

do conhecimento sobre os recursos existentes. Cabia ao estudioso de História Natural

analisar e identificar a utilidade.

Em 1788 Domingos Vandelli publicou a sua obra “Florae Lusitanicae et

brasiliensis specimen”, demonstrando que a atenção aos recursos naturais poderia

contribuir para a economia portuguesa, em se considerando principalmente a colônia

brasílica. Seu objetivo era proceder a um inventário, seguindo as orientações de

Lineu, para o qual o estudo da natureza seria capaz de fundamentar as práticas

econômicas do Estado se este soubesse aproveitar os recursos naturais, com as

tecnologias adequadas.

A bibliografia consultada nos autoriza a afirmar que no final do século XVIII

havia maior compreensão do mundo natural. A busca por informações mais

detalhadas e a euforia dos novos achamentos aguçavam a curiosidade do corpo social.

O mundo natural agora fascinava os homens que demonstravam prazer ao descobrir

os mistérios da natureza. A circulação da informação cada vez mais rápida fazia que o

Page 164: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

164

saber sobre o mundo natural conquistasse também um discurso que não era apenas o

científico. O interesse de uma camada interessada em assuntos ligados à natureza fez

que jornais circulassem no período, dando a dimensão o avanço conquistado.

A pesquisa da natureza contribuía para a melhoria das condições de vida da

população. O pensamento ilustrado português enfatizava a leitura da natureza e os

caminhos especulativos da razão. Neste intuito, Domingos Vandelli concebeu a

formação de expedições para diferentes pontos do império colonial português, com o

objetivo de catalogar e descobrir novas espécies, como fizeram outros expedicionários

anteriormente. Vandelli planejou as viagens filosóficas de 1783, que no contexto das

terras coloniais brasílicas, foi empreendida com destaque por Alexandre Rodrigues

Ferreira (1756-1815). Esta naturalista tinha a função de dirigir a expedição,

preparando os diários, bem como os demais registros, além de verificar as amostras de

produtos naturais que seriam enviados a Portugal. Da expedição participaram também

Manuel Galvão da Silva (1750 - depois 1790), encarregado de providenciar as

condições necessárias para a realização da viagem e da preparação de animais e

plantas para serem remetidos a Europa e Angelo Donati, responsável pelos desenhos a

serem realizados.366

É nesse contexto, após a reforma pombalina, que podemos identificar a

presença de naturalistas brasileiros comprometidos com o projeto político

administrativo concebido por Sebastião José de Carvalho Melo, que viveu no decorrer

do reinado de D. Maria I. O que se pode observar é que as políticas lusitanas de

governo conjugaram esforços para promover o desenvolvimento dos três elementos

fundamentais da economia: a indústria, a agricultura e o comércio. Os trabalhos dos

naturalistas foram guiados pelos interesses do Estado lusitano e as ações que estes

empreenderam estavam diretamente ligadas aos ao Ministério dos Negócios

Estrangeiros do Ultramar. Martinho de Mello e Castro (1769-1796) e seu sucessor D.

Rodrigo de Sousa Coutinho (1796-1801)367 estabeleceram como meta o

reconhecimento das potencialidades econômicas do império colonial, tendo como um

dos planos de ação o projeto das viagens filosóficas.

Como vimos, a intenção do governo lusitano era reunir uma série de

informações sobre a agricultura das diferentes regiões e a forma de exploração dos

recursos naturais, seguindo o movimento da época; a ideia era fazer um extenso

Page 165: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

165

conhecimento sobre um território imperial imenso. Para tanto, foi de suma

importância o conhecimento gerado na Academia Real de Ciências de Lisboa e os

avanços que o estudo sobre a natureza conquistou até aquele momento. Como

destacou Prestes:

“O século XVIII vive o apogeu da História Natural, mais comumente

caracterizado pela atenção especial à descrição e classificação dos seres vivos. Trata-

se de um momento em que não apenas o mundo científico, mas também as elites

‘esclarecidas’ da Europa preocupavam-se em coletar, catalogar e colecionar minerais,

vegetais e animais em seus gabinetes de curiosidades. Momento em que o europeu se

encantava com a exuberante flora e fauna trazida das terras do Novo Mundo e em que

se multiplicavam os herbários, jardins e coleções de espécimes, tanto oficiais quanto

privados. Também é ali que se começam a fazer sentir as consequências dos danos

que o homem é capaz de causar na natureza”.368

O quadro aqui apresentado permite compreender as expedições feitas pelo

interior das terras brasílicas e os diferentes interesses que as moveram. Muitas das

viagens exploratórias não tiveram como preocupação o método científico, mas

procuraram, da forma que era possível, registrar o que a terra poderia oferecer. As

expedições científicas que ocorreram nas últimas décadas do século XVIII apontavam

um maior rigor em alguns registros. Contudo, este momento era a fase inicial de um

processo que se consolidaria no decorrer do século seguinte, e por decorrência as

formas narrativas eram oscilantes. A forma e os motivos dos discursos haviam se

alterado no decorrer do século XVI até XVIII, sendo oportuno marcar estas diferenças

para apresentarmos posteriormente as descrições sobre as terras brasílicas.

Page 166: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

166

Quarto Capítulo

Dos relatos de viagens

às descrições dos naturalistas

“Conhecer o mundo não adianta nada: as viagens apenas complicam a ignorância”.

Mário Quintana

“Começar a pensar é começar a ser atormentado.”

Albert Camus

Page 167: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

167

4.1 Dos relatos de descoberta

aos registros da conquista

Os primeiros relatos povoaram o imaginário europeu com representações

idílicas, onde preponderavam uma natureza exuberante permeada de riqueza e

ausência de trabalho árduo. A maioria dos relatos, numa visão emblemática,

claramente utilitária do mundo natural, destacava as propriedades produtivas dos

novos espaços, paisagens bucólicas, fauna e flora abundantes, variadas e exóticas,

eivada de elementos fantásticos. As representações proporcionavam uma aproximação

com a idéia de paraíso terrestre de abundância e riqueza, cuja obtenção não requeria

grande esforço humano. Se o jardim de delícias não havia sido descoberto, algo

próximo disto poderia ser contemplado.369

A construção da imagem do Novo Mundo foi feita a partir de associações que

remetiam ao referencial europeu, dando significado a um universo desconhecido.

Conforme afirmou Sérgio Buarque de Holanda, os marinheiros e exploradores

portugueses do período, tendo a experiência como mestra, constituíam “os olhos que

enxergam, as mãos que tateiam” e que iriam mostrar “constantemente a primeira e

última palavra do saber” ao mundo.370

A conquista territorial conduziu ao conhecimento de um mundo natural

adverso, onde viviam povos em estágios culturais diferentes dos europeus e de outros

povos conhecidos. A ocupação do espaço pressupôs o rompimento da natureza no seu

estado originário de desordem. O processo de ocupação territorial, com o

estabelecimento de feitorias, aldeias e vilas simbolizava a tentativa de domínio do

homem europeu sobre a natureza brasílica. A atitude predatória e dominadora em

relação ao mundo natural, característica deste primeiro momento de ocupação do

espaço, evidenciava a forma como o pensamento cristão decodificava a diferenciação

clara entre o espaço civilizado, cristão (ordem) próximo ao paraíso de delícia, e o não-

Page 168: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

168

civilizado, não-cristão (desordem) próximo ao inferno. O mundo natural existia para

servir ao ser humano, independente do local onde estivesse. Os relatos de viagem

eram o meio pelo qual se apresentavam as novidades que faziam parte do universo de

outras culturas, incluindo também menções e descrições da natureza.371 Cada registro

comportava uma dimensão distinta, pois os registros refletiam a vivência dos

navegadores e viajantes. Na realidade, estes procuravam dar sentido às novidades que

tinha oportunidade de experienciar. De fato, precisavam compreender o novo mundo,

reavaliando e dando sentido ao seu próprio mundo.372 Contudo, nem sempre a fixação

de registro era adequada. João de Barros, no prólogo às “Décadas da Ásia”, lamentava

a falta de cuidados dos cronistas em relação aos grandes feitos das descobertas.

Damião de Góis, na sua “Crónica de D. João lI”, também aponta falhas na obra de Rui

de Pina, que não mencionava a viagem de Bartolomeu Dias na sua crônica do reinado.

Se havia escassez de registros, havia também deficiências na preservação de registros

e documentos legais, bem como o caráter secreto de muitos que restringiram o

conhecimento sobre a saga das descobertas. É provável que as informações que

chegaram sobre o Novo Mundo foram muitas, mais diversificadas do que aquelas que

temos hoje para consulta.373

O desafio fez parte da aventura dos deslocamentos. Perigos reais e imaginários

faziam parte das experiências dos deslocamentos que foram registradas por diversos

tipos de viajantes. Alguns dos registros davam conta do itinerário que constituía o fio

condutor da narrativa, lembrando em muito as epopéias do mundo antigo, onde a

imagem de Odisseu aflorava com toda a intensidade, na sua aventura em busca da ilha

de Itaca. A sequência temporal era importante para contextualizar o processo da

viagem e ser fiel à realidade histórica. A cada parada, emergiam as referências sobre

os povos e os lugares. Normalmente, as localidades mais representativas são

mencionadas, em especial as cidades e as diferenças do mundo natural. Estas

passavam a ser essenciais nas narrativas e poderiam dar a tônica do registro, tendo em

vista a dinâmica do comércio, do artesanato, das festas e de outros movimentos que

abrigava. Porém, deve-se ressaltar que o tom do relato enfatizava as peripécias, as

dificuldades, as possibilidades de fazer fortuna, ou a luta pela defesa da fé cristã, que

poderia garantir o papel de mártir. O sofrimento era uma constante. A felicidade

contida.

Page 169: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

169

O maravilhoso fazia parte dos escritos que apresentavam os temores em

relação ao desconhecido. Os elementos de realidade faziam parte de um discurso

narrativo importante para aqueles que tivessem o privilégio de conhecê-los. A viagem

era por excelência o momento propício para refletir sobre si próprio, o tempo, a vida,

a Criação, e o devir humano. Como bem salientou Lévi-Strauss, as descobertas

permitiram aos homens refletir sobre si próprios:

“A experiência dos antigos viajantes, e, por meio dela, esse momento crucial

do pensamento moderno onde, mercê das grandes descobertas, uma humanidade que

acreditava ser completa e acabada recebeu de repente, como que numa contra-

revelação, o anúncio de que não estava sozinha, que era parte de um conjunto mais

amplo e que, para conhecer-se, devia antes contemplar a sua imagem irreconhecível

neste espelho, do qual uma parcela, esquecida durante séculos, ia, só para mim, lançar

o seu primeiro e último reflexo”.374

Viajar era poder conhecer o mundo natural, criado ou não por um Deus

superior. Era fugir da monotonia do cotidiano. O homem não desejava apenas ver a

semelhança, mas sim o extraordinário, aquilo que pudesse surpreendê-lo e

surpreender aos outros.375

No decorrer dos séculos XV e XVI, os relatos e a literatura de viagens

conquistaram maior ressonância devido às viagens marítimas. Os registros dos

navegadores pormenorizavam sociedades desconhecidas. Um universo totalmente

novo a ser comunicado. A viagem pelos mares exigia uma reunião de interesses

econômicos, políticos e, sem dúvida, culturais. Todavia, a racionalidade dos interesses

econômicos nem sempre explicou o gosto pela aventura, pelo desconhecido ou pela

novidade, que só a mentalidade medieval tinha alimentado. A escrita sobre estas

aventuras ainda era um privilégio de poucos, mas havia um público ávido por

conhecer ou saber sobre o que havia além dos limites da Europa.

Um amplo público e uma profusão de experiências de viagens fizeram que os

editores identificassem nesse segmento uma oportunidade para maiores lucros. As

coleções de viagem se popularizaram e ganharam o domínio público. Neste momento,

as contribuições para o saber eram sensivelmente ampliadas, na economia, na

organização social e cultural, nas técnicas náuticas e principalmente em relação ao

mundo natural, como tivemos oportunidade de salientar nos capítulos anteriores.

Page 170: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

170

Para as mensagens serem compreensíveis, as descrições do novo faziam

associações de semelhança como o universo de coisas conhecidas na Europa. O

desconhecido deveria ser captado na dimensão do conhecido. Os relatos dos cronistas

forneciam exemplos da realidade que por vezes eram acrescidos de elementos

fantásticos. A narrativa de viagem era um dos aspectos do deslocamento, que poderia

ser feita no decorrer do percurso ou após ele ter ocorrido. O ato de escrita implicava

reflexão e síntese da experiência vivenciada pelo viajante-escritor. Como destaca

Luciana de Lima Martins, o ato da escrita adquire autoridade tanto sobre sua própria

experiência no campo, quanto para o leitor sedentário, que reanima, com sua

imaginação, as imagens grafadas no papel.376

A leitura dos livros de viagem permitiu outras viagens. Pelas linhas do texto

um universo diferente se abria. Novas pessoas, culturas, imagens, sensações eram

apresentadas ao leitor, que construía um universo imaginário. A leitura permitia que

novas imagens emergissem dos territórios distantes, ao mesmo tempo em que uma

plêiade de viajantes, que nunca haviam deixado o seu universo, viajasse com os olhos

da mente.

Nos séculos XV e XVI surgem inúmeros registros de viagem, normalmente

relatos e diários que descreveram as aventuras que os descobridores e navegadores

enfrentaram. Conforme afirma Manuel Simões, o século XVI é o “período áureo” da

literatura de viagens em Portugal, que oscilou entre os textos de “euforia”

relacionados aos descobrimentos e os textos de “disforia”, que compreendia o

conjunto de relatos de naufrágios.377

O avanço pelo mar não foi coroado somente de êxitos. A cobiça fez que

muitos se aventurassem de forma arriscada pelo Oceano e o resultado deste

empreendimento nem sempre foi o melhor. Navios grandes e carregados de forma

excessiva comprometiam a vida de todos a bordo, e não raras vezes era necessário

lançar ao mar as mercadorias para que se evitasse o desastre. A falta de velas e o mau

estado delas comprometiam as ações de salvar as embarcações, quando ventos fortes e

o balanço do mar acometiam as mesmas. Os registros sobre estes acontecimentos

procuram dar a dimensão da tragédia. Eles foram construídos a partir dos relatos orais

dos sobreviventes que forneceram detalhes sobre as dificuldades do avanço pelo mar,

a chegada a terras desconhecidas, após o naufrágio, a busca por alimentos que levava

Page 171: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

171

os homens a avançar pelo território enfrentando serras, rios e o perigo dos ataques dos

aborígenes, como aquele que seria relato por Hans Staden. Contudo, o referencial

emblemático das agruras das viagens está nas trovas da obra de Luis Vaz de Camões

(c. 1524-1580), os “Lusíadas”, poema épico que relatava a expedição de Vasco da

Gama à Índia, exaltando a conquista portuguesa e de toda a Europa.

Os registros de viagens se diversificavam na medida em que diários de bordos,

relatos de campanhas militares, visitas de embaixadas estrangeiras passaram a ser

outros tipos de fontes para a compreensão das viagens. Neles era também possível

encontrar as descrições sobre os locais, as tradições, os costumes, o regime político e

administrativo. Rapidamente, cresceu o público interessado pelas aventuras e

novidades das descobertas. As coleções de viagem se popularizariam e ganhariam o

domínio público nos séculos seguintes, nos formatos mais diferentes.

O escrito, ou o impresso, resgatou parcialmente a relação ver-conhecer que, a

partir daí, passa a ser, ler-conhecer, em consonância com o espírito do período. Os

registros pressupunham que uma das partes - os leitores - estivesse distanciada do

universo ao qual se referia, mas tão presentes quanto os redatores, pois como lembra

Todorov, “o destinatário é tão responsável pelo conteúdo de um discurso quanto seu

autor”.378 As descrições só seriam compreendidas se um processo de comunicação

efetiva ocorresse ou, como Roger Chartier destaca, é preciso existir circulações

fluídas, com “práticas partilhadas que atravessam os horizontes sociais”,379 unindo

vivências comuns.

No decorrer do século XVI, diferentes viajantes que ancoraram nas terras

brasileiras deixaram informações sobre a terra e sua gente. Nos registros dos

missionários era comum que, antes de registrar os feitos da propagação da fé, se

fizesse uma caracterização da terra, na medida do possível, descrevendo clima,

montes, rios, limites do território, coisas notáveis naturais como fontes, frutos,

plantas, minerais, animais terrestres, aves, peixes. Além disso, era conveniente

registrar as feições dos habitantes, seus costumes, religião, política, dentre outros

aspectos.

Os jesuítas foram os responsáveis pela elaboração dos primeiros documentos

sistematizados e constantes sobre as terras brasílicas. Conforme as orientações dos

padres superiores da Companhia de Jesus, as cartas deveriam ser elaboradas

Page 172: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

172

regularmente pelo Provincial ou seu substituto. O conteúdo essencial foi definido pelo

do Pe. Inácio de Loyola, em carta de 15 de agosto de 1553, ao Provincial Pe. Manoel

de Nóbrega.380 O texto deveria anotar as características das casas que os religiosos

habitavam, o que havia em cada uma, as formas de comer e beber, as condições de

vida na região, o clima, os costumes dos povos. Informações que serviriam para

aperfeiçoamento moral e religioso de outras pessoas, que leriam ou ouviriam o

relato.381 As cartas faziam parte de um sistema de interna comunicação da Companhia

de Jesus com interesses diversos e abrangentes, sendo reguladas por uma sequência de

procedimentos administrativos rígidos da ordem, que atendiam a uma multiplicidade

de funções da própria instituição religiosa, bem como dos governos aos serviam.

Registros de experiências incomuns daqueles que se aventuram em longos

deslocamentos, apresentadas de forma edificante que revelavam a ação jesuítica no

mundo.

As cartas e relatórios quadrimestrais produzidos pelos jesuítas, além de

consubstanciarem os frutos obtidos na catequização do gentio, permitem compreender

aqueles que viveram a experiência transoceânica e continuariam os seus

deslocamentos em busca de índios para as suas reduções. As informações registradas

pelos religiosos satisfaziam a curiosidade da mentalidade européia. Por vezes, as

cartas passavam ao domínio público que as reproduziam e as espalhavam

oralmente.382 A conquista religiosa implicou a redação de cartas e informações que

com o objetivo de participar aos superiores da Companhia de Jesus suas atividades.383

Parte dos relatos, devidamente selecionados, circularam pela Europa a fim de atender

a curiosidade de um amplo grupo de curiosos. Como destacou Adriano Prosperi, a

ordem religiosa:

“as tipografias produziam incessantemente novas colectâneas de Cartas e de

Avisos que tornavam acessíveis a todas as categorias de leitores os relatos das viagens

e das experiências dos missionários europeus no mundo. Mas não foi por acaso que

Bartoli referiu que as suas fontes eram os <textos originais>: de facto, o que tinha

sido impresso não era o texto real das cartas enviadas pelos missionários, mas o fruto

de um trabalho editorial complexo, feito de selecção e de censura, destinado a

fornecer uma determinada imagem e a controlar rigorosamente as reacções dos

leitores. Em suma, um trabalho destinado à propaganda”.384

Page 173: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

173

As cartas e outros relatos produzidos no período, que apresentaremos a seguir,

são importantes documentos informativos sobre a natureza da terra dos brasis.

Registros sobre uma vivência que contribuía para amenizar o erro das informações

fantásticas. Documentos que devem ser valorizados, pois contribuem para enriquecer

o conjunto de experiências e conhecimentos históricos, geográficos e naturais sobre as

terras brasílicas.

As descrições ás vezes continham poucas descrições para evitar confusão. As

informações marcavam as diferenças. A organização se preocupava com a

informação, marcando claramente as diferenças. Os aspectos mais importantes eram

selecionados, sendo omitidas a experiência do autor. Este movimento de construção

selecionava aspectos mais importantes, ignorando a experiência do autor. Alguns

discursos preferiam marcar as oposições e as inversões de valores observadas no

contato com as tribos indígenas, em detrimento do mundo natural. As práticas

antropofágicas, os perigos do desconhecido e uma valorização da aventura ganhavam

relevo em relação a um mundo natural e exótico.

4.2 Relatos com princípios científicos e ideológicos

Os relatos de viagens, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, apresentavam-se

de formas diferentes e dependentes da atitude perante a viagem. Muitos adotavam um

tom de documentário, tendo como meta informar e instruir. Alguns viajantes,

principalmente os naturalistas a partir da segunda metade do século XVII,

empreenderam uma leitura a partir de princípios científicos e ideológicos, cujo

objetivo era dar a conhecer determinados elementos do mundo natural.

Estes registros, que possuíam diferentes formas de concepção e estruturação,

eram bem diferentes daqueles que no passado procuravam apresentar as sensações e o

prazer de apreciar as paisagens e reconhecer novas culturas. Alguns textos foram

organizados como diários e procuraram apresentar numa sequência rigorosa das

etapas das viagens, empregando uma linguagem objetiva e neutra. Outros eram

Page 174: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

174

concebidos a partir de categorias básicas como aspectos geográficos de localização,

mundo natural, hábitos e costumes, aspectos históricos etc., procurando fazer um

registro isento de juízo.

A possibilidade de encontro de minerais preciosos e outras espécies que

pudessem obter um alto valor no mercado intensificaram os deslocamentos,

especialmente durante o século XVII, da Europa para América. O reconhecimento e

exploração do território ganhava força pelas diversas expedições exploratórias,

permitindo a coleta de novas informações.

Nesta época, a Europa oferece melhores condições para deslocamentos em

períodos mais longos, por interesses comerciais ou culturais, dentre outros; de

qualquer forma, viajar torna-se uma nova forma de viver. Em vista disso, surgem

manuais orientando sobre a “a arte de viajar”. Apresentavam uma lista do que era

digno de observar, como locais e edifícios a serem visitados. Da mesma forma,

orientava o viajante quanto às anotações, descrições e sugestões de como organizar as

idéias. Esse guia facultava ao viajante preservar na memória aspectos interessantes de

sua viagem.

Sempre que possível, os viajantes deveriam cruzar as informações com outras

leituras ou relatos orais a fim de se confirmarem suas análises. Havia trabalhos

editados amplamente conhecidos na Europa e poderiam ser utilizados. Isto comprova

a importância da leitura sobre o tema das viagens antes da partida, assim como a

circulação de obras sobre viagens.

Alguns viajantes habilidosos tornavam seus relatos agradáveis, favorecendo a

divulgação da literatura de viagem com seus conteúdos sobre cultura, religião,

costumes, política, sem incorrer em erros ou preconceitos. A contextualização da

experiência e a explicação sobre o significativo de determinadas práticas e

comportamentos eram responsáveis pelo correto entendimento sobre o que o viajante

acreditava ter conhecido.

Nesse século também se nota o desejo de observar, mensurar e classificar,

como um reflexo dos debates em voga na Europa. O sujeito, ávido pelo

conhecimento, ansiava por novas experiências que conduzissem a novos olhares; ver e

ler em função de uma utilidade que, pouco a pouco, era transformada pelas discussões

impostas pelo pensamento científico. 385

Page 175: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

175

A publicação dos relatos foi sendo acompanhada de gravuras que registravam

com maior clareza o quotidiano das terras tropicais e o hábito dos seus habitantes. No

século XVII, cartógrafos holandeses publicaram seus registros e compilações de

mapas que ilustravam a região de Pernambuco, detalhando sua fauna, flora,

autóctones e as cidades. Pouco a pouco, os mapas foram incorporando os saberes

existentes sobre as terras tropicais, com novas informações, movimento de abertura,

crescimento e circulação de informações.

Desse período, podemos destacar as obras de Frans Janszoon Post (1612-

1680) que nasceu em Harlem, onde estudou. Ele era irmão de Pieter Post (1608-

1669), arquiteto responsável pelo urbanismo da cidade Maurícia. No período

compreendido entre 1636 e 1640, Franz Post pintou diversas paisagens no entorno da

vila de Olinda e do Recife, algumas observando a própria natureza, outras a partir da

memória e dos esboços que fizera quando esteve no nordeste da América Portuguesa,

estimulando a curiosidade européia sobre as terras coloniais lusitanas, cujo acesso

estava interditado a outras nações. Ele próprio completaria algumas obras no país de

origem, procurando reconstituir as experiências que tivera nas terras exóticas dos

trópicos.

Algumas gravuras revelam um olhar distanciado da experiência, vago e

impreciso. Se os registros apontam de certa forma uma natureza edênica, num

primeiro momento, o avanço pelo interior fazia que esta imagem fosse ou não

reforçada. A descrição pictórica dava ordem ao espaço. Uma paisagem, enquanto uma

composição de pintor-viajante, tinha uma função pedagógica, além de registrar o

momento. Brancos, negros e mestiços compunham a sociedade dos trópicos,

delineando uma paisagem social ímpar. Retrato de uma cultura bem diferente da

européia e que aguçava as mentes mais afeitas à cultura de outros povos.

As dificuldades na ocupação do interior podem ser observadas nos diferentes

registros sobre a aspereza das matas e dos caminhos. As serras com seus declives e

aclives exigiam esforço humano e cuidado. Era preciso atentar para as armadilhas do

caminho, apoiar-se em galhos e ramos, enfrentar lameiros e aguardar toda sorte de

surpresas.

Os relatos de viagem, em formato de cartas, seriam mais difundidos no século

XVIII. As cartas, pelo tratamento simples e mais íntimo, agradavam ao leitor. Como

Page 176: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

176

observa Tiago dos Reis Miranda, as cartas fizeram parte da arte de escrever no século

XVIII, registrando serviços, apresentando cumprimentos ou reivindicações, dando

conta das novidades e das ações. As cartas atendiam a uma informação mais objetiva

e direta, sem os inconvenientes da imprensa, marcada pela lentidão e pelos interesses

políticos. A correspondência satisfazia às necessidades de comunicação de um

viajante com o seu interlocutor e, muitas obras, posteriormente consideradas como

literatura de viagem, foram compostas a partir de cartas e apresentadas como tais em

publicações. Para tanto, era importante seguir um modelo de organização para que o

futuro leitor tivesse a sua leitura facilitada.

A construção do texto revelava uma rede de relações elaborada

intencionalmente; faziam-se comparações, procurava-se facilitar o entendimento

sobre a especificidade do contexto, naquilo que o autor considerava fundamental. Um

registro cadenciado, abordando certos aspectos da história, da vida política,

econômica e cultural portuguesa, ao mesmo tempo em que permitia a compreensão

das feições locais e as condições em que as viagens foram realizadas. Numa leitura

atenta dessas cartas, observa-se que a redação, ao refletir a subjetividade do autor,

constituía, por vezes, uma verdadeira autobiografia; uma leitura carregada da

amplitude do olhar e das experiências de quem redigia. As descrições variavam, em

função das formações diferentes e do fenômeno social que envolvia o deslocamento,

bem como da quantidade de informação disponível para se fazer um arrazoado. Neste

sentido, como bem observa Peter Burke, existiam limites para o conhecimento,

principalmente no que concerne à seleção feita por estes viajantes-narradores que, em

face de um conjunto de vivências, criaram diversos significados e classificações:

“sem mencionar aquela seleção de informação que podemos chamar de auto-

protetora que nos permite dar significado ao mundo e funcionar de modo eficaz. A

quantidade e a qualidade de tal informação não são, entretanto, socialmente

uniformes, e por isso é necessário examinar a pluralidade de formas de racionalidade

limitada que atua na realidade particular em observação”.386

Os autores normalmente se apresentavam como viajantes empenhados na

intermediação entre duas culturas. Dominando dois universos culturais distintos, suas

comparações constituíram relatos interessantes. Numa tentativa de organizar o mundo

Page 177: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

177

das coisas que via, os autores concebiam a apresentação dos textos para dar maior

sentido às suas observações.

Alguns viajantes, além de fazerem as descrições, procuraram em diversas

ocasiões contextualizar as informações e fornecer um quadro completo do contexto

histórico em que fizeram a observação. Os registros advinham de conversas,

informações e contatos mantidos no decorrer das viagens. Enfim, os relatos

procuravam de forma instrutiva apresentar informações específicas sobre a realidade.

Como muitos dicionários geográficos e livros de viagens comerciais

identificavam a posição geográfica dos locais, os viajantes nem sempre tiveram a

preocupação de fazer esta caracterização. De forma direta, convidavam o seu leitor a

fazer consulta a estes materiais, passando em seguida a detalhar aspectos singulares e

que dificilmente seriam conhecidos e apresentados nos guias de grande circulação. A

viagem, como meio de instrução, passou a ser uma referência no movimento das

idéias do século XVIII. 387

O progresso científico da Europa foi sendo construído a partir do

deslocamento por diversas partes do mundo, como vimos anteriormente. Muitos

naturalistas empreenderam expedições que visavam a identificar e descobrir novas

espécies animais e vegetais em diversas partes do mundo, estabelecendo novos

paradigmas científicos. As terras da América foram um dos destinos destes viajantes

que, num longo processo de interações, contribuíram para construir o conhecimento

científico dos séculos XVIII e XIX.

Os livros de viagem conseguiram, por meio de suas imagens e relatos, exercer

uma grande influência na formação e informação dos leitores e fomentaram muitas

pesquisas de gabinete. Os registros, por seus detalhes, forneciam conhecimentos sobre

história, geografia, cultura, economia e aconselhamentos. Como destaca Attilio Brilli,

o viajante "filosófico" da primeira metade do século XVIII reunia no seu relato a

observação das maneiras e dos costumes, das crônicas de viagem, guardando ao

mesmo tempo o silêncio sobre o seu próprio papel de testemunho itinerante. Este

viajante se diferenciava do viajante sentimental, que transmitia o próprio estado da

alma.388

Na segunda metade século XVIII, o ato de viajar passou a ter um valor

superior. O rompimento com a vida cotidiana era desejável e os atrativos de uma

Page 178: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

178

localidade estavam diretamente ligados à novidade e ao exótico. O anseio de conhecer

e ver mais claramente certos aspectos do mundo permeava os interesses de alguns

grupos da sociedade, especialmente aqueles ligados a interesses comerciais e aos

trabalhos desenvolvidos em academias científicas. O conhecimento de outras culturas

exerceu fascínio sobre os homens imbuídos das idéias iluministas. Seduzidos pela

diferença, muitos viajavam a fim de identificar os padrões que moviam as sociedades

ou o faziam por interesses econômicos e políticos. Muitos seguiram para outros

continentes, a fim de percorrer terras pouco visitadas. Outros procuravam no próprio

continente europeu a diversidade da cultura ocidental.

Por vezes, as palavras não conseguiam transmitir exatamente as idéias. As

imagens possibilitam a representação do concreto, ou fato particular, possuindo um

forte valor, revelando melhor o conhecimento. Os desenhistas faziam esboços que

eram a base para futuros trabalhos. Estes poderiam ser feitos rapidamente, captando

os aspectos mais importantes e feitos em pranchas separadas. No trabalho final poder-

se-ia compor os desenhos, dando uma dimensão visual mais ampla, exigindo

normalmente um tempo maior para serem construídos. Nesse sentido, a representação

fazia parte de um processo de composição que visava a dar uma idéia mais próxima

da realidade.

Os viajantes e seus desenhistas ofereceram pranchas de desenhos com

panorâmicas de paisagens e cidades, detalhes sobre edificações e elementos

arquitetônicos do passado, na verdade, lembranças visuais e ao mesmo tempo

documentos sobre a viagem.

A literatura de viagem foi enriquecida pela adoção das pranchas de ilustração

(mapas e gravuras), um importante complemento para crônicas sobre regiões, por

fornecer aos leitores uma idéia aproximada do local, dos tipos humanos, das paisagens

e dos animais. Descobrir o mundo natural e novas culturas propiciou o delineamento

de contornos de costas marítimas, localidades, registros de trajetos, cursos de rios,

montanhas e acidentes geográficos. As imagens dos mapas se aperfeiçoaram,

tornando-se importantes recursos nas obras ilustradas. Os desenhos e gravuras

passaram a constar dos registros como informações geográficas e históricas e

permitiam aos leitores compreenderem os itinerários descritos.389

Page 179: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

179

Conforme já afirmamos, os mapas passaram a constar dos registros com

informações geográficas e históricas permitindo aos leitores compreenderem os

itinerários descritos. A presença de pintores e desenhistas nas expedições era

fundamental para fazer o registro mais fiel em relação às espécies encontradas. O

objetivo era fazer desenhos exatos e detalhados. Normalmente, eles passavam a fazer

parte das publicações como legendas e outros desenhos com cenas dos hábitos e

costumes da população, seguidos de textos explicativos. Os trabalhos dos desenhistas

das expedições de pesquisa tinham como preocupação a exatidão das formas e das

cores das espécies representadas, visando à difusão das pranchas de gravura da

sociedade científica do período. Desta maneira, a representação científica era bem

distinta das formas de pintura de flores, frutos e animais como parte de um cenário,

típico das pinturas da natureza-morta. Os desenhos deveriam consignar a espécie

individualizada em suas especificidades e ângulos.

Os livros ilustrados de viagem, principalmente com paisagens, conquistavam

também um público cada vez maior. Os leitores eram atraídos pela representação de

paisagens exóticas. Muitos desenhos sofreram alterações quando as imagens

passavam a constituir parte de uma publicação. Os gravadores de madeira ou metal

faziam adaptações da imagem para o livro de viagem, interferindo na representação

original. Nestes casos, a questão estética se sobrepunha ao registro técnico.

Intervenções nem sempre identificáveis, tidas como realidade, mas verdadeiros

simulacros. Há, porém nesse momento, uma aproximação dos filósofos naturais e os

artistas desenhistas, As técnicas de ilustração contribuíam para um melhor estudo

analítico das espécies, com ênfase na elaboração de gravuras registrando fielmente as

imagens.

A literatura de viagem passou a ser moda no seio da sociedade letrada que

consumia avidamente as memórias e os relatos. Em vista disso, o gênero literário

ganhou contornos definidos, por fornecer a caracterização da beleza natural, do

patrimônio histórico e cultural, informar sobre tradições, costumes e hábitos

alimentares dos locais exóticos. Guias que cristalizaram as imagens de algumas

localidades que poderiam ser ou não condizentes com a realidade. Os guias de viagem

do período do Grand Tour são ricos em informações e oferecem diversas

possibilidades ao viajante para conhecer os locais. Da mesma maneira, eles são

Page 180: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

180

responsáveis por definir o melhor comportamento em outras sociedades e sugerir

interações com outras culturas. Estes manuais também forneciam orientações para o

viajante construir ele próprio o seu relato, sendo conveniente apresentar aspectos da

natureza humana dos grupos com que o viajante teve oportunidade de interagir.390

Tal como no século anterior, para se empreender a viagem, era preciso que ela

fosse devidamente preparada, ou sistematizada, com base nas orientações dos guias.

Era aconselhável que se verificasse a situação geográfica do percurso, as formas de

governo e as práticas comerciais, agrícolas e industriais. Não deveria ser excluída da

pesquisa uma sondagem sobre aspectos históricos, usos, costumes, e um prévio

conhecimento da língua. Outras informações sobre edifícios históricos, públicos,

caminhos, rios e fortificações também eram importantes para a compreensão dos

locais que se desejasse conhecer.

Os mapas, ou cartas geográficas como eram chamadas, também passaram a

constituir um elemento importante na bagagem do viajante. Enquanto no século XVI

e XVII eles eram reduzidos e praticamente utilizados por navegadores, a partir do

século XVIII nota-se uma difusão desse tipo de material que recebe modificações e

alterações na medida em que ocorre um melhor reconhecimento de algumas áreas.

Estes mapas contribuíam com indicações de caminho, dando orientações sobre

localizações e percursos aliados aos guias de viagem.391

Bárbara Maria Stafford em “Voyage into Substance” 392 faz um estudo

analítico-comparativo sobre os relatos de viagem Setecentista e Oitocentista,

identificando que, na medida em que o pensamento científico se consolida, os tipos de

registros escritos e pictóricos sofrem transformações. Identifica-se ruptura entre uma

forma livre de registro, utilizada pelos viajantes, de outros tipos de registros mais

detalhados, fornecendo características das espécies retratadas com fidedignidade, mais

comuns nos trabalhos de viajantes científicos.

Nos relatos do século XVI observava-se um conjunto de aventuras vividas

pelo viajante, que poderia conter registros exagerados e fantasiosos, facilmente

assimilados no universo daquele período. Havia neles aspectos pessoais, impressões

vividas no transcorrer da viagem, a construção de espaços e homens que faziam parte

de um universo traduzido também por cheiros, sabores e sons dos mais diversos. Este

Page 181: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

181

conhecimento continuava sendo importante, mas sua forma de captação e exposição

era mais apurada.

Nos relatos científicos do século XVIII, os viajantes naturalistas faziam

anotações em seus diários, reuniam amostras e outros tipos de evidências que

poderiam ser estudados em momento oportuno. O registro deveria ser marcado pela

objetividade e contar com a sensibilidade humana na fixação de cheiros, sabores,

texturas, sons e outras características que poderiam ser alteradas no envio para a

Europa. A figura do viajante naturalista representou a ligação entre as colônias e os

museus, hortos e jardins botânicos das metrópoles. O viajante tinha uma missão pré-

definida, estando parcialmente ciente do que estavam procurando. Além disso, todos

eles possuíam um prévio conhecimento, muitos deles, no caso das terras brasílicas, já

tinham frequentado a Universidade de Coimbra.393

A literatura de viagem estimulou o fascínio pelo "outro". Viajar era um

paciente ato de observação, para obter informações e aprender. Um viajante era o

espectador que contemplava os diversos quadros que compunham a viagem. Os

viajantes europeus criaram um novo campo discursivo, tendo como objetivo fornecer

informações sobre a expansão capitalista no mundo colonial. Mary Louise Pratt,

valendo-se do conceito de transculturação, aborda a constituição de um conjunto de

símbolos e discursos sobre o modo de viver da América. Os viajantes, principalmente

a partir do século XIX, estabeleceram zonas de contato com os habitantes locais,

promovendo troca e influência na construção dos registros sobre a viagem. Para Mary

Louise Pratt, "a 'zona de contato', ou 'espaços sociais onde culturas díspares se

encontram', choca-se, se entrelaça uma com a outra, frequentemente em relações

extremamente assimétricas de dominação e subordinação".394 Fica evidente na leitura

dos relatos que muitos dos viajantes demonstravam possuir um olhar imperialista

sobre as antigas terras coloniais portuguesas. Afinal de contas, muitos deles

empreenderam suas viagens a fim de fornecer informações à coroa portuguesa, sobre

os recursos existentes e a melhor forma de explorá-los.

Pratt defende que o imperialismo não pode ser visto somente como um

processo político e econômico, mas também deve ser entendido como “um produto e

agente responsável pela construção de visões de mundo, auto-imagens, estereótipos

étnicos, sociais, geográficos, que se legitima não apenas pela dominação externa, mas

Page 182: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

182

pela interferência direta nas mentes das pessoas com ele envolvidas”.395 A leitura de

Mary Louise Pratt enfatiza que os relatos de viagem contêm uma ideologia do

imperialismo. O olhar eurocêntrico da maioria dos viajantes condicionou as leituras

subsequentes dos povos da América Portuguesa. Não podemos esquecer que os

relatos de viagem também tinham como objetivo afirmar o referencial cultural e

ideológico do viajante, mostrando a superioridade do seu conhecimento.

O olhar dos viajantes naturalistas, de certa forma, aproximava-se do olhar

conquistador dos primeiros que visitaram o território americano. Os viajantes

revelavam um desejo acentuado de conhecer os povos e o mundo natural, agora a

partir de métodos científicos.396

As florestas brasileiras, com suas plantas e animais, permitiam incontáveis

estudos que só poderiam ser feitos com a reunião de recursos financeiros e muitos

pesquisadores. Sem dúvida, na medida em que os registros e as pesquisas avançavam,

a ciência era beneficiada por novas descobertas. Concomitantemente, erros e

imprecisões construídos nos séculos anteriores iam sendo dirimidos para possibilitar a

compreensão de uma nova realidade que alimentava as expectativas da Europa em

relação à América. Os registros dos viajantes também contribuíram de forma positiva

para a construção da identidade da nação brasileira. O solo fértil, o clima, o povo

afetivo e receptivo facultavam a difusão de imagens sobre as terras tropicais.

As narrativas descreviam situações de contato ou interação cotidiana entre os

viajantes e os habitantes da terra. Cada encontro era marcado por peculiaridades,

revelando que as experiências de convívio intercultural foram diversas e nem sempre

fáceis de serem expressas por escrito. Sentimentos e emoções que eram manifestadas

em uma outra linguagem no jogo de relações sociais.

Intensifica-se a valorização do desenho de paisagens e de aspectos da natureza

como uma complementação do texto que, às vezes, constituíam a síntese de páginas e

páginas escritas. Como bem observou Luciana de Lima Martins no seu estudo sobre

os viajantes no Rio de Janeiro, o mapeamento do terreno, elaborado por alguns

naturalistas e seus desenhistas, apesar de “parecer simples atividade técnica, não era

completamente isento de considerações estéticas”. A transposição de uma paisagem

tridimensional para o plano exigia que o desenhista tivesse uma visão espacial

aguçada, conhecimento de perspectiva e habilidade na construção da composição. Era

Page 183: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

183

necessário dominar as técnicas de representação que poderiam dar maior ênfase ao

que se desejava registrar, sem se afastar da realidade. Isto exigia um compromisso do

desenhista para com a sua obra, que ele procurava na maioria das vezes respeitar.397

Há também registro em imagens de viajantes que não tiveram uma formação

técnica para a representação no plano dimensional. Muitos deles, ao tentar retratar

com fidelidade o que visualizavam, tendo em vista a escassez de recursos, muitas

vezes agregavam alguns elementos que acabam distorcendo a realidade.

As diferentes Academias de Ciência existentes pelo mundo disputavam entre

si pesquisas e debatiam controvérsias teóricas. Por decorrência, determinados tipos de

relatos sofreram acusações por não possuírem o rigor científico conveniente para a

Academia. O fato é que naquele momento os viajantes naturalistas possuíam maneiras

distintas de viajar e aproximar-se da natureza americana para colher informações

corretas sobre localizações. Da mesma forma, havia uma pluralidade de registros

despreocupada com a fidelidade do foco observado, nem ultrapassava os limites de

uma observação comum.

No decorrer do século XVIII, o homem desejava conhecer mais

detalhadamente. Precisava ordenar o mundo segundo uma lógica de base científica.

Neste sentido, os viajantes naturalistas tenderam a produzir relatórios científicos

destinados a fornecer informações mais precisas para as Academias de Ciências às

quais pertenciam e também ao público que apreciavam a divulgação de informações

sobre novas áreas.

Os viajantes científicos valeram-se da descrição das rotas e itinerários das

paisagens exóticas, dos tipos humanos, dos usos e costumes desconhecidos. Suas

narrativas passaram a ganhar cada vez mais uma representação gráfica desses

itinerários, pela reconstituição geográfica dos países, com detalhes da flora e fauna,

permitindo a compreensão dos leitores. Conforme Roberto Ventura, a “filosofia da

Ilustração inverteu a visão paradisíaca da América, ao formar um novo discurso sobre

o homem e a natureza americanos, marcado pela ‘negatividade’”.398 O olhar dos

viajantes naturalistas não se ateve somente aos registros sobre a fauna e a flora, mas

também, como já afirmamos, aos hábitos e costumes, à descrição dos povos e às

particularidades das regiões, iconograficamente representados.

Page 184: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

184

A nacionalidade, a personalidade, a cultura e a religião, dentre outros aspectos,

influenciavam no registro. Por vezes, o estilo das redações difere mais do que o modo

de observação, que tende a seguir uma cadência convencional. Aquilo que não fosse

possível de ser transportado deveria ser registrado com minúcia, e as descrições e os

desenhos eram importantes para a fixação das informações: relatos sobre locais,

paisagens, rochas e detalhes de espécies impossíveis de serem remetidas ganham

atenção maior.

As expedições realizadas no século XVIII tornaram o mundo mais conhecido

e estabeleceu novos parâmetros. As grandes navegações do século XV e XVI tinham

ampliado os horizontes descobrindo novas terras. Contudo, a ocupação e exploração a

partir do século XVIII promoveriam um novo conjunto de descobertas que seriam

decisivas para o desenvolvimento material da sociedade.

Os relatos dos viajantes diferiram entre si em função da formação do autor,

como ressaltamos. Muitos possuíam formação acadêmica mais aprofundada e

receberam apoio institucional. Alguns eram viajantes independentes, em busca da

aventura e do conhecimento, não escondendo serem autodidatas. Estas diferenças

básicas apresentavam sensibilidades distintas nos registros. Muitos, desejando

contribuir com as atividades das Academias de Ciências, remetiam seus registros,

bem como amostras para que estudos mais específicos.

Para os desenhistas que acompanhavam os viajantes naturalistas era

fundamental saber pintar e traçar cartas. Era conveniente saber escrever em latim e ser

uma pessoa detalhista, preocupada em observar e descrever de forma clara e precisa

os locais visitados. Os desenhos possuíam uma característica descritiva e deveriam

representar de maneira fiel à espécie encontrada, que deveria ser mais próxima do

natural. O desenho tinha a função de documentar com o máximo de realismo possível,

era minucioso quanto às características de cada espécie e atraía tanto os leitores

comuns, como os pesquisadores.

Page 185: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

185

4.3 O trabalho científico e a forma de relatar

A obra “Dissertação Física sobre a antiga União e Separação do Velho e do

Novo Mundo, e sobre o Povoamento das Índias Ocidentais; com uma Pesquisa Física

sobre a Origem dos Lagos”, realizada por J. W. C. A. von Honvlez-Ardenn, Barão

von Hüpsch-Lontzen zu Krickelshausen, em 1764, revela uma preocupação técnica e

objetiva na exploração do conhecimento sobre o mundo natural. O texto foi dedicado

ao Príncipe e Duque, Anton Ignaz, Príncipe do Sacro Império Romano, Preboste e

Duque de Elwangen, Conde Imperial Fugger zu Kirchberg e Weissenhorn, conhecido

pela sua erudição.

O texto reunia elementos da ciência da história com as ciências naturais,

entendendo que a união do Velho e do Novo Mundo e o povoamento das Índias

Ocidentais eram:

“um ponto útil e importante da História, através do qual podemos admirar e

venerar, com a devida modéstia, o admirável governo e os extremamente sábios

desígnios de Deus. E como a história nos dá escassas provas desse fato, a ciência

natural oferece-nos motivos para sua confirmação, através de experimentos e

conclusões lógicas.” Segundo o autor, a natureza era capaz de conceder “à alma uma

felicidade tão portentosa que nenhuma outra no mundo se lhe iguala”. 399

J. W. C. A. von Honvlez-Ardenn ressaltava no início da sua obra, que o Velho

Mundo compreendia três partes do Mundo, chamadas Europa, Ásia e África. Ao

Novo Mundo ou Índias Ocidentais, foi dado o nome América, sendo considerada,

naquele momento, a quarta parte do mundo. O Velho e o Novo Mundo eram

separados pelo grande Oceano Mundial (Atlântico), que conforme “alguns sábios”, no

passado, constituíam uma única terra. Segundo o autor, terremotos violentos com

subsequentes inundações fizeram alterações importantes no contorno de ambos os

continentes, havendo diversos registros desde a Antiguidade que confirmavam isto,

inclusive os acontecimentos mais recentes, como o terremoto que destruiu parte da

cidade de Lisboa.400

Page 186: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

186

Em parte, estes fenômenos explicariam a passagem de seres humanos e

animais de um para outro continente e que era “muito provável ter-se separado a

América da África, através de uma única inundação”.401 Contudo, desde o

descobrimento do Novo Mundo surgiram muitas divergências entre os “sábios sobre o

seu povoamento. O fenômeno do deslocamento, segundo a tese que defendiam, teria

ocorrido pela região do Mar do Norte, em decorrência de congelamento. Por

conseguinte, a origem dos povos americanos, considerando seus usos e costumes,

línguas e aparências “teriam uma marcante relação e semelhança com a língua e os

hábitos de lapões e outros povos nórdicos”. 402

O autor refletia que, mesmo em se admitindo essa hipótese, não seria fácil

entender como “as diversas espécies de animais, sem mesmo falar dos homens,

vieram do Velho Mundo para a América, quando se consideram as terríveis condições

atmosféricas e o frio, insuportável para todas as criaturas vivas, que reina sob o Pólo

Norte”.403 A viagem empreendida pelo astrônomo francês Reginald Outhier, membro

da Academia Francesa de Ciências, que acompanhou Pierre Louis Moreau de

Maupertuis na viagem para a Lapônia, com o objetivo de medir o meridiano no

círculo polar, registraram as dificuldades de sobrevivência nessa região, em virtude do

violento frio. Desta forma, era questionável a hipótese da ocupação da América.

Outras possibilidades se apresentavam, defendendo a ideia de que a ocupação do

continente teria sido feita em tempo mais recente, a partir da Europa ou da África, ou

ainda por meio de outras grandes ilhas habitadas, ou pelo mar. Caso estas situações

fossem verdadeiras, haveria ainda uma questão a ser respondida que era como os

animais quadrúpedes teriam chegado às ilhas, uma vez que estas “foram separadas da

terra firme do Velho Mundo pelo Dilúvio Universal”. Os animais quadrúpedes não

poderiam ter chegado às ilhas, por si próprios, nem era plausível que os habitantes do:

“Velho Mundo tivessem levado consigo os animais selvagens, através do mar, para as

Índias Ocidentais e outras grandes ilhas, porque quem quereria transportar para

alguma terra animais não domesticados, cuja multiplicação poderia apenas originar

mais perigo e dano que benefícios?”.404

Além disso, como observava Abraham van der Myl (ou der Mijl – 1553-

1637), autor do livro “De origine animalium et migratione populorum” (Da origem

dos animais e da migração das populações), publicado em 1667, nas Índias

Page 187: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

187

Ocidentais, achavam-se animais que só ali eram gerados. Para J. W. C. A. von

Honvlez-Ardenn, aquele estudioso tinha investigado muito pouco do livro da

natureza, pois em todas as regiões “da superfície da Terra são achados vestígios

incontestáveis do grande dilúvio”.405

Considerando os elementos estudados, von Honvlez-Ardenn concluía que

“muito provavelmente, a América antigamente constituía uma única terra com a

África” não havendo obstáculos, em tempos remotos, para a chegada do homem e dos

animais, que se multiplicaram e habitaram essa “então desconhecida parte da Terra”.

Os dois continentes teriam ficado separados por “uma distância considerável”, até que

Cristóvão Colombo (1451-1506), Américo Vespúcio (1454-1512), Fernão de

Magalhães (c. 1480-1521), e outros navegadores fizeram a descoberta e o

reconhecimento daquele quarto continente.406 Segundo o autor, por longo tempo se

pensou que:

“o Velho e o Novo Mundos, assim como algumas das ilhas oceânicas,

pudessem ter formado uma única terra firme, desde que achamos evidências, em

nosso ora habitado solo da Terra, de ter ele constituído o fundo do mar em tempos

antigos. Isso prova, ao mesmo tempo, que o mar mudou de leito em épocas passadas.

Consequentemente, o vasto oceano deve haver ainda provocado modificações mais

estranhas por grandes irrupções e inundações. Ao supor que o Velho e o Novo

Mundo, assim como as ilhas adjacentes, antes formassem uma única terra firme ou

unida, é possível explicar como as ilhas posteriormente separadas foram ocupadas por

animais. Ao modificar o mar seu leito, inundando regiões inteiras, podemos supor

que, em tempos muito antigos, houve inúmeras incursões dele sobre a terra firme e

que, em consequência, uma grande extensão de terra foi separada por uma

inundação”.407

Esta teria sido a provável origem das grandes ilhas, e os animais quadrúpedes

que já se encontravam numa ilha por ocasião da inundação permaneceram ali, devido

à inundação. O resultado dessa situação foi a propagação das espécies. Para ele, era

indiferente se a causa dessas modificações teria sido um terremoto ou uma incursão

do oceano sobre a terra firme. Pois, uma simples penetração do mar poderia espalhar-

se a ponto de dividir a região em duas partes. Os argumentos apresentados eram

suficientes para defender a possibilidade de o Velho e o Novo Mundo terem sido

Page 188: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

188

antigamente uma única terra.408 Em seguida, o autor apresentava outro argumento que

era o mito de Atlântida, que teria chegado à Grécia, por meio de registros egípcios e

que fora fixado por Platão. Von Honvlez-Ardenn entendia que as referências do

filósofo ateniense deveriam ser consideradas, como já defendiam outros estudiosos

antigos, posteriores a Platão. Isto o induzia a afirmar que:

“as Ilhas Canárias e os Açores, além da Ilha de Cabo Verde ou Promontório

Verde, assim como outras das grandes ilhas do Mar do Norte, são remanescentes da

vasta região inundada pelas vagas, que formava uma terra firme com o Velho e o

Novo Mundo, pois que outra coisa são as ilhas senão altas montanhas rochosas e

elevações da superfície terrestre, que as águas do oceano não podem cobrir por causa

de sua altura?”.409

O texto Von Honvlez-Ardenn demonstra preocupação pelo conhecimento dos

antigos, originado pelas experiências e pelo saber adquiridos nos séculos seguintes ao

pensador ateniense. O olhar questionador sobre a origem dos homens, a circulação de

plantas e animais, as similaridades e as diferenças entre os continentes aguçavam os

debates acadêmicos e as pesquisas para se buscar explicações plausíveis para entender

o mundo, pelos próprios elementos do mundo.

Neste sentido, a figura dos viajantes naturalistas foi de fundamental

importância, pois, por meio de seus relatos e levantamentos, era possível formular

indagações com as propostas acima. Se a diversidade das coisas do mundo natural era

grande, era necessário ordenar o discurso e as práticas de trabalho e registro, a fim de

tornar a experiência das viagens úteis para futuros estudos.

Desde o século XVII, havia preocupação em sistematizar orientações/

instruções para aqueles que se dedicassem à coleta de informações sobre o mundo

natural. Em 1695, John Woodward (1665-1728) escreveu a obra “Brief instructions

for making observations in all parts of the world”, conforme solicitação da Royal

Society. O texto fornecia orientações aos viajantes: como observar o mundo natural e

os habitantes do local; desenhar com detalhes as espécies; dar atenção aos elementos

fundamentais para serem levados numa bagagem.410

A descrição da realidade natural, presente em muitos pintores entre os séculos

XV e XVII, mostrava a importância que as imagens têm para a construção do

conhecimento do período. Como menciona Paolo Rossi:

Page 189: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

189

“As ilustrações dos livros de botânica, anatomia e zoologia não são meras

integrações do texto. A insuficiência das descrições verbais dependia também da

ausência de uma linguagem técnica (que pela botânica é alcançada somente no

decorrer do século XIX). Por isso, a colaboração dos artistas nas ciências descritivas,

teve efeitos revolucionários.”411

O filósofo naturalista, em suas peregrinações, deveria observar as seguintes

orientações: iniciar o registro montanhas, pois estas tinham diversos usos para os

homens, fosse como fronteira, ou pelas fontes de água, ou potencial local para

obtenção de minérios. O naturalista deveria atentar para as montanhas mais primitivas

(formação primária) e para a altura e a conformação do relevo, para em seguida

identificar os possíveis veios de metais preciosos, bem como a distância que estes se

encontravam do povoamento mais próximo e este do litoral. Da mesma forma, deveria

se proceder com os demais reinos, fazendo anotações que fossem úteis para as

pesquisas.

Dentre os trabalhos que conquistaram uma difusão acentuada encontra-se o de

Étienne-François Turgot (1721-1789), que realizou viagens de pesquisas pela colônia

francesa da Guiana. Sua experiência o levou a escrever “Memóire instrutif sur La

maniére de rassembler, de prepare, de conserver et d’envoyer les diverses curiosités

d’histoire naturelle, auquel on a joint un m`emoire intitulée: Avis pour le transport par

mer, des Arbes, des plants vivaces, de Semences, & de diverses autres Curiosités

d’Histoire naturelle” (1758). O trabalho tinha como objetivo instruir sobre a escolha,

o preparo e a conservação das espécies que fossem enviadas para a Europa. Alertava

que as condições inadequadas de manuseio e transporte, bem como as condições

adversas do clima poderiam comprometer as amostras que estavam sendo

transportadas.412

Outro trabalho que se atinha à questão de instruções era o de Joseph Martin

que elaborou o manual de procedimentos intitulado: “Instructions pour servir aux 30

caisses et 105 Barriques d’arbres, plantes et graines remisses au Sr Martin pour le

jardin royal des plantes de Paris” (1788).413

O que se nota é que cada instituição procurou produzir normatizações para

orientar os pesquisadores e seus auxiliares. Na primeira metade do século XVIII

circulou por Portugal, algumas instruções, normalmente publicadas em inglês ou

Page 190: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

190

francês que ganhou difusão a partir da reformulação da Universidade de Coimbra e da

atuação da Academia de Ciências de Lisboa.

Domingos Vandelli, que manteve estreito contato com Lineu, registrado num

amplo conjunto de missivas, procurou estabelecer algumas diretrizes para que seus

alunos tivessem um padrão nas suas observações. Esta iniciativa seguia o movimento

que acontecia na Europa publicando de manuais de instrução que visavam a fornecer

procedimentos para os viajantes naturalistas. Em 1779, Domingos Vandelli redigiu a

obra intitulada: “Viagens filosóficas ou Dissertação sobre as importantes regras que o

filósofo naturalista, nas suas peregrinações deve principalmente observar”. Texto

conciso, fornecendo orientações aos naturalistas que provavelmente começavam a

utilizar o material ainda na Universidade de Coimbra. Pelo teor das orientações, é

possível inferir que a obra foi composta com base nos diversos registros efetuados

anteriormente em terras brasileiras. Nas instruções constavam orientações para que se

registrasse o histórico das terras a serem exploradas e a caracterização etnográfica dos

habitantes, bem como outras informações que fossem importantes para o

reconhecimento de novas espécies da natureza e que fosse de utilidade para a coroa

portuguesa.414

O trabalho de Domingos Vandelli era um estímulo para que a Academia das

Ciências de Lisboa elaborasse as orientações da instituição. A obra “Breves

instrucções aos correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as

remessas dos productos, e noticias pertencentes à Historia da Natureza, para formar

hum Museo Nacional”, publicado em 1781, tinha como objetivo fornecer diretrizes

para a aquisição de conhecimentos sobre as diversas espécimes de animais vegetais e

minerais, encontradas em diferentes países. A obra reunia o aprendizado de uma série

de experiências anteriores e visava a fornecer orientações para que o trabalho do

viajante não fosse perdido. Da mesma forma, fornecia os elementos básicos para

observar, coletar e catalogar espécies dos diferentes reinos da natureza.415

A Academia Real de Ciências de Lisboa, entendendo que os trabalhos de

pesquisa serviam ao bem público e eram de utilidade, definiu pela publicação desta

obra por servir para o “o adiantamento das Artes, Commercio, Manufacturas e todos

os mais ramos da Economia”. Em se considerando, que o objetivo principal era o de

formar em Lisboa um Museu Nacional que reunisse e conservasse produtos de várias

Page 191: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

191

partes do reino, era importante estabelecer alguns procedimentos para que as espécies

chegassem ao reino, das diversas partes do império, de forma integra. Havia

preocupação para que os exemplares não sofressem dano, o que permitiria um melhor

estudo e exposição ao público. A experiência mostrou que o mau preparo e

acondicionamento de alguns materiais se perderam. Desta forma, era importante

estabelecer um conjunto de instruções para se fazer a escolha, preparo e

acondicionamento das espécies, pois nem todas as pessoas envolvidas no processo

eram instruídas sobre o assunto.

As instruções, pressupondo dificuldade para efetuar os registros, orientavam

para que pelo menos em parte o trabalho fosse realizado. Conforme o texto, a remessa

dos animais eram as mais difíceis, na medida em que se deveria “impedir a corrupção,

a que estão mais sujeitos, que os indivíduos dos outros dois reinos”. O preparo de

cada animal seria diferente, porém, sem exceção alguma deveriam ser remetidos com

a cabeça. Nos quadrúpedes dever-se-ia preservar também as unhas, os dentes e não se

fazer “rotura consideravel na pelle”. As aves deveriam ter o bico, pés e penas

preservados. Os peixes deveriam ser enviados com todas as barbatanas e caudas.

Com relação aos quadrúpedes, os cuidados específicos se atinham à

preservação do tamanho e da característica do animal. Como a carne do animal se

corrompia com facilidade, era necessário esfolá-los, “de modo que, cheia a sua pelle

com alguma materia estranha, se lhes dê a mesma fórma exterior, que tinhão em

quanto vivos”. Para tanto, seria necessário fazer uma incisão direta da parte mais

inferior do ventre até o ânus, ou duas se fossem necessárias. Estas também deveriam

ser feitas a partir do ânus e continuar pela parte interior das coxas ate atingir as

pernas. Por esta abertura, a pele seria afastada das coxas para cortar as articulações e

descarnar o animal. A operação deveria prosseguir despegando a pele das costas até

chegar à cauda que, caso não pudesse ser esfolada, deveria ser cortada na junta que

unia ao corpo. A seguir, deveria se repetir a mesma operação na parte da cabeça do

animal, fazendo o mesmo com as patas dianteiras. A pele deveria ser retirada até

descobrir a metade da cabeça para descarnar. Uma vez separada esta do corpo pela

junta, dever-se-ia extrair as substâncias do cérebro e depois limpá-las com “algodão

misturado com pedra hume calcinada em pó, ou com outras materias de cheiro astivo,

Page 192: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

192

como tabaco, pimenta, alcanfor, &c., ensopando primeiro tudo em oleo de

therebentina”.

A língua deveria ser cortada pela raiz e sendo aconselhável “descarnar bem os

queixos, se encherá a parte da goélla que restar pegada á cabeça”. Os olhos deveriam

ser arrancados, de forma que as pálpebras não fossem rompidas. Proceder-se-ia a

limpeza e, após o enchimento, o local dos olhos deveria ser preenchido com outros

artificiais, fosse de vidro, esmalte ou outra matéria sólida que imitasse “na figura e

cores os naturaes”. Caso isto, não fosse possível, dever-se-ia remeter desenhos com as

cores próprias e uma descrição exata das características. Uma vez separada a pele do

corpo, era necessário raspar bem o interior dela com instrumento afiado, tomando o

cuidado para que não se rompesse. A pele deveria ser lavada com “sabão desfeito em

agua tepida, até que fique sem o menor resto de carne, sangue ou gordura, que possa

ser principio de corrupção”.

Terminada a lavagem, a pele deveria ser seca e para garantir esta situação era

necessário pulverizar cal extinta ao ar, reduzida a pó por si mesma. A operação

poderia ser feita com cal viva misturada com uma dose de greda.416 Esta operação

deveria ser repetida quantas vezes fosse necessário, até que a pele estivesse

inteiramente seca. Para evitar o dano que alguns insetos viessem a causar, era

conveniente defumar as peles com vapor de enxofre inflamado, sendo em seguida

acondicionados em panos bem tampados, para que outros insetos não depositassem

ovos.

Findada esta operação, tinha início o preenchimento do corpo do animal com

alguma matéria mole e seca e de drogas antiputridas. O naturalista deveria ser valer de

um arame para a operação, tendo como objetivo garantir a constituição do animal

quando estava vivo, inclusive o da sua postura natural. Posteriormente, deveria

proceder à limpeza do animal, excluindo qualquer vestígio que impregnasse a pele, no

momento do preparo da mesma. A pele deveria ser posta dentro de um caixão e

transportada com cuidado, evitando que no transporte fosse danificada. Além disso, as

juntas das tábuas deveriam ser vedadas para que a umidade não comprometesse a

integridade da amostra.

Estes procedimentos só eram possíveis com animais de “mediana grandeza”.

Para os de grande porte, deveriam remeter as peles com a cabeça pegada e com todas

Page 193: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

193

as unhas, seguindo os procedimentos anteriormente descritos. Caso o processo de

secagem não fosse suficiente, deveria colocar a pele no forno, por um período de seis

horas, em condições que o calor não queimasse a pele nem o cabelo. Com cada uma

das partes, o procedimento de acondicionamento era o mesmo. Neste caso, era

fundamental que se enviassem pranchas de desenhos com descrições detalhadas, em

especial daqueles que não eram vulgarmente conhecidos, ou possuíam alguma “coisa

de extraordinário”.

As orientações não se atinham somente aos que preparavam as amostras, mas

também àqueles que a recebiam. Em se identificando algum indício de corrupção, o

técnico deveria conservar a pele do animal pelo espaço de dois dias em algum “licor

espirituoso”, e depois a secaria acomodando-a adequadamente.

Com os quadrúpedes de pequeno porte, não se podendo seguir o procedimento

acima, dever-se-ia proceder a uma incisão pequena junto ao ânus extraindo os

intestinos, e depois de bem limpa e enxuta a cavidade seria feito o enchimento com

estopa ou algodão, misturando drogas antiputridas. Arrancados os olhos, e seguindo o

procedimento acima, estes deveriam ser imersos em água ardente por algum tempo,

repetindo a operação pelo menos uma vez. Em seguida, os olhos deveriam ser

acondicionados em vasos cheios de licor, composto de “tres partes de agoa pura e

uma de espírito de vinho, no qual se tenha dissolvido huma boa porção de pedra hume

calcinada”. A vedação do bocal dos vasos deveria ser feita por tampas justas e

betumadas com mistura de cera e resina, tomando-se cuidado para que eles não

quebrassem no movimento de transporte.

Quanto aos esqueletos dos animais, que também entravam na “classe das

preciosidades que merecem hum lugar distinto nos Gabinetes”, estes não

necessitavam uma preparação tão delicada. Findada a limpeza dos ossos, bastava

numerá-los, tomando o cuidado para repetir nas duas extremidades o número, por

onde se uniam uns aos outros. Esta operação possibilitava armar novamente o

esqueleto. Era prudente empacotar os ossos de cada animal em pacotes diferentes e

acomodá-los nos caixotes de forma que não se quebrassem no transporte. Se não fosse

possível enviar os esqueletos inteiros, dever-se-ia remeter pelo menos as partes mais

“notaveis dos animaes pouco vulgares; e dos outros, aquellas partes que tenhão

alguma coisa de extraordinário”.

Page 194: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

194

O método de preparar as aves não diferia substancialmente dos quadrúpedes.

Neste caso, a incisão seria feita no ventre desde o ânus até o osso do peito. Era

aconselhável que se fizessem duas incisões, saindo do ânus e seguindo pelas coxas até

encontrar a asa da ave. Em seguida seria separada a pele do corpo, procedendo à

operação do ânus para as asas e da cabeça para as asas. Feita a separação, as patas

deveriam ser cortadas nas juntas e os ossos bem descarnados. A pele das costas

deveria ser separada até chegar ao uropígio, cortando em seguida com uma tesoura

pela articulação que unia ao corpo. A pele deveria se retirada do corpo da ave com

cuidado para que não rompesse, tanto nas asas, como na cabeça, separando os ossos o

máximo que fosse possível.

O esvaziamento do crânio seguia o procedimento similar ao dos quadrúpedes.

Todavia, nas aves aquáticas e naquelas que a cabeça fosse grande, cujo pescoço não

era fácil de se esfolar até chegar ao crânio, sem o perigo de romper, era aconselhável

que se separasse a cabeça do pescoço pela última junta.

Antes de revirar a pele, era orientado que se raspasse o interior dela, para

limpá-la do sangue e gordura. O procedimento de pulverizar ocupava a fase seguinte,

que deveria ser composto de “huma parte de pedra hume queimada, outra de alcanfor,

duas de solimão, duas de nitro puro, duas de flor de enxofre, quatro de pimenta, e

outras quatro de tabaco”. Para que a operação de virar a pele, sem estragar as penas,

era adequado passar, antes de iniciar a operação, um fio comprido e forte pelos

orifícios dos “narizes”, o que auxiliaria a puxar a cabeça para fora e voltar à situação

original.417

O método de encher as cavidades do corpo, da boca, e dos olhos era idêntico

ao que foi descrito anteriormente, levando-se em conta que era adequado proceder

com delicadeza, para que as características das aves fossem preservadas. Preparadas

as penas, a amostra deveria ser envolvida numa pano, acomodado entre materiais

moles e secos, sendo o caixote embebido de óleo de terebintina.

Em relação às aves pequenas, deveriam seguir os mesmos procedimentos

aconselhados para os quadrúpedes pequenos. A ressalva era a de quebrar o osso do

peito, para não ficarem com deformação e serem acondicionadas de forma adequada

para preservar as penas. Para o transporte, em se considerando a distância, era

conveniente lançar uma infusão de espírito de vinho bem forte, contendo uma boa

Page 195: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

195

porção de pedra ume e alcanfor. Esta infusão deveria ser feita por um período de

quinze dias.

Os ovos, que também eram importantes para os gabinetes de raridade,

deveriam ser esvaziados por um pequeno orifício, feito em uma das extremidades, ou

em ambas. Os mesmos deveriam ser acomodados em bolsas de algodão para não se

quebrarem. Aqueles que fossem enviados para fecundar antes deveriam ser

acomodados nos caixotes, e cobertos pelo “methodo sabido de ‘Reaumur".418

Os ninhos, objetos de alguma curiosidade, deveriam ser acondicionados com o

mesmo cuidado, tomando-se a precaução de eliminar os insetos comuns. Para tanto,

deveriam se colocar os ninhos no forno, somente para neutralizar as infecções,

envolvendo em pano a fim de impedir novos insetos. Répteis, serpentes e cobras

grandes, sendo possível separar a pele do corpo, deveria se proceder de forma similar

aos quadrúpedes de porte médio. Todavia, nos répteis era necessário tomar cuidado

com a incisão que deveria ser da parte do ventre, do meio da cauda até o pescoço,

seguindo pelo interior das coxas e patas até as articulações.

No texto é relevante a ressalva em relação às cobras: aconselhava-se que “nas

cobras grandes, como as giboias, se fará em todo o seu comprimento, por onde as

escamas das costas se ajuntão com as do ventre”. Deveriam ser enroladas em espiral

para o acondicionamento nas caixas.

Os répteis, de tamanhos pequenos, eram suficientes serem imersos em licores

espirituosos, que contivesse grande quantidade de pedra ume e alcanfor, renovando-se

preparo duas vezes antes de enviar.

Os peixes, que os naturalistas chamão ‘cetáceos’ com a pele parecida com a

dos quadrúpedes, deveriam ser preparados do mesmo modo que estes. A diferença era

uma incisão que se deveria fazer na parte inferior, pela extensão do comprimento. Tal

operação auxiliava no processo de evacuação. Dos peixes de maior porte, bastava que

fossem enviadas as peles secas e preparadas.

Caso os peixes a serem enviados fossem chatos e delgados, de forma que se

pudesse secar bem, extraídas as entranhas com algum instrumento acomodado e

lavada bem a cavidade, deveria ficar em infusão em água ardente pelo espaço de doze

a quinze dias. Após esta operação, o peixe deveria ser estendido com o lado mais

branco para baixo sobre uma lamina de vidro, ou madeira, “tendo particular cuidado,

Page 196: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

196

em que as barbas, cauda e barbatanas fiquem na sua situação natural: e para que estas

á medida, que forem seccando, se não torção, e descomponhão”. Uma vez arrumados

e enquanto estivessem úmidos com a cola natural, pregavam-se algumas tiras de papel

na parte superior, a fim de conservá-los sempre a mesma posição. Após esta operação,

os peixes deveriam ser expostos ao Sol ou a um vento forte, durante quatro ou cinco

dias; depois disso dizia o manual: “despegará o peixe por meio de huma agulha de

fardo, ou outro instrumento similhante, que mettendo-se entre o peixe e a lamina, se

faça caminhar da cabeça até á cauda, para não desconcertar as barbatanas; o que

succederia, conduzindo-se a agulha em sentido contrario”. Voltando a parte inferior

do peixe para cima, ficava exposto ao sol ou ao vento, pelo tempo necessário. A

operação deveria ser repetida até que o peixe estivesse perfeitamente seco. A etapa

seguinte era untar o peixe com verniz transparente para ser acomodado nos caixotes.

Os peixes com escamas, pela delicadeza da pele, não poderiam ser preparados

como os “cetáceos”. Além disso, a espessura da carne impedia o processo de

secagem. Neste caso, os peixes deveriam ser cortados em duas partes, conduzindo o

corte pelo umbigo desde a cabeça até a cauda, cuidando-se para que todas as

barbatanas e a cauda ficassem inteiras e pegadas a uma das duas metades. Esta parte é

que deveria ser destinada à conservação; limpavam-se as escamas com o gume de

uma faca, que a tocava levemente e corria desde a cabeça até a cauda. A operação

feita em sentido contrário poderia arrancar as escamas “em cujas cores e lustre

consiste hum dos principaes merecimentos dos peixes escamosos”.

Com a mesma faca, dever-se-ia despegar pouco a pouco a carne até que

ficasse só a pele com a metade da cabeça pegada. Tiravam-se o cérebro e todas as

porções de ossos que formavam diferentes separações no interior do crânio. Os olhos

seriam extraídos, mas a forma e as cores deveriam ser detalhadamente anotadas. Caso

a cabeça do peixe fosse curva era aconselhável que se aplanasse com algum peso.

Esta meia pele deveria ser manuseada pela parte interior e fixada com a sua cola

natural numa folha de papel, tomando o cuidado para preservar a integridade das

barbatanas e da cauda. Após a secagem cobria-se com uma camada de verniz

transparente. Com os peixes de pequeno porte, os procedimentos recomendados eram

os mesmos indicados aos répteis pequenos.

Page 197: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

197

Os crustáceos, os pequenos e os grandes, dependendo do seu porte, poderiam

ser preparados de duas formas diferentes. Em relação aos primeiros, quando fosse

impossível eliminar as substâncias moles e corruptíveis, ou que não as pudessem

secar em detrimento de sua forma e cores naturais, o crustáceo deveria ser acomodado

sobre o ventre as suas pernas, acondicionado de forma cuidadosa as suas antenas,

separadamente, cada uma delas em um pequeno pano que deveria ser amarrado por

um fio. Estando assim embrulhados, deveriam ser mergulhados em espírito de vinho

para serem remetidos. O preparo dos crustáceos grandes era mais fácil; separava-se a

casca que cobre o corpo da parte inferior, a qual fica presa às pernas na substância

mole do animal. Para uma boa preservação, esta substância seria extraída de todas as

pernas, ou pelo menos das mais grossas. Depois de lavadas e limpas todas as

cavidades, tinha início o enchimento com as mesmas substâncias mencionadas nos

casos anteriores, devendo permanecer ao sol para secagem. Em seguida, deveriam ser

acondicionadas com as precauções comuns para que as amostras chegassem intactas

ao seu destino.

No que dizia respeito ao preparo de insetos, apesar da sua variedade, três

eram os procedimentos. O primeiro grupo incluía os insetos que possuíam a casca

dura e asas fortes, possíveis de conservar a sua forma externa após a secagem. Neste

caso, os exemplares deveriam ser colocados em fornos aquecidos na temperatura ideal

para dissipar a umidade interior, sendo possível ter o mesmo resultado com o calor do

sol em países quentes. No segundo caso, que incluía borboletas e algumas espécies de

moscas, o procedimento seria o mesmo mencionado acima. Porém, como “todo o

merecimento destes insectos consiste na delicadeza de suas azas, e na vivacidade e

formosura de suas cores”, era importante, que ao se apanharem as amostras fossem

postas entre duas folhas de papel com as asas bem estendidas e postas ao sol até que

fossem perfeitamente secas. O terceiro e último grupo era composto por todos os

insetos que possuíssem uma substância mole e que após a secagem perdessem o seu

aspecto e suas cores naturais. Estas espécies deveriam ser conservadas em licores,

como os descritos acima.

As instruções da Academia Real de Ciências de Lisboa previam ainda

orientações, em especial para conchas e outras espécies marítimas.

Page 198: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

198

As estrelas do mar, pela sua delicadeza, principalmente quando pequenas e de

pouca espessura, deveriam ser imersas em conservante à base de vinho, ou em água

fervendo, a fim de coagular a substância interior. Em seguida, os exemplares

deveriam ser expostos ao vento para secarem, sendo cobertos posteriormente por um

verniz, antes de serem encaixotados. As estrelas de maior porte exigiam a extração da

parte interna uma “espécie de carne, ou parenchyma”. Para extrair a substância

interior era preciso fazer uma incisão circular, incompleta, na região central, onde se

unem as “pernas” das estrelas marinhas, para que esta parte ficasse unida à parte

externa. Por meio de um instrumento curvo, que se deveria introduzir na parte

interior, a substância era retirada para depois secar e proceder às operações

subsequentes.

As estrelas marinhas, após apanhadas e ainda vivas, deveriam ser postas de

ventre para baixo em uma mesa. Tal cuidado visava a que elas estendessem as pernas

até ficarem na sua postura natural. As estrelas assim deveriam permanecer durante

três a quatro dias, tempo suficiente morrerem e ter início o processo de tratamento

acima descrito.

Nos animais marinhos que tivessem espinhos agudos, delicados e duros era

necessário introduzir um arame de extremidade curva na abertura natural existente na

parte inferior, para extrair a substância mole que ali existe. Após a retirada, era feita

uma lavagem com água ardente e secagem, sendo acondicionadas com o cuidado para

que os espinhos não se quebrassem durante a viagem.

O naturalista deveria atentar para o fato de que as conchas “univalves ou

polyvalves” eram importantes para se preservarem em gabinetes. Neste caso, não era

aconselhável enviar conchas que se apanhavam nas costas do mar, pois o movimento

das águas e a fricção da areia eliminavam parte de suas propriedades. Por isso, a

espécie deveria ser coletada ainda viva. Recomendava-se desenhar o animal com

todos os detalhes.

Por fim, o manual ressaltava que, para todas as espécies provenientes do mar,

antes que se realizasse o processo de secagem, era preciso lavá-las em água doce,

tendo em conta que o sal marinho atraía umidade, a qual poderia corromper o

material.

Page 199: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

199

A segunda parte das Instruções continha orientação sobre a remessa dos

vegetais. O texto reforçava a idéia de que o objetivo das instruções era o de enriquecer

o Museu Nacional e não formar um Jardim Botânico; por isso, não se detinha a

métodos de como transportar árvores e plantas de locais no estrangeiro para o

território português, matéria que já fora tratada por outros autores.

O objetivo principal era orientar sobre a forma de remeter as plantas secas ao

museu. As plantas pequenas, com raiz, tronco, folhas e frutos deveriam ser colhidas,

tomando-se o cuidado para que nos casos em que não produziam ao mesmo tempo as

flores e frutos, que se colhessem duas amostras representativas de cada fase.

Das árvores de maior porte, era suficiente colher um ou dois ramos mais

tenros com os frutos ou flores a serem enviados. Contudo, era conveniente que se eles

não pudessem seguir juntos, se identificasse nas remessas a que planta, frutos e flores

pertenciam. Os ramos ou plantas deveriam ser secos e as folhas deveriam ser

estendidas entre papéis pardos. Estas folhas, envoltas em papel, deveriam ser

comprimidas numa prensa, mudando-se os papéis até que a umidade delas fosse

extraída. O conveniente era que ao termino da operação elas fossem expostas ao sol.

Para o envio das amostras era aconselhável utilizar caixas de folha de Flandres

e na falta delas o acondicionamento se faria em bolsas vedadas, com drogas de cheiro

forte, ou tabaco para afastar insetos. Possuindo folhas, flores e frutos espessos que não

se pudessem secar pelo método acima, por estes ficarem “desfigurados”, as plantas

deveriam ser enviadas em vasos de água aguardente, com os devidos cuidados.

Os frutos, que pela sua dureza pudessem se conservar por muito tempo sem

corrupção, deveriam ser colhidos maduros e expostos ao sol por algum tempo, para

poder evaporar alguma umidade e posteriormente colocados em caixas. Da mesma

forma, proceder-se-iam com raízes tuberosas ou plantas bulbosas, que se conservam

sem corrupção por muito tempo, como o gengibre, cúrcuma, amomum e outras. O

período mais adequado para a colheita em terras de clima temperado era a primavera

ou o final de outono.

Cascas de troncos das árvores deveriam ser remetidas como também amostras

de madeira, devido às suas características após o polimento ou textura, ou cor, ou

outra qualidade/ utilidade que pudesse ter para “as manufacturas, e usos da

Sociedade”.

Page 200: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

200

Em relação às sementes as instruções eram sintéticas pela prática difundida na

sociedade. O maior cuidado implicava colher as sementes depois de maduras e,

estando secas, acomodá-las com musgo fresco, sem comprimi-las. As sementes

grandes poderiam ser cobertas por cera derretida e um pouco de óleo de terebintina,

para evitar que a temperatura da untura não afetasse o fruto. As sementes que

amadurecem dentro de “cápsulas”, onde se conservam, assim deveriam ser enviadas.

Em relação aos produtos do reino mineral, os cuidados não eram tantos, mas

foram feitas algumas ressalvas, considerando a divisão em terras, pedras e fósseis. As

diversas espécies de terra poderiam ser remetidas em pequenos sacos diferentes.

Aquelas que apresentassem alguma concentração salina ou propriedade que pudesse

se fazer uso deveriam ser remetidas em maior quantidade. A exigência para remessa

de pedras é que elas deveriam se destacar pela raridade: “ou pelos saes, que

contenhão, ou pela sua côr, dureza, figura, transparencia, &c., como são os crystaes,

agathas, marmores, congelações, amiantos, &c”

Os fósseis considerados importantes para os estudos dos filósofos naturalistas

deveriam ser preservados num museu. Por decorrência, era recomendável que de

todos os metais e outros gêneros de petrificações importantes fossem obtidas

amostras. Os exemplares acima deveriam ser enviados em caixões separados e

embrulhados com números diferentes, facilmente identificáveis na relação que fosse

remetida junto.

Deveriam ser colhidas amostras de espécies consideradas pertencentes à classe

marinha como madrepérolas, corais, litofitos e outras formas. O procedimento

adequado era escolher as mais inteiras com o maior número de ramos. Como na

operação de extração estas poderiam vir com fragmentos de rochas e de outros

exemplares menores, era aconselhável que se remetesse tudo, pois o conjunto seria

objeto de análise. Em se considerando, que estas espécies não estavam sujeitas a

corrupção, bastava que fossem acomodadas em caixões, bem forrados para que não se

danificassem durante o trajeto.

Como as espécies acima eram as “casas habitadas por animaes do genero dos

polypos, os quaes se multiplicão huns sobre os outros de hum modo analogo, ao modo

com que crescem os ramos das plantas”, estas deveriam ser extraídas diretamente do

mar. As massas duras, que os contém, deveriam ser postas em vasos cheios d’água do

Page 201: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

201

mar. O material ficaria em repouso por uma hora, após isto, com o auxílio de uma

lente se examinariam os animais fora das grutas. Nesse instante, com os dedos ou

outro instrumento, aprisionava-se o animal, que deveria ser colocado imediatamente

em vinho, de forma que ele não tivesse tempo de se contrair, estando na sua forma

natural antes de morrer. Os cuidados posteriores eram os mesmos para que o material

chegasse ao destino sem corrupção.

Os musgos marinhos ou coralinas, para serem enviados, era suficiente que

fossem lavados em água doce e depois secos e acomodados de forma similar às

remessas das plantas terrestres. As esponjas marinhas, cuja natureza não era

adequadamente conhecida, também mereciam fazer parte das coleções de gabinetes.

A operação de coleta e envio era simples, bastava serem lavadas em água doce, passar

pelo processo de secagem e depois serem devidamente acondicionadas.

O último capítulo das Instruções tratava da forma como deveria se proceder à

elaboração de notícias referentes à História Natural, sempre levando em consideração

as coisas mais notáveis do terreno onde se acharam os “productos, e os costumes dos

povos que o habitão”.

Era fundamental que cada caixote que seguisse com amostras, contivesse uma

relação exata das espécies acomodadas, devidamente identificadas. A relação deveria

conter debaixo de cada número “o nome tanto indígena, como estrangeiro da dita

especie, e o nome com que a costumão distinguir os Naturalistas”. Nas anotações era

importante registrar todas as qualidades, em especial as menos conhecidas. Em

relação aos animais a descrição deveria ter os aspectos que:

“distinguem mutuamente as differentes especies, como he tudo, o que

pertence á sua geração, lugares que habitão, tempo de coito e de parto, instinto,

artificios, alimentos, doenças, duração, &c.; mas com mais particularidade se

demorará sobre as utilidades, que do uso delles póde resultar para a vida humana.”

No que dizia respeito aos vegetais, a descrição deveria declarar os lugares

onde foram encontrados, a estação de plantio, o tempo da frutificação, os usos que se

fazia das espécies, evidenciando se poderiam ser utilizadas como alimento, para

práticas medicinais ou a utilidade para outras artes.

Page 202: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

202

Nos registros sobre minerais era mandatório identificar os lugares onde foram

encontrados, a profundidade de seus veios, a natureza dos terrenos circunvizinhos e os

usos que se fazia do mesmo.

Além das relações particulares era conveniente que fossem enviados relatos

gerais. O naturalista deveria guardar consigo uma cópia fiel dos exemplares enviados,

para evitar o envio de uma segunda remessa dos mesmos.

A descrição geográfica do local deveria conter tudo o que “lhes parecer mais

digno da attenção de hum Filosofo”. Para tanto, a fim de evitar confusões, poderiam

fazer suas anotações separando as que “pertencem á terra, as que pertencem ao ar, e as

que pertencem á agoa”.

Deveriam constar do registro os elementos fundamentais, como: longitude e

latitude do lugar, o clima, as dimensões e posição em relação aos pontos cardeais, e a

sua figura. Para as particularidades havia a seguinte orientação:

Primeiro, quanto aos montes, deveria declarar a sua existência e quantidade, se

havia promontórios e vulcões, com suas alturas, descrevendo os vales, vizinhos e as

características do mar, identificando “quaes as suas direcções, quaes as grossuras de

seus bancos, e mais qualidades interiores, e exteriores”.

Outro registro era quanto à natureza do terreno, seus animais, aves, insetos e

todos os tipos de espécies que produziam ou que habitavam o local. Da mesma

maneira, deveria se proceder com os vegetais e minerais, onde foram encontrados, a

sua abundância e os usos que os habitantes faziam deles.

A terceira categoria de registros era referente às características físicas e

culturais dos homens que habitavam a região, identificando as feições, a cor, a força

dos indivíduos, a fecundidade das mulheres, os partos, as doenças e outros aspectos

correlatos.

Por último, o relato deveria contemplar a estrutura interior do terreno,

descrevendo cavidades subterrâneas, vulcões, veios metálicos e as camadas do solo.

Outros aspectos também eram importantes de serem identificados como a

qualidade do ar, se era seco ou úmido, e o calor e frio da região. Indicar a existência

de meteoros e suas espécies e o tempo de sua duração. Em relação aos ventos era

preciso mencionar os gerais e os particulares, com suas freqüências, da mesma forma

Page 203: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

203

se procederia no registro das estações e sua regularidade. Os efeitos do ar sobre as

doenças dos habitantes deveria também ser objeto das informações.

No que dizia resto à água era preciso indicar as qualidades da água do mar,

destacando profundidade, peso específico, distâncias e alturas, variedades de peixes,

insetos, plantas e outras variedades, bem como os períodos de maré e a influência da

lua. Quanto aos rios se faria a descrição dos mais notáveis, indicando a foz, os peixes,

os insetos e as plantas existentes, além das matérias que poderiam ser encontradas no

seu leito. Das fontes mais importantes, era necessário ressaltar as propriedades

minerais com as qualidades e virtudes. Caso a região explorada fosse vizinha ao mar,

era indicado fazer um desenho claro das costas e apontar as diferenças observáveis

nas diversas estações do ano.

O importante era que o correspondente tivesse clara a importância de se fazer

relatos completos sobre todas as características sobre o local, podendo dividir seu

texto em título, sendo sugerida a seguinte divisão: “Religião, Politica, Economica,

Artes, Tradições etc.”419

Em 1783, a obra de José Antonio de Sá, “Compêndio de Observações que

formam o plano da Viagem Política e Filosófica que se deve fazer dentro da

Pátria...”,420 salientava a importância da viagem para a economia portuguesa,

preocupado em fornecer elementos para um conhecimento sistemático dos recursos

naturais, que pudessem ser utilizados pelos funcionários da coroa. O texto ressaltava

a importância que do uso da ilustração com riscos e pinturas que auxiliassem na

descrição do objeto, quando a narrativa não conseguisse fazê-lo com clareza.

O texto aconselhava aos viajantes naturalistas que utilizassem nos seus

registros as orientações propostas por Lineu, quanto a classes, ordens, gêneros e

espécies dos reinos animal, mineral e vegetal. O texto tem preocupação didática,

procura estabelecer regras para que os naturalistas relatem adequadamente suas

observações e estudos de viagens, procedendo com precisão e técnica, conforme as

normas da ciência naquele período, facultando a realização de estudos subsequentes.

Em 1800, Frei José Mariano Velloso publicou a obra “Naturalista instruído

nos diversos methodos antigos, e modernos de ajuntar, preparar, e conservar as

produções dos reinos da natureza, coligido de diferentes autores” pela Casa Literária

Page 204: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

204

do Arco do Cego. O texto dava uma dimensão adequada de como a História Natural

conquistara um papel de destaque.

Enquanto religioso, louvava a Deus por haver dotado cada reino terrestre com

características naturais diferentes. Tal situação era propicia para se formar “prosélitos

de historia Natural, ciência me de todas, as que podem formar a felicidade do homem,

enquanto vive, e por consequência, fazer que ele seja um cidadão útil, um vassalo

necessário”. Seu trabalho era útil para formar vassalos humildes, pois reunia um

conjunto de escritos de diferentes autores e línguas. No primeiro tomo, Frei Velloso

dedicou-se ao tratado do modo como encher e conservar animais. Conforme o texto

do Abade Manesse, sendo a “Historia Natural entre todas as Ciências a mais

agradável, deveria em todos os tempos ter amadores, fixar a atenção do verdadeiro

Filósofo, formar-lhe o objeto da sua admiração, dos seus exames do seu divertimento,

e da sua curiosidade”.421 Frei Mariano Velloso entendia que a natureza oferecia

maravilhas aos homens que não poderiam ser insensíveis a ela. O animal, um ser vivo,

causava maior impressão aos sentidos humanos do que uma árvore, planta, flor ou

minério qualquer. O animal encantava pela sua elegância e “fisionomia”, pela sua

dimensão, pelo seu comportamento, bem como por sua variedade.422 Ele entendia que

era impossível conservar por muito tempo os animais cheios para envio a um museu

ou jardim botânico, pois inevitavelmente seriam consumidos por insetos. O uso de

drogas combinadas sem nenhum critério não poderia garantir a preservação.

Para provar sua hipótese, o Frei Mariano Velloso observou e constatou que,

em alguns casos, mesmo com os cuidados dispensados, havia a destruição dos animais

cheios, uns resistindo mais do que outros, pois:

“ainda que fossem preparados do mesmo modo, com as mesmas precauções;

porque no mesmo animal certas partes eram atacadas pelos insetos por preferência a

outras, que não pareciam tão bem preparadas: porque isso acontecia mais em um

tempo, do que em outro, em o qual a temperie do ar parecia igualmente favorável ao

desenrolamento, e a propagação dos insetos: porque finalmente as cores dos animais

se alteram algumas vezes dentro de pouco tempo”.423

Pelo seu método investigativo, o religioso encontrava os efeitos e identificava

a verdadeira causa da corrupção do animal. Seu estudo lhe facultou perceber que a

decomposição de animais cheios ocorria especialmente quando a gordura passava por

Page 205: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

205

uma fermentação que rapidamente causava putrefação e atraia os insetos.

Comparando animais com muita e pouca gordura, percebeu que os primeiros se

decompunham mais rapidamente, principalmente pelos efeitos do calor. A mudança

de cor advinha do licor oleoso que desprendia do animal no processo de

fermentação.424 Mediante isto, constatava que o único método para conservar animais

cheiros era destruir a gordura contida na pele deles. Abandonou, então, os métodos

antigos “pela pouca propriedade, que tinham, para encher o meu objeto” e criou

outros. Criticava os venenos que causavam danos aos animais e faziam mal ao próprio

preparador. Declarou que o estudo iniciado em 1762 e prosseguido até 1768, quando

realizou diversas experiências, nunca indicou deterioração; desde que o espécime

fosse abrigado da chuva e da umidade todos permaneciam “belos, e tão frescos, como

se acabassem de ser cheios”. Isto permitiu chegar ao método em cujo processo

empregavam-se um ácido e um “alcali”. Este era usado em peles mais velhas que

também passavam por alguma preparação, e em pássaros. Para garantir bom

resultado, era aconselhado o uso de alume puro que, devido ao sal e sua virtude acre,

e cáustica, fixava a gordura, que era a causadora da corrupção.425 O alcali fixo da soda

era à base de outro método, empregado em peles secas, e que tivessem passado por

preparações. O estudioso afirmava que:

“tendo já tido um certo grau de fermentação, está, pelo dizer assim, nu, e fora

dos seus receptáculos: e por isso neste caso somente os alkalis são, os que se podem

combinar com ele; e desta combinação resulta um legítimo sabão, que nenhum inseto

pode acometer: o álcali tem também esta vantagem, vem a ser, que logo que se aplica

ao interior destas peles, as quais pelo ordinário estão engrovinhadas, duras e

quebradiças, ficam no mesmo instante tão moles e tão brandas, como se estivessem

frescas, o que dá a maior facilidade para as voltar a uma, e outra parte tirar-lhes o

tecume celular, e a matéria gorda, e oleosa que contém”.426

Este e outros detalhamentos exigiam atenção e rigor no uso das substâncias.

Para que os animais fossem devidamente preparados, Frei Mariano Velloso orientava

o naturalista na preparação dos animais, cujo teor remetia ao texto “Breves

instrucções aos correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as

remessas dos productos, e noticias pertencentes à Historia da Natureza, para formar

hum Museo Nacional”.

Page 206: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

206

Para tanto, Frei Mariano Veloso concebia suas instruções em cinco partes. A

primeira, que apresentava o modo de esfolar quadrúpedes, répteis, rãs, lagartos e

como deveria ser preparada a pele e o enchimento. Num segundo momento, ele

explicava a forma de esfolar os pássaros e os procedimentos adequados para realizar a

operação. Na terceira parte, indicava como se deveriam preparar as peles vindas do

estrangeiro, que só poderiam vir secas, tendo passado por um tratamento. Em outro

momento, relatava o resultado de suas experiências combinadas, conforme os

princípios científicos; e por último, apresentava o modo de fazer a cor dos os olhos,

imitando os naturais.427 Estavam aí as orientações essenciais para um viajante

naturalista atuar de forma condizente com os princípios científicos, que

paulatinamente tinham sido aprimorados, embora ainda estivessem longe do ideal.

A viagem no século XVIII incorporou a evolução do conhecimento e das

técnicas dos séculos anteriores. O avanço da física, química, biologia, anatomia,

zoologia, astronomia e outras ciências permitiram que a própria condição da viagem

se alterasse, bem como a forma de ver o mundo e reunir novos conhecimentos. A

viagem passou a fazer parte do processo de práticas culturais que poderiam conduzir à

construção e aperfeiçoamento do conhecimento científico. A viagem instrutiva fazia

que muitos tivessem como objetivo viajar para conhecer o mundo natural de regiões

desconhecidas, a fim de coletarem espécies e colecionarem tudo o que fosse possível.

A natureza poderia extasiar o viajante a cada momento, na medida em que este

descobria a diversidade de espécimes. Contudo, para a investigação científica, era

necessário um registro que incorporasse uma leitura exata e pautada numa

metodologia. Da mesma forma, a precisão atingia as representações cartográficas e os

primeiros Atlas universais de ampla circulação conquistam o público.428 Marie-Noëlle

Bourget ao estudar o perfil dos exploradores observa que:

“Completamente diferente é a situação do explorador que viaja em solo firme:

só ou na companhia de alguns colegas, ajudado por vezes por um intérprete, sem qual-

quer outra bagagem para além de um maço de mapas, um relógio, uma bússola e

alguns instrumentos de astronomia, uma espingarda, agendas, alguns frascos e um

herbário, o viajante atravessa países por vezes hostis, caminha, esgota-se, treme de

frio ou de febre, sem hipótese de regressar”.429

Page 207: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

207

Tal alteração pode ser constada no material de orientação ao viajante

naturalista, elaborado para que ele não perdesse o foco e os padrões científicos. Pode-

se afirmar que as instruções visavam a estabelecer um procedimento de leitura mais

uniforme sobre a natureza. O olhar deveria estar atento para registrar tudo que fosse

novo/diferente, dando a localização e as características principais, pelo menos do que

conhecia. Tendo em conta as condições da viagem e os recursos disponíveis, os

registros deveriam ser breves e diários, para que se pudesse ter uma dimensão mais

adequada do dia-a-dia da expedição. Dever-se-ia fazer anotações concisas durante o

percurso e nos momentos de descanso fazer descrições mais pormenorizadas. Não

bastava descrever apenas a espécime, era fundamental que se se considerasse o

sistema da natureza em que estava inserida, com a maior quantidade de detalhes, para

que se pudesse ter uma clara dimensão da variedade. O cuidado também se estendia

às amostras a serem enviadas, que deveriam ser preparadas de maneira adequada para

não se corrompessem, e para que fossem analisadas. Este conjunto de procedimentos

contribuíra no processo de aprimoramento das ciências.

Page 208: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

208

Quinto Capítulo

A natureza brasílica:

dimensões da descoberta

e da conquista

“Só se pode vencer a natureza obecendo-lhe”.

Francis Bacon

“A sabedoria da natureza é tal que não produz nada de supérfulo ou inútil”

Nicolau Copérnico

Page 209: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

209

5.1 A natureza exótica dos trópicos

Num primeiro momento, os relatos do século XVI procuraram descrever as

espécies da natureza sem outra preocupação que não fosse informar e reconhecer.

Conhecer, neste momento, era verificar a utilidade das espécies e prevenir-se dos

perigos que por ventura elas poderiam causar. Descrever os animais e as plantas era

um desafio que começava a partir da informação sobre a forma, tamanho,

comportamento, cor, odor, som e outros aspectos possíveis de serem constatados por

meio do olhar, da audição, do tato, do olfato e do paladar. Ao descrever o resultado

dessa observação sensorial, procurando dimensionar o mundo natural, foram se

construindo seres, cuja somatória incluía características de espécies que normalmente

existiam na Europa. Não raro, algumas plantas foram associadas ao jardim de delícias,

há muito sonhado pelos europeus. O universo da natureza brasílica, no que era

possível, aproximava-se de aspectos de uma natureza ora imaginada, ora real.430

No caso brasileiro, o primeiro relato histórico sobre as terras e a natureza está

diretamente vinculado à descoberta. A “Carta de Pero Vaz de Caminha”, que

registrou o achamento da Ilha de Vera Cruz, posteriormente Terra de Santa Cruz e

que viria a ser conhecidas como Brasil, é um dos documentos que revela um tipo de

registro que se fazia no período. O relato historiava ao rei português, D. Manuel I

(1469-1521), sobre a descoberta e conquista de seus vassalos. O olhar atento de Pero

Vaz de Caminha (1450-1500) descreveu, de forma sucinta, a viagem de Portugal às

Ilhas do Atlântico e destas às novas terras. A chegada e os primeiros contatos fizeram

parte do relato que visava a dar a idéia completa das terras encontradas. Natureza e

homens distintos do europeu. Receios de ambas as partes e também o desejo de

reconhecimento. Interações e trocas culturais sem uma compreensão maior do que

aquele momento representaria. Uma experiência antropológica que ficaria sendo um

marco para a nação brasileira. O Brasil nascia na pena de um relato de viagem dentre

Page 210: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

210

muitos outros que se seguiriam e permitiriam compor um amplo quadro das terras

brasileiras.

A “Carta de Pero Vaz de Caminha” cumpriu a sua função ideológica, no

sentido de mostrar a necessidade da ação portuguesa na conversão religiosa do

indígena. Concomitantemente, o registro forneceu um conjunto de informações que

ampliava o conhecimento sobre a terra recém-descoberta e seus habitantes. O

princípio axiológico, que justificou o estabelecimento de narrativa das novas terras e

gentes, era a grandiosidade e a diferença nele contida. A singularidade e

grandiosidade suscitavam a admiração decorrente do acontecimento.

Os relatos dos viajantes contribuíram para a estruturação do saber sobre a

alteridade e as novas terras. A experiência por eles vivida era o arcabouço que

norteava o verdadeiro e o tornava digno de ser narrado. No primeiro relato sobre as

Terras de Santa Cruz, a idealização da natureza já estava presente. Este registro

constrói uma imagem idílica, um paraíso terral repleto de atrativos naturais.431 Como

bem destacou Sérgio Buarque de Holanda, a mentalidade da época abraçava “alguns

modos de pensar de cunho analógico”.432

Pero Vaz de Caminha, após relatar o descobrimento em si e os contatos com

os nativos, descreve os elementos naturais da terra, ressaltando a sua grandiosidade e

as suas qualidades, onde o mundo natural é percebido na sua diversidade. dizia que de

ponta a ponta era possível visualizar uma praia rasa muito plana e bem formosa. O

sertão parecia se estender pelo interior, e do mar era possível ver terra e arvoredos,

parecendo muito extensa. Em primeiro lugar, não tinha sido possível identificar nem

ouro, nem prata, nem outros recursos que pudessem ser rentáveis, porém a terra era

boa de ares, tão frios e temperados, com abundância de água. A terra era graciosa.433

A carta de Pero Vaz de Caminha transmitia a imagem de uma natureza com

inúmeras promessas. Sem dúvida, a mais desejada era a obtenção de riquezas

extraordinárias. Imagem de uma terra paradisíaca que se prolongaria por muitos anos,

principalmente no que dizia respeito à riqueza natural da terra. Desde a visualização

do monte Pascal até os momentos finais da missiva, a potencialidade da terra e de

suas belezas são exaltadas. Pero Vaz de Caminha procurou fornecer uma visão de

conjunto sobre a vegetação; "o sertão era imenso e por grandes extensões era possível

ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa".434 Pero Vaz de Caminha

Page 211: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

211

distingue algumas plantas e pelas ribeiras identificou a existência de palmas, não

muito altas, em que havia muito bons palmitos. Afirmara que haviam colhido e

consumido muito deles. A natureza brasílica fornecia aos homens europeus o seu

primeiro sabor.

Enfatizando a possibilidade de exploração da natureza, Caminha salientou que

alguns selvagens traziam uns ouriços verdes, de árvore, que, na cor, queriam parecer

de castanheiros, embora menores. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos que,

esmagados entre os dedos, apresentava uma tintura muito vermelha, com as quais os

selvagens pintavam os próprios corpos.435 Em outro trecho da carta, diz que Pedro

Álvares Cabral determinara que os dois condenados que seguiam na embarcação

passassem a noite em terra firme na companhia dos indígenas; estes retornaram

dizendo os habitantes lhes haviam oferecido muito inhame e outras sementes como

alimento.436 Desta forma, a natureza brasílica era capturada no momento da

descoberta.

Os relatos de viagens do século XVI e XVII foram marcados pelo tom da

aventura. As agruras da experiência marítima e a sobrevivência fizeram parte de um

conjunto de registros que misturavam conquistas aos naufrágios e às catástrofes. Nos

primeiros anos após a descoberta, o litoral brasileiro foi visitado por diversos

navegadores de Portugal e de outras nacionalidades que, de alguma forma,

registraram suas impressões sobre as terras da América Portuguesa.

A partir da instituição dos Governos Gerais, a presença de missionários

jesuítas foi marcante durante o período colonial. As cartas e relatórios desses

religiosos, como observamos anteriormente, revelaram aspectos das terras brasílicas.

Na maioria das vezes, esses religiosos provenientes de diversas partes da Europa, em

grande parte de Portugal e da Espanha, foram os primeiros a fornecerem informações

sobre as terras. Enquanto religiosos, tinham a missão de catequizar e converter,

trabalhando com muito esforço numa terra ocupada por aborígenes e pouco conforto

material poderiam encontrar. Personagens de um primeiro movimento de

deslocamentos deixaram as suas marcas em registros na segunda metade do século

XVI. Ser membro da Companhia de Jesus implicava liberdade de deslocamentos para

qualquer parte do mundo. A obediência definia que a designação para uma missão não

Page 212: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

212

poderia ser questionada. A vontade que prevalecia era o dos interesses da instituição

religiosa e da coroa portuguesa.

A natureza das terras brasílicas possuía singularidades e pouco a pouco era

conhecida pelos europeus, mesclando nos registros o novo e o estranho com o exótico

da fauna e da flora. A natureza, descrita como um conjunto homogêneo, com

qualidades positivas e negativas, é relatada neste momento sem diferenças

significativas quanto à fauna e à flora. Todavia, esta primeira impressão apresenta as

terras com toda a potencialidade de atrativos naturais possíveis.

A primeira descrição da terra feita pelo padre Manuel da Nóbrega em abril de

1549, logo após sua chegada à Bahia, confirmou as condições do local: “a terra cá

achamo-la boa e sã”.437 Em outra missiva escrita no mesmo ano, o padre Manuel da

Nóbrega deu ênfase aos atrativos da natureza, delineando-nos com nuances do

maravilhoso e do paradisíaco. O religioso procurava criar textos conforme suas

impressões sensoriais, delineando quadros de um cenário monumental pela beleza

incomensurável. Para ele, a terra brasílica era sã e de bons ares, permitindo o trabalho

e a sobrevivência humana. Os doentes logo saram, tendo em vista as condições

climáticas serem mais adequadas nas diferentes estações do ano. Na terra havia:

“muitas frutas e de diversas maneiras, e muito boas e tem pouca inveja as de

Portugal. Mora no mar muito pescado e bom. Os montes parecem formosos jardins e

hortas, e certamente nunca eu vi tapete de Flandres tão formoso, nos quais andam

animais de muitas diversas maneiras, do quais Plínio nem escreveu nem supôs. Tem

muitas ervas de diversos odores e muito diferentes das d’Espanha, e certamente bem

resplandece a grandeza, formosura e saber do Criador em tantas, tão diversas e

formosas criaturas”.438

O tom inflamado na descrição destacava os atrativos das terras da América

Portuguesa. O olhar deslumbrado dos viajantes era marcado pelo violento contraste

entre as paisagens, os animais e plantas da Europa e aqueles aqui encontrados. A

viagem permitia novas experiências e exigia uma percepção aguçada, para identificar

semelhanças e afinidades. Afinal de contas, a natureza comportava todos os tipos de

mistérios possíveis.439

A natureza e seus atrativos iam se tornando tema central dos registros por

aqueles que passavam pelas terras da América Portuguesa. O padre José de Anchieta

Page 213: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

213

foi um dos cronistas cujos textos eram organizados e sistematizados sobre a

diversidade encontrada. Na Carta do Irmão José de Anchieta ao padre Diego Laynes,

escrita em São Vicente a 31 de maio de 1560, a descrição de alguns aspectos da

natureza ocupa boa parte da longa missiva. Descrevendo principalmente o mundo

animal, a carta se destaca pelo tom didático informando e instruindo o leitor quanto às

peculiaridades da terra, a exuberância e o esplendor da fauna brasílica. Com olhar

atento, o religioso registrou as peculiaridades clima e de cada espécie, chamando a

atenção para a diversidade, sem a preocupação de enumerá-las ou classificá-las,

tampouco em explicar as relações entre as várias espécies ou sua interdependência,

como foi comum nos registros dos viajantes científicos do século XVIII.

As condições climáticas permitiram que os viandantes se referissem às terras

brasileiras das formas mais variadas, conforme o que consideravam mais adequado

para a existência humana. No passado, aqueles que se aventuravam nas viagens não

tinham dimensão clara das variações climáticas existentes nos hemisférios norte e sul.

A viagem permitia que o viajante tivesse contato com diferentes climas e descobrisse

as variações existentes entre as diversas partes do mundo. Desejava-se encontrar uma

região que tivesse bons ares e que não houvesse nem frio nem calor, um clima que se

aproximasse daquele que existiria no paraíso terreal.

Nos relatos de viagem, desde o século XVI, é comum encontrar referências às

características ao clima. A temperatura chama a atenção dos viajantes que chegam às

terras brasileiras. Conforme destacamos anteriormente Hitlodeu, na obra “Utopia”, o

calor tórrido do Equador diminuía com a latitude em direção do polo Antártico. Além

disso, o clima nas regiões abaixo da região do Equador era mais ameno e agradável do

que o do continente europeu. Um tempo ameno marcava o limite entre o nem frio e

nem calor da terra dos brasis.

Os ventos, as chuvas, os ares eram constantemente observados pelos viajantes.

O movimento de ar nas regiões litorâneas, que soprava no final da tarde sobre a terra,

acompanhado algumas vezes de precipitações atmosféricas abundantes, contrapunha-

se àqueles encontrados na Europa. O jesuíta José de Anchieta observou que:

“As estações do ano (olhando de perto) são aqui inteiramente às avessas de lá;

no tempo em que lá é primavera cá é inverno e vice-versa; mas são tão temperadas

que não faltam no inverno os calores do sol para suavizar o rigor do frio, nem no

Page 214: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

214

verão as brandas brisas e as úmidas chuvas para regalo dos sentidos; ainda que como

já disse esta terra, da beira-mar, é quase todo o ano regada por águas da chuva”.440

O clima nas terras brasileiras era oposto ao da Europa, o inverno começava em

março e acabava em agosto. O verão, por sua vez, começava em setembro e acabava

no fim de fevereiro. Desta maneira, o Advento e o Natal ocorriam em pleno verão.441

Apesar das imprecisões em relação às quatro estações, padre José de Anchieta

expressou sua experiência, não sendo fácil para ele estabelecer as separações entre

cada estação, como se fazia na Europa. As irregularidades do clima tropical causavam

confusão e nem sempre era possível distinguir como facilidade a época da primavera

e do inverno.442

As chuvas ou a ausência delas chamavam a atenção. Em alguns anos não

chovia na quantidade necessária. Apesar do calor, que não era excessivo, havia falta

de água e por consequência os homens padeciam com a seca. Não havia água para

beber, os frutos não vingavam e as raízes apodreciam.443 Se o clima causava

padecimentos, por outro lado ele foi visto como benigno para a longevidade de seus

habitantes. O próprio José de Anchieta, em “Informação da Província do Brasil de

1585”, registrou que o clima do Brasil era muito temperado, de bons e delicados ares

e muito sadios, onde os homens viviam muito, até oitenta, noventa e mais anos, e a

terra estava cheia de velhos. As condições climáticas, bem diferentes da Europa, eram

um atrativo para aqueles que desejassem viver em uma região em que não houvesse

nem frio, nem calor intensos. Para o religioso, merecia destaque o céu que era muito

puro. A noite era prejudicial à saúde, entretanto, as manhãs eram saudáveis, pois logo

o calor do sol se fazia presente.444

Na terra dos brasis eram poucos os animais criados pelos indígenas, que

viviam basicamente de caça. Uma fauna abundante pelos campos facilitava a caça e a

pesca. Azpilcueta Navarro enumerou a diversidade de exemplares da fauna silvestre.

Assim fala o missionário:

“Há muita caça assim de animais como de aves; há uns animais que se

chamam antas, pouco menos que mulas, e parecem-se com elas, senão que tem os pés

como de boi. Também ai muitos porcos monteses e outros animais que tem uma capa

por cima a maneira de um cavalo armado; (tatu): há raposas, lebres e coelhos como

nessa terra; ai muitas castas de macacos, e entre eles umas paradas com barbas como

Page 215: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

215

homens; há veados, gatos monteses, onças, tigres e muitas cobras, entre as quais há

umas que tem na cauda uma coisa a maneira de cascavel, e também soa, e quando

topam alguma pessoa bulem e fazem soar com ele, e se acerta de não apartar-se,

mordem-la, e poucos escapam dos mordidos que não morrem. Há umas aves que são

perdizes, otras como faisões, com outras muitas diversidades. Também vi em poder

de índios dois avestruzes”.445

Para Anchieta, a fauna também era exótica e impressionante, pois havia

veados de dois gêneros: “uns armados de chifres como os da nossa terra, e estes raros;

outros, brancos, sem chifres, que nunca entram nos matos, mas sempre pastam em

bandos pelos descampados”. Abundavam também gatos monteses, gamos, porcos

bravos, de várias espécies. Pontuando as diferenças entre o litoral e o sertão,

destacava que, pelo interior do território, “para os lados do Peru, que dizem Nova

Espanha, há ovelhas monteses, do tamanho de vacas, revestidas de lá branca e bela,

das quais os unidos se servem, para levar e trazer cargas, como de jumentos”.446

Na maioria dos relatos iniciais, elaborados pelos jesuítas sobre as terras

brasílicas, a fauna ocupa referências pontuais e escassas. Contudo, na Carta do Irmão

José de Anchieta ao Pe. Diego Laynes, escrita em São Vicente a 31 de maio de 1560,

destaca-se a atenção à fauna. A carta tinha a intenção didática de informar e instruir o

leitor quanto às peculiaridades da fauna, constatadas no cotidiano e dignas de serem

mencionadas, pois respondiam às preocupações de sobrevivência humana. Anchieta,

neste relato, traz à tona a exuberância e o esplendor da fauna brasílica, revelando a

novidade do mundo animal na América Portuguesa. Há nele um contido

deslumbramento com as espécies, em relação ao novo; descrições físicas de cada

animal, peculiaridades de cada espécie, bem como os seus benefícios e malefícios.

Tendo como linha mestra estes três enfoques na descrição, é que Anchieta descreve as

onças, notando que as diferenças físicas permitiam dividi-las em duas variedades:

“Também há aqui onças, que são de duas variedades: umas cor de veado, mais

pequenas e mais cruéis; outras malhadas e pintadas de diversas cores, que são mais

freqüentes em toda a parte, e estas, ao menos os machos, são maiores que os maiores

carneiros, porque as fêmeas são mais pequenas, em tudo semelhantes aos gatos e

servem para se comer, como por vezes experimentamos. Em geral são medrosas e

acometem pelas costas, mas têm tanta força que com um golpe das unhas ou dentada

Page 216: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

216

dilaceram o que tomam. As presas dizem os índios que as enterraram e as vão

comendo até acabar”.447

A fauna desconhecida exigia maior atenção de seus cronistas, como por

exemplo, a onça. Esta, passível de ser utilizada na alimentação diária, também

poderia ser causa de morte, como alertava Anchieta que, para comprovar a ferocidade

do animal, relatou alguns casos sobre a dimensão de sua crueldade.448 Identificando

quatro castas para os macacos, Anchieta nomeou características específicas do animal

e sua utilidade para a alimentação, excluindo qualquer informação que pudesse gerar

confusão e as alegorias sobre o animal. Os macacos, informava o jesuíta:

“em quantidade infinita, são de quatro castas muito boas todas para se

comerem, como com freqüência o experimentamos, alimento muito são até para

doentes. Vivem sempre nos matos, saltando em bandos pelos cimos das árvores, onde

se, por causa da pequenez do seu corpo, não podem saltar duma árvore a outra, o

maior e como chefe do bando, agarra-se de cauda e pés a um ramo curvado, pega

outro com as mãos, faz de si mesmo caminho e como ponte para os restantes, e assim

todos passam com facilidade. As fêmeas têm as mamas no peito como as mulheres, e

com as crias pequenas sempre pegadas às costas e aos ombros vão de um lado para o

outro, até elas poderem andar por si. Contam-se deles coisas maravilhosas, mas

incríveis por isso as omito”.449

O registro de Anchieta refere a diversidade e tenta traçar hábitos dos animais,

suas características físicas, procurando construir uma imagem deles. Detalhes sobre a

procriação e alimentação dos filhotes são registrados conforme as prescrições de

Plínio, o Velho. Outros, menos relevantes, configuravam o caráter seletivo do

cronista Anchieta. O macaco foi destacado pelo seu convívio grupal, sendo sua carne

comumente utilizada na dieta alimentar. A exuberância da fauna brasílica aguçava a

curiosidade do religioso. Entrelaçando aspectos curiosos com a utilidade da carne do

animal, o missionário sistematiza detalhes de exemplares da fauna, quando dignos de

menção e pelo caráter ímpar, sob o seu ponto de vista. Um dos exemplos mais

completos é o do tamanduá:

“Há também outro animal de feio aspecto, que os índios chamam tamanduá,

de corpo maior que um cão grande; mas, curto de pernas, pouco se ergue do chão, e

por isso é vagaroso, e o homem pode alcançá-lo na carreira. As suas cerdas (negras,

Page 217: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

217

entremeadas de cinzentas) são muito mais arrepiadas que as do porco, sobretudo na

cauda, provida de longas cerdas dispostas umas de cima para baixo e outras

transversalmente, com a qual recebe e repele o golpe das armas. Recobre-se de pele

dura, que as flechas não penetram com facilidade: a do ventre é mais mole. O pescoço

é comprido e fino, a cabeça pequena muito desproporcionada ao tamanho do corpo, a

boca redonda, da medida de um quanto muito dois anéis, a língua estirada com três

palmos de comprido na porção que pode deitar fora, sem contar a que fica dentro (que

eu medi); e deitando-a de fora, costuma-a estender nas covas das formigas, e, assim

que estas a enchem inteiramente, a recolhe dentro da boca. E este é o seu ordinário

comer”.450

Atraído por esta espécie, Anchieta não deixava de mencionar que o seu

testemunho era comprovado pelo contato direto com o animal, alegando que ele

próprio fizera a medição. Outro jesuíta, Fernão Cardim, no século seguinte, dedica-se

às particularidades do animal, especialmente a anatomia da boca que o obrigava a

alimentar-se de forma distinta. O tamanduá se deitava ao longo de um formigueiro

com a língua de fora, recolhendo formigas, repetindo a operação até saciar-se: “e

deitando a língua de fora pegam-se nela as formigas, e assim a sorve porque não tem

boca para mais que quanto lhe cabe a língua cheia delas”.451 Como sugeriu Gerbi, a

descrição da diversidade era o primeiro passo para captar a nova realidade, e os

jesuítas tinham uma necessidade implícita de capturar esta nova realidade tornando-a

parte de um universo cristão. A multiplicidade de exemplares, antes de remeter a um

mundo animal exuberante, confirmava que a Arca de Noé teria sido muito maior do

que até então se imaginara.

O Padre de Anchieta também faz menção à anta e ao seu uso alimentar,

destacando que era um animal fácil de ser encontrado, “próprio para comer, que os

índios chamam tapiira, os hispânicos “anta” e os latinos, segundo creio, “alce”. Para

ele, o animal era parecido com a mula, sendo um pouco mais curto de pernas. As

patas eram fendidas em três pontas e o beiço superior era proeminente. A cor oscilava

entre o camelo e o veado, mas uma pouco mais intensa. Havia um músculo no lugar

das crinas, que auxiliava o animal a abrir caminho nos cerrados. A cauda era curta,

sem nenhuma cerda. Era uma espécie noturna; dormia durante o dia e à noite nutria-se

de diversos frutos das árvores; na falta destes, comia as cascas. Quando perseguida

Page 218: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

218

por cães repelia-os a dentadas ou coices, ou atirava-se aos rios e ficava muito tempo

escondido debaixo d'água. Por isso, vivia de preferência perto dos rios, em cujas

ribanceiras costumava escavar a terra e mastigar o barro.452

O tatu era outro animal que chamava a atenção por suas características e por

sua carne ser consumida por habitantes da terra. Este animal era frequente e vivia

pelos campos em cavidades subterrâneas, sendo a cauda e a cabeça semelhantes à dos

lagartos. O corpo era coberto por couraça que impedia a penetração de flechas, “muito

parecida armadura do cavalo”. Quando era perseguido, procurava se defender

escavando a terra com rapidez e ali se abrigava. Era difícil retirar o animal de seu

esconderijo, pois ele resistia agarrando-se à terra com as patas.453

As descrições tendiam a reforçar o sentido de posse, pois como afirmou Gerbi,

em “La natureza de las Indias nuevas”, reconhecer era já um ato de conquista e

sujeição.454 Capturar a diversidade da nova realidade do mundo natural implicava a

adoção de um modelo invariável, normalmente sugerindo a fauna européia,

destacando apenas características especificas da fauna da América Portuguesa. As

espécies atraíam pelas diferenças de forma e hábito, revelando que a natureza

existente sobre a face da terra era muito mais ampla do que aquela encontrada e

imaginada na Europa e nem sempre fácil de ser descrita nos séculos XVI e XVII.

A preguiça era um animal lento, com uma cara que, segundo o jesuíta José de

Anchieta, se assemelhava à da mulher. O “aîg”, como era chamado, era um animal

preguiçoso, “mais vagaroso que um caracol”. O corpo era grande e cinzento. O

focinho se assemelha ao “rosto de mulher, longos braços munidos de unhas também

compridas e recurvadas, com que o dotou a natureza para subir a certas árvores, de

cujas folhas e rebentos tenros se alimentam, no que gasta boa parte do dia”. Para os

narradores não era fácil dizer quanto tempo o animal demorava a mover um braço. A

preguiça, após subir nas árvores, ficava lá até esgotar a árvore toda, passando em

seguida para outra. O animal agarrava-se com tanta força ao tronco da árvore que não

era possível arrancá-lo senão cortando-lhe os braços.455

Não menos curioso era o gambá. José de Anchieta descreveu o animal como

sendo semelhante a uma raposa pequena, que cheirava “muito mal” e gostava de

comer galinhas. Na parte inferior do ventre havia uma abertura de cima para baixo,

onde se localizavam os mamilos das fêmeas. Quando estas davam cria, os filhotes

Page 219: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

219

eram acolhidos nessa bolsa, saindo dela somente quando já tinham condições de

sobreviver pelos próprios esforços próprios. O religioso salientava que quando se

matava a mãe, era difícil arrancá-los com vida da bolsa em suas tetas.456

Outro animal que atraiu o olhar de religiosos e viajantes foi a capivara, que se

alimentava de erva e não era tão diferente dos porcos. A espécie possuía uma cor

“ruiva” e “dentes como os da lebre, exceto os molares, parte dos quais se fixam nas

mandíbulas, parte no meio do céu-da-boca”. Sua carne era consumida em grande

quantidade, pois o animal era facilmente domesticado e criavam-se em casa como

cães, pois saíam “a pastar e voltam a casa por si mesmo”.457

No primeiro século após a descoberta, as descrições dos atrativos da fauna se

deviam à possibilidade de algumas espécies serem incluídas na dieta alimentar dos

viajantes, que no percorrer do território tiveram que se valer dos recursos existentes,

adaptando-se aos hábitos locais. A lontra, que também vivia nos rios, era consumida

com regularidade e sua pele servia para cintos e os pelos eram macios. Porém, para

aprisionar o animal corria-se perigo, pois o caçador tinha que se lançar no rio e lutar

com o animal que possuía unhas e dentes afiados e provocavam feridas graves. 458

Se a fauna atraía pelos seus recursos ilimitados, ela também ocupou espaço

pelos perigos que oferecia. A natureza seduzia, mas não os isentava dos riscos. As

narrativas privilegiaram aquelas espécies que, ao mesmo tempo em que constituíam

uma fonte alimentar, eram um perigo para o homem que deveria empregar o seu

engenho para saber livrar-se das ameaças durante os deslocamentos pelo território.

Neste sentido, foi descrito o jacaré, que apesar da sua corpulência e

ferocidade, nem sempre era uma ameaça. Esta espécie era encontrada nos rios sendo

“cobertos de duríssimas escamas e armados de agudíssimos dentes”. Por vezes, saíam

da água, momento que era possível a sua caça, sempre feita com “grande trabalho e

perigo, como é óbvio em tamanho animal”. A carne era própria para consumo, sendo

uma iguaria apreciada.459

No silêncio da floresta, os aventureiros sentiam solidão, melancolia. Os sons

dos pássaros e de outros animais interrompiam o vazio sonoro e davam ao viajante

oportunidade para imaginar. As aves das terras brasileiras chamaram a atenção pela

variedade de espécies e pelas ricas plumagens que encantaram os olhos, ao mesmo

tempo em que os cantos dos pássaros encantavam os ouvidos. Aves de todos os portes

Page 220: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

220

eram possíveis de serem encontradas e foram registradas pelos relatos daqueles que

tiveram como preocupação fornecer aos seus pares a dimensão das experiências que

tiveram no solo americano.

As descrições de araras, tucanos e papagaios foram comuns, com suas penas

multicoloridas que enfeitavam os cocares indígenas. As emas eram aves cujo tamanho

do corpo as impedia de voar, mas que chamavam a atenção pelo seu porte. O

mergulhão, os guarás e outras espécies de aves da costa com seus bicos e hábitos

particulares de alimentação foram apreendidos pelos registros dos viajantes.460

Conforme destacou Paulo de Assunção, as descrições dos animais seguiam uma

sequência similar àquelas dos bestiários medievais, onde os animais eram descritos,

um subsequente ao outro, sem nenhuma afinidade genética ou qualquer outra diretriz

que não fosse a divisão de Plínio, o Velho, que ordenava a fauna em quatro castas:

terrestres, aquáticos voadores e insetos.461

Os relatos de viagens e descrições sobre as novas regiões descobertas

ganharam maior importância a partir da segunda metade do século XVI. O geógrafo

italiano Giovanni Battista Ramusio (1485-1557) publicou em 1550 a obra “Delle

navigationi et viaggi”. Nesta obra se encontra um dos registros mais antigos sobre o

contorno das terras brasileiras, onde o autor procurou corrigir as imprecisões das

idéias defendidas por Ptolomeu. Segundo o autor, a Terra de Vera Cruz, conforme

registros de Américo Vespúcio, tinha boa caça e verzino (pau-brasil),462 sendo

contudo a terra tão vasta que não era possível recolher as diferentes produções desse

local.463 As descrições sobre o clima, as plantas e os animais foram ressaltados com a

mesma intensidade presente nos registros dos jesuítas, merecendo algumas pranchas

com gravuras ilustrativas.464 Outros registros sobre o Brasil surgiriam, a fim de suprir

a curiosidade que existia sobre a natureza e os habitantes da América.465

Page 221: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

221

5.2 As revelações da natureza tropical

Na segunda metade do século XVI algumas crônicas foram escritas sobre as

terras brasílicas. Algumas delas ganharam ampla circulação e foram referenciadas por

outros viajantes e pelos naturalistas que identificaram a importância dos registros.

Contudo, alguns textos ficariam guardados em bibliotecas e arquivos e só viriam a ser

conhecidos publicamente no século XIX.

De forma simplificada, apontamos como documentos importantes, para

conhecer esse momento e a natureza das terras brasílicas, as obras de: Hans Staden,

“Duas Viagens ao Brasil” (1557); André Thévet, “As Curiosidades da França

Antártica” (1558); Pero de Magalhães Gandavo, “Tratado da Terra do Brasil”, (1570 -

impresso pela primeira vez em Lisboa em 1826) e “História da Província de Santa

Cruz - a que vulgarmente chamamos de Brasil – (1576); Jean de Léry, “Viagem à

Terra do Brasil” (1578) e Gabriel Soares de Souza, Tratado Descritivo do Brasil

(impresso pela primeira vez no início do século XIX).466

Hans Staden foi um dos primeiros viajantes a fornecer registros sobre as terras

brasileiras. Sua trajetória era desconhecida até chegar ao continente americano, que

visitou por duas vezes.467 O período que permaneceu em viagem foi de mais de seis

anos, sendo que a primeira estada durou mais de um ano e meio (1547-1548) e a

segunda quase cinco anos (1550-1555).468

Em 1557 publicou a obra “Duas viagens ao Brasil”, que tratava das questões

étnicas das nações sul-americanas, com várias edições em línguas diferentes, sendo

até hoje alvo de interesse de estudiosos e apreciadores de registros antropológicos.469

Se a obra conseguiu ressonância naquele período e influenciou registros posteriores,

pouco se sabe sobre o seu autor. O texto de Hans Staden difere de outros registros, na

medida em que ele foi forçado a um longo convívio com os tupinambás. Segundo ele,

o trabalho deveria conter “alguma coisa nova”, pois o intuito era trazer à luz os

benefícios que Deus lhe havia conferido.470

Page 222: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

222

Hans Staden de Homberg nasceu em Hess, para onde retornou ao final de suas

viagens, e onde escreveu a obra que o consagraria, no segundo semestre de 1556.471

Hans Staden dedicou sua obra ao Príncipe e Senhor Felipe, Landgrave de Héssia,

Conde de Katzenelnbogen, Diez, Ziegenhain e Nidda.472 No texto ele agradecia a

Deus por ter-lhe salvo dos selvagens tupinambás das terras brasílicas. Seu martírio

durou nove meses, enquanto prisioneiro, e muitos outros foram os dissabores e

provações que sofreu. Estes percalços e suas outras experiências o incentivaram a

relatar suas viagens. Esperava o príncipe Filipe Landgrave tivesse:

“oportunidade, para ouvir a leitura de como eu, com a ajuda de Deus, transpus

a terra e os mares, e como o Todo-Poderoso me conduziu através de estranhos aci-

dentes e provações. A-fim, porém, de que não duvide Vossa Serena Alteza da verdade

de minhas palavras, junto a esta narração o meu passaporte. A Deus somente toda a

honra! Recomendo-me com a humildade máxima a Vossa Serena Alteza”.473

O principal objetivo da obra era dar a conhecer a sua história, com palavras

desprovidas de “ornato e pompa” que pela sua “sinceridade e veracidade” permitisse

compreender a sua experiência e o universo com o qual interagira. Estas observações

eram importantes, pois o número de aventureiros espalhados pela Europa eram muitos

e com “suas mentiras disparatadas, suas falsidades e narrações fantasiosas

contribuíram para que se dê pouca consideração às pessoas honestas e amantes da

verdade, que vêm de terras estranhas”. Naqueles idos, como lembrava o autor, quem

quisesse mentir, bastava discursas sobre coisas distantes, “pois ninguém lá vai

verificá-las”, pois era:

“[...] mais cômodo do que certificar-se. Quem quiser mentir, discurse sobre

cousas distantes, pois ninguém lá vai verificá-las. É mais cômodo acreditar do que

certificar-se. Nada se ganha em não aceitar a verdade por causa das mentiras, e deve-

se considerar que há cousas que parecem impossíveis a um homem simples, ao passo

que para o erudito, quando lhe são expostas, são fatos seguros e incontestáveis, como

realmente o são”. 474

Sua interação foi maior do que os contatos simples que a maioria dos viajantes

manteve com aborígenes em pontos da costa litorânea. Ele conviveu com os

indígenas, coletando importantes informações para compor seu registro e as

xilogravuras que o ilustraram .475

Page 223: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

223

Hans Staden tinha como meta “conhecer a Índia” e nesse intuito viajou de

Bremen para a Holanda. Em Kampen encontrou navios destinados ao carregamento

de sal para Portugal. Em 29 de abril de 1547 estava na cidade de Setúbal e logo seguiu

para Lisboa. Conseguiu uma vaga como artilheiro num navio cujo capitão era um

homem chamado Penteado. A viagem partiu em direção ao Brasil, sofrendo com o

calor do Equador e a calmaria que causava a maior angústia. Estes não eram os únicos

problemas, havia as tempestades tropicais, com chuva e ventos fortes, que

rapidamente se formavam e se dissipavam. A falta de víveres e de água potável

tornava cada dia de viagem mais temeroso. Após oitenta e quatro dias no mar, desde a

última vez que tinham avistado terra, as embarcações vislumbraram no horizonte o

outeiro no cabo de Santo Agostinho. Navegando oito milhas chegaram a Pernambuco,

onde desembarcaram prisioneiros e mercadorias.476

Esta primeira viagem e contato com os indígenas não foi muito prazerosa.

Staden narrou que e ele e seus companheiros foram sitiados e levados ao combate

com os aborígenes. A ferocidade e inclemência deles evidenciavam a iminência de

serem devorados.477 Desvencilhados dos problemas com os habitantes da terra, o

grupo seguiu para o porto da Paraíba, onde pretendia fazer carregamento de pau-brasil

e obter alimentos junto aos índios. No local encontraram um navio francês, que

carregava a madeira da terra e foi atacado pelos companheiros de Staden que tinham o

intuito de capturar o navio. A embarcação francesa revidou com tiros, provocando

mortos e feridos. A malograda operação os obrigou a retornarem a Portugal.478

A falta de recursos e os ventos fortes fizeram da viagem de retorno um

calvário. A penúria era tanta que cabia a cada homem um copo com água e um pouco

de farinha de mandioca, ração insuficiente; a fome era tanta que alguns homens

comeram “as peles de cabras que trazíamos a bordo”.479 Os imprevistos foram tantos

que o objetivo de observar e descrever a natureza foi preterido em função das

aventuras do cronista; o mundo natural foi o cenário ou palco dos acontecimentos,

enfatizados pelo drama da vida de Staden.

Na segunda viagem de Hans Staden partiu de Sevilha. Em 1549, quatro dias

após a Páscoa, saiu daquela cidade em direção a Lisboa e depois para as ilhas

Canárias. A experiência adquirida com a viagem à América revelava a dificuldade

que os navegadores enfrentavam com relação às informações e localizações

Page 224: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

224

imprecisas que haviam sido fornecidas. Entre a partida e a chegada as terras tropicais,

em finais de novembro, a tripulação da embarcação tinha permanecido seis meses no

mar. A prudência fez que não ancorassem em portos desconhecidos, procurando um

local adequado para fazer o desembarque. 480

As embarcações seguiram para o sul da América, passando pela ilha de São

Vicente em direção à ilha de Santa Catarina, aonde chegaram em dezembro de 1550.

Ali o grupo desembarcou, uma vez constatada a garantia da segurança.481 Permaneceu

dois anos naquelas paragens, apesar das dificuldades para viver em uma região

inabitada, um cenário em que a natureza se impunha, conforme o relato de Hans

Staden:

“Padecemos grande fome, tivemos que comer lagartos e ratos silvestres e

outros animais assim estranhos, que podíamos apanhar, e também crustáceos, que se

prendiam às pedras na água, e outros alimentos igualmente desconhecidos. No

começo os selvagens nos trouxeram víveres suficientes, enquanto receberam de nós

bastante mercadoria em troca. Depois seguiu a maioria para outras regiões. Não

devíamos também confiar muito neles”.482

Em 1553, velejando em direção à ilha de São Vicente, a fim de obter uma

embarcação dos portugueses, os viajantes foram atingidos por uma tempestade que

avariou o barco e os tripulantes, à deriva, ignoravam a distância que os separavam de

seu destino.483 Os sobreviventes foram para uma ilha, onde havia “muitas gaivotas

marinhas, chamadas alcatrazes. Como era tempo de sua procriação, era fácil matá-

las”. Chegando a terra foram em busca de água, e encontraram ocas desabitadas. Pela

necessidade, abateram “muitas gaivotas” e que colheram seus ovos para cozinhar.484

Os dias seguintes foram de incertezas, sendo as tempestades tropicais um medo

constante. Católico, Staden, agradecia a Deus, por ter chegado vivo a um ponto do

litoral. Todavia, as dificuldades não haviam terminado. A falta de alimentos e de

roupas, a iminência dos ataques indígenas traziam insegurança a todos. Ao fazerem o

reconhecimento da região, identificaram uma povoação formada por portugueses,

chamada Itanhaém, distante aproximadamente duas milhas de São Vicente.

Os habitantes do povoado ouviram os relatos do naufrágio e se compadeceram

dos sobreviventes. Forneceram alimentos, roupas e acolhida, auxiliando-os a chegar

ao seu destino, a vila de São Vicente. A população desta vila, durante algum tempo,

Page 225: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

225

manteve o grupo e arrumou trabalho para que os seus membros pudessem ganhar o

próprio sustento. Mas a região estava longe de oferecer segurança, pois os

tupinambás:

“[...] duas vezes por ano, épocas em que, com violência, penetram na região

dos tupiniquins. Uma destas épocas é em novembro, quando amadurece o milho, que

chamam abatí, e com o qual preparam uma bebida chamada cauim. Empregam

também aí a raiz de mandioca, de que misturam um pouco. Logo que voltam de sua

excursão guerreira com abatí maduro, preparam a bebida e devoram nesta ocasião os

seus inimigos se conseguiram aprisionar alguns. Já um ano inteiro antes esperam com

alegria o tempo do abati”.485

Havia um selvagem da tribo dos carijós que pertencia a Hans Staden. Era

responsável pela caça e por acompanhar Hans Staden pela floresta. Mesmo assim,

numa dessas aventuras, “levantou-se de ambos os lados do caminho um grande

alarido, como é hábito entre os selvagens. Essa gente correu para mim, e reconheci

que eram Índios.” Portando arcos e flechas os indígenas o cercaram, feriram e

renderam. Despojaram-no de suas vestes para serem disputadas entre eles. Hans

Staden foi conduzido pela mata até o mar, onde se encontravam as canoas em que

embarcaram.486

Prisioneiro dos tupinambás, Hans Staden foi levado para a região de Bertioga.

Ciente das práticas destes índios, todos os gestos que faziam representavam o

prenúncio do fim, sem dúvida, seria devorado. Staden registrou a aflição, a miséria e o

“triste vale de lágrimas” em que viveu.487

Depois de três dias de viagem, foi conduzido à aldeia dos tupinambás

(composta de sete choças), que ficavam na região de Ubatuba. Observou que as

mulheres cultivavam “plantas de raízes, que êles chamam mandioca”. A chegada foi

comemorada com muito alvoroço e o cativo foi apresentado a um francês que os

índios chamavam de “Caruatá-uára”.

Embora não entendesse a fala do francês, Staden inferiu que ele estivesse

dando ordem para que os índios o devorasse. O tom dramático da narrativa mostra

que o cativo estava desesperado, lançado à própria sorte. Conduzido a uma choça,

aguardou na rede, o dia que seria “aniquilado”.

Page 226: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

226

Durante aquele convívio com os indígenas, Hans Staden foi construindo um

quadro da vida deles; descreveu as danças que antecediam o ritual de antropofagia,

como realizavam as atividades cotidianas, seus objetos, as mulheres e as práticas de

casamento e, em seguida, dedicou-se a alguns animais e plantas.

Em agosto de 1554, Hans Staden observou que os índios capturavam tainhas e

piratis, que desovavam naquela época do ano, conhecida como piracema. Nessa época

os índios partiam para as guerras e se alimentavam de peixes.488 Sobre os animais,

Staden registra que havia muitos veados como os encontrados na Europa e “duas

espécies de porcos do mato, das quais uma se parece com o porco selvagem daqui e a

outra é pequena, parecendo-se com porquinhos novos. Chamam-se estes tanhaçú-tatú,

sendo difícil pegá-los nas armadilhas que utilizam para a caça os nativos”.489

Havia também espécies diferentes de macacos, como já observara José de

Anchieta. A fauna brasílica já era conhecida na Europa, mas este observador dava

conta da existência de que uma espécie chamada “caí.” Outro era o “acacaí”, que

saltitavam nas árvores em grandes bandos, fazendo “terriel gritaria no mato”. Havia

ainda uma terceira espécie vermelha chama de buriqui, cuja descrição ressalta: “tem

barba como cabras e São grandes como um cachorro de porte médio”.490

O tatu era um animal que merecia destaque no registro de Staden, inclusive

com gravura: “O tatu mede cerca de um palmo de alto e palmo e meio de comprido.

Tem o corpo todo encouraçado, com exceção do ventre. A couraça é como chifre,

fechando-se com junturas, como numa armadura. Tem um focinho longo e pontudo,

uma cauda comprida e vive bem nas rochas. Seu alimento são formigas. É de carne

gorda. Comi dela muitas vezes”. 491 Da mesma forma que fizera José de Anchieta,

Staden chamava a atenção para a resistência do casco, os hábitos do animal e o uso da

sua carne como alimento.

Dos animais de caça havia o saruê, ou gambá. O jesuíta José de Anchieta,

vivendo nas aldeias, deu ênfase aos ataques que estes animais faziam aos galinheiros.

Hans Staden não fez menção ao cheiro do gambá, nem registrou os danos que este

causava, demonstrando compartilhar das práticas indígenas, mas chamava a atenção

para outros aspectos:

“o tamanho de um gato, tem pelo cinzento escuro ou claro, e uma cauda

também como um gato. Quando dá cria, tem seis filhos mais ou menos. No ventre há

Page 227: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

227

uma fenda de cerda de meio palmo, e no interior da fazenda uma outra pele, pois o

ventre não é aberto. Dentro desta bolsa estão também as tetas. Para onde vai, leva

consigo os filhotes na bolsa, entre as duas peles. Ajudei muitas vezes a caçar saruês e

retirei os filhotes de dentro da bolsa”.492

Os “tigres” eram animais que, segundo Staden, “estraçalhavam homens” e

causavam grandes danos, como também o “leopardo, que significa leão pardacento, e

muitos outros diversos animais”. Tigre foi a forma utilizada por Staden para se referir

à onça pintada, e leopardo designava a onça parda ou suassuarana. As aproximações

baseadas nos traços principais facultavam ao leitor alguma visualização dos animais,

sendo condizentes com as particularidades de um mundo natural marcado por

variações, a que o século XVIII se dedicaria.493

A capivara que vivia em terra e na água e se alimentavam dos caniços que

ficavam nas margens dos rios e se lançavam no fundo das águas, quando se sentiam

ameaçadas, mereceram a atenção de Staden. Para ele, as capivaras eram “maiores que

uma ovelha e tem cabeça semelhante à lebre, conquanto maior, orelhas curtas, cauda

romba e pernas bastante altas. O pelo é cinzento escuro. Têm três dedos em cada pé e

correm velozes em terra, de umas águas às outras. A carne tem sabor da de porco”.494

Staden registrou grandes lagartos que viviam na água e que eram “bons para

comer”.495

O clima tropical era propiciava a proliferação de insetos. Staden destacou

aqueles que lhe causavam asco, como o tunga. Parecido como uma pulga, este inseto

entrava nas cabanas dos indígenas, onde tinham um ambiente adequado para se

proliferarem devido à “imundície das gentes”. E o tunga entra pelo pé e se “coça

quando entra, e sem que se sinta especialmente, penetra na carne. Quando não se

percebe a tunga ali permanece vai formando uma espécie de massa abrigada numa

casa redonda, como uma ervilha. Se retirada antes de tal processo, fica no tecido "um

buraquinho do tamanho de uma ervilha”.496

Havia animais que, que tamanho, causavam espanto, como os morcegos.

Staden afirmava que aqueles que vira nas terras tropicais eram maiores do que os

existentes na Alemanha. Fazia referência ao morcego porque este mordia à noite,

durante o sono: “Quando percebem que alguém dorme e não os afugenta, voam-lhe

aos pés, mordem e sugam, ou mordem a testa, voando depois em retirada. Quando

Page 228: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

228

estava entre os índios, arrancavam e muitas vezes um pedaços dos artelhos. Quando

acordava, iam os dedos sangrando. Mordem os selvagens, porém habitualmente na

testa”.497

Nas terras tropicais havia três tipos de abelhas, conforme o seu relato. Uma

casta era parecida com as da Europa, outra eram “pretas e grandes como moscas; a

terceira, pequena como mosquitos”. No convívio com os indígenas Staden aprendeu a

obter mel em árvores ocas, onde as abelhas o depositavam. Ele, de corpo nu, “muitas

vezes, como os selvagens”, retirara mel dos três tipos, mas aquele que era produzido

pelas abelhas menores era o mais apreciado. A coleta do mel o fizera sentir as picadas

das abelhas, correndo para a água para despegá-las do corpo.498

Pelas matas havia “pássaros estranhos”, aos olhos de Hans Staden. Um deles

era o guará-piranga, que se alimentava no mar e fazia ninho só nos recifes do litoral.

Esta ave era “aproximadamente do tamanho de uma galinha, tem o bico longo e

pernas como a garça, mas não tão compridas”. 499 Uma das particularidades do animal

era que as primeiras penas que nasciam nos filhotes eram de tom cinza-claro, para

depois passarem ao tom cinza-escuro, quando podiam voar. Após um ano de terem

alçado vôo trocavam de pena, aparecendo penas de cor vermelha as quais eram

apreciadas pelos índios. Conforme observou Sérgio Buarque de Holanda, o relato de

base analógica era comum, por ser o meio efetivo de se estabelecer a comunicação.

Das plantas da terra brasílica, Hans Staden fez breves menções. Digna de ser

distinguida era a árvore do genipapo, que se “parecia um pouco com a maça”. O uso

que os indígenas faziam dela foi assim descrito: “Os selvagens mascam este fruto e

expremem o suco em uma vasilha. Com ele se pintam. Quando esfregam o suco sobre

a pele, a princípio parece água. Mas ao cabo de alguns momentos se torna a pele tanto

negra como tinta. Assim dura nove dias”.500

O arbusto do algodão chamava a atenção na florada onde as cápsulas se

abriam depois de estarem maduras. Segundo Staden, o algodão ficava num pequeno

caroço preto.501 Sua explicação findava na constatação empírica. Talvez não possuísse

maiores recursos para aprofundar-se em outros aspectos, bela brevidade com que fez a

menção. De forma curta e objetiva também se referia à pimenta. Havia duas

qualidades de pimenta, uma amarela e outra vermelha:

Page 229: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

229

“Quando a pimenta está verde, tem o tamanho do fruto da roseira brava, que

cresce no espinheiro. O pimenteiro é um pequeno arbusto de mais ou menos uma

braça de alto. Tem pequenas folhas e fica cheio de pimenta. A pimenta tem gosto

ardido. Os selvagens a colhem quando está madura e secam-na ao sol. A outra espécie

de pimentinhas, que se parece bastante com esta, seca do mesmo modo”. 502

Hans Staden dramatizou sua aventura, seguindo o estilo das epopéias. Outros

viajantes passariam pelas terras brasílicas, cujas ponderações contribuíram para

compor o quadro da natureza nos trópicos.

O frei franciscano, André de Thevet, estudou cosmografia e cartografia, vindo

a se tornar cosmógrafo oficial do rei Henrique II, da França (1519-1559). Publicou

trabalhos sobre o assunto e embarcou na expedição de Nicolas Durand de

Villegaignon (1510-1579). No decorrer das dez semanas que passou em terras

brasílicas, fez observações sobre a experiência colonial francesa conhecida como

França Antártica.

André de Thevet publicou em 1557 e 1558 a obra “Les singularitez de la

France Antarctique” (As Singularidades da França Antártica). Dando conta das terras

brasileiras e sua riqueza natural. Mas como bem observou Frank Lestringant, era

"fruto de um levantamento coletivo e anônimo no qual, por causa da doença

prolongada, quase não tomou parte".503 Na mesma época em que Hans Staden que

visitou as terras tropicais, André de Thevet relatou suas experiências no texto “As

singularidades da França Antártica”, obra permeada de imprecisões que historiava a

experiência francesa na região do Rio de Janeiro; suas imagens sobre a riqueza natural

do local só foram escritas vinte anos após o retorno do cronista. O texto de Thevet

demonstra preocupação com verdade, mas esta oscila entre as partes da obra.

Omitindo sua presença no texto, ressaltou várias vezes que suas afirmações eram

dignas de fé, embora admitisse que algumas de suas informações não fossem obtidas

diretamente. O texto apresenta ilustrações de indígenas, plantas e animais e segue o

modo recomendado desde a Antiguidade para descrever o local, os acidentes

geográficos, a flora e a fauna. 504

O recurso das analogias utilizado também por muitos de seus contemporâneos

expressa uma forma de estreitamento dos laços do mundo, criando uma visão unitária

e perpetuando um saber tradicional.505

Page 230: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

230

O português Pero de Magalhães Gandavo nasceu em Braga, sendo

desconhecido na sua trajetória em Portugal e os motivos que o levaram a ir às terras

brasílicas. Pero Magalhães Gandavo escreveu o Tratado da terra do Brasil e a

História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil (impresso pela

primeira vez em Lisboa em 1826) e História da Província de Santa Cruz (a que

vulgarmente chamamos de Brasil), publicada em 1576. Pelo teor das obras, é possível

inferir que Pero de Magalhães Gandavo conheceu várias regiões, como Ilhéus e São

Vicente. O texto, que é considerado a primeira história do Brasil, faz abundantes

referências a animais, plantas e à agradável temperatura dos trópicos.

O clima da terra dos brasis foi considerado benigno pela preponderância de

temperaturas moderadas que favoreciam a saúde e facilitavam a adaptação do homem.

As condições climáticas prenunciavam indiretamente as potencialidades produtivas da

terra. Climas amenos eram propícios também ao cultivo agrícola desde que a

fertilidade da terra o permitisse, como foi observado por muitos viajantes. Sobre o

tema, Pero de Magalhães Gandavo afirmou:

“Esta província é à vista mui deliciosa e fresca em grão maneira: toda está

vestida de bastante alto e espesso arvoredo, regada com as águas de muitas e mui

preciosas ribeiras de que abundantemente participa toda a terra: onde permanece

sempre a verdura com aquela temperança da Primavera que cá nos oferece Abril e

Maio. E isto causa não haver lá frios nem ruínas de Inverno que ofendam as suas

plantas, como cá ofendem as nossas. Enfim, que assim se houve a natureza com todas

as coisas desta província, e de tal maneira se comediu na temperança dos ares que

nunca nelas se sente frio nem quentura excessiva”.506

Na “História da Província de Santa Cruz”, de Pêro de Magalhães Gandavo

salientou a fertilidade do território, louvando a sua potencialidade. O autor registrou a

beleza e a variedade da natureza, exaltando a terra como deliciosa e fresca, com

muitas árvores, sendo as terras irrigadas por muitas águas. A temperatura amena era

agradável aos homens, mais também às plantas que não ficavam sujeitas às variações

térmicas.

Os papagaios, que deram a seu tempo identidade às terras, adquiriram valor

comercial.507 Os índios os aprisionavam para vender aos portugueses, capturando

Page 231: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

231

filhotes das espécies mais comuns, sendo usual tingirem suas penas para enganar os

portugueses. Afirmava Pero de Magalhães Gandavo que:

“Os índios da terra costumam depenar alguns enquanto são novos e tingi-los

com o sangue de umas certas rãs, com outras misturas que lhes ajuntam: e depois que

se tornam a cobrir de pena ficam nem mais nem menos da cor dos verdadeiros: e

assim acontece muitas vezes enganarem com eles a algumas pessoas vendendo-lhos

por tais”.508

No que dizia respeito aos sabores das frutas brasileiras, o ananás foi o mais

exaltado nos relatos. Gandavo descreveu o ananás como sendo a melhor fruta do

reino:

“Outra fruta há nesta terra muito melhor, e mais prezada dos moradores de

todas, que se cria em uma planta humilde junto do chão: a qual planta tem umas

pencas como de erva babosa. A esta fruta chamam ananases e nascem como

alcachofras, os quais parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho e alguns

maiores. Depois que são maduros, têm um cheiro mui suave, e comem-se aparados

feitos em talhadas. São tão saborosos que, a juízo de todos, não há fruta neste reino

que no gosto lhes faça vantagem”.509

Esta fruta, como outras também exóticas ao paladar europeu, despertou a

sensibilidade dos viajantes, que também ficavam impressionados pela diversidade de

cores e formatos.

Sobre a madeira que estava associada ao nome da terra, o pau-brasil, Pero de

Magalhães de Gandavo dizia que “o qual pau se mostra claro, ser produzido da

quentura do Sol e criado com a influência dos seus raios, porque não se acha senão

debaixo da tórrida zona: e assim, quanto mais perto está da linha equinocial, tanto é

mais fino e de melhor tinta”.510 Pela sua experiência, Pero de Magalhães de Gandavo

fez uma registro mais detalhado do algodão, que era considerado a segunda atividade

econômica da colônia:

“[...] há outras de que os moradores fazem suas fazendas, convém, a saber,

muitas canas-de-açúcar e algodoais, que é a principal fazenda que há nestas partes, de

que todos se ajudam e fazem muito proveito em cada uma destas capitanias,

especialmente na de Pernambuco [...], e se dá infinito algodão, e mais sem

Page 232: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

232

comparação que em nenhuma das outras. Também há muito pau-brasil nestas

capitanias, de que os mesmos moradores alcançam grande proveito”.511

O registro de Pero de Magalhães Gandavo foi minucioso e procurou destacar

as potencialidades econômicas da terra e sua exploração, desde que houvesse

predisposição e recursos.

Joachim de Centellas, por sua vez, lembrava ao historiador o seu compromisso

com a verdade,512 fazendo entender que era este o seu próprio objetivo. Realizou um

breve histórico sobre a formação histórica de Portugal, discorrendo sobre a origem da

palavra Portugal, passando pelas ações da Dinastia de Borgonha e Avis.513 As ações

de D. Manuel I foram exaltadas e as terras da América descritas pela sua riqueza.514 A

região ressaltada pelas suas riquezas era orgulho para os reis católicos que, além

explorar pérolas e pedras preciosas, ainda dispunham de uma grande riqueza de ervas

e plantas nunca vistas na Europa. Os pastos permitiam que os gados se alimentassem

fartamente.515 O clima era agradável e Centellas afirmava superficialmente que os

índios deixavam o seu barbarismo pela interação com os cristãos.

A América se destacava pelas ervas cujas propriedades serviam para fins

medicinais como o “lignum sanctum”. No Brasil a cochinila servia para colorir

mantos e outras mercadorias que conquistavam valores inestimáveis no mercado. 516

O foco da narrativa de Centelas era o Oriente, as expedições de D. Sebastião ao norte

da África e as disputas com os mouros até a sua morte.517 A morte do rei português

impunha a Portugal uma nova fase na qual continuava vivo o interesse pelas terras

coloniais.

O francês Jean de Léry (1534-1611) nasceu em uma família da pequena

nobreza, vindo a abraçar o calvinismo. Estudou teologia em Genebra, sendo

incumbido de participar da missão da França Antártica. Esta se revelou uma

oportunidade para difundir o calvinismo para além das fronteiras européias. Em 1557

estabeleceu os primeiros contatos com os aborígenes das terras americanas, que foram

importantes para a elaboração da sua obra. As disputas religiosas e as desavenças

entre os membros da expedição foram um dos motivos que o fizeram a retornar à

Suíça a fim de prosseguir os seus estudos em Teologia. Vinte anos depois escrevia a

obra Viagem à terra do Brasil (publicada em 1578),518 com a intenção de questionar

as afirmativas de André de Thevet.

Page 233: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

233

Jean de Léry partiu da França a 20 de novembro de 1556, acompanhando uma

comitiva composta por quatorze missionários que iriam auxiliar Villegaignon na

conquista da Guanabara. Estando na região do Espírito Santo, a descida foi cuidadosa

por temor aos índios que poderiam torná-los reféns. Porém, a recepção pacífica foi um

passo para conseguirem dos índios farinha de mandioca, carne de anta ou capivara e

frutas, alimentos estranhos ao paladar, mas lhes pareceram muito saborosos.

Léry chegou às terras da América Portuguesa em 1557, permanecendo nela até

janeiro do ano seguinte. Nesse período, visitou a Ilha de Villeganinon e o litoral.

Somente vinte anos depois é que concluiria a redação de sua obra, tendo trabalhado

no texto o poder da imagem. Apesar de mencionar que sua memória não lhe auxiliava

mais, tendo em conta a distância entre a viagem que empreendera e a redação da obra,

ele construiu uma descrição rica. A obra revela a memória de um viajante

deslumbrado ante uma nova cultura e um exótico mundo natural.519

O calvinista francês Jean de Léry descreve, a anta (Tapirus terrestris) como

uma espécie de centauro. O caráter híbrido e fantástico do animal, meio asno, meio

vaca é assim descrito:

“O primeiro e mais comum é o tapirussú de pêlo avermelhado e assaz

comprido, do tamanho mais ou menos de uma vaca, mas sem chifres, com pescoço

mais curto, orelhas mais longas e pendentes, pernas mais finas e pé inteiriço com a

forma de casco de asno. Pode-se dizer que, participando de um e outro animal, é

semivaca e semi-asno. Difere entretanto de ambos pela cauda, que é muito curta (há

aqui na América inúmeras alimárias sem cauda), pelos dentes que são cortantes e

aguçados; não é entretanto animal perigoso, pois só se defende fugindo”.520

Fazendo associações a fim de que o interlocutor também apreendesse a

espécie por suas próprias impressões sensoriais, a mesma espécie foi vista e descrita

de maneira diferenciada. Neste processo de descrição baseado em aproximações,

animal deixava de ter as suas características próprias, para uma representação que

mais se assemelhava ao existente na Europa.

Jean de Léry procurou organizar o campo visível facultando ao leitor o

entendimento da realidade. A ideia de uma visão in loco era um argumento forte. Não

podemos esquecer que Léry questionou a obra de Thevet apontando uma série de

equívocos e imprecisões. Jean de Léry apelou para a técnica da persuasão para fazer

Page 234: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

234

crer ao seu leitor que suas informações eram corretas em detrimento do que Thevet

havia exposto. Isto não era uma tarefa fácil na medida em que o leitor não poderia

verificar o que estava sendo afirmado. O novo paradigma era compreender as coisas a

partir da sua própria especificidade e reconhecer a identidade.

Para isto, recorre a elementos que o ajudem a comprovar seus argumentos. Às

vezes, recorre a outros depoimentos como comprovação. O trabalho de Michel Mollat

“Les explorateurs du XIII au XVIe siecle” destaca que os viajantes entre o século XV

e XVI tinham mais orgulho das suas ações do que os que os antecederam. Eles

Justificavam as diferenças nas informações porque os antigos não tinham razão

naquilo que afirmavam.521 Michel Jeannert, ao estudar o trabalho de Léry, afirma que

a forma desse autor apreender a natureza é diferente do que havia no período. A

natureza era vista a partir de um conjunto de elementos, sendo importante

compreender as diferenças.522 A descrição da espécie constitui uma prova da verdade.

A enumeração do mundo natural, dos aborígenes, dos costumes visa a corrigir as

imprecisões dos textos antigos.

Jean de Léry interessou-se pela cultura indígena, mas não escondeu o medo

das práticas e rituais antropofágicos que considerou ter um caráter demoníaco.

Contudo, a integração das tribos indígenas em relação à natureza era destacada de

forma elogiosa. A terra brasílica oscilava entre a imagem de uma terra paradisíaca e a

de uma terra povoada de demônios.523

O português Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) nasceu no Ribatejo e

quanto contava com aproximadamente trinta anos chegou às terras brasileiras. A

priori, o seu destino era a Índia; contudo, notou que as terras tinham recursos

infindáveis para serem explorados. Casou com Ana de Argolo, filha de família

destaca da cidade de Salvador, e montou um engenho em Jequiriça e uma fazenda

onde mantinha a criação de gado em Jaguaripe.

Gabriel Soares de Sousa redigiu a obra “Tratado descritivo do Brasil” (1587)

um dos textos mais completos sobre a flora e a fauna dos Quinhentos, que foi

oferecido ao nobre português D. Cristóvão de Moura, conde e marquês de Castelo

Rodrigo (1538-1613).524 A obra foi elaborada a partir da sua experiência e vivência

como senhor de engenho e fazendeiro, fornecendo informações importantes sobre as

propriedades do Recôncavo baiano. A primeira parte da obra “Roteiro geral da costa

Page 235: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

235

brasílica” fazia caracterização geográfica da região da Bahia. A segunda parte,

“Memorial e declaração das grandezas do Brasil”, refere a ocupação da Bahia e as

interações entre colonos e índios.

Tornou-se um homem de posse, considerando o conteúdo de seu testamento,

indicando os recursos que amealhou entre 1569 e 1584. Mas em seus registros consta

que ele estava convencido de que pelo “sertão” era impossível encontrar muitas

riquezas, como ouro e pedras preciosas.

Retornou a Portugal em 1586, tendo como meta obter autorização e privilégios

para empreender entradas pelo território a fim de encontrar minerais preciosos. Nesta

ocasião, apresentou a obra a D. Cristóvão de Moura. Porém, o seu pedido demoraria a

receber resposta. Em 1590 foi autorizado a fazer as explorações recebendo o título de

capitão-mor e governador da conquista e descobrimento. A autorização lhe dava

poderes para conceder mercês aos que o acompanhassem, inclusive foro de fidalgo.

Em abril de 1591, Gabriel Soares de Sousa seguiu para o Brasil acompanhado de mais

de trezentas pessoas, inclusive de religiosos carmelitas destinados a estruturar a ordem

religiosa no Brasil. A sorte não acompanhava a embarcação que naufragou no litoral

de Sergipe, fazendo muitos mortos. Dentre os sobreviventes estava Gabriel Soares de

Souza e outros companheiros que se aventuraram pelo rio Paraguaçu, em busca de

ouro. Este não seria encontrado e o aventureiro Gabriel Soares de Souza morreria sem

encontrar nada que indicasse uma riqueza incomensurável.

No texto “Roteiro geral da costa Brasílica”, o autor procura traçar o histórico

dos primeiros descobridores do Brasil e de como os reis de Portugal e Espanha

haviam feito a repartição das terras pelo Tratado de Tordesilhas. Nos capítulos

seguintes ele apresente as expedições de reconhecimento ocorridas no litoral em

direção ao norte, passando pelo Maranhão e Amazonas, dando ênfase à ocupação da

Paraíba e de Pernambuco. A grandeza do rio São Francisco é exaltada por descrições

das regiões que ficavam nas margens desse rio. Da mesma forma é o relato

pormenorizado sobre a Bahia, na região de Ilhéus e Porto Seguro, fazendo menções às

tribos indígenas que ocupavam a região, pontuando as diferenças existentes entre elas.

Quanto à região sul, estuda o recôncavo do Cabo Frio e o Rio de Janeiro com o Pão

de Açúcar, destacando o governo de Mem de Sá e do governador do Rio de Janeiro,

Antonio Salema. A expedição de reconhecimento segue em direção ao sul, passando

Page 236: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

236

pela capitania de São Vicente e Santo Amaro, pontuando as particularidades dos

índios tamoios e guaianazes. A região de Cananéia, São Francisco do Sul, Rio dos

Patos, o porto de São Pedro são visitados até o cabo de Santa Maria e o Rio da Prata,

com ênfase aos costumes carijós.525

O texto “Memorial e declaração das grandezas da Bahia”, Gabriel de Souza

descreve com mais detalhes aspectos específicos da potencialidade das terras

brasileiras. O texto é divido em vinte títulos. O primeiro trata da história da

colonização da Bahia, o segundo da descrição topográfica da região e o terceiro das

características da enseada da Bahia, suas ilhas ribeiros e engenhos. O quarto título é

dedicado à agricultura, opinando sobre o cultivo de árvores europeias e sua adaptação

ao clima tropical. A descrição de frutos e da raiz da mandioca ocupava uma parte

extensa do texto, detalhando o preparo e o consumo da mesma na colônia. Milho,

legumes, amendoins cajus, bananas e mamões, compõem o quadro da atividade

agrícola. No quinto capítulo ele se dedica às árvores e plantas frutíferas como os

umbus, sapucaia, piquiá, macugé, genipapo, anases, dentro outros. O título sexto e

sétimo tratavam respectivamente das árvores e ervas medicinais, sendo apresentada a

embaíba e outras arvores; refere também o algodão e o tabaco. No título oitavo as

árvores reais e a madeira de lei são os objetos de análise. Na nona parte, ele fez a

apresentação das árvores menores com diferentes propriedades, destacando o uso dos

cipós e das folhas. O título dez é dedicado às aves, sendo mencionadas, águias, emas,

mutuns, canindés, araras, tucanos, perdizes, papagaios, aves de rapina e noturnas,

especificando cores e costumes. No capítulo seguinte é apresentado um quadro dos

insetos existentes na terra, como abelhas, vespas, mosquitos, grilos, besouros, dentre

outros. Os mamíferos terrestres e anfíbios são elencados no título doze. Gabriel

Soares de Sousa faz a descrição de antas, veados, porcos do mato, tatus, pacas, cotias,

bugios, preguiça, dentre as espécies. O título treze fala de cobras, lagartos, camaleões,

lagartas, aranhas sapos e rãs. O título seguinte consiste numa ponderação sobre os

danos causados pelas formigas e as diversas castas em que se dividiam. Na etapa

seguinte, o autor olha para as riquezas do mar. No décimo quinto título são registrados

os mamíferos marinhos, peixes marítimos e camarões. As baleias, os tubarões, as

tuninhas, as cavalas, pescadas, bonitos, e outras espécies são destacadas pelas suas

qualidades. No título seguinte, há um detalhamento sobre crustáceos, moluscos, e

Page 237: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

237

peixes d’água doce. Os títulos dezessete e dezoito são resultados de leituras

etnográficas sobre tupinambás e outras nações indígenas como os tupinaé, amoirés,

dentre outros. Na penúltima parte destaca os recursos da Bahia para a defesa, a

existência de pedras para fortificações e os recursos que faltavam para melhorar a

navegação. Por fim, é dada distinção aos metais e pedras preciosas, apontando a

existência de ferro, cobre, pedras veres e azuis, ouro e prata. Registro que justificaria

o seu pedido de autorização para adentrar pelo território.

O texto de Gabriel Soares de Sousa revela seu potencial descritivo e

organizacional na classificação das espécies. A forma sistemática como organiza as

informações demonstra preocupação com interlocutor para que este tenha uma visão

clara do que lhe é apresentado e a necessária compreensão.

As saborosas frutas brasílicas constituíram uma verdadeira festa para os

sentidos. Gabriel Soares de Sousa dedicou um capítulo inteiro ao ananás, salientando

a quantidade de sumo:

“Para se comerem os ananases hão-de-se aparar muito bem, lançando-lhe a

casca toda fora e a ponta de junto do olho por não ser tão doce e depois de aparado

este fruto, o cortam em talhadas redondas como de laranja ou ao comprido ficando-lhe

o grelo que vai correndo do pé e até ao olho e quando se corta, fica o prato cheio de

sumo que dele sai como é de cor dos gomos da laranja e alguns há de cor mais

amarela e desfaz-se todo o sumo na boca como o gomo de laranja, mas é muito mais

sumarento”. 526

O maracujá com sabor e aroma atraentes era abundante nas terras brasileiras:

“dá uma flor branca muito formosa e grande que cheira muito bem, donde nascem

umas frutas como laranjas pequenas, muito lisas por fora, a casca é da grossura da das

laranjas de cor verde clara; o que tem dentro se come, que além de ter bom cheiro tem

suave sabor ...]”.527

O caju, desconhecido na Europa, foi descrito pelo exotismo:

“Estas árvores são como figueiras grandes, têm a casca da mesma cor e a

madeira branca e mole como figueira, cujas folhas são da feição das da cidreira e mais

macias. As folhas dos olhos novos são vermelhas e muito brandas e frescas, a flor é

como a do sabugueiro de bom cheiro mas muito breve. [...], o fruto é formosíssimo,

algumas árvores dão fruto vermelho e comprido, outras o dão da mesma cor e da

Page 238: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

238

mesma feição, mas há partes vermelhas, há outras de cor almecegada e há outras

árvores que dão o fruto amarelo e comprido como peros-de-el-rei, mas são em tudo

maiores que peros e da mesma cor. Há outras árvores que dão este fruto redondo e um

e outro são muito gostosos e sumarentos e de suave cheiro, os quais se desfazem todos

em água”.528

Gabriel Soares de Sousa dedica à mandioca uma atenção especial,

considerando-a como o principal alimento da terra. Explica a utilidade da mandioca e

o modo de torná-la comestível:

“[...] e para se aproveitarem os Índios e mais gentes destas raízes depois de

arrancadas, rapam-nas muito bem até ficarem alvíssimas, o que fazem com cascas de

ostras e depois de lavadas, ralam-nas em uma pedra ou ralo que para isso têm depois

de bem raladas espremem esta massa em um engenho de palma a que chamam

tupitim, que lhe faz lançar a água que tem toda fora e fica toda esta massa toda enxuta

muito bem, da qual se faz a farinha que se come, que cozem em um alguidar para isso

feito em o qual deitam esta massa e a enxugam sobre o fogo onde uma índia a mexe

com um meio cabaço como quem faz confeitos, até que fica enxuta e sem nenhuma

umidade e fica como cuscuz, mas mais branda e desta maneira se come e é muito

saborosa.”529

Gabriel Soares de Souza descreveu o amendoim fazendo esclarecimentos

sobre os diferentes modos de consumi-lo. Quando consumidos crus eles tinham o

gosto de ervanços, mas quando assados e cozidos com a própria casca eram saborosos

deixando um paladar pronunciado se fossem torrados. Seu uso era difundido,

inclusive para doces. 530

Para o autor, a aparência do tatu era alvo de atenção, como registravam outros

cronistas, pois tinha as pernas curtas e cheias de escamas. O focinho era comprido,

cheio de conchas, as orelhas pequenas e a cabeça toda “cheia de conchinhas”. Os

olhos eram pequeninos e o rabo era comprido cheio de lâminas sobrepostas, “que

atravessam o corpo todo, de que tem armado uma formosa coberta; e quando este

animal teme de outro, mete-se todo debaixo destas armas sem lhe ficar nada de fora,

as quais são muito fortes; têm as unhas grandes, com que fazem as covas debaixo do

chão, onde criam; e parem duas crianças”.531

Page 239: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

239

O tamanho e corpulência da anta eram comparados a um boi ou a uma vaca,

porém possuía particularidades difíceis de serem descritas. Gabriel Soares de Sousa é

quem procurou dar uma mais clareza ao animal:

“[...] são pardas com o cabelo assentado, do tamanho de uma mula mas mais

baixas de pernas e têm as unhas fendidas como vaca e o rabo muito curto sem mais

cabelo que nas ancas e têm o focinho como mula e o beiço de cima mais comprido

que o de baixo em que têm muita força”.532

A preguiça, descrita por Gabriel Soares de Sousa, é acinzentada, do tamanho

de um cão de água, As patas são compridas e magras, com olhos e dentes como os de

um gato. Causam-lhe estranheza e curiosidade o focinho e a lentidão nos

movimentos.533

O marsupial, ou sarigué, é descrito como um animal do tamanho de um gato,

sem pelos, parecido com raposas:

“tem o focinho comprido, e o rabao, em o qual, nem na cabeça, não tem

cabello: as fêmeas tem na barriga um bolso em que trazem os filhos metidos,

emquanto são pequenos, e parem quatro e cicno; tem as tentas junto do bolso, onde os

filhos mamam; e quando emprenham geram os filhos neste bolso, que está fechado, e

se abre quando parem; onde trazem os filhos que podem andar com a mãe; que se lhe

fecha o bolso. Vivem estes de rapina, e andam pelo chão, escondidos espreitando as

aves, e em povoado as gallinhas; e são tão ligeiros que lhes não escapam”.534

As terras brasílicas situavam-se em posição estratégica para aqueles que cruza-

vam o Oceano Atlântico tendo como destino o Oriente. Conforme os interesses dos

navegantes e da coroa, as terras da América serviram de apoio à circulação de

mercadorias e pessoas, tendo em vista a dinâmica do sistema colonial português. Nas

terras era possível a aquisição de alimentos, água potável, madeira, além do açúcar e

do ouro, dentre outros produtos que foram destacados nos registros.

Apesar de no litoral do Brasil os navegantes poderem contar com inúmeras

árvores de excelentes madeiras que serviam para os reparos dos navios, não houve

preocupação conhecê-las profundamente. A classificação foi simples, aquelas que

serviam para o uso de navio, devido às suas propriedades, e aquelas que não atendiam

a essas necessidades. Desta maneira, Gabriel Soares de Sousa, em “Tratado descritivo

Page 240: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

240

do Brasil”, dava conta do acaycá-tinga e o cedro como madeiras mais indicadas para o

revestimento da embarcação na parte acima da linha d'água.535

Utilizaram também outras variedades de madeira, como o angelim, tanto o

angelim verdadeiro como o angelim de coco e angelim canafístula, que devido às suas

propriedades serviam para reforço da estrutura de navio, como também para a popa.

Para esta parte da embarcação poderia ser utilizado o jetaipeba ou a jetaipeboçu. Se o

uso da matéria fosse para serrar e lavrar, e para as partes que ficassem acima da linha

d’água, aconselhava-se o uso da jataúba, a oiticica e a sucupira acarii. Como observa

Lucy Maffei Hutter, as madeiras para o tabuado do navio eram de tipos diferentes. Era

possível utilizar cedro, biriba, peroba, canela-preta, canela mirim, canela-tapinhoã,

camaçari, mirindiba, dentre outras.536

Madeiras resinosas eram úteis para a calafetagem dos navios, como a

almecegueira e a biriba. Na medida em que a Europa devastava as florestas

explorando seus recursos, as novas regiões se configuravam como locais importantes

para o fornecimento de matérias-primas alternativas. A imensidade das matas

tropicais poderia abastecer a Europa, não só com suas madeiras, mas também com

outros recursos não explorados. Neste sentido, o texto de Gabriel Soares de Sousa é

representativo por expressar um olhar sobre aspectos do mundo natural, identificando

a potencialidade da terra, desde que esta fosse devidamente explorada, conforme era

seu intento.

Como lembra Ana Maria Belluzzo, é possível identificar que as imagens das

terras brasileiras foram construídas, por um lado, a partir da

“projeção sobre o desconhecido, os símbolos e mitos, os contos maravilhosos

e as fábulas. De outro, a observação direta e o cálculo, que proporcionam descrições

geográficas na forma cartográfica, de cartas náuticas a roteiros de conquista, pelos

quais se definem domínios e limites entre terra e mar, e nas quais a representação é

um meio de orientar a ação. De um lado, a construção simbólica mais vaga. De outro,

a precisão do desenho que defende o navegador da geografia fantástica. Contudo,

forma poética e ação política sempre estão combinadas nesse amálgama, que é a

imagem”.537

Os textos produzidos nesse momento revelavam uma leitura múltipla

composta em forma de palimpsesto. Cada autor a partir de um ponto de vista

Page 241: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

241

privilegiado procurou fixar impressões da natureza, que paulatinamente iam sendo

sobrepostos. Em suma, os registros elaborados no decorrer do século XVI teciam,

num primeiro momento, um mosaico que unia realidade e imaginário, que visava a

apresentar o mundo natural das terras brasílicas. No final desse século, os registros e

narrações, quando comparados, davam uma dimensão maior da realidade, mas os

narradores não conseguiam construir grandes categorias. O mundo natural era

registrado conforme o modelo proposto por Plínio, o Velho, que permitia ilustrar um

mundo natural novo.

Page 242: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

242

Sexto Capítulo

A natureza brasílica:

das coisas notáveis

aos fins científicos

"Temo que os bichos considerem o homem como

um semelhante que se privou da razão animal sadia, como um animal no delírio, que ri e que chora,

como um animal infeliz."

Nietzwche – A Gaia ciência

Page 243: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

243

6.1 A natureza nos relatos de

reconhecimento do território no século XVII

No decorrer do século XVII, os seres humanos estavam mais propensos a

explorar os sentidos, a fim de estabelecer uma nova ordem que pudesse unir a

sensibilidade em relação ao mundo externo e a razão. A idéia de um observador que

deseja apreender a estrutura da natureza está cada vez mais presente, visando a

conhecer a singularidade existente nas coisas. As regras de observação tornavam-se

comuns, havendo necessidade de organizar o que era visualizado, numa ordem de

raciocínio que fosse capaz de analisar as coisas naturais. Lentamente, davam-se os

primeiros passos em busca da classificação em gêneros e espécies.

A presença jesuítica estruturou-se no decorrer do século XVII nas terras

coloniais portuguesas, assim como a presença de outras ordens religiosas; dando

continuidade às ações de seus antecessores, muitos realizaram uma série de registros

reportando suas atividades, produzindo relatos específicos e contribuindo para a

composição do quadro natural das terras brasílicas.

O jesuíta Padre Fernão Cardim (1549 – 1625) nasceu em Viana do Alentejo,

ingressando na Companhia de Jesus em 1566. Conquistou destaque pelos trabalhos

que realizou em Évora, vindo a ocupar o cargo de ministro do colégio local. Em 1583

foi para as terras coloniais portuguesas da América. Na Bahia foi secretário do padre

Cristóvão de Gouveia, visitador da província jesuítica do Brasil. Rigoroso nos

registros, narrou as visitas que empreendeu à Bahia, Ilhéus, Porto Seguro,

Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente. Em 1587, Fernão Cardim

assumiu o cargo de reitor do colégio da Bahia, permanecendo no cargo até 1592. A

União Ibérica (1580-1640) causou a intensificação da atuação do Tribunal da

Inquisição em terras coloniais. Nesse momento, a região nordeste da colônia recebeu

Page 244: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

244

a visitação do Santo Ofício do Pe. Heitor Furtado de Mendonça e, como ressaltamos

anteriormente, a Companhia de Jesus torna-se alvo de acirradas críticas.

Naqueles idos, Gabriel Soares de Sousa reclamava aos membros da

administração colonial pelos inconvenientes causados aos religiosos por serem

contrários à escravização dos índios. Respondendo às acusações, Fernão Cardim e

outros religiosos elaboraram um documento em que defendiam os jesuítas acusados

pelos conflitos que permeavam a sociedade colonial. Esse mal-estar se intensificaria

no decorrer do século XVII.538 Entre 1594 e 1598, Fernão Cardim foi reitor do colégio

do Rio de Janeiro, sendo nomeado em princípio do século XVII, procurador das

missões do Brasil junto à cúria romana. Depois de uma breve estada em Roma,

retornava ao Brasil quando a embarcação que o conduzia foi atacada por Francis

Cook, e ele foi detido e levado para a Inglaterra. Segundo os registros, levava consigo

uma série de manuscritos para serem publicados na coleção de viagens de Samuel

Purchas sob o título de "A treatise of Brazil written by a Portuguese which had long

lived there" (1625). Ao se desvencilhar dos problemas gerados pelo aprisionamento

do navio, Fernão Cardim seguiu para a América Portuguesa, onde passou a exercer a

função de provincial da Companhia de Jesus.

O texto publicado em inglês, permaneceu inédito em português. Porém,

Capistrano de Abreu, ao realizar pesquisas na Biblioteca de Évora, encontrou um

manuscrito comparável ao texto de Fernão Cardim em inglês. Em 1925 era publicada,

em português, a obra “Tratados da terra e da gente do Brasil” cujo conteúdo reunia

descrições o mundo natural, além de detalhados registros etnográficos. O religioso

demonstrava entusiasmo ao redigir sobre as terras.

A primeira parte da obra que reúne texto de Fernão Cardim foi dedicada ao

clima da terra do Brasil “e de algumas cousas notáveis que se achão assi na terra

como no mar”. Apesar de a terra ser um “tanto melancólica”, era regada por águas

abundantes. A terra possuía montes, com penedos e rochedos. Havia variações de

tempo entre as diferentes regiões, conforme pudera experienciar durante as suas

visitas.539 Em seguida, o texto nomeia e descreve as coisas notáveis. Primeiramente,

foram apresentados os animais, ressaltando as cobras que “andavam na terra e não

tem peçonha” e as cobras peçonhentas.540 Nos itens subsequentes foram apresentadas

as aves da terra que eram consumidas pela população, as árvores que davam frutos e

Page 245: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

245

aquelas que serviam para usos medicinais; os óleos que os índios utilizavam para se

untarem, as árvores contendo água, as espécies de madeira, as ervas que forneciam

frutos comestíveis, as ervas que serviam para mezinhas e aquelas que eram

“cheirosas”, a cana, os peixes de água salgada e os peixes peçonhentos. O fabuloso

não estava ausente: Fernão Cardim dedicou atenção aos homens marinhos e monstros

do mar que, segundo os registros indígenas, aquele que via tal homem marinho

morria: “e nenhum que o vê escapa”. Estes seres perseguiam os pescadores sendo o

terror daqueles que viviam no litoral. Dando continuidade ao registro, ele apresentou

mariscos, caranguejos, árvores que se criavam com água salgada, pássaros que viviam

no litoral, rios, cobras, lagartos, lobos de água doce e por fim elencou os animais,

arvores e ervas que vieram de Portugal.

O tom de aventura e conquista estava presente, sendo importante registrar os

detalhes da fauna e da flora brasílica de maneira que fosse possível criar uma imagem

sobre o que era descrito. O padre Fernão Cardim afirmava sobre os porcos monteses:

“Estes acometem os cães, e os homens, e tomando-os, os comem, e são tão bravos que

é necessário subirem-se os homens nas árvores para lhes escapar, e alguns esperam ao

pé das árvores alguns dias até que o homem se desça, e por que lhes sabem esta

manha, sobem-se logo com os arcos e frechas às árvores e de lá os matam”.541

Os “bugios” despertaram o interesse dos viajantes pela proximidade com os

comportamentos do homem. Fernão Cardim descrevia objetivamente o bugio

atentando para a particularidade do órgão que possuíam próximo à laringe,

responsável som inconfundível do animal:

“[...]têm uma cousa muito para notar, e é, que se põem em uma árvore, e

fazem tamanho ruído que se ouve muito longe, no qual atura muito sem descansar, e

para isto tem particular instrumento esta casta, o instrumento é certa cousa côncava

como feita de pergaminho muito rijo, e tão rija que serve para brunir, do tamanho de

um ovo de pata e começa do princípio da goela até junto da campainha, entre ambos

os queixos e é este instrumento tão ligeiro que em lhe tocando se move como a tecla

de um cravo”.542

Se o ruído chamava a atenção do religioso por parecer um som de instrumento,

o peixe-boi despertava a curiosidade por se assemelhar a animais terrestres, fato

Page 246: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

246

gerador de estranheza e de questionamentos sobre a forma de classificá-lo. O Pe.

Fernão Cardim fez uma descrição minuciosa desta espécie:

“Este peixe nas feições parece animal terrestre, e principalmente boi com

couro, e cabelos, orelhas, olhos e língua; os olhos são muito pequenos em extremo

para o corpo que tem; fecha-os, e abre-os, quando quer, o que não têm os outros

peixes; sobre as ventas tem dois courinhos com que as fecha, e por elas resfolega; e

não pode estar muito tempo debaixo de água sem resfolegar; não tem mais barbatana

que o rabo, o qual é todo redondo e fechado; o corpo é de grande grandura, todo cheio

de cabelos ruivos; tem dois braços de comprimento de um côvado com suas mãos

redondas como pás, e nelas tem cinco dedos pegados todos uns com os outros, e cada

um tem sua unha como humana; debaixo destes braços têm as fêmeas duas mamas

com que criam seus filhos, e não parem mais que um; o interior deste peixe, e

intestinos são propriamente como de boi, com fígados, bofes, etc. Na cabeça sobre os

olhos junto aos miolos tem duas pedras de bom tamanho, alvas e pesadas”.543

A denominação que permaneceu até os dias atuais devido à dificuldade de

explicar o animal. Cardim se referiu ainda ao peixe voador: “parecem pedras

preciosas; a cabeça também é muito formosa. Têm asas como de morcegos, mas

muito prateadas [...]. Também são bons para comer, e quando voam alegram os

mareantes, e muitas vezes caem dentro das naus, e entram pelas janelas dos

camarotes”.544 Este peixe, além da carne, oferecia alguma distração para aqueles que

viajavam durante meses pelo mar.

Se algumas espécies da fauna eram indescritíveis, outras eram mais

conhecidas e causavam medo, aparecendo com mais constância nos registros, como é

o caso das cobras. O Pe. Fernão Cardim, ao ser referir às cobras, atribui ao clima a

razão de elas e outros animais peçonhentos existirem em profusão: “Parece que este

clima influi peçonha, assim pelas infinitas cobras que há, como pelos muitos Alacrás

(lacraus), aranhas e outros animais imundos, e as lagartixas são tantas que cobrem as

paredes das casas, e agulheiros delas”.545

Mas havia aves exuberantes, que compensavam as experiências negativas com

animais tropicais que causavam asco ao europeu. Os hábitos do tangará foram

destacados por Fernão Cardim; animal de tamanho aproximado ao de um pardal, com

exceção da cabeça de um amarelo alaranjado:

Page 247: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

247

“[...] não canta, mas tem uma cousa maravilhosa que tem acidentes como de

gota coral, e por esta razão o não comem os índios por não terem a doença; tem um

género de baile gracioso, um deles se faz de morto, e os outros o cercam ao redor,

saltando, e fazendo um cantar de gritos estranhos que se ouve muito longe, e como

acabam esta festa, grita, e então todos se vão, e acabam sua festa, e nela estão tão

embebidos quando a fazem que ainda que sejam vistos, e os espreitem não fogem”. 546

A plumagem e o bico longo do tucano o tornaram uma das aves que mais

mencionadas pelos viajantes. O Pe. Fernão Cardim o descreve:

“[...] preto por fora e amarelo pelo meio e por dentro vermelho; alguns têm os

olhos azuis; toda a cor é boa desta pena; os papos são amarelos e já vi mais de quatro

mil papos juntos nos Carijós; é vestido dos naturais, alguns quando se querem vestir

de festa, scilicet suas carapuças e outras coisas; há outros mais pequenos, têm o peito

vermelho, os olhos verdes e os pés”.547

Neste relatório sobre o clima a e terra do Brasil, o Pe. Fernão Cardim dedica

um capítulo às árvores frutíferas. Como outros viajantes, o padre registra o cajueiro

destacando seu o tamanho e formosura, a beleza do fruto e o paladar inigualável da

castanha, que não ficava a dever nada à castanha portuguesa.548 Outra fruta exaltada

foi a mangaba. A mangabeira, em tom amarelo avermelhado, produzia frutos duas

vezes ao ano:

“[...] na feição se parece com macieira de anafega, e na folha com a de freixo;

são árvores graciosas, e sempre têm folhas verdes. Dão duas vezes fruto no ano: a

primeira de botão, porque não deitam então flor, mas o mesmo botão é a fruta;

acabada esta camada que dura dous ou três meses, dá outra, tomando primeiro flor, a

qual é toda como de jasmim, e de tão bom cheiro, mas mais esperto”.549

A sapucaia, de acordo com Cardim, também era notável, ele a considera

como: “[...] uma fruta como panela, do tamanho de uma grande bola de grossura de

dois dedos, com uma cobertura por cima, e dentro está cheia de umas castanhas como

mirabolanos [...]”.550

Ao final do texto, discorria sobre o clima e a terra do Brasil. O Pe. Fernão

Cardim dedicava atenção aos animais, árvores e ervas que vieram de Portugal. Se o

clima produzia animais inconvenientes como as cobras, ele era por vezes temperado,

Page 248: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

248

o que convinha para a criação de animais e plantas européias. Os colonos haviam

introduzido a cultura deles, sem grande dificuldade, fazendo a exploração e o cultivo

com bom proveito. Cavalos, vacas, porcos, ovelhas, cabras, galinhas, perus, cães

haviam se multiplicado com facilidade, garantindo um sustento adequado à

população.

Da mesma maneira, as árvores como figueiras, marmeleiros, parreiras, trigo,

ervas de cheiro e legumes foram destacados pelas diferentes castas e por uma

produção abundante que superava aquelas das terras da metrópole.

“Sobretudo tem este Brasil uma grande comodidade para os homens viverem

que não se dão nela percevejos, nem piolhos, e pulgas há poucas, porém entre os

Índios, e negros da Guiné achão piolhos; porém, não faltam baratas, traças, vésperas,

moscas e mosquitos de tantas castas, e tão cruéis, e peçonhentos, que mordendo em

uma pessoa fica a mão inchada por três ou quatro dias, máxime aos Reinóis, que

trazem sangue fresco, e cioso do pão e vinho, e mantimentos de Portugal”.551

Se nos relatos do século XVI a natureza apareceu como se fosse um belo

tapete de Flandres, jamais visto, como afirmou o padre Manoel da Nóbrega, esta

imagem iria sendo alterada. As descrições do século XVII deixavam o

deslumbramento e a pujança do mundo natural, dedicando-se à compreensão do

sistema das terras tropicais com as suas espécies, que diferenciavam muito da Europa.

Com bem observara o Pe. Fernão Cardim, os reinóis sentiam essa diferença na pele.

Os registros continuam a dar uma dimensão da exuberância natural, sem preocupação

com as divisões em categorias ou em espécies; todavia, os relatos tendem a dar uma

dimensão mais exata e objetiva do real.

No século XVII, os textos registram com maior atenção as características das

terras brasílicas. Neste momento, podemos destacar os trabalhos de: Claude

d’Abbeville, “Histoire de la mission despères capucins en Visle de Maragnan etc.”,

(História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terra

Circunvizinhas), de 1615; Yves d’Evreux, “Sequencia da História dos

Acontecimentos memoráveis Acontecidos no Maranhão nos Anos de 1613 e 1614”,

de 1615; Ambrósio Fernandes Brandão, “Diálogos das Grandezas do Brasil”, de 1618

e de Frei Vicente do Salvador, “História do Brasil”, de 1627 (impressa pela primeira

vez em 1887).

Page 249: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

249

Daniel de La Touche, Senhor da Ravardiere, obteve carta patente de Henrique

IV para organizar uma expedição, tendo o Maranhão como destino. A expedição

partiu de Cancale em março de 1612. Após uma série de reveses, as embarcações

chegaram à colônia da guiana. O projeto de Daniel de La Touche era subir o rio

Amazonas, ato que teve início em 8 de julho de 1613. O grupo seguiu com o

acompanhamento de indígenas e teve que enfrentar as dificuldades naturais da região.

As investidas duraram mais de um ano e os sacrifícios humanos e a fome foram

intensos. Além disso, o embate do grupo de franceses com os índios tupinambás na

região do Maranhão mostrou as dificuldades de se estabelecer o controle sobre a

região.

A presença religiosa, em diversos pontos da colônia portuguesa, produziu o

relato das experiências com as missões, compondo uma obra com sessenta e dois

capítulos. Em 1615, o francês Claude d'Abbeville (? -1616),552 nascido em Lyon,

registrou os acontecimentos da missão de padres capuchinhos ligada à fundação de

São Luis do Maranhão. Ele foi acompanhado dos padres Yves d’Evreux, Arsène de

Paris e de Ambroise d’Amiens. A missão permaneceu na região do Maranhão por

quatro meses, tendo como objetivo consolidar o domínio francês na localidade e

permitir que os índios tivessem oportunidade de conhecer a fé católica. O projeto

político e religioso francês visava à legitimação da posse do território, que em parte

era justificada pelo movimento de cristianização dos indígenas.

Claude d’Abbeville registrou a viagem e o estabelecimento dos religiosos na

região do Maranhão e por decorrência a interação que mantiveram como os

tupinambás, contendo ilustrações de autoria de Leonard Gaulthier, Louis Henri, Louis

Marie, Jacques Patoua e François Carypyra que permitem compreender o olhar

europeu sobre os indígenas. O convívio com os aborígines visava à conversão destes

para a fé católica, preocupação constante no registro, que reiteradas vezes menciona a

importância da salvação. Além deste tema, a obra de Claude d’Abbeville relatou os

hábitos alimentares dos indígenas e aspectos da fauna e flora regionais. Conforme o

registro, feito em abril de 1613, seis indígenas foram enviados a Paris como presente

para o monarca francês, causando um verdadeiro furor na corte. Diversos nobres

desejavam ver os habitantes da América que foram apresentados devidamente

vestidos à moda francesa. O espetáculo de apresentação incluía os nativos dançando,

Page 250: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

250

fazendo manobras para divertir a corte francesa. O exótico imperava no registro que

destacava o trabalho dos religiosos na conversão e batismo dos índios, com ênfase ao

canibalismo.

A crônica inclui a viagem da França até a região do Maranhão, fazendo

referências às paragens durante o percurso e as descrições das práticas aborígenes. No

capítulo XXXV, Claude d’Abbeville pondera sobre a temperatura, em especial do

Maranhão. Segundo ele, sempre “pensarão os físicos e naturalistas que a temperatura

ou a má constituição das regiões forma os seus diversos aspectos, e que são diferentes

os climas conforme a diversidade das partes celestes mais ou menos remotas da

passagem do sol”. Salientava que os céus não tinham temperatura, “visto serem

corpos simples, e, portanto sem qualidades elementares, mais debaixo do ponto de

vista de cada uma destas partes celestes é a região temperada ou não, e assim se lhe

atribuem tais qualidades”. 553 O religioso demonstrava conhecimento dos debates em

curso na Europa, ao argumentar que o calor local era proveniente dos raios do sol,

atribuindo à reverberação deles maior intensidade de calor. A leitura não estava isenta

da idéia de que Deus era o grande articulador do sistema. Estes elementos serviam

para informar sobre a boa temperatura da região, com um clima agradável, sem

impurezas, não havendo ventos ou furacões fortes que causassem inconvenientes aos

homens. Na região do Maranhão a temperatura era quase a mesma de uma estação

para a outra, sempre com a presença do verde, mostrando a terra “plantas bonitas, e

flores diversas e raras”.554

Seu conhecimento da natureza foi parcial e de forma sintética. Afirmou que no

Brasil “não há animais ferozes, e nem serpentes venenosas, para infeccionar a terra e

corromper o ar, formando vapores maus e perigosas exaltações.” Isto poderia ser

observado em animais como crocodilos, serpentes, cobras, sapos que até serviam “de

bom alimento”.555

O religioso confessava a dificuldade de enumerar quantas espécies de pássaros

e animais havia na terra, que não poderiam ser comparadas com a Europa. Faz

menção às coisas que ordinariamente se encontravam na Ilha do Maranhão e suas

circunvizinhanças e em primeiro lugar das árvores frutíferas. O texto é objetivo e com

mínimas descrições. Em relação ao caju, ou caju grande, afirma que este fruto era:

Page 251: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

251

“parecido com a pêpra, e quando maduro é todo amarelo por fora e branco por

dentro, muito doce e agradável, e ótimo para se comer. Tem uma castanha muito

parecida com o rim do carneiro, a qual está contida numa concha, muito semelhante a

uma das nossas castanhas grandes, porém muito mais duro por dentro, e oleosa, e por

isso, chegando-o ao lume, arde como se estivesse cheia de fogo artificial”.556

Das diferentes castas apresenta apenas as marcas distintivas em relação à

espécie principal.

A bananeira era, conforme o seu registro, uma árvore alta, “com folhas de uma

braça de comprimento e dois pés de largura. Dá um fruto chamado banana, do

tamanho de meio pé e menos grosso do que os pepinos; casca amarela, e o fruto é

branco por dentro como maça”.557

Mencionava a existência de árvores como: mangabeira, jaracatiara, jenipapo,

araticu, sendo que de algumas o autor revela não ter certeza sobre o nome. Em relação

às palmeiras, mencionou a existência de cinco qualidades diferentes. A mais

importante era a uacuri (pindoba), havendo ainda a palmeira muriti, a anajá, a

carnaúba, e a tucum. O uso delas, como cobertura para as ocas, palmitos, ou pelos

frutos, é que tinha despertado o interesse de Claude D’Abbeville que notou a

importância da planta para o indígena.558 Outras árvores com seus frutos foram

destacados, como o umbu, a pitomba, a mucajuba, o araçá, o oitim, o jutai, numa

sequência que lembra uma lista de planta com suas propriedades.559 Ressaltava que

era impossível particularizar todas as qualidades de árvores frutíferas que existiam e

enriqueciam a terra, além daquelas que eram estéreis.

Em relação às frutas, o seu registro procurou enumerar somente as mais

triviais e notáveis. Em primeiro lugar, o abacaxi, que além das características comuns,

conforme já fizeram outros viajantes, foi registrada como tendo a cor amarela de ouro

fino, “muito cheiroso, e interiormente no seu âmago é muito claro, branco, sem uma

só pevide ou noz. É fruta muito boa e saborosa, e nada há em França que lhe

assemelhe em bondade e beleza”.560 Outras espécies dignas de destaque eram: o fruto

do mandacaru, a melancia, o cara e a macaxeira.

Os animais também foram elencados, mas o religioso sabia que se “fosse

possível representá-los todos em particular e ao vivo, ninguém deixaria de admirar-

se”.561 Ciente de que não era possível descrever todos os animais “que tem alma

Page 252: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

252

sensitiva somente”, optou por mencionar os mais representativos, dentre as aves, os

peixes e os quadrúpedes. As aves de rapina, como o gavião real, e outras espécies são

apresentadas pelo tamanho e cor. Das aves que despertavam interesse, pelas suas

penas e beleza, estavam os papagaios, o canindé, a arara, jacu, tucano, dentre outros,

que eram também utilizados na alimentação. As espécies de aves eram notáveis pela

beleza, e algumas como os pássaros noturnos, como o aratauí, o morocututu e os

morcegos. Estes últimos se assemelhavam aos europeus e produziam “gritos fortes e

medonhos”, sendo perigosos, pois entravam:

“de noite pelas cãs, e, se encontram alguém dormindo, atacam, escolhem as

extremidade do dedo grande de qualquer pé, e sem que se perceba, toca-o e suga-lhe

insensivelmente o sangue em grande quantidade deixando-lhe alguma dor, e embora

não seja grande, obriga contudo o paciente a ficar deitado em sua rede por espaço de

24 horas por causa de sangue perdido, que somente se pode estancar em repouso”. 562

Nem todas as aves, como considerava Claude d’Abbeville, eram belas de se

admirar. A lista de peixes também era imensa, destacando-se o sabor deles e a

descrição essencial como foi feito sobre o uara; “peixe chato com dois pés de

comprimento e mais de um de largura. Sua cor é prateada, e suas barbatanas

amareladas”. O religioso observava o real sendo fiel ao que experienciava.

Os animais terrestres são apresentados uns por correrem outros por se

arrastarem. O registro menciona o coendu (porco espinho), o tamanduá, o tatu, a paca,

a cutia, a suçuarana, dentre outros, inclusive cães domésticos. Dentre os animais

rasteiros a jibóia era destacada por ter a:

“grossura superior a uma coxa e do comprimento de duas braças, sem pés, e

com a pela lisa e rajada, de diversas cores, que o fazem muito agradável a vista. Tem

esta serpente quatro dentes unicamente, porém mui cortantes, e na língua dois

aguilhões, tão finos como pontas de lancetas, ferindo com eles maravilhosamente, e o

mesmo pratica com a cauda sendo a picada desta mais perigosa e mortal. No fim da

cauda tem um pequeno chocalho, ou para melhor dizer, uma pequena bexiga, que faz

barulho como se estivesse cheia de ervilhas e parece ter-lhe sido dada por deus para

avisar o homem de que deve precaver-se de tão perigosa serpente, e assim acontece

aos índios, pois apenas ouvem o sussurro desses chocalhos ou campainhas previnem-

se logo para matá-la”.563

Page 253: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

253

O padre capuchinho Cláudio D'Abbeville num capítulo específico fez o

registro dos “animais imperfeitos, a que uns dão o nome de insetos, e outros de

anulosa ou anulata, (como Aristóteles e Plínio)” considerava os animais que “sem

membros distintos, uns sem cabeça outros sem o ventre, ou sem a parte media, que

lhes serve de dorso e peito, com a pele golpeada, ou enrugada, ou cheia de pequenos

círculos ou chapas redondas”.564 O Maranhão não estava livre de insetos, pois o

próprio clima era propício para que alguns se desenvolvessem em profusão. Abelhas,

moscas, formigas e vermes compunham este universo tropical, exigindo cuidados,

principalmente porque alguns vermes eram temíveis e furavam barricas e tonéis,

cheios de vinho, aguardente e outros líquidos doces, num curto período de tempo,

causando danos significativos.

Yves d’Evreux Simon Michellet (1577-1632) participou da expedição Daniel

de La Touche, senhor da Ravardiere, encarregados dos freis Claude d'Abbeville,

Arsène de Amiens e Ambroise de Amiens. O religioso foi escolhido para evangelizar

os índios das terras brasílicas e também nos legou um texto importante sobre a difícil

tarefa da conversão, devido à inconstância dos índios, sujeitos às tentações negativas

das trevas. Acreditava que somente uma obediência cega às leis divinas levaria a

libertação dos indígenas.

Ao retornar a Paris, em 1615, o religioso registrou sua experiência na obra

“Suite de l'histoire des choses plus mémorables advenues en Maragnan, les années

1613 et 1614” (Viagem ao norte do Brasil feita nos annos de 1613 a 1614).565

Destacou o espírito nobre do francês na luta pela defesa da fé católica e o projeto

colonial. Entendia que o trabalho da coroa necessitava da catequese, deixando

evidente este aspecto na dedicatória que fez ao monarca Luís XIII (1601-1643). Tal

como Claude d’Abbeville, as terras do Maranhão, apesar das riquezas, tinham a

presença do demônio que influenciava os indígenas.

Yves d'Evreux reconhecia a exuberância das terras brasílicas, todavia não

identificava a existência de diferenças em relação à Europa. Para este autor, as

espécies nativas poderiam ser comparadas com aquelas encontradas na Europa. E não

haveria nenhum problema na sobrevivência dos homens que viessem da França. Na

terra havia tamanha e inacreditável abundância de alimentos, sendo necessário apenas

cultivá-los.566

Page 254: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

254

Seu trabalho enfatiza os aspectos da conquista, a construção das capelas de

São Francisco e São Luis do Maranhão, discorre sobre aspectos do poder temporal na

região. Afirma que os anjos bem aventurados “auxiliam os homens em todos os seus

santos projetos, e especialmente quando se trata de procurar a salvação das almas,

porque caminham adiante estes felizes espíritos e rompem a turba dos diabos”.567

Desta forma, a construção da capela o enchia de orgulho, pois mesmo feito de

madeira e coberta de folhas de palmeira, era “semelhante ao presépio de Belém”.568

Segundo Yves d’Evreux, a terra possuía os recursos necessários. Encontrava-

se sal para a comodidade da vida a algumas léguas da ilha, em terrenos arenosos onde

se “mostra naturalmente, em forma de gelo, duro e luzente como cristal, por ocasião

do fluxo e refluxo do mar, e quando este se retira o sol o cresta e é melhor que o sal de

França e de Espanha”.569

Na construção do forte de São Luis, o interesse dos indígenas em ajudar foi

destacado, mostrando uma interação cordial com os aborígines. Distingue também a

viagem pelo Amazonas com os índios tupinambás.

Yves d’Evreux especifica aspectos da cultura indígenas, ressaltando os valores

dos costumes, como a escravidão dos índios de tribos inimigas e quais eram as

práticas do cativeiro. Ele acreditava que seria fácil “civilizar os selvagens” à maneira

dos franceses, ensinando os ofícios praticados na Europa. Pela experiência, percebera

que quando eram instruídos em determinadas operações, os índios aprendiam com

perfeição.570 As práticas de casamento, a economia, os cuidados com o corpo também

foram alvos do olhar do religioso.571

Em alguns momentos, a obra lembra o registro feito por Claude d’Abbeville,

principalmente quando trata do sol, do mar e das águas do Maranhão.572 Para Yves

d’Evreux, no Maranhão os ventos sempre aumentavam de agosto até janeiro, que era

a época de estio:

“pelo curso do sol que regressando do solstício de Câncer para o de

Capricórnio surgem debaixo da zona tórrida grandes vapores, aquosos e úmidos, e

quanto mais se aproxima dessas terras mais se levanta, e portanto mais se reforçam

esses ventos que não são outra coisa senão esses vapores misturados com ar”.573

As tempestades, os trovões eram comuns e causavam temor aos indígenas. A

partir de março, começava a diminuir as temperaturas e o ar ficava cheio de umidade

Page 255: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

255

com muitas chuvas e trovões. Afirma que, como o país era coberto de florestas e

repleto de árvores de uma altura admirável, “é bem fácil cair o raio

desapercebidamente”. Isto poderia ser constatado, “todos os dias com arvores caídas e

queimadas, que se encontram nas florestas”.574

Algumas árvores que chamavam a atenção por serem singulares. Um ponto a

ser destacado era natureza sempre verde, pois, nas terras brasílicas, vivendo o calor e

a umidade em boa harmonia, não se admira que sempre que novas folhas nascem,

caem as velhas. Como todas as coisas, as folhas tinham o seu tempo para crescerem,

permanecerem vistosas e, na fase seguinte, decresciam até morrerem. Entre as árvores

que mereciam destaque estavam aquelas dos mangues. Árvores que cresciam nas

barreiras do mar e espalhavam os seus ramos e fibras sobre as areias do mar.

Fortificavam e engrossavam, chegavam à sua plenitude, deitando em seguida novas

fibras, reproduzindo-se sempre. Estas árvores não atingiam grande altura, mantinham-

se baixas e nutridas.575

A árvore do cajueiro foi descrita pelo fruto que fornecia e pelo vinho que se

poderia obter. O religioso analisou a planta, associando-a à vida e ao calvário de

Cristo, sem se preocupar com a catalogação de outras espécies, ou pormenorizar mais

detalhada e objetivamente a natureza, como fizera Claude d’Abbeville.576

Dos pássaros do Maranhão, Yves d’Evreux poderia dizer maravilhas, mas se

ateve a comentários sobre uma espécie. O guará era uma ave que, ao sair do ovo era

branco, passando a ter penas escuras e na fase adulta exibia penas avermelhadas.577

Para ele, o tom vermelho devia-se ao consumo de caranguejos,

“os quais consumidos no estomago, ai se transformam e chylo vermelho como

escarlate, e este caindo no fígado, se dele não receber alguma cor, como acontece com

outros animais tinge-o com sua cor e sempre assim passa para as veias, das veias para

a carne, da carne para as penas, e tão perfeitamente, que si fosse um metido dentro de

uma panela para cozinhar, podia dizer-se que havia dentro uma porção de

vermelhão”.578

A explicação era pessoal, sem nenhuma base científica, apenas um processo

de associação. O religioso deixava-se atrair pelo que fosse mais notável, como no

caso dos lagartos: “para uma espécie bem monstruosa" [...]. “um animal que vive

umas vezes n’água, outras em terra, e também nas árvores, contendo em si as três

Page 256: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

256

esferas com que vivem todos os animais do mundo”. Yves d’Evreux explicava que,

como os peixes, partilhavam do elemento água, como quadrúpede, do elemento terra,

e como pássaro, repousava nas árvores.579 A pele do lagarto era aos seus olhos

esmaltas e de cor prateada e azulada, “como a abobada celeste quando serena”. O

calor o obrigava a sair da água, indo refugiar-se ao abrigo nas árvores vizinhas.

Nessas árvores também depositava seus ovos que, aquecidos pelo calor do Sol,

eclodiam expelindo lagartinhos, que logo acompanhavam os pais. Para este fato, o

religioso tinha uma explicação:

“Entre todas as espécies de animais esta sorte de lagartos é úmida e fria, e por

tanto sujeita ao dormir, e como seja mais agradável o sono quando se tem os membros

em certo grau de calor, eis por que eles buscam soalheiros. Reconhecendo pequeno o

seu calor natural, eis porque põem seus ovos em lugar expostos aos raios do Sol”.

Ficava evidente que o registro era feito a partir da observação, desejando o

religioso dar a entender como seriam os hábitos deste lagarto.580 Outro aspecto

importante do texto de Yves d’Evreux é que as suas descrições tendem a ser mais

genéricas, sem diferenciar as espécies, apenas traçando os principais aspectos de cada

grupo que considerou relevante. No caso dos lagartos, registrou a profusão deles, em

diversas castas, sendo uma das iguarias que os índios no litoral consumiam com

frequência.581

O jacaré era uma caça dos índios, sendo “pequenos crocodilos com 8 ou 10

pés de comprimento, de pele dura, ventre mole, sem língua, com olhos vivos, sempre

alerta e maus: accommettem o homem, cortam e devoram o primeiro membro que

agarram”. A voracidade maligna do animal causava medo, principalmente porque eles

se escondiam em grutas, nas margens dos rios, onde armavam emboscadas.

Aproximavam-se sorrateiramente e abriam a boca abocanhando sua presa. O animal

botava “ovos iguais aos de galinha, porém cobertos de protuberâncias, como as

castanhas; dizem que são bons para comer, mas eu não afianço porque nunca os

provei, pois sempre tive muito horror à estes bichos”. Apesar de não ter

experimentado, afirmava que a carne cheirava a almíscar e era “doce e desagradável”,

mas isto não era empecilho para os indígenas, que assim que encontravam algum

tentavam capturar.582 Os franceses, conforme lhe informaram, afirmavam que a carne

Page 257: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

257

do animal era semelhante à do porco, “um pouco mais adocicada, oleosa, e com o

cheiro de almíscar”.

O paladar adocicado da carne não correspondia aos hábitos do jacaré. Yves

d’Evreux explica que era perigoso banhar-se nas águas de rios, mas os animais

poderiam aparecer e se atirar sobre as pessoas. Ressaltava que tivera informação que

uma criança ao cair no riacho foi agarrada e devorada por jacarés. Como os animais

não tinham língua, o religioso dizia: “segundo creio, tem a garganta e o pescoço,

inteiramente inflexíveis, a ponto de não poderem olhar nem para traz nem para o lado

sem moverem o corpo todo: além disso, eles têm o maxilar inferior duro e imóvel,

tudo isto contrário ao uso da língua, e só mastigam com o maxilar superior”. Yves

d’Evreux tentava compreender esse animal sem dispor de recursos necessários;

deixou-se seduzir pela experiência chegando a conclusões que nem sempre condiziam

com a verdade. Suas ponderações estavam referenciadas em passagem da vida de

santos ou na tradição oral, que não conseguia identificar corretamente.583 Lembrava,

complementando suas ponderações, de “um fisiologista, que quando ele devora

alguém chora a sua desgraça: não sei se será verdade”. 584

Dos insetos, mencionou moscas, aranhas e mosquitos. Estes eram encontrados

em profusão. Havia os chamados de “maringoins” pelos selvagens, que existiam em

diversos tamanhos e volumes. Conforme observara, ele se originava de “um humor

acre, gostam dos sabores picantes e ácidos e por isso encontram-se muito no mar e

suas praias no tempo do inverno, formados pelo humor e vapores do mar”.585

Incomodavam os homens com suas picadas na pele, por meio de seu “bico

pontiagudo”, sugando todo o “humor salgado, que corre entre a pele e a carne”. A

fumaça incomodava o animal que fugia das fogueiras, e diz ter notado que a

incidência dele era maior perto de locais onde havia abundância d’água. Yves

d’Evreux também registrava que os mosquitos eram caçados pelos morcegos que os

envolviam com suas asas e depois os comiam.586

A onça foi por ele considerada o mais furioso animal do Brasil. Era detalhada

como tendo bigodes “horrivelmente dispostos, vista perspicaz e aterradora, pele como

a de lobo, manchada de negro à maneira da do leopardo garras muito compridas, patas

como de gato, cauda grande e maior que todo o corpo diminuindo pouco a pouco até a

ponta, e com ela brinca num areal voltando-se par apanhá-la, e correndo para o

Page 258: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

258

mesmo fim, como fazem os gatinhos no meio da sala, divertindo-se cada um com o

rabinho”.587 O animal gostava de viver só pela floresta. Não atacava os homens com

frequência e tinham medo do fogo. Contudo, atacava cães e macacos que eram

devorados rapidamente, depois de serem estrangulados. A espécie só dava cria uma

vez por ano, “como a Leoa, e eis a razão de haverem poucas no Brasil”. Os filhotes

rasgavam “o útero de sua mãe, que o nutre mui curiosamente até que fique em estado

de cuidar por si de sua alimentação. Apesar de tal ruptura, unem-se em tempo próprio,

porém não há frutos desta união”.588

Se os perigos eram comuns, isto não impedia que os franceses viessem para

aquelas terras onde havia recursos suficientes para garantir a sobrevivência de todos.

Bastava que os homens abraçassem causas maiores em nome da fé católica e da

nação.

O português cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão (1555-depois de

1618) viveu entre o Brasil e Portugal. Pelos registros chegou à região de Olinda, em

1583, onde permaneceu até 1597. Retornou a Portugal nesse ano, permanecendo lá até

1606. Regressou ao Brasil no ano seguinte, passando a viver na Paraíba, onde foi

proprietário de dois engenhos. Em 1618 concluiu a obra “Diálogos das grandezas do

Brasil”, onde faz uma descrição da sociedade e da economia colonial. O texto foi

escrito na forma de diálogo e destinava-se a debater as questões que envolviam as

potencialidades das terras brasílicas. Um dos interlocutores era Brandônio, português,

que vivia há muito tempo na terra e defendia as riquezas da terra, contrapondo-se a

Alvino, colono recém-chegado, que considerava a colônia um lugar ruim.589

Brandônio dizia que a umidade da terra a tornava produtiva, pois muitas

árvores em pouco tempo davam frutos.590 A dimensão do território era desconhecida,

na sua maior parte, sendo o cultivo da cana-de-açúcar, apenas um dos que se fazia. Na

terra era possível haver todas as agriculturas do mundo, pela sua fertilidade e clima,

principalmente pelo caráter salutar dos ares.591 As carnes abundavam em todos os

tipos, o pescado, por exemplo; havia caranguejos e mariscos, muitos legumes e leite,

sendo possível alimentar várias pessoas.592

No terceiro diálogo, Brandônio argumentou com Alvino sobre as mercancias

de açúcar, pau, algodão e madeira. Estes produtos eram explorados em abundância,

sendo o pau-brasil de comércio exclusivo do rei, que a cada ano rendia divisas

Page 259: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

259

significativas para os cofres da coroa.593 Segundo ele, a exploração do pau-brasil

ocorria da seguinte maneira:

“vão-no buscar doze, quinze e ainda vinte léguas distantes da Capitania de

Pernambuco, aonde há o maior concurso dêle, porque se não pode achar mais perto

pelo muito que é buscado, e ali, entre grandes matas o acham, o qual tem uma fôlha

miúda e alguns espinhos pelo tronco, e êstes homens ocupados neste exercício levam

consigo para a feitura do pau muitos escravos da Guiné e da terra, que, a golpes de

machados, derribam a árvore, à qual, depois de estar no chão, lhe tiram todo o branco,

porque no âmago dêle está o Brasil; e por este modo uma árvore de muita grossura

vem a dar o pau que a não tem maior de uma perna, o qual, depois de limpo, se ajunta

em rumas, donde o vão acarretando em carros por pousas, até o porem nos passos

para que os batéis o possam vir a tomar”.594

Mas esta não era a única madeira. A terra oferecia inúmeras áreas que

poderiam ser utilizadas nas embarcações e na construção, bem como no fabrico de

móveis e outros objetos necessários, como as mungubas, buraremas, vigueiro, pau-de-

gamela, camaçaris, pau-d’alho e outras madeiras consideradas “moles”, por serem

fáceis de serrar.595 Outras muitas existiam e Brandônio confessava que não tinha

condições de enumerar todas. Pela qualidade delas, as mais importantes eram: a

jataúba vermelho, a piquiá, a jataúba, a maçaranduba, a cabaraíba, o jacarandá o

conduru, a sapupira, o camará, o pau-ferro, a burapiroca, a guandim, dentre outras.

O mangue também era um ambiente rico para o homem. Este era formado no

encontro dos rios com o mar. O fluxo e refluxo da maré facilitava o desenvolvimento

das espécies, inclusive da árvore de duas qualidades diferentes, uma vermelha mais

rígida e outra mais branca e de madeira mole.596

Os mantimentos, hortaliças, frutas e legumes da terra davam para o sustento de

todos. A mandioca, como era tradicional, ocupava o papel de destaque, sendo

mencionada a farinha de pau e o seu consumo. Outros produtos como a tapioca e seu

preparo também são destacados, contrapondo aos perigos já conhecidos que a

ingestão dessa raiz poderia causar ao homem. Brandônio colocava em segundo lugar

o arroz que se produzia em abundância em diferentes partes da colônia e a baixo

custo. Contudo, a população o explorava de forma incipiente e por “acharem a farinha

de mais sustância”.597 O milho não foi esquecido, sendo considerado um mantimento

Page 260: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

260

proveitoso para o sustento do escravo da Guiné e dos índios. Este poderia ser

consumido assado ou cozido, como também era comum consumi-lo em iguarias como

bolo, por exemplo. Além do consumo humano, o grão era utilizado na alimentação de

cavalos e aves. 598

Outros mantimentos eram produzidos na época que os campos não produziam;

dentre as plantas que poderiam ser consumidas ele destacava:

“a raiz do carauatá, que sé dá pelos campos sem nenhum benefício, da qual se

faz farinha de boa sustentação; o segundo é as folhas de mandioca cozidas, e a que

chamam maniçoba, as quais são também excelentes para tempo de fome, e ainda sem

ela a usam muitas pessoas por mantimento; o terceiro é o fruto de uma árvore grande

a que chama umari, o qual serve também de mantimento; o quarto, uns coquinhos que

pelo nome da terra se chamam aquês. Estes tais se colhem dos pequenos coqueiros em

que se dão em cachos, depois de maduros, e se espreme deles uma substância doce e

gostosa, que se lhes tira dentre a casca, espremidos com as mãos dentro na água, e de

tudo junto, sendo cozido ao fogo, se formam umas papás que comem e com elas

juntamente os coquinhos, que estão dentro do caroço, depois de esbrugado e partido; e

deste mantimento se sustenta grande parte do gentio da terra e dos negros de Guiné. O

quinto é a raiz de cipó a que chamam macuna, a qual desfazem em farinha, que

comem depois de cozida”. 599

Alvino, como colono recém-chegado e descrente, não se convenceu facilmente

que as terras tinham tanta potencialidade e por vezes ouviu o seu interlocutor com

desconfiança. Estranhara saber que havia feijões em árvores. Brandônio confirmou a

existência deles que eram diferentes dos conhecidos na Europa, como o sapotaia.

Havia ainda o gergelim e o amendoim que permitiu grandes colheitas. Este último era

consumido na maioria das vezes assado ou cozido, sendo seu sabor apreciado. Às

vezes, era possível de consumi-lo cru.

O jerimum, a batata, o caju e outras frutas são descritas principalmente pela

forma como eram consumidas, pouco se acrescentava à descrição de detalhes e

características próprias da espécie. O diálogo visava a convencer o novato sobre

fartura que existia na terra e os benefícios que estas espécies poderiam oferecer ao

homem, tanto na alimentação, como para o comércio. Brandônio, quando interpelado

Page 261: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

261

por Alviano, destacou a abundância das drogas da terra para a comercialização, ou as

madeiras que poderiam ser exportadas.600

Aves, peixes e animais terrestres havia em grande quantidade. Além dos

animais domésticos, havia pelas matas e florestas uma fauna desconhecida. Daquelas

que eram mais comuns, Brandônio salientou as aves que havia:

“pelos bosques e campos grande multidão de jacus, que são como galinhas

silvestres, de tanta estima que lhes não fazem vantagem as mesmas galinhas, posto

que sejam muito gordas; e outra ave, chamada aquaham, da mesma maneira e não de

menos estima; outras a que chamam mutus, que são do tamanho de um grande

galipavo e não menos prezados que eles; jaburu, que é muito maior que um pavão,

bastante pela sua grandeza a abundar meia dúzia de companheiros, posto que

famintos, com ser carne assaz saborosa. Outra ave a que chamam uruis, que não

desmerece o nome de boa; juhuapupe, semelhantes às perdizes de nossa Espanha e

não sei se alargue a dizer que são melhores; inhambu, também como as mesmas

perdizes e do seu tamanho; nambus, não maiores que as codornizes, as quais não

invejam em bondade, gosto e sabor aos tão estimados faisões da Europa; rolas, sem

conto, assaz gordas, que a pouco trabalho se toma; da mesma maneira codornizes e

pombos torcazes. Em todas estas aves agrestes se faz presa à custa de pouco trabalho,

e assim ficam servindo, quase como as domésticas, aos moradores da terra”. 601

A descrição foi rápida e o processo de associação suficiente para se ter uma

idéia aproximada da espécie. Como outras aves que foram mencionadas em seguida,

Brandônio tentou destacar as propriedades da carne e seu consumo. A visão utilitária

da natureza estava evidente. Isto não significa que outras espécies, como o pica-pau,

jirubas, quirejuabe, papagaios, coricas, tuins, araras e outras aves não fossem

apreciadas pela emissão de sons ou pela beleza das penas, que ajudam a compor um

quadro multicolorido dos trópicos. 602

Como os seus antecessores, elenca a profusão de pescado e de animais de

caça, sendo as pacas, cotias, quatis, tamanduás, preguiças, e tatus destacados como

elementos que poderiam contribuir para o sustento.603 Ao final, Brandônio afirmava a

Alviano, que havia chegado ao limite da sua obrigação, “o menos mal que pude,

deixando-vos agora o campo aberto para poderdes condenar o Brasil por ruim terra,

como no princípio fizestes, se virdes que com as verdades que dele tenho dito, se lhe

Page 262: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

262

pode de justiça atribuir semelhante nome dos avisado; porque dos néscios não trato,

que os seus ruins discursos os desculpam”. Alviano se dava por convencido e

declarava: “Tendes-me já tão convertido à vossa seita, que por toda a parte, por onde

quer que me achar, apregoarei do Brasil e de suas grandezas os louvores que elas

merecem”.604

6.2 Novos olhares:

a riqueza natural capturada para fins científicos

No século XVII, as invasões holandesas no Brasil fizeram parte do complexo

jogo de interesses do mercantilismo europeu na América Portuguesa.605 O principal

objetivo das invasões era a recuperação do controle sobre as principais áreas em que

se desenvolvia a economia açucareira, prejudicadas pelo domínio espanhol sobre

Portugal.

O fechamento dos portos do império luso-espanhol aos holandeses,

empreendido pelos reis espanhóis durante a União Ibérica, prejudicou sensivelmente

os interesses comerciais dos mercadores holandeses que reagiram contra a perda do

controle, transporte e distribuição de produtos importantes. Os holandeses foram

parceiros dos portugueses no comércio de açúcar e na exploração da mão de obra

escrava, principalmente após a nação portuguesa ver com os próprios olhos o entrave

contra a Espanha.

A relação tumultuada entre a coroa espanhola e os Países Baixos levou a

Espanha a proibir os navios holandeses de aportarem em terras portuguesas,

perdendo, também, os privilégios que até então gozavam no comércio de açúcar. No

decorrer das investidas dos holandeses contra o território português da América,

foram realizados importantes registros. Dentre eles podemos destacar os dos seguintes

navegantes: Jan Baptist Syens (1600), Hendryck Hendryckssen Cop e Claes

Adriaensen Cluyt (1610), Dirk Symonsen (1626) e Hessel Gerritsz (1629).

Page 263: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

263

O clero calvinista era simpático às idéias propostas por Usselincx o que

permitiu a criação da Companhia das Índias Ocidentais, incorporada por uma Carta-

Patente datada de três de junho de 1621. Pelo documento era concedido o monopólio

do tráfico e da navegação por 24 anos.

O governo holandês, com companhias privadas, formou a Companhia

Holandesa das Índias Ocidentais, formalmente criada por uma Carta-Patente, datada

de três de junho de 1621.606 Este empreendimento contou com um investimento

superior a sete milhões de florins e concedia a liberdade de construir fortes nas

regiões conquistadas, bem como liberdade para realizar negociações com chefes

locais. Esta companhia era uma empresa comercial que aliava interesses militares e

colonizadores, tendo como meta invadir e ocupar as terras produtoras de cana-de-

açúcar, visando a controlar a produção de açúcar. Desta maneira, os Países Baixos

procuravam recuperar os lucrativos negócios do açúcar, que haviam sido obliterados

pelas determinações da coroa espanhola, num momento que coincida com o fim da

trégua dos doze anos. A nova política a ser empreendida pela Companhia era a da

colonização e do comércio, mediante o uso de meios bélicos. Desta maneira, podemos

observar que a invasão holandesa ao Nordeste não pode ser considerada somente no

âmbito do jogo político das nações européias.

O primeiro ataque planejado contra o império colonial português da América

ocorreu em maio de 1624, tendo como palco a cidade de Salvador, sede do Governo-

Geral e de um bispado. A tomada da cidade foi narrada por moradores e jesuítas que

descreveram em detalhes a ocupação. O governador da Bahia, D. Diogo de Mendonça

Furtado (1621-1624), era conhecedor da possibilidade da invasão dos holandeses.

Contudo, não empreendeu nenhum esforço maior para evitá-lo. O governante acabou

sendo detido pelos inimigos e enviando preso para Amsterdã.607

A rendição dos holandeses, em 1625, não significou o final dos ataques ou a

desistência do plano de tomada das zonas produtoras de açúcar, como analisamos no

primeiro capítulo. Uma esquadra de catorze navios partiu da Holanda na primavera de

1626, tendo como destino a Bahia. O comandante era Pieter Heyn (1577-1629) que

enfrentou os piratas e as dificuldades do mar por dez meses. Em 1627, novamente a

cidade de Salvador foi alvo de investidas malogradas, e os navios holandeses

deixaram a cidade carregados de açúcar, fumo, algodão, dentre outros produtos da

Page 264: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

264

terra. Neste mesmo período, os holandeses acometeriam com êxito as Antilhas, tendo

como alvo principal os navios espanhóis carregados de prata americana.608

A possibilidade de ganho fácil estimulou a cobiça dos holandeses e justificou a

continuidade dos ataques. Uma nova investida dos Países Baixos é feita em 1630,

porém desta vez a invasão se volta para a Capitania de Pernambuco, menos protegida

que Salvador, e com uma produção de açúcar expressiva. A região contava com

povoações importantes como Olinda, Porto Calvo, Muribeca dentre outras, que

realizavam a exploração da cana-de-açúcar, com resultados favoráveis e notoriamente

conhecidos.

Na manhã de 15 de fevereiro, o litoral de Olinda amanheceu com a frota

holandesa prestes a invadir a cidade. O planejamento do ataque fora feito em segredo,

sem que o monarca espanhol pudesse obter informações por meio dos seus espiões. A

esquadra era composta por mais de cinquenta navios sob o comando do General

Hendrik Corneliszoon Lonck (1568-1634), conhecido pelas ações de latrocínio que

praticava no mar.609 Os bombardeios começaram e os moradores defenderam-se dos

inimigos com parcos recursos. A ocupação eminente fez que boa parte da população

seguisse para o interior à procura de abrigo. Numa ação rápida, os batavos invadiram

e ocuparam a cidade do Recife e de Olinda. A esquadra composta por mais de setenta

navios e sete mil homens não teve dificuldades na ofensiva, apesar da resistência do

governador da capitania, Matias de Albuquerque (1580-1647), que organizou a

população na região de Porto Calvo (atual Alagoas), dificultando a ação de conquista

dos holandeses e permitindo que alguns questionassem sobre a viabilidade de

permanecer no local.610

Dominada a região, era necessário consolidar o empreendimento comercial

que obtivesse lucros para a Companhia das Índias Ocidentais. Neste processo de

conquista, destaca-se a figura de João Maurício de Nassau - Johann Mauritius Van

Nassau-Siegen (1604-1679),611 administrador e militar que chegou a Pernambuco em

23 de janeiro de 1637, nomeado pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.

Valendo-se de uma política tolerante, inclusive no âmbito religioso, Nassau conseguiu

estabelecer vínculos mais fortes com os proprietários de terra, realizando uma

administração favorável para eles.612

Page 265: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

265

Uma nova cidade foi projetada por Nassau segundo planos urbanísticos

definidos: ruas cortadas regularmente, saneamento da zona, escoamento das camboas,

construção de pontes e diques. Atualmente, põe-se em dúvida a estada de Pieter Post

no Brasil (1608-1669); mas o fato é que, graças a ele ou a outro qualquer engenheiro

– como, por exemplo, o engenheiro Pistor, sob a assídua assistência do conde, a futura

capital foi iniciada com as características de cidade segundo a concepção norte-

européia.

No século XVII, Georg Marcgraf, geógrafo e astrônomo de origem saxônia,

foi encarregado da elaboração das Cartas do Brasil durante o domínio a ocupação

holandesa.613 O trabalho de Georg Marcgraf (1610-1644) e de Guilherme Piso (1611-

1678), que também veio para Pernambuco a convite de Mauricio de Nassau, resultou

na obra “Historia Naturalis Brasiliae” um dos textos de referencia para o estudo do

mundo natural, não só pela descrição mais técnica como também pelo conjunto de

gravuras que ilustravam a obra.614

A obra é composta de duas partes. A primeira, de autoria de Guilherme Piso,

intitulada “De Medicina Brasiliensi”, foi dividida em quatro livros assim

apresentados: Livro I, que tratava dos ares, das águas e dos lugares do Brasil; Livro II,

que tratava das moléstias endêmicas e comuns no Brasil; Livro III, que tratava dos

venenos e seus antídotos e o Livro IV, que tratava das faculdades dos símplices.

A segunda parte, de autoria de Georg Marcgraf, intitulada “Historia rerum

naturalium Brasiliae”, era formada por oito livros. Os três primeiros foram dedicados

à botânica, o quarto, aos peixes, o quinto, aos pássaros, o sexto, aos quadrúpedes e

serpentes e o último dedicado à região do nordeste brasileiro e suas gentes. Este

último livro teria sido de autoria de Joannes de Laet que estudou a língua e a cultura

tupi.615

Guilhermo Piso exaltava as condições agradáveis das terras brasílicas com

ares e águas clementes. As condições propiciavam uma vida longa à população. Se a

terra tinha atrativos como outros cronistas já haviam relatado, Guilhermo Piso

também entendia que os indígenas gostavam em demasia de danças e bebidas.

Reprovava as práticas de canibalismo que, conforme assinalou, mesmo causando a

morte de um ser humano, havia alegria, pois os que participavam do ritual

Page 266: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

266

demonstravam estar contentes. Em seguida ele discorre sobre os alimentos, as águas e

outros produtos da terra, tendo como preocupação o equilíbrio do organismo.

No segundo capítulo, a preocupação com as moléstias endêmicas merece

atenção especial. Em se considerando que nos climas tropicais havia condições para o

desenvolvimento de diversas doenças, a natureza tinha sido benevolente em fornecer

diversas espécies para curar. Neste capítulo bem detalhista, o autor pondera sobre

febres, espasmos, catarros, hidropisia, opilação do fígado e do baço, lombrigas, fluxo

do vente, cólera, disenteria, ulceras, doenças comuns às mulheres e às crianças,

doenças venéreas, dentre outras. Sua preocupação era identificar os sintomas das

doenças, as reações orgânicas, os tratamentos e os seus resultados.

No terceiro livro, os venenos e seus antídotos foram os objetos de estudo. O

autor procurou identificar os diferentes venenos que existiam nos trópicos e os

possíveis meios para atalhar seus efeitos. Para tanto, apresentou os animais mais

venenosos ou plantas, como a mandioca, que chamava a atenção pela sua toxicidade,

caso não fosse adequadamente preparada. Da mesma forma, foi dada atenção especial

às serpentes, como a jararaca, o sapo-cururu, descrevendo os órgãos pelos quais este

lançava o veneno.

No último capítulo, Piso dedicou-se às culturas mais destacadas da terra, como

a cana-de-açúcar, fazendo uma descrição pormenorizada do seu cultivo e do preparo

do açúcar. Observou atentamente o que a natureza poderia oferecer à exploração

humana, desde as propriedades da mandioca, palmeira, urucu, umbu, muricia, ananás,

dentre outras espécies. Desta forma, o texto de Piso foi o primeiro a tentar

sistematizar os elementos da fauna e da flora brasileiras de maneira mais ordenada e

coerente.

Os registros feitos por Marcgraf revelam preocupação em mostrar a riqueza

natural da terra, com fins científicos. Dedicou-se ao seu objeto de estudo, cujo

resultado facilita a identificação de uma atividade descritiva e sistemática, nos moldes

dos trabalhos dos viajantes científicos no decorrer do século XVIII. 616

Marcgrave, ou Marcgraf, nasceu na Saxônia, nos idos de 1610. Tendo como

meta participar do governo de Maurício de Nassau, veio para o Brasil em 1638. Era

astrônomo e convenceu Maurício de Nassau a construir o primeiro observatório do

Novo Mundo. A obra “Historia Naturalis Brasiliae”, além dos registros sobre a

Page 267: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

267

natureza, apresentava importantes ilustrações.617 Georg Marcgraf estudou História

Natural e demonstra, pelos seus registros, um caráter minucioso em suas observações.

A qualidade de suas referências contribuiu para que Lineu, na décima edição da obra

“Systema Naturae”, citasse seu trabalho em que constavam 14 mamíferos, 15 aves, 2

répteis e 8 peixes. O trabalho de Marcgraf é considerado o primeiro tratado sobre a

História Natural, tendo sido amplamente difundido nos séculos XVIII e XIX; foi

mencionado por diferentes naturalistas, como: Alexander von Humboldt, na sua

grandiosa obra "Voyages aux régions équinoxiales du Nouveau Continent ...." (30

volumes, Paris, 1807-1825).

Marcgraf localizava as espécies, registrava-as com nomes vulgares, e as

gravuras complementavam para a identificação das mesmas. A pujança da natureza

americana daqueles idos dominava e instigava pintores a representarem nos seus

quadros a realidade da nação. A natureza revela também o exotismo do desconhecido

e estimula a imaginação poética a representar o mundo natural. Pintores holandeses

como Albert Eckhout (1610-1666) e Frans Post (1612-1680) foram sensíveis ao

assinalarem as terras brasílicas, procurando avivar a vida natural dos trópicos.618

Em 1652, Jacob Josten publicou “Historische beschreibung der kleinen

wunderwelt” (Descrição histórica do admirável pequeno mundo). Jacob Josten veio

para o Brasil a serviço da Companhia das Índias Ocidentais e viveu em Pernambuco

de 1638 a 1644, descrevendo importantes aspectos das disputas entre portugueses,

colonos e holandeses, ao mesmo tempo em que noticiava aspectos das terras

ocupadas.

Nas primeiras décadas do século XVII, outros religiosos se dedicaram a esse

mister. O frei capuchinho Cristóvão de Lisboa (1583-1652)619 estudou na

universidade de Évora e escreveu a obra “História dos animais e árvores do

Maranhão”, entre 1625 e 1631. O texto resultou de sua estada na região do Maranhão

e pode ser comparada ao trabalho de Claude de d’Abbeville e de Yves d’Evreux. Frei

Cristovão de Lisboa identificava várias espécies com desenhos em nanquim e

descrições sintéticas. O nível de detalhamento das imagens impressiona pelo cuidado

da representação. A vivência na região propiciou ao religioso sua participação em

práticas de caça; descreveu plantas, no seu estado natural, e também aves e a forma

Page 268: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

268

como poderiam ser consumidas. Contudo, a metodologia utilizada pelo religioso foi

simples, podendo ser considerada como apontamentos sobre formas de vida tropical.

A região do rio Amazonas foi alvo de registros feitos por espanhóis. Em 1641

era publicado o “Nuevo descobrimento del gran rio de las Amazonas por el padre

Christóval de Acuña”.620 Cristóbal de Acunã (1597-1676?) era um jesuíta que

explorou a região e foi reitor do colégio de Cuenca, no Equador. Em 1639, o religioso

acompanhado de Andrés de Artieda e do capitão português Pedro de Teixeira

empreendem uma viagem pelo rio Amazonas, de Napo até a desembocadura na região

do Pará, a aventura foi incluída no texto acima mencionado. São textos que

proliferaram na medida em que as expedições religiosas e as disputas pela ocupação

da região iam se intensificando. A restauração do trono português, a partir de 1o. de

dezembro de 1640, estimularia a disputa na região e exigiria também um

reconhecimento da extensão do território.621

Os viajantes observavam em seus avanços pelo território que, na medida em

que se afastavam da faixa litorânea e das cidades e vilas, as povoações escasseavam.

Em parte, este cenário se devia, em algumas regiões, às áreas típicas da caatinga e do

semi-árido impondo dificuldades aos que as desafiavam. Mesmo assim, a

multiplicidade de paisagens exibia belos quadros da natureza.

A diversidade da paisagem natural foi marcada constantemente nos registros

dos viajantes que tiveram uma percepção mais aguçada em relação ao território,

baseados nos elementos da vegetação, hidrografia, relevo etc. Para o viajante, era

possível fazer distinções sobre os espaços. O movimento de subida e descida das

serras permitia que o viandante percebesse uma infinidade de montes que compunham

as serras. A variação de áreas cobertas por uma vegetação densa e outras de morros

descobertos sem matos marca os contrastes da natureza e uma diversidade de

espécies. Se a exuberância do mundo natural criava uma sensação de

deslumbramento, esta não se mantinha por muito tempo. As dificuldades impondo

morosidade ao percurso tornavam as árvores e matos responsáveis por um cenário

melancólico, palco do desconhecido e do medo.622

Ao avançar pelo interior, os viajantes tinham oportunidade de visualizar as

colinas, que poderiam ser de “terra argilosa ou verdadeiros desertos de areias

movediças ou ainda capim seco”. Pelo caminho, em meio às florestas com suas

Page 269: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

269

espessas árvores, ao viandante era oferecida a dimensão da pujança do território, que

contrastava com as choças miseráveis que se poderiam encontrar, cujos habitantes

tentavam sobreviver à fome e às ameaças devido ao afastamento do litoral. Para John

Monteiro, “a penetração dos sertões sempre girou em torno do mesmo motivo básico:

a necessidade crônica da mão-de-obra indígena para tocar os empreendimentos

agrícolas dos paulistas”.623

Em 1684, o jesuíta Manuel Rodriguez publicou a obra “El Marañon y

Amazonas - historia de los descubrimientos, entradas, y reduccion de naciones,

trabajos malogrados de algunos conquistadores, y dichosos otros, assi temporales

como espirituales, en las dilatadas montañas, y mayores ríos de la América”,624

demonstrando interesse temporal e religioso na região, tendo em conta a riqueza

natural. Este momento coincide com uma intensa pulsação de missões religiosas pelo

mundo e também um aumento de circulação de pessoas e informações, na medida em

que a imprensa conquistava maior popularidade e que a demanda por relatos de

viagem, como destacamos anteriormente.

Em 1688, Urbain Souchu de Rennefôrt escreveu “Histoire des Indes

Orientales”,625 cujo conteúdo refere sua experiência de viagem em direção à Índia,

tendo passado por Pernambuco. Algumas crônicas, de forma pontual, como esta,

tocavam em aspectos de um efêmero contato com o litoral, não sendo, porém, o foco

principal.

Em 1698, é publicada a obra “Relation d'un voyage fait en 1695, 1696 et 1697,

aux côtes d'Afrique, Détroit de Magellan, Brezil, Cayenne et Isles Antilles, par une

escadre des vaisseaux du Roy, commandèè par M. de Gennes”, por Sieur Froger. O

texto demonstra o interesse da Academia de Ciências Francesa pelas terras coloniais,

sem dúvida para atender aos interesses políticos e econômicos do Estado, que compôs

uma esquadra sob o comando de M. De Genes. Aos poucos, outras expedições vão

sendo financiadas, fazendo que o planejamento das viagens exploratórias seja mais

elaborado. Por decorrência, também os relatos de viagens são elaborados com maior

definição, tendo em vista os interesses de estudiosos e a influência do avanço do

pensamento científico.

Sieur Froger, autor do texto, afirmava que sempre desejara ver países

estrangeiros e de tudo que pudesse formar um homem honesto. Sua viagem tinha

Page 270: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

270

como objetivo conhecer o mundo e as coisas e de ser útil ao seu país. Ele exercitou o

desenho e estudou matemática. Em 1695 ele realiza a sua primeira saída, tendo

oportunidade de conhecer o universo da navegação e dos portos, permanecendo em

alguns locais por muito tempo. Nestas ocasiões, além de observar os costumes, a

religião, o povo, colheu informações sobre frutos, plantas, pássaros, peixes e animais

que pareciam extraordinários. 626

O início da sua viagem ocorreu em junho de 1695 em Rochelle, numa frota

composta por diversos navios que ficaram à espera de ventos favoráveis.627

Prosseguiu viagem anotando a passagem das ilhas do Cabo Verde, onde os primeiros

contatos com a população local o impressionaram, principalmente o comércio de

escravos que Portugal empreendia na localidade.628 Numa das paradas sumariou uma

série de frutos ali existentes e a forma como os habitantes da região os consumiam;

havia também o mandanaz, um pequeno e saboroso fruto como uma noz de forma e

cor de um abricó.629 O viajante impressionou-se com as palmeiras e os cocos dos

quais os negros extraíam do seu interior um licor "branco”.630 Nas páginas seguintes,

tratava dos usos e costumes dos aborígenes, destacando aspectos da religião e das

práticas de sepultamento, ao passar pela região do rio Gâmbia. 631

Depois de algumas interações com os nativos, a viagem seguiu em direção ao

Brasil. Como o número de viajantes doentes aumentava a cada dia, a comitiva

retornou às ilhas do Cabo Verde, para que os doentes se recuperassem.632 Nesse

movimento, visitaram as ilhas de Santo Antonio e São Vicente, procurando por ares

saudáveis, uma alimentação mais rica e produtos para carregar os navios e prosseguir

a viagem em direção à América.633 Nesse percurso tiveram que suportar os efeitos do

calor excessivo; entre o final de outubro e começo de novembro observou-se a

calmaria do mar. Dourados e arenques em abundância obsequiavam a pescaria. As

aves as quais impressionavam pela cor das penas. A primeira ilha identificada foi a da

Ascensão, pequena e escarpada, a mais de 150 léguas da costa.634 A ilha de Santo

Antonio, que servira aos holandeses, quando estes invadiram a região, foi o local da

parada seguinte. Na realidade, era um conjunto de três ilhas, a maior ficava no centro,

sendo possível encontrar ali alguns frutos selvagens.635 Os pássaros em revoada

chamavam a atenção e deles o autor destacou o cardeal e o colibri. O primeiro era

descrito como pequeno com as asas escuras e o resto do corpo de uma cor escarlate

Page 271: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

271

muito viva. O colibri era um pássaro pequeno de plumagem verde e de bico longo que

tirava sua alimentação das flores, de forma similar à operação praticada pelas abelhas.

Havia no mar aves marítimas em abundância.636

Mas o destino da expedição era o Rio de Janeiro. a referência era a grande

rocha do “pão-de-açúcar”.637 Froger e seus companheiros tiveram dificuldades para o

desembarque na cidade do Rio de Janeiro, tendo sido alegado como motivo a

existência de doenças nos navios. Na verdade, o governador temia um ataque dos

franceses na região. Ao constatarem a aproximação dos navios, muitas mulheres se

retiraram para o campo, a fim de se protegerem de um possível ataque. 638 As

negociações com o governador para desembarque foram difíceis; havia o temos de

ataques dos franceses aos moradores.639 Após alguns dias, foi autorizado o

desembarque dos doentes em um vilarejo, distante da cidade. Froger observou o

movimento de navios na região, como a chegada de embarcações vindas da Bahia e

também de Angola, com carregamento de escravos. Anotou seu ressentimento pelos

modos pouco honestos do governador, ao proibir a comercialização de mercadorias

com os navios de origem francesa, determinando que só com a expressa autorização

dele é que seria realizada tal negociação.640 Porém este impasse não o impediu a

apreciar a beleza da região com suas elevadas montanhas Na cidade do Rio de Janeiro

se destacavam as residências dos jesuítas e beneditinos, cada uma delas sobre uma

pequena elevação.641 Segundo o olhar do viajante, a população era asseada. O tráfico

negreiro era forte, como a produção de açúcar era elevada. Os escravos, encontrados

por todas as partes, faziam todos os tipos de trabalho.642 Ele constatou também a

existência de uma grande quantidade de indígenas que convivia e interagia com os

colonos. A experiência que alguns dos tripulantes tiveram não foi das melhores, um

amigo de Froger, aventurando-se pela cidade, se viu pressionado por um grupo de

portugueses. Atemorizado, procurou abrigo no convento dos carmelitas.. Os religiosos

não foram pacíficos, nem cordiais, e lhe deram um golpe de espada, marca que ficaria

para sempre, além de levar inúmeras pancadas. Mas o infeliz francês sobrevivera à

fúria dos religiosos.

Quando às potencialidades da região, ele destacou o arroz, o milho e a

mandioca, descrita como um arbusto de quatro a cinco pés de altura com raízes que

poderiam ficar na terra até por três anos. As raízes grossas eram o alimento comum da

Page 272: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

272

América. O consumo ao natural e o beiju foram registrados. 643 Abundavam legumes

e frutos. Melões, melancias, uvas, laranjas, bananas, abacaxis, cocos, goiabas, dentre

outros foram catalogados como alimentação básica da população. O abacaxi, como

em outros registros, ganhou um mais amplo detalhamento; era uma planta grossa

como “pomme de pin”, com folhas longas e espessas com uma coroa e que merecia o

título de ser a melhor fruta da América.644 A batata e o inhame foram mencionados

como alimento trivial. O coqueiro foi descrito como uma árvore que produzia um

fruto com uma noz dura e ovalada. Em seu interior havia um líquido branco, possível

de encher um copo, sendo capaz de sustentar um homem. A goiaba, com sua casca

verde e o interior vermelho, para Froger lembrava o gosto do pêssego.645 Às vezes, os

viajantes, desobrigados com a realidade, faziam associações que tornavam fauna mais

exótica e distante das suas características originais.

Deixando o Rio de Janeiro, a frota, onde seguia Sieur Froger, passou pela Ilha

Grande, coberta de uma floresta densa, onde encontrou algumas frutas e a “poire de

mapou” que produzia um algodão roxo, com o qual era possível fazer colcha para

cama.646 Foi possível também observar tatus, cuja carne tinha o gosto de porco fresco.

Era final de 1695 e a viagem prosseguia para outras conquistas na região da Terra do

Fogo.

Da última década do século XVII, identificamos importantes registros dando a

dimensão da ocupação do território em regiões diferentes, seguindo o ímpeto da

aventura dos habitantes ou o desejo da coroa em efetivar a posse do território, a partir

do litoral. O padre jesuíta João Felipe Bettendorf (1625-1698), nascido em

Luxemburgo, estudou Teologia e Filosofia em universidades alemãs. Foi indicado

como missionário na região do Maranhão, por intermédio do padre Antonio Vieira.

Em 1661, o religioso chegou às terras brasílicas, para realizar as suas atividades

missionárias, iniciadas há pouco tempo pelo padre Luís Figueira (1575-1643). A

dedicação do religioso o levou a ocupar cargos de direção e o reitorado do colégio de

São Luis. Posteriormente, foi visitador das missões, observando os vários conflitos na

região que conduziriam à expulsão dos jesuítas da região em 1684. Pe. Francisco

Bettendorf foi um dos responsáveis por negociar o retorno dos religiosos ao local,

conforme o decreto de D. Pedro II (1648-1706) referente ao “Regimento das Missões"

(1686). O jesuíta escreveu, dentre outros trabalhos, a “Crônica da Companhia de Jesus

Page 273: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

273

no Estado do Maranhão” (1698). No seu conjunto, havia importantes informações

históricas sobre o processo da colonização portuguesa na região do Maranhão e a

atuação dos jesuítas.647 O discurso sobre a natureza emergia como parte do processo

de conquista, de forma similar a algumas referências feitas pelos primeiros jesuítas no

século XVI. O trabalho aborda inicialmente as dificuldades de exploração da região

amazônica, sendo o rio o elemento fundamental do processo. Informações sobre os

principais rios, suas condições de navegabilidade, com detalhes sobre a largura e a

intensidade da correnteza, foram consideradas essenciais para a compreensão da

região. O clima e a temperatura, como nos registros anteriores, foram destacados a

partir da oscilação do forte calor para temperaturas mais brandas. A descrição das

demais espécies não foge à tradicional forma de apontar as semelhanças entre elas.

Uma série de expedições, por incentivo oficial ou particular, ocorreu pelo

território na busca de riquezas. Este movimento de expansão a partir de pontos

diferentes do litoral revela o anseio por descobertas que rendessem lucro para os

aventureiros e para a coroa portuguesa. Os itinerários foram sendo construídos ao

sabor dos interesses e das possibilidades dos habitantes. Os rios foram as vias

utilizadas por muitas bandeiras que penetraram pelo interior. Os rios encachoeirados,

apesar de imporem dificuldades, não desestimularam os aventureiros. O sonho de um

eldorado movia muita gente, mas a maioria das expedições foi infrutífera quanto ao

seu objetivo principal. Na segunda metade do século XVII, há uma intensificação das

bandeiras paulistas para os sertões setentrionais do Brasil, responsáveis pela

descoberta de ouro na última década desse século. A febre pela busca do ouro fez que

um verdadeiro movimento de interiorização ocorresse, principalmente na região das

Minas Gerais.648

Como pudemos observar, os relatos sobre a natureza são díspares, e o discurso

variava conforme o narrador. Registros mais elaborados destacavam-se pela precisão

da informação, como também pelo desejo de fixar o objeto observado por meio de

gravuras.

A paisagem das terras tropicais enchia os olhos dos viajantes. Árvores e

arbustos de diversos tamanhos e variedades eram encontrados pelos caminhos, bem

como os seus habitantes, formando um registro único. A abundância de flores e a

beleza das suas cores e formas contribuíam para dar à paisagem um caráter sui

Page 274: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

274

generis. A hostilidade do indígena fazia dos caminhos um perigo constante, pois, para

muitos, o comportamento deles era similar aos dos animais ferozes: “gente tão má,

bestial e carniceira”.649 Desta maneira, os relatos aproximam os nativos da natureza,

num estágio de desenvolvimento inferior ao experienciado pela civilidade cristã

européia. As longas distâncias que separavam as aldeias das vilas impediam a ação

missionária e o controle efetivo sobre os hábitos, costumes e padrões

comportamentais do indígena, dificultando a conversão. Contudo, ficava evidente que

a rica natureza poderia oferecer os recursos necessários para a ocupação de qualquer

parte do território. A insistente comparação com o continente europeu, revela que os

recursos da terra brasílica superavam em muito os da Europa. Havia um grande

desconhecimento sobre a fauna e flora brasílica, que aos poucos estes trabalhos

ajudaram a construir. Não podemos ignorar a importância do trabalho de Georg

Marcgraf para o estabelecimento de espécies únicas, conforme consagrou

posteriormente Lineu. Tudo isto confirma a necessidade de ousar e saber conhecer a

natureza.

Page 275: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

275

Sétimo Capítulo

A natureza brasílica sob investigação

A natureza não faz nada bruscamente.

Jean Lamarck

Não se precoupe em entender, viver ultrapassa todo o entendimento.

Clarice Lispector

Page 276: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

276

7.1 – A ocupação do interior e a riqueza mineral

No período colonial o que se observa é um grande isolamento entre as regiões

e uma lenta ocupação em direção ao interior; os caminhos estavam para ser

consolidados, principalmente na segunda metade do século XVIII e no decorrer do

século XIX.650 As andanças pelo sertão implicavam inúmeras privações, tidas como

provações pelos religiosos e uma realidade a ser enfrentada pelos viajantes que

procuravam desbravar o território. O povoamento das Minas Gerais ganharia maior

intensidade com Antônio Rodrigues Arzão (? – 1700) nos sertões do Rio Casca, a

partir de 1692. A notícia de achamento de ouro na região das Minas Gerais fez que

um número elevado de pessoas se dirigisse para a região. Aventureiros vindos de

Portugal ou de outras partes da América procuraram a riqueza sonhada desde a

descoberta do Brasil. Na maioria das vezes, os bandeirantes não devassaram florestas,

mas se valeram dos caminhos abertos pelos índios. Muitas trilhas também poderiam

ser atribuídas aos animais como observa Sérgio Buarque de Holanda:

“E assim como o branco e o mameluco se aproveitaram não raro das veredas

dos índios, há motivo para pensar que estes, por sua vez, foram, em muitos casos,

simples sucessores dos animais selvagens, do tapir especialmente, cujos carreiros ao

longo de rios e riachos, ou em direção às nascentes d’água, se adaptavam

perfeitamente às necessidades e hábitos daquelas populações. Hábitos a que os

europeus e seus descendentes tiveram de se acomodar com freqüência nas viagens

terrestres[...]”.651

Caminhar pelos sertões impunha provações e também conhecer a trama das

matas. A possibilidade de ficar sem água nas incursões era uma das grandes

preocupações. O contato com o índio obrigou os colonos a conhecessem determinadas

espécies vegetais, como o umbuzeiro, o taquaruçu, o caraguatá e algumas espécies de

cipó, que poderiam aliviar a sede daqueles que seguiam pelas matas. Caminhos iam

sendo abertos pelos sertanistas e os deslocamentos se intensificaram pelo interior do

Page 277: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

277

território. Os rios e os caminhos sinuosos e íngremes faziam parte da aventura em

busca do ouro.652 O movimento desordenado de ocupação impediu a criação de uma

infra-estrutura para amenizar as condições de vida. O desejo de enriquecimento rápido

fez que pouca ou nenhuma atenção fosse dada à possibilidade de sobrevivência na

região no início do século XVIII.653

As menções ao mundo natural são muitas, porém registram uma visão de

paisagem sem aprofundamento na descrição do espaço, nas diferentes espécies da

fauna e da flora e suas particularidades. A penetração pelo território, por via terrestre,

ou por meio da bacia hidrográfica do Tietê, do Paraná, do Amazonas etc., registra

diferentes referências sobre a natureza brasílica.654 Na medida em que as terras foram

desbravadas, novos universos foram incorporados. Nas cartas e relatos, o mundo

natural pode aparecer em referências dispersas e comentários ou, de forma mais

elaborada ou detalhada, dependendo da intenção que movia a realização do registro.

Nos relatos dando conta do avanço pelo interior, a natureza foi observada pelo

caminho, impondo dificuldades ou dando prazer ao homem pela sua beleza. Além

disso, ela pode ser descrita pelos sabores mais diversos. A necessidade de alimentos,

em especial para os grandes deslocamentos, impunha ao viajante conhecer os sabores

de plantas, frutas, carnes de animais, aves e peixes.

Os núcleos que se formaram não tinham os recursos suficientes para se

manterem. A maioria dos produtos era trazida de fora para abastecer determinadas

regiões no interior do território. Uma complexa rede comercial se estabeleceu e de

diversas partes do território se formaram caminhos para atender às necessidades da

população, quanto a alimentos, tecidos e outros tipos de recursos, principalmente na

região das Minas Gerais, onde o ouro estimulava estas práticas. O ouro despertara a

cobiça de muitos homens e também o desejo de enriquecimento rápido, dando ensejo

às práticas de contrabando. O governo português procurou coibir os desvios de ouro,

exercendo controle sobre a entrada e saída na região mineradora. Os caminhos foram

sendo controlados como também a abertura de novas trilhas e picadas. Aventurar-se

pelo sertão era uma tarefa árdua, tendo em conta que a região oferecia grandes

dificuldades de acesso e as áreas povoadas eram escassas e sem mínima estrutura. Tal

condição deixava o viandante quase sem recursos de apoio pelo caminho.655

Page 278: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

278

Como se as dificuldades do relevo, do clima, da falta de recursos alimentares

não bastassem, havia os perigos da mata. Animais poderiam tornar a aventura mais

tenebrosa, como também os indígenas que se poderia encontrar pelo caminho, como

os relatos nos informam. Sem dúvida, a ousadia de se aventurar pelo interior deveria

ser grande, pois um ambiente inóspito e fantástico poderia se apresentar a qualquer

momento. Uma flora e uma fauna que precisavam ser enfrentadas.

Os tropeiros, naqueles idos, representavam um elo entre centros urbanos e as

regiões mais afastadas. Eram eles que levavam mercadoria, informações das mais

diversas, fazendo de fato uma circulação cultural e econômica. O povoamento e a

colonização de Minas Gerais no século XVIII constituíam um passo fundamental no

sentido da penetração rumo ao interior da colônia. O movimento bandeirantista e

posteriormente a exploração aurífera fizeram que Portugal abrisse novas rotas

comerciais que ligassem o litoral ao interior ou ao “sertão”.656

O sertão era temido pela diversidade de tribos indígenas. A fama dos

botocudos, por exemplo, uma das tribos mais temidas, marcava o imaginário daqueles

que se aventuravam pelas matas. A circulação de tropeiros e vaqueiros de diversas

regiões para Minas Gerais foi constante no decorrer do século XVIII. Estes homens

venciam o recortado relevo subindo e descendo morros e serras para abastecer a

região. São eles que registram as dificuldades do caminho, não só no que diz respeito

a aspectos geográficos, mas também no que tange à ação dos salteadores que

poderiam surpreender o viajante incauto. Contudo, a possibilidade de um

enriquecimento rápido fez que desvios e rotas alternativas fossem abertos na região

das Minas Gerais. Apesar da repressão dos governadores, as práticas de contrabando

foram constantes. A abertura de caminhos sem a prévia autorização da coroa

portuguesa era considerada crime de lesa-majestade, por colocar em risco a cobrança

de impostos.

O “sertão”, enquanto interior do território, estava presente nos relatos e

documentos desde o século XVI. O termo utilizado pelos portugueses desde a Idade

Média se referia de maneira genérica às áreas situadas em Portugal e distantes de

Lisboa. Após o movimento da descoberta, o termo passou também a ser empregado

para as possessões ultramarinas. A idéia que se tinha era de uma área desconhecida,

com a ausência da ocupação humana; de forma geral, o sentido era de grandes

Page 279: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

279

espaços interiores, pouco ou nada conhecidos. A descoberta de ouro, a partir do final

do século XVII e as transformações advindas desse fenômeno fizeram que o sertão

fosse mais ocupado e conhecido. Portanto, mais referenciado nos registros elaborados

pelas autoridades administrativas e viajantes. A imensidão do sertão, apesar de um

movimento de povoação, continuava a ser um território vasto, local de terras

afastadas, indomadas e habitadas por índios. Durante o período colonial, a idéia de

sertão estava envolvida em aspectos negativos, pois as terras desconhecidas eram

ameaçadoras para os homens, e para o colonizador o sertão era o espaço do outro. A

partir da leitura de oposição entre litoral e sertão, o conceito sobre o termo se altera e

evidencia uma percepção de espaços diferentes, mas complementares.

As bandeiras que saíam pelo território ampliaram os limites das terras

portuguesas da América. O movimento em busca de metais preciosos e do

aprisionamento dos indígenas permitiu que os bandeirantes paulistas rompessem com

os limites da ocupação litorânea.657

No final do século XVI e início do XVII realizaram-se as primeiras

expedições de investida pelo interior. A expedição de Nicolau Barreto, de 1602, é um

marco neste sentido. Contudo, a mais destacada é a de Antonio Raposo Tavares

(1598-1658), que avançou pelo sul em busca de reduções jesuíticas localizadas nas

terras pertencentes à Espanha, como também participou de outras expedições de

aprisionamento de índios, nos idos de 1628. A busca do ouro e as diversas tentativas

de penetração no interior para além dos rios do Planalto de Piratininga deixaram os

caminhos marcados por arraiais. Rapidamente, uma rede de pequenos núcleos

dispersos é formada ao longo dos vales e rios, obedecendo às práticas lusitanas na

escolha do sítio urbano. Se, por um lado os bandeirantes paulistas tiveram como

objetivo devassar sertões e explorar minas, por outro, foram responsáveis por abater e

dizimar milhares de índios, prática empreendida desde o século XVI. Muitos

moradores da vila se envolveram nas bandeiras e aventuraram-se pelos sertões,

caçando índios. Vencendo dificuldades, e por vezes sem recursos para se manterem,

estes homens acabaram por atacar tribos indígenas levando-as à destruição. Se o

espírito empreendedor e aventureiro era necessário para a exploração do interior, a

violência também era um dos elementos comuns nas relações entres os próprios

bandeirantes e deles para com os índios.

Page 280: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

280

Fernão Dias Paes Leme (1608-1681), morador da vila de São Paulo,

aventurou-se pelos sertões das Minas, caçando índios na serra de Apucarana. Com o

apoio da coroa portuguesa, explorou as matas do Serro Frio. Descobriu as minas de

Sabarabuçu e do Sumidouro. Seu poder não impediu que ele sofresse um atentado,

cometido por um filho bastardo, chamado José Dias Paes Leme. Ao tomar

conhecimento do atentado, Fernão Dias, entendendo que o caso exigia um castigo

exemplar a fim de evitar outras revoltas “negou-se ao amor e piedade do pai, e

obedecendo aos ditames da reta justiça, fez confessar ao réu e enforcá-lo à vista de

todo o arraial”.658

A violência, a miséria e as incertezas dos caminhos não impediram que outros

bandeirantes seguissem pelo sertão, criando pequenos aldeamentos que dariam origem

às primeiras povoações do interior paulistas. Violência que muitos dos relatos

apontavam apenas existir na natureza.

A descoberta de ouro em pequenas quantidades, na atual região das Minas

Gerais, acabou por estimular os sertanistas a explorarem mais o local. Neste sentido,

destaca-se a exploração das minas de Cataguás, em 1676, por Lourenço Castanho

Taques. No final do século XVII, quando as descobertas de ouro de aluvião nos leitos

dos rios do interior aumentavam, alguns arraiais, como o de Sabará, já se destacavam.

Em 22 de março de 1682, por meio de uma provisão, a vila de São Paulo foi elevada à

categoria de cabeça de capitania, revelando que o planalto sobrepujava o litoral.

Contudo, o avanço pelo interior ficava comprometido devido às dificuldades

dos caminhos que ligavam São Paulo ao sertão. O governo português esboçou ações

no sentido de melhorar as condições de acesso de São Paulo e do Rio de Janeiro para

o interior, mas não havia recursos, nem tampouco meios adequados para fazê-lo. A

vastidão do território aprofundava ainda mais as dificuldades.

Nos caminhos formaram-se pequenos núcleos urbanos e rurais que visavam a

dar suporte ao viandante. Contudo, estas áreas tinham carências enormes. Dentre os

grandes caminhos se destacavam o Caminho Velho, que se aproximava da Bandeira

de Fernão Dias, de 1674-1681. Ele ligava as vilas paulistas e Parati a São João del-Rei

e seguia para Vila Rica. O Caminho Novo, aberto entre 1698 e 1725, fazia a ligação

entre o Rio de Janeiro e Ouro Preto. Outro trajeto importante era o Caminho da Bahia,

que unia a região de Sabará ao Recôncavo Baiano. Na região interiorana havia

Page 281: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

281

caminhos que ligavam as vilas, como o caminho que ligava Vila Rica ao Arraial do

Tijuco.

No caminho que ligava o Rio de Janeiro a Vila Rica, havia diversas

propriedades em que os moradores tinham feito roças e paióis e aberto caminhos fora

do alcance da patrulha do mato. Estes, como outros caminhos, revelavam que a

administração portuguesa não conseguia controlar o povoamento na região das Minas

Gerais e nos caminhos de acesso.

A necessidade de deslocamento por terra ou mar fazia que os viajantes

enfrentassem ora um rio colossal, ora tempestades mortais. Era preciso ser um homem

bravo e valente, persistente e engenhoso, para se deslocar das terras européias e

enfrentar as rotas desconhecidos das terras americanas. Provações que provocavam o

desânimo revelado por alguns sinais de cansaço.659

Manoel de Borba Gato (1649-1718) ao explorar o ouro na região de Sabará e

obter êxito, acabou dando início a uma ocupação desenfreada na região. A notícia de

achamento de ouro logo atraiu grande quantidade de indivíduos. Aventureiros em

busca de riquezas, criminosos fugidos da justiça, dentre outros, seguiram em busca do

sonho do ouro. Enfim, descobriram-se vestígios do metal precioso há tanto tempo

desejado pela coroa portuguesa.

A produção mineradora ocorreu primeiro na beira dos rios e córregos, onde os

exploradores arrancavam o cascalho, lavando e apurando para encontrar ouro nas

bateias, sendo que, nesta fase, a maior parte do ouro era de aluvião. Deste movimento

surgiu a ocupação das minas, com arraiais no final do século XVII e início do XVIII,

sendo erguidas as primeiras capelas como a de São João, Padre Faria e Antônio Dias.

As condições de ocupação eram as piores possíveis, tendo em vista a maioria dos

exploradores não se preocuparem em criar bases adequadas para a sobrevivência

numa região marcada pela ausência de recursos. A miséria contrastava com a riqueza

do ouro: se o ouro era encontrado cada vez em maiores quantidades, a ausência de

gêneros alimentícios era um problema a ser enfrentado, como observou Laura de

Mello e Souza.

Não tardaram as disputas violentas pela posse do local e pelo direito de

exploração. Os paulistas alegavam que tinham o direito exclusivo às terras por eles

Page 282: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

282

descobertas, enquanto os forasteiros (emboabas), na maioria vindos de outras regiões,

desejavam ter acesso às terras e as riquezas.

A Guerra dos Emboabas (1707-1709) revelou antagonismo de interesses entre

paulistas e forasteiros, e o desejo de ambos quanto a defenderem o controle sobre a

região. Manuel Nunes Vianna, que lutava pela causa dos emboabas, foi aclamado

chefe das Minas, despertando a ira dos paulistas que diante da ameaça dos ataques já

tinham fortificado alguns arraiais para a defesa. O confronto foi inevitável. Os dois

grupos se enfrentaram em 1708 nas proximidades do rio, atualmente conhecido como

Rio das Mortes. Após algumas batalhas, os paulistas foram derrotados, o que levou a

coroa portuguesa a intervir de forma a manter o controle sobre a região, frente às

disputas sangrentas que ocorreram.

A notícia da derrota dos paulistas chegou à vila de São Paulo e logo a

população se manifestou no sentido de preparar a vingança, que foi atalhada por

interferência do governo português. Caberia ainda aos paulistas um novo momento de

conquistas. O sonho de descobrir e lavrar minas para conquistar fortuna tornou-se

uma febre. Na medida em que cresceu a exploração na região das minas, outras

regiões foram sendo exploradas. Paschoal Moreira Cabral (1654-1730) descobriu as

minas de Cuiabá em 1719 e Bartolomeu Bueno filho, entre 1725 e 1726, descobriu as

minas de Goiás.660

No século XVII, a província de São Paulo tinha conquistado um espaço

importante no cenário colonial. As povoações do litoral e do interior cresciam com o

avanço dos bandeirantes. Em janeiro de 1711, a Vila de São Paulo de Piratininga foi

elevada à categoria de cidade. Contava então com uma população reduzida de três mil

habitantes, incluindo brancos, índios e negros. O governo português atuou no sentido

de efetivar um controle mais rígido nas capitanias do sul, tendo em vista a crescente

exploração aurífera na região bem como o aumento de levantes populares.

Em 1720, a região das minas é desmembrada de São Paulo, recebendo o nome

de capitania de Minas Gerais. São Paulo continuava a compreender todo o sertão

interior que ia até a região do rio da Prata, excetuando as Minas Gerais. Em 1748, a

região das minas de Cuiabá e Goiás foi desmembrada de São Paulo, dando origem

respectivamente as capitanias de Mato Grosso e Goiás.

Page 283: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

283

A transferência da capital da colônia para o Rio de Janeiro permitiu utilizar o

porto da cidade para abastecer o mercado consumidor da região mineradora. Por

decorrência, a fluxo de mercadorias no porto de Santos decai. Concomitantemente, há

o fortalecimento do governo do Rio de Janeiro passando para a sua jurisdição os

distritos marítimos de Santa Catarina, Laguna e São Pedro do Sul (atual Rio Grande

do Sul), que pertenciam à capitania de São Paulo. A própria capitania de São Paulo

foi submetida ao governo do Rio de Janeiro, e a cidade de Santos ficou sendo o local

de residência dos governadores, a fim de que a comunicação com o governo do Rio de

Janeiro fosse mais adequada, e também para garantir a defesa do território na região

sul ameaçado pelo ataques de espanhóis.

Os paulistas manifestaram-se contrários à determinação real e fizeram

representação para que a liberdade da capitania fosse restaurada, com sede na cidade

de São Paulo. Pela Carta Régia, de seis de janeiro de 1765, a solicitação dos paulistas

é acolhida; foi restabelecida a Capitania de São Paulo e nomeado o primeiro

governador da província dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão (1722-1798),

conhecido como Morgado de Mateus, que passou a governar no Palácio do Governo,

localizado no antigo colégio jesuítico, tendo em vista a expulsão dos jesuítas, cujos

bens passaram para o governo.661

A posse do novo governador foi um dos grandes momentos da cidade, que

festejou com intensidade; a Câmara Municipal ordenou aos moradores limparem suas

casas e as ruas e manterem acesas as luminárias durante três dias. Morgado Mateus,

após assumir o governo empreendeu o recenseamento da população dos moradores da

área central, não incluindo o número de escravos. Em 1766, São Paulo contava com

mais de mil e quinhentas pessoas.

As descobertas de ouro pelos bandeirantes paulistas provocaram um impacto a

São Paulo. A partir do momento em que as notícias das descobertas se espalharam

pelas diversas regiões da colônia portuguesa, o fluxo de aventureiros em direção às

minas foi intenso. As conseqüências desse movimento para São Paulo podem ser

observadas na diminuição da atividade agrícola e pastoril, uma vez que havia falta de

braços para o cultivo e a criação.

O abastecimento da região mineradora foi um desafio pois, havia gente demais

para ser alimentada.662 Esta situação agravava-se se considerarmos a longa distância

Page 284: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

284

que separava a região dos centros de produção, as dificuldades de produção e de

obtenção de moedas, bem como de transporte, aprofundando a crise.663

Com o decorrer dos anos e a crescente necessidade de abastecer a população

da região mineradora, observa-se um estímulo às atividades econômicas na região

Centro-Sul, sendo que os paulistas seriam responsáveis pelo abastecimento da região

com suas tropas. Nos caminhos que levavam às minas era possível encontrar diversos

tropeiros que seguiam para a região a fim de vender toda a sorte de mercadorias que

fossem necessárias.664

No interior da província destaca-se a região de Sorocaba que se especializou

na comercialização de muares para a carga, que normalmente acontecia entre os

meses de abril e maio. Os tropeiros que circulavam pela cidade tinham como destino a

região das Minas Gerais. Eram eles que abasteciam a cidade com produtos de

necessidade básica para a alimentação, bem como de produtos de luxo, procurados

por aqueles que enriqueceram com a atividade mineradora. Nos primeiros anos as

mercadorias eram conduzidas nas costas dos escravos, mas após a abertura de novos

caminhos e a manutenção dos trechos terrestres o uso de mulas passou a ser comum

para o transporte de mercadorias.

O descobrimento e a exploração do ouro e das pedras preciosas definiram a

forma de ocupação da capitania mineira. A concentração de habitantes no interior

dinamizou um movimento de rotas de abastecimento pelo interior. Nas adjacências e

nos caminhos que conduziam às minas, pequenos produtores rurais se estabeleceram,

visando a obter lucro com a exploração aurífera. Maria Odila Leite da Silva Dias foi

uma das primeiras historiadoras a chamar a atenção para “a interiorização dos

interesses metropolitanos na colônia” na obra organizada por Carlos Guilherme Mota,

“1822: dimensões”. 665

Claudia Maria das Graças Chaves na obra “Perfeitos Negociantes: Mercadores

das Minas Setecentistas” abordou a interiorização da metrópole e do comércio nas

Minas Setecentistas, explorando como se formou a rede para fornecimentos de

gêneros básicos para o sustento da população. A dinâmica de comércio envolveu tanto

os pequenos produtores rurais como comerciantes estabelecidos em Portugal e nas

cidades do Rio de Janeiro e Salvador, procurando atender às necessidades da

população, com a oferta de produtos necessários para a sobrevivência. Do reino

Page 285: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

285

provinham diversos produtos como alimentos, roupas, móveis, objetos, instrumentos

agrícolas, dentre outros, contribuindo para dar uma nova dinâmica à economia

colonial, até então baseada na economia açucareira. O trabalho contribui no sentido de

problematizar a importância da agricultura de subsistência e a constituição de um

mercado de abastecimento interno, questões que já tinham sido apresentados por

alguns cronistas. Ao analisar o mercado interno colonial, a autora buscou caracterizar

a especificidade do comércio na região das minas e como este se articulava aos

demais mercados regionais.

Os tropeiros seguiram as veias abertas pelas trilhas indígenas e abriram novos

acessos às mais diversas regiões que foram sendo incorporadas no decorrer da

ocupação portuguesa. O casco das mulas transformava os caminhos, marcando o

traçado das vias de acesso. O lamaçal era comum e nele as mulas carregadas

atolavam, exigindo esforço dos tropeiros para recuperar a carga e não perder o animal.

Esta era a aventura que todos tinham que vencer para chegar a alguma localidade no

interior do território brasileiro. Moradores e viajantes compartilhavam de um caminho

cheio de aventuras e de uma natureza muito mais contemplada do que registrada nos

seus detalhes. Mafalda Zemella, explica sobre o papel dos tropeiros como homens

que:

“Passaram a serem respeitados por seu poder econômico e político, além de ter

também se tornado figura extremamente popular, o tropeiro, se no princípio da era

mineradora teve qualquer cousa do antipático, pela especulação que fazia dos gêneros,

aos poucos foi adquirindo, ao lado da função puramente econômica de abastecedor

das Gerais, um papel mais social e simpático de portador de notícias, mensageiro de

cartas e recados [...]”.666

A dinâmica do comércio e as práticas dos comerciantes foram objetos de

estudos a fim de compreender a complexa estrutura de abastecimento. Neste sentido,

destaca-se, como mencionamos acima, a figura do tropeiro que era o responsável pelo

transporte de mercadorias de diversas regiões para as minas. Era por meio dele que se

garantia a circulação dos produtos, tanto aqueles da colônia, como aqueles

provenientes de Portugal e de outras partes do império português. A pulsação

comercial que se estabeleceu, principalmente na segunda metade do século XVIII,

Page 286: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

286

revela uma intensa circulação de produtos como o de um mercado ávido pelo

consumo.667

Neste aspecto, destacaram-se duas práticas de comércio: a de produtos

internos e os provenientes das metrópoles, com modo de funcionamento próprio; as

práticas comerciais internas gozavam de uma relativa autonomia e não chegavam a

ser totalmente controlados pela metrópole; isto é o que indicam os documentos

consultados referentes aos códices dos livros de registro ou de passagem da Delegacia

Fiscal, analisados pelo estudo. Claudia Maria das Graças Chaves procurou identificar

as rotas que levavam às Minas, buscando conhecer os produtos controlados pela

fiscalização. Nessa rede de circulação foi possível identificar diversos comerciantes

de diferentes produtos que eram registrados como milho, feijão, linho, açúcar, arroz,

trigo etc., indicando o crescimento da exploração agrícola.668

Júnia Furtado contribuiu para a discussão das atividades comerciais nas Minas

Gerais, na sua obra "Homens de Negócio: A Interiorização da Metrópole e do

Comércio nas Minas Setecentistas”. Ao analisar a correspondência entre o homem de

negócio português Francisco Pinheiro e seus agentes comerciais, estabelecidos nas

comarcas de Rio das Velhas, Serro Frio e Ouro Preto, entre 1712 e 1744, a autora

traçou o perfil de um grande comerciante que trabalhava entre Portugal e o Brasil,

considerando o momento econômico de Portugal, em especial as Companhias de

Comércio. Seu objetivo foi ressaltar as relações que se estabeleceram nas minas e os

interesses da coroa portuguesa no comércio, revelando os diferentes propósitos

circundantes nas práticas comerciais. Num primeiro momento, foram evidenciados os

interesses portugueses que se expandiam nas Minas Gerais. A exploração aurífera

demonstrou preocupação com o controle do abastecimento e transporte de

mercadorias, no que dizia respeito à arrecadação de impostos. A aparente riqueza da

capital das Minas Gerais foi questionada por Junia Furtado que lançou luz sobre o

mecanismo de endividamento da população, muitos deles extremamente dependentes

dos comerciantes. 669

Ao estudar o perfil dos interesses de Francisco Pinheiro, a historiadora observa

que o comerciante procurou diversificar as suas atividades, com interesses nas áreas

de mineração, agricultura e pecuária, além daquelas ligadas diretamente às práticas

comerciais no meio urbano. Além disso, há preocupação com a gestão dos negócios,

Page 287: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

287

demonstrada pela expedição de instruções e ordenações para que o sistema

funcionasse, fazendo as cobranças aos seus agentes. Nesse sentido, o trabalho

contribui para entender o processo de expansão e interiorização da colônia para o

interior da América Portuguesa. O estudo estava atento à conjuntura histórica onde o

comerciante atuou, destacando os principais entraves com os administradores, as

dificuldades que o tempo impunha os levantes, dentre outros aspectos.

Este movimento de interiorização ganhou dimensões diferentes em outras

regiões do território, principalmente naquelas áreas onde a defesa da soberania

portuguesa se fazia necessária.

O bandeirante paulista Manoel de Campos Bicudo (? – 1681), chegou a

Cuiabá por volta de 1673, formando o primeiro arraial conhecido pelo nome de São

Gonçalo, santo padroeiro dos navegantes. Antônio Pires de Campos, filho de Manoel

de Campos Bicudo (? -1681), retornou à região em 1717, aprisionando alguns índios.

Naquele momento, a Bandeira de Pascoal Moreira também realizava suas investidas

pela região, capturando índios, ao mesmo tempo em que se dedicava ao garimpo e às

primeiras descobertas de ouro.

Em 8 de abril de 1719, Pascoal Moreira Cabral assinou a Ata de Fundação de

Cuiabá, notificando, em seguia, o Governador da Capitania, Dom Pedro de Almeida

Portugal (1688-1756), Conde de Assumar. No momento seguinte, observa-se uma

intensa migração para a região, causando um desordenado povoamento. A

organização e administração da região, mais efetiva, só ocorreriam em 1726, com a

chegada do Capitão-General, Governador da Capitania de São Paulo, Dom Rodrigo

César de Menezes. Em 1.º de janeiro de 1727, o arraial foi elevado à categoria de vila,

com o nome de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. A cobrança de impostos e

a produção aurífera incipientes forçaram muitos habitantes a abandonar a região.

O pantanal representou uma barreira, para muitos, intransponível ao avanço

rumo ao centro e noroeste de Mato Grosso. As dificuldades que a natureza impunha

fizeram que as intenções expansionistas fossem sendo construídas num processo mais

intenso no decorrer do século XVII. As investidas do bandeirante Antônio Raposo

Tavares, sob o auspício régio, é um exemplo marcante desse momento. Como bem

lembra Sérgio Buarque de Holanda, em “Visões do Paraíso”, “o que saiam a buscar

em nossos sertões tantas expedições custosamente organizadas, não era tanto o ouro

Page 288: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

288

como a prata. E nem eram diamantes, senão esmeraldas. Em outras palavras: o que no

Brasil se queria encontrar era o Peru, não era o Brasil”.670

Para estabelecer os tratados que definiram as fronteiras da América, entre

Espanha e Portugal, o reino lusitano determinou a organização de expedições que

tivessem como objetivo a exploração dos rios e o conhecimento das áreas limítrofes

empreendendo-se registros potamográficos e o levantamento de todas as informações

possíveis sobre a região.671 As cartas enviadas por Marco Antônio de Azevedo

Coutinho, secretário de Estado, ao Visconde Tomás da Silva Teles, incumbido das

negociações apontam para o cuidado do levantamento da região entre os anos de 1733

e 1737. As bacias dos rios Amazonas, Paraguai e Prata eram consideradas pelo

governo português como fronteiras naturais das suas possessões na América.672 A

construção do conhecimento sobre a natureza na segunda metade do século XVIII

tinha um objetivo pragmático que era o de apresentar suporte para a administração

portuguesa. Contudo, o problema da ocupação e defesa do interior do território era

mais premente.

Em 9 de maio de 1748, o governo português criou a Capitania de Mato

Grosso, desmembrando-a da Capitania de São Paulo, e nomeou para o cargo de

governador o capitão-general dom Antônio Rolim de Moura Tavares. Um dos

objetivos do novo capitão era fundar a capital da província à margem direita do rio

Guaporé. No dia 19 de março de 1752, era fundada a Vila Bela da Santíssima

Trindade, atual capital do Estado de Mato Grosso.

A região de fronteira preocupava a coroa portuguesa, tanto pela falta de

controle da saída de ouro das minas do rio Cuiabá, como pelos quilombos e pelas

práticas de comércio ilícito. Os governadores e seus oficiais não tinham controle

sobre os desvios e desmandos de revoltosos e aquilombados. Além disso, a região era

procurada por vadios e criminosos que procuravam faiscar na região. Eles

atravessavam a fronteira, avançavam para terras espanholas e seguiam para as missões

religiosas de Moxos e Chiquitos.

A descoberta de ouro nas terras brasílicas despertou o interesse de outras

nações, que nem sempre respeitaram o domínio português sobre a região. Du Guay-

Trouin, comandando uma esquadra de navios corsários, armada por homens de

negócio de Saint-Malo (França), bombardeou a cidade do Rio de Janeiro, em 1711.

Page 289: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

289

Seu olhar para esta cidade mirava a estrutura militar. René Du Guay-Trouin foi

comandante geral da armada de França e comendador da ordem real e militar de São

Luís, que era considerada de grande distinção na França. Ele era conhecedor dos

mares e das artes militares, atuando como corsário, conforme os interesses da coroa

francesa. Guay-Trouin dirigiu-se ao Brasil para servir aos interesses do seu reino.

Montou uma expedição com recursos amealhados entre burgueses e nobres. Nos idos

de 1689, ele partiu para a vida no mar, com a permissão da família; como voluntário,

serviu na fragata armada para atacar os inimigos da França.

Seu início no mar não foi fácil, principalmente por causa das tempestades, em

meio às batalhas. Num dos confrontos com o poderoso corsário de Fessinge, a fragata

em que seguia o atacou. Ao se aproximar da embarcação para saltar e duelar com os

inimigos, Guay-Trouin registra que a embarcação foi lançada em direção à outra; com

esse movimento, o contramestre da fragata francesa caiu entre as duas naves;

repetindo-se o movimento, ele foi esmagado, conforme registra Guay-Trouin: “parte

do cérebro veio colar-se-me à roupa”. Esta experiência traumática mostrava a

importância de saber equilibrar-se no navio quando as vagas arremessavam o navio. A

morte pavorosa foi uma das lições que Guay-Trouin aprendera, junto com todos os

horrores de um naufrágio. Outras lições revelaram ainda mais o infortúnio dos mares

levando grande parte de tripulações à morte, quando uma epidemia se instalava a

bordo. Tudo era possível, quase nada era previsível.673 O ataque à cidade foi rápido e

Guay-Trouin obteve êxito. Após o saque da cidade, negociou a liberdade em troca de

resgate.674

O interesse pelas terras coloniais da América Portuguesa causou a circulação

de registros históricos sobre a colonização. O coronel Sebastião da Rocha Pita (1660-

1738) escreveu a “História da América Portuguesa”, texto que contribui para a

compreensão da história das terras brasílicas. Segundo o autor, o novo mundo ficara

muitos séculos escondido, sem que nenhum por aqui passasse. As terras eram

vastíssimas e havia um:

“felicíssimo terreno em cuja superfície tudo são frutos, em cujo centro tudo

são tesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus

campos o mais útil alimento, as suas minas o mais fino ouro, os seus troncos o mais

suave bálsamo, e os seus mares o âmbar mais selecto; admirável país, a togas as luzes

Page 290: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

290

rico, onde prodigamente profusa a natureza se desentranha nas férteis produções, que

em opulência da monarquia e benefício do mundo apura a arte, brotando as suas canas

espremido néctar, e dando as suas frutas sazonada ambrosia, de que foram metida

sombra o licor e vianda que aos seus falsos deuses atribuiu a culta gentilidade”.675

Sebastião da Rocha Pita exaltava as terras com elementos que remetiam ao

século XVI, onde o espaço de um local fantástico conquistava grande dimensão. A

região mostrava um céu sereno e o sol brilhava de forma diferente dos outros

hemisférios, destacando-se pelos raios dourados. A noite não impunha o frio europeu

e o seu estrelado era digno de ser contemplado. As águas abundantes e puras

tornavam a terra atrativa:

“é enfim o Brasil terreal paraíso descoberto, onde têm nascimento e curso os

maiores rios; domina salutífero clima; influem benignos astros, e respiram auras

suavíssimas, que o fazem fértil e povoado de inumeráveis habitadores, posto que por

ficar debaixo da tórrida zona o desacreditassem e dessem por inabitável Aristóteles,

Plínio e Cícero, e com gentios os padres da Igreja Santo Agostinho e Beda, que a

terem experiência deste feliz orbe, seria famoso assunto das suas elevadas penas,

aonde a minha receia voar, posto que o amor da pátria me dê as asas, e a sua grandeza

me dilate a esfera”.676

De forma breve e ufanista faz o registro de como se processou a descoberta

das terras de Santa Cruz, segundo ele, este foi “o primeiro nome desta região, que

depois esquecida de título tão superior, se chamou América, por Américo Vespúcio, e

ultimamente Brasil pelo pau vermelho, ou cor de brasas, que produz”.677 O “opulento

império do Brasil” localizado no hemisfério antártico era vasto e possuía uma forma

triangular que principiava no rio das Amazonas e terminava na região do Rio da Prata.

As terras eram dignas pela sua imensidão e riquezas, sendo algumas florestas

impenetráveis. O território era representado de forma oscilante, pois, “aquela mesma

rudeza, que o representa horrível, o faz admirável”. A natureza provera o local de

serras, terras férteis e algumas delas inúteis. A descrição não difere de um paraíso

terral, onde a natureza:

“Fez portentosas lagoas, umas doces, e outras salgadas, navegáveis de

embarcações e abundantes de peixes; estupendas grutas, ásperos domicílios de feras;

densos bosques, confusas congregações de caças, sendo também deste gênero

Page 291: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

291

abundantíssimo este terreno, no qual a natureza por várias partes depositou os seus

maiores tesouros de finos metais e pedras preciosas. E deixou em todo ele o retrato

mais vivo e o mais constante testemunho daquela estupenda e agradável variedade

que a faz mais bela”.678

As serras e os montes das terras brasílicas, possíveis de serem encontrados em

toda a extensão do território, não poderiam ser desmerecidos quando comparados com

os da África e os da Grécia. Da mesma forma, diferentes rios, de larguras variadas,

com abundância de água, eram localizados por toda extensão dos domínios

portugueses.679 Estas propriedades com grande produção de frutos, árvores e lavouras

fizeram da sua exploração um elemento importante para a economia portuguesa. A

terra produzia de forma copiosa o que se plantava nela. A cana-de-açúcar era

cultivada por diversos sítios e em maior profusão nas terras chamadas de massapés.

Sebastião da Rocha Pita descreveu brevemente o processo produtivo nas suas distintas

etapas, destacando os instrumentos necessários para o fabrico do açúcar.680

Dentre as produções se destacava a do tabaco, sendo de várias qualidades,

chamado “erva santa, o luxo dos homens lhe faz degenerar em vícios as virtudes, é tão

melindrosa, que na sua criação qualquer acidente a destrói, assim como no seu uso

qualquer sopro a desvanece”. Seu cultivo, nas capitanias do norte, exigia cuidado,

pois o sol e a chuva em excesso poderiam causar danos às plantas, com lagartas e

mosquitos. A colheita, feita entre agosto e fevereiro, exigia que as folhas estivessem

amarelas. Retirado o talo, as folhas sobrepostas eram torcidas, repetindo-se a operação

por diversas vezes, fazendo rolos que eram cobertos por couro. Sebastião da Rocha

Pita demonstrava preocupação em esclarecer as melhores formas de exploração, como

era a produção, conforme a qualidade das terras.681

De forma idêntica aos seus antecessores, deu papel de relevo para a raiz de

mandioca, destacando o cultivo e suas formas de preparo, que servia de alimento

básico para os índios e colonos. A característica das raízes enterradas e ao natural

serem venenosas, davam a distinção à espécie. Do mesmo gênero, ressaltava que

havia outras raízes que eram consumidas cozidas ou assadas e lembravam as

“castanhas de Portugal”.682

O arroz era cultivado com grande produtividade na capitania da Bahia, e na

região do Pará a produção era feita sem necessidade de semear, pois os brejos

Page 292: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

292

produziam em abundância. Todavia, a qualidade do arroz variava; os cultivados nas

capitanias do sul produziam grãos maiores. Outros cultivos se destacavam como trigo,

feijão, milho, favas, ervilhas, gergelim, batatas, inhames, carás brancos, roxos e de

outras espécies. As árvores produziam pinhões e castanhas que eram consumidos ao

natural, cozidos ou assados.

Das ervas naturais havia quiabos, jilós, maxixes, taiobas, dentre outras. Estas,

com as hortaliças vindas da Europa como as alfaces, couves, repolhos, nabos,

cenouras, pepinos, espinafres, abóboras, cebolas, alhos, mostarda, hortelã, poejo,

coentro, salsa, manjerona, manjericão, alecrim, arruda e losna, garantiam um sustento

farto. Conhecendo as referências feitas pelos antigos afirmava que:

“As outras ervas naturais são inumeráveis, e tão ativa a virtude de algumas,

que se alcançaram a notícia e experiência delas Dioscórides e Plínio, seriam o maior

emprego das suas penas e observações. O conhecimento dos seus efeitos nos

ocultaram sempre os gentios, tenazes do segredo e avaros dos bens que lhes concedeu

a natureza; porém de alguns mais domésticos, e da experiência que a falta de outros

remédios deu aos penetradores dos sertões, onde não havia boticas, nem medicinais,

se veio a conhecer a sua força, e a exercer a sua prática”.683

Para Sebastião da Rocha Pita, a natureza amava esconder-se e que dela

provinham os recursos para alimentação e para a cura. Seu conhecimento sobre as

propriedades de algumas plantas, referenciado no senso comum, foi apresentado na

obra. Para ele as ervas mais célebres eram:

“a samambaia, que solda todas as quebraduras; a capeba, que desfaz todos os

apostemas; a erva-de-leite, que alimpa de todas as belidas e névoas aos olhos; o mata-

pasto, que tira as febres; a caroba, que tira as boubas; o ananás, que expulsa a pedra; o

coroatá, que arroja as lombrigas; a butua, que conforta os estômagos, e expele as

dores de cabeça; o mil-homens para mil enfermidades, e outras para várias queixas,

ou tomadas em potagens, ou postas como remédios tópicos: há também erva-de-rato

para matar, e tanharon para atrair; outras libidinosas, que provocam a lascívia, das

quais é mais conveniente ocultar a notícia, e calar os nomes”.684

As ervas serviam para curar as enfermidades, mas também para despertar

desejos lascivos indesejáveis numa sociedade cristã. A natureza poderia regular o

Page 293: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

293

organismo a partir das espécies da flora, mas também poderia conduzir a

desregramentos do comportamento.

As flores européias e de outras partes haviam se aclimatado com facilidade nas

terras tropicais, que também possuíam outras de igual beleza. A flor do maracujá,

associada de forma sistemática a paixão de Cristo, descrita como: “folhas cumuladas

ao pé o calvário, em outras peças a coluna, os três cravos, a coroa de espinhos, e

pendentes em cinco braços, que com igual proporção se abrem da coluna para a

circunferência, as cinco chagas; de cada três, com atenção, se forma a cruz, e no ramo

em que se prende o pé, se vê a lança”. Dentre as flores que mais se destacavam,

estavam as rosas nativas, as flores de São João, com seu amarelo intenso, além de

boninas de diversas qualidades, roxas e brancas, flores da quaresma, jasmins,

açucenas e outras mais.685

Das frutas naturais da terra, o ananás era citado como o rei de todas, associado

à sua coroa. Na seqüência eram mencionadas pitombas, pitangas, maracujás, araçás,

goiabas. Cada uma delas possuía características diferentes, umas consumidas ao

natural, permitiam um efeito refrescante ao paladar. Juntando-se o açúcar poderiam se

fazer conservas e doces que deleitavam a todos. Havia cocos, de diferentes gêneros,

que além de fornecerem a água suave e fresca eram utilizados na composição de

diversos pratos. Frutas-do-conde, bananas, mangabas, mocujés, mamões, muricis,

cajus, cajás, jenipapos, jabuticaba, umbu, dentre outras frutas eram um banquete ao

paladar, além de possuírem um aroma atraente. 686

As descrições feitas por Sebastião da Rocha Pita procuraram destacar sempre

a utilidade da natureza para o homem, evidenciando que este tipo de registro não

desapareceu no universo de caracterização da terra brasílica. Enquanto algumas

espécies são descritas de forma rápida, outras, como o cacau, merecem descrições

detalhadas incluindo o seu benefício e os problemas enfrentados no cultivo. Afirmava

o autor que:

“O cacau, cujo fruto não tem flor, é árvore de mediana altura, de ramos mui

apartados do tronco; nasce o pomo todas as luas, sendo mais perfeitos os do verão;

tem a forma de um pequeno melão, a cor amarela, suave o cheiro, e dentro umas

poucas pevides menores que as amêndoas, mas do mesmo feitio, que são o que

propriamente chamam cacau, e dão o nome à árvore e ao pomo; a polpa deste,

Page 294: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

294

desfeita em licor suave, serve de regalado vinho aos naturais; as amêndoas ou pevides

secas ao sol é a matéria principal do chocolate: produzem em terras úmidas e

alagadiças; semeiam-se os grãos, frescos, porque secos não nascem, e os troncos se

vão dispondo em forma de bem ordenados pomares: o benefício é mais fácil aos que

cultivam as árvores, que o resguardo dos frutos, sempre combatidos e penetrados dos

pássaros”.687

A baunilha nascia em delgadas varas compridas, sempre verdes e cheias de

apartados nós, com duas folhas em cada um. Na época certa ficavam negras e no

miolo dela havia uns grãos pequenos que pareciam óleo, com um aroma pronunciado,

“sendo o primeiro ingrediente do chocolate”. O anil, o algodão, o urucum, a tarajuba

existiam em quantidade e eram exploradas e utilizadas.

As madeiras também foram exaltadas, lembrando o texto de Gabriel Soares de

Souza. Sebastião da Rocha Pita destacava as madeiras pela “formosura, preço,

grandeza e incorruptibilidade”, afirmando enfático: “são as melhores do mundo”. A

importância delas era significativa e, segundo ele, uma delas daria o nome à terra.

Além do pau-brasil, foi destacado o jacarandá, o sassafrás, o pequiá, o vinhático, os

angelins, o cedro, a jataipeva, a maçaranduba, o potumuju, o louro, o bacuri, a

guabirana, o jandiroba, o pau-ferro, o pau-de-arco, a sapucaia e outros troncos de

qualidades variadas.

Dentre os animais, designados por Sebastião da Rocha Pita como “irracionais

viventes sensitivos”, além daqueles se criavam pela terra como bois, carneiros,

cabritos e porcos, havia outras feras, como:

“tigres, onças, antas, suçuaranas e javalis, que chamam porcos-domato; estes

de duas castas, uns nomeados caetetus, outros queixadas-brancas. Em gêneros de

cobras monstruosas, a jibóia, tão grande, que se alcança o maior touro, o prende com

a cauda, e apertando-lhe os ossos lhos quebra e o come. A surucucu, posto que

inferior, faz o próprio ao gado menor. Dos bichos asquerosos, a preguiça, de tão tardo

movimento, que apenas se lhe enxerga o curso, e em poucos passos gasta todo um dia.

O camaleão, também fleumático, sem embargo de beber as cóleras ao vento. Os

sarigués, piratas das criações domésticas. Os guaribas, de triste e porfiado canto nas

árvores, e os guassinins, que são do seu coro e solfa”.688

Page 295: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

295

Este quadro, que dava uma composição sintética da fauna brasílica, registrava

uma visão superficial, sendo mencionados também sagüis, gambás (destacado pelo

seu cheiro), capivaras, cotias, tatu, pacas e veados que eram caçados. De maneira

similar, era apresentado o conjunto das aves, que se destacavam pela plumagem ou

por sua carne ser consumida com regalo, como: juritis, perdizes, arapongas, mutuns,

jacus, jacutingas, emas e outras castas. Papagaios, periquitos, tucanos, araras e

canindés eram registrados pelos sons que emitiam, como os sábias, patativas, canários

que agradavam pelo canto e pela cor “que os fazem parecer flores volantes nos jardins

da esfera”.

Se na terra havia muitas espécies dignas de registros, no mar e rios não

faltavam “riquezas da nossa América portuguesa”. O pescado era infinito, e Sebastião

da Rocha Pita só mencionasse os “mais notáveis”: “baleias, beijupirás, cavalas,

garoupas, vermelhos, corimás, pâmpanos, carapebas, parus, ubaranas, guaracemas,

jaguaraçás, camoropins, olhos-de-boi, dourados e xaréus; este último, ainda que muito

vulgar pela sua quantidade, merece especial notícia pela grandeza de sua pescaria, e

por ser o sustento dos escravos e do povo miúdo da Bahia”.689

O vasto litoral da colônia brasílica favorecia o pescado o ano todo. A pesca da

baleia permitia a abundância de toucinho e carne, mas o animal tinha “olhos

medonhos”, bem como a boca com uma língua pesada medindo “doze palmos, seis de

grossura, e destila uma pipa de azeite: dezesseis a baleia toda”. A carne da baleia era

toda aproveitada e rendia aos cofres da coroa portuguesa uma soma vultosa a cada

ano. Sebastião da Rocha Pita ressaltava que o “amor, que este monstro tem aos filhos,

é também monstruoso, por eles se deixam matar, pois segurando-os a este fim

primeiro os arpoadores, os seguem elas até à última respiração dos seus alentos”. O

consumo era difundido, gerava ganância; o autor registrou que a carne da baleia era

utilizada na alimentação de escravos, e o óleo na iluminação das casas e oficinas. Os

mariscos, polvos, lagostas, lagostins, santolas, sapateiras, camarões, mexilhões,

caranguejos que se encontravam nas águas do litoral, compunham o quadro da

alimentação dos moradores da terra. 690 Por fim, Sebastião da Rocha Pita afirma que

apesar de ter narrado o que era mais comum e essencial, era preciso declarar que em

todas as partes era possível encontrar as diferentes espécies:

Page 296: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

296

“em umas se dão uns gêneros, em outras se colhem outros, porque os

movimentos do sol, a disposição da terra, e as distâncias em que se vão diferenciando

os climas, fazem esta diversidade nos frutos e minerais; mas sempre a natureza, em

todas pródiga, aqueles gêneros que doou a qualquer delas, os produz em grandíssima

abundância, posto que mais generosamente em uns lugares que em outros, exceto nas

partes que quis deixar estéreis, para ostentar nesta mesma diferença de terrenos em

uma região a constante variedade da sua formosura”.691

Sebastião da Rocha Pita sintetizou na sua obra os elementos principais da

exploração da terra, dando a conhecer de forma superficial as características de uma

terra que reluzia aos olhos da Europa, mas que ainda era desconhecida. Contudo, as

restrições de acesso ao território colonial, pela coroa portuguesa, a fim de preservar a

área mineradora, reduziu o número de relatos.

Em 1722 foi publicada a obra “Voyages de François Coreal aux Indes

Occidentales, contenant ce qu'il y a vil de plus remarquable pendant son séjour depuis

1666 jusqu'a 1697”.692 O texto registra os costumes dos habitantes de Salvador e do

Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVII. Seis anos depois, foi publicado

“Nouveau voyage au tour du monde”, de Le Gentil de La Barbinais,693 sobre a viagem

feita pelo autor entre 1714 a 1718. Na ida, passou pelo Rio de Janeiro, seguindo em

direção ao Chile e depois para a China. Em 1717, no retorno, pelas condições da

embarcação, foi forçado a parar na Bahia, onde foi recepcionado. A hospitalidade fora

diferente daquela que tivera no Rio de Janeiro. Uma alimentação farta, dança e

música também fizeram parte do evento.

O movimento e deslocamento nesse período revelam não só o interesse pelas

terras brasílicas, mas também um ativo comércio dentro do império colonial

português. A economia portuguesa pulsava com intensidade e a corte de d. João V era

admirada. Porém, o desejo de encontrar mais riquezas, num vasto território

continental, animou muitos aventureiros e também curiosos, que tinham o desejo de

conhecer mais a fauna e a flora tropical.

As investidas pelo sertão não ficaram circunscritas a uma única área. A

mobilidade do homem colonial fez que outras áreas passassem por prospecção, o que

torna difícil completar todos os movimentos neste trabalho. Desta forma,

procuraremos apontar alguns das andanças e explorações feitas no decorrer do século

Page 297: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

297

XVIII, sem a pretensão de esgotar o tema, mas sim indicar registros que permitem

uma leitura de conjunto.

A região do rio Madeira foi explorada por Francisco de Mello Palheta (1670 -

?) entre 1722 e 1723 por ordem do governador do Estado do Maranhão, João da Maia

da Gama (1722-1728). A região não era de todo desconhecida por Francisco de Mello

Palheta, que em 1691 havia conduzido o padre Samuel Fritz pelo Amazonas até a

região do Peru. Conforme registro em 1695, numa nova expedição seguiu até a região

da Guiana Francesa de onde trouxe as primeiras mudas de café.694

A expedição de Francisco de Mello Palheta era composta por soldados que se

distribuíram pelas embarcações: Santa Eufrosina, Santo Inácio, Santa Rita e Almas,

Menino Deus e Santa Rosa e uma canoa-armazém, São José e Almas. O percurso pelo

rio Madeira foi longo e penoso, tendo que vencer mais de vinte cachoeiras. Em 1o de

agosto chegou ao encontro dos rios Guaporé e Mamoré que davam origem ao rio

Madeira. Seguindo pelo rio Mamoré fez parada na aldeia de Santa Cruz dos Cajuavas,

onde por meio de jesuítas espanhóis obteve informações sobre Santa Cruz de la

Sierra. Em onze de agosto, Francisco de Mello Palheta retornou pelo rio Mamoré até

encontrar novamente o rio Madeira, explorando a região.

O objetivo da expedição era identificar mais precisamente a região e encontrar

caminhos fluviais que facilitasse a comunicação e o comércio da região de Belém

com as terras espanholas. Este movimento era alimentado pelo interesse de chegar

próximo à região de exploração de prata, cobiçada desde o século XVI.695 Não estava

ausente a idéia de ser possível identificar pelo caminho alguma serra que possuísse

metais preciosos.

No século XVIIII um conjunto amplo de manuscritos sobre História Natural

foi elaborado, dentre eles o texto de Caetano de Brito e Figueiredo: “Dissertações

Acadêmicas e Históricas nas quais se trata da Historia Natural das Cousas do Brasil

Recitadas na Academia Brasílica dos Esquecidos que na Cidade da Bahia mandou

erigir: Declarando-se por seu Protetor Excelentíssimo Senhor Vasco Cesar de

Menezes Vice-Rey de Mar e Terra de todo este Estado Pelo Desembargador

Chanceler Caetano de Brito e Figueiredo - No Ano de 1724".696

O texto foi composto por oito dissertações que tratam da natureza brasílica. A

primeira dissertação fazia uma descrição abreviada da geografia da América,

Page 298: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

298

salientando os elementos mais admiráveis da natureza. A segunda, delineava o perfil

dos habitantes autóctones, traçando a origem dos povos da América e como se

caracterizavam até aquele momento. A terceira dissertação foi dedicada à descrição

do Brasil e às particularidades da natureza. Nas duas partes seguintes, o autor tratava

dos céus, planetas, constelações, meteoros e climas brasílicos. Na sexta e sétima, o

tema das dissertações eram as aves do Brasil, onde eram descritos os seus nomes

cores e diferenças. Na última dissertação o foco da descrição eram os insetos.

Caetano de Brito Figueiredo nasceu em Lisboa na década de 1670. Formou-se

em Direito e assumiu cargos administrados em Portugal e no Brasil. Durante o

exercício da função de desembargador da relação da Bahia, redigiu o texto

mencionado acima. Caetano de Brito arrola suas fontes, fundamentando suas

referências e inspirando-se em Francisco Hernández (1517-1578). Este foi médico de

Filipe II, de Espanha (1527-1598), prestando serviços na corte e foi enviado para o

México, onde pesquisou o mundo natural (1571-1578), fazendo um levantamento de

quatro mil plantas da região. Ao retornar à Espanha redigiu diversos textos sobre o

assunto, mas boa parte deles se perdeu. Alguns manuscritos integrais e parciais foram

publicados e apresentados por outros estudiosos, como Nardo Antono Recchi,

Francisco Ximénez e Agustín Farfán.697

Caetano de Brito não estava preocupado com uma sistematização científica.

Seu registro era apresentado de forma lógica. Catalogava as aves a partir de

classificações funcionais que observou. Nota-se que a primeira categoria era aquela

das aves úteis aos seres humanos, por comporem a sua dieta alimentar. Esta

preocupação coincide com a dos registros feitos pelos jesuítas e outros viajantes no

século XVI, quando a questão da sobrevivência em terras tropicais era fundamental. O

mesmo esquema de comparação foi realizado, procurando destacar espécies

congêneres existentes na Europa. Aspectos com dimensão, hábitos, sons, cor, tipos de

pena e sabor da carne fazem parte da construção de um saber que ultrapassa o aspecto

científico.

Num segundo momento, o autor se atém às aves sonoras, que são descritas

pelos sons agradáveis aos ouvidos humanos. Uma variedade dessas espécies foi

comparada às espécies européias. No terceiro grupo, as aves que repetiam sons

Page 299: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

299

humanos, as de rapina e aquáticas eram consideradas pela sua diferença. Por último,

as aves de hábitos noturnos, como corujas e morcegos, dentre outras.

Se as conquistas continuavam, alguns religiosos aproveitavam para exaltar a

obra evangélica e a importância de cuidar do rebanho cristão. Em 1732 foi publicada

“Primazia seráfica na regiam da América, novo descobrimento de Santos, e

veneráveis religiosos da ordem seráfica”,698 de frei Apolinário da Conceição,

registrando o percurso do franciscano no Brasil. O texto apresenta a aventura das

descobertas e do avanço das ordens religiosas pelo território. Sempre guiado pelas

mãos divinas, faz constar no texto a experiência da viagem e do conhecimento da

região do Rio de Janeiro: “Viagem devota, e feliz... dedicada à Imaculada Conceição

Nossa Senhora, patrona especialíssima da Província Capucha do Rio de Janeiro em o

estado do Brasil ...”.699

A viagem de Manuel Félix de Lima, realizada entre 1742-1743, foi analisada

por Robert Southey.700 Pelas referências, Southey teve acesso ao manuscrito do

viajante, dando conta de que a expedição era composta por cerca de 50 pessoas,

contando com a presença de escravos africanos e índios. Os aventureiros seguiram em

canoas pelo rio Sararé até o rio Guaporé, onde permaneceram para abastecer de

viveres e fazer a construção de mais duas canoas. Dando continuidade à viagem pelo

Guaporé foi para o acampamento do paulista Antônio de Almeida e Morais. Logo

chegaram notícias sobre a hostilidade dos índios da região, e a expedição foi

desmembrasse. Parte dela retornou para as margens do rio Sararé, e os demais deram

continuidade à viagem pelo rio Guaporé, saindo pelo afluente conhecido como

Baurés, chegando à aldeia de São Miguel, dirigida por um jesuíta alemão, o padre

Gaspar de Prado. Após permanecerem algum tempo, estes retornaram pelo rio Buarés

até o Guaporé descendo este rio até a confluência do rio Ubaí, navegando por ele até

chegar à redução de Santa Maria Madalena, que estava sob a administração do jesuíta

José Reiter, auxiliado pelo padre Atanásio Teodoro. Alguns dos membros da comitiva

foram até Exaltação da Cruz, nas margens do Mamoré, demorando naquelas paragens.

O restante dos aventureiros, não acreditando que os companheiros retornassem,

prosseguiu viagem até entrarem no rio Guaporé e desceram até atingir o rio Mamoré,

onde se formava o rio Madeira. A expedição continuou por esta via fluvial,

enfrentando o naufrágio de embarcação e ataques de índios até chegar a Belém. A

Page 300: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

300

ousadia de Manuel Félix de Lima fez que ele fosse o primeiro a identificar a

comunicação entre o Mato Grosso e o Pará.701

Em 22 de abril 1748 entrou no porto do Rio de Janeiro o navio francês L’Arc-

en-ciel, pertencente à frota do Marques D’Albert. Ao contrário do que aconteceu com

Duguay-Trouin, a interação com os habitantes da cidade foi amistosa e permitiu a

realização de um relato anônimo.702 Conforme o “Relâche du Vaisseau L'Arc-en-ciel

à Rio de Janeiro, 1748”, a terra produzia uma grande quantidade de frutas: laranjas,

limões de diferentes espécies, figos, bananas, abacaxis, batatas-doces, melões d'água,

pistaches etc. Havia também muitas hortaliças e legumes variados (couves, jerimuns,

ervilhas, abóboras etc.). Pela abundância, o peixe era passado pelo processo de

secagem para ser estocado tanto para consumo dos familiares, como para a

alimentação dos escravos. Apesar desta prática, sobrava ainda uma grande quantidade

de pescado para alimentar os porcos. O clima local do Rio de Janeiro era agradável e

são. O calor excessivo, que poderia ter consequências funestas, era amenizado por

duas brisas: uma que soprava pela manhã, de noroeste, e outra que soprava à tarde, de

sudeste. Verifica-se que as impressões sobre a terra não diferem das anteriores e

compõem um quadro da utilidade da natureza, constatado por muitos viajantes.

No interior, as expedições avançavam pelos rios, pela necessidade de

ocupação do território, num momento em que estavam em curso as negociações dos

limites da colônia entre Portugal e Espanha, conforme o Tratado de Madrid (1750).

Em 1752, Francisco Xavier de Mendonça Furtado informou a partida do porto

da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, para a Vila Nova de São José de

Macapá, com três canoas; levava consigo o capitão da guarda Manoel da Silva, o

secretário, capitão Gaspar da Costa, o sargento-mor engenheiro Carlos Varjão Bolim,

o capitão das fortificações Antonio Gonçalves, o ajudante Aniceto de Távora, e com

infantaria da guarda o doutor físico mor Manoel Ignácio, o capelão d. José dos Anjoz

Lopes, bem como outros membros da comitiva. Antonio Nunes de Souza foi quem

registrou a viagem que teve início no dia 24 de fevereiro de 1752, partindo ao meio

dia, quando a reponta da maré de enchente entrava pelo rio Muju.

O percurso pelos rios da região considerava as cheias por darem o ritmo da

viagem. O relato focava a atenção no movimento das águas, descrevendo as áreas

habitadas e revelando a natureza num denso quadro paisagístico, sem grandes

Page 301: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

301

definições das espécies. Ao final do relato, afirmava-se que a navegação dependia do

favorecimento das velas. Os navegantes estavam sujeitos a um grande trabalho devido

ao aos perigos encontrados no rio e às pragas; esta era a lida do rio Amazonas. A

cheia do rio afugentava os peixes, na vazante havia a abundância deles. Aconselhava-

se que a viagem fosse feita em pequenas embarcações e que o aventureiro levasse

consigo anzóis e arpões para peixes, para garantir o sustento. As longas distâncias e os

percalços do caminho isolavam a região interiorana, lançada à natureza e alheia à

“Santa Fé de Jesus Cristo”. Todavia, havia pelos rios condições dilatadas para

sobreviver, esperando por aqueles que se arriscassem em tal empreitada.703 Em 1753,

segue a comissão para a região de Belém, contando com a presença do desenhador e

arquiteto Antonio Giuseppe Landi (1713-1791), natural da Bolonha, que viria a

elaborar, possivelmente em 1772, a “Descrição de várias Plantas, Frutas, Animais,

Aves, Peixes, Cobras, raízes e outras coisas semelhantes quês e acham nesta Capitania

do Grão Pará (...)”.704

Em 1759 foi publicado em Paris por Charles Marie de La Condamine,

“Relation abrégée du voyage fait dans l’intérieur de l'Amerique Meridionale”

(Viagem na América Meridional descendo o rio das Amazonas). Charles Marie de La

Condamine nasceu em Paris e iniciou carreira militar. Passado algum tempo,

redirecionou o seu interesse para as ciências físicas e naturais, tornando-se membro da

Academia de Ciências francesa. Realizou expedições científicas pelo Mediterrâneo,

África e Ásia Menor, como mencionamos anteriormente. Charles Marie de la

Condamine participou da expedição de Maupertius e Godin. O primeiro seguiu para a

Lapônia e o segundo para o Peru. La Condamine acompanhou este último, fazendo a

descrição da viagem. A expedição marcava um novo momento do conhecimento, pois

reunia uma série de especialistas, como médicos, astrônomos, cartógrafos, naturalistas

tendo como objetivo fazer levantamento e comprovar a teoria newtoniana. No Peru,

La Condamine conheceu Pedro Vicente Maldonado que o acompanhou na viagem

pelo interior do território até a desembocadura do rio Amazonas. Demonstrando

preocupação científica, fez medições de temperatura e as variações de pressão

atmosférica. No texto, “Viagem pelo Amazonas”, Condamine identificou novas

espécies, chamando a atenção para a riqueza do mundo natural.

Page 302: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

302

Entre 1743 e 1744, La Condamine percorreu todo o rio Amazonas, alcançando

Belém e depois Caiena. Durante a trajetória, descreveu a natureza e os índios,

fenômenos como a pororoca e plantas como o urucum. No relatório, encontram-se

interessantes comentários do naturalista sobre os vários cronistas da Amazônia: como

Cristobal de Acuña e Samuel Fritz.

O objetivo da expedição era o exato conhecimento dos diâmetros terrestres,

visando a aperfeiçoar a geografia e a astronomia. Os estudos poderiam auxiliar os

navegadores na arte de navegar. Interessava-se pelo levantamento de áreas e o registro

dos lugares mais notáveis, seguindo uma ordem na narrativa. Muitos dos locais e rios

pelos quais passara poderiam ser objeto de uma dissertação. As medições foram uma

constante e La Condamine procurou precisar cálculos de rotas e distâncias. Na

produção do seu registro, contou com o apoio de Jean-Baptiste Boruguignon

d´Anville (1697-1782). Confessava que a reunião de fragmentos de textos não era

fácil.

A primeira parte do registro foi destinada à medição da Terra e o seu

achatamento. La Condamine entendia que o seu trabalho, que seria remetido à

Academia de Ciências de Paris, seria de grande valia para outros estudos acadêmicos.

Escolheu para fazer sua exploração um rio “quase ignorado”, o Amazonas, que

atravessa todo continente da América Meridional, do Ocidente ao Levante, “e passa

com razão por ser o maior curso do mundo”. Sua intenção era tornar a viagem útil,

fazendo o levantamento da carta do rio e recolhendo “observações de todo gênero que

tivesse ocasião de fazer num país tão pouco conhecido”. 705 Salienta que seu registro

trataria de hábitos e costumes singulares dos habitantes das margens do rio. Contudo,

nota que: "eu acreditei que em presença de um público ao qual é familiar a linguagem

dos físicos e geômetras, não me era permitido versar matérias estranhas ao objetivo

desta Academia”.706

O rio foi navegado por Francisco d’Orellana (1490-1550) que deixou Quito em

1539, segundo a sua referência.707 Após este registro, não havia menções de

explorações por este rio. Em 1638 Pedro Teixeira (1570-1641) foi enviado pelo

governador do Pará para subir o rio até a confluência do Napo, por terra, retornando

apos um ano.708 Pelo cálculo feito por Pedro Teixeira e seus acompanhantes (dentre

eles o jesuíta Pe. Cristobal de Acuña), a aldeia de Napo distava 1.356 léguas em

Page 303: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

303

relação ao Pará.709 Os registros dessa viagem foram publicados com mapas, e serviu

de referencia até o início do século XVIII. Em 1717, foi publicada na França, no

duodécimo tomo das cartas edificantes, dirigida pelo Pe. Samuel Fritz uma carta, que

afirmava ser o rio Napo a verdadeira fonte do Rio Amazonas. Lamentava La

Condamine que o padre “sem pêndulo e sem luneta, não pôde determinar nenhum

ponto em longitude. Ele não dispunha senão de um pequeno semicírculo de madeira,

de três polegadas de raio, para as latitudes; enfim, ele estava doente quando desceu o

rio até o Pará”. Os obstáculos enfrentados Pe. Samuel Fritz impediram o traçado de

um mapa mais bem elaborado.710

La Condamine localiza o rio e seu percurso, registra distâncias e a existência

de vários afluentes de extensões consideráveis comparáveis ao Danúbio e ao Nilo.

Nas margens se encontravam algumas aldeias indígenas, muitas delas formadas pela

ação de missionários. Os estudiosos identificaram três caminhos que atravessavam a

cordilheira dos Andes, por onde os nativos faziam a circulação de mercadorias e suas

marchas a pé.711

Pelo caminho encontrou vários rios sendo preciso atravessá-los em “pontes de

corda, de cascas de árvore, ou dessas espécies de cipó que se chamam lianas, nas

nossas ilhas da América”.712 A oscilação de temperatura era perceptível e a chuva

uma constante na floresta, ainda em terras pertencentes à Espanha. A umidade

causava um odor insuportável aos cestos cobertos de pele que os viajantes

transportavam.

Seguindo pelos rios, as dificuldades da navegação e o esforço físico são

destacados em meio aos registros sobre a localização, que eram calculados

geometricamente. O contato com os indígenas permitia conhecer os hábitos deles

quanto ao viver às margens dos rios.713

O perigo se acentuava quando as águas de um rio se encontravam com outro ou

quando havia rochas. Dependendo da correnteza, a navegação era feita como mais

receio e, como tivera oportunidade de vivenciar, a embarcação em que seguia foi

lançada contra os rochedos.714 O registro de inúmeras barreiras servia para reforçar o

árduo trabalho de medição. Na medida em que avançava pela floresta, o aspecto da

paisagem era mais uniforme “água, verdura e nada mais”. Caminhava-se sobre a terra

sem vê-la, pois estava “recoberta de tufos de ervas, plantas e abrolhos, que daria

Page 304: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

304

grande trabalho lá descobrir o espaço de um pé”.715

Nessas andanças encontrou diversas nações indígenas, identificando diferentes

culturas, o que o encorajou a afirmar que:

“todos os índios da América, das diversas regiões que tive ocasião de percorrer,

pareceram-me ter certos traços de semelhança uns com os outros; e, tanto quanto é

permitido a um viajante que não registra as coisas senão de passagem, suponho

reconhecer em todos eles um mesmo fundo de caráter. A insensibilidade é o

fundamental. Fica a decidir se a devemos honrar com o nome de apatia, ou se lhe

devemos dar o apodo de estupidez. Ela nasce indubitavelmente do número limitado de

suas idéias, que não vai além de suas necessidades”.716

O olhar eurocêntrico aflorava apontando a voracidade e a embriaguez dos

índios. Para ele, os índios estavam preocupados com o presente, sem preocupação

com o futuro: “incapazes de previdência e reflexão; entregues, quando nada os

molesta, a brincadeiras pueris, que manifestam por saltos e gargalhadas sem objeto

nem desígnio; passam a vida sem pensar, e envelhecem sem sair da infância, cujos

defeitos todos são conservados”. La Condamine procurava encontrar resposta para tal

comportamento, entendendo que tal situação acontecia por estarem eles no

“abandonado à natureza, privado de educação e sociedade”, pouco diferindo “das

bestas”.717

Pelo conhecimento das línguas da América, mesmo que incipiente, contatou a

falta de expressões como “‘Tempo’, ‘duração’, ‘espaço’, ‘ser’, ‘substância’, ‘matéria’,

‘corpo’”. Não havia também no vocabulário termos como: virtude, justiça, liberdade,

reconhecimento e ingratidão.718 Estes eram os indicadores das diferenças entre índios

e europeus; a proximidade da natureza conferia aos índios uma condição inferior ao

homem europeu, que acreditava poder capturar e transformar o mundo natural, em

consonância com os seus interesses.

A monotonia e a inatividade durante a tranquila navegação facultaram a La

Condamine a contínua observação da bússola, apontando as mudanças do curso

d’água e o tempo gasto entre um ponto e outro. O exame da largura do leito do rio, as

desembocaduras dos afluentes e seus ângulos contribuíam para o calculo da

velocidade da correnteza.719

Page 305: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

305

A abundância e variedade das plantas em uma região com umidade e calor

contribuem para torná-la fértil. Por tal condição, dizia que:

"a multidão e a diversidade das árvores e plantas que se descobrem nos bordos

do rio das Amazonas, desde a cordilheira dos Andes até o mar, inclusive todos os

afluentes que para ele concorrem, dariam vários anos de trabalho aos mais laboriosos

botânicos, e empregariam mais de um desenhador. Não falo senão do trabalho que

exigiria a descrição exata de tais plantas, e sua arrolação em classes, gêneros e

espécies. Que será se alguém quiser considerar as virtudes que são atribuídas a várias

delas pelos naturais do país? Exame que é, sem dúvida, a parte mais interessante de

semelhante estudo”. 720

La Condamine entendia que a ignorância e o preconceito haviam multiplicado

erros. Havia outras plantas úteis, além da quinina, ipecacuanha, simaruba,

salsaparrilha, guáiaco, cacau e baunilha, cuja utilidade já fora devidamente

comprovada. Para contribuir com a ampliação do conhecimento, sempre que possível,

recolhia sementes pelos lugares por onde passava. A planta que chamou a atenção

pela singularidade foi a liana, uma espécie de vime, que se enrosca nas árvores e

arbustos que encontra pelos galhos. Estes cipós "abraçam" uma árvore, a ela seca e

apodrece, observou o viajante. As árvores das florestas também possuíam gomas,

resina e bálsamos que eram obtidos com incisões nos troncos. A palmeira ungurave

dava um azeite, similar ao produzido pela azeitona. Havia as resinas da andiroba, do

copal e do caucho. Esta última destacava-se pela utilidade. Pois, quando “ela está

fresca, dá-se-lhe com moldes a forma que se quer; ela é impenetrável à chuva, mas o

que a torna digna de nota é a sua grande elasticidade. Fazem-se com elas garrafas que

não são friáveis, e botas, e bolas ocas, que se achatam quando se apertam, mas que

retornam a sua primitiva forma desde que livres”.721

Na continuidade da viagem, além do conhecimento dos rios, foram também

apontados os hábitos de moradia, o convívio dos indígenas e os que falavam sobre as

mulheres amazonas. A floresta ainda alimentava lendas que a tradição oral

preservava. No encontro do rio Negro como o rio Amazonas, La Condamine

registrava que se não fosse a cor do referido rio não seria possível identificá-lo,

confundindo-o com um braço do próprio Amazonas, separado por alguma ilha.722 Nas

margens do rio Negro havia diversas missões portuguesas, principalmente dos

Page 306: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

306

carmelitas e jesuítas. No fluxo da correnteza aparecia o rio Madeira com os troncos

que normalmente seguiam pelo seu curso. O ritmo da viagem aumentava ou diminuía

em função da correnteza.

No rio Tapajós, o viajante observou que nessa região se encontravam facilmente

“pedras verdes, conhecidas pelo nome de pedras das amazonas, cuja origem se ignora,

e que foram tão procuradas outrora, por causa da virtude que se lhes atribuía, para

curar a `pedra` a cólica nefrítica, e a epilepsia”. Segundo ele, foi impresso um tratado

com o título de “Pedra Divina”. Estas pedras não diferiam da pedra jade, tanto na cor,

como na dureza, sendo utilizadas pelos nativos para fazer pequenos artifícios. Este

tipo de pedra era cada vez mais raro, porque os “índios, que lhes dão grande

importância, delas se não desfazem de boa vontade, já porque grande número delas

foi enviado à Europa”.723 Nas margens do rio Xingu se encontravam espécies de

árvores aromáticas, chamadas cuxiri e puxiri. Os frutos se assemelhavam ao da

azeitona e quando ralados, como a noz-moscada, eles tinham a mesma utilidade:

“A casca do primeiro tem o sabor e cheiro do cravo-da-índia, que os

portugueses chamam `cravo`; isto fez com que os franceses de Caiena chamassem,

por corrupção à árvore que produz tal casca, bois de crabe, ou seja, `pé de caranguejo'.

Se as especiarias que nos chegam do Oriente deixassem algo a desejar neste gênero,

estas seriam mais conhecidas na Europa. Entram na composição de diversos licores

fortes na Itália e na Inglaterra”. 724

O olhar de La Condamine estava voltado para as espécies de maior interesse

para as pesquisas. Contudo, as informações sobre a flora são esparsas, sem

aprofundamento em detalhes específicos das plantas.

A quantidade de mosquitos e moscas diminuía lentamente. Estes traziam para o

viajante muitos incômodos. Os próprios índios, segundo La Condamine, não viajavam

sem uma “barraca de tela de algodão, para aí se abrigarem durante a noite. Há tempos

e lugares, particularmente na região dos omáguas, onde se está continuamente

envolvido numa nuvem espessa desses insetos, e suas picadas causam coceiras

excessivas”. 725

A expedição chegou a Curupá, cidade portuguesa, localizada na margem austral

do rio Amazonas. Daí por diante o fluxo e refluxo se tornavam muito sensíveis, os

barcos não navegavam senão ao sabor das marés.

Page 307: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

307

Após descrever o trajeto da sua viagem, dedicou maior atenção às espécies da

fauna e da flora. Desenhou um peixe-boi, cuidando para não ser confundido com a

foca. O peixe-boi se alimenta das ervas das margens do rio e:

“sua carne e gordura têm bastante semelhança com a de vitela. A fêmea tem

tetas com que amamenta os filhotes. Alguns tornaram a semelhança com o boi ainda

mais completa, atribuindo-lhe chifres que a natureza não lhe deu. Ele não é anfíbio

propriamente, pois que não sai d’água, nem pode fazê-lo porque tem duas nadadeiras

muito perto da cabeça, em forma de barbatana de 16 polegadas de comprimento, e que

lhe fazem as vezes de braço e pernas: vi depois maiores. Os olhos desse animal não

estão em proporção com o corpo: são redondos e não passam de três linhas de

diâmetro. O buraco de suas orelhas é ainda menor, e parece um furo de alfinete”.726

Sobre o lugar onde frequentemente se encontrava a espécie havia dúvidas, por

entender que existissem outras castas muito parecidas. Outro peixe que despertava

atenção era o mixano, “tão pequeno este quanto é o outro grande, não chegando

alguns a ter o tamanho de um dedo”. Estes peixes vinham em cardume, quando as

águas baixavam em final de junho. A característica marcante era a forma com que

seguiam na contracorrente, sendo possível apanhá-los com as mãos quando a água

estava baixa.727

As tartarugas do Amazonas eram procuradas em Caiena, por serem mais

delicadas do que qualquer outra. Estas eram encontradas em diferentes espécies e em

grande quantidade e, juntamente como os seus ovos, poderiam abastecer muitos

moradores das margens dos rios. Havia também o jabuti com hábitos terrestres. La

Condamine afirma sobre a riqueza da Amazônia:

“A natureza parece ter favorecido a preguiça dos índios, e ter ultrapassado suas

necessidades: os lagos e os mangues que se encontram a cada passo nas proximidades

do Amazonas, e não raro bem no interior das terras, são enchidos de peixes de todas

as qualidades, nos tempos do extravasamento; e quando as águas baixam, aí eles

ficam encerrados como em tanques ou reservatórios naturais, e onde se pescam com a

maior facilidade”. 728

Teria sido a natureza injusta ou o paraíso fora dado àqueles que não

professavam a fé católica. Dúvidas que permeavam a sua mente, num local onde

havia plantas e animais desconhecidos dos europeus. Havia raízes que lançadas na

Page 308: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

308

água serviam para entorpecer o peixe e assim eram apanhados facilmente com as

mãos. 729

Os jacarés, designado por ele como crocodilos, eram comuns no curso do rio

Amazonas, podendo atingir mais de seis metros de comprimento. Ficavam dias

inteiros sobre o lodo estendidos ao sol e imóveis. Tal imobilidade levava o incauto a

confundi-los como um tronco de árvore. No tempo das enchentes eles penetravam nas

cabanas dos índios e não era raro ouvir notícias de terem devorado alguns deles. O

predador natural do jacaré era o “tigre”, segundo o autor. Este cravava suas unhas nos

olhos “do crocodilo, o único lugar por onde ele pode ser ofendido, visto a dureza de

suas escamas; mas este, mergulhando n’água, arrasta o tigre, que se afoga de

preferência a abandonar a presa. Os tigres que vi na América, e que são vulgares em

todas as regiões quentes e boscosas, não me pareceram diferir dos africanos, nem em

beleza nem em tamanho”.730

Para La Condamine era difícil descrever sem recorrer às analogias com outras

espécies. Porém, ressalta a existência de diferentes castas. Passando entre os jameus,

ele desenhou uma espécie de doninha que se domesticava com facilidade: “não pude

pronunciar nem escrever o nome que aí lhe dão; achei-a depois nas cercanias do Pará,

onde lhe chamam quati, na língua do Brasil. Laet a menciona”. Como os registros dos

demais cronistas, nem sempre era possível fazer o reconhecimento da espécie de

imediato pela incompreensão do nome e o desconhecimento dos hábitos. Tal situação

ampliava a importância dos desenhos que por si só forneciam um conjunto de

informações mais preciso.

Os macacos eram de muitas castas, com pelos longos e lustrosos, como o

“sapajus”, ou sagüis. Tinha pelo castanho e às vezes pintalgado de amarelo e possuía

uma “cauda dois tantos mais longa que o corpo, a cabeça pequenina e quadrada, as

orelhas pontudas e salientes como cães ou gatos, e não como os outros símios, com os

quais pouco se parecem, pois têm antes o ar e o porte dum leãozinho”. Pela

singularidade de as orelhas e faces serem vermelhas, de um vivo que dificilmente se

acreditasse ser natural, ele procurou manter um exemplar para levá-lo para a Europa.

Todavia, apesar dos cuidados para preservá-lo, o animal morreu. “Como eu não tinha

nenhum recurso a bordo para o dissecar no forno, da maneira que M. De Réaumur

imaginou para conservar os pássaros, o que pude fazer foi metê-lo no álcool; isto

Page 309: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

309

bastará pode ser para demonstrar que nada exagerei na descrição”. 731

Para esse viajante, não era de espantar que, em regiões tão quentes e úmidas

quanto aquelas se encontrassem serpentes de todos os gêneros. Dizia: “Li não sei onde

que todas as do Amazonas são sem veneno, e é certo que algumas não são nocivas de

todo; mas as picadas de várias são quase sempre mortais”. Sem dúvida, o

conhecimento sobre a natureza das terras brasílicas ganhara difusão na Europa. Os

viajantes estavam precavidos sobre cobras como a cascavel, com o seu guiso já

conhecido. A cobra coral, pelas cores vivas, era digna de destaque. A cobra d’água,

que era capaz de matar a presa e engoli-la totalmente era algo inacreditável,

“Diversos portugueses do Pará tentaram persuadir-me de casos quase tão pouco

de acreditar, como a maneira por que outra grande cobra mata os homens com a

cauda. Suspeito que esta mesma espécie habita os bosques de Caiena. Aí todo esse

maravilhoso se reduz a um fato confirmado pela experiência: é que a gente pode ser

por ela mordida e ser por ela marcada sem perigo, malgrado seus dentes serem bem

próprios para infundir o terror. Dela tenho duas peles, uma das quais não tem nada

menos de quinze pés de comprimento, está seca e tem um pé de largura. Sem dúvida

há maiores”.732

Estas amostras, na verdade uma curiosidade da História Natural, foram

oferecidas pelos padres jesuítas de Caiena.

Os morcegos que atacavam cavalos, burros e até seres humanos eram um

flagelo na região, principalmente quando o alvo era o gado. Os pássaros eram em

número infinito e superavam os quadrúpedes. O tucano, “cujo bico vermelho e

amarelo é monstruoso em proporção com o corpo, e cuja língua a modo de pluma

solta passa por ter grandes virtudes, não é tampouco particular ao país de que trato. As

variedades de papagaios e araras, em tamanho, cor e aspecto, são sem conto; entre os

primeiros rareiam os inteiramente amarelos, com manchas verdes nas extremidades

das asas”.733

A beleza das penas também foi registrada nos artefatos dos indígenas. Além

disso, havia alguns procedimentos que deveriam ser verificados:

“Os índios das margens do Oiapoque têm a habilidade de dar artificialmente aos

papagaios cores naturais diferentes daquelas que eles receberam na natureza, tirando-

Page 310: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

310

lhes as penas e esfregando-os com sangue de certas rãs: é o que se chama em Caiena

‘tapirer um perroquet’ (avermelhar um papagaio); talvez o segredo não consista senão

em molhar com algum líquido ácido o lugar que foi depenado; talvez não seja mesmo

necessária nenhuma preparação: é uma experiência a fazer. Com efeito, não parece

extraordinário ver nascer num pássaro penas vermelhas ou amarelas, em lugar das

verdes que lhe foram arrancadas: é como ver repontar pêlo branco em lugar de negro,

no dorso de um cavalo que foi ferido”.734

Ao chegar ao Pará, permaneceu em Belém, de onde fez pequenas viagens para

dar continuidade às suas medições, passando pela ilha do Marajó e indo rumo a

Caiena. Nesta localidade fez medições com o pêndulo equinocial, lamentando que a:

“diversidade das línguas, inconveniente que durará ainda séculos, não traz bastantes

obstáculos ao progresso das ciências e artes, pela falta de uma comunicação suficiente

entre os diversos povos; é necessário ainda, por assim dizer, aumentá-lo

deliberadamente, servindo-se cada uma de diferentes medidas e diferentes pesos, em

cada país e em cada lugar”.735

Antonio de Ulloa y de la Torre-Giralt (1716-1795) nasceu em Sevilha.

Ingressou na Real Academia de Marinha da Espanha. Foi tenente de fragata e realizou

diversas expedições em nome da coroa Castela. Em 1745, seu navio foi apreendido

por ingleses, e Antonio de Ulloa foi levado para Inglaterra. Durante sua estada

forçada naquela nação, entrou em contato com a Royal Society, vindo a ser admitido

com membro da instituição, conquistando posteriormente o direito de retornar à

Espanha. Seu espírito científico facultou-lhe participar da formação do Museu de

Ciências Naturais de Madri e a estabelecer o primeiro observatório astronômico em

Cádiz. Foi governador em Huancavelica, no Peru, onde colaborou na exploração e

recuperação da produção das minas da região. Em 1752 escreveu “Tratado Físico e

historia de la aurora boreal” e vinte anos depois escreveu “Noticias americanas:

entretenimentos fisico-históricos sobre la América meridional y la septentrional

oriental: comparación general de los territórios, climas y producciones en las três

espécies vegetal, animal y mineral”.736

Antonio de Ulloa, no volume dois da sua obra “A Voyage to south America”,

registrou a sua jornada pela região no vice-reinado do Peru. No livro sétimo o autor

registrou sua passagem pela região de Quito e Lima, referindo o clima da região e a

Page 311: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

311

fertilidade que permitia o cultivo na área. Nas suas andanças passou por Tuxillo,

Guamonga, Cuzco e Arequipa, fazendo relatos sobre as dioceses de La Paz, Santa

Cruz de la Sierra e Tucumã, ponderando também sobre o Paraguai e Buenos Aires,

tendo como foco principal as missões dos jesuítas. Em seguida, o viajante retornou a

Lima e realizou outras visitas, com Juan Fernandes, à região de Santa Maria, no Chile,

fazendo descrições sobre as terras da América Espanhola. Novamente retorna a Lima,

passando por Quito. A etapa seguinte foi o retorno à Espanha, passando por Fernando

de Noronha. Ele imaginava, a priori, que a ilha fosse deserta. Contudo, notara que

navios vindos da região do Oriente rumo à Europa passavam por lá, ocasião em que

poderiam abastecer-se com água.737 A ilha possuía dois portos capazes de acolher

navios de grande porte, sendo o único inconveniente o fato de as embarcações ficarem

expostas. Dependendo da estação do ano e dos ventos, não era fácil navegar na região.

A violência do mar e as rochas tornaram as manobras mais perigosas.738 A ilha estava

sob jurisdição do governo de Pernambuco, merecendo de Ulloa uma descrição física

dos rochedos e características geográficas, chamando a atenção para o fato de não

haver chovido na região há dois anos dois anos e a população se abastecia da água

armazenada em cisternas.739 A alimentação da população da ilha era constituída de

farinha de pau ou de mandioca, substituindo o pão.740 De forma similar ao que outros

viajantes fizeram, as propriedades da mandioca ocupavam o discurso de Ulloa,

principalmente no que dizia respeito ao seu caráter maligno.741 Na sequência, o autor

apresenta algumas observações sobre partes do Brasil feitas por Mr. John Adams.742

Descreveu diferentes partes da América Portuguesa, incluindo observações sobre os

indígenas, principalmente na região de Pernambuco. Esta área foi descrita em função

das diversas vilas e pela produção de açúcar, tabaco e mandioca. Localizou os rios e

informou o sentido em que correriam.743 A região da Bahia merecia destaque por ser a

capital da colônia. As praias e as elevações do litoral chamavam a atenção,

principalmente na região do rio Camamu e Ilhéus.744

Esta quantidade de registros, dos quais selecionamos apenas alguns, apresenta

novas informações e uma dimensão objetiva da experiência. Muitos destes testes

procurava omitir juízo de valores a fim de não comprometer a leitura.

Em 1759, Pedro Noberto de Aucourt e Padilha745 escreveu a obra "Raridades

da Natureza e da arte", abrangendo os quarto Elementos. A obra foi dedicada a D.

Page 312: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

312

José I, tendo como objetivo apresentar as raridades existentes no mundo. Na primeira

e segunda parte focou a terra; na terceira e quarta, abordou as qualidades raras da

água; na quinta e sexta, fez considerações sobre o ar e na sétima e oitava parte,

dedicou-se a ponderações sobre o fogo. Pedro Noberto Aucourt e Padilha afirmavam

que:

“Em todo o tempo quiz o homem indagalla, ou para refugio das suas doencas,

ou para satisfação da sua curiosidade; porem depois do primeiro Pay do genero

humano só sabemos, que Salomão conhecesse as virtudes das plantas, e a natureza

dos animais, com aquella sciencia, que os mais naturalistas não alcançarão. Com

perda irreparável nos privou dos seus livros o Santo Rey Ezechias, queimando-os pelo

receyo de que os homens confiados na eficácia dos remédios se esqueciam de recorrer

a Deus para alcançar saúde”.746

7.2 A natureza brasílica: pesquisas e debates

No século XVIII, o estudo da natureza era dificultado pela dispersão de livros

espalhados pelo mundo. Por esta razão, Pedro Padilha punha em dúvida os relatos dos

filósofos naturalistas:

“nem devemos crer tudo como ignorantes, nem refutá-lo segundo a modo dos

Críticos modernos, que para se habilitarem doutos, nada há exquisito, que elles não

façam apócrifo. Eu estou persuadido, que mais teriam de que admirar-se os passados,

se vissem o que hoje se tem descoberto,do que nós para nos parecer incrível o que

elles nos deixarão na historia”.747

Pedro Padilha demonstrava estar extasiado pelas conquistas feitas pela ciência

como a eletrização de um corpo humano, que era digno de admiração. Como também

era a reprodução de um terremoto artificial produzida por Monsieur l’Emery,

ensinando como fazê-lo. Refletiu sobre as experiências para atrair os raios e a criação

de equipamento de vento artificial: “O certo he, que vemos tantas cousas, que antes de

vistas pareciam impossíveis; que já tem a Natureza ganhado crédito para poder

Page 313: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

313

produzir toda a maravilha: tantas serão as verdades, que passam por mentiras, como

as mentiras, que passam por verdades.”748

Pedro Noberto de Aucourt Padilha concordava com o aspecto fantástico sobre

a jiboia reportado pelo Pe. Frei Lourenço, irmão de Luiz de Mendonça Furtado e o Pe.

Fernando de Santo Antônio, também capucho da Província do Rio de Janeiro por

devorar suas presas. Na opinião de Pedro Noberto, o ato consistia “na virtude, ou

veneno do bafo desta cobra, que depois de matar o boi o bafeja, e com seu hálito lhe

desfaz de forte os ossos, e deixa tão moído, que parece hum odre cheio de água, e

nesta forma he que o pode engolir inteiro. Também he circunstancia da raridade, que

o dito bafo, que desfaz os ossos, não tenha a mesma efficacia para desfazer-lhe a

armação”.749

A imprensa do século XVIII, como no “Journal de Savants”, de junho de

1731, publicava as experiências realizadas por estudiosos naquele momento. Uma

observação feita nas lagartixas chamava a atenção.750 Afirmava-se que arrancado o

coração de uma lagartixa, e feito em “bocadinhos” duravam muito tempo a “bolir”.

Da mesma forma, era salientado que a “tartaruga ainda passados vinte e três dias de

morta, se lhe acha movimento, por pouco que a piquem com um alfinete”.751

Animais fabulosos que nasciam das plantas também faziam parte do relato de

raridades da natureza. Apoiados nos textos antigos de Aristóteles e Teofrasto os

estudiosos depuseram sobre a caça veados, que eram agarrados pelos esgalhos. O

mesmo fez Pedro Padilha ao afirmar que Silvestre Ribeiro, o Cirurgião das Freiras de

Odivelas, e natural do Rio de Janeiro, lhe afirmara:

“ser cousa tão comum, como certa, haver no Brasil uma planta chamada do

Passarinho, que dá algum certo fruto, que costuma comer um pássaro chamado

Senhasu, que em este excretando sobre as folhas das laranjeiras, nasce a semente da

dita herva, que se enlaça com grande prejuízo nas árvores, de sorte que se põem todo

o cuidado em tirar-lha aliás as destroe”. 752

Pedro Padilha afirmava também: “He observação rara, que todas as produções

da Natureza quanto mais pequenas são, mais perfeitas se descobrem com o

microscópio; e ao contrario quanto mais delicada são as obras da Arte, vista com o

microscópio, ficam disformes, e grosseiras”.753

Page 314: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

314

O movimento das águas do mar causava indagações. As marés e seus

movimentos poderiam causar transtornos terríveis, mas era inegável a beleza desse

movimento. Contudo, as profundezas do oceano guardavam segredos e o abismo

insondável provocava medo e levava os filósofos naturalistas a questionar e estudar o

movimento das águas do mar. Sobre o conhecimento científico que se contrapunha às

crenças populares, Pedro Padilha afirmava que: “Geral opinião he, que não se morre

senão ao tempo da maré; mas por ordem da Academia de França se fez uma exata

averiguação do tempo, e horas, a que morriam os doentes nos hospitais, e se achou ser

falsa esta opinião tão recebida, porque a todas as horas se morre”. 754

O mesmo autor ainda emitiu a seguinte opinião: “As aves do Brasil, que

mudam de cores, foi quase ignorado até que há poucos anos com a curiosidade que

deles houve o vimos e vemos. Quem diria que um passarinho pardo se fazia amarelo,

ou azul, e que os chamados Viúvas não só mudariam na mesma forma as cores das

penas, mas até lhe cresceriam tão demarcadamente na cauda!”.755 Como pudemos

observar, os registros que chegavam à Europa alimentavam um imaginário que se

contrapunha ao pensamento científico, mas que não era desprezado. Ao contrário, os

pesquisadores desejam observar, fazer experiências a fim de se confirmar, ou não, as

afirmações de senso comum.

Entre 1762 e 1763, o Bispo e monge beneditino, Frei João de São José

empreendeu uma viagem pelo sertão do bispado do Grão-Pará. Partiu a 10 de

novembro de 1762 seguindo pelo rio Moju. Tal como outros navegantes, registrava no

seu relato a localização geográfica das terras. Seguindo pelos rios identificou

plantações de cana-de-açúcar, introduzida, segundo ele, a partir da Ilha da Madeira,

descoberta por João Gonçalves Zarco (1390-1471). Exaltava a cana-de-açúcar que,

depois de cortada, era só lançar fogo e logo ela voltada a produzir com vigor. Na

região do rio Capim e na Vila de Silva havia cana plantada para toda a vida.756

No trajeto o religioso encontrou matas inteiras de “Canafistula Betele”,

virtuosa folha que se mastigava para fortalecer o estômago, ajudando na digestão e

evitando a diarréia. Era particularmente encontrada no caminho de São José, junto à

cidade de Belém.

Na região do rio Tocantins, o bispo identificou plantações de café, planta

proveniente de Caiena que chegara ao Pará na época do governo de João da Maya.

Page 315: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

315

Frei João de São José fez questão de registrar o percurso da chegada da espécie até as

terras brasílicas. Isto se devia à generosidade de uma senhora, mulher do governador

da Praça de Caiena que, mesmo ciente da proibição por parte de seus compatriotas

quanto a não informar ao português Francisco de Melo Palheta sobre a planta, ela o

fez assim que se encontrou com ele; aproveitou “uma ocasião para generosamente lhe

oferecer em presença do esposo (que se sorriu) uma mão cheia de pevides de café,

praticando a galantaria de ser a mesma que lhe lhas introduziu no bolso da casaca”.

Francisco de Melo Palheta, chegando a Belém, comunicou a D. Agostinho Domingos,

homem de muita honra e cabedais e deu início ao cultivo de cafezais no Guamá.757

Além do café, localizou a árvore de assacu, cujo leite era um refinado veneno.

Segundo as narrativas, havia controvérsias. Alguns afirmavam que o fruto da árvore

não era maligno, porque as aves o comiam. Contudo, caso se utilizasse um espeto de

assacu para assar uma carne, poderia ser fatal, uma vez que em certa ocasião todos

que os fizeram isto perderam a vida e dessa mesma forma teriam morrido todos os

índios que estavam sendo catequizados pelo Frei Francisco da Madalena, religioso

carmelita calçado vindo pelo rio Negro. Esta árvore foi vista pela primeira vez pelo

bispo, no rio de Pocurui.

Ao navegar pelo rio Xingu, frei João de São José observou que em suas

margens abundava o pau cravo, a salsa, o cacau, sendo possível fazer a caça e a pesca

com fartura. Na localidade havia muita farinha; o gentio era numeroso e praticava

antropofagia, conforme lhe contara um português que vivia na região há quarenta

anos.

Nas serras de Paru havia “notáveis minas de ouro e dos maiores quilates”. No

acesso à região existia grande cultura de cacau que chamava a atenção pela sua

extensão. Lembrava o religioso que a Companhia de Comércio do Grão-Pará, naquele

ano, havia exportado mais de oitenta mil arrobas de cacau, café, cravo, salsaparrilha,

óleos, açúcar, couros e madeiras. Escreveu sobre a imensidão do território, onde havia

culturas diferentes. Todavia, a diversidade de árvores e suas propriedades chamavam

a atenção como a coaxanduba, vistosa pela folha e a lisura do tronco e pelo leite que

se obtinha dela para provocar vômitos, extinguir lombrigas e diarréias. 758

O bispo registrava apenas as particularidades das espécies que encontrava.

Mencionava que a língua do peixe pirarucu era “mais forte e poderosa lima só com

Page 316: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

316

ela se pode ralar o guaraná”. Episódios que envolviam a exploração também foram

registrados. Segundo frei João de São José, as riquezas que os jesuítas tinham na

região eram significativas, excedendo as missões dos carmelitas. Conforme a tradição

oral, em 1755, o jesuíta Pe. Manuel de Campos, confessor do infante D. Antonio,

solicitava o armazenamento de uma carga de tabaco castelhano que os padres jesuítas

das terras brasílicas mandavam para os jesuítas espanhóis, enquanto não tinha

condições de despachá-los para Cádiz. O Pe. Manuel de Campos foi atendido, mas

quando estavam arrumando o armazém, os carregadores acharam os fardos muito

pesados: “examinando o conteúdo era prata e oiro e não tabaco”; o fato foi

comunicado ao ministro e ao rei.759 Frei João de São José acrescentava que o ministro,

Conde de Oeira, que depois foi agraciado com o título de Marquês de Pombal, havia

mencionado que o Pe. Manuel de Campos recebera “mais aquele ano no seu banco do

que o Rei pela do Rio de Janeiro”. Este episódio confirmou que os rios da região do

Pará eram canais para escoamento de prata e de ouro da Espanha, seguindo para

Portugal.760

Sobre os produtos naturais da região, frei João de São José destacou que a

manteiga do peixe boi tinha a virtude de conservar incorruptos os presuntos e outras

carnes.

O guaraná, fruto da região, era uma fruta que se destacava pela beleza do fruto

e pela forma como era consumida pela população local:

“uma espécie de arbusto ou cipó que enrolando-se nos grandes troncos sobe

muito, lança flores brancas, semelhantes as do café; caída a flor aparece o fruto

redondo, outras vezes chato, encarnado de uma parte, da outra amarela, a casca é

dura, e dentro tem uma película, ou membrana negra, tirada se tosta a semente, que é

como as pevide de café, porém reduzida a melhor; então se passa por peneira fina, e

se fazem paus como de chocolate e de outros feitos, primeiro reduzindo-a massa com

água e gastando 15 dias para encorpar e secar”.761

A embaúba era uma árvore milagrosa sendo utilizada como remédio para

“sangue do peito”. Tirado o olho da planta, este era raspado juntando-se vinagre. Em

seguida, a substância era batida com clara de ovo e uma porção de açúcar e

ingerida.762 A andiroba era outra planta que se destacava por produzir azeite utilizado

para iluminação no Pará.

Page 317: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

317

A subida do rio Xingu era agradável, porém era muito perigosa por causa dos

ventos e pedras que se encontravam no percurso. Nas margens vistosos arvoredos se

destacavam pela variedade de frutas, fragrâncias e cores. Abundavam, como já havia

registro, o pau cravo e o pau roxo. As cachoeiras impressionavam pela beleza, mas a

região era esparsamente povoada.763 A notícia da descoberta das minas de São Felix

do Tocantins, pelo mestre de campo Francisco Ferraz Cardoso e seu companheiro, o

capitão João Pacheco, atraiu para o local aproximadamente oito mil pessoas em busca

do ouro. Esgotadas as minas, procuraram-se outros sítios e Francisco Lopes de

Almeida, natural de Santarém, encontrou as minas novas das Arraias, nome dado ao

local pela concentração desse peixe.764

Deste mesmo período é o registro de José Monteiro de Noronha, que nasceu

no Pará em 1723. José Monteiro de Noronha estudou no colégio jesuítico de Belém

do Pará, formou-se em advocacia e assumiu posteriormente o cargo de vereador da

Câmara do Senado. Homem de letras, atuou intensamente na vida política e, como tal,

fez diversas viagens pela região da Amazônia. Uma destas viagens foi registrada no

“Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias dos domínios

portugueses em os rios em os rios Amazonas e Negro”, de 1768. A obra tinha como

objetivo divulgar algumas notícias que pudessem aguçar a curiosidade dos

navegantes, tornando conhecidas as capitanias do Pará e de São José do Rio Negro. A

cidade do Pará era a capital e residência do governador e capitão general do Estado;

compreendia quatro capitanias e governos particulares, a saber: Pará, rio Negro,

Maranhão, e Piauí.765 De maneira similar a outros registros do período, sua

preocupação era fornecer a localização exata por meio da latitude e longitude,

enaltecendo o clima “saudável, e benigno”. Descreveu a região como sendo de

campos abertos, e matos espessos:

“de arvores sempre ornadas de folhas, de portentosa altura, e grossura, e de

preciosas qualidades, e cores: de gados, e animais silvestres: de aves de rara grandeza,

e formosura pela variedade, e viveza das suas cores. O seu commercio consiste em

cacau, cravo, salsaparrilha, óleo de cupayba, café, assucar, tabaco, algodão, e couros,

que passão por trato a Portugal”. 766

Com objetividade, José Monteiro de Noronha descreveu os principais pontos

por onde a expedição realizou sua trajetória, sempre observando a longitude e latitude.

Page 318: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

318

O rio Tocantins, descrito como caudaloso, tinha as águas provenientes de uma

chapada grande; os montes no entorno contribuíam para que diversos cursos de água

desaguassem no seu leito. Pela margem oriental: “O rio do Sono de Manoel Alves:

Paranátinga: rio Preto; e o do Maranhão”. Na margem ocidental havia “os rios

Tacoanhunas: Araguaya: da Capoeira: de St.a Luzia: dos Mangoes: Curijaz: Boa-vista,

e rio das Almas”. Pela qualidade da água produziam-se “deliciosos peixes, e

perfeitissimas tartarugas; para: cuja producção tem muitas, e vistozas praias, de

areya”. Contudo, o rio não possuía só encantos, a navegação era trabalhosa devido aos

saltos e pedras que se encontravam pelo caminho, fora o perigo que o gentio, que

habitava ambas as margens, representava. Este era um dos fatores que impedia a

extração do pau cravo e dificultava a comunicação com as minas de ouro de São Felix

e da Natividade que era a última freguesia do Bispado do Pará.767

Pelo percurso, José Monteiro de Noronha fez questão de ressaltar as inúmeras

ilhas que encontrara pelos rios, onde abundavam castanhas das quais se extraia o óleo

“chamado no idioma geral dos Índios - yandy-roba; e vale o mesmo que - azeite amar-

gozo-; por que na verdade o é; e faz um ramo de commercio da villa Viçosa; por se

servirem delle os moradores da capitania do Pará; para as luzes de casa”. Esta

castanha era encontrada em profusão na baia do Marajó, na cidade do Pará, nas vilas

de Oeiras, Melgaço, Gurupá e em outras muitas partes, inclusive em terras

pantanosas. Segundo o narrador, na região havia diversos tipos de óleos obtidos de

diferentes árvores, alguns mais agradáveis ao paladar que outros. Neste sentido,

considerava estimáveis aqueles “gerzilim, castanhas ordinárias, patauá, e ybácaba, a

que Mr. de Condamine (a) chama na língua dos Maynas - ungurave-”. Esclarecendo

sobre as resinas naturais encontradas na região, destacava a do caju que equivalia à

goma arábica e a do jutai que era “excellente consolidante, e da qual se servem os

Índios para vidrar a sua louça”. Havendo ainda a da “Xeringa”, cuja elasticidade e

usos eram bem notórios e a do breu. Não faltavam os bálsamos que eram muito

especiais como copaíba, cumaru e omiri.768 Este trecho remete diretamente ao texto de

La Condamine que fez o mesmo registro.

O grupo que partiu de Belém foi até o cabo de Orange, na desembocadura do

rio Yapoco, que “se declarou por limite dos domínios Portuguezes no Tratado da Paz

de Utreckt; por que antes della Luiz l4 rei de França, tendo-se-lhe confirmado no

Page 319: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

319

Tratado da Paz de Niméga a pacífica posse de Cayenna, pertendeo, como dependencia

da mesma ilha, tomar aos Portuguezes toda a costa até o rio Amazonas”.769 José

Monteiro de Noronha demonstrava conhecer a região, estando envolvido com a defesa

dos limites das conquistas portuguesas, por meio de negociações no decorrer dos

séculos, além do acesso a textos que tratavam da região do Amazonas e Pantanal.

Após algumas paradas, a viagem continuou do Gurupá ao sertão do rio

Amazonas, costeando pelo lado esquerdo até chegar ao rio Xingu, distante do Gurupá

doze léguas. O rio Xingu descia do Sul ao Norte, em paralelo ao rio Tapajós. Sua

barra tinha pouco mais de uma légua de largura, e ia se abrindo durante o seu

percurso. No decorrer da viagem por este curso fluvial, que durou oito dias, Noronha

registrou que as cachoeiras e as florestas eram amenas e as praias vistosas. Dos seus

matos era extraído muito pau cravo. A quantidade de rios e o volume de água faziam

parte do registro a fim de dar conta dos limites do território português na região.770

Defronte à vila de Porto de Moz, na outra margem do rio Xingu, estava o início

de um canal estreito chamado Aquiqui que, num percurso sinuoso, ia dar no rio

Amazonas. O trajeto era infestado de mosquitos, principalmente no inverno, o que

incomodava os navegantes, como também observara La Condamine. Na região

localizava-se a Vila de Almeirim, que também explorava o pau cravo, sendo

conhecida pelos montes, vales e planícies que produziam cacau e boa salsaparrilha.771

Navegando pelo rio das Trombetas, cujo curso era formado a partir das águas da

Cordilheira de Guayana, que ia desaguar no Amazonas, o viajante registra a existência

de pau cravo e copaíba. A área, habitada por índios, era pouco conhecida no seu

interior. Porém, segundo registros como o de Charles Marie La Condamine, havia

comunicação com os domínios da Holanda, Suriname.772

Nos lagos do rio Neamundá se achava pescado, como o dos peixes-boi

“chamados de azeite, os quaes só differem dos ordinarios em terem maior altura, e

tanto toucinho, e gordura, que quase se lhe não percebe carne alguma. Há peixe boi

destes, que rendem vinte, e mais almudes de azeite”.773 Em frente ao primeiro furo de

Saracá principiavam as praias onde as tartarugas, com maior abundância, depositavam

os seus ovos. O registro de José Monteiro de Noronha não tinha como objetivo

escrever a história particular das tartarugas, nem contradizer as notícias que

comumente circulavam sobre estes animais, pela diversidade delas. De forma concisa

Page 320: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

320

afirmava que elas eram pescadas da costa da cidade de Belém para baixo. Também se

consumiam as tartarugas da água doce, como aquelas do Rio Amazonas. Algumas

chegavam a pesar três arrobas e depositavam “os ovos ordinariamente por uma vez

em os mezes de Outubro e Novembro, em que estão enxutas as praias. Cada uma

depõe cento e quarenta ovos, mais, ou menos; e os escondem na arêa, não

ligeiramente, mas com profundidade de dous palmos; de modo, que não é o calor do

sol, sim o da arêa, o que os fomenta, e faz sahir, os filhos, os quaes logo, que chegão a

água, mergulhão sem embaraço das ondas.”774

Na continuidade da viagem, registra aa designação de outros rios e nações

indígenas. De forma similar foi feito o registro de tremelga. Segundo José Monteiro

de Noronha, Mr. Laurencini citado no “Dicionario de Dombes verbo Torpille” dizia,

que havia moluscos de maior grandeza que pesavam de dezoito a vinte e quatro libras,

sendo necessário tocá-las imediatamente nos dois músculos que as cingem, onde se

encontra o seu veneno, para se sentir o estupor que produzem. Havia moluscos de

quarenta e mais libras de peso, que diferiam daquelas conhecidas nas costas da

Europa, e África, “por terem estas alguma semelhança com as arraias, e aquellas com

as enguias e cobras. Em qualquer parte do corpo, que se lhe toque com a mão, ou com

instrumento de pao, ferro, ou aço, cauzão o referido, estupor, e mais intenso, sendo

feita a percussão com instrumento de ferro, ou aço”.

A dor produzida no braço, quanto atingido, era maior do que muitos afirmavam.

O estupor, diz o cronista, era na verdade maior do que se supunha, sendo o bastante

“para fazer morrer afogados a muitos homens, e outros animaes, quando encontrando-

os as Tremelgas em algum rio, ou lago, se esfregão por elles de modo, que por

entorpecidos não podem nadar”. Esta espécie tinha ovos semelhantes aos dos peixes,

que depois que eclodiam é que se criavam; “e agazalhão, entre as guelras, como

fazem os peixes chamados Piráurucús, e outros”.775

Na continuação da sua viagem, José Monteiro de Noronha voltou a reforçar a

abundância de cacau, salsaparrilha e outros gêneros na região do Amazonas e Rio

Negro, como comprovam as colheitas e constituíam a base do comércio no Pará.

Além do perigo do gentio, os rios possuíam uma correnteza mais forte que de outros

rios, fazendo que raízes de árvores se desprendessem e com ela grandes porções de

Page 321: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

321

terra. Tal situação era um risco para a navegação que tinha que vencer a correnteza do

rio.776

José Monteiro de Noronha afirma que dialogava e discutia com as informações

disponíveis. Nas adjacências do rio Coari, recebeu notícias da existência de uma

campina larga, não sendo possível identificar se havia gado vacum como afirmava La

Condamine.777 O autor estava preocupado com as ações do viajante francês e com a

identificação dos limites do território que, além de desconhecido, era alvo de disputa.

Conforme afirmou, a região do rio Paraguari, ou Parauari, sobre o qual havia dúvida

quanto ao nome ser uma variação de Pará, alvo de interesse dos espanhóis. Assinalou

que naquele local (na margem setentrional do rio Napo) foi erigido pelo capitão-mor

Pedro de Teixeira um marco, tendo sido comprovado o ato de posse. O governador

Alexandre de Souza Freire, quando governou o Pará, constatou que o marco estava

corrompido sendo necessário renová-lo.778 Enviou Belchior Mendes de Moraes com

quinze soldados para a região, a fim de erigir outro marco, estando presente o jesuíta

João Baptista Julião superior das Missões de Quito. Isto comprova a posse

portuguesa, a despeito do que defendia Mr. de Condamine e do que afirmavam os

jesuítas espanhóis que tinham interesse sobre a região. Para Noronha, Mr. de

Condamine não estava bem informado e por isso confiou no registro do jesuíta

Samuel Fritz “que descendo pelo rio abaixo com animo de privar os Portugueses da

posse, e fazel-a, sua, sugeriu praticas aos indios Cambebas, ou Umauás, para os

reduzir á sua communhão, e mudal-os das ilhas, em que habitavão, para as margens

do rio, tratando-os por seus Catecumenos”.779

A viagem continuou pelos rios até a fortaleza de São José dos Marabitanas,

localizada na margem austral do Rio Negro, última colônia dos portugueses no rio

Negro. No decorrer do roteiro, José Monteiro de Noronha procurou ora confirmar as

informações de La Condamine, ora questionar os dados fornecidos. O registro fez

menções ao mundo natural de forma esparsa, pois a principal preocupação era a

definição da fronteira e sua ocupação, sendo necessário para isso viabilizar a

exploração de produtos que fossem rentáveis à coroa portuguesa. Mas outros

problemas impediam o desenvolvimento da região. A distância em relação à Bahia e

Rio de Janeiro fazia que as ações dos governadores gerais demorassem a ser

efetivadas. Havia mais ligação entre a região do Pará e Maranhão com a metrópole do

Page 322: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

322

que com outras partes da colônia, principalmente na região sul. As condições de

navegação, apesar de terem melhorado no decorrer dos séculos, ainda apresentavam

problemas. A viagem pelo mar era uma aventura, nem sempre com momentos felizes,

e os documentos referem as dificuldades que envolviam o percurso entre as regiões da

colônia e a metrópole.

Em 1764 José Barbosa de Sá escreveu a obra “Diálogos físicos e naturais, em

que se descrevem as produções da América, Minerais, animais e Plantas” oferecida à

rainha D. Maria I.

A obra foi concebida em dez diálogos que tratavam de vários assuntos

referentes ao mundo natural das terras brasílicas. No primeiro diálogo, seguindo a

forma de apresentação que remontava a Antiguidade, era apresentado o princípio das

produções terrestres sensíveis e insensíveis considerando os elementos: fogo, ar, água

e terra. Na segunda e terceiras partes foram apresentados os minerais como: ferro,

aço, ouro, prata, cobre estanho, cobre, chumbo, enxofre, salitre, azeviche, greda,

pedras tanto comuns como preciosas, incluindo-se nesta secção o coral e as perolas. O

quarto diálogo foi dedicado aos animais em geral, no quinto foi abordada a natureza

de vários animais e suas “formalidades e faculdade”. O diálogo seguinte foi dedicado

às aves em geral e suas variedades, às abelhas e a outros insetos. Na sétima parte foi

feita a caracterização dos peixes em geral e suas variedades e a dos diferentes

mariscos. O oitavo diálogo tratou das plantas, árvores em geral, considerando seus

diferentes nomes. Na penúltima parte foram tratadas as flores e seus nomes e na

última foram apresentados os frutos em geral e seus diferentes nomes.

Na introdução Jose Barbosa de Sá afirmava estar cumprindo uma promessa

feita há muito tempo, que era relatar a produção da natureza. Ele entendia que o “o

historiador que escreve a vida de um sujeito, deve para a historia ser perfeita

principiar por seus progenitores, e acabar com o fim que teve, e senão dizem que a

historia não tem pés nem cabeça”.780 O autor entendia que os princípios de todas as

produções terrestres sensíveis e insensíveis tinham Deus como causa prima:

“e a matéria do que as formou, os elementos cujo conhecimento tiveram os

primeiros homens do mundo ainda que confusamente chamando-lhe de matéria prima,

que os modernos distinguem dos elementos, uns os fizeram cinco, fogo, ara, terra

água e céus, outros que todos os corpos simples eram elementos, como ainda hoje

Page 323: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

323

chamam os químicos ao mercúrio e sal e enxofre por serem correlativos aos princípios

da produção do mineral e plantas, outros os dividiram em dois opostos pelas levidade,

e gravidade, fazendo do fogo, e ar um, e da água e terá outro, outros fizeram três,

água, ar, e terra excluindo o fogo por falta de lugar tenente, outros que absolutamente

negão elementos fazendo do fogo ar, água e terra criaturas invencíveis como as mais

fundadas na razão de que nenhum corpo dissolvido se torna em fogo, ar, água, nem

terra, Aristóteles o que delas melhor filosofou, cuja lição foi sem pré a mais bem

aceita até hoje”.781

Jose Barbosa de Sá entendia que a significação de elemento deveria ser

compreendida como uma parte daquilo que compõe qualquer coisa. Tal como as

letras, eram elementos da oração, as coisas do mundo se compunham de qualidades

contrárias que formavam o todo que os seres humanos observavam. As qualidades dos

elementos eram ensinadas nas escolas e a Igreja aceitava, sendo eles: fogo, ar, água, e

terra. Era a partir destes elementos é que se constituía a materialidade. Todos eles

eram iguais entre si com as mesmas potencialidades, não estando nenhum deles

subalterno ao outro. Apesar de alguns defenderem que o fogo e o ar eram mais

nobres, Jose Barbosa de Sá afirmava que estes dependiam dos demais para “suas

existências, e operações, não pode haver maioria de huns para em outros”. Para os

estudiosos, a primazia do fogo adivinha de sua atividade. Para José Barbosa de Sá,

não: o fogo tinha destaque porque Deus o havia separado de toda a matéria convulsa

que havia criado.782 O fogo poderia ser compreendido de formas diferentes, pois da

mesma maneira que consumia as coisas, poderia criar de novo, aquecer, purificar,

animar e vivificar. No que tange ao lugar próprio do fogo, os “sábios do mundo” não

tinham chegado a um consenso. Diziam que:

“é certo errarem alguns, segue-se poderem todos errar, disseram uns que tem

sua origem no côncavo da lua, outros sobre a regiam do ar, fundados uns e outros em

vez a chama subir da terra para o alto; outros o fizeram nos raios do sol por serem que

fulminam chamas, outros no centro da terra em razão dos vulcões de fogo que nela

arrebentam, e de novo lá descobriu o Reverendíssimo Padre Feijó sábio de nossos

tempos; querendo tenha por força este elemento lugar separado dos demais, o que é

contra toda a razão porque”.783

Page 324: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

324

Para José Barbosa de Sá, o fogo não podia existir sem a união dos demais

elementos e vice-versa. A união deles os conservava como tais, caso isto viesse a ser

rompido a natureza “caducaria”. Por conseguinte, defendia que o lugar próprio do

fogo era “todo o continente que em seu centro encera o firmamento, nos orbes

celestes, nas estrelas, no ar, nas águas, na terra, e em tudo quanto dela produz; pois

não poderiam os céus naturalmente caleficar, as estrelas criar, o ar purificar, as águas

alimentar e criar viventes, nem a terra produzir e nem suas produções existirem, sem

sua assistência”. 784

Após discorrer sobre os elementos da natureza, na introdução do segundo

dialogo, o autor dizia-se ansioso por tudo o que fosse novidade e que o conhecido era

um enfado. Conforme sua promessa, ele desejava fazer uma relação de minerais,

animais e plantas, elementos essenciais da natureza. Em relação aos minerais,

afirmava que estes não eram para aqueles que o buscavam, mais sim para aqueles que

o encontravam. Os aventureiros procuravam minérios na terra, revolvendo montes,

mudando o curso das águas, realizando incêndios, ou seja, eles estavam sempre

envoltos em inseguranças e cuidados.785

José Barbosa de Sá dizia que estava livre desses trabalhos, pois, como

estudioso, descobria minerais e oferecia o conhecimento sobre eles para que os

demais habitantes da colônia tivesse consciência dos recursos do mundo natural. A

palavra mineral, tomada genericamente, era a mesma para tanto para o latim como

para o grego, sendo associada ao verbo metal que significava “coisa buscada”, sendo

tudo aquilo que se acha em minas da terra como: ferro, ouro, prata, cobre, sal nitro,

alambre, vitrilo, greda, barro, dentre outros recursos. Porém, restringindo-se ao

vocábulo, metais eram todas as substâncias que fossem fundidas e lavradas para uso

humano, sendo eles: ferro, ouro, prata, cobre, estanho, chumbo, e azougue. Em

relação a este último, afirmava que “nem sei com que fundamento meterão na serie

dos metais não tendo qualidades das que se requerem para distinção dos mais

minerais; pois aporem-no neste número, não devia ficar de fora o enxofre, e

antimônio, mas como assim o quiseram os mais velhos, assim seja”.786

Como a Bíblia não era clara em relação ao surgimento dos minérios, muitos

tentaram atribuir a cada mineral um progenitor; “ao ouro o sol, à prata a lua, ao ferro

marte, ao estanho júpiter, ao cobre vênus, ao chumbo saturno, e ao azougue

Page 325: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

325

mercúrio”. Portanto, os estudiosos divergiam entre si, ora dizendo que esses

elementos da natureza poderiam ser criados de um humor, outros defendiam que

serem eles provenientes de exalações úmidas; José Barbosa de Sá enfatiza que “outras

muitas opiniões tais como estas se acham escritas que melhor fora não nas escreverem

seus autores, e ocuparem-se em outra cousa”. Esta discussão era pouco profícua na

medida em que o poder divino era o gerador de todas as coisas do mundo.787

No quarto diálogo, o autor afirmava que os animais foram criados por Deus no

quinto e sexto dia da criação, respectivamente, os aquáticos e terrestres. Para tratar de

criaturas viventes era necessário mostrar o que era vida e o que era ser vivente. Vida

deveria ser compreendida de duas maneiras: “in acto primo, et in acto secundo”. A

primeira se refere a tudo aquilo que existe e a segunda a tudo que se move, sente, e

nutre. Nesta última, estariam os animais com vitalidade, que unem a alma ao corpo,

movimentam-se e sentem. A alma deveria ser considerada de quatro maneiras:

"primeira vegetativa, que é principio da nutrição, e aumentação; e segunda

sensitiva que é o principio da sensação; terceira progressiva que é o principio do

motu; quarta intelectiva que é principio das operações do entendimento, e vontade que

só se dá em Deus nos Anjos, e nos homens; e os animais somente vivem com alma

vegetal sensitiva e progressiva; a primeira com que se nutrem, e crescem; a segunda

com que sentem, e conhecem, e a terceira com que se movem, entendem e exercitam

todas as funções, que suas formalidade lhes permitem”.788

A faculdade sensitiva tinha semelhanças com a intelectiva nos atos que se

exercia. Porém, não poderia ser considerada na essência da animalidade. As ações dos

animais que parecem intelectivas não são, pois não excedem as leis da natureza. O

homem é que possui capacidade intelectual, pois este é capaz de intervir na natureza

transformando-a. Isto é constatado quando o ser humano reconhece o criador

divino.789

Os animais têm “os sentidos do corpo vivíssimos, mais do que o homem”.

Dentre eles se destacava o olfato, com o qual conheciam as coisas naturais, melhor do

que os homens. Este sentido permitia que aumentassem o saber com a maturidade e

experiência. Os animais mais velhos sabiam mais e sentiam “as paixões da alma,

alegria, tristeza, medo, ira, tem lembrança do passado, e conhecimento do futuro,

enquanto as coisas naturais padecem enfermidades, e sabem buscar-lhes os remédios

Page 326: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

326

por instinto natural. Conhecem naturalmente tudo o que lhes faz dano, e proveito, e

sabem fugir dos males, e buscar o conveniente”.790 Deus havia criado os animais para

povoarem a terra para “ serviço e oblação de seu santo nome demonstração de seu

poder, e saber”. O ser divino tem lhes concedido, por bondade, a vida, para “benefício

do homem; para a companhia, sustento, regalo, luxo e para castigo como instrumentos

da divina justiça, são enfim mortais, não tem mais pena nem gloria, que enquanto vive

a alma unida ao corpo, morto este extingue-se o todo”.791 A alma é extinta na medida

em que a parte material finda.

Em seguida, José Barbosa de Sá volta sua atenção para os animais,

considerando também as espécies europeias.792 O boi, que o animal que dá sustento ao

ser humano, já havia sido descrito com propriedade por Aristóteles e Plínio, o Velho.

A introdução da criação na América permitiu que o animal procriasse e fosse tido

como se pertencesse à terra, encontrando-se nos campos.793 Revelando conhecer

outras regiões, ele faz comparativos com as espécies das colônias inglesas e francesas

da América do Norte.794 Sobre o cavalo, “animal mais celebre da natureza”,795

também são tecidas considerações e comparações, seguindo-se de descrições de

carneiros, cabras, porcos, etc.796 A fauna da terra tão recebeu atenção, em especial as

onças que poderiam, segundo o autor ser divididas em várias categorias e separadas

por nominações diferentes, dependendo da região. Este animal poderia ser dividido

em onze castas diferentes. Sete delas eram mais ferozes e quatro com ferocidade

menor, chamadas genericamente de jaguatirica. O pelo poderia ser liso. Uma fera

valente, mas “que nunca chegam a entrar nas casas, vivem retiradas nos montes mais

desertos, berram como o touro, que se ouve seu eco de duas léguas e mais." Cita as

espécies com pelo pintado que no tamanho se assemelhava ao tigre. O corpo poderia

ter manchas pretas grandes sobre tom avermelhado da pele, como também aquelas

com manchas pretas miúdas, sobre uma pele mais clara possuindo pescoço longo e

delgado.797 Havia espécies com manchas pretas e brancas, também com pescoço

longo. Estes animais faziam grandes prejuízos principalmente nos chiqueiros e

currais, onde matavam a sua presa. Em seguida, suspendiam-na, e a tiravam por cima

da cerca, que poderia ter oito palmos de altura. Roncavam como touro, principalmente

durante a noite, e a fêmea também roncava no decorrer do dia durante o trabalho de

parto.798 Alguns especuladores diziam que o animal não tinha faro. José Barbosa de

Page 327: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

327

Sá não concordava, dizendo que estes animais tinham o olfato muito ativo. Em certa

ocasião, encontrando um filhote de onça pintada, recém-nascido, e a mãe não estando

por perto, ele matou a cria e levou para o rancho. Entre o local onde havia encontrado

o filhote e o rancho havia mais de meia légua. Apos chegar à habitação e passadas

aproximadamente duas horas, a onça pintada apareceu em busca do filhote, dando

trabalho a muitos homens que estavam no local.799 Tal fato comprova o faro aguçado

do animal.

A anta era um animal encontrado em diversas partes, também conhecido nas

Índias Orientais, de onde vinham unhas por relíquias. Este fato era inusitado,

considerando que nas terras americanas elas não tinham valor. Havia para ele duas

castas de antas, uma branca e outra cinzenta, ambas se sustentavam de ervas e frutas,

sendo um animal tão forte, que ao fugir arrebentava troncos grossos. Contudo, era um

animal “covarde de animal, que de qualquer sombra se espanta, e foge”. Observara

que o animal possuía perto do fígado um espaço que o auxilia a respirar, podendo

permanecer debaixo da água por mais de uma hora.800

Outros animais eram citados, seguindo o mesmo modelo de registro. A ideia

era fornecer elementos para a compreensão das espécies e suas particularidades como

veados, bugios, capivaras, pacas, tamanduás, tatus, lobos, jacarés, tartarugas, cobras,

arapongas, tucanos, piranhas, dentre outros.801 José Barbosa de Sá apresenta um

registro que mostra a diversidade natural, mas não abandona o discurso religioso da

criação divina. A descrição objetiva e racional não contrariava os dogmas da Igreja.802

Elias Alexandre e Silva, alferes de infantaria da Companhia de Major do

Regimento de Santa Catarina, escreveu em 1778 “Relação ou notícia particular da

infeliz viajem da nau de sua Majestade fidelissima Nossa Senhora da Ajuda e S.

Pedro de Alcântara do Rio de Janeiro para a cidade de Lisboa”. A obra foi dedicada a

José Seabra da Silva. O registro da relação era movido pelas seguintes necessidades:

“A primeira, evitarem-se embarques sem huma grande precisão Segunda,

prevenirem-se as embarcações, que houverem de fazer viajens largas, de páos,

massame, mantimentos, e aguada, mais do que até aqui se julgava necessário para se

navegar com bonança; e sobre tudo, de hum leme de sobrecellente, que somente

costumao levar as nãos da Índia, como se Eolo, e neptuno só naquelles mares fossem

soberbos”.803

Page 328: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

328

Além destas questões, era necessário alertar os navegantes quanto aos

perigosos trabalhos durante uma tempestade e como deveriam proceder em tais

circunstâncias. Por ordem do Marquês de Lavradio, d. Antonio Almeida Soares

Portugal (1699-1760), Vice-Rei do Estado do Brasil, saiu em companhia da frota real

Nossa Senhora da Ajuda com o destino ir à Bahia de Todos os Santos, devendo

permanecer naquele porto às ordens de Manoel da Cunha Menezes, governador, e

capitão general daquela capitania. O número de pessoas que acompanhava a viagem

era de aproximadamente seiscentas almas, que partiram quando os ventos sopravam

de noroeste, “com alegria e prazer geral”.804 No mês de junho as embarcações se

aproximaram do morro de São Paulo. O objetivo era atingir a cidade de Lisboa, mas a

frota para aquela cidade já havia partido. Foi determinado que dois navios de guerra

fossem preparados para acompanhar as embarcações, onde seguiria José de Seabra da

Silva.805

As embarcações seguiram rumo a Portugal, passando pela Ilha de Fernando de

Noronha.806 A contemplação da paisagem do litoral e do mar calmo foi rompida pela

formação de uma tempestade tropical tão temida pelos navegadores. Numa das noites,

o céu dava indícios de trovoadas que se podia ver no horizonte coberto pelas nuvens

cinzentas. “O centro da Zona Tórrida fazia às vezes trazer à lembrança da calma, que

quase sempre costuma ali haver; mas mesmo instante se via perpetuada a contaria

causa para desvanecer semelhante pensamento”.807 Nos dias seguintes, as chuvas

foram constantes, sem vento forte. Depois destes percalços, o que as pessoas

desejavam era chegar às ilhas de Cabo Verde com brisas amenas. Alexandre Elias da

Silva anotou a localização com precisão, como também as práticas de missas e rezas

comuns. Nos dias seguintes, as chuvas intensas e as tempestades fizeram que a

tripulação temesse pelo seu destino, enquanto os marinheiros empreendiam todos os

esforços para equilibrar e salvar as embarcações. O esforço conjunto não impediu que

as embarcações ficassem danificadas no mastro e na proa; isto contribuía para

aumentar a fadiga e o desânimo dos homens. As embarcações ficaram destroçadas.808

Os animais que haviam sido embarcados para consumo ficaram espalhados pelo

convés. As capoeiras das galinhas foram danificadas e mais de oitocentas se

perderam. Da mesma forma, o gado, por causa do movimento brusco das

embarcações, quebrou pescoço e patas, e foram sacrificados. Os barris de manteiga,

Page 329: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

329

azeite, vinagre, queijos, açúcar e outros mais frágeis foram perdidos. Pratos, copos,

frascos, vidraças e outras peças foram perdidos. Como a turbulência demorou a

passar, a aflição aumentava e a maioria imaginava-se perto do fim.809 O momento

seguinte foi o da reconstrução, melhor dizendo, do reparo, com os recursos

disponíveis e com uma alimentação exígua. Se o trabalho era intenso, as condições de

sobrevivência eram precárias; o que animou a continuidade do trabalho foi o

enfraquecimento dos ventos trazendo dias mais serenos e tempo claro.810 Mesmo

assim, o perigo de mudança nas condições climáticas ia causando pavor aos espíritos

enfraquecidos, até que a situação foi amenizada com o vislumbrar de terra. Os

percalços fizeram que os marinheiros perdessem as referências que só foram

corrigidas ao verem ao longe o convento de Mafra. Estavam em frente à praia da

Ericeira.811 O medo não diminuíra, pois o vento ainda fazia danos à embarcação. O

movimento de aproximação foi cauteloso até a foz do Tejo em direção a Alcântara. A

etapa seguinte foi a mais prazerosa, o desembarque foi na praia de Santos. Tinha

início a sequência de missas e ações de louvor e de agradecimentos aos santos pela

dádiva conquistada. Lágrimas de alegria corriam pela face dos sobreviventes.812

Agruras que eram impostas àqueles que se aventuravam pelo mar.

Apesar de tudo, os filhos da elite colonial não se amedrontaram com os

perigos do mar. O Oceano Atlântico era apenas um obstáculo a ser superado. Outros

viriam, pois como ressaltamos anteriormente os estudos na Universidade de Coimbra

exigiam muito empenho, principalmente após a reformulação dos estatutos daquela

instituição.

Baltasar da Silva Lisboa (1761-1840) que se formou doutor em Direito Civil

Canônico pela Universidade de Coimbra, foi um dos que se aventurou pela longa

viagem transoceânica. Exerceu a função de ouvidor da comarca de Ilhéus, na Bahia, e

foi conservador das matas daquela região. Foi sócio da Academia Real das Ciências

de Lisboa e do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.

Baltasar da Silva Lisboa escreveu o “Ensaio da Física vegetal dos bosques dos

Ilhéus”, que trata de assuntos como agronomia, botânica e as propriedades das árvores

brasileiras. A obra, organizada em sete capítulos, discorria sobre as árvores, cuja

madeira servia para construções. O texto publicado no início do século XIX foi

composto por desenhos sobre as espécies. Baltasar da Silva Lisboa revelava conhecer

Page 330: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

330

os trabalhos elaborados pelo medico alemão Georg Marcgraf e pelo médico holandês

Guilhermo Piso, autores da obra "Historia Naturalis Brasiliae...", publicada na

Holanda, em 1648, como apresentamos em capítulo anterior. No texto, Baltasar da

Silva Lisboa faz menções ainda aos trabalhos de Henri Louis Duhamel du Monceau

(1700-1782), George-Louis Leclerc, conde Buffon, Pierre Louis Moreau Maupertuis,

dentre outros.

Baltasar da Silva Lisboa elaborou tabelas relativas aos preços das madeiras,

discorrendo sobre as qualidades de madeiras existentes e a conversão de medida de

comprimento, de pés a palmos. Apresentou 51 desenhos em aquarela representando

espécies de árvores, flores e frutos da região de Ilhéus. No primeiro capítulo tratou

dos princípios e partes que compunham a árvore, bem como qual era o tempo mais

adequado para o seu corte. No segundo, discorreu sobre as árvores que eram

utilizadas na construção, destacando alguns caracteres botânicos. A cultura das

árvores nos bosques foi o objeto de estudo no capítulo terceiro. Em seguida, tratou de

forma específica os meios de conservar a boa qualidade dos paus. No quinto capítulo

analisou os paus empregados no uso da marinha portuguesa, considerando seu uso no

fabrico de navios. Na penúltima parte fez uma ponderou sobre os preços das madeiras

de construção, tanto daquelas que serviam para carpintaria como para a construção

civil. Por último, tratou da resistência das madeiras. O estudo é minucioso e atende

aos interesses da coroa. Os primeiros trabalhos feitos pelos antigos estudantes da

Universidade de Coimbra começavam a circular, evidenciando a necessidade de

conhecer em detalhes os recursos naturais da terra brasílica.

As expedições de naturalistas se intensificam, não só em território

português.813 Em 1781, o almirante da Marinha espanhola e naturalista d. Felix de

Azara (1746-1821) visitou a região do Rio da Prata, realizando uma segunda visita no

início do século XIX. O estudo da área levou-o a publicar duas obras:

“Apuntamientos para la Historia Natural de los Quadrúpedos del Paraguay y Rio de la

Plata”, de 1802, e “Apuntamientos para la Historia Natural de los Páxaros del

Paraguay y Rio de la Plata”, com seus três volumes impressos entre 1802 e 1805. Este

trabalho revela preocupação com informações detalhadas de cada espécie, com

medições exatas, facultando melhor entendimento sobre os pássaros da região; o

trabalho evidencia os interesses comerciais espanhois na região.

Page 331: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

331

No ano seguinte, Francisco Antonio de Sampaio, médico português do Senado

e do Hospital de São João de Deus da Vila da Cachoeira, na Bahia, publicou a

“História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil, pertencentes à medicina”,

datada de 1782. O trabalho apresenta descrições de diferentes espécies, destacando as

suas propriedades para o uso pelo homem. O texto parte da divisão clássica,

concebendo os três “reinos”: animal, vegetal e mineral. Seguia a mesma orientação da

Academia de Ciências de Lisboa, demonstrando a fidelidade à coroa, cujo interesse

estava voltado para a exploração agrícola e mineralógica.

As expedições fluviais do século XVIII revelavam diferentes movimentos

feitos pelas coroas portuguesa e espanhola na região centro-ocidental da América do

Sul. Francisco José de Lacerda e Almeida (1750-1798) nasceu em São Paulo e se

formou na Universidade de Coimbra, como matemático. Nas suas andanças Francisco

José de Lacerda e Almeida navegou de São Paulo até Belém do Pará. Teve como

missão demarcar os limites das terras portuguesas e espanholas, conforme ficara

definido pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777). Seu trabalho, de levantamento do

território, definindo latitudes, longitudes, bem como rios e cachoeiras, foi de suma

importância para o reconhecimento de uma região pouco explorada. Desta

experiência, Francisco José de Lacerda e Almeida escreveu seu “Diário da Viagem de

Vila Bela Capital da Capitania de Mato Grosso até Vila e Praça de Santos a Capitania

de São Paulo”, que registra a sua investida pela região entre 13 de setembro de 1788 a

13 de maio de 1790. A expedição começou em 1780, quando deixou Lisboa em

direção a Belém do Pará. No momento seguinte navegou pelos rios da bacia

amazônica, chegando à povoação de Barcelos, no Mato Grosso. Após uma série de

percalços chegou a São Paulo em 1790. As aventuras de dez anos de viagem ficaram

registradas num diário onde Francisco José de Lacerda e Almeida contendo

informações sobre fauna e flora das terras brasílicas, dentre outras informações

geográficas importantes para o trabalho de definição dos limites. 814

Em 1786, Francisco José de Lacerda e Almeida passou pelo Lago de Xaraex,

juntamente como o astrônomo Dr. Antonio Pires da Silva Pontes e do capitão

engenheiro Ricardo Franco de Almeida. Francisco José de Lacerda e Almeida

registrou, de forma similar aos relatos feitos no século XVI, o medo da aventura pelo

sertão e pelos rios. As onças, em grande quantidade, mortas ou aprisionadas

Page 332: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

332

continuavam a ser uma ameaça, pois era possível encontrar seus rastros pelos

caminhos. Outro inimigo temido dos homens que se aventuram pelas matas eram os

rios, pois ao se banhar neles era possível encontrar piranhas, que também eram

conhecidas por “tesoura”. Esta espécie tinha mais de um palmo de comprimento e a

cabeça era desproporcional ao corpo. Os dentes eram grandes e cortantes. Bastavam

cinco minutos para que as piranhas deixassem somente o esqueleto de uma pessoa que

tivesse a infelicidade de cair na água. A experiência mostrava constantemente esta

situação. Conforme ouvira dizer um soldado que estava às margens da fronteira perto

de Nova Coimbra, vendo-se acuado pelo gentio, lançou-se a nado no rio para fugir da

perseguição. Em poucos minutos o infeliz foi devorado e o triste espetáculo

presenciado pelos companheiros que o seguiam.

As andanças pela região do Lago de Xaraes resultaram outras informações

como as arraias que eram muitas e de tamanho significativo, atingindo de 4 a 5

palmos de diâmetro; segundo ele, havia um peixe que possuía ferrão com veneno na

cauda. A substância não causava morte, mas a chaga dolorosa produzida por ela

demorava a cicatrizar. A despeito desta característica, o peixe não poderia ser

desprezado, pois a sua carne consumida frita, nas capitanias de Mato Grosso e Pará,

era muito saborosa. O registro de Francisco José de Lacerda e Almeida sobre a

natureza, apresenta as características do percurso e as dificuldades enfrentadas por

terra e por via fluvial: canais, rios e empecilhos como saltos, cachoeira, árvores,

corredeiras e outros inconvenientes da flora tropical. As hostilidades das tribos

indígenas da região sempre aparecem no registro, dando conta da dimensão de um

território desocupado e sem o controle efetivo da coroa portuguesa.

Pelo caminho, o abate de animais auxiliava na alimentação. Francisco José de

Lacerda e Almeida registrou com satisfação a caçada de uma anta “da grande de um

novilho, e que nestas paragens lhe não cede no gosto”.

A chuva pelo caminho interrompia a viagem e os viajantes permaneciam em

local adequado até que pudessem prosseguir.815 O mau tempo impedia o

prosseguimento dos relatos, tendo em vista os cuidados que se deveria ter com as

embarcações. Os inconvenientes tropicais, como o calor, a chuva e os insetos faziam

que muitos tivessem alívio quando chegavam a regiões em que as condições

climáticas eram favoráveis, como o clima puro e ameno da Fazenda Camapoan, suas

Page 333: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

333

terras férteis; depois que saíra de Portugal em direção à capitania do Pará e Rio

Negro, não encontrara nenhuma propriedade que se pudesse comparar com aqueles

ares, afirma o cronista. Esta experiência lhe causara prazer, depois de viver por oito

anos “em um certão”, onde só havia matos ásperos, campos inundados e pestifero.

Na viagem pela região do Paraná, Francisco José de Lacerda e Almeida

mencionou as variações de espécies animais que encontrou pelo caminho desde a sua

partida no Pará. Navegando pela região Sul, identificou algumas espécies de peixes

desconhecidos, que chamavam a atenção e marcavam as nuances de cada região.

Pode-se inferir que Francisco José de Lacerda e Almeida tinha conhecimento

de outras expedições e das amostras de espécies minerais que foram enviadas para

Portugal. Ao passar pelo rio Sucuriu, o explorador pernoitou na barra do rio Tietê,

onde os seus acompanhantes demonstraram por meio de tiros a felicidade de

chegarem à região. No percurso, Lacerda e Almeida observou ágatas, que

despertavam o interesse pelas suas cores e formas; coletou algumas para enviar a

Portugal e teria feito mais se não fosse a chuva e a necessidade de prosseguir viagem.

Em outro ponto encontrou calcedônia, perto das cachoeiras do rio Pardo,

salientando que era possível encontrar amostras “melhores no Gabinete de História

natural de Sua Majestade Fidelíssima”.

As andanças pelo sertão impunham que algumas datas festivas fossem

celebradas, conforme os hábitos da população local. Navegando pelo Tietê, Francisco

José de Lacerda e Almeida salienta que a ceia do dia subsequente ao Natal fora

melhor do que a que tivera no dia de nascimento de Cristo. No Natal por ser um dia

solene comeram feijão e toucinho com “macacos guisados por quatro diferentes

modos”. No dia seguinte o prato que causou regalo a todos foi uma anta.

A documentação oficial evidenciou as preocupações da metrópole Portuguesa

com a necessidade de implementação de uma política capaz de explorar as terras

coloniais de forma mais adequada. As ações de Sebastião José de Carvalho Melo

demonstravam isso, sendo possível afirmar que a política de colonização que Portugal

empreendeu na América Portuguesa, conforme Caio Prado Júnior, tomou o aspecto de

uma “vasta empresa comercial, destinada a explorar os recursos naturais de um

território virgem em proveito do comércio europeu”.816

Page 334: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

334

Na passagem pela margem oriental do Guaporé, altura da fortaleza príncipe da

Beira, ele registrou que havia no rio peixes de diferentes tamanhos e sabores, em

abundância, em todo o seu percurso. A viagem permitiu observar que nos matos

abundavam animais de um paladar saboroso, como cotias, porcos, antas e ventos. As

aves também eram apreciadas pela beleza das suas penas e pelo sabor da carne; uma

delas, a “Jô maior", tinha um sabor parecido com as perdizes de Portugal. A caça

dessa ave era simples, pois era suficiente ao caçador imitar o sinal sonoro da ave, para

que ela aparecesse para ser abatida. Havia ainda patos silvestres, marrecas, jacus, e

mutins, este último não devendo nada à carne da galinha.

As terras eram férteis e produziam tudo o que se plantasse, como feijão, milho,

arroz, café e outros tipos de raízes, bem como a cana-de-açúcar, abacaxi e ananás. O

viajante registrava, porém, que, sem dúvida, o que mais interessava aos homens era o

ouro e pedras preciosas que a natureza teimava em esconder.

O Pantanal representou uma barreira, para muitos, intransponível ao avanço

rumo ao centro e noroeste de Mato Grosso. As dificuldades que e natureza impunha

aguçava as intenções expansionistas num processo mais intenso no decorrer do século

XVII. As investidas do bandeirante Antônio Raposo Tavares, sob o auspício régio, foi

um exemplo marcante desse momento. Como bem lembra Sérgio Buarque de

Holanda, em “Visões do Paraíso”, “o que saiam a buscar em nossos sertões tantas

expedições custosamente organizadas, não era tanto o ouro como a prata. E nem eram

diamantes, senão esmeraldas. Em outras palavras: o que no Brasil se queria encontrar

era o Peru, não era o Brasil”.

O diário da viagem do ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio à região

do Rio Negro, entre 1774 e 1775, mostrava as viagens em missões oficiais. Francisco

Xavier Ribeiro de Sampaio viajou com sua família, dois soldados um piloto e alguns

ajudantes no total de 26 pessoas. Seu relato se atém principalmente às informações

sobre os recursos naturais da região que poderiam ser explorados pela metrópole,

incluindo um mapeamento do local, demonstrando que, nas últimas três décadas do

século XVIII, havia preocupação quanto a efetivar o domínio e a exploração da região

amazônica e das regiões limítrofes da América Portuguesa. Nesse movimento, muitos

viajantes naturalistas contribuíram, sem terem consciência plena desse projeto

colonial. Como observou Márcia Mendes Ferraz, na sua obra “As ciências em

Page 335: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

335

Portugal e no Brasil (1777-1822)”, as expedições faziam parte da estratégia

portuguesa no estudo dos reinos animal, mineral e vegetal, visando a uma exploração

das terras coloniais, que nem sempre era esclarecida àqueles que partiam para fazer as

coletas em diversas áreas do império colonial português.

O crescimento do pensamento racional e a importância da observação

empírica para o desenvolvimento científico tornaram mais comuns os relatos dos

viajantes naturalistas. As pesquisas que trilhavam o conhecimento da natureza

preservaram a noção de uma fauna e flora exuberante fazendo parte das

representações, embora o olhar continuasse voltado para a exploração econômica.

O naturalista coletava os exemplares das espécies, desidratando-os e

guardando-os em álcool para serem remetidos aos gabinetes de pesquisa europeus.

Descrições pitorescas eram comuns e mostravam como o viajante procurava pinçar

alguns elementos mais atrativos. Estes não tinham intenção de captar a totalidade,

mesmo porque isto seria impossível. Por conseguinte, era obrigado a fazer escolhas, e

estas ocorriam conforme o significado da experiência vivida, das relações entre

homens e objetos. O autor-viajante deveria desenvolver o espírito de observação,

poder de análise e imparcialidade. Os mais ilustrados acabavam por fazer uma análise

de sua própria cultura em contraponto com os locais observados.

A mala de um viajante naturalista era composta por diversos objetos, como:

prensas de plantas, machados, petrechos de dissecação, medicamentos, pincéis, lápis e

outros recursos para representação em livros de História Natural e em mapas.817

Compunha ainda a mala do viajante, relatos de viagens de diversas ordens,

principalmente os de origem administrativa fornecendo detalhes sobre a região, como

é possível notar nos textos que eles nos legaram. Os naturalistas deveriam seguir

procedimentos rígidos para a coleta de material e o envio deste para os locais em que

a pesquisa seria continuada, conforme consideramos nos capítulos anteriores. As

plantas eram desidratadas e postas em caixa e as sementes envolvidas em papel de

terebintina. Os animais eram embalsamados ou, não sendo possível, seguiam imersos

em álcool ou aguardente. Normalmente, as amostras da fauna e flora eram postas em

barris fechados, depois de serem devidamente embalados para não sofrerem nenhum

tipo de ação das condições climáticas, em especial a umidade. Geralmente, os que se

dedicavam à História Natural conheciam as obras de Plínio, Sêneca, Aristóteles,

Page 336: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

336

Ptolomeu. Dos estudiosos modernos, muitos fizeram referências a Copérnico,

Descartes, Aldrovandi, Georg Marcgraf, Guilhermo Piso, Charles Marie de La

Condamine. Na introdução do texto de alguns viajantes, havia uma síntese de

trabalhos pertinentes àquele local de exploração ou referências que pudessem

contribuir para o entendimento da questão abordada.

Nem sempre a discussão científica preponderou. Nota-se que a preocupação

de alguns autores era fornecer informações que fossem úteis para um número de

leitores mais amplo e que tinham curiosidade em saber sobre as novas terras. Nem

sempre, as novas idéias surgidas no decorrer dos séculos XVI e XVII foram

incorporadas ao texto, demonstrando o poder de uma tradição onde a natureza

aparecia como pródiga. A associação total com o paraíso terrestre não era possível,

devido a uma série de animais, em especial serpentes, jacarés, dentre outros que cujos

aspectos eram pouco receptivos nesse mundo natural.818 Todavia, a idéia de uma

natureza pujante era comum, como nos relatos da última década do século XVIII.

O naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815)819 viajou pelas

capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792, com o

apoio da Academia de Ciências de Lisboa. O projeto foi concebido por Domingos

Vandelli, de quem Alexandre Rodrigues Ferreira foi discípulo, como apresentamos

anteriormente. Este foi designado para formar uma expedição ao território da América

do Sul com o intuito de catalogar e descobrir novas espécies, a exemplo de outras

expedições feitas pelo império colonial português. Esta viagem de exploração, com

bases científicas, pode ser considerada um marco importante para o conhecimento

sobre a natureza.820

A viagem resultou um corpo de diários e memórias contendo mapas

geográficos, populacionais, dados agrícolas, e pranchas de desenhos que fornecem

informações sobre aspectos dos hábitos e costumes indígenas, bem como da fauna e

flora, perfazendo quase novecentas ilustrações.

A viagem filosófica pela região amazônica de Alexandre Rodrigues Ferreira,

que contava com a presença de João da Silva Feijó, Joaquim José da Silva e Manuel

Galvão da Silva, no final de 1782, foi desmembrada. A ação estratégica, do Secretário

da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro, visava a fazer que os naturalistas

pesquisassem outras áreas do império ultramarino português, o que permitiria maior

Page 337: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

337

obtenção de resultados favoráveis à portuguesa, tanto no âmbito econômico, como

também no âmbito científico.821

Alexandre Rodrigues Ferreira era natural da Bahia. Foi para Portugal estudar

na Universidade de Coimbra, adquirindo sólidos conhecimentos de Matemática e

Filosofia Natural, que inclui o estudo da Física Experimental, da Química Teórica e

Prática, da História Natural - Zoologia, Botânica e Mineralogia, dentre outras

disciplinas. Foi aluno de Domingos Vandelli. Alexandre Ferreira e seus companheiros

chegaram a Belém do Pará no dia 21 de outubro de 1783. O objetivo da expedição era

realizar um levantamento da flora, da fauna, dos recursos minerais, dos aspectos

geográficos e das culturas dos povos indígenas. No período subsequente, foram feitas

explorações pela região do Amazonas, Tocantins, Rio Negro, Ilhas de Marajó e outros

rios da região. No decorrer de suas investidas ele visitou Belém, Manaus, Carvoeiro,

Barcelos, Santa Isabel, São Gabriel, Marabitana, Airão, dentre outras cidades, até os

idos de 1788.

A equipe era formada pelo naturalista, por Agostinho Joaquim do Cabo

(botânico), por José Codina e José Joaquim Freire (desenhistas). Os recursos

financeiros destinados à expedição foram reduzidos, forçando os membros da equipe

a uma atividade penosa. Além das atribuições de cunho científico, Alexandre

Rodrigues Ferreira deveria registrar a situação das vilas e fortalezas, existentes na

região, a fim de identificar as condições de defesa delas, num eventual ataque

estrangeiro, tendo em conta o momento tumultuado que Europa atravessava. A

viagem foi iniciada em Belém, onde Alexandre Ferreira manteve um primeiro contato

com José Pereira Caldas que lhe forneceu os referenciais básicos sobre a região.822

As pesquisas de Alexandre Rodrigues Ferreira foram possíveis devido aos

relatórios de outros pesquisadores como: Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio (1774-

1775), Teodósio Constantino de Chermont (1720), José António Landi (1755) e

informações transmitidas por Manuel Gama Lobo d’Almada (1787), todas

mencionadas reiteradas vezes no “Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de São

José do Rio Negro”.823 A elevada quantidade de material coletado por Ferreira foi

considerada representativa por pesquisadores, porém não foi estudada pelos

naturalistas portugueses. Ao retornar a Lisboa em 1793, Ferreira seguiu ocupando

Page 338: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

338

cargos ligados à administração metropolitana. Desta forma, não houve sistematização

do conhecimento.

A expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira recolheu várias amostras da

flora, fauna e minérios das terras brasílicas. Além disso, foi responsável por uma

ampla coleção de desenhos e aquarelas que complementam o levantamento, bem

como de registros etnográficos das tribos indígenas e outros habitantes encontrados

nas localidades por onde passaram. Enquanto a natureza conquistava um papel de

relevo, em registros como o de Alexandre Rodrigues Ferreira, a figura dos autóctones

aparece de forma diluída ocupando um plano secundário. Esta diferença é marcante

quando comparamos os relatos elaborados nesse período com aqueles realizados no

decorrer do século XVI e XVII nos quais há uma preocupação em registrar a natureza

e os habitantes na mesma proporção.

Em 28 de agosto de 1787, Alexandre Rodrigues Ferreira elaborou o relatório

“Viagem que fez o diretor da vila de Serpa, Antônio Correa da Maia, de exploração

do rio Uatum e seus afluentes, reconhecendo toda as suas comunicações”, onde traçou

uma breve memória sobre aspectos da região. Os índios caripunas habitavam na

margem ocidental do rio Iatapu, que desaguava na margem oriental do rio Uatumã.

Segundo ele, o naturalista Alexandre Rodrigues da Silva, fez representar o local para

enviar ao Real Gabinete de História Natural. Antonio Vieira Correa da Maia, por

meio de carta expedida por João Pereira Caldas em 31 de janeiro daquele ano, foi

encarregado de explorar a região. O local ficava a oito léguas do primeiro furo do

Saracá, aonde se chegava à vila de Silves. A prospecção da região facilitava a

comunicação dos rios da margem ocidental com a colônia holandesa do Suriname. No

percurso identificou a existência de índios de três diferentes nações chamados de

maiuais, caripunas e irapaianas. A aproximação dos viajantes fez que os aborígenes

deixassem suas malocas com os seus objetos e se refugiassem no mato.824

O que diferia, enquanto novidade, era que os índios caripunas tinham a testa

raspada, “como a raspam na Europa os que usam cabeleira”. Estes autóctones usavam

enfeites e ornamentos para irem aos bailes. Havia um ornato em forma de coroa tecida

de palhinha pintada de preto. Para adornar a cabeça eles usavam uma gorra com

“coifa e continua sem ser fechada pelo comprimento do dorso de quem atrás;

dividindo-se em duas pernas, que acabam com seus martinetes rematados em borlas

Page 339: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

339

de fio de piteira”. Estas peças eram remetidas para observação, como também um

instrumento musical que se fazia em Portugal com folha de flandres e era utilizado

para “entretenimento das crianças". Na parte interna introduziam sementes. Estes

índios usavam armas como os murucus, os curabis e taquaras. Possuíam utensílios

como igaçabas (recipiente para preparo de alimentos) cabacos, balaios, gurupemes,

tipitis e abanos, e outros objetos que serviam para suas atividades; dormiam em redes

feitas de folhas de muruti trançadas.825

A simplicidade dos utensílios decorria da priorização das práticas de guerra e

caça. Os índios não tinham nenhuma idéia “de propriedade: tudo é para todos. Basta

que um dos do rancho tenha feito um ralo, para todos entrarem em direito de se

servirem dele.” Alexandre Rodrigues Ferreira afirmou que:

“A sua indolência natural é outro obstáculo que encontrarão a multiplicidade

dos móveis, e o mecanismo, e a conveniência da sua construção. Principiam friamente

a fazer uma maquira: continuam com pouca atividade, e como se fossem umas

crianças, qualquer bagatela basta para os distrair. Uma canoa entre suas mãos chega o

apodrecer de velha antes de a eles concluírem. Por mais fáceis que sejam, as suas

operações manuais consomem muito tempo. Faltam-lhes as ferramentas e todo o

gênero de menos empregar a sua paciência e assiduidade no trabalho de copiar o que

vêem com uma exatidão servil e minuciosa, do que [resulta não] dar a mais leve

tintura à sua própria invenção. Nenhum deles faz senão o que vê; e nenhum deles vê,

senão o que imediatamente lhes entra pelos olhos”.826

Alexandre Rodrigues Ferreira fez um minucioso inventário e remeteu a Lisboa

várias amostras as espécies da Amazônia, demonstrando interesse em retornar rápido

a Portugal. Seu objetivo era organizar as coleções, de forma que ficassem

devidamente preservadas. Contudo, o material foi considerado insuficiente pelo

ministro Melo e Castro que determinou que continuasse a expedição em direção ao

Mato Grosso. Nos idos de 1789, Alexandre Rodrigues Ferreira se encontrava em Vila

Bela fazendo o levantamento da fauna e flora, identificando diferentes palmeiras.827

Registrou pacientemente uma série de informações sobre as expedições locais,

acrescentando a descrição de animais e plantas.

Alexandre Rodrigues Ferreira, em documento datado de 29 de fevereiro de

1790, que compunha a “Viagem filosófica pelas capitanias do Pará, Rio Negro, Mato

Page 340: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

340

Grosso e Cuiabá”, traçou uma idéia de floresta pujante, mas hostil à presença humana

por causar medo. Observou que o princípio da vida animal, excetuada a dos insetos,

não tinha, na América Meridional, tanta representatividade quando comparada com a

vida vegetal. Para qualquer lado que o homem lançasse o seu olhar, a maior parte das

terras se reduzia a matas cobertas de altos arvoredos. Uma terra selvagem e sombria

“uma terra bruta e abandonada a si mesma”.828 Isto se devia à infinidade de plantas de

diversas famílias, espalhando-se pelo território. Só teria uma dimensão delas, aquele

que viajasse pelo seu interior. As andanças pelo sertão é que permitiam avaliar as

nuvens de insetos, como também as cobras e lagartos que se arrastavam pela terra.

Alexandre Rodrigues Ferreira ao registrar animais e plantas não teve como

preocupação nomeá-los conforme as normas da ciência do período.829 Apesar de ser o

primeiro a observar novas espécies da fauna e da flora, a nomeação delas só seria

elaborada por cientistas do século XIX, referindo espécies identificadas por ele, sem

nomeá-lo como descobridor.

Conforme Carlos Almaça, a taxonomia e a nomenclatura da biodiversidade

foram difíceis para Alexandre Rodrigues Ferreira. Para o seu trabalho não bastavam

as classes e ordens lineanas, foi preciso acrescentar nomes indígenas e outras

classificações. A falta de recursos bibliográficos para a classificação o obrigou

recorrer a uma nomenclatura etnobiológica. É comum, desta maneira, ter um nome

primário composto com um nome secundário, representado por uma palavra indígena. 830

Da interação com as tribos indígenas resultou que as espécies fossem

classificadas conforme suas propriedades e usos para os seres humanos. A flora e a

fauna forneciam alimentos, medicamentos, habitação e transporte em todas as regiões

da América Portuguesa numa variedade muito grande. Ao mesmo tempo em que o

viajante naturalista olhava para o indígena com superioridade, ele dependia do mesmo

para decifrar as novidades da natureza. A perspectiva utilitária é evidente, sendo

destacado o possível aproveitamento dos recursos, não fugindo das diretrizes de

Domingos Vandelli. Como bem observa Carlos Almaça, Alexandre Ferreira da Silva

criticava aqueles que se dedicavam ao estudo da natureza sem atentarem para as

preocupações econômicas do país.831

Page 341: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

341

Neste sentido, Alexandre Rodrigues Ferreira procurou fazer o seu trabalho,

conforme eram os parâmetros científicos, descrevendo quando possível os dados

específicos das espécies, onde se encontravam as formas de se multiplicar, as

utilidades que se poderia ter, conforme os manuais dos viajantes naturalistas.832

Na expedição pelas capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá,

Alexandre Rodrigues Ferreira faz observações gerais e particulares sobre a classe dos

"mamais". As descrições foram circunstanciadas como aquela que os antigos e os

modernos naturalistas faziam, considerando inclusive as informações dos índios

tapuias. Esta classe era a primeira das seis que Lineu dividia o reino animal, que

compreendia os corpos naturais que viviam e sentiam.833 O animal diferia pela

posição vertical, pela mobilidade de lugar e as “diferentes concamerações em que se

exercitam as oficinas de suas diferentes faculdades”. O viajante destacava que o

antigo nome de “quadrúpedes”, como era conhecimento os animais pelos naturalistas

antigos, foi substituído pelo de “mamais”, criado por Lineu, “porque, sendo o caráter

das mamas universalmente constante, ou eles sejam terrestres com são o boi, a ovelha,

o porcos a cabra; ou aquáticos como a forca, o boto, o peixe-boi, o golfinho e a baleia;

ou anfíbios como a lontra, a anta, a capivara; ou aéreos como o morcego e o lêmure,

todos tem este o maior número de outros caracteres distintivos dela. Pelo que lhe deve

pertencer, segundo um sistema natural e não arbitrário”.834

Além das glândulas mamárias serem constantes nesses animais, outras

características poderiam ser observadas na estrutura interna, como o coração, com

dois ventrículos e duas aurículas, o sangue quente e vermelho, bem como a respiração

pulmonar recíproca. Na parte externa havia: as maxilas “incumbentes” e cobertas,

sendo que a maior parte delas possuía dentes; o órgão genital masculino era

penetrante no feminino, para se gerarem filhotes, os quais mamavam nas fêmeas, que

os criavam com leite; a presença dos cinco sentidos, que poderiam variar para cada

espécie, mas a maioria deles possuía, pelo menos os aquáticos, e o corpo possuía

patas nos mamíferos terrestres, asas nos aéreos, e nos aquáticos encontravam-se

barbatanas e cauda.835

Alexandre Rodrigues Ferreira reconhecia que o mundo animal era tão forte

como o mundo vegetal, reforçando a exuberância da floresta e o seu aspecto

impenetrável. Todavia, afirmava que os animais "mamais" não eram similares aos do

Page 342: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

342

hemisfério norte, parecendo serem de “uma raça inferior porque, em volume, o maior

de todos é a anta e em vigor a onça. Nenhum outro animal se encontra, em quem se

tema, nem a sua grandeza, nem a sua ferocidade”.836 As observações continuam

constatando a existência de uma quantidade maior de pequenos quadrúpedes nativos

nas terras brasílicas, lembrando que se fazia com êxito a criação de espécies da

Europa.

Ao final, o viajante lançava uma questão: se a América desde os primórdios

foi habitada por pequenos animais, se comparados com os da Europa, como poderiam

ser explicadas as observações do coronel Jorge Croglan noticiando que às margens do

rio Ohio foram encontrados ossos de um tamanho descomunal? Nas terras da

América Portuguesa, o capitão Inácio Rodrigues da Silva, nas proximidades do arraial

de São Gonçalo da Ibuturuna, comarca do Rio das Mortes, há dez léguas distante de

São João del-Rei, encontrou a costela que seria de um animal medindo seis palmos de

comprimento e um de largura; localizou também um dente com um palmo de

comprimento e um maxilar inferior de grande proporção.837 Por isso, indagava ele:

“Não abrem estas descobertas uma porta franca a milhares de conjecturas?

Mas isto o que prova é que das revoluções pelas quais tem passado o nosso globo,

nada se sabe com precisão, senão o pouco que consta da História, a qual, entre nós se

não remonta acima do princípio do descobrimento da América. Os mamais que então

se viram, foram e são como digo. Lineu os divide em seis ordens”.838

No início do estudo, dedicou atenção especial à descrição dos habitantes

locais, considerando a diversidade de “sua cor natura e originária”.839 Ao calor eram

atribuídas as variações de cor, a altura em relação ao nível do mar, as montanhas, a

extensão do terreno, os ventos e outros fatores.840 A constituição física e os detalhes

fisionômicos e corporais foram estudados. O que chamava mais atenção era que os

europeus, que viviam no local, chegavam a ter idade bem avançada.841 As práticas

religiosas e a constituição moral, política e a língua foram alvo de ponderações, a

partir do referencial português e da moralidade européia, destacando a afeição entre

os índios.842

Alexandre Rodrigues Ferreira elencou um conjunto de autores cujas obras

versavam sobre história. Dentre eles foram citados: Antonio de Araújo, Frei José de

Page 343: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

343

Santa Rita Durão, Luiz Figueira, Francisco Brito Freire, Pero de Magalhães Gandavo,

Sebastião da Rocha Pita, Frei José de Santa Tereza, etc. 843

A descrição dos "mamais", por sua vez, inicia com classificação pelo

“Systema Naturae” com o gênero símio, identificado como “paraensibus lustianu”, ou

bugio. A partir das crônicas de outros viajantes, afirma:

“É o macaco grande, do tamanho de uma raposa, diz Marcgrav; do de um cão

grande, Abewille e Binnet; de muito maior grossura que a da lebre, Dampierre; e De

Buffon, depois de o tratar pelo maior dos animais quadrúmanos do novo Continente,

dizendo que em grossura excede à das mais grossas, e que em grandeza, se aproxima

à dos monos, ultimamente o descreve da grandeza de um galgo, que é a que lhe dá De

La Condamine”.844

Além do que já haviam escrito sobre a espécie, acrescentou a referência mais

justa era a que a aproximava aos monos da África. Os machos eram maiores do que as

fêmeas, sendo “O seu corpo, desde o vértice da cabeça até a ponta da cauda,

excetuada a parte inferior da referida ponta, todo é coberto de pelos, que sendo, pelo

corpo, menos compridos que os da barba e colo inferior, não deixam uns e outros de

serem compridos, lisos e luzidios”. Com algumas exceções, a maioria era preta e

“azevichados”. A cabeça era grossa, com uma face larga e quadrada, olhos redondos e

pretos, orelhas curtas e arredondadas, nariz largo e chato, possuía trinta e seis dentes

em ambas as maxilas. A barba era comprida e redonda, sendo que a garganta tinha um

nó, maior do que o dos outros animais. O tronco era toroso, sendo os assentos

cobertos e sem calosidades, possuindo uma cauda comprida.845

Ao observar e opinar sobre as espécies, acabou construindo uma “história”.

Disse que na família dos macacos americanos esta espécie possuía um lugar distinto,

tanto pelo talhe, como pela voz, “a qual soa como um tambor e se faz ouvir a uma

muito grande distância”. Andavam em grupos, saltando nas árvores, com rapidez,

movimento que faziam “mil momice com os olhos e com a boca, tomando infinidade

de posturas extravagantes, e até rangendo como os dentes, quando se enraivam de se

verem perseguidos”. Quando perseguidos por mais de uma pessoa, eles ficam

furiosos, quebram galhos de árvores para atirar nos adversários e também se

defendem com a própria urina e excrementos. Enfático, Alexandre Rodrigues Ferreira

completa que esses animais eram “ferozes e indomáveis”. Mesmo que não fossem

Page 344: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

344

agressivos não seria fácil domesticá-los, tanto pelo “ar impudente, como a sua voz

lúgubre e pavorosa”. No alvorecer do dia juntavam-se em bandos pelos matos e pelas

margens do rio, iniciando um berreiro, havendo entre um que exercia o papel de

mestre: “durante o furor da berraria, tem alguns coristas assistentes ao mestre, o

cuidado lhe alimparem a baba que lhe cai”. Os sons eram audíveis cerca de duas

léguas do local. O naturalista identificava que a espécie tinha na garganta um tambor

ósseo, com uma concavidade que retumbava o som, “produzido pelo ar expelido dos

pulmões, e parece, ao ouvir-se ao longe, o mesmo que o de uma corneta”. Entre

macho e fêmea havia fidelidade, pois se mantinham juntos até a morte. Quando um

deles ficava doente, os demais permaneciam no seu entorno ajudando colocando os

dedos na feria “e como eles mesmos lhe comprimem os lábios, para vedarem o

sangue, enquanto não acodem outros, que trazem algumas folhas, e com elas

mascadas obstruem a abertura da ferida”. Na região do Pará, Rio Negro e Madeira, as

fêmeas eram da mesma cor que os machos, sendo apenas um pouco menores, e

cuidavam dos filhotes com extrema atenção. Os filhotes ficavam agarrados nas costas,

“a maneira das pretas em África”. Normalmente cada cria dava de um a dois filhotes,

salientando que as fêmeas “nem por morte os desapegam de si; antes para surpreender

o filho, o mais seguro expediente é o de fazer tiro à mãe, com a qual ele cai abraçado,

se é que cai; porque se na ação de cair, encontra algum ramo ou esgalho de árvore,

aonde enrosque a cauda, ali fica dependurada, até que os corvos, ou a mão do tempo a

destruam e consumam”.846

Findadas estas considerações, caracteriza o uso que, neste caso, ele

considerava de três ordens: médico, econômico e dietético. No que tange a uso

médico, Alexandre Rodrigues Ferreira afirmava que a carne do animal era receitada

na dieta dos que padecem queixas venéreas, destacando que por conselho dos mais

experientes “os caçadores tem o cuidado de escrupulosamente arrecadarem os rótulos

dos joelhos, de todas as quantas matam, para os enfiarem em cordões que servem de

pulseira aos achacados de corrimentos. Ao mesmo tambor ósseo atribuem-se virtudes

extravagantes”.847 No que concerne ao aspecto econômico, notou que das peles dos

guaribas macho curtem-se ótimos cordões; de todas elas se curtiam as peles com o

cabelo para “coldres, xairéis e capeladas; para capas das armas, patronas de caçar; e

algum dia, as da guariba preta, para as mitras dos granadeiros. De seus intestinos

Page 345: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

345

fazem-se cordas de viola”.848 No uso dietético, os índios e os negros consumiam a

carne fresca ou defumada. Os homens brancos também a consumiam na falta de outro

alimento. Contudo, “o que mais influi na repugnância de a comer, ainda em concurso

com outras caças, é a preocupação”. As guaribas sustentavam-se de frutos, alguns

insetos, sem que isto afetasse o sabor da carne ou o odor. Ultrapassada a repugnância,

logo se perdia o mau conceito que antecipava o seu sabor. A carne era esbranquiçada,

pouco gorda, tenra, delicada e de bom gosto. Das cabeças era possível fazer boas

sopas, e que alguns naturalistas comparavam a carne com a da lebre. A única

diferença era que no seu cozimento era necessário adicionar mais sal para disfarçar o

adocicado natural da carne. A gordura da carne era amarela como a do frango

castrado. E concluía a descrição sobre o uso: “Eu não a tenho comido senão assada

(falo da sua carne) e o que posso afirmar é que, quanto ao sabor, outras muito piores

comem os preocupados”.849

Desta maneira, Alexandre Rodrigues Ferreira estruturou o seu trabalho,

apresentando cada uma das espécies, traçando as características físicas que os

naturalistas destacavam, acrescentando as espécies que observara, incluindo aspectos

dos hábitos desses animais para em seguida apresentar os usos que se poderia fazer no

âmbito da medicina, da economia e da alimentação. O mundo natural era capturado na

dimensão exata da sua utilidade.

Alexandre Rodrigues Ferreira retornou a Lisboa em 1793, sendo nomeado

oficial do Ministério das Colônias. Conforme desejava Domingos Vandelli,

Alexandre Rodrigues Ferreira deveria atuar no Jardim Botânico da Ajuda, sendo

concedida a custodia das quintas reais de Queluz e de Bemposta. Foi nomeado

também Vice-Diretor dos Jardins da Ajuda.850

Em 1807, enquanto a população portuguesa estava ansiosa sob as ações e

ameaças de Napoleão, Alexandre Rodrigues Ferreira demonstrava sinais de fraqueza e

estava muito doente. Talvez fosse o prenúncio do que aconteceria com o Jardim da

Ajuda que seria pilhado pelas tropas napoleônicas. Conforme registro do próprio

Saint-Hilaire, este levou os principais exemplares da coleção reunida por Alexandre

Rodrigues Ferreira.

Page 346: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

346

O trabalho de reconhecimento e coleta de espécies que pudessem ser

exploradas comercialmente ou na indústria também foram objetos de pesquisas de

outros súditos reais menos conhecidos.

Em 1o. de maio de 1791 Antonio Corrêa Furtado de Mendonça, vivendo em

São Luis do Maranhão, dirigiu uma missiva a Luiz Pinto de Souza Coutinho,

revelando como um vassalo deveria servir a sua majestade. Afirmava ele que “não só

é licito, senão por obrigação vigorosa, procurarem, tudo quanto pode ser interessante

ao seu Real patrimônio, e a bem da sociedade nacional”. Norteando seu espírito por

estes princípios, ele desenvolveu o projeto de descoberta da planta do caruá silvestre

na capitania do Piauí, cujo fio era semelhante ao do linho, sendo esta fibra capaz de

suprir o cânhamo na construção de cabos, para uso da marinha. Considerando estas

propriedades, remetia a Sr. Martinho de Mello de Castro Ministro, Secretário de

Estado, por meio da repartição ultramarina, cinco arrobas e vinte arres, em estrigas

para que ele “se sirva mandar fazer as observações competentes, na obra que faz; a

que acompanha a descrição e nota que deve da referida planta, sua qualidade, e

quantidade.”851 Antonio Corrêa Furtado de Mendonça tinha ciência de que Martinho

de Melo fizera recomendações expressas para se cultivar outra qualidade de Caruã,

que havia na região, porém esta existia em pequena quantidade o que impediu que o

projeto fosse adiante.

Entendendo que sua descoberta era importante para os interesses da coroa

portuguesa e considerando o seu interlocutor, Luiz Pinto de Souza Coutinho, um dos

primeiros naturalistas de Portugal, julgou conveniente enviar para este uma cópia da

descrição da referida planta. Pedia desculpas pelo atrevimento, principalmente por

causa do texto escrito: “um papel cheio de ignorâncias”. Contudo, alegava que havia

duas razões para ser desculpado por tal ato, o primeiro era que ele não entrava:

“nesta diligencia, com pensamentos vaidosos de afetar a ciência, sim e

unicamente como um vassalo, bom, que com esta especulação deseja servir a nossa

soberana e a sua nação. E a outra que sou um brasileiro rústico, criado em um paiz,

cheio de ignorâncias, onde se não sabem políticas e costumes cortesãos, nem onde se

aprendam ar artes e as Ciências conhecidas na Europa, que se aprendem nas suas

Universidades, e que só aspiro que esta tentativa produza o efeito que desejo e se tem

figurado.”852

Page 347: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

347

De forma exaltada, afirmava que nunca na corte portuguesa e na Europa se

vira um conjunto de ministros de Estado “tão sábios, nem tão iluminados como tem a

nossa corte, no presente e feliz reinado”. Caso ele tivesse a felicidade de a sua

“especulação” agradar à rainha d. Maria I e os ministros de Estado, estava disponível

para outras pesquisas.853 Anexo à carta seguia a:

“Noticia da Planta do Caruá silvestre, sua produção e abundancia, qualidade

da terra em que se cria, partes e sítios, em que a hã nos Estados do Brasil dos

domínios de S. Majestade Fidelíssima, com uma breve instrução, do modo de extrair

dela uma qualidade de fio semelhante ao do linho, muito forte e rijo, que para

construção de enxárcia pode suprir ao cânhamo e talvez que com alguma vantagem,

na abundancia , que poderá vir a haver dela para futuro, e pela sua rigeza”.854

Em 5 de abril daquele ano, Antonio Correa Furtado de Mendonça descreveu a

planta com sua raiz, e cada pé deitava “muitos olhos”, que formavam outras. Cada

olho produzia dez, doze ou mais folhas, de cinco e seis palmos de comprimento e

ainda maiores. As folhas começavam com dois dedos de largo, afinando em direção à

ponta, lembrando uma espada pontiaguda. Possuía nos lados gomos com alguns

espinhos, lembrando a erva babosa, contudo não feria quando eram apanhadas. Era

desta planta que se extraia o fio que poderia substituir o cânhamo. A produção da

planta era abundante pelos campos e uma vez presente nunca mais se acabava. A sua

resistência era grande, mesmo quando os camponeses ou vaqueiros, no tempo das

secas, lhes lançavam fogo para queimadas. O calor do fogo fazia arder as folhagens,

que logo voltavam a brotar, servindo de alimento para o gado, quando tenras. Na fase

adulta já possuíam maior resistência, similar àquela quando eram incendiadas. As

terras adequadas à sua produção eram as mais secas “nos sertões, a que naqueles

países, chama os naturais, e habitantes caatingas e pastos mimozos”.855 A planta era

encontrada em diversas regiões do Piauí, como Canindé, Itaim, Guaribas e nos sertões

do Rio de São Francisco, nas capitanias de Pernambuco, Bahia e até no Rio Grande

Sul. Na comarca da Paraíba havia grande quantidade dele como em outros pontos;

portanto, havia condição favorável para a exploração. Deveria se principiar nessa

região, pela proximidade do porto e pela fragilidade dos transportes.

O fio era extraído por dois modos diferentes. O primeiro, era “deitando a cortir

as folhas atadas em molhos, dentro d´agua, como quem beneficia o linho (ainda que

Page 348: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

348

por poucos dias) para largar as matérias supérfluas”. O outro processo era tomar as

mesmas folhas, cruas e ainda verdes e antes que secassem era preciso betê-las “com

um pequeno macete de pau, em cima de outros desde o pé a ponta, e batidas

brandamente lhes vai saindo a casca, e a entre casca restando somente a medula, que é

o fio, e depois se sacode, e lava dentro d´agua, ficando instantaneamente limpa a

estriga, para se deitar ao sol a enxugar”.856 Este processo impedia que o fio clareasse,

mas não ficava tão macio como aquele previamente curtido. Todavia, a rigidez do fio

o excedia, sendo obtido como maior rapidez.

Se esta matéria semelhante ao linho recebesse bem o alcatrão e produzisse o

efeito desejado na construção da enxárcia, poderia ser colocada em observação. Estas

qualidades deveriam ser examinadas quanto à sua aplicabilidade nas manufaturas

livres e contribuição para o comércio do Estado.

Antonio Corrêa Furtado de Mendonça afirmava que não haveria dificuldade

para a propagação desta planta transplantando-se para qualquer outro clima do Brasil.

A planta não era “melindrosa, e as suas raízes ou olhos podem aturar muitos dias,

levadas para onde a indústria, e a habilidade, por beneficio da cultura, colha os frutos

e a utilidades, que ela pode produzir, tanto ao Brasil, como o comércio interior do

Reino, ponderadas as circunstancias interessantes”.857 Caso se optasse pela

constituição de grandes estabelecimentos deste gênero, estes poderiam no futuro ser

úteis para o comércio exterior de Portugal. Completava o fiel vassalo:

“Em uma palavra, por este meio, e pelo das boas direções, que se puserem a

providenciar esta tão importante matéria, se poderá evitar a horrorosa despesa anual

exportada em dinheiro ou equivalentes, para fora do reino, por linho em ramo ou

inxarcia, alem da mão de obra, e interesse resultante, à lavoura, ao comércio nacional,

e ao Real Patrimônio”.858

Em havendo governadores no Piauí zelosos pelo bem público e pelos

interesses de Portugal, em curto espaço de tempo seria possível que as plantações

prosperassem, tendo em vista o fácil transporte dos fios para o porto da Barra e dele

para o Maranhão, tendo como destino final Lisboa. Havia a alternativa de se fazer o

escoamento da produção pelo rio São Francisco e dele para a Salvador, na Bahia, que

ficava da região mencionada a doze ou quinze dias de viagem no rio São Francisco.

Page 349: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

349

No Piauí poder-se-ia recomendar ao governador que os índios daquela

capitania se dedicassem ao cultivo e exploração e fizessem as transplantações com

brevidade. Alertava para o fato de que a exploração deveria ser feita pelo governo do

Estado, a fim de garantir o sucesso desejado.

Por fim, afirmava que a planta era tão antiga naqueles sertões que os

habitantes a utilizavam para fazer cordas, sendo, portanto necessário descobrir outro

uso para ela. Chamava a atenção para o fato de que tudo o que era dito sobre o

referido assunto, “fundado, nas mais exatas informações, que tenho podido alcançar,

neste particular por pessoas verdadeiras, moradoras nos mesmos sertões, movido de

desejos grandes, de que esta tenha efeito”.859 Lamentava apenas que "se o Rio de São

Francisco não tivera a cachoeira grande, denominada de Paulo Afonso que servia para

atrapalhar a navegação seria possível transportar a planta carua com facilidade”.860

D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro do Ultramar do Estado português, na

última década do século XVIII, foi incumbido de estabelecer um projeto político

envolvendo a elite letrada brasileira, visando ao desenvolvimento da nação

portuguesa. A proposta envolvendo estudos sobre a natureza inferia que muitos

problemas de Portugal e das colônias poderiam ser resolvidos. Neste sentido, se

destacou a figura de José Mariano da Conceição Veloso.

José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811) nasceu em São José del Rei,

na comarca do Rio das Mortes em Minas Gerais.861 Seguiu vida religiosa entrando no

convento de São Boaventura em Macucu, sendo ordenado frade franciscano em 1766

no convento de Santo Antonio no Rio de Janeiro, onde estudou Filosofia e Teologia.

Iniciou a atividade docente ministrando aulas de geometria e História Natural,

conforme as orientações do frei Manuel do Cenáculo Villas Boas Anes de Carvalho

(1724-1814).862 Frei Mariano Veloso manifestou um grande interesse pela botânica,

iniciou estudos aprofundados, formando um herbário no próprio convento. A

curiosidade o levou a fazer pesquisas sobre a natureza. 863

Page 350: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

350

Atuou na coleta e preparação de espécimes vegetais e animais para serem

remetidas ao Museu da Ajuda, tendo sido convocado por Luis de Vasconcelos e

Souza864 para um levantamento sobre a flora no Rio de Janeiro, a fim de atender as

determinações da coroa quanto à remessa de produtos naturais, expedição que

coincide com a de Alexandre Rodrigues Ferreira na Amazônia.

Entre 1783 e 1790, Frei Mariano da Conceição Veloso realizou uma ampla

coleta de material botânico para formar a obra Floræ Fluminensis,865 além de espécies

dos outros reinos, descrevendo-as e classificando-as em minúcia. Ao final do período

de governo de d. Luís de Vasconcelos e Souza, este retornou a Portugal acompanhado

do religioso e de uma vasta quantidade de caixões com material do mundo natural que

seriam destinados ao Museu Botânico.

Em 1790, estando em Lisboa, desenvolveu trabalhos de classificação de

espécies naturais, vindo a trabalhar no Real Museu e Jardim da Ajuda e na Academia

Real das Ciências de Lisboa. Ao mesmo tempo dedicou-se à preparação da obra

Florae Fluminensis. 866

Não tardou para que as habilidades e competências de Frei Mariano da

Conceição Veloso fossem reconhecidas em Lisboa e passasse a fazer parte da

comunidade científica portuguesa. Nos anos seguintes se dedicou à preparação da

publicação da Floræ Fluminensis, ao mesmo tempo em que organizava o acervo do

Museu da Ajuda. Ante a demora causada pela dificuldade na publicação da obra, o

religioso iniciou novos projetos. Nos idos de 1796 passou a editar o periódico Paládio

Português ou Clarim de Palas, tendo como proposta a divulgação periódica dos

avanços na agricultura, artes, manufatura e comércio.867 Dono de um espírito

irrequieto e dinâmico, Frei Veloso lançou-se ao projeto da criação de tipografias, para

a edição de trabalhos relativos à agricultura, à história e filosofia natural. A idéia era

publicar um conjunto de obras para divulgar as práticas da agricultura, inclusive nas

terras coloniais.

D. Rodrigo de Souza Coutinho identificou-o como sendo um dos

pesquisadores de destaque e o indicou para cuidar das publicações de obras

científicas. Nesse momento, foi constituída a Casa Literária do Arco do Cego, que

teve uma produção intensa e de qualidade entre o final do século XVIII e o início do

século XIX. Em 1799, foi criada a Casa Literária do Arco do Cego, pelo ministro d.

Page 351: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

351

Rodrigo de Sousa Coutinho, que se destacou ao divulgar os trabalhos de alguns

naturalistas. Frei Mariano da Conceição Veloso foi incumbido da direção do

estabelecimento, tendo como prática enfatizar trabalhos que tivessem como tema o

domínio, o desenvolvimento e melhoramento técnico da agricultura que atendessem

ao interesse da elite da época. A Casa Literária funcionou com um espaço de reunião

de intelectuais favorecidos por d. Rodrigo de Sousa Coutinho e um grupo de

brasileiros, dentre os quais o próprio Frei Mariano da Conceição Veloso.

A Tipografia do Arco do Cego publicaria a obra de Manuel Arruda da

Câmara, intitulada: “Memória sobre a cultura dos algodoeiros, e sobre o método de o

escolher e ensacar, etc., em que se propõem alguns planos novos para o seu

melhoramento”. Este texto fazia um arrazoado sobre a exploração algodoeira,

discutindo as melhores formas de cultivo e a sua exploração de forma mais lucrativa,

tendo em vista o resultado obtido com estas plantações em outras partes da América.

Mais de setenta obras versaram sobre a forma de exploração de recursos

vegetais, animais e minerais, sendo publicadas no decorrer dos três anos de existência

da Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801). O fechamento da tipografia e a

nomeação de Frei Mariano da Conceição Veloso como membro da Junta

Administrativa, Econômica e Literária facultou-lhe reunir o acervo bibliográfico e

leva-lo para esta última instituição.

Nesse momento, havia preocupação com a divulgação científica que pudesse

levar a novas práticas de exploração da natureza. O que preponderava até aquele

momento era um descaso na divulgação e no cultivo das artes e das ciências. Além

disso, havia uma pequena quantidade de pessoas letradas e ausência da prática de

leitura.

Não é nosso objetivo comparar os estudos dos viajantes que visitaram as terras

brasileiras no período colonial, com outras pesquisas feitas em partes diferentes do

mundo, por naturalistas europeus franceses, italianos, ingleses, dentre outros. Os

contextos políticos, econômicos, sociais e o percurso histórico de cada nação

permitiram o desenvolvimento de uma educação e formação diferente, mas nem

sempre possível de ser comparada. Observa-se que a busca por novas espécies

rentáveis ou por minerais que pudessem gerar recursos para a coroa portuguesa,

também indicou o baixo estímulo à exploração agrícola, com pouca produção. Outra

Page 352: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

352

observação importante é que a ação do governo português no mapeamento das

riquezas existentes no seu território não se restringiu ao Brasil. Outros viajantes

naturalistas foram enviados para diferentes partes do império colonial, sendo muitos

deles oriundos da Universidade de Coimbra e discípulos de Domingos Vandelli, tal

como Alexandre Ferreira da Silva.

Joaquim José da Silva nasceu no Rio de Janeiro e cursou Matemática e

Medicina na Universidade de Coimbra. Aproximou-se do grupo de ex-alunos de

Domingos Vandelli, vindo a fazer algumas pesquisas, em Portugal, com Alexandre

Rodrigues Ferreira e João da Silva Feijó. Trabalhou na organização e catalogação do

acervo do real museu, situação que lhe permitiu adquirir experiência. Em 1783,

Joaquim José da Silva seguiu para Angola a fim de exercer a função de secretário de

governo e de naturalista. A expedição saiu de Portugal, contando na equipe com o

apoio do naturalista italiano Ângelo Donati e do jardineiro José Antonio. Ângelo

Donati adoeceu durante a viagem e veio a falecer, pouco tempo depois chegar a

Luanda. José Antonio não teve melhor sorte nas terras africanas e faleceu um ano

depois.

Joaquim José da Silva demonstrou não ter familiaridade com as políticas dos

funcionários coloniais. A função de secretário lhe causou entraves com os chefes

locais. No que tange às investigações, ele se dedicou a fazer levantamento de recursos

minerais que procurou na foz do rio Dande, em Cabinda e em outras partes onde

realizou expedições militares. Sua atenção esteve voltada também para a coleta de

espécies da fauna e flora. O material enviado a Portugal, durante os anos em que

viveu em Angola, permitiu que se formasse um herbário no Museu da Ajuda, com

mais de duzentas espécies de plantas angolanas.

Outro dos expoentes desse período foi Manuel de Arruda Câmara (1752-

1810), nascido em Pernambuco, religioso da regra dos carmelitas. Ingressou na

Universidade de Coimbra, onde cursou filosofia natural, seguindo para a cidade de

Montpellier, na França, onde recebeu o grau de doutor em medicina. No ano de 1793

retornou à terra natal, sendo incumbido pela coroa portuguesa de fazer levantamento

na região nordeste da colônia. Nos anos seguintes Manuel de Arruda Câmara fez

viagens pela região de Pernambuco, Piauí, Paraíba e Ceará, recolhendo amostras de

diversos minerais, além de registrar uma série de informações sobre plantas e animais

Page 353: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

353

da região. Em Portugal, foi membro da Academia Real das Ciências, realizando

pesquisas científicas no Rio de Janeiro e Pernambuco.

Conforme observa Prestes: “Alexandre Rodrigues Ferreira e Manuel Arruda

da Câmara são frutos da vinculação existente no período entre o incentivo ao

desenvolvimento das ciências naturais e o projeto político mais amplo da Metrópole,

que almejava a exploração econômica dos recursos naturais de seus domínios

coloniais, particularmente do Brasil. Ao mesmo tempo, suas investigações ilustram

bem o tratamento científico da natureza definido pelo estágio em que se encontrava a

História Natural produzida na Europa nesse período”.868

José Vieira Couto (1752-?) nasceu no arraial do Tejuco, na região das Minas

Gerais, vindo a ser um dos estudantes da Universidade de Coimbra que atuou como

pesquisador. A família de Vieira Couto vivia da extração mineral, o que lhe permitiu

acesso aos estudos na Universidade de Coimbra.869 Em 1778 ele formou-se em

Matemática e Filosofia naquela universidade. Em seguida foi professor da

universidade, sendo nomeado posteriormente para fazer estudos na região da

Capitania de Minas Gerais. No ano seguinte, foi designado na comitiva para explorar

a região da Comarca do Serro do Frio, norte da capitania das Minas a fim de explorar

os recursos minerais da região e propor soluções para a exploração dos mesmos. Este

trabalho foi publicado sob o título de “Memória sobre a Capitania de Minas Gerais...”,

em 1801. Realizou um detalhado estudo sobre amostras de ouro, prata, chumbo,

enxofre, dentre outros recursos, ressaltando as qualidades dos minerais e o fato de a

exploração feita até aquele momento ser inadequada. O desconhecimento dos

exploradores em relação às minas, às técnicas mais adequadas de exploração, causou

a decadência da atividade, ficando marcada pelo tosco caráter do processo. Para ele,

faltava na colônia uma educação condizente com as novas práticas mineralógicas.

A posição abastada e influente da família permitiu que Vieira Couto e seus

irmãos assumissem cargos públicos que os levaram a ter diferenças políticas com o

governador da capitania de Minas Gerais, Bernardo José de Lorena, e com o

intendente João Inácio do Amaral Silveira. Isto o obrigou José Vieira Couto a

pesquisar o local, visando à demarcação das minas pertencentes a sua família.870

José Vieira Couto deu continuidade às suas pesquisas, investigando os

depósitos de salitre e nitrato, cujo resultado gerou as obras “Memória sobre as

Page 354: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

354

nitreiras naturais e artificiais de Monte Rodrigo na Capitania de Minas Gerais” e o

“Itinerário Mineralógico” (1803). Pesquisou também as minas de cobalto da região e

redigiu “Memória sobre as minas de cobalto da capitania de minas Gerais” (1805).

Trabalho expressivo é o de José de Sá Bitencourt e Accioly (1755- ??) que

nasceu em Caetés, Minas Gerais, partindo para Lisboa, aonde chegou em 1783.

Ingressou na Universidade de Coimbra e formou-se em Filosofia. Retornou a Minas

Gerais, onde constituiu uma pequena fábrica de cerâmicas. Acusado pelo Visconde de

Barbacena, como um dos membros da Conjuração Mineira, José de Sá Bittencourt e

Accioly fugiu para Bahia. Por influência de parentes e amigos o Tribunal da Alçada o

absolveu de culpa em relação ao movimento conspiratório. Posteriormente, foi

nomeado inspetor das minas de salitre em Montes Altos, onde estabeleceu a sua

própria fábrica de salitre.

Outro mineiro foi responsável por pesquisas na região. Vicente Coelho da

Silva Seabra Telles (1764-??) nascido em Congonhas do Campo, Minas Gerais, foi

outro estudante da Universidade de Coimbra. Em 1783, seguiu para Portugal e se

matriculou no curso de Matemática e Filosofia, concluindo este último em 1787.

Continuou os estudos cursando Medicina e se formou em 1791. Demonstrando

possuir habilidades para a redação de textos científicos, publicou em 1787 a

dissertação sobre “Fermentação em Geral, e suas Espécies”. No ano seguinte, circula

“Dissertação Sobre o Calor”, e a primeira parte da obra dos “Elementos de Chimica”.

Dois anos depois vinha a público a segunda parte da obra. Os trabalhos de Vicente

Coelho da Silva Seabra Telles foram reconhecidos e ele foi convidado a ser professor

nos cursos de Química e Metalurgia da Faculdade de Filosofia, em 1791.

Demonstrando ser um estudioso atendo ao que a comunidade científica do período

desenvolvia, foi convidado a ser sócio da Academia de Ciências de Lisboa em 1789.

Antonio Pires da Silva Pontes (1750 - ?) nasceu na comarca de Mariana, em

Minas. Em 1772 ingressou na Universidade de Coimbra onde se formou em

Matemática e Filosofia, obtendo o grau de Doutor em Matemática em 1778.

Compartilhou da amizade de Francisco José de Lacerda e Almeida, sendo ambos

nomeados para a missão de demarcação dos limites da colônia brasileira.

Acompanhados de especialista, a expedição partiu em 1780 de Lisboa rumo ao Pará.

Antonio Pires da Silva Pontes fez viagens explorando a região da Amazônia e do

Page 355: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

355

Mato Grosso, contando com a companhia de Ricardo Franco de Almeida Serra. O

reconhecimento da área permitiu corrigir informações de mapas e precisar

coordenadas geográficas. No diário que redigiu, além das informações necessárias

para o estabelecimento dos limites, ele registrou aspectos do mundo natural, que

foram remetidos para a Academia Real de Ciências de Lisboa. Terminado os

trabalhos no Brasil, Antonio Pires da Silva Pontes e Francisco José de Lacerda e

Almeida retornaram a Portugal, passando a lecionar na Academia de Marinha.

O baiano Manoel Galvão da Silva (1750- ?) também estudou na Universidade

de Coimbra. Cursou Matemática e Filosofia e fazia parte do grupo de Alexandre

Rodrigues Ferreira. Trabalhou também na organização do Museu e Jardim Botânico

da Ajuda e partiu em l783 numa expedição científica para Moçambique.871 Foi

nomeado secretário de governo e levou consigo dois acompanhantes um desenhista e

um jardineiro. No caminho para Moçambique, Manoel Galvão da Silva passou pela

Bahia, onde fez uma viagem de exploração da região de Cachoeira. O objetivo era

verificar a possibilidade de exploração do cobre na região, aproveitando para coletar

alguns peixes para enviar a Lisboa. Depois de sua estada na Bahia, seguiu para Goa,

na Índia, onde coletou amostras para enviar ao Museu da Ajuda. Desta experiência

escreveu “Observações sobre a história natural de Goa feitas no anno de 1784”.

Os percalços de Manoel Galvão da Silva não foram diferentes daqueles que

seus colegas enfrentaram em outras partes do império colonial português. Sentiu

dificuldade para conciliar as atividades burocráticas e de pesquisa. Os

desentendimentos entre os funcionários locais impunham mais entraves. devido à

umidade do clima, Galvão e seus acompanhantes adoeceram. Um deles faleceu e o

outro, recomposto da doença, adotou uma vida desregrada, tornando-se inapto para o

trabalho. Diante destas dificuldades, mesmo só, o naturalista deu continuidade ao

trabalho, fez o reconhecimento da região, coletou espécies importantes e as registrou

na obra “Diário ou relação das viagens filosófica, nas terras de jurisdição de Tetê e em

algumas dos Maraves e Diário das viagens feitas pelas terras de Manica”.

Este breve painel que traçamos aqui visa a dar indicadores sobre a importância

das transformações que estavam sendo engendradas e que resultariam em trabalhos

científicos de maior envergadura no século XIX. Pode-se afirmar que a natureza

brasileira no final do século XVIII passou a compor um conjunto de informações

Page 356: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

356

importantes sobre a natureza das terras coloniais da América, que visava a buscar

alternativas para a economia portuguesa que atravessava um momento conturbado.

Não é exagero afirmar que, a prática científica iniciada pelos viajantes filosóficos,

fosse marcada por uma visão utilitarista da natureza, uma vez que esta servia ao

desenvolvimento econômico da nação. Por meio das riquezas naturais do império

seria possível engrandecer a nação, principalmente se esta tivesse autosuficiência para

se manter. Os recursos naturais aliados ao comércio e às artes seriam fundamentais

para o desenvolvimento e independência da nação. A idéia que Domingos Vandelli

defendia e permeava o pensamento dos viajantes naturalista era que a economia

portuguesa estava diretamente ligada ao conhecimento da natureza e das necessidades

humanas.872

Os viajantes do século XVIII abriram o caminho da peregrinação científica.

Foram ousados e resistentes para enfrentar caminhos difíceis, chuvas, perigos de um

mundo natural repleto de surpresas e de um meio onde havia poucos recursos para se

fazer uma viagem exploratória. O mundo natural era o palco da existência humana, e

por si só se revestia de elementos atraentes para pesquisas, pois nele residiam todas as

fontes de saber. O homem deveria transformar a natureza em um objetivo de pesquisa,

pois ela o induzia a pensar. Porém, esta preocupação não ficou restrita àqueles que

haviam estudado em Coimbra. Nas terras coloniais havia homens preocupados com a

busca dos meios necessários para a compreensão da natureza, a fim de atender os

desejos da coroa portuguesa.

Domingos Alves Branco Munis Barreto, nascido na Bahia na segunda metade

do século XVIII, era um súdito que demonstrava interesse na exploração natural das

terras brasílicas.873 Foi militar e teve atuação marcante no final do período colonial e

nas primeiras décadas do século XIX, vindo a assumir papel de destaque no governo

de d. Pedro I. Defensor das potencialidades das terras brasileiras, foi autor do texto “O

feliz clima do Brasil”, cujo manuscrito se encontra na Biblioteca da Academia de

Ciências de Lisboa. O documento possui uma cópia com autografo na Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro, com o título “Descrição sobre o Brasil”.874 Neste texto, o

autor registra uma expedição que empreendeu ao litoral sul da capitania da Bahia,

visitando vilas e aldeias a fim de levantar informações que pudessem ser úteis à coroa

portuguesa. Domingos Alves Branco Munis Barreto baseou-se de relatos e

Page 357: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

357

experiências de índios para identificar as principais espécies de plantas que tivesse

alguma utilidade.

Segundo Munis Barreto, o clima do Brasil, pela variedade de suas riquezas,

oferecia a Portugal “toda a riqueza com que se ostenta, bem se vê que a maior parte

dela, ou quase toda não sendo aproveitada, e somente possuída por um gênero de

deposito, a exceção do ouro, cujas minas são incertas no seu produto”.875 Apesar desta

situação, ele estava estimulado a lutar pelos interesses e pelo “bem da sua nação

desejam com as suas luzes, e com seus Planos desembaraçar toda a sorte de

obstáculos, que distraem a multidão das mesmas interessantes, em ter produções”.876

Mesmo consciente de seus limites e de seus estudos, não se intimidou ao

lançar-se no empreendimento de uma série de explorações que posteriormente seriam

submetidas à Academia de Ciências de Lisboa. Sua ousadia e temeridade poderiam

ser reduzidas na medida em que aquela instituição ponderasse sobre as informações

da relação que ele enviava com a “a descrição de uma diminuta parte da Comarca de

ilhéus desta capitania da Bahia, por onde viajei e do que nela observei”.877

Confessava não dominar a ciência da História Natural, e por esta razão não

conseguira avançar em determinados aspectos. para a realização de sua jornada,

contou com o apoio do ouvidor da Comarca o Desembargador Francisco Nunes da

Costa, vassalo que demonstrara no seu ofício zelo em relação aos interesses da

monarquia. Com esse trabalho, ou com outro que pudesse realizar em benefício da

nação, Munis Barreto não esperava receber algum tipo de prêmio da Academia de

Ciências, que tinha por hábito distinguir os sábios. Para ele, bastava ser reconhecido

no zelo que dedicava ao serviço da rainha d. Maria I. Se lhe faltavam conhecimentos,

não lhe faltava paciência.878

Seu trabalho poderia ser reconhecido pela Academia de Ciências, uma vez que

suas observações eram singelas, sem aprofundamento em muitas questões, tendo em

conta que a sua viagem fora feita no espaço de um mês. Lembrava que não estava

envolvido por aquele afã que moveu muitos a enviar relações para a Academia sobre

os produtos do Brasil “consistindo a sua glória em dizerem coisas novas, ainda que

assaz sejam fabulosas”.879 Além disso, sabia que o período em que fizera a viagem

não era o mais adequado para fazer observações. O período mais adequado seria de

janeiro em diante, tempo em que reproduziam os vegetais e principalmente aqueles

Page 358: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

358

encontrados nas ilhas que visitou. Este período coincidia com o florescimento que

permitiria compreender, conforme a classificação de Lineu.880

Partiu da Bahia, do morro de São Paulo, no dia 2 de setembro e nesse mesmo

dia chegou à primeira povoação que visitou graças ao vento favorável. Demonstrava

cuidado no registro de localização geográfica pela latitude, longitude e pela distância

em relação à cidade de Salvador. Chegara a uma ilha de pouco mais de 8 léguas de

comprimento e 5 de largura na sua maior extensão. Esta era navegável pela costa do

mar e pelo rio que existia em outra parte da ilha. Não tecia observações sobre a

povoação por julgar “ser isto inútil a Academia o que também faria aumentar o

volume destas observações, que desejo sejam breves”.881 No local havia uma fortaleza

com guarnição de infantaria e artilharia, um reduzido número de habitantes, uma parte

vivendo em função da pescaria.

No dia seguinte à sua chegada, explorou as praias, em especial aquelas na

costa do mar e a praia do Fortinho. Nela se localizava uma pedra a que os moradores

chamavam Pedra Marcial, em cujo interior havia concavidades ocupadas por “pedras

brancas luzentes” que, conforme os relatos, teriam sido utilizadas na feitura de obras

lapidadas.882 Acreditava que esta pedra deveria ser objeto de um exame mais apurado,

assim como outras pedras que possuíam a mesma grandeza e consistência. Na etapa

seguinte, visitou outras praias, dentre elas a praia Grande que era o porto principal das

canoas de pescadores, não identificando nenhuma “coisa memorável, mais que grande

abundancia, nesta última, de pedra com que se pode fabricar muita quantidade de

excelente cal”. A exploração continuou por outras praias até a praia da Armação na

extremidade da ilha. De forma vaga afirmava: “Nestas praias só se acham em tempos,

próprios de ventos lestes, e em mares grandes alguns produtos para o Gabinete de

Historia Natural”.883

Munis Barreto, visitando outras povoações da ilha, não reconheceu nada digno

de menção. Os moradores viviam da plantação de mandioca, da piaçaba, de cocos, do

murici, de algumas madeiras e do que o mangue ofertava. Em alguns locais

encontrara plantação de arroz. Passou em seguida à observação dos montes, indo ao

morro de Amaro Mendes a fim de localizar uma espécie de pedra betume, que os

moradores acharam, e que lançada ao fogo deitava uma espécie de aroma. Como não

estava preparado para a exploração e não tinha muito tempo para fazê-lo, realizou

Page 359: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

359

investigações de superfície encontrando “algumas pequenas porções, não da mesma

pedra, mas sim daquele primeiro cascalho que esta antes de chegar a ela que não deixa

de fazer quase o mesmo efeito, segundo a experiência que fiz com uma diminuta

porção da mesma pedra que me foi dada, sendo o resultado do meu exame o que

consta da boceta no. 1”.884

Descendo do outeiro, galgou outro morro adjacente, conhecido pelo nome de

Giz, onde escavou algumas pedras e também remetidas à Academia de Ciências de

Lisboa. Uma dessas pedras, de cor mais amarelada, poderia ser utilizada para pintura,

conforme o depoimento de algumas “pessoas inteligentes”. A segunda pedra, que se

assemelhava a greda, com que “os holandeses falsificam o alvaiade”, poderia servir

para diferentes usos, dependia de um exame paciente. Escalando outros morros,

identificou pedras betumosas que poderiam ser idênticas àquelas do morro de Amaro

Mendes. 885

Passando para a exploração das matas da povoação, examinou madeiras de

construção, de marchetaria, e tinturaria, excedendo em abundância outras qualidades

existentes na comarca dos Ilhéus. Percebendo que a maior parte das terras vizinhas à

povoação não era cultivada, fez diligência para examinar a qualidade da terra a fim de

verificar se este fator era o que impedia a exploração. A conclusão que a chegou era

que a terra pertencia à segunda classe, tida como medianamente fértil “por ser de terra

delgada, misturada com alguma areia”. Consultando os moradores, estes informaram

que as terras não eram exploradas devido à planta “mocununga” cujo caule se

alastrava pela terra e as raízes não permitiam o desenvolvimento de outras plantas, a

não ser o ananás, as melancias e as abóboras. Munis Barreto entendia que este

obstáculo poderia ser resolvido se o terreno fosse limpo, mesmo a população

afirmando que as terras produziam madeiras boas como os landis, golanis, e

jaitaipebas. 886

Após três dias de observações, ele seguiu em direção à vila do Cairú que

ficava a quatro léguas de distância de onde se encontrava. Passou pelo sítio do

Galeão, onde havia uma pequena povoação e percebeu que as terras não eram

adequadas para a plantação de café. A vila de Cairú não possuía nada de expressivo.

Nas fazendas, até o ano de 1781, só extraiam madeiras e faziam o plantio do arroz.

Este cultivo aumentara nos últimos anos graças ao esforço do ouvidor da Comarca, o

Page 360: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

360

Desembargador Francisco Nunes da Costa, que vinha trabalhando para que a região

recuperasse o tempo perdido, da “sua inação e ignorância”.887

A próxima parada foi na região de Jequié, distante quatro léguas da vila de

Cairú. Pelo caminho, Munis Barreto observou as terras, parecendo-lhe ser de

“excelentes pastos para gados, pelo seu verde escuro única observação que em tal

distância, e de passagem se pode fazer”. No mesmo dia partiu para a Vila de Santarém

dos índios, que distava também quatro léguas. Não havia na região nenhum

conhecimento da agricultura, nem sabiam como fazê-lo. Isto era preocupante,

conforme o próprio narrador já havia alertado no documento que enviara a Martinho

de Melo e Castro contendo informações sobre a civilização de índios.888

No percurso de Jequié para a vila de Santarém, observou que nas partes baixas

havia grandes plantações de arroz e que em alguns pontos era possível reconhecer

porções de algodão postas a secar. Tal constatação despertou sua curiosidade, uma

vez que a terra não era a mais propícia para o cultivo do algodão. Examinando as

cápsulas, achou as sementes de tamanho pequeno e coberta de uma “alva e fina

felpa”. Identificou também uma plantação de café, porém o fruto dessa planta era de

tamanho pequeno e sabor franco, com pouca produção.889

Na vila de Santarém, procurou estabelecer contato com os índios que tivessem

conhecimento sobre ervas medicinais, principalmente contra venenos, produzidas na

ilha de Quiepe, em frente à barra do Camamu. Os autóctones lhes disseram que o

tempo não era próprio para tal exame, mas mediante o seu pedido foram para a barra

de Serenhem, para chegar à ilha. Esta possuía meia légua de comprimento e um

quarto de légua de largura, com uma pequena praia para canoas, e no seu entorno

havia recifes. A ilha era inabitada, nem era conveniente que o fosse, pois o mato que

existia nela servia de baliza para os navegantes. A terra era preta com mistura de areia

e nela nasciam ervas medicinais, a cada estação; o viajante se baseava em relatos dos

índios, mas as virtudes das ervas deveriam ser analisadas com maior vagar. 890

Segundo Munis Barreto, não havia em outras partes da terra brasílica, tanta

concentração de ervas medicinais contra venenos: “A prova disto é que conhecendo-

se naquela ilha todas as cobras que há em todo o Brasil, e ainda as mais venenosas

não consta que perigasse pessoa alguma que delas fosse mordida, o que se atribui a

comunicação continuado toque tem com as ervas e raízes que lhe são contrarias”.891

Page 361: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

361

Como um estudioso, Munis Barreto também remetia estampas de ervas e

arbustos aos membros da Academia, mesmo ciente de que a escala não era a mais

adequada. Caso a Academia de Ciências julgasse que o modo de representação não

fosse o mais adequado, ele prontamente emendaria o erro fazendo outra averiguação,

redesenhando as espécies. 892

Durante a sua estada no local, numa manhã, saiu para observar as qualidades

de cipós que os índios lhe o haviam indicado. Havia um que era conhecido pelo nome

de pau da Santa Cruz, que servia contra veneno de cobras e para outros fins, que

também era remetido para análise. Verificou que existia uma espécie de algodão

coberta de miúdas sementes de uma felpa muito fina, que não eram adequadas para a

fiação, servindo apenas para acolchoados; acreditava se tratar do que “Gaspar

Bauhino chamou xilon arboreum, e Linneo Bombax”.893

A vila de Santarém localizava-se num lugar agradável e numa tarde desceu o

rio que passava pela região. No caminho identificou uma serra que recebia água de

três rios diferentes e que ele acreditava haver ali pedras com “qualidades de atração,

porque se tem observado subindo ao cume dela, que se lançando para fora qualquer

pedra, que se possa manejar despedida com toda a violência em lugar de ir abaixo,

como e bem normal depois de ter perdido sua força pelo contrário (me afirmaram

pessoas fidedignas que isto tem presenciado) em buscar por linha obliqua”. 894

Em certa ocasião, um indígena lhe trouxe um pouco de casca da árvore jetiba

que, “sendo posada dava de si tinta preta, capaz de usar dela na escrita, logo fiz opor

em pratica esta observação, que não produziu bom efeito, porque nunca azevichou a

mesma tinta, nem ainda usando da ferrugem do ferro e é a que vai no frasquinho No.

5”. Tal como os viajantes naturalistas, Munis Barreto procurava verificar e testar as

informações de que dispunha, demonstrando preocupação sobre a veracidade delas.

Contudo, ao repetir os experimentos não obtinha o resultado desejado. Afirmava ele

que após extrair a tinta, a casca macerada ficava similar “a uma espécie de estopa” de

qualidade melhor que a usada e conhecida pelo nome de embira.895

Destinando um dia para fazer averiguação nos matos no entorno da vila, os

índios, que o acompanhavam apontaram uma árvore que ia representada numa

estampa e que deram o nome de louro, cujo fruto dava uma baga, que ele acreditava

ser “verdadeiro pexlim?”. Na mesma ocasião, conheceu a pindaíba, abundante no

Page 362: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

362

local, que produzia um fruto semelhante à pimenta da Ásia, ou que em lugar dela

poderia ser utilizado.896 Também tive oportunidade de examinar uma espécie de lama,

ou terra preta, muito úmida, utilizada pelos índios na tinturaria de algodão. Foram-lhe

apresentadas algumas pessoas, causando admiração pela facilidade com que o fazia,

sem grande trabalho, do que ter vasilhas e lenhas e o mordente de mangue branco, que

usavam na primeira infusão, sem que isso fizesse perder o lustro de cetins e

veludos.897 Este processo poderia ser aplicado em couros, conforme era possível

identificar nas amostras que ele enviava. Ressaltava que ele mesmo fizera o

tingimento, de acordo com o método que os aborígenes o haviam instruído, com terra

ou lama, enquanto estava com sua força e umidade. Todavia, percebeu que trazendo

um pouco da mesma terra que mandou buscar em Itapagipe,898 para com ela fazer a

tintura em seda, não obtive resultado similar. Apesar de preparar com o mordente de

mangue branco, a terra tinha perdido parte da sua água o que não permitiu que a

tintura ficasse na mesma perfeição que antes. Imaginou, então, que talvez o mangue

branco que havia nas imediações da vila da Comarca de Ilhéus tivesse propriedades

diferentes daquele da cidade de Salvador. Por conseguinte, para se obter o efeito

desejado era necessário utilizar a mesma lama, ou terra preta, logo que fosse

extraída.899

Durante as investigações, conheceu uma lã chamada embiruçu, por ser

produzida dentro da cápsula de uma árvore silvestre do mesmo nome. Apesar de não

servir para fiar, ela poderia ser empregada no fabrico de chapéus. Findadas as suas

explorações, retornou à vila de Cairú pelo mesmo caminho. Antes de prosseguir

viagem, foi informado de que havia na região um homem com mais de oitenta anos,

que vivia ali há quarenta anos curando os moradores. Este ancião possuía um grande

conhecimento sobre ervas e, por isso, Munis Barreto quis conhecê-lo, assim como as

ervas utilizadas em suas poções.900

As experiências na identificação de plantas nem sempre eram prazerosas. O

explorador, caminhando pelos campos, deparou um arbusto que não excedia duas

braças de altura. Cortou um ramo e levou uma de suas folhas a boca. O amargo foi

imediato e não perdeu a sensação desagradável ao paladar durante quatro horas.

Procurou saber sobre o fato, descobriu que a planta era utilizada em banhos para

moléstias cutâneas. Curioso, mandou buscar uma quantidade da planta, parte dela

Page 363: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

363

colocou na água e levou ao fogo, extraindo depois uma tinta parda escura com o

mesmo sabor amargo que constatara anteriormente. Não poderia garantir, mas esta

planta poderia se assemelhar à casca do camamu ou à quina, que ainda não tinha sido

descoberto no Brasil.901 A despeito das dúvidas, era prudente fazer diligências para se

transplantar a árvore e analisar as suas propriedades. De regresso à vila de Cairú,

deparou o arbusto amargo, que conhecera anteriormente, chamado carqueja ou grasso.

Num dos passeios, nas proximidades da fazenda de Joaquim dos Anjos,

reconheceu alguns arbustos de anil “nascidos espontaneamente”; observação as

folhas, percebeu ainda não haviam chegado ao estágio de extração de fécula e por isso

lhe era impossível afirmar sobre a sua boa ou má qualidade.902 Segundo o fazendeiro,

o grande pasto estava coberto do mesmo arbusto, condição que talvez fosse

importante para a exploração.

Da vila de Cairú, Munis Barreto seguiu para Boipeba, a uma distância de

quatro léguas. Era uma ilha que vivia em função dos produtos do mar e onde havia

grande quantidade de zimbo, que servia para o comércio de Guiné, na África. Os

habitantes da ilha viviam da mandioca, do arroz e da cana-de-açúcar. Como já

registrara anteriormente, aquele momento não era o mais adequado para a prospecção,

mas tal constatação não o impediu de abandonar o seu trabalho, mesmo que a coleta

de material fosse menor.903

Observou que nas margens do rio Mapendipe se formara um núcleo vivendo

da exploração de madeiras de construção. As terras eram próprias para a plantação do

arroz, cujo grão ele notara “ser maior, que o de outras partes” da comarca.

Permanecendo na povoação durante um dia, foi convidado a beber um pouco do

café,904 que possuía um paladar diferente, sendo o seu amargor macio, “com muita

diferença do que se produz em outras partes desta Comarca. Perguntando o lugar da

sua colheita, fui certificado, que era de uma fazenda do Galeão, sítio que já tratei, do

que vim a concluir que não me tinha enganado no juízo que de passagem formei de

serem aquelas terras muito próprias para esta plantação”.905

Ao visitar a aldeia de índios de São Fidelis, o “regente” da aldeia e outros

aborígenes lhe deram notícia sobre as frutas silvestres da região e muitas ervas, que

ele já conhecera na ilha de Quiepe. Reservando um dia para entrar pelo mato com os

índios, Munis Barreto explorou a região e não encontrou frutos silvestres ou sementes

Page 364: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

364

que fossem de algum préstimo. Encontrou uma fruta conhecida por mucuiba ou

buciba. Os índios chamavam as mais redondas de “assú” e as mais compridas e

oleosas de “merim”. O óleo delas era utilizado em ungüentos para curar chagas

cancerígenas.906

Munis Barreto fez toda diligência possível pelos matos a fim de descobrir o

fruto “que trata Pison (a respeito do Brasil na sua Historia Natural) dando-lhe nome

de Anda”. Contudo, não obtivera êxito, pois esta planta era inteiramente desconhecida

dos índios. Dando continuidade às suas pesquisas, ele achou uma espécie de cipó que

subia pelas árvores, brotando um fruto viçoso similar a “um pequeno repolho”. Os

índios afirmavam que esta espécie não tinha utilidade alguma, mas ele julgara

prudente enviar uma amostra para que a Academia de Ciências examinasse duas

coisas:

“a primeira que sendo uma espécie de coco, dentro dele se acha uma

configuração de miolos, com pouca ou nenhuma diferença passando assim

extraordinariamente a natureza para o reino vegetal, aquilo que só é pertencente ao

reino animal; a segunda é: que das pequenas partes que em si tem e que formam o

todo da sua pinha se pode fabricar muito, e excelente azeite, cuja extração é a que

consta do frasquinho no. 16”.907

Nesta mesma aldeia, na casa de um índio encontrou uma espécie de fios do

gênero dos hibiscos de melhor qualidade de "piteira”. Segundo o relato do autóctone,

o material era o que restara do fabrico de um cabo da grossura de uma polegada.

Munis Barreto observou a qualidade das piteiras, sendo necessário procurar novas

espécies, mas não dispunha de pessoal para auxiliá-lo. Afirma que a solução para

pequenos problemas seria simples, bastava plantar as espécies, uma vez que as boas

condições do clima facilitariam o seu crescimento, como já havia escrito na sua

memória sobre a agricultura comércio, e navegação. 908

Nas adjacências da aldeia de São Fidelis identificou madeiras boas para a

construção, sendo as melhores as do sítio que ali chamavam orobo. Os indígenas

garantiam que havia outras árvores de maior qualidade e rigidez. No caminho de Boa

vista, viu algumas árvores com frutos pendentes, em cujo interior havia uma cápsula

abrigando duas sementes ainda verdes, que lembravam a azeitona. Como se obtinha

delas decidiu enviar amostras da espécie.909

Page 365: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

365

Deixando a aldeia, seguiu em direção ao Campo Grande, distante três léguas.

A fertilidade da região era flagrante, pois havia mais de trezes espécies de ervas

diferentes. Numa das fazendas, que pertencia ao capitão-mor daquela comarca, havia

uma plantação de algodão de boa qualidade, com pés bem formados. A próxima

parada foi na freguesia de Santo Antonio de Sequirica, situada também nas margens

de um pequeno rio. No local se explorava a extração da madeira, especialmente o

vinhático, além do cultivo do arroz. Prosseguindo viagem, Munis Barreto passou pela

aldeia dos índios de Nossa Senhora dos Prazeres, onde tive notícia da existência de

antídotos contra venenos de cobra; remeteu amostras para a academia, embora sem

identificar o nome da espécie.910

Seguindo pela estrada deparou uma grande tora de madeira puxada por bois,

perto do porto de Jequirica. Observou que os comboieiros usavam uma corda

diferente do linho, uma “estriga grossa, e mal tornada”. Indagando sobre o material,

os comboieiros informaram que não havia coisa mais resistente que a jussara, que

servia no fabrico de cabos. Assim que chegou à aldeia, Munis Barreto mandou um

índio buscar alguns pés daquele arbusto, recolhendo também suas folhas, para

comparar a espécie com o cânhamo. Preparou dois cabos, com o cumprimento de três

braças e uma polegada, um deles de cânhamo e outro de jussara, e este último se

partiu após sustentar um peso pelo espaço de cinco minutos, enquanto o de cânhamo

suportou um peso maior durante seis minutos e meio. Munis Barreto concluiu que a

força momentânea que observara anteriormente se devia ao fato de as partes estarem

úmidas. Decidiu, então, introduzir o cabo de jussara em uma infusão de água e repetiu

a operação. Desta vez, o tempo que o cabo resistiu foi maior. 911

Os índios também davam conta de que havia pelo interior um grande número

de palmeiras que fornecia uma espécie de cera, que ele acreditava ser as mesmas que

descobertas em Minas Gerais, por Simão Pires Sardinha. No retorno à cidade de

Salvador, aguardou por ventos favoráveis. Passou pela vila de Jaguaripe, conhecida

pelas olarias, que apesar da “pouca perfeição da louça que se fabrica há excelentes

argilas”. 912

Munis Barreto finaliza e envia seus apontamentos afirmando que se a

Academia de Ciências de Lisboa os aceitasse, apesar da “irregularidade, mistura, e

confusão”, ficava ao dispor da instituição para dar prosseguimento às observações:

Page 366: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

366

“pois ainda que o método, e estilo que sigo é muito alheio da ciência ainda de

um mediano naturalista, quem não sabe, que qualquer dos sócios de que a mesma

Academia se compõem he capaz de reduzir a regra aquilo que não é próprio das

minhas forças e talvez de outros mais iluminados: não fazendo também conta a

mesma Academia da falta de termos próprios de que usam na sua linguagem a

naturalista (ex professo), por que creio que deixando de parte este obstáculo, se

poderia isto não só disfarçar, mas permitir, reduzindo-se a modo que todos

entendessem o que lessem, que todos pudessem escrever o que vissem, e que todos

pudessem pedir o que necessitassem. Regra esta que faria estender mais o comercio e

adiantar a indústria”.913

Em 1796, d. Rodrigo de Sousa Coutinho assumiu o cargo de ministro do

ultramar, dando continuidade aos seus projetos. O intuito era o aprofundamento das

pesquisas e exploração nas terras coloniais. O resultado obtido com os estudos

realizados na segunda metade do século XVIII renovou a política agrícola e

introduziu novas técnicas rurais. Em vista disso, outras expedições foram realizadas

por novos estudantes e pesquisadores que já haviam contribuído com trabalhos, como

Manuel da Câmara e Francisco José de Lacerda e Almeida; o resultado desse

empreendimento foi divulgado a partir da primeira década do século XIX.

Estas viagens, apesar de serem conhecidas, foram pouco exploradas,

principalmente porque muitas delas eram subsidiadas por recursos desconhecidos. O

padre Joaquim José Pereira, em setembro de 1799, visitou a região do Piauí, conforme

determinara d. Rodrigo de Souza Coutinho. No ano anterior já havia passado pela

região e descreveu aspectos físicos e demográficos daquela capitania. Todavia, esta

nova exploração tinha outro interesse, era conhecer as minas de salitre e outros

recursos que existiam na região. Ao chegar a Aldeãs Altas, em abril de 1800,

encontrou o bacharel Vicente Jorge Dias Cabral, nascido em Tejuco (Minas Gerais) e

ex-aluno da Universidade de Coimbra que o acompanharia na expedição. Este

também era o responsável pelo horto botânico da cidade de São Luis do Maranhão, e

como atuava como bacharel, pela sua formação em Direito, o tempo disponível para

fazer investigações era reduzido.

Os religiosos Joaquim José Pereira e Vicente Jorge Dias Cabral percorreram o

interior do Piauí e Maranhão visitando diversas freguesias, retornando a São Luis do

Page 367: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

367

Maranhão em finais de 1802. Os registros escritos, desenhos e amostras foram

remetidos ao visconde de Anadia, d. João Rodrigues de Sá e Melo Soto Maior, por

intermédio do governador da capitania do Maranhão, d. Diogo de Souza.

O registro das visitas dos pesquisadores incluía o salitre, e a população das

freguesias. O texto apresentava aspectos do cotidiano, principalmente porque os

religiosos estavam preocupados com a ocupação espiritual, o desvirtuamento da

população, as condições climáticas, doenças, e outros aspectos que envolviam a vida

numa das regiões mais quentes da capitania, onde a pobreza era flagrante. O relato

apresentava as dificuldades da exploração, em condições inóspitas. Por outro lado,

evidenciava as dificuldades dos habitantes do sertão, na sua sobrevivência diária, o

que justificava a busca de alternativas de exploração dos recursos, e a premência de se

conhecer melhor o interior do território.

A primeira década do século XIX evidencia este interesse, que se intensifica a

partir da vinda da família real portuguesa para o Brasil. Esforços são realizados para

que as terras coloniais sejam conhecidas pelos seus recursos.

A obra “Roteiro e mappa da viagem da cidade de São Luiz do Maranhão até a

corte do Rio de Janeiro, feita por ordem do governador, e capitão general daquella

capitania, pelo coronel Sebastião Gomes da Silva Berford, fidalgo da casa real, com

os officios relativos à mesma viagem”, foi publicada pela Impressa Régia em 1810,

relatando a longa viagem de Sebastião Gomes da Silva Berford feita em 1809, por

ordem real.

O texto, um dos primeiros a serem publicados pela impressa régia nas

terras brasílicas, relata a expedição de Sebastião Gomes da Silva Berford do

MaranhãoaoRiodeJaneiro.Berforddestacou,noiníciodoseuregistro,quesuas

observações eram fruto de sua passagem pela Universidade de Coimbra. Esta

formaçãoserviaparaqueelevencesseos“impulsosdoamorpróprio,queatodos

dominamaisoumenos,eparaigualmentemelhorouvirosavizosdaconsciência

da minha inferioridade em proporção a tarefa de que fui, e sou incumbido”.

Segundo ele, apesar de não possuir grandes capacidades, foi escolhido pelo

Governador e Capitão General do Estado do Maranhão d. Francisco de Mello

Manoel da Câmara, para fazer a viagem. Como súdito respeitoso, não fugiu à

incumbência e não poderia fazê‐lo em detrimento dos interesses da nação. A

Page 368: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

368

conjunturapolítica,socialeeconômica,indicavaodesgastedosistemacoloniale

a necessidade de uma legislação econômica baseada em princípios liberais. A

idéia era promover o desenvolvimento da agricultura e da indústria, a fim de

revigorar a atividade comercial. Esta preocupação exigia o adequado

conhecimento das terras brasílicas, principalmente das vias de navegação que

poderiamaproximarpontosdistantesdoterritório.

Berford foi chamado ao palácio do Governador d. Francisco de Mello

ManoeldaCâmara,para tomarciênciadadeterminaçãorégiaquantoa sua ida

paraacortedoRiodeJaneiro,realizandoaseguintetrajetória:

“1o. Do arraial do Príncipe Regente no julgado de Pastos Bons; 2o. Da

navegação do rio Itapicuru para elle 3o. Das diferentes estradas que por terra vão ao

dito arraial, e dele seguem ate o rio Tocantins; e 4o. Finalmente da descoberta do

mencionado Tocantins naquela capitania, da sua navegação desde a Vila Cameta do

Gram Pará até Porto Real de Goiazes; e da estrada que por terra communica a

Capitania do Maranhão com a de Goiazes, e por consequência com a de Minas Gerais,

e Rio de Janeiro”.914

Berford deveria fazer anotações detalhadas sobre o percurso, relatando todas

as informações importantes que pudesse coletar. O caminho, como outros viajantes já

haviam registrado, era cheio de perigos. A natureza impunha barreiras, como também

os sertões repletos de índios e os males epidêmicos. Demonstrando ser um súdito fiel,

Berford aceitou a incumbência que lhe era conferida, além de mencionar que faria o

percurso solicitado, a custa dos recursos advindos de um pequeno estabelecimento de

que era proprietário. Em 29 de setembro de 1809, Berford partiu acompanhado de um

ajudante e soldados que foram incumbidos de acompanhá-lo e protegê-lo dos

eventuais ataques dos gentios.

Seguindo o roteiro predeterminado, seguiu para o Arraial do Príncipe Regente,

fundado por ordem do Governador Francisco Câmara. O local fora ocupado em 24 de

junho de 1807, pelo tenente do regimento de linha do Maranhão, Francisco de Paula

Ribeiro, com mais cinquenta soldados. O arraial crescera e contava, dois anos depois,

com duzentas e quinze almas, possuindo casa, quartel e capela. As condições locais

eram boas e possuía um porto navegável para a importação e exportação de produtos

na região. Se os estabelecimentos facilitaram a circulação de produtos, a situação das

Page 369: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

369

propriedades não era das melhores, pois os índios timbiras atacavam as fazendas de

gado. O local não era adequado para os interesses do Estado, pois a presença dos

índios tornava a ocupação temerosa. Este fato já era conhecido desde a abertura da

estrada real para a Vila de Caxias, mas antes disto já havia o relato de viajantes que

foram atacados pelo gentio. Berford registrou que um dos cabos com o acompanhava,

chamado Simão Ferreira de Goes, fez prospecção pela região e encontrou uma aldeia

despovoada, com aproximadamente quinhentas habitações. Esta situação, como

outros registros de hostilidades, marcava o local e a dificuldade de estabelecimento na

região.

Os índios, além de incomodarem os colonos com os ataques às fazendas,

também eram responsáveis por tornar os caminhos entre o Pará e Goiás intransitáveis

o que comprometia a prosperidade do local. Berford entendia que os confrontos

deveriam cessar e alguma ação deveria ser empreendida para que se celebrasse a paz,

para garantir um melhor conhecimento da região. A despeito desta situação, Berford

observara que o arraial crescia sem onerar a real Fazenda. A exploração de pólvora e

sal permitia a manutenção da região, bem como o dizimo cobrado das “novas

fazendas de gados, e das restauradas, e ainda das lavouras de arroz, e algodão

estabelecidas na barra do rio Corrente, e paragem denominada Castanhas”. Além

disso, havia os recursos provenientes de sesmarias concedidas pelo governador, o

terreno era produtivo, a área era transitável. Tudo isto interessa consideravelmente ao

futuro do arraial de Pastos Bons. Esta prosperidade, entretanto, não elevava o arraial ã

categoria de Vila “ou lugar notável”. Era: “só sim um Arraial, como de certo e, tosco

por ora, e sem quase arte alguma, mas com proporções para da sua boa, e natural

posição inferir-se, e sem susto avançar-se a infalível proposição, de que ali se dão

todos os dados para um resultado muito útil, e necessário, quer aos interesses da Real

fazenda, quer ao Publico, e particulares”. Berford salientava que o crescimento do

arraial seria um bem para a coroa. Mas era prudente atentar para o fato de que muitos

outros locais mais antigos quase nada tinham avançado. Um exemplo disto era o

próprio Julgado de Pastos Bons, que ocupado em 1744, não devia de “ser ali tão

miserável, que apenas conterá em si oito palhoças e o quartel do Destacamento”. O

arraial do Príncipe Regente deveria prosperar lentamente, sem grandes auxílios reais.

Page 370: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

370

Demonstrando praticidade e conhecimento da realidade, aconselhava ao monarca a

adoção de medidas adequadas para a conservação do local:

“1o. A mudança da Matriz, e Freguezia para o Arraial, onde também deve ser

a efetiva assistência do Juiz, Escrivães, e Tabeliães do Julgado; 2o. Obrigar aos que

obtiverao ali Sesmaria, que as cultivem instantaneamente; e 3o. Finalmente que se

aumente por alguns anos o Destacamento, a fim de que diariamente se exceção

Escoltas contra o gentio, único modo de extingui-los, pois do contrário, fiados no

abrigo das matas, suscitarão frequentemente discórdias, e sairão impunes de ordinário,

terrorizando noite, e dia os Lavradores ali existentes”.

Berford pretendia neutralizar a ação dos índios que matavam escravos e

devastavam as fazendas, impedindo o seu desenvolvimento. A contenção dos ataques

do gentio era fundamental para a ocupação efetiva da região. Neste sentido, a nova

Vila de São João das Duas Barras seria beneficiaria por estar distante a

aproximadamente duas léguas da região e unida a ela por estrada regular. No que

dizia respeito à navegação pelo rio Itapicuru, Sebastião Gomes da Silva Berford

destacava as boas condições de navegabilidade pelo rio, por onde se exportavam

riquezas da capitania do Maranhão. Registrou assim o seu olhar sobre o itinerário:

“o rio na maior parte abundante d’águas, largo, bordado de um, e outro lado de

belas, e interessantes matas, e finalmente sem cachoeiras que impeçam, ou torne

arriscada, e perigosa a sua navegação, por isso mesmo que havendo nele algumas,

estas facilmente se passam a salvo uma vez que haja cautella nos praticos, e se sigam

os canais”.

O rio continuava até o Arraial do Príncipe Regente, dividindo-se em dois

braços, um chamado Itapicuru e o outro de rio Alpercatas, este último mais caudaloso,

com infinitas matas e sem cachoeiras que impedissem a navegação. Nessa região, que

ligava a capitania do Maranhão ao Arraial, havia muitos caminhos e fazendas, bem

como rios e riachos.

A exploração continuou pelo rio Tocantins, na capitania do Maranhão, e pela

estrada que ia da fazenda do Mirador, última daquela capitania, até a fazenda do

Alferes Severino, primeira nos limites de Goiás. Este era o ponto de encontro de vias

que ligavam ao Grão-Pará.

Page 371: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

371

Segundo ele, ignorava-se no Maranhão a altura em que se encontrava o rio

Tocantins. As Cartas Régias de 12 de Marco de 1798 já haviam decretado que se

realizassem esforços para que se localizasse adequadamente o rio a fim de se realizar

a sua exploração. Tal situação tornaria mais dinâmicas as relações comerciais entre as

capitanias do Maranhão, Grão-Pará e Goiás. Mas os esforços do governador Antonio

Saldanha da Gama para que tal acontecesse não foram suficientes. Naqueles idos

habitava na região Elias Ferreira de Barros, “homem inclinado a descobertas, e

temerário em empresas contra o Gentio”, que procurou terrenos para pastos a fim de

estabelecer uma nova fazenda de gado. Avançando pelo sertão, encontrou o local

adequado e ali deu início à fazenda Mirador, às margens do rio Manoel Alves o

Grande. Passado algum tempo, apareceu um índio fugitivo que afirmava ter vindo do

Pará para Goiás, usando uma canoa e passando por um grande rio e depois seguindo

por trilhas até a fazenda. Esta informação estimulou Elias Ferreira de Barros a

procurar o rio que possibilitava navegar em direção ao Pará. Para tanto, fabricou um

pequeno barco, seguindo com o índio e mais três escravos pelo rio. Após um dia e

meio de viagem por um grande rio, que depois ficou sabendo que era o Tocantins,

chegou ao lugar onde se havia mandado estabelecer a Vila de São João das Duas

Barras. O índio foi consultado sobre qual seria o braço de rio a seguir em direção ao

Pará, mas ele não soube reconhecer o caminho. Na incerteza, o grupo entrou pelo rio

Araguaia, navegando por mais dois dias ao fim dos quais sentiram que estavam

perdidos. Ao retornarem, seguiram pelo Tocantins onde encontraram “uma Parada

que vinha do Pará, da qual souberam por onde deveriam seguir”. Prosseguiram

viagem até o Pará, portando carta do governo para o governo do Maranhão, e em

canoas de maior porte para dar início ao comércio pelo dito rio. Esta viagem durou

aproximadamente dois meses. Elias Ferreira de Barros aportou com seus

companheiros em Mirador e se apresentou ao governo do Maranhão. Recebeu ordem

do general para que retornasse ao Mirador e dali seguisse pelo rio Tocantins até as

povoações de Goiás. O súdito, seguindo as determinações, navegou por onze dias até

Porto Real, dando em seguida enviou comunicação sobre o trajeto e o general enviou

40 soldados para abrir uma estrada entre Mirador até o Porto de Real de Goiás.

Berford localizou a dita estrada, conforme o mapa anexo ao documento, onde

dava conta da “posição do rio, as suas cachoeira, e povoações, assim como também a

Page 372: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

372

direção da estrada, qualidade dos caminhos, seus pastos, rios, e riachos”. O rio

possuía obstáculos, mas não eram intransponíveis e por isso não impediam a atividade

comercial das Capitanias: “nos princípios tudo soa dificuldades, que em instantes

muitas vezes terminam”. As embarcações deveriam se acomodar às condições do rio.

Porém, Berford deparou barcas que seguiam pelo rio carregando 1500 alqueires de

arroz ou 400 sacas de algodão. Havia ainda aquelas que carregavam a carne de

duzentos bois, que eram de uma grandeza considerável. Se o rio impusesse

dificuldades elas deveriam ser revertidas aos interesses do comércio. Quando

houvesse dificuldade pelo rio, poder-se-ia estabelecer pontos de entrepostos a fim de

possibilitar uma ocupação mais efetiva.

A estrada foi aberta a facão e Berford acreditava, pelos seus levantamentos,

ser possível diminuir a distância entre os locais. Para que isto se concretizasse era

preciso povoar a região, caso contrário se tornaria intransitável, pois os matos

voltariam a crescer. Não se esquecia, entretanto, que a presença do gentio também

obstaria a ocupação. Entre o Arraial do Príncipe Regente até Porto Real de Goiás

havia mais de nove nações de gentio, além de outras que ocupavam as duas margens

do rio Tocantins. A maioria delas era indômita e nunca tinham deixando de matar.

Isto não era problema para Berford, que afirmava: “mas quase todas fáceis de se

conquistarem, não só por serem naturalmente covardes, como mesmo por habitarem

em campos [...] que por viverem nas matas, nelas confiam para sua defesa, e

presumem de valorosos, por isso dificultosoamente cedem, e afrouxam”.

Enquanto o local não fosse povoado e defendido pela população, o percurso

seria sempre temerário e também poderia consumir muitos recursos da Real Fazenda.

Como mostrava no seu roteiro, era mais acertado que a circulação se fizesse a partir

do embarque em Porto Real e o desembarque na fazenda do Mirador, de onde se

poderia seguir sem perigo até o Maranhão, por meio de fazendas de gado. Os

eventuais problemas poderiam ser resolvidos se o governador do Maranhão

posicionasse um destacamento de aproximadamente vinte homens nas margens do rio

Manoel Alves o Grande. Este grupo teria como objetivo defender dos ataques

indígenas os que circulavam pela região. Era prudente que se tomasse uma decisão

rápida, pois ao passar pela região Berford soube que Elias Ferreira de Barros e sua

família quase foram mortos pelos índios e desejava abandonar o local. Aos olhos de

Page 373: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

373

Berford, isto seria ruim para o real serviço e comprometeria o comércio, pois Elias

Ferreira de Barros era proprietário das embarcações que faziam o transporte na região.

Em outros pontos do rio Tocantins também deveriam ser estabelecidos

destacamentos para tornar o trânsito mais seguro. Tal situação se justificava em

função das relações comerciais. Berford defendia vivamente que o comércio entre as

duas capitanias deveria ser estimulado, pelas matas, lavouras e criações. Estes eram os

“sentimentos” de Berford e o que tinha sido “possível colher das informações, e

inspeção ocular”, durante a viagem. A brevidade deste relato tinha como intenção ser

objetivo e contribuir com os interesses da coroa.

Portanto, a valorização do pensamento especulativo foi sendo cada vez mais

estimulada no decorrer do século XVIII. Os relatos e memórias sobre plantas e

animais, alguns com preocupações mais técnicas do que outros, destacavam o

interesse econômico e utilitarista, e o debate científico aparece de forma ainda muito

tímida. O levantamento feito por Alexandre Rodrigues Ferreira mostrou que, apesar

do esforço empreendido na coleta de amostras e informações, as pesquisas não foram

adiante. Os diários deste viajante naturalista exemplificam o espírito ilustrado da

época. As espécies eram descritas em minúcia, sendo em alguns momentos repetitiva.

A rigidez da escrita apontava a necessidade do cumprimento da tarefa científica e

exploratória.

O naturalista, principalmente formado na Universidade de Coimbra,

representava uma nova forma de olhar o mundo para contribuir no conhecimento

científico e na exploração das potencialidades da natureza. Os naturalistas ao

realizarem as descrições e classificações das espécies contribuíram para a posterior

catalogação e compreensão do mundo natural, segundo as bases científicas do

período. Os trabalhos destes pioneiros coletando e classificando o material para serem

enviados a Portugal possibilitaram o avanço do conhecimento na medida em que

ordenavam um mundo natural desconhecido. O olhar cientifico que vai amadurecendo

no século XVIII abre espaço para diferentes visões sobre os mecanismos da natureza,

e foram determinantes na construção cientifica do século seguinte.

A coroa portuguesa esteve atenta ao movimento de idéias revolucionárias que

ganharam difusão na segunda metade do século XVIII. O medo que o ideário

insurgente se alastrasse pela colônia brasileira, fez que as autoridades tivessem uma

Page 374: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

374

postura receptiva e aberta para a elite colonial a fim de contemplar os anseios desse

grupo e reconhecê-los no serviço da administração pública.

No decorrer da administração de d. Rodrigo de Souza Coutinho e d. Martinho

de melo e Castro observa-se uma estratégia político-econômica que dava prioridade à

exploração da América Portuguesa. Fica evidente que o pensamento do período

implicava a defesa do cultivo da terra, mais fácil e vital para qualquer Estado que

desejasse uma economia estável. O estímulo à produção agrícola era fundamental,

sendo viável incrementar outras atividades como o comércio e a indústria. Além

disso, a viagem científica era um recurso que poderia contribuir para este

desenvolvimento, conforme indicam outros registros de explorações.

De fato, o conhecimento da natureza exigia uma ação do Estado quanto à

exploração racional da natureza, a fim de se obter a melhor lucratividade. Esta postura

estava em consonância com as teorias econômicas inglesas e a fisiocracia francesa,

que Portugal procurava acompanhar no universo de suas possibilidades. O vasto

império colonial das terras brasílicas no final do século XVIII ainda era uma grande

incógnita para a metrópole. Acreditava-se nas suas potencialidades, mas não a

dimensão delas era desconhecida e faltavam recursos para que isto se efetivasse. Por

mais esforços que se empregasse, a natureza brasílica amava se esconder. A ousadia

por saber e conhecer estava apenas começando.

Page 375: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

375

Palavras Finais

Page 376: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

376

Este trabalho se propôs a realizar uma reflexão sobre a forma e o conteúdo dos

relatos de viagens, cartas e outros documentos que descrevessem características do

mundo natural, elaborados entre o século XVI e XVIII, evidenciando como os

viajantes naturalistas contribuíram para o pensamento científico.

Desta forma, procuramos apresentar como o pensamento antigo discutia a

ideia de natureza a partir da experiência concreta, para construir o seu referencial

racional. Para os pensadores antigos, o saber consista na contemplação da realidade e

naquilo que ela tivesse de mais constante. A observação conduzia a deduções sobre a

natureza e fundamentava o conhecimento. No decorrer da Idade Média, o mundo

natural era concebido como uma criação de um ser divino que concedia aos seres

humanos a possibilidade de se valer dos recursos oferecidos pela fauna e flora. O

homem admirava o poder de Deus pela infinidade de espécies que concebera para o

usufruto dos mortais.

A Renascença iria impor a revisão das ideias platônicas e aristotélicas. Por

meio da razão, o ser humano seria capaz de empreender novas conquistas. As

transformações técnicas e as viagens marítimas permitiram que os europeus

transpusessem o oceano e se deparassem com um universo natural diferente e com

sociedades desconhecidas. As transformações materiais e as conquistas dos homens

resultaram novas observações e indagações sobre as formas de ser, sentir, estar e ver a

natureza. O campo estava preparado para o nascimento da ciência moderna, que

renovou os princípios e métodos de investigação da ciência tradicional. Tal situação

conduziu a uma investigação racional, abstrata e empírica sobre a natureza.

Para a ciência moderna era preciso reexaminar o mundo e criar fundamentos

para as ideias, independente da tradição. O método poderia auxiliar o ser humano

compreender e ordenar o mundo, identificando vínculos e estabelecendo

comparações. Desenvolvia-se uma nova ordem para o conhecimento da natureza

sujeita a leis simples ou complexas e dependentes da vontade humana e divina. O

homem fazia parte de um sistema do qual ele era um dos inúmeros elementos.

Page 377: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

377

A pesquisa determinou a construção de discursos múltiplos entre os cientistas.

Nos movimentos de crescimento e refluxo dos estudos, a ciência se estruturou graças

à busca de categorias universais para organizar seu saber humano. As pesquisas

conduziram à discussão do problema da identificação, tornando o homem responsável

por composições de sistemas teóricos que permitissem compreender a contribuição do

passado, adequando-a as mudanças promovidas pelas pesquisas e novas descobertas.

O sistema proposto por Lineu organizou os seres vivos dentro de uma lógica

compreensível, que influenciaria os trabalhos posteriores.

Neste movimento, fizemos a leitura de textos produzidos por diversos

narradores que permitem captar a identidade da natureza brasileira, entre os elementos

fantásticos e a descrição mais próxima do real no decorrer dos séculos XVI, XVII e

XVII, onde ficava evidente a visão utilitária do mundo natural, tendo como base a

alimentação. Procuramos evidenciar como se processou o movimento de compreensão

da natureza e a emergência do pensamento científico na observação da natureza

brasílica.

O conhecimento no século XVI visitou conhecimentos medievais para

confirmar as informações e verificar explicações. Os textos dos pensadores serviram

de base para muitas reflexões porque reuniam uma série de dados, por vezes

desorganizados, mas importantes para quem desejava fazer estudos mais

aprofundados. O desenvolvimento das pesquisas que ocorreram de forma esparsa pela

Europa, demonstrou a importância de um diálogo mais estreito e constante entre os

pesquisadores antigos e as novas descobertas, impondo um movimento de mutação.

Como destacamos, os registros elaborados no decorrer do século XVI caminharam

num mosaico unindo realidade e imaginário para apresentar o mundo natural das

terras brasílicas, oferecendo uma ideia da dimensão da realidade.

O século XVII passou a ser conhecido pela comunicação do saber e do

conhecimento de base técnica. As sociedades científicas que surgiram nesse período,

algumas delas advindas de grupos de pesquisadores, reuniram aqueles que estavam

envolvidos com a busca de novos saberes. O que pudemos observar foi uma

transformação de um ser humano “espectador” da natureza para um ser humano

“ator”, um agente que procurava obter respostas do mundo natural. Ao longo dos

séculos XVII e XVIII, os viajantes tentavam agrupar os seres da natureza de acordo

Page 378: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

378

com as ordens científicas de conhecimento do universo. O domínio do mundo natural

foi sendo constituído com ajuda de um inventário de figuras recortadas dos três reinos

naturais, desenhadas de modo a serem discernidas por suas formas matematicamente

proporcionadas e passíveis de comparação num grande quadro cumulativo.

Os viajantes naturalistas revelavam um domínio do conhecimento que

permitia transitar em diferentes esferas. A erudição bibliográfica não era suficiente

por si só, era necessária a realização de trabalhos de campo e empreender novas

experiências. O olhar precisava estar treinado para observar diretamente a natureza,

conforme os parâmetros estabelecidos para identificação dos espécimes, tendo ciência

da forma de coletar e acondicionar as amostras dos seres do mundo natural.

A conjunção de interesses econômicos e científicos marcou as expedições do

século XVIII. O Estado português financiou as expedições e os viajantes e estes, ao

mesmo em tempo que faziam suas investigações e levantamentos, prestavam serviços

administrativos à coroa portuguesa. Por conseguinte, os registros são pautados por

uma linguagem que oscila entre aspectos científicos e relatórios administrativos que

atendiam aos interesses dos órgãos do aparelho de Estado. Os registros comprovam

que as observações eram feitas em função do desenvolvimento da colônia.

O esforço do Sebastião José de carvalho Melo em atualizar o ensino

acadêmico em direção à modernidade científica foi importante para a formação de

uma geração de cientistas naturalistas. A Universidade de Coimbra ao se confirmar

como uma instituição pública demonstrou estar preocupada com os interesses do

Estado, que necessitava de profissionais qualificados para exercerem cargos públicos

e realizarem o desenvolvimento. A reforma possibilitou a constituição das Faculdades

de Filosofia e de Matemática. Com esta criação, a Congregação Geral das Ciências

passou a contar com três faculdades, além das duas mencionadas, havia ainda a

faculdade tradicional de Medicina. A formação dos estudantes tornou obrigatórias as

disciplinas de História Natural, Física, Química e Geometria. O pensamento científico

pressupunha mudança, ou seja, devia-se responder às questões do mundo de uma

forma diferente. Isto implicou um novo ambiente de educação. Os jovens deveriam

aprender a ver o mundo de forma diferente.

As reformas pombalinas visavam à superação das antigas estruturas

econômicas e culturais, favorecendo o desenvolvimento do conhecimento científico,

Page 379: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

379

que deveria tornar-se um instrumento útil ao Estado português. Era evidente a

necessidade e o desejo de mudança, uma nova forma de olhar o mundo, o

desenvolvimento de novas habilidades e competências que resultassem projetos úteis

à sociedade. Era preciso explorar adequadamente as terras coloniais, construindo um

aprofundado conhecimento sobre as potencialidades do território e o seu

aproveitamento.915

O movimento de viajantes naturalistas deve ser visto em função da

necessidade de mapear as potencialidades econômicas dos territórios coloniais, a fim

de melhor explorá-los. A circulação de viajantes naturalistas foi intensa e em Portugal

o movimento não foi diferente. Deve-se notar que foi marcante na Universidade de

Coimbra a atividade de um grupo de intelectuais naturalistas nascidos no Brasil.

O levantamento feito pelos viajantes naturalistas contribuiu para dar uma nova

dimensão à própria história de Portugal. As viagens de Alexandre Rodrigues Ferreira

pela região do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, por exemplo,

influenciaria nas ordens de D. Francisco de Souza Coutinho, na definição do

estabelecimento de um jardim botânico, chamado de Horto de São José, em 1796, na

região de Belém. O objetivo era aclimatar plantas brasílicas da região, especiarias, por

exemplo, identificando a possibilidade de implementar essa cultura de maneira

rentável aos cofres metropolitanos.

Apesar de haver orientações para que os registros seguissem as técnicas

preestabelecidas, nem todas as expedições o fizeram. Algumas passagens sugerem

uma aproximação com a ciência da época, mas a maior parte dos relatos era pautada

pela visão utilitarista, desviando-se do arcabouço científico do período.

Tomando como referência a viagem feita por Alexandre Rodrigues Ferreira,

percebemos que não houve o devido cuidado com as amostras obtidas, tampouco se

dedicou a um estudo pormenorizado sobre as espécies encontradas. O material

recolhido pelo pesquisador, acondicionado em condições inadequadas, foi remetido a

Lisboa. Alexandre Rodrigues Ferreira, ao retornar para Portugal, localizou o material,

em parte deteriorado, que posteriormente seria saqueado pelas invasões das tropas

napoleônicas.

Apesar da importância do levantamento feito por Alexandre Rodrigues

Ferreira, a comunidade científica no século XIX veria com restrições o seu trabalho.

Page 380: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

380

Emílio A. Goeldi foi enfático ao sinalizar as lacunas existentes nos relatórios, além de

pôr em dúvida a formação do naturalista. A Universidade de Coimbra não poderia ser

considerada como um centro de ciência. De fato, a instituição estava em processo

inicial de reordenação interna no momento em que se efetivavam as reformas

pombalinas.916

O interesse em relação à natureza não era restrito somente a um grupo de

pesquisadores das sociedades científicas. No decorrer do século XVIII houve uma

difusão de discussões sobre o tema que conquistou a sociedade, principalmente na

medida em que o estudo da natureza redefinia o conhecimento da sociedade. Muitos

registros contribuíram para a construção mais aproximada da dimensão da natureza

brasílica, uma vez que não seguiam os parâmetros científicos.

Em suma, no decorrer do século XVIII, a natureza seria apreendida

racionalmente e regida por leis, sendo possível classificá-la em categorias. As idéias

sobre as terras americanas e os seus habitantes conquistaram uma nova dimensão,

influenciando a revisão da irracionalidade e da barbárie. As pesquisas científicas

possibilitaram que as terras do continente americano fossem vistas de forma positiva.

A natureza paradisíaca lentamente sede seu espaço para que as ciências naturais se

debrucem de forma mais atenta sobre a fauna e a flora. Era preciso ter o olhar atento

para identificar e conhecer os ciclos da natureza, a fim de elaborar informações

voltadas para a produção de conhecimento, visando ao desenvolvimento das nações.

Os primeiros registros das investigações cientificas sobre a natureza brasílica

contribuem principalmente para compreender o momento seguinte quando as

expedições de naturalistas ganham uma amplitude maior, principalmente após a

independência. As expedições ocorridas no decorrer do século XIX tiveram em

grande parte a função de completar as informações colhidas por naturalistas da

segunda metade do século XVIII. Desta forma, seria pertinente ampliar, em outro

trabalho, a ideia de como o pensamento científico fará o estudo do mundo natural

apropriando-se deste conhecimento, pois, a natureza ainda não estava totalmente

desvelada.

Page 381: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

381

Notas Apresentação 1 PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de situ orbis. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1988. 2 BARRETO, Luís Filipe. Descobrimentos e renascimento, formas de ser e pensar nos séculos XV e XVI. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1983, p. 224. 3 HAZARD, Paul. O pensamento europeu do século XVIII, p. 128. 4 Ver: BOURG, Dominique. Les sentiments de la nature. Paris: La Découverte, 1993. 5 Ver: GRANGER, Gilles-Gaston. A Ciência e as Ciências. São Paulo: Editora Unesp, 1994. 6 Ver: JAPIASSU, Hilton. As Paixões da Ciência; estudo de história das ciências. São Paulo: Letras e Letras, 1991; KHUN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003; KHUN, Thomas. A revolução copernicana: a astronomia planetária no desenvolvimento do pensamento Ocidental. Lisboa: Edições 70, 1990. 7 BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo. 8 Marie-Noélle Bourguet ao estudar o termo explorador identifica no Dictionnaire de l’Académie française de 1718, que o ter é utilizado no sentido daquele que era enviado para fazer a descoberta de país, “para conhecer a extensão, a sua situação”, etc. Conforme salienta a autora, o substantivo explorador era pouco usado: “Empregam-se outros termos para definir aqueles que são enviados «à descoberta» do globo: o próprio Lapérouse é um navegador e os estudiosos que se encontram a bordo astrónomos, botânicos, mineralogistas. «Viajante naturalista» é o título usado com frequência para designar oficialmente os correspondentes do Jardim do Rei ou, mais tarde, do Museu Nacional de História Natural, encarregados de uma missão longínqua; em 1793, o cidadão Richard, enviado à América em explorações, assina os seus relatórios em latim: «Ludovicus Claudus Richard, Itinerator botanicus.»1 Nenhum vestígio de exploradores. Por que este desvio entre a língua falada e o dicionário? O prefácio do Dictionnaire de Trévoux, surgido em 1771, sugere uma interpretação”. BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo, p. 209-210. 9 Sobre o assunto ver: “Idea Geral oferecida ao Real Conhecimento de S. Magestade pelo atua Governador, e Capitão General da Capitania de Matto Grosso Luis de Albuquergeu de Mello Pereira e Cárceres, de toda a primeira que forma a dita capitania a mais acidental do vasto contingente do Brasil, a respeito dos Domínios Espanhóis, principiando desde o presídio de nova Coimbra, na Longitude da ilha do Ferro de 320º.30´ e latitude austral de 20º. Mais, ou menos, até a confluencia do grande rio da Madeira na Longitude de 314º. E latitude de 10º. Também mais ou menos, ou um pouco mais ao norte. Na qual faz juntamente presentes a mesma senhora o do governador algumas notas relativas ao objeto presente das demarcações em combinação com os artigos IX, X, XI, XIII, XV, XVI, XIX e XX ao Tratado Preliminar de Limites , celebrado em Santo Idelfonso no 1º. De outubro de 1777.” FBN – MS 04, 2, 021, NO. 2. 10 HAZARD, P. O pensamento europeu no século XVIII, p. 127. 11 Ver: DROUIN, J-M. “De Lineu a Darwin: os viajantes naturais”. In: SERRES, M. (ed) Elementos para uma história das ciências. Lisboa: Terramar, 1998. Tomo 2 12 SILVA, Francisco Carlos Teixeira, “História das Paisagens”, In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia, p. 204. 13 DIAS, Maria Odila da Silva. “Aspectos da ilustração no Brasil”. In: Revista do Instituto histórico e Geográfico, vol. 268, jan-mar/ 1968, p. 105-170. 14 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 433. 15 PRESTES, Maria Elice Brzezinski. A investigação da natureza no Brasil colônia, p. 22.

Page 382: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

382

16 LATOUR, Bruno. “Joliot: l’histoire et physique mêlées”. In: SERRES, Michel (org.), Éléments dhistoire des sciences, p. 503. Ver também: HULME, F. Edward. Natural history lore and legend. London: Bernard Quaritch, 1895. 17 CARVALHO, Joaquim Barradas de. Da História-Crónica à História-Ciência, pp. 55-56. 18 CARVALHO, Joaquim Barradas de. Da História-Crónica à História-Ciência, p. 57. 19 CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações, p. 133. 20 CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações, p. 20. 21 DIAS, J. S. da Silva. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI, p. 168. 22 Ibidem, pp. 161-162. 23 ASSUNÇÃO, Paulo. A terra dos brasis: a natureza da América Portuguesa vista pelos primeiros jesuítas. 24 As obras mencionadas abaixo constam com referência completa na bibliografia. 25 REIS, José Carlos. “Teoria e história da “ciência histórica”: tempo e narrativa em Paul Ricoeur”. In: FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves e CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Ciência, História e Teoria, p. 117. 26 BELLUZZO, Ana Maria. “A propósito d’o Brasil dos viajantes”. In: Revista USP – Dossiê dos Viajantes. – N.1 (mar./mai.1989) – São Paulo, SP: USP, CCS, 1989, p. 10. 27 REIS, A. C. F. “A viagem filosófica e as expedições científicas na Ibero-América no século XVIII”. In: Cultura, Rio de Janeiro, n° 5, 1962. Ver também: RAMINELLI, Ronald. “Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira”. In: História, Ciências, Saúde, Niterói, vol. III, 2001, pp. 969-992 (suplemento) 28 BUNBURY, Charles James Fox. Viagem de um naturalista inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais: 1833-1835, p. 17. 29 Gianni Micheli, ao discorrer sobre o conceito de cosmos, ressalta: "A concepção de que o mundo é um cosmos e, portanto, formado por um conjunto de elementos ordenados ou susceptíveis de disposição ordenada, é de facto, por um lado, a fase preliminar da ciência, a condição que determinará a própria possibilidade de análise científica enquanto tal e, por outro, o momento essencial e qualificante da primeira grande concepção científica orgânica alguma vez elaborada, a mesma que é radicalmente destruída no decurso do século XVII”. Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18. p. 134.

Capítulo um 30 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18. p. 135. 31 O aedo era na Hélade Antiga um artista que cantava versos acompanhados de instrumentos musicais. Normalmente, a atuação deles era perante uma assembleia de convidados nos banquetes. Nesta ocasião, eles cantavam temas conhecidos e atendiam também aos pedidos dos convivas. 32 HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso, p. 3-24. 33 HESÍODO. Teogonia, p. 17. 34 As influências recebidas do Oriente, no que tange a esse período, são notórias advindas da própria localização geográfica, assim como da intensidade das atividades comerciais, via terrestre ou marítima, que favoreciam contatos constantes entre os helenos e os povos do Oriente. O estabelecimento de relações periódicas permitiu um contato cultural que facilitou a introdução de alterações significativas na cultura das cidades da costa da Jônia e por decorrência da Hélade continental. Apesar disto, a mensuração da influência oriental no pensamento filosófico, e por vezes do conjunto mítico helênico, não pode ser estabelecido de maneira precisa e “desde a própria Antigüidade confrontam-se duas linhas de interpretação: a dos orientalistas, que reivindicavam para as antigas civilizações orientais a criação da sabedoria que os gregos teriam depois apenas herdado e desenvolvido; e a dos ocidentalistas, que viam na Grécia o berço da filosofia e da ciência teórica”. Os Pré-Socráticos, vol. I, p. VII. 35 WATANABE, Lígia. Primeira Filosofia, p. 16.

Page 383: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

383

36 VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do pensamento grego, p. 73. 37 Watanabe afirma que: na obra Metafísica, Aristóteles resume o pensamento dos filósofos que o precederam e que servia de antimodelos e trampolins para que seu próprio pensamento se afirmasse. WATANABE, Lígia, Primeira Filosofia, São Paulo: Brasiliense, 1989, p.15. 38Os Pré-Socráticos, vol. I, p. XV. 39 Ibidem, p.7. 40 Os Pré-Socráticos, vol. I, p. XV. 41 SANTOS, J. T. Antes de Sócrates, p. 73. 42 CRESCENZO, L. História da Filosofia Grega, pp. 36-41. 43 Ibidem, pp. 36-41. 44 Os Pré-Socráticos, vol. I, pp. 15-16. 45 A escola de Mileto se formou por volta do século VI a.C. na costa da Anatólia. Sobre o assunto ver SPINELLI, Miguel. Filósofos pré-socráticos - primeiros mestres da filosofia e da ciência grega, p. 15-92. 46 Os Pré-Socráticos, vol. I, p. 23. 47 Ibidem, p. 62. 48 Ibidem, p. 54. 49 Logos é nome correspondente ao verbo légein = recolher, dizer. Podendo ser compreendido como “palavra”, “discurso”, “linguagem”, “razão”. Os Pré-Socráticos, vol. I, p. 51. 50 Ibidem, p. 54. 51 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18, p. 16. 52 MICHELI, Gianni, “Mundo” In: Enciclopédia Einaudi - Natureza - Esotérico/exotérico, vol. 18, p. 11. 53 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. p. 48. 54 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18, p. 47. 55 Plínio se refere a isto em Histoire Naturelle, VIII, 44. 56 ROXO, Roberto Mascarenhas. Pomponius Mela e De Situ Orbis. p. 23. 57 A influência de Aristóteles foi intensa no período seguinte. Diógenes Laércio (200-250 d.C.), historiador e biógrafo de pensadores antigos, destaca que Aristóteles tivera uma vasta produção, sendo questionável a autoria de alguns textos. Andrônico de Rodes (70 a.C.) organiza os escritos aristotélicos que posteriormente ficaria conhecido como corpus aristotelicum. Sobre o assunto ver LAÉRCIO, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução de Mario da Gama Kury, Brasília: UNB, 1977.

58 SNOWDEN, Frank M. Blacks in antiquity: Ethiopians in the Greco-Roman experience, pp. 104-106. 59 CONQUERY-VIDROVITCH, Catherine (org). A descoberta da África, p. 19 e 25. 60 RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência – das origens à Grécia, Vol I, pp. 115-116. 61 Demócrito de Abdera foi contemporâneo de Sócrates e discutiu problemas ligados à physis. Ele defendia a ideia de que tudo que existia era composto por elementos indivisíveis, chamados átomos (indivisível). Ver: Os Pré-Socráticos, vol. II, pp. 119-168. 62 Ibidem, p. 48. 63 Ibidem, p. 49. 64 Ibidem, p. 47. 65 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18, p. 19. 66 Ibidem, p. 43. 67 Ver LEGRAND, Gérard, Os Pré-Socráticos, pp. 123-128.

Page 384: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

384

68 Como afirma Lenoble: “Epicure,(...), jette l’homme dans l’inconnu; enfant du hasard, né dans un monde quelconque formé au hasard des combinaison des atomes dans l’Univers infini auquel il ne saurait être de trouvez un centre!”. LENOBLE, Robert, Histoire de l’idée de nature, pp. 105-106. 69 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18, p. 17. Ver: DUVERNOY , J. F . O epicurismo e sua tradição antiga. Trad. de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. 70 O astrolábio moderno foi criado por Abraão Zacuto. 71 O portulano é uma espécie de roteiro que os navegadores da Antiguidade descreviam as costas marítimas dos locais que descobriam. 72 OLIVA, Alberto. Filosofia da ciência, pp. 17-18. 73 LEACH, Edmund, “Natureza/Cultura”. In: Enciclopédia Einaudi - Anthropos-Homem, vol. 5, p. 67. 74 ROXO, Roberto Mascarenhas. Pomponius Mela e De Situ Orbis, p. 40. 75 VEYNE, Paul. Séneca y el estoicism, p. 56. Ver também DUVERNOY , J. F . O epicurismo e sua tradição antiga. Trad. de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar , 1993. 76 PLÍNIO the Elder. The Natural History, Livro I, pp. 13-14. 77 ROXO, Roberto Mascarenhas. Pomponius Mela e De Situ Orbis, p. 19. 78 ROXO, Roberto Mascarenhas. Pomponius Mela e De Situ Orbis, p. 22. 79 Ver: LEITÃO, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita. Essai sur l’histoire de la cosmographie et de la cosmographie et de la cartographie pendant le moyen-age. Paris: Imprimeire Maulde et Renou, 1849. 80 ROXO, Roberto Mascarenhas. Pomponius Mela e De Situ Orbis, p. 51. 81 Os gregos chamavam de periegese. 82 MELA, Pomponius. “De Situ Orbis”. In: ROXO, Roberto Mascarenhas. Pomponius Mela e De Situ Orbis, Livro I capítulo I, pp. 111-112. 83 GOFF, Jacques Le. A Civilização do Ocidente Medieval, vol. II, p. 137. 84 Ver: CORTÁZAR, José Ángel García de. Los viajeros medievales. Madrid: Santillana, 1996. 85 Em Hb. 4: 12 delineia-se o poder da palavra divina: “Porque a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que toda a espada de dois gumes; chega até à separação da alma e do espírito, das junturas e das medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração”. 86 Gên. 1: X. 87 FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo, p. 155. Ver também BOTTERO, Jean. Naissance de Dieu, p. 230 e pp. 237-242. BRETON, Stanislas. “Christianisme et concept de nature”. In: BOURG, Dominique. Les sentiments de la nature, p. 146. 88 FEUERBACH, Ludwig, op. cit., p. 156. 89 Breton identifica três significados para a idéia de criação, delineadas pela proposta de leitura de Feuerbach: ato de independência absoluta do criador; compreensão do conceito de “ex nihilo” em função direta ao criador; o ato criador é a manifestação de uma gratuidade da ação do ente divino. BRETON, Stanislas, op.cit., pp. 144-145. 90 Gên. 1: 26. Ver: DELORT, Robert. Les animaux ont une histoire, pp. 101 e 185. 91 ASSUNÇÃO, Paulo. A terra dos brasis, p. 27. 92 DROUIN, Jean-Marc. L’Ecologia et son histoire, pp. 38 e 55. 93 ASSUNÇÃO, Paulo. A terra dos brasis, p. 29. 94 VIEIRA, Alberto. Do Éden à Arca de Noé, p. 19. 95 FEUERBACH, Ludwig. op. cit., p. 158. 96 Ver TURNER, Frederick. O Espírito Ocidental contra a Natureza, pp. 50-53. 97 “Viagens de São Brandão” In: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, vol. I, p. 76. 98 Ver, sobre a obra de Santo Agostinho, MARROU, Henry e BONNARDIERE, A. M., Santo Agostinho e o Agostinismo. Tradução de Ruy Flores Lopes, Rio de Janeiro: Agir, 1957. 99 INÁCIO, Inês C. e LUCA Tânia Regina. O pensamento medieval, p. 43.

Page 385: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

385

100 LYNCH, Lawrence E. “The Doctrine of Divine Ideas and Illumination in Robert Grosseteste, Bishop of Lincoln” in: Medieaval Studies – 3, 1941, pp. 161-173. 101 Sobre o assunto ver: GROSSETESTE, Robert. Suma de los ocho libros de la física de Aristóteles (Summa Physicorum). Buenos Aires: Eudeba, 1972; e MENDONZA, Celina Ana Lértora. Roberto Grosseteste: metafísica – siglo XVIII. Buenos Aires: Editoral Del Rey, 1988. 102 RONAN, Colin A. A história Ilustrada da Ciência, vol. 2, pp. 142-143. 103 Ver DUNS SCOT, John. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 104 GILSON, Étienne. Jean Duns Scot, introduction à ses positions fondamentales. Paris: Vrin, 1952. 105 BIARD, Joel. Guillaume d’Ockham et la théologie. Paris: Cerf, 1999. 106 Ver sobre o assunto: CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino. Braga: Livrari Cruz, 1957. 107 BRETON, Stanislas. Saint Thomas d’Aquin. Paris: Seghers, 1965. 108 BLOCH, Marc. “Maneiras de sentir e pensar” In: A Sociedade Feudal, pp. 90-105. 109 Gên. 2,8-14. Ver: HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso. pp. 47-68. 110 As representações do Paraíso foram as mais variadas possíveis no período medieval, sendo este identificado ora numa ilha, ora em terra firme, sempre associado com a imagem de inacessível por barreiras naturais, água e fogo; montanhas intransponíveis; animais perigosos. Ver KAPPLER, Claude Monstros, Demônios e Encantamentos no Fim da Idade Média, p. 34, e HOLANDA, Sérgio B. Visão do Paraíso, pp. 15-34 e pp. 185-246. 111 BOYER, Marc. Historie Génerale du Tourisme – du XVIe au XXIe siècle, p. 5. 112 Atualmente a referência é feita pela estrela Polaris. 113 LEITÃO, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita. Essai sur l’histoire de la cosmographie et de la cosmographie et de la cartographie pendant le moyen-age, p. 298. 114 O astrolábio foi fruto da somatória de trabalhos empreendidos por Euclides, Ptolomeu, Hiparco e Hipátia de Alexandria. Enquanto instrumento para a navegação marítima foi aperfeiçoado para localizar as estrelas no céu.

Capítulo dois 115 MARÍAS, Julián. História da Filosofia, pp. 203-204. 116 O Concílio de Trento ocorreu em três sessões diferentes: a primeira entre 1545 e 1549, a segunda entre 1551 e 1552 e a terceira entre 1562 e 1563. Foi o concílio de maior duração da Igreja e teve como objetivo principal especificar as doutrinas católicas, os sacramentos e os cânones bíblicos. 117 ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura, p. 6. Ver também: HALKIN, Léon. Érasme parmi nous. Paris: Fayard, 1987. Sobre a troca de olhares do período ver: LOUREIRO, Rui. O Confronto do Olhar, O Encontro dos Povos na Época das Navegações Portuguesas Séculos XV e XVI. Lisboa: Caminho, 1991. 118 ROTTERDAM, Erasmo de. op. cit., pp. 29-30. 119 MORE, Thomas. Utopia, pp. 168-169. Ver: BARRETO, Luís Filipe. Damião de Góes – os caminhos de um humanista. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2002. 120 Ver: MARTIN, Hervé. Mentalités médiévales, XIème - XVème siècle. Paris: Presses Universitaires de France, 1996. 121 GIUCCI, Guillermo. Viajantes do maravilhoso, p. 26. Ver também: BARRETO, Luís Filipe. Os Caminhos do Saber no Renascimento Português. Lisboa: INCM, 1986, e BARRETO, Luís Filipe. Os Descobrimentos e a Ordem do Saber – Uma análise sociocultural. Lisboa: Gradiva, 1987. 122 O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América, p. 185-186. Ver também: ALBUQUERQUE, Luís de. Os Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Alfa, 1985.

Page 386: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

386

123 BARRETO, Luís Felipe. Os descobrimentos e a Ordem do Saber, p. 41. 124 CARVALHO, Joaquim de. Estudos sobre a cultura portuguesa do século XVI, p. 12. Ver também: ROHOU, Jean. Le XVIIe siecle, une révolution de la condition humaine, pp. 131-132 125 THEODORO, Janice. América Barroca, p. 47. Ver sobre imagens do paraíso: HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso, pp. 69-97. 126 André de Thevet afirma: “tornou-se a navegação pouco a pouco tão comum entre os homens, que muitos, passando mesmo além de incertas e perigosas ilhas, alcançaram por fim a boa e fértil terra firme, realizando um feito que, pelo que se deduz dos textos antigos, não foi nunca dantes igualado”. THEVET, André. As Singularidades da França Antártica, p. 17. 127 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 14. 128 O astrônomo alemão Martin Behaim calculou uma tabela anual de Declinações do Sol, a partir deste astro permitindo a determinação da Latitude. 129 Instrumento utilizado para a medição da distância zenital, criado por John Davis em 1590. A medição angular feita pelos sextantes e quadrantes e o conhecimento da geometria favoreceram novas formas de representação. A utilização do quadriculado nas construções geométricas do espaço, principalmente na cartografia, contribuíram para calcular com mais precisão um local no mapa. O Renascimento ao desenvolver e sistematizar a perspectiva plana permitiu a representação tridimensional num plano, contribuindo para o avanço técnico do período seguinte. 130 Instrumento que permitia corrigir de forma apropriada a altura da estrela Polar para obter a latitude. 131 Instrumento que mede ângulos até ¼ da circunferência, ou 90º. 132 DIAS, J. S. Da Silva. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI. Lisboa: Presença, 1988. 133 HUTTER, Lucy Maffei. Navegação nos século XVII e XVIII, p. 74. 134 Até este período preponderavam as concepções ptolomaicas que concebiam os mares de forma isolada. 135 CARVALHO, Joaquim de. Estudos sobre a cultura portuguesa do século XVI, p. 12. 136 O papa Paulo III, que sucedeu Clemente VII, incentivou Copérnico a escrever a obra. 137 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, pp. 116-117. 138 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 120. 139 Apud Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico. vol. 18, p. 23. 140 BRUNO, Giordano. Acerca do infinito, do universo e do mundo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984; e LEVERGEOIS, Bertrand. Giordando Bruno. Paris: Fayard, 1995. 141 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, p. 37. 142 FREITAS, Renans Springer. “A metodologia como carro-chefe da história da ciência”. In: FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves e CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Ciência, História e Teoria, p. 63 e 64. 143 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, pp. 81-82. Como bem observa Paolo Rossi: “Para acreditar naquilo que se vê com o telescópio é preciso crer que aquele instrumento serve não para deformar, mas para potenciar a visão. É preciso considerar os instrumentos como uma fonte de conhecimento, abandonar aquela antiga e enraizada concepção antropocêntrica que considera a visão natural dos olhos humanos como um critério absoluto de conhecimento. Fazer entrar os instrumentos na ciência, isto é, concebê-los como fonte de verdade não foi um empreendimento fácil. Ver, na ciência do nosso tempo significa quase que exclusivamente, interpretar sinais gerados por instrumentos. Nas origens daquilo que hoje nós vemos nos céus há um gesto inicial e solitário de coragem intelectual.” ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 44. 144 Para Paolo Rossi: “As obras de Kepler foram sempre avaliadas pelos historiadores como documentos muito peculiares. Ao contrário do que acontece normalmente com todos os escritos que os cientistas deixaram à posteridade, Kepler não se limita a expor aos leitores os resultados de suas

Page 387: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

387

pesquisas, mas narra também os motivos pelos quais ele chegou às suas teorias, falando inclusive das suas tentativas e incertezas, e detendo-se em relatar os seus próprios erros. Ele acredita que a exposição das razões que o induziram a escrever um livro seja, essencial para a compreensão do próprio livro." ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 133. 145 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, p. 26. 146 Cláudio Galeno foi filósofo e estudou medicina. Foi medico do imperador Marco Aurélio e se destacou como professor. Suas aulas práticas faziam que os estudantes contemplassem a vivissecção e necropsia. Fez pesquisas fisiológicas, patológicas, anatômicas e terapêuticas, que influenciaram de maneira intensa o conhecimento da medicina até a Idade Média. 147 Em árabe Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd. 148 Paolo Rossi destaca: “Vesálio afirmava com energia a necessidade de uma total conexão entre a medicina clínica e a dissecação (e a cirurgia); polemizava com força contra uma medicina reduzida a cultura livresca e lutava pela convergência, na medicina, da teoria e da observação direta. Ele propunha uma nova imagem do médico, do professor de medicina e da relação que há, nas ciências "experimentais", entre o trabalho manual e a obra do intelecto.” ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 96. 149 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, p. 94-95. O que vigorava até aquele momento eram os estudos de Galeno que afirmava que o sangue era produzido no fígado a partir dos alimentos e que o sistema sanguíneo estava dividido. 150 CRAFTON, Anthony. Cardano’s cosmos – the worlds and works of a Renaissance astrologer. Cambridge, 1999. 151 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico. vol. 18, pp. 23-24. 152 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica. Vol. III, p. 18. 153 Dioscoride, nas suas obras “De materia medica” e “Peri hules latrikes” (Sobre as plantas medicinais) registra a diversidade do mundo natural a partir das viagens que realizara. Na obra “De materia medica” o autor registra vegetais, animais e minerais, fornecendo os nomes mais comuns e a propriedade de cada espécie. Ele opta por fazer a observação direta das espécies, realizando registros detalhados como podem ser identificados nos desenhos que realizou. 154 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica, vol. III, p. 19. 155 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 97. 156 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica, vol. III, p.. 19. 157 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica, vol. III, p. 20. 158 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica. vol. III, p. 22. 159 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 348. 160 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica. vol. III, p. 20-21. 161 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica. vol. III, p. 30-31. Ver também ROHOU, Jean. Le XVIIe siecle, une révolution de la condition humaine, pp.134-140. 162 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica. vol. III, p. 32. 163 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 348. 164 THEODORO, Janice. América Barroca, pp. 57-70. 165 BARRETO, Luis Felipe. Os descobrimentos e a ordem do saber, p. 10.

Page 388: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

388

166 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 36. 167 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18, p. 21. 168 VILLARI, Rosário. O Homem Barroco, p. 9. 169 Conforme destaca Francis Bacon: "Em primeiro lugar, pedimos aos homens que não presumam ser nosso propósito, à maneira dos antigos gregos, ou de alguns modernos, como Telésio, Patrizzi e Severino, fundar alguma nova seita de filosofia. Não temos tal desígnio, e nem julgamos de muito inte-resse para a fortuna dos homens saber que opiniões abstratas pode ter alguém sobre a natureza ou os princípios das coisas. Não há dúvida de que muitas opiniões dos antigos podem ser ressuscitadas e outras novas introduzidas, assim como se podem supor muitas teorias dos céus que, embora guardando muito bom acordo com os fenômenos, difiram entre si. Mas não nos ocuparemos de tais coisas suscetíveis de opiniões e também inúteis. Ao contrário, a nossa disposição é de investigar a possibilidade de realmente estender os limites do poder ou da grandeza do homem e tornar mais sólidos os seus fundamentos. Ainda que isoladamente e em alguns aspectos particulares tenhamos alcançado, assim nos parece, resultados mais verdadeiros, mais sólidos, e ainda mais fecundos que aqueles a que chegaram os homens que deles até agora se ocuparam (o que resumimos na quinta parte da nossa Instauração), todavia não pretendemos propor qualquer teoria universal ou acabada. Não parece ter chegado ainda o momento de fazê-lo. Por isso, não nutrimos esperanças de que a duração de nossa vida chegue para concluir a sexta parte de nossa Instauração, que está destinada a contar a filosofia descoberta a partir da legítima interpretação da natureza. Mas nos daremos por satisfeitos se conseguirmos agir com sobriedade e proficiência nas partes intermediárias, e lançar aos pósteros as sementes de uma verdade mais sincera, e não nos furtamos pelo menos ao início das grandes empresas”. BACON, Francis. Novum Organun, pp. 75-76. 170 BACON, Francis. Novum organum, p. 63. 171 BACON, Francis. Novum organum, p. 51. Ver: DUMAS, Jean-Louis. Histoire de la pensée, pp. 170-172. 172 BACON, Francis. Novum organum, pp. 60-61. 173 BACON, Francis. Novum organum, p. 13. 174 BACON, Francis. Novum organum, p. 13. 175 BACON, Francis. Novum organum, p. 14. 176 BACON, Francis. Novum Organum, p. 89. 177 OLIVA, Alberto. Filosofia da ciência, p. 8. 178 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, pp. 56-57. 179 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 82. 180 BACON, Francis. Novum organum, p. 20. 181 BACON, Francis. Novum organum, p. 22. 182 ZATERKA, Luciana. “Corpuscularismo e experiência: Francis Bacon e Rober Boyle” In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. O saber fazer e seus muitos saberes: experimentos, esperiencias e experimentações, p. 146. 183 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, p. 87. 184 OLIVA, Alberto. Filosofia da ciência, p. 17. 185 Estes são os autores que ele questionava: Johan Kater, Mersenne, Thomas Hobbe, Gassendi, Pierre Bourdin. Ver: DUMAS, Jean-Louis. Histoire de la pensée, pp. 71-120. 186 DESCARTES, René. Discurso do Método, pp. 35-52. 187 CHATELET, François. História da Filosofia, ideias, doutrinas: O iluminismo, p. 75. 188 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, p. 111. 189 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, p. 112.

Page 389: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

389

190 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 145. 191 Ibidem, p. 34. 192 Para o entendimento do termo iluminismo a partir das diferentes matrizes ver FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo, p. 13 e passim. Ver também: DARNTON, R. O Iluminismo como negócio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 193 Enciclopédia EINAUDI – Natureza – Esotérico/Exotérico, vol. 18, p. 180. Ver também: DUMAS, Jean-Louis. Histoire de la pensée, pp. 178-181. 194 MARÍAS, Julián. História da Filosofia, p. 302. 195 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna - Das Luzes ao sonho do doutor Frankenstein (séc. XVIII), vol. 3, pp. 94-95. 196 FERRÃO, José E. Mendes: A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses, Lisboa: Ed. Instituto de Investigação Científica Tropical. – C.N.C.D.P., 1992. 197 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica, vol. III, p. 23. 198 ROSSI, Paolo. op.cit., p. 321. 199 Paolo Rossi, quando discute a importância do microscópio, destaca que: “O fascínio despertado pelo pequeno e pelo infinitamente pequeno com certeza não foi menor, nos séculos XVII e XVIII, do que aquele despertado pelo grande, constituído pelas distâncias sem limites e pela infinitude do universo. A concepção da natureza como um plenum formarum, como uma infinita hierarquia de formas, ou como uma escada do Ser, total e infinitamente graduada (que é uma das grandes ideias força da cultura filosófica destes dois séculos), de per si parecia implicar a existência de realidades miúdas e invisíveis, forçosamente não perceptíveis pelas capacidades limitadas do olho humano. Para Henry Power, que em 1664 publica uma Experimental Philosophy, Containing, New Experiments Microscopical, Mercurical, Magnetical as "novas descobertas da dioptria" ecoam como uma confirmação da tese de que os corpos mais pequenos que somos capazes de ver a olho nu são somente "os médios proporcionais" entre dois extremos que escapam aos sentidos. Também a ideia de que a natureza seja explicável por meio de um exame da sua estrutura corpuscular ou molecular implica o interesse por instrumentos capazes de ampliar o campo de possibilidades que a natureza concedeu aos sentidos.” ROSSI, Paolo. Op. cit., p. 105. 200 O termo célula advém de cela, ou seja, local reservado ao isolamento de religiosos nos mosteiros. 201 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência – da Renascença à revolução científica, Vol. III, p. 144. Ver: DELORT, Robert. Les animaux ont une histoire, p.239-275. 202 RONAN, Colin. op. cit., vol. III, p. 126. 203 RONAN, Colin. op. cit., vol. III, p. 145. 204 RONAN, Colin. op. cit., vol. III, p. 146. 205 BOUTIBONNES, Philippe. “L ‘oeil de Leeuwenhoek et l’invention de la microscopie” In: Alliage, no. 39, 1999, pp. 56-66. 206 Gaspard Bauhin era um naturalista suíço que viajou por Pádua, Bologna Paris etc., e foi professor da Universidade de Bâle. Nos seus trabalhos “Pinax Theatri Botanici, et botanicorum qui a século scripserunt opera", 1596, ele descreve aproximadamente 2.700 espécies de plantas. Em 1620 publica “Enumeratio plantarum ab herboriis nostrosaeculo descriptarum cum corum differentiis” onde descreve 6.000 espécies com aproximadamente 400 ilustrações. Era profundo conhecedor dos textos antigos, mas não se limitou a aceitá-los. Nos seus registros ressalta a importância da observação, principalmente do herbário que possuía com mais de 4.000 espécies. 207 ROSSI, Paolo. op.cit., p. 343. Ver sobre o contexto das viagens no período: ADAMS, Percy G. Travelers and Travel Liars, 1660 – 1800. New York: Dover Publications, 1980. 208 RONAN, Colin. op. cit., vol. III, p. 150. 209 EGERTON, Frank. “John Ray and his associates Francis Willughby and William Derham” In: Bulletin the Ecological Society of America, no. 86, 2005, pp. 301-313. 210 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 10.

Page 390: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

390

211 Antes da criação da Royal Society, a universidade de Oxford havia sido influenciada pelo grupo denominado "Philosophical College" que contava com a presença de Rohert Boyle (1627-1691) e outros pesquisadores que se reuniam regularmente para discutir suas descobertas e teorias. 212 A Revolução Industrial pode ser vista como um elemento expressivo que comprova como o saber empírico foi importante para a transformação da sociedade. Os estudos iniciados pelos pesquisadores da Royal Society contribuíram para o conhecimento teórico que permitiu a construção das máquinas a vapor. 213 ROSSI, Paolo. op. cit., pp. 380-381. 214 A ideia de cientista não se constituía claramente como um ofício. Vicenzo Ferrone nota que: “Ser cientista não é ainda, por exemplo, verdadeiramente um ofício, de modo a definir uma classe profissional. A maior parte dos homens de ciência trabalha praticamente em part-time; com algumas honrosas excepções, trata-se, sobretudo de funcionários do Estado. Tanto quanto sabemos, nunca surge nos arquivos notariais europeus a profissão específica de cientista. E, todavia, do ponto de vista histórico, não podem existir dúvidas quanto ao facto de terem surgido agora definitivamente em cena uma figura e uma carreira que se aproximam em muitos pontos de vista do cientista moderno. Uma figura, mesmo assim, que convém valorizar sempre nas suas peculiaridades e formas, condicionadas pelo contexto histórico do ancien régime. Um parâmetro interessante nesse sentido deveria ser sempre o do conhecimento dos contemporâneos. FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo, p. 174. 215 ROSSI, Paolo. op. cit., pp. 378-379. 216 Vincenzo Ferrone observa que: “A Académie previa, de facto, a presença de grupos de savants hierarquicamente divididos entre si. No topo estavam os honoraires, todos eles expoentes do alto clero, da nobreza e do governo, quanto muito simples amateurs sem qualquer mérito científico. Excluídos do acto da fundação, sancionavam no novo regulamento de 1699 a presença do Estado absolutista e a adesão aos princípios sociais do ancien régime. Em segundo lugar, vinham os pensionnaires, homens respeitáveis e ciência que recebiam uma compensação pelas suas investigações. Seguiam-se depois os associés, os correspondants estrangeiros e franceses, os éleves também chamados adjoints. No conjunto, mais de 300 pessoas que davam vida àquela que podemos definir como a primeira «empresa científica» moderna”. FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 160. 217 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 383. 218 FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência” . In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 165. 219 Roger Chartier ao analisar o contexto das práticas urbanas do impresso destaca que: “As bibliotecas de negociantes, tanto nas cidades do Oeste como em Lyon, se organizam no século XVIII em torno de dois pólos. O primeiro é de utilidade, juntando para o exercício do negócio livros de comércio, manuais de contabilidade, obras de direito, dicionários e almanaques, descrições e itinerários. O segundo é de evasão: vindos mais tarde para a posse do livro, constituindo suas bibliotecas enquanto os outros grupos já estão solidamente dotados, os comerciantes são também os mais receptivos à inovação. Daí, em suas coleções, o lugar não encontrado em outras categorias às narrativas de viagens (que podem também servir à profissão), à história estrangeira, às novidades literárias, francesas ou inglesas. Como os fidalgos do século XVII, tanto mais abertos aos textos modernos quanto eram os mais noviços leitores, os comerciantes do século XVIII constroem bibliotecas que recusam as tradições devotas ou humanistas. À margem das academias mas em pé de igualdade nas lojas maçônicas, eles afirmam, tanto na sua sociabilidade intelectual como nas suas leituras, uma mesma originalidade cultural, não ligada aos valores clássicos das aristocracias da espada, da toga ou da pena. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. pp. 189-190. 220 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 55-56. Vicenzo Ferrone observa que: “Na segunda metade do século XVIII, estavam a funcionar no Ocidente cerca de setenta academias e sociedades públicas, para além de uma centena de privadas, sem contar com uma vintena de pequenos conventículos científicos sustentados pela intervenção de um mecenas. Em vez do modelo igualitário e utópico da «República das ciências», constantemente evocado e invocado pelos estudiosos de então, existia concretamente uma estrutura de pesquisa que obedecia ao princípio hierárquico da importância e da influência de centros individuais, uma espécie de pirâmide que sancionava na verdade

Page 391: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

391

o primado e o prestígio das grandes academias estatais de França, Inglaterra, Prússia, Rússia e Suécia. FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 164. 221 FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 167 e 168. 222 Paolo Rossi se refere aqui a Joseph Hall (1574-1646) bispo inglês conhecido pela defesa da ordem religiosa à qual pertencia, texto que ficou conhecido como “An Humble Remonstrance to the High Court of Parliament (1640-1641)”. 223 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 53. 224 Sobre a questão da remuneração na Academia Francesa, Vicenzo Ferrone destaca: “O Estado atribuía privilégios e honras a cada uma das classes de académiciens, segundo o costume e a lógica do ancien régime, privilégios que iam desde uma isenção parcial dos rendimentos à dispensa do serviço militar, à enorme possibilidade de ser levado à presença do rei, ao reconhecimento formal de um lugar especial no cerimonial da corte e nas manifestações públicas com todos os outros corps d'Etat. Por último, apenas os pensionnaires e os honoraires podiam votar na eleição dos novos membros, cuja nomeação era ratificada pelo soberano. Também a participação em comités e comissões ou, de igual modo, a discussão de assuntos específicos nas reuniões da Académie constituía motivo de discriminação hierárquica, de respeito férreo dos processos de antiguidade e de etiqueta.” FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., pp. 160 e 161. 225 DARNTON, R. O Iluminismo como negócio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; ROUANET, S, p. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. HAZARD, P. O pensamento europeu no século XVIII. Lisboa: Presença, 1983. 226 RONAN, Colin. op. cit., Vol. III, p. 153. Ver também: DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente – 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 227 VIEIRA, Alberto. Do Éden à Arca de Noé, p. 31. 228 FRANCASTEL, P. “L'esthétique des Lumières” In: UTOPIE et institutions au XVIII ème siécle, p. 341. 229 Sobre o assunto ver: FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 181. 230 Vicenzo Ferrone, ao discutir o homem de ciência e educação, destaca que: “O universo-máquina de Isaac Newton, as famosas Boyle Lectures recitadas e difundidas contra Freethinkers e republicanos radicais, contribuíram finalmente para a definição de uma ideologia do establishment que saiu ven-cedor da Glorious Revolution de 1689, determinando as condições óptimas para a afirmação do primado europeu da Royal Society surgida em 1662. A ciência foi então considerada parte integrante e decisiva na educação das novas elites do país. E, todavia, aquele indiscutível primado continental do homem de ciência inglês na segunda metade do século XVII viria a revelar-se bem mais frágil do que o previsto. Paradoxalmente, as próprias razões do seu extraordinário êxito prejudicaram as sortes futuras numa fase de mudança rápida dos problemas e dos métodos de investigação. O modelo baconiano do bom «filósofo natural» diletante e o associativismo privado que esse mesmo modelo alimentava não se adaptavam muito à crescente especialização, à necessidade de chegar a pouco tempo a qualquer forma de profissionalização”. FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 158. 231 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 339. 232 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 340. 233 Ver ROSSI, Paolo. op. cit., pp. 341-342. 234 ROSSI, Paolo. op.cit., p. 344. 235 TOURNEFORT apud ROSSI, Paolo. op. cit., p. 345. 236 Esta enciclopédia foi composta de 36 volumes. Em 1749 foram publicados três volumes: De la maniere d’étuder l’histoire naturelle, Théorie de la Terre e Histoire génerale des animaux e Histoire naturelle de l’homme. Entre 1753 e 1767 foram publicados doze volumes sobre quadrúpedes. Entre 1770 e 1783 nove volumes sobre pássaros. Entre 1783 e 1788 cinco volumes sobre minerais. A partir de 1778 foram publicados mais sete volumes de suplemento das obras. 237 LAISSUS, Yves. Buffon, la nature en majesté. Paris: Découvertes Gallimard, 2007.

Page 392: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

392

238 LAISSUS, Yves. Buffon, la nature en majesté. Paris: Découvertes Gallimard, 2007. 239 RONAN, Colin. op. cit., Vol. III, p. 151. 240 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 338. 241 Para os antigos, conforme registra Platão e Aristóteles os seres eram formatos de essências imutáveis. 242 RONAN, Colin. op. cit., vol. III, p. 151. 243 ROSSI, Paolo. op. cit., p. 349. 244 Ver: CORSI, Pietro. Lamarck. Gênese et enjeux du transformisme – 1770-1830. Paris: CNRS, 2001. 245 Para Lamarck, os primeiros seres vivos teriam sido os infusórios (protozoários), que se transformaram, aumentando suas dimensões e complexidade. 246 CORSI, Pietro. Lamarck. Gênese et enjeux du transformisme – 1770-1830. Paris: CNRS, 2001. 247 HAZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVIII, p. 130. 248 BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo, p. 212. 249 DALRYMPLE, Alexander. Essay on Nautical Surveying, p. 4. 250 A palavra expedição está associada à campanha de descoberta e a reconhecimento de um lugar, utilizada principalmente no contexto militar. Sobre o assunto ver: BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 211. 251 MACKAY, David, “Agents of Empire: the Banksian collectors and evaluation of new lands” In: David P. Miller and Peter H. Reill (ed.), Visions of Empire: voyages, botany, and representations of nature, p. 49. 252 Na expedição de La Pérouse, os navios L'Astrolabe e La Boussole possuíam nas suas instalações laboratórios de química, além de uma biblioteca que abrigava livros e mapas. A expedição reuniu diferentes especialistas a fim de realizar o seu levantamento. Participaram mineralogistas, astrônomos e naturalistas. 253 Ver: KURY, Lorelai. Histoire naturelle et voyages scientifiques (1780-1830). Paris: L’Harmattan, 2001. 254 A obra foi primeiramente publicada em 1775, com o titulo “L’art d’observer”, e foi traduzida em outras línguas. Em 1802 foi publicada efetivamente com o título “Essai sur l'art d'observer et de faire des expériences”. PRESTES, Mara Elice Brzezinski. “A Arte de observar e fazer experiências”. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. O saber fazer e seus muitos saberes: experimentos, esperiencias e experimentações, p. 227-251. Ver em especial p. 231. 255 PRESTES, Mara Elice Brzezinski. “A Arte de observar e fazer experiências”. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. op. cit., p. 234. 256 Maria Elice Brzezinski Prestes ao analisar o trabalho de George Zimmermann que trata do que é necessário na arte de observa destaca: “Zimmermann detém-se na distinção entre o que chama falsa experiência, ou mera observação, e verdadeira experiência. A diferença reside na disposição do sujeito. Na observação, o sujeito mantém uma disposição de caráter passivo, em que o espírito assiste à natureza e se deixa penetrar por ela, pela via dos sentidos. Na experiência, ao contrário, está implicada uma ação voluntária, pela qual o observador faz "violência à natureza" para fazê-la falar. Esclarece Zimmermann: Uma experiência difere de uma simples observação pelo fato de que o conhecimento que uma observação nos fornece parece apresentar-se por si mesmo, ao passo que aquele que a experiência nos fornece é fruto de uma tentativa que se faz com o propósito de ver se uma coisa é ou não”. PRESTES, Mara Elice Brzezinski. “A Arte de observar e fazer experiências”. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. op. cit., pp. 235-236. 257 SENEBIER, Jean apud PRESTES, Mara Elice Brzezinski. “A Arte de observar e fazer experiências”. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. op. cit., pp. 237-238. 258 ROHOU, Jean. Le XVIIe siecle, une révolution de la condition humaine, pp. 25-53.

Page 393: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

393

259 PRESTES, Mara Elice Brzezinski. “A Arte de observar e fazer experiências”. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. op. cit., p. 242. 260 Ibidem, pp. 243-244. 261 Ibidem, p. 247. Ver para o contexto do século XIX: LEITE, Miriam. L. Moreira. “Naturalistas viajantes”. In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 1, no. 2, Rio de Janeiro Nov. 1994/ Fev, 1995, pp. 7-19. 262 PRESTES, Mara Elice Brzezinski. “A Arte de observar e fazer experiências”. In: ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria e BELTRAN, Maria Helena Roxo. op. cit., p. 249. 263 Ibidem, p. 233. 264 ROHOU, Jean. Le XVIIe siecle, une révolution de la condition humaine, pp. 76-90. 265 BRAGA, Marco, GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna - Das Luzes ao sonho do doutor Frankenstein (séc. XVIII). Vol. 3, p. 18. Diderot se destaca pela obra “De l’interprétation de la nature de 1754” onde discute a imagem da ciência, a partir da sua utilidade, da simplicidade de instrumentos cognitivos, da experiência e do seu caráter dinâmico, contrapondo-a com a imagem tradicional da ciência feita de leis matemáticas. Sobre o assunto ver: FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., pp. 176-177. 266 HAZARD, Paul. op. cit, pp. 128-129. 267 PRESTES, Maria Elice Brzezinski. A investigação da natureza no Brasil colônia, p. 50.

Capítulo três 268 LEITÃO, Henrique. A Ciência na “Aula da Esfera” no Colégio de Santo Antão 1590-1759, p. 11. 269 Ibidem, p. 19. 270 Ibidem, p. 22. 271 Ibidem, p. 30. 272 Ibidem, p. 41-42. Ver também: ROSENDO, Ana Isabel. “O Compêndio dos Elementos de Matemática do P. Inácio Monteiro” In: Revista Portuguesa de Filosofia – Os jesuítas e a ciência (sécs. XVI-XVIII). Braga: Faculdade de Filosofia de Braga, 1998, pp. 319-353. 273 Ibidem, p. 46-47. 274 Ibidem, p. 47-48. 275 Como observa Paolo Rossi: “Mais tarde viria o reconhecimento de Kepler, e, depois de uns primeiros desentendimentos iniciais, também: a adesão dos Jesuítas romanos. Galilei vencera, porque para convencer os próprios Jesuítas, obstinados irredutíveis, e para reduzir ao silêncio aqueles professores que negavam as montanhas na Lua ou a existência dos satélites de Júpiter por razões lógico-matemáticas, não teria sido suficiente, como ele escreveu mais tarde, "o testemunho das próprias estrelas que descidas na Terra falassem de si mesmas". A realidade do universo tinha sido ampliada pelo uso de um instrumento mecânico que era capaz de ajudar os sentidos do homem, aperfeiçoando e apurando a sua capacidade. As observações astronômicas de Galilei não marcavam somente afim de uma visão do mundo. Para os contemporâneos elas pareciam também o ato de nascimento de um novo conceito de experiência e de verdade. A "certeza propiciada pelos olhos" tinha quebrado o círculo sem fim das disputas.” ROSSI, Paolo. op. cit., p. 104. 276 LEITÃO, Henrique. A Ciência na “Aula da Esfera” no Colégio de Santo Antão 1590-1759, p. 53. 277 Ibidem, pp. 62-63. 278 Ibidem, p. 37. 279 FRANÇA, Eduardo d’Oliveira. Portugal na época da restauração. pp.17-94. 280 LEITÃO, Henrique. A Ciência na “Aula da Esfera” no Colégio de Santo Antão 1590-1759, p. 68. 281 Ibidem, p. 75. 282 Ibidem, p. 84.

Page 394: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

394

283 Ibidem, p. 87. 284 Ibidem, p. 91. 285 Sobre o terremoto ver: PRIORE, Mary del. O Mal sobre a terra. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. 286 LISBOA, Baltasar da Silva. Discurso histórico, político e económico dos progressos, e estado actual da Filozofia Natural Portugueza acompanhado de algumas reflexoens sobre o estado do Brasil, p. 9. 287 Ver, sobre o assunto, a obra de KANTOR, Iris. Esquecidos e Renascidos – historiografia Acadêmica Luso-Americana (1724-1759). 288 Em 1776 a Academia Real de História Portuguesa foi extinta. 289 MERVEILLEUX Charles Fréderic de. “Memórias instrutivas sobre Portugal (1723-1727)” In: O Portugal de D. João V visto por três forasteiros. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1989. 290 PRIORE, Mary Del. O Mal sobre a Terra - uma história do terremoto de Lisboa, p.17. 291 SCHWARZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis, p. 96. Kenneth Maxwell destaca que o papel de Sebastião José de Carvalho e Melo merecia um estudo mais aprofundado pelos historiadores, bem como a imagem do rei: “Os historiadores portugueses em geral não se têm preocupado com o lugar de Pombal entre os reformadores de sua época. As contribuições mais recentes à cultura pombalina, com efeito, chegam ao ponto de negar a Pombal qualquer originalidade, coisa que até os seus contemporâneos reconheceram. Essa auto-anulação nacional pode estar na natureza da historiografia portuguesa, mais preocupada com o que pode ser chamado de dimensão vertical do que com a dimensão horizontal, ou seja, Pombal quase sempre é visto mais em termos da projeção de suas atividades nas disputas do século XIX do que da sua projeção no mundo do século XVIII. Pombal, entretanto, continua sendo, a meu ver, um dos administradores mais interessantes do período. O conjunto de seus escritos é surpreendentemente rico, o que significa que o historiador pode descobrir mais sobre seus pensamentos e suas motivações do que em relação a muitos de seus contemporâneos”. MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal – paradoxo do ilumismo, p. 180. 292 RUSSELL-WOOD. Um mundo em movimento, p. 109. 293 ANTT - Carta familiar Do Principal D. Thomas de Almeida para D. Henrique de Menezes em Paris." Paço de Arcos 23 de Maio de 1756. Ministério dos Negócios Estrangeiros, Caixa 940. 294 AZEVEDO, João Lúcio de. O Marquês de Pombal e a sua época, p. 99. 295 Recebeu o título de Conde de Oeiras em 1759 e de Marquês de Pombal em 1770. 296 Sobre o assunto ver: SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal (1750-1807), vol. VI, pp. 38-42. 297 A perseguição ao Pe. Malagrida não se restringiu ao atentando ao rei. Em 1756, logo após o terremoto, circulou um panfleto intitulado A verdadeira causa do Terramoto que arrastou Lisboa em 1 de novembro de 1755, texto que criticava as ações do Marquês de Pombal, cuja autoria foi atribuída ao Pe. Malagrida. Ver: BANGERT, W. História da Companhia de Jesus, p. 444-6. Sobre a vida do Pe. Gabriel Malagrida, ver: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol. VIII, p. 340. 298 Sobre o assunto, ver: AZEVEDO, J. Lúcio. O marquês de Pombal e a sua época, pp. 234-57 e MAXWELL, Kennneth. Marquês de Pombal – paradoxo do iluminismo, pp. 69-94. 299 SCHWARZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca do reis, p. 97. 300 A Carta de 26 de maio de 1776 que abolia a distinção entre os cristãos-novos e velhos é um dos indicadores da política de favorecimento da classe mercantil. 301 NOVAIS, Fernando A. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial, p. 27. Ver também: PRIORE, Mary Del e Venâncio, Renato. Uma história da vida rural no Brasil, pp. 29-46. 302FALCON, Francisco José C. A época pombalina, p. 372. Ver sobre o assunto também, pp. 213-482. 303 Jorge Borges de Macedo, ao analisar a situação econômica na época pombalina, destaca que o período entre 1759-1761 foi marcado por uma crise econômica, em especial a crise dos fundos para o Estado, crise para a produção e para o comércio, ver MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica no tempo de Pombal, pp.141-184. 304 HAZARD, Hazard. La crisis de la Consciencia Europea. Madrid: Ediciones Pegasos, s.d.

Page 395: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

395

305 TEIXEIRA, António Braz, A filosofia jurídica. In: CALAFATE, Pedro (coord.) História do Pensamento Filosófico Português. As Luzes, vol. III, p. 65. 306 GAY, Peter. The Enlightenment: an interpretation. The Science of Freedom, vol. 1, p. 26. Ver também: MARQUESE, Rafael de Bivar. Administração & Escravidão – ideias sobre a gestão da agricultura escravista brasileira, pp. 99-103. 307 Segundo Antonio Braz Teixeira, o pensamento filosófico português dos Setecentos, em especial as ideias de Luis AntonioVerney, é de “cariz empirista e sensista e assume uma feição declaradamente antimetafisica, fazendo do aristotelismo, do formalismo e do logicismo escolástico o alvo preferido das suas críticas, ao mesmo tempo em que nele se acentua uma tendência para a laicizacao da cultura, para recusar a interpretação sobrenatural dos fenômenos naturais, para considerar desfavoravelmente o misticismo, o espírito profético, as lendas hagiográficas ou o culto mariano e, no seu declarado regalismo, não oculta um certo anticlericalismo e o intento de tornar a ética uma disciplina puramente racial e independente da teologia”. TEIXEIRA, António Braz. A filosofia jurídica. In: CALAFATE, Pedro (coord.) História do Pensamento Filosófico Português. As Luzes, vol. III, p. 65. 308 Além do Verdadeiro Método de Estudar, foram importantes no mesmo sentido as Cartas sobre a Educação da Mocidade e o Método para Estudar a Medicina, de Antonio Ribeiro Sanches. 309 Ribeiro Sanches no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra no Tempo da Invasão dos Denominados Jesuítas e dos Estragos Feitos nas Ciências e nos Professores e Diretores que a Regem pelas Maquinações, e Publicações dos Novos Estatutos por eles Fabricados. Lisboa: Régia Officina Typ., 1771. Acusava também que o declínio do ensino português se devia aos jesuítas. 310 MELO, Sebastião José de Carvalho e, Escritos Econômicos de Londres 1741-1742. Lisboa: Biblioteca Nacional de Lisboa, 1986, p. 95. Outras obras redigidas por ele discutem a questão da decadência em Portugal: Relação Abreviada (1757), Dedução Cronologica e Analítica (1768) e Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1771). 311 Sobre o assunto ver CLUNY, Isabel. D. Luís da Cunha e a Ideia de Diplomacia em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. 312 Dos escritos desta época – dentre os quais merece destaque o Discurso político sobre as vantagens que o Reino de Portugal pode tirar da sua desgraça, por ocasião do terramoto do 1o. de Novembro de 1755. 313 Cartas de um viajante francês, a um amigo residente em Paris, sobre o caráter e estado presente de Portugal, 1784. BNL f. 55v e 56. 314 Sobre as reformas pombalinas e as estratégias adotadas por Pombal, ver a obra clássica de: FALCON, Francisco J. C. A época pombalina, p. 135. 315 Com a expulsão dos jesuítas, a coroa decretou o confisco dos bens dos religiosos, nomeando administradores para darem encaminhamento às atividades produtivas; concomitantemente, iniciou-se o inventário das propriedades com avaliações de cada um dos equipamentos que possuíam nas diversas partes do império luso. No âmbito espiritual, outras ordens religiosas ou o clero secular ficaram responsáveis pelas igrejas e seus pertencentes. Momento sem dúvida delicado, considerando o longo convívio que os jesuítas tiveram nas terras portuguesas e as raízes profundas que criaram na sociedade. Um batalhão de guerreiros da fé era expulso do reino lusitano, portando só poucos e pequenos pertences e incrédulos perante os acontecimentos. Final inglório para os discípulos de Inácio de Loyola em Portugal que de baluarte da civilização portuguesa foram tidos com conspiradores e traidores. Era o fim de um ciclo que estava apenas começando e que desencadearia muita polêmica e discussão no meio letrado europeu. 316 MAXWELL, Kenneth. op. cit., p. 128. 317 O Colégio dos Nobres foi estabelecido na propriedade que pertencera aos jesuítas, conhecida por sítio da Cotovia, em 1603. Com a expulsão dos religiosos, a propriedade passou para o Estado e, em 1761, ocorreu a abertura do Colégio dos Nobres, conforme plano do Marquês de Pombal. 318 Este texto de Ribeiro Sanches, juntamente com Apontamentos sobre a educação de um menino nobre”, de Martinho de Mendonça de Pina Proença, serviriam de base para o projeto de ensino do Colégio dos Nobres. Ver sobre o assunto: SANTOS, Maria Helena Carvalho dos. “Poder, intelectuais e contra-poder” In: Pombal revisitado, v. 1, p. 127.

Page 396: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

396

319 Em 1784, um viajante francês anônimo registra as transformações implementadas dez anos antes, assim se referindo: Criou também o Marquês de Pombal os dois colégios, de Nobres, em Lisboa, e de Mafra, neste famoso convento, em que a Mocidade é educada por Mestres, Sábios, e de Bom gosto. Enfim podemos dizer, que se os Portugueses têm adiantado alguma coisa nas ciências, o devem ao Marquês de Pombal. 320 CRUZ, Guilherme Braga da. Ensaios Universitários. Origem e Evolução da Universidade, p. 52. 321 MAXWELL, Kenneth. op. cit, p. 170. Ver também: NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. pp. 117-212. 322 FRANCO, José Eduardo e RITA, Annabela. O mito do marquês de Pombal, p. 28. 323 CARVALHO, Rómulo de. A Física Experimental em Portugal no século XVIII, p. 36. 324 Congregação do Oratório ou Confederação do Oratório é uma sociedade religiosa de vida comum, fundada por São Felipe Néri no ano de 1565 em Roma. O seu objetivo maior é a educação dos jovens e do povo, além do exercício das obras de caridade, são religiosos seculares m vivendo em comunidade, sem fazerem algum tipo de voto. Em 1599, São Francisco de Sales fundou diversas congregações do oratório, inclusive em Portugal. Envolvidos com a educação, os oratorianos foram importantes no movimento de divulgação das ideias iluministas. Os estatutos da congregação foram aprovados em 1612, após a morte de São Felipe Néri. 325 MARTINS, Décio Ruivo. “As Ciências Físico-Matemáticas... “, p. 196-197. 326 Ver: ROSENDO, Ana Isabel. “O Compêndio dos Elementos de Matemática do P. Inácio Monteiro” In: Revista Portuguesa de Filosofia – Os jesuítas e a ciência (séculos XVI-XVIII), p. 319-353. 327 Ver sobre o Pe. Inácio de Monteiro o trabalho de: MONTEIRO, Miguel Corrêa. Inácio Monteiro – um jesuíta português na dispersão (1724-1812). Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004. 328 A crise do sistema colonial gerou trabalhos importantes. Remetemo-nos à obra consagrada de NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial. São Paulo: Hucitec, 1989. Contudo, a historiografia recente tem apresentado questionamentos à leitura empreendia por este autor, neste sentido consultar: ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império. Questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime Português. Porto: Afrontamento, 1993, e FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro , 1790-1830. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 329 Sobre Zoologia ver: ALMAÇA, C. Bosquejo histórico da zoologia em Portugal. Lisboa: Museu Nacional de História Natural, 1993, e ALMAÇA, Carlos: “Os Portugueses no Brasil e a Zoologia Pré-Lineana” In: A Universidade e os Descobrimentos. Lisboa: INCM, 1993. Sobre Botânica ver: FERNANDES, A. "História da botânica em Portugal até fins do séc. XIX". In: História e desenvolvimento da ciência em Portugal. Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1987. 330 “Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772” In: Compêndio histórico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados jesuítas, etc. De 1772. Liv. III, Pt. III, Tit. I, cap. II, 1-6. 331 Ibidem, Liv. III, Pt. III, Tit. I, cap. II, 1-6. 332 Ibidem, Liv. III, Pt. III, Tit. I, cap. II, 1-6. 333 Ibidem, Liv. III, Pt. III, Tit. III, cap. III, 2-4. 334 Segundo Vicenzo Ferrone: A criação, no século XVIII, de um movimento agressivo para propagandear a ciência como saber autónomo e original, merecedor de dignidade e prestígio em virtude da sua utilidade social, conheceu sem dúvida um momento-chave no encontro com o movimento académico, surgido a maior parte das vezes em manifesta oposição à corporação universitária. O homem de ciência desencadeou nas academias a longa marcha que o deveria conduzir à identificação da pesquisa científica como profissão. FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 157. 335 Sobre o trabalho de João Antonio Dalla Bella ver: BELLA, João António Dalla. Notícia Históricas, e práticas acerca do modo de defender os edifícios dos estragos dos raios. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1773.

Page 397: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

397

336 BRAGA, Teófilo. História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrução pública portuguesa, v.3, pp. 477 e 479. 337 CARDOSO, J. L. O pensamento económico em Portugal nos finais do século XVIII: 1780-1808. Lisboa: Estampa, 1989. 338 Carta do Marquês de Pombal ao reitor D. Francisco de Lemos, datada de 5 de outubro de 1774 In: BRAGA, op. cit. v. 3, , p. 502-504. CASTEL-BRANCO, Cristina. (ed). Jardim Botânico da Ajuda. Lisboa: Jardim Botânico da Ajuda, 1999. 339 Júlio Matiazzi recebeu cartas de Feijó. 340 Também atuou como ministro assistente ao despacho entre janeiro e maio de 1801. Faleceu em Lisboa a 10 de novembro de 1806. 341BRIGOLA, J.C. Viagem, ciência, administração - o complexo museológiclo da Ajuda (1768-1808), p. 62. 342 CARDOSO, J. L. O pensamento econômico em Portugal nos finais do século XVIII, p. viii. 343 SERRA, José Correia da. “Discurso Preliminar”. In: MEMÓRIAS ECONÓMICAS - Memórias Económicas para o Adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, vol. I, p. 9-10. 344 Sobre o contexto da divulgação científica ver: REIS, Fernando José Egídio. A divulgação científica em periódicos enciclopédicos portugueses, 1779-1820. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1998. 345 Sobre as ideias econômicas em Portugal ver: CARDOSO, J. L. O pensamento econômico em Portugal nos finais do século XVIII. Lisboa: Estampa, 1989; MAXWELL, K. "A geração de 1790 e a ideia de império luso-brasileiro". In: Chocolate, piratas e outros malandros. São Paulo: Paz e Terra, 1999; D. Rodrigo de Souza Coutinho: textos políticos, econômicos e financeiros. Lisboa: Banco de Portugal, 1993, 2 v. 346 VANDELLI, Domingos. Diccionario dos termos technicus de historia natural extraídos das obras de Linneo, com a sua explicação e estampas abertas em cobre, para facilitar a inteligência dos mesmos e a memoria sobre a utilidade dos jardins botânicos, p. I. 347 Ibidem, p. II. 348 Ver FBN - MS 1, 24-25 349 VANDELLI, Domingos. Diccionario dos termos technicus de historia natural extraídos das obras de Linneo, com a sua explicação e estampas abertas em cobre, para facilitar a inteligência dos mesmos e a memoria sobre a utilidade dos jardins botânicos, p. III – IV. 350 Ibidem, p. IV. 351 Ibidem, p. IV. 352 Ibidem, p. IV. 353 Ibidem, p. V. 354 Ibidem, p. VI. 355 Ibidem, p. 293. 356 Ibidem, p. 294. Ver também FBN - MS 1, 22-23. 357 Ibidem, p. 295. Ver : RIBEIRO, Márcia Moisés. A Ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997. 358 Ibidem, p. 295. 359 Ibidem, p. 296. 360 Ibidem, pp. 296-297. 361 Ibidem, p. 298. 362 Ibidem, pp. 298-299. 363 Ibidem, pp. 299-300. 364 Ibidem, p. 300. 365 Ibidem, p. 301.

Page 398: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

398

366 CARVALHO, R. de. A história natural em Portugal no século XVIII. Lisboa, Ministério da Educação, 1987; FRANÇA, C. "Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815): história de uma missão científica ao Brasil no século XVIII". In: Boletim da Sociedade Broteriana, pp. 65-123. 367 D. Rodrigo Domingos de Sousa Coutinho Teixeira de Andrade Barbosa (1755-1812), conde de Linhares era afilhado de batismo e herdeiro político direto do marquês de Pombal. Foi chefe do chamado "partido" inglês em Portugal e ocupou o cargo de ministro da Marinha e Ultramar (1798), chefe do Erário Público (1801) e, no Brasil, ministro dos Negócios da Guerra e Estrangeiros. Faleceu no Rio de Janeiro, segundo alguns registros, por envenenamento. 368 PRESTES, Maria Elice Brzezinski. A investigação da natureza no Brasil colônia, p. 16.

Capítulo quatro 369 Ver: DELUMEAU, Jean. Uma História do Paraíso – O jardim das delícias. Lisboa: Terramar-Editores, 1994. 370 HOLANDA, Sérgio Buarque, op. cit., p. 11. Ver também: HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso, pp.159-194. 371 ROUDAUT, Jean. “Quelques variables du récit de voyage”, In: La Nouvelle Revue Française, 377, 1984, pp. 58-70. 372 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal, p. 126. 373 João de Barros nasceu nos idos de 1496. Era filho de nobre e viveu junto à corte portuguesa no período de D. Manuel I. A sua primeira obra foi um romance de cavalaria intitulado, Crônica do Emperador Clarimundo, donde os Réus de Portugal descendem. Em 1521, foi nomeado capitão da fortaleza de São Jorge da Mina e quatro anos depois passou a ser tesoureiro da Casa da Índia. Em 1530, já em Portugal, refugiou-se da peste que grassava em Lisboa, na Ribeira de Alitém, lugarejo próximo de Pombal. Na ocasião, escreveu o diálogo moral, Rhopicapneuma. Em 1532, foi nomeado feitor das casas da Índia e da Mina, administrando com eficiência e probidade administrativa. Publicou na década de 1540 a Gramática da Língua Portuguesa e diversos diálogos morais. Em seguida, começou a escrever uma história registrando os feitos dos portugueses na Índia, e o resultado foi a publicação de Décadas da Ásia. Tendo como referência Tito Lívio, João de Barros dividiu a obra em períodos de dez anos, que foram publicadas entre 1552 e 1615. Em 1568, acometido por um achaque, faleceu em 20 de outubro de 1570. 374 LÉVI-STRAUSS. Tristes tropiques, p. 375. 375 BÉLY, Lucien. Le voyage à l´epoque moderne. Paris: Presses de L´Université de Paris- Sorbonne, 2004, e BERTRAND, Gilles (dir). La culture du voyage – pratiques et discours de la Renaissance à l´aube du XX siècle. Paris: L´Harmattan, 2004. 376 MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850), p. 29. 377 SIMÕES, Manuel. A literatura de viagens nos séculos XVI e XVII, p. 11. Ver também: ANDRADE, António Alberto Banha de. Mundos Novos do Mundo. Panorama da Difusão, pela Europa, de Notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar, 1972. 2vols. 378 TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América, p. 224. 379 CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros, p. 134. 380 LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. vol. I, p. 509. 381 Carta do P. Juan Polanco por comissão do P. Inácio de Loyola, Roma, 15 de agosto de 1553. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. I, p. 519. 382 Sem dúvida, o hábito de leituras em voz alta em locais públicos deve ter estimulado a disseminação de informações sobre o Novo Mundo. Chartier destaca este hábito afirmando que “Do século XVI ao século XVII, subsistem as leituras em voz alta, na taberna ou na carruagem, no salão ou no café, na sociedade selecta ou na reunião doméstica”. CHARTIER, Roger. A História Cultural entre prática e representações, p. 124.

Page 399: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

399

383 A divulgação por meios extra-oficiais das atividades da Companhia pode ser percebida nas Cartas de Santo Inácio. Ver CARDOSO, Armando. Cartas de Santo Inácio de Loyola. 2 vol. 384 PROSPERI, Adriano. “O missionário”. In: VILLARI, Rosário. O homem barroco, p. 148. 385 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso, pp. 16-17. 386 BURKE, Peter. A escrita da história, pp. 149-150. 387 Ver: CHABAUD, Gilles; COHEN, Evelyne et alli. Les Guides imprimés du XVIe au XXesiècle. Villes, paysages, voyages. Paris: Belin, 2000. 388 BRILLI, Attilio. Quand voyager était un art – Le roman du Grand Tour, p. 29. 389 Marie-Noëlle Bourguet ressalta que: “A imagem do mundo construída através das descobertas do Renascimento e da primeira metade do século XVII mantém-se praticamente intacta: nos mapas, o hemisfério sul é ocupado por um imenso continente, de contorno assinalado à pressa, com base em alguns aspectos conhecidos de costas; o Oceano Pacífico é povoado por inúmeras ilhas, avistadas uma vez e nunca mais reencontradas, ou descobertas várias vezes em posições e com nomes diversos. Para que fosse possível a exploração geográfica dos mares austrais, eram necessárias inovações radicais. Graças aos progressos efectuados pelos astrónomos e pelos matemáticos com vista à determinação das distâncias lunares, e dos relojoeiros na construção de instrumentos bastante precisos para manter a bordo a medição exacta do tempo, a navegação astronómica acaba por se impor, permitindo um cálculo exacto da posição em termos de longitude: James Cook é o primeiro a levar, na sua segunda viagem (1772), relógios e cronômetros e, em particular, a cópia do relógio marítimo inventado por Harrison em 1759”. BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo, pp. 219-220. 390 BRILLI, Attilio. Quand voyager était un art – Le roman du Grand Tour, p. 10. 391 BRILLI, Attilio. Quand voyager était un art – Le roman du Grand Tour, p. 82. 392 STAFFORD, Bárbara Maria. Voyage into substance: art, science, nature and the illustred Travel account. Cambridge Mass.: Mit Press, 1984. 393 Ver: CALAFATE, P. A idéia de natureza no século XVIII em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994. 394 PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação, p. 27. 395 PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação, p. 11. 396 Ver:CARDON, Carlos E., Los Naturalistas en la America Latina. Ciudad Trujillo: s.e. 1949. 397 MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850), p. 29. 398 VENTURA, Roberto. Estilo tropical: História cultural e polêmicas literárias no Brasil, p. 22. 399 HONVLEZ-ARDENN, J. W. C. A. “Dissertação Física sobre a antiga União e Separação do Velho e do Novo Mundos, e sobre o Povoamento das Índias Ocidentais; com uma Pesquisa Física sobre a Origem dos Lagos. Colônia: Johan Heirinch Harz, 1764”. In: Scientiæ Studia, Vol. 1, No. 3, p. 356-57. 400 Ibidem, p. 358. 401 Ibidem, p. 360. 402 Ibidem, p. 361. 403 Ibidem, p. 361. 404 Ibidem, p. 362. 405 Ibidem, p. 363. 406 Ibidem, p. 363. 407 Ibidem, pp. 363-364. 408 Ibidem, p. 364. 409 Ibidem, p. 365. 410 Como bem observa Marie-Noëlle Bourguet: “Na época das Luzes, a exploração não é um ofício para o qual se esteja preparado através de uma formação especial e da aquisição de competências profissionais. Vai ser preciso aguardar a Restauração para que se crie em França, junto do Musel de História Natural, uma escola de «viajantes naturalistas» que recruta por concurso verifica através de um

Page 400: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

400

exame o ensino recebido e entrega aos que envia em missão um manual de instruções, verdadeiro guia da exploração, reeditado por diversas vezes durante o século. Até àquele momento, não existia nada de tão formal. É-se religioso ou oficial, botânico ou astrónomo, caçador de peles ou médico; mas um sonho d, infância, um acontecimento imprevisto na carreira, um encontro, um acontecimento político levam a que se tome explorador.” BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo, pp. 220-221. 411 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 93. 412 Ver: TURGOT, Etienne François. Memoire instructif su la maniere de rassembler, de preparer, de conserver, et d'envoyer, et g'rnvoyer les diverses curiosites d' Histoire Naturelle; auquel on a joint un memoire intitulè: Avis pour le transport par mer, des arbres, des plantes vivaces, des semences. Lyon: J. M. Bruyset, 1758. 413 Em 1781, a Academia de Ciências de Lisboa, seguindo o movimento europeu, fez publicar um conjunto de orientações designado de Breves Instrucçoens aos correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as remessas dos productos e noticias pertencentes a historia da Natureza para formar um Museo Nacional. Este texto, que contou com o apoio de Vandelli, incorporava a experiência realizado no Jardim Botânico da Ajuda. No mesmo ano é publicado o texto “Méthodo de Recolher, Preparar, Remeter, e Conservar os Productos Naturais. Segundo o plano que tem concebido, e publicado alguns Naturalistas, para o uso dos Curiosos que visitam os sertões, e costas do Mar”, obra atribuída aos seguidores de Vandelli. Academia de Ciências de Lisboa, série vermelha, 405. 414 Consta da série de manuscritos da Academia Ciências de Lisboa o manuscrito de Domingos Vandelli intitulado: Memória sobre a utilidade dos Museus d’História Natural. Academia de Ciências de Lisboa, série vermelha, 143. Esta memória foi recentemente publicada em VANDELLI, Domingos. Memórias de História Natural, pp. 59-65. 415 Ver: DOMINGUES, Ângela. “As remessas das expedições científicas no norte brasileiro na segunda metade do século XVIII” In: Brasil, nas vésperas do mundo moderno. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992. 416 Sedimento carbonático ou calcário, macio e de granulometria fina, composto a partir de microfósseis planctônicos. 417 Ver: CARNEIRO, Henrique. Pequena enciclopédia da História das drogas e Bebidas, pp. 81-89. 418 O método Reaumur foi a escala estabelecida, em 1730, pelo naturalistas Francês René-Antoine Ferchault de Réaumur para medir a temperatura. 419 O documento acrescenta ainda: “Em quanto á Religião, devem expôr com toda a sinceridade 1.° as idéas geraes que dominão em todo o paiz sobre a natureza da Divindade, sobre as suas obras, e sobre o culto que lhe he devido; 2.° as seitas diversas, e os pontos em que differem humas das outras; e juntamente os effeitos, que costumão resultar da diversidade de sentimentos nesta materia; 3.° a fórma do seu culto, a simplicidade ou extravagancia de suas ceremonias, os seus casamentos, os seus lutos e funeraes, os seus sacrificios, e finalmente todas as suas superstições. Em quanto à Politica, devem explicar 1.° a fórma do seu governo; a qualidade de suas leis, se as tiverem; o modo de administrar a justiça na distribuição dos premios e castigos; o numero e qualidade das pessoas, em quem reside a authoridade suprema; 2.° a fórma de seus contratos, e os ritos, que costumão acompanhallos; 3.° as suas guerras, o modo de as fazer, as armas de que usão. Em quanto á Economica, devem referir 1.° a maneira de educar os filhos, a qualidade e fórma de suas habitações, os seus mais communs exercicios; 2.° os seus alimentos, e o modo de os preparar, a materia e feitio de seus trajes; 3.° as propriedades da sua lingua, e fórma dos caracteres, se usarem de algum genero de escritura. Em quanto ás Artes, mostraráõ 1.° o estado da sua agricultura, os usos e defeitos de seus instrumentos de lavoura; 2.° o modo de fazerem as suas caças e pescas; 3.° as plantas, de que se servem para sustento, vestido, remedios, tintas, &c.; 4.° os animaes que empregão no trabalho, e em outros serviços domesticos; 5.° os mineraes que extrahem da terra, os usos a que os applicão, e o modo de os reduzir a esses mesmos usos; 6.° a perfeição ou imperfeição das artes, manufacturas, e de todo o gênero de industria, e commercio que houver no paiz.

Page 401: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

401

Em quanto ás Tradições, devem examinar 1.° a sua origem, antiguidade, universalidade, probabilidade ou extravagancia; 2.° o modo de as conservar, e defender; 3.° se no paiz houver algum genero de monumento, se dará delle huma exacta descripção. Finalmente dar-se-ha huma idéa do melhor modo possivel dos costumes dos Póvos, cuja noticia possa influir de alguma sorte no Bem da Sociedade”. 420 SÁ, José Antonio de. Compêndio de Observações que formam o plano da Viagem Política e Filosófica que se deve fazer dentro da Pátria... Lisboa: Officina de Francisco Borges de Sousa, 1783, p. 1. 421 VELLOSO, Frei José Mariano. Naturalista instruído nos divesos methodos antgos, e modernos de ajuntar, preparar, e conservar as produções dos reinos da natureza, coligido de diferentes autores, p. 1. 422 Ibidem, p. 2. 423 Ibidem, p. 6. 424 Ibidem, p. 7. 425 Ibidem, p. 8. 426 Ibidem, p. 9. 427 Ibidem, p. 12. 428 Gilles Robert De Vaugondy e seu filho Didier Robert De Vaugondy elaboraram vários Atlas e mapas. Normalmente, os mapas eram assinados como M. Robert, sendo o Atlas Universal, publicado em Paris no ano de 1757, um dos mais importantes. Reunindo as informações disponíveis para elaborar mapas com detalhamento e boa qualidade, conquistou o reconhecimento dos críticos. 429 BOURGUET, Marie-Noëlle. “O explorador”. In: VOVELLE, Michel. op. cit., p. 227.

Capítulo quinto 430 HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso, pp. 229-252 e 295-312. 431 DIAS, José S. da S. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI, pp. 144-149. 432 HOLANDA, Sérgio B. Visão do Paraíso, pp. 65-66. 433 CAMINHA, Pero Vaz, Carta do Descobrimento do Brasil, pp. 2-3. 434 Ibidem, p. 10. 435 Ibidem, p. 6. 436 Ibidem, pp.10-11. 437 Carta do P. Manuel da Nóbrega ao P. Simão Rodrigues, Baia, [10? De abril] 1549. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. I, p. 115. 438 Carta do P. Manuel da Nóbrega ao Dr. Martin de Azpilcueta Navarro. Salvador, 10 de agosto de 1549. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. I, p. 135-136. 439 GERBI, Antonello, La Naturaleza de Las Indias Nuevas, p. 31. 440 Carta do Ir. José de Anchieta ao p. Diego Laynes. S. Vicente, 31 de maio de 1560. In: LEITE, Serafim, Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. III, p. III. 441 Informação da Província do Brasil para nossos Padres, 1585. In: Cartas Jesuíticas III, pp. 424-425. 442 Carta do Ir. José de Anchieta ao P. Diego Laynes, S. Vicente, 31 de maio de 1560. In: LEITE, Serafim, Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. III, p. I. 443 Carta do Ir. José de Anchieta ao P. Diego Laynes, S. Vicente, 31 de maio de 1560. In: LEITE, Serafim, Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. III, p. I. 444 Informação da Província do Brasil para nossos Padres 1585. In: Cartas Jesuíticas III, p. 424. 445Carta do Pe. Juan de Azpilcueta Navarro aos Padres e Irmãos de Coimbra. Porto Seguro 24 de junho de 1555, in LEITE, Serafim, op. cit., vol. II, p. 250. 446Carta do Ir. José de Anchieta ao Pe. Diego Laynes. São Vicente, 31 de maio de 1560, in LEITE, Serafim, op. cit., vol. III, p. XII.

Page 402: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

402

447 Ibidem, vol. III, p. IX. 448 Ibidem, vol. III, pp. IX-X. 449 Ibidem, vol. III, pp. XI-XII. 450 Ibidem, vol. III, p. X. 451 CARDIM, Pe. Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil, p. 70. 452 Carta do Ir. José de Anchieta ao Padre Diego Laynes. São Vicente, 31 de maio de 1560. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. Vol. III, p. XI-XII. 453 Ibidem. vol. III, p. XII. 454 GERBI, Antonello. La naturaleza de las Indias Nuevas, p. 19. 455 Carta do Irmão José de Anchieta ao P. Diego Laynes, São Vicente, 31 de maio de 1560. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. Vol. III, p. XI. 456 Ibidem, vol. III, p. XI. 457 Ibidem, vol. III, p. VI-VII. 458 Ibidem, vol. III, p. VII. 459 Ibidem, vol. III, p. IV. 460 Ibidem, vol. III, p. XIV. 461 ASSUNÇÃO, Paulo. A terra dos brasis, p. 241. 462 RAMUSIO, Giovani Battista. Navigazioni e Viaggi, p. 374. Ver: <<HTTP://www.liberliber.it/biblioteca/r/ramusio/navigazion_e_ viaggi/pdf/naviga_p.pdf>> 463 RAMUSIO, Giovani Battista. Navigazioni e Viaggi, p. 466. 464 RAMUSIO, Giovani Battista. Navigazioni e Viaggi, p. 2659. 465 Ver: BELLUZZO, Ana Maria. “A propósito d’o Brasil dos viajantes”. In : Revista USP – Dossiê dos Viajantes, p. 11. 466 Varnhagen identifica a autoria do documento em 1839. José Roberto Teixeira Leite: “Na Historia da Provincia Sãcta Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil, de Pero de Magalhães Gandavo (Lisboa, 1576), podem ser vistas duas ilustrações xilográficas assinadas por certo Jerônimo Luiz, uma retratando a execução de um prisioneiro por um grupo de indígenas, e a outra uma estranhíssima criatura marinha que apareceu em 1564 em São Vicente - o Ipuiara, certamente um inocente leão-marinho, afinal abatido a golpes de espada e flechaços. A ilustração do Ipuiara deve ter causado sensação na Europa, dela existindo pelo menos mais duas versões, uma alemã, italiana a outra, acom-panhadas de curtos textos explicativos sobre a aparição do monstrengo (Newe Zeytung von einen seltzamen Meerwunder etc., Frankfurt, sem nome de editor ou data, e Nel Bresil di San Vicenzo nella Citta di Santos etc., impresso em Venezaem 1565 por Nicolo Nelli)”. LEITE, José Roberto Teixeira. “Viajantes do imaginário: a América vista da Europa, séc. XV-XVII. In : Revista USP – Dossiê dos Viajantes, p. 40. 467 Numa das viagens seguiu na expedição de Diogo de Sanabria a região da bacia do Prata, que passou pela Ilha de Santa Catarina em 16 de dezembro de 1550. Hans Staden foi arcabuzeiro da armada de Sanabria. Tripulantes que dela nos deixou notícia escrita. 468 STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil, p. 37. 469 No Brasil, a primeira edição foi publicada no século XIX, na Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1892. 470 STADEN, Hans. op. cit., p. 121. 471 STADEN, Hans. op. cit., pp. 16-17. A obra foi escrita em homenagem ao Príncipe e Senhor Felipe, Landgrave de Héssia, Conde de Katzenelnbogen, Diez, Ziegenhain e Nidda ver p. 25. 472 STADEN, Hans. op. cit., p. 25. No original: “Prefácio do Professor Dr. Johann Eichmann, chamado Dryander, em Marburgo. Ao ilustríssimo Senhor Felipe, Conde de Nassau e Saarbruecken, etc., seu clemente Senhor, deseja o Dr. Dryander todo o bem, oferecendo-lhe seus serviços ver p. 29. 473 STADEN, Hans. op. cit., pp. 25-26. 474 STADEN, Hans. op. cit., p. 31.

Page 403: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

403

475 Ana Maria Belluzzo analisado as xilogravura da carta Mundus Novus de autoria de Américo Vespucci, que circula nesse período, salienta que os germânicos tendem a valorizar o caráter testemunhal da narrativa visual, dando destaque para os hábitos canibais. BELLUZZO, Ana Maria. “A propósito d’o Brasil dos viajantes”, p. 11. 476 STADEN, Hans. op. cit., pp. 43-45. 477 Ibidem, p. 47. 478 BAIÃO, António. “O Comércio do Pau Brasil” In: História da Colonização Portuguesa do Brasil, Vol. II, Direcção e Coordenação Literária de Carlos Malheiro Dias, Direcção Cartográfica do Conselheiro Ernesto de Vasconcelos, Direcção Artística de Roque Gameiro, Porto: Litografia Nacional, 1923, pp. 320-326. 479 STADEN, Hans. op. cit., p. 50. 480 Ibidem, p. 55. 481 Ibidem, p. 59. 482 Ibidem, p. 64. 483 Ibidem, p. 66. 484 Ibidem, p. 68. 485 Ibidem, p. 77. Ver também: AGUIAR, Pinto de. Mandioca – pão do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. 486 Ibidem, p. 80-81. 487 Ibidem, p. 84. 488 Ibidem, p. 125. 489 Ibidem, p. 189. 490 Ibidem, p. 189. 491 Ibidem, p. 190. 492 Ibidem, p. 191. 493 Ibidem, p. 192. 494 Ibidem, p. 192. 495 Ibidem, p. 192. 496 Ibidem, p. 192. BOYER, M. & DUVIOLS, J, p. (eds.) Le théâtre du nouveau Monde, les grands voyages de Théodore de Bry, Paris, Gallimard, 1992; GIUCCI, G. Viajantes do maravilhoso. São Paulo, Companhia das Letras, 1992; 497 STADEN, Hans. op. cit., p. 193. 498 Ibidem, p. 193. 499 Ibidem, p. 194. 500 Ibidem, p. 194. 501 Ibidem, p. 195. 502 Ibidem, p. 195. 503 LESTRINGANT, Frank. Introduction, em THEVET, A. Les singularitez de la France Antartique, p. 19. 504 LESTRINGANT, Frank. L'atelier du cosmographe. Paris, Albin Michel, 1991. 505 JEANNERET, Michel, “Léry et Thevet: comment parler d’un monde nouveau?” In: Mélanges à la mémoire de Franco Simone. IV – Tradition et originalité dans la création littéraire, p. 243. 506 GANDAVO, Pêro de Magalhães de. História da Província de Santa Cruz, in: O Reconhecimento do Brasil, Direcção de Luís de Albuquerque, com texto Publicações Alfa, S. A., Lisboa, p. 75. 507 Pe. Fernão Cardim diz deles com graciosidade: «Os papagaios nesta terra são infinitos, mais que gralhas, zorzais, estorninhos, nem pardais de Espanha, [...] são de ordinário muito formoso e de muito

Page 404: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

404

várias cores, e várias espécies, e quase todos falam, se os ensinam.» CARDIM, Pe. Fernão. op. cit., p. 84. 508 GANDAVO, Pêro Magalhães de. História da Província de Santa Cruz, pp. 94-95. 509 Ibidem, p. 84. 510 Ibidem, p. 85. 511 Ibidem, p. 85. 512 CENTELLAS, Joachim de. Les Voyages et conquestes des roys de Portugales Indes d’Orient, Ethiopie, Mauritanie d’Áfrique & Europe..., p. 4. 513 Ibidem, p. 5 até 28v 514 Ibidem, p. 32. 515 Ibidem, p. 32v 516 Ibidem, p. 33. 517 Ibidem, pp. 40-60. Ver também: MEGIANI, Ana Paula Torres. O jovem rei encantado – expectativas do messianismo régio em Portugal, séculos XIII a XVI, pp. 109-130. 518 LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. 519 Entre os companheiros de Jean de Léry na viagem que fez em 1555 ao Brasil, achava-se certo Jean Gardien, "expert en i'art du portrait", como a seu respeito escreveu o próprio Léry na Histoire d'un Voyage Faite en ia Terre du Brésil, publicada em La Rochelle em 1578. 520 LÉRY, Jean. Viagem a terra do Brasil, p. 135. SILVA, Wilton Carlos Lima da Silva. As terras inventadas – discurso e natureza em Jean de Léry, André João Antonio e Richard Francis Burton, pp. 97-156. 521 Sobre o assunto ver MOLLAT, Michel. Les explorateurs du XIIIe. au XVIe siecle. Premiers regards sur des mondes nouveaus, pp. 130-131. 522 JEANNERT, Michel. op. cit., p. 243. 523 Sobre este assunto ver: RAMINELLI, R. Imagens da colonização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 524 A primeira edição da obra foi em 1825, publicada pela Academia Real de Ciências de Lisboa, sob o título de Notícia do Brasil. Em 1851, após estudos dos manuscritos Francisco Varnhagen, reeditou o livro com o nome original, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ver: VAINFAS, R. Ideologia e escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1986. 525 Sobre a descoberta do rio Amazonas ver: ACUÑA, Cristóbal. Novo descobrimento do grande rio das Amazonas. 526 SOUSA, Gabirel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587, p. 226. 527 Ibidem, p. 223. 528 Ibidem, pp. 205-206. 529 Ibidem, p. 189. 530 Ibidem, pp. 202-203. 531 Ibidem, p. 295. 532 Ibidem, p. 285. 533 Ibidem, p. 301. 534 Ibidem, pp. 290-291. 535 Ibidem, pp. 239-240. 536 HUTTER, Lucy Maffei. A Madeira do Brasil na Construção e Reparos de embarcações, pp. 10-18. 537 BELLUZZO, Ana Maria. “A propósito d’o Brasil dos viajantes”. In: Revista USP – Dossiê dos Viajantes, p. 15.

Page 405: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

405

Capítulo sexto 538 Sobre o assunto ver: “Capítulos e respostas às acusações feitas por Gabriel Soares de Sousa” ABNRJ, vol. 62, 1942. 539 CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil, p. 25. 540 Ibidem, p. 31-32. 541 Ibidem, p. 26. 542 Ibidem, p. 29. 543 Ibidem, p. 51-52. 544 Ibidem, p. 55. 545 Ibidem, p. 33. 546 Ibidem, p. 36. 547 Ibidem, p. 36-37. 548 Ibidem, p. 38. 549 Ibidem, p. 39. 550 Ibidem, p. 39. 551 Ibidem, p. 68. 552 Em relação à data da morte de Claude d’Abbeville não há certeza. Os estudiosos apontam que poderia ter ocorrido entre 1616 e 1632. 553 D’ABBBEVILLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, p. 193. 554 Ibidem, p. 200. 555 Ibidem, p. 196. 556 Ibidem, p. 216. 557 Ibidem, p. 216. 558 Ibidem, pp. 218-219. 559 Ibidem, pp. 219-221. 560 Ibidem, pp. 222-223. 561 Ibidem, p. 226. 562 Ibidem, p. 231. 563 Ibidem, p. 243. 564 Ibidem, p. 245. 565 A obra foi proibida devido às relações diplomáticas tensas entre França e Espanha. Em 1864, Ferdinand Denis localizou o texto e o publicou com o título de Voyage dans le nord du Brésil. 566 D’EVREUX, Yves. Viagem ao norte do Brasil feita nos annos de 1613 a 1614. 567 Ibidem, p. 9. 568 Ibidem, p. 10. 569 Ibidem, p. 13. 570 Ibidem, pp. 58-66. 571 Ibidem, pp. 81-105. 572 Ibidem, p. 135. 573 Ibidem, p. 136. 574 Ibidem, p. 138. 575 Ibidem, pp. 142-143. 576 Ibidem, p. 145.

Page 406: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

406

577 Ibidem, p. 146. 578 Ibidem, p. 147. 579 Ibidem, p. 147. 580 Ibidem, p. 148. 581 Ibidem, p. 158. 582 Ibidem, pp. 150-151. 583 Carmen Licia Palazzo ressalta que Yves d’Evreux produz um relato considerado por ela de transição entre a mentalidade marcadamente medieval e aquela que povoa o imaginário europeu a partir das transformações políticas, econômicas e culturais que ocorreram no período moderno. PALAZZO, Carmen Licia. Entre mitos, utopias e razão – os olhares francês sobre o Brasil (séculos XVI e XVIII). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p.112. 584 D’EVREUX, Yves. Viagem ao norte do Brasil feita nos annos de 1613 a 1614, pp. 151-152. 585 Ibidem, p. 164. 586 Ibidem, p. 165. 587 Ibidem, p. 173. 588 Ibidem, p. 175. 589 BRANDÃO, A. F. Diálogos das grandezas do Brasil. Introdução de A. J. G. de Mello. 3ª ed. Recife, Massangana, 1997. 590 Ibidem, p. 3. 591 Ibidem, p. 10. 592 Ibidem, p. 12. 593 Ibidem, p. 111. 594 Ibidem, p. 112. 595 Ibidem, p. 123. 596 Ibidem, pp. 125-127. 597 Ibidem, p. 136. 598 Ibidem, p. 137. 599 Ibidem, p. 141. 600 Ibidem, pp. 152-155. 601 Ibidem, p. 169. 602 Ibidem, pp. 172-173. Ver: LARRÈRE, Catherine e LARRÈRE, Robert. Du bon usage de la nature. Paris: Aubier, 1997. 603 Ibidem, p. 202. 604 Ibidem, pp. 241-242. 605 A presença holandesa no litoral brasileiro datava do século XVI. As ações de pirataria no registram o ataque de James Lancaster em Pernambuco. Sobre o assunto ver: O Corsário James Lancaster, em Pernambuco, 1595, In: RIAP n.º 73, Recife, 1908, p. 441 e segs. 606 A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais obteve o monopólio do tráfico de escravos, navegação e do comércio por 24 anos, na América e na África e atuou por mais de cinquenta anos, obtendo recursos razoáveis, mas inferiores àqueles obtidos pela Companhia das Índias Orientais. Em 1674, a Companhia Ocidental foi dissolvida devido a problemas econômicos. 607 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada, p. 29. 608 Sobre o episódio, Fortunato de Almeida registra que no dia 3 de março de 1627: vencidas algumas contrariedades, entrou no porto com tal fúria, que dois dos seus navios foram encalhar na praia, ficando sob a ação da artilharia e dos mosquetes da terra. Pouco depois outro navio incendiou-se, e houve nele tal explosão que todos os seus tripulantes foram pelos ares. Assim se gorou o efeito do assalto. ALMEIDA, Fortunato. História de Portugal – instituições políticas e sociais de 1385-1580. Vol. II, p. 396-7.

Page 407: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

407

609 Ibidem, vol. II, p. 400. 610 MELLO, Evaldo Cabral. Olinda Restaurada, p. 34 611 Johann Mauritius Van Nassau-Siegen nasceu na região da atual Alemanha, no Castelo de Dillemburg, em 17 de junho de 1604. Filho de uma família aristocrática com intensa atuação política. Com catorze anos de idade ingressava no exército holandês e participava de varias campanhas da Guerra dos Trinta Anos. Em 1632 estabeleceu residência em Haia, recebendo posteriormente a proposta da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais para administrar a região de Pernambuco para onde segue em 1637. Durante a sua administração estimulou as artes e o conhecimento, favorecendo a vinda de muitos pesquisadores e artistas, além disso, conquistou o apoio dos fazendeiros da região na medida em que forneceu financiamento para o plantio de cana-de-açúcar e dos engenhos. Uma nova cidade surge, sob a sua gestão. Em 1644, após desavenças com a Companhia das Índias pediu afastamento do cargo que exercia, retornando a Holanda, onde ocupou cargos diplomáticos. Em 1652, recebeu o título de príncipe do Império Germânico, falecendo na Alemanha, em 20 de dezembro de 1679. 612 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada, pp. 59-86. Ver: BARLÉU, Gaspar. Historia dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. 613 GUEDES, Max Justo. “A cartografia holandesa no Brasil”. In: HERKENHOFF, Paulo. O Brasil e os holandeses. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999. 614 O título completo, com subtítulo, é: "Historia naturalis Brasiliae ... : in qua non tantum plantae et animalia, sed et indigenarum morbi, ingenia et mores describuntur et iconibus supra quingentas illustrantur". 615 Ver: LAET, Joannes de. História ou Annaes dos Feitos da Companhia PriviLegiada das Indias Occidentaes desde o seu Começo até ao Fim do Anno de 1636, Rio de Janeiro, 1925, vol. 1, pp. 54-57; vol. 2, pp. 262-263; NEME, Mário, "A Holanda e a Companhia das índias Ocidentais no Tempo do Domínio Holandês no Brasil", In: Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1968, t. 22, pp. 100, 161-162. Sobre insetos ver: ALMEIDA, A.V.; CARVALHO, P. F. F. Os insetos de Marcgrave (1610 – c.1640). Recife: UFRPE – Imprensa Universitária, 2002. 616 MOULIN, D.; MAULE, A. F.; ANDRADE-LIMA, D.; RAHN, K.; PEDERSEN, T. M. O herbário de Georg Marcgraf. Rio: Fundação Nacional Pró-Memória, 1986. 1o vol. Ver também: PICKEL, B. J. Piso e Marcgrave na botânica brasileira. Rio de Janeiro: Revista Flora (separata), [s.n.]: 1949, pp.1-113. 617 VANZOLINI, P. E. “A contribuição zoológica dos primeiros naturalistas viajantes no Brasil”. In: Revista USP – Dossiê dos Viajantes. – N.1 (mar./mai.1989) – São Paulo, SP: USP, CCS, 1989, p. 193. Ver: MARQUESE, Rafael de Bivar. Administração & Escravidão – ideias sobre a gestão da agricultura escravista brasileira, pp. 31-48. 618 Conforme José Roberto Teixeira Leite: "No grande retábulo do Jardim das Delícias de Hyeronimus Bosch (1450?-1516?) cuja execução situa-se também nos anos iniciais do séc. XVI -, detectou Carl Justi, em fins do século passado, certa atmosfera tropical e oceânica, como se o mundo-de-idéias do artista "tivesse sido estimulado pela recém-descoberta América e por desenhos do seu cenário tropical"; mas os animais híbridos e as rochas compósitas visíveis no tríptico do Prado antes se relacionam com a Índia mítica descrita por Eusébio em sua Carta Alexandre a Aristóteles, e os animais e vegetais exóticos ali figurados, como o elefante, a girafa e a árvore-dragão, têm como fonte as xilogravuras que ornam a Reise ins Heilige Land de Breydenbach (1486), nada tendo por conseguinte a ver com o Novo Mundo. Ver: LEITE, José Roberto Teixeira. “Viajantes do imaginário: a América vista da Europa, séc. XV-XVII. In: In: Revista USP – Dossiê dos Viajantes.– N.1 (mar./mai.1989) – São Paulo, SP: USP, CCS, 1989, p. 37. 619 O nome de batismo era Cristovão Severim de Faria. 620 A obra foi confiscada pelo governo espanhol após a restauração de Portugal. 621 Ver sobre a ocupação da área: BETTENDORFF, João Felipe. “Chronica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”. In: Revista do instituo Histórico e Geográfico Brasileiro. 622 Ver: DUMAS, Jean-Louis. Histoire de la pensée, p. 310.

Page 408: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

408

623 MONTEIRO, John. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, p. 57. 624 RODRIGUEZ, Manoel. El Marañon y Amazonas - historia de los descubrimientos, entradas, y reduccion de naciones, trabajos malogrados de algunos conquistadores, y dichosos otros, assi temporales como espirituales, en las dilatadas montañas, y mayores ríos de la América. Madrid: Antnio Gonçalves, 1684. 625 RENNEFÔRT, Urbain Souchu d. Histoire des Indes Orientales. [s.l.] Anoul Seneuze et Daniel Horthemels, 1668. 626 FROGER, Sieur. Relation d’un voyage fait en 1695, 1696 [et] 1697 aux cotes d’Afrique, Detroit de Magellan, Brezil, Caynne [ et] Isles Antilles. 627 Ibidem, pp. 1-3. 628 Ibidem, p. 8. 629 Ibidem, p. 12. 630 Ibidem, p. 13. 631 Ibidem, p. 20. 632 Ibidem, pp. 48- 49. 633 Ibidem, pp. 55-56. 634 Ibidem, pp. 59-61 635 Ibidem, p. 62. 636 Ibidem, pp. 63-64. 637 Ibidem, p. 65. 638 Ibidem, p. 66. 639 Ibidem, p. 67. 640 Ibidem, p. 71. 641 Ibidem, p. 73. 642 Ibidem, p. 74. 643 Ibidem, p. 78. 644 Ibidem, p. 79. 645 Ibidem, pp. 80-81. 646 Ibidem, pp. 82-83. 647 BETTENDORF, J, F. (S.J.) "Chronica da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão" (1698). RIHGB, Rio de Janeiro, t. 72, parte I, 1909; Ver: HOORNAERT, E. et alii. História da Igreja no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1979, v.I. 648 Ver: SAFIER, Neil e FURTADO, Júnia Ferreira. “O sertão das Minas como espaço vivido: Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville na construção da cartografia euroéia sobre o Brasil” In: PAIVA, Eduardo França. (org.) Brasil-Portugal – sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (séculos XVI-XVIII), pp. 263-278. 649 Carta do Ir. José de Anchieta ao P. Diego Mirón. São Vicente, 8 de janeiro de 1565. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. Vol. IV, p. 147. A associação com o comportamento animal não é atributo exclusivo de uma leitura do indígena. Baltasar Fernandes utiliza a mesma figura de linguagem para se referir os colonos. Os índios “Sam mui aborrecidos à gente branca, somente a nós, que os tratamos bem e os amparamos e livramos das unhas dos lobos, nos tem amor e se dam bem connosco”. Carta do P. Baltasar Fernandes aos Padres e Irmãos de Portugal. São Vicente 22 de abril de 1568. In: LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. Vol. IV, p. 462.

Page 409: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

409

Capítulo sétimo 650 Ver: ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os caminhos da riqueza paulistanos na primeira metade do oitocentos. São Paulo: Hucitec, 2003. 651 HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras, p. 35. Ver também: ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os caminhos da riqueza paulistanos na primeira metade do oitocentos. São Paulo: Hucitec, 2003. 652 Ver sobre a região mineradora: ANTONIL, André João [Giovanni Antonio Andreone]. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas (1711). 653 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra – política e administração na América portuguesa do século XVIII, pp. 27-76. 654 Ver: NÓBREGA, Mello. História do Rio Tietê. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981. 655 MARQUESE, Rafael de Bivar. Administração & Escravidão – ideias sobre a gestão da agricultura escravista brasileira, pp. 21-79. 656 Ver: PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: Povos indígenas e a colonização do sertão, p. 21-43. 657 Ver: MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O rei no espelho – a monarquia portuguesa e a colonização da America (1640-1720), pp. 33-71. 658 AMARAL, Tancredo. História de São Paulo, p. 88. Ver também : SILVEIRA, Marco Antonio. O universo do indistinto – Estado e sociedade nas minas setecentistas (1735-1808), pp. 87-110. 659 Os sinais de cansaço variaram segundo cada autor das cartas, o que não permite definir uma data para a compreensão deste aspecto. Cada loiolano isolado na sua aldeia ou vila demonstrou um desencanto com o êxito da conquista, deixando entrever que para eles a conquista era frágil e efêmera, por isso as suas solicitações por novos missionários é uma constante. 660 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra – política e administração na América portuguesa do século XVIII, pp. 109-147. 661 SILVEIRA, Marco Antonio. O universo do indistinto – Estado e sociedade nas minas setecentistas (1735-1808), pp. 29-85. 662 ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII, p. 191. 663 Ibidem, p. 143. 664 MARTINS, Marcos Lobato. História e Meio Ambiente, p. 99-126. Ver: PRIORE, Mary Del e Venâncio, Renato. Uma história da vida rural no Brasil, pp. 63-82. 665 MOTA, Guiolherme. 1822: dimensões, pp. 160–184. 666 ZEMELLA, Mafalda P. op. cit, p. 167. 667 Ver sobre o assunto: MACKAY, David, “Agents of Empire: the Banksian collectors and evaluation of new lands”. In: MILLER, David P. e REILL, Peter H. (ed.)., Visions of Empire: voyages, botany, and representations of nature, Cambridge: Cambridge Un. Press, 1996 668 Ver: CHAVES, Claudia Maria das Graças. Perfeitos comerciantes: mercadores das minas setecentistas. 669 FURTADO, Júnia. Ferreira. Homens de Negócio – a interiorização da metrópole e do comercio nas Minas setecentistas. Ver: MARTINS, Marcos Lobato. História e Meio Ambiente, pp. 85-98 670 COELHO, Felipe José Nogueira "Memórias Cronológicas da Capitania de Mato Grosso, principalmente da Provedoria da Fazenda Real e Intendência” In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, l972, p. 140, v. 13. COSTA, Maria de Fátima. História de um país inexistente: o Pantanal entre os séculos XVI e XVIII, pp.177-206. 671 Ver: GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos, p. 43-128. Ver também: MAGALHÃES, Joaquim Romero. “A Construção do Espaço Brasileiro – As Bandeiras Paulistas” In:

Page 410: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

410

BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti. História da Expansão Portuguesa. Lisboa: Circulo dos Leitores, 1998, vol. II, pp. 48-50. 672 SOARES, T. Diplomacia do Império no Rio da Prata (até 1865). Rio de Janeiro: Brand, 1955, p. 8. 673 DU GUAY – TROUIN, René. O Corsário: uma invasão francesa no Rio de Janeiro, p. 39. 674 Ibidem, p. 9. Ver: ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente. Lisboa: Teorema, 1988. 675 PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa, p. 19. 676 Ibidem, p. 19. 677 Ibidem, p. 20. 678 Ibidem, p. 21. 679 Ibidem, p. 22. 680 Ibidem, p. 25. 681 Ibidem, p. 26. 682 Ibidem, p. 27. 683 Ibidem, p. 28. 684 Ibidem, p. 28. 685 Ibidem, p. 29. 686 Ver: RIBEIRO, Maria Aparecida. Tupis, Surucucus, Maracujás, Contribuições Brasileiras para o Barroco. In: Claro – Escuro 6&7, Lisboa: Quimera, 1991, pp. 106-113. 687 Ibidem, pp. 30-31. 688 Ibidem, p. 33. 689 Ibidem, p. 34. 690 Ibidem, p. 35. 691 Ibidem, p. 36. 692 COREAL, François. Voyages de François Coreal aux Indes Occidentales, contenant ce qu'il y a vil de plus remarquable pendant son séjour depuis 1666 jusqu'a 1697. Paris: s.e., 1722. 693 BARBINAIS, Le Gentil de La. Nouveau voyage au tour du monde. Amsterdan: s.e., 1728. 694 MAGALHÃES, Basílio de. O café - Na hist6ria, no folclore e. fias belas-artes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. Ver o primeiro capítulo, intitulado "Quem era Francisco de Melo Palheta, o introdutor do cafeeiro no Brasil", pp. 9-88. Ver: GOMES, Flávio Santos. Entre fronteiras sem limites: espaços transnacionais e comunidade de fugitivos no Grão-Pará e na Guiana Francesa (séculos XVIII-XIX). In: BASTOS, Cristiana; ALMEIDA, Miguel V. De e FELDMAN-BIANCO, Bela. Trânsitos coloniais – diálogos críticos luso-brasileiros, pp. 187-217. 695 In: Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará, I, pp.196-197. 696 FBN – MS 11, 2, 32 - cópia de documentos depositados em Lisboa. 697 Ver: BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1983. 698 CONCEIÇÃO, Frei Apolinário. Primazia seráfica na regiam da América, novo descobrimento de Santos, e veneráveis religiosos da ordem seráfica. Lisboa Ocidental: Na Oficina de Antonio de Souza da Silva, 1733. 699 CONCEIÇÃO, Frei Apolinário. Viagem devota, e feliz... dedicada à Imaculada Conceição Nossa Senhora, patrona especialíssima da Província Capucha do Rio de Janeiro em o estado do Brasil ... Lisboa: Na Officina de José Antonio Plates, 1746. 700 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, tomo V, pp. 398-426 e 439-444. 701 Antonio Pereira Barredo, em suas memória descreve: “A cidade do Para, acha-se situada em uma península de terra baixa em 13 pes sobre o olivel do mar, e em 1grau e 35 min. Ao sul da linha. O clima foi muy nocivo, porem hoje estã mais benigno, he fato de pesca, e os seus frutos mais gerais são o cacau, café, e arros. Ao cacau chamavam seus moradores impropriamente cultivado, o açúcar produz pouco, porque apenas dura 2, ou 3 annos a planta.” FBN – MS 04, 2, 021, No. 3.

Page 411: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

411

702 FRANCA, Jean M. Carvalho. Um Visitante do Rio de Janeiro Colonial. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 17, n. 34, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881997000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11 Out. 2008. 703 “Viagem que fez Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador do Maranhão, partindo do Porto da Cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, para a Vila Nova de São José” FBN – MS 04, 2, 021, NO.7. Este documento é uma cópia extraída dos Mss 169, 170, 172, 173 pertencentes a Real Bibliotheca Pública Municipal do Porto. 704 PAPAVERO, Nelson. Os primeiros documentos história natural do Brasil, p. 15. Ver também: CHENET, F. L’artiste chargé de mission. Le rôle de l’artiste dans quelques missions scientifiques. In: MOUREAU, F. (Org.) L’oeil aux aguets ou l’artiste en voyage. Paris: Klincksieck, 1995. 705 CONDAMINE, Charles Marie de la. Viagem na América Meridiconal descendo o rio das Amazonas, p. 42. 706 Ibidem, p. 42. 707 Os registros históricos apontam que Francisco d’Orellana partiu para esta expedição. Em 2 de fevereiro de 1542 e chegou à foz do Amazonas em 24 de agosto daquele ano. 708 A expedição ocorreu entre 17 de outubro de 1637 e 12 de dezembro de 1639. 709 CONDAMINE, Charles Marie de la. Viagem na América Meridional descendo o rio das Amazonas, p. 44. 710 Ibidem, p. 45. 711 Ibidem, pp. 46-47. Ver também: DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto do máximo rio Amazonas, vol. II, pp. 95. 712 Ibidem, p. 50. 713 Ibidem, p. 54. 714 Ibidem, p. 58. 715 Ibidem, p. 59. 716 Ibidem, p. 60. 717 Ibidem, p. 61. 718 Ibidem, p. 62. 719 Ibidem, p. 66. 720 Ibidem, p. 72. 721 Ibidem, p. 73. 722 Ibidem, p. 89. Ver também: DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto do máximo rio Amazonas, vol I, pp. 41-92. 723 Ibidem, p. 99. 724 Ibidem, p. 101. Sobre especiarias ver: AMADO, Janaína. As viagens dos alimentos. As trocas entre os continentes. São Paulo: Atual, 2000 e MAGALHÃES, Joaquim Romero: “Açúcar e Especiarias” In: BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti. História da Expansão Portuguesa. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1998, vol. I, pp. 306-307. 725 Ibidem, p. 101. 726 Ibidem, pp. 104-105. Ver também: DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto do máximo rio Amazonas, vol. I, p. 137. 727 Ibidem, p. 105. 728 Ibidem, p. 106. Ver também: DOMINGUES, Ângela. Viagens de exploração geográfica na Amazônia em fins do Século XVIII: política, ciência e aventura. Lisboa: Analecta Transmarina, 1991, pp. 58-71. 729 Ibidem, p. 106. 730 Ibidem, p. 107.

Page 412: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

412

731 Ibidem, p. 108. 732 Ibidem, p. 109. 733 Ibidem, p. 110. 734 Ibidem, p. 110. 735 Ibidem, p. 121. 736 ULLOA, Antonio. Noticias americanas: entretenimentos fisico-históricos sobre la América meridional y la septentrional oriental: comparación general de los territórios, climas y producciones en las três espécies vegetal, animal y mineral. Buenos Aires: Editorial nova, [1792?]. 737 ULLOA, Antonio. A voyage to South America:..., p. 319. 738 Ibidem, pp. 320-21. 739 Ibidem, p. 323. 740 Ibidem, p. 324. Theotônio Juzarte observa: O mantimento de que se fornecem estas embarcações para a viagem não excede a feijão, farinha de mandioca ou de milho, toucinho e sal, que é o quotidiano sustento, exceto alguma caça ou peixe se o há. /Este mantimento, feita a conta do que se precisa para cada canoa, durante a sua viagem, se acomoda em sacos cilindrados que têm um pé de diâmetro e cinco ou seis de comprido; esta figura é a que convém para se acomodarem melhor pelo seu comprimento e pouco diâmetro. /Durante a dita viagem se costuma cozinhar à noite o que se há de comer no outro dia, porque, se não pode acender fogo ao jantar, se come frio o feijão que ontem se cozinhou. JUZARTE, Theotônio. In SOUZA, Jonas Soares de & MAKINO, Miyoko (Orgs.), Diário de Navegação. P. 24. 741 Ibidem, pp. 325-326. Ver também: DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto do máximo rio Amazonas, vol I, p. 413. 742 Ibidem, p. 329. 743 Ibidem, pp. 330-31. 744 Ibidem, pp. 333-34. 745 Pedro Norberto de Aucourt e Padilha era cavaleiro professo da Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa Real, e Escrivão da Câmera de sua Magestade na mesa do Desembargo do Paço. 746 PADILHA, Pedro Noberto de Aucourt. Raridades da Natureza e da arte divididas pelos quatro Elementos. Lisboa: na Oficina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1759, p. 3. 747 Ibidem, pp. 6-7. 748 Ibidem, p. 8. 749 Ibidem, p. 181. 750 Conforme observa Vicenzo Ferrone: Mas, mais do que a produção livreira, são na realidade as gazetas as indiscutíveis protagonistas do nascimento da opinião pública europeia, que oferecem as provas de um verdadeiro triunfo das ciências dando não só voz aos grandes confrontos científicos da época, mas também às polémicas e às diatribes mais cediças no seio de uma comunidade em plena efervescência e que transpôs agora o limiar mínimo do direito à existência prosseguido com tenacidade no decurso do século XVIII. FERRONE, Vicenzo. “O homem da ciência". In: VOVELLE, Michel. O homem do iluminismo, p. 169. 751 PADILHA, Pedro Noberto de Aucourt. Raridades da Natureza e da arte divididas pelos quatro Elementos, p. 182. 752 Ibidem, p. 211. 753 Ibidem, p. 253. 754 Ibidem, p. 315. 755 Ibidem, p. 406. 756 FBN– MS 05,3,048, pp. 1-3. 757 FBN – MS 05,3,048, p. 14-15. Ver também: PRIORE, Mary Del e Venâncio, Renato. Uma história da vida rural no Brasil, pp. 123-138. 758 FBN – MS 05,3,048, p. 16. Ver também: DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto do máximo rio Amazonas, vol I, pp. 475-510.

Page 413: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

413

759 FBN – MS 05,3,048, p. 17. 760 Ver sobre o contexto: AZEVEDO, João Lúcio de. O Marquês de Pombal e a sua época. Rio de Janeiro/ Lisboa/ Porto: Annuario do Brasil/Seara Nova/Renascença Portuguesa, 1922 761 FBN – MS 05,3,048, p. 17v. 762 FBN – MS 05,3,048, p. 18. 763 FBN – MS 05,3,048, p. 20v. 764 FBN – MS 05,3,048, p. 21. 765 NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará, até as Últimas Colônias do Sertão da Província, p. 1 e 2. 766 Ibidem, p. 2. 767 Ibidem, p. 5. 768 Ibidem, p. 8. 769 Ibidem, p. 16. 770 Ibidem, pp.18-19. 771 Ibidem, p. 20. 772 Ibidem, p. 24. Noronha registra o mito das amazonas afirmando; “Vicente Maria Coronelli no seu Atlante Veneto dá por fabulosa a semelhança das Amazonas Americanas com as Asiaticas na circunstancia de não admittirem varões na sua republica, e buscarem fóra della os estranhos em determinado tempo do anno, para se fecundarem: E só tem por certo, que em "Iam desembarque, que fez Orelhana nas ribeiras do rio Amazonas, o accommetterão os índios do paiz, "indo entre elles juntamente as mulheres armadas em guerra. A favor dellas está a opiniaô commu a, que teve origem, e subsiste desde que Orelhana navegou por este grande rio, como se pôde ver largamente na de-monstração Critico Apologetica do theatro critico universal do doutissimo Feijoo, escrita pelo mestre Fr. Martinho Sarmento, e na Illustração Apologetica do mesmo Feijoo ao 1.°, e 2.° tomo do seu Theatro critico discurso 16.” NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará, até as Últimas Colônias do Sertão da Província, p. 25. 773 NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará, até as Últimas Colônias do Sertão da Província, p. 26. 774 Ibidem, p. 28. 775 Ibidem, pp. 31-32. 776 Ibidem, p. 33. 777 Ibidem, p. 36. 778 Alexandre de Souza Freire atuou na administração do Maranhão e Grão-Pará num primeiro momento entre 1667 e 1671 e posteriormente, entre 1728 e 1732. Seu antecessor nesta última fase de sua gestão, João da Maya Gama era conhecido por ser rigoroso e acima de tudo muito próximo aos jesuítas. A administração deste, portanto, prejudicou a ocorrência das Justas, coibindo sempre a utilização da mão-de-obra escrava indígena. Foi em sua gestão que Belchior Mendes de Moraes comandou a ação contra os Manáos, porém com censura de Maya da Gama; com o resultado da Devassa de 1722, as peças capturadas no Sertão são postas em liberdade, sob custódia dos missionários. 779 NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará, até as Últimas Colônias do Sertão da Província, p. 41-42. 780 SÁ, José Barbosa. Diálogos físicos e naturais, em que se descrevem as produções da América, Minerais, animais e Plantas, p. 1. 781 Ibidem, p. 2. 782 Ibidem, p. 3. 783 Ibidem, p. 4. 784 Ibidem, p. 5. 785 Ibidem, p. 55.

Page 414: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

414

786 Ibidem, p. 56. 787 Ibidem, pp. 56-57. 788 Ibidem, pp. 153-154. 789 Ibidem, p.154. 790 Ibidem, p. 155. 791 Ibidem, p. 155. 792 Ibidem, pp. 160 e 167. 793 Ibidem, p. 169. 794 Ibidem, p. 170 795 Ibidem, pp. 174 e 178. 796 Ibidem, pp. 184, 188, 189. 797 Ibidem, p. 193. 798 Ibidem, p. 194. 799 Ibidem, p. 196f. 800 Ibidem, pp. 199-200. 801 Ibidem, p. 201, passim. Theotônio Juzarte nota durante a sua viagem: “Há as onças e tigres e as grandes manadas de porcos-do-mato que são bravíssimos, e de muito longe se ouve o estrépito que fazem com os dentes, de tudo isto se tem grande cuidado durante a noite. Têm estes rios seus peixes em certas conjunturas, a saber: dourados grandes e outros peixes a que chamam pacus, porém não fertilizam os viandantes por serem poucos, e quem vai por semelhantes sertões não perde tempo sem necessidade. Tem também suas criações de patos por estes rios, muitas lontras, que juntas em bandos com meio-corpo fora da água querem investir as canoas bramindo com um garganteado, que causa riso, e se parecem como cachorros; porém atirando-lhes se somem mergulhando na água. Há muitos jacarés que pelos barrancos dos rios se estão aquentando ao sól, e alguns de extraordinária grandeza que atirando-se com bala não lhes faz dano algum pela fortaleza de suas conchas, e só atirando-se-lhes pelo papo, ou a arrepia-cabelo é que matam; têm estes bichos o almíscar nos grãos, que tirados fora e secos ao sol se não pode parar, com o cheiro; outros que são de outra natureza e têm no papo que é debaixo do focinho, ou na garganta. Há antas que costumam cair e mergulhar na água quando se vêem perseguidas de alguma canoa, ou tigre. Há outros muitos bichos como são capivaras, que são como um porco e vivem na água e em terra; há grandes tatus, e se encontram enterrados na areia de algumas praias quantidade de dúzias de ovos os quais se comem de outros bichos a que chamam javotins; há macacos pelas árvores com seus filhos atracados a si e assim pulam e descem aos ranchos depois de embarcada a gente e aproveitam-se de alguns fragmentos de comida”. JUZARTE, Theotônio. In SOUZA, Jonas Soares de & MAKINO, Miyoko (Orgs.), Diário de Navegação. pp. 25-26. 802 ROHOU, Jean. Le XVIIe siecle, une révolution de la condition humaine, p. 19-24 803 SILVA, Alexandre Elias. Relação ou notícia particular da infeliz viajem da nau de sua Magestade fidelissima Nossa Senhora da Ajuda e S. Pedro de Alcantara do Rio de Janeiro para a cidade de Lisboa”, p. 1-2. 804 Ibidem, p. 6. 805 Ibidem, p. 9. 806 Ibidem, p. 24. 807 Ibidem, pp. 25-26. 808 Ibidem, p. 38. 809 Ibidem, p. 40. 810 Ibidem, p. 48.

Page 415: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

415

811 Ibidem, p. 58. 812 Ibidem, p. 66. 813 MELLO-LEITÃO, C. de. História das expedições científicas no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. 814 ALMEIDA, Francisco José de Lacerda. Diários de Viagem de Francisco José de Lacerda e Almeida. Prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional/ Instituto Nacional do Livro, 1944. 815 Theotônio Juzarte no seu Diário de Navegação registra: “Amanhecendo este dia, estivemos em dúvida de seguir viagem porque, como toda a noite choveu, tudo se achava molhado, e os homens da mareação cansados e fracos de uma jornada tão trabalhosa, e ar turvo prometendo grande tempestade, contudo, como as águas estavam já mais quietas, nos dava cobiça não perdermos viagem, embarcamos, com algum receio, às oito horas e um quarto da manhã, navegamos passando por uma ilha a fomos costeando para a parte de leste, a chegarmos à barra do rio Paranapanema, que quer dizer em português mar falhado sobe ao nordeste, é muito largo, fundo, sua água boa; defronte à sua barra fica uma grande ilha que tem mais de uma légua de comprido e na boca de sua barra fica uma ilha pequena de areia, que faz dividir este rio em duas barras; subimos um bocado de rio acima para irmos procurar pouso para de noite, sentimos que pelo rio abaixo vinha um grande rumor fugindo a toda a pressa, e nos escondemos dentro nas embarcações por detrás da dita ilha de areia que fica na boca da barra deste rio, e aí esperávamos de ver qual era a causa de tão grande rumor; a poucos instantes, vimos que aquele grande rio vinha coberto de grossas árvores e grandes madeiras, que a tempestade de ontem havia arrancado, cujas árvores e paus se precipitavam com a correnteza de tal sorte que, embrulhando-se umas com outras, causava uma bulha que metia medo; aí estivemos vendo passar esta monstruosidade de madeiras mais de uma hora, e dando graças a Deus de termos escapado daquele perigo, porque se nos apanhasse dentro do rio, despedaçando-nos as embarcações, uma só pessoa não escaparia; passado isto, subimos o dito rio, e fomos a pouca distância saltar em terra para descansar a gente, comerem alguma coisa, tratar-se dos doentes; embicamos na margem deste rio da parte do norte; depois de des-cansarmos, seguimos nossa viagem e passamos por uma ilha encostada à margem oriental do Paraná, na qual encontramos um grande número de lontras com seus filhos, que com meio-corpo fora da água tão bravas nos investiam às embarcações fazendo uma gritaria, que pareciam gaitas; são estes bichos à semelhança de cachorros e, atirando-se-lhes alguns tiros, mergulham todas; porém, logo surgiam a perseguir-nos com a mesma cantiga; fomos continuando nossa viagem a procurar uma ilha grande e comprida, que víamos ao longe; chegamos a ela às quatro horas da tarde, navegando este dia por tempo de seis horas e um quarto; chegando a esta ilha ao ponto que embicávamos em terra nos apareceu um grandioso jacaré, que para se matar foi preciso levar seis tiros, de bala, saltamos em terra, e aqui pescamos alguns jaús, que são peixes grandes; aqui ficamos a noite do dia dezoito para o dia dezenove navegando este dia seis léguas”. JUZARTE, Theotônio. In SOUZA, Jonas Soares de & MAKINO, Miyoko (Orgs.), Diário de Navegação. pp. 63-64. 816 PRADO Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. pp. 31-32. 817 Trouxe consigo obras sobre plantas e animais escritas por Jean Baptiste Aublet, Margrave e Piso, Carl Lineu, Valerio, Antoine Baumé e Giovanni Antonio Scopoli, estudos nem sempre adequados à realidade amazônica. 818 CASTELLO, José Aderaldo. O Movimento Academicista no Brasil. v. 1, t. 5, p. 152. 819 Sobre Alexandre Rodrigues Ferreira ver o importante estudo de SIMON, William Joel. Scientific Expeditions in the Portuguese Overseas Territories (1783-1808), Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1983; DOMINGUES, Ângela Domingues. Viagens de exploração geográfica na Amazônia em fins do Século XVIII: política, ciência e aventura, p. 58-71. 820 Ver: AMOROSO, Marta Rosa, FARAGE, Nádia (orgs.). Relatos da fronteira amazônica: Alexandre Rodrigues Ferreira e Henrique João Wilckens. São Paulo: USP/NHII; FAPESP, 1994. 821 Ver: BOTELHO, J. J. T. O naturalista Manuel Galvão da Silva. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1927 e PINHEIRO, R.; LOPES, M. M. "João da Silva Feijó (1760-1824) no Ceará: um elo entre a ilustração brasileira e a construção local das ciências". In: Atas do 1o Congresso Luso-Brasileiro de História das Ciências e da Técnica. Évora/Aveiro: Universidades de Évora e Aveiro, 2000.

Page 416: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

416

822 Ver: CUNHA, Osvaldo da Silva. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Belém: MPEG, 1991. 823 FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosofica pelas capitanias do Grao Parã, Rio Negro, Maranhão, Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971. 824 FBN - MS 21, 1 044, no. 006 825 FBN - MS 21, 1 044, no. 006 826 FBN - MS 21, 1 044, no. 006 827 Ver também: DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto do máximo rio Amazonas, vol I, pp. 511-520. 828 FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil. vol. II, p. 18. 829 Ver P. E. Vanzolini, “A contribuição zoológica dos primeiros naturalistas viajantes no Brasil” In: Revista USP, Dossiê Brasil dos Viajantes, 30, 1996, p. 195. 830 ALMAÇA, Carlos. Introdução. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil. vol. I, p. 17. 831 Ibidem, vol. I, p. 18. 832 Sobre os textos conservados na Biblioteca Nacional e no Instituto histórico e Geográfico Brasileiro referentes a Alexandre Rodrigues Ferreira ver: ALMAÇA, Carlos. Introdução. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil. vol. I, pp. 14 -32. 833 FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil. vol. II, p. 15. 834 Ibidem, vol. II, p. 16. 835 Ibidem, vol. II, p. 17. 836 Ibidem, vol. II, p. 18. 837 Ibidem, vol. II, p. 20. 838 Ibidem, vol. II, p. 21. 839 Ibidem, vol. II, p. 23. 840 Ibidem, vol. II, p. 24. 841 Ibidem, vol. II, p. 31. 842 Ibidem, vol. II, pp. 32-50. 843 Ibidem, vol. II, pp. 51-52. 844 Ibidem, vol. II, p. 78. Sobre sistemas ver: DROUIN, Jean-Marc. L’Ecologie et son histoire, p.87-102. 845 Ibidem, vol. II, p. 79. 846 Ibidem, vol. II, pp. 79-80. 847 Ibidem, vol. II, p. 80. 848 Ibidem, vol. II, p. 81. 849 Ibidem, vol. II, p. 81. 850 Domingos Vandelli era o diretor. Ver: BRIGOLA, J.C. Viagem, ciência, administração - o complexo museológico da Ajuda (1768-1808). "Livro de resumos do 1o Congresso Luso-brasileiro de História das Ciências e da Técnica". Évora: Universidade de Évora, 2000. 851 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 852 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 853 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 854 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 855 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 856 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 857 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 858 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5.

Page 417: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

417

859 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 860 FBN - MS 04, 2, 021, NO. 5. 861 Era filho de José Veloso da Câmara e de Rita de Jesus Xavier, era primo de Joaquim José da Silva Xavier (1746 - 1792). 862 Frei Manoel do Cenáculo Villas Boas nasceu em Lisboa em 1º de março de 1724. Estudou Teologia na Universidade de Coimbra, onde se doutorou. Foi professor da universidade entre 1751 e 1755, ocupando depois o cargo de deputado da Mesa Censória (1768) e bispo de Beja em (1770). Teve uma atuação marcante durante o governo de D. José I, como educador e auxiliou no projeto de desenvolvimento da instrução pública. Com a morte do monarca, Frei Manoel do Cenáculo retornou para o bispado de Beja, realizando estudos e criando bibliotecas. Em 1802, foi nomeado pelo príncipe regente D. João, Arcebispo da Santa Igreja Metropolitana de Évora. Faleceu nesta cidade a 26 de janeiro de 1814. Frei Manuel do Cenáculo foi o presidente da Real Mesa Censória, atuando no sentido de minimizar a censura contra os heréticos, ao mesmo tempo em que intensificava a perseguição aos jesuítas e maçons. 863 Ver: FERRI, Mário Guimarães. “A botânica no Brasil”. In: AZEVEDO, Fernando de (org). As ciências no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, [s.d]. 864 Luís de Vasconcelos e Sousa (1742-1809) era o segundo filho dos primeiros marqueses de Castelo Melhor e parente do segundo marquês do Lavradio, seu antecessor no governo do Brasil. 865 A obra demorou a ser publicada devido às dificuldades de orçamento e técnicas, que envolviam a publicação das imagens. A obra foi publicada, no Brasil e em Paris, entre 1825 e 1827. Frei Mariano da Conceição Veloso havia falecido em 1811. 866 FERNANDES, A. "História da botânica em Portugal até fins do séc. XIX". In: História e desenvolvimento da ciência em Portugal. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1987, v. 2. 867 PALÁDIO PORTUGUÊS ou Clarim de Palas que anuncia periodicamente os novos descobrimentos e melhoramentos n’agricultura, artes, manufaturas, commercio, & offerecido aos senhores deputados da Real Junta do Commercio de Lisboa. Lisboa: Officina Patriarchal, 1796. v. 2. 868 PRESTES, Maria Elice Brzezinski. A investigação da natureza no Brasil colônia, p. 13. 869 MORAIS, F. de. “Estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra”. In: Anais da Biblioteca Nacional, v. 62, 1940, pp. 137-335. 870 Ver: SILVA, Clarete Paranhos da. O desvendar do grande livro da natureza: um estudo da obra do mineralogista José Vieira Couto, 1798-1805. São Paulo, Annablume/FAPESP/Editora da Unicamp, 2002. 871 Ver: JOBIM, Leopoldo Collor. “Os jardins botânicos e o fomentismo português no Brasil”. In: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica - Anais da III Reunião, São Paulo, 1984. 872 KOERNER, Lisbet. “Purposes of Linnaean travel: a preliminary research report “. In: MILLER, David Philip e REILL, Peter Hanns. Visions of Empire, voyages, botany, and representations of nature, p.125. 873 BARRETO, Domingos Alvares Branco Moniz. Indice militar de todas as leis, alvarás, cartas regias, decretos, resoluçoes, estatutos, e editaes promulgados desde o anno de 1752, ate o anno de 1810. Com as curiosas declarações da maior parte das ordens, cartas regias, e provisões, expedidas, particularmente para o Brasil, desde o anno de 1616, em diante. Rio de Janeiro, Na Impressão Régia, 1812. 874 FBN - MS 1-46, 17, 8. 875 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 1. 876 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 1v. 877 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 2. 878 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 2v. 879 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 3. 880 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 3v. 881 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 4.

Page 418: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

418

882 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 4v-5. 883 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 5v. 884 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 6v. 885 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 7 e 7v. 886 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 8 e 8v. 887 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 9v. 888 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 10 e 10v. 889 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 11. 890 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 12v. 891 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 13. 892 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 13v e 14. 893 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 14v. 894 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 16. 895 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 17. 896 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 17v. 897 Segundo o registro: “Pisando umas poucas de folhas de mangue branco, se mistura em água e se põem... ou algodao d e infusão neste mordente por doze horas, e depois tirando-se para fora, se junta a peça de... umida, e pondo a enxugar no vento, se lava depois em água simples e tornando segunda vez par.. horas para a infusão do mordente, se lhe da nova camada da mesma lama e depois de secar lava-se enxuga-se para servir.” FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 18. 898 Sitio que ficava uma légua distante da cidade. 899 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 19. 900 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 20. 901 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 20v – 21. 902 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 21v. 903 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 22. 904 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 24. 905 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 24v. 906 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 25v. 907 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 27. 908 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 28. 909 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 29. 910 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 30. 911 FBN - MS 1-46, 17, 8, pp. 31 e 31v. 912 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 34. 913 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 34v-35. 914 FBN - MS 1-46, 17, 8, p. 36. 915 Conforme observa Iris Kantor: “Em Portugal, desde as reformas da Universidade de Coimbra (1772), introduzia-se a cadeira de História Eclesiástica, e o ensino das disciplinas de História da Igreja Universal e Portuguesa e do Direito Canônico comum e pátrio.29 Tais disciplinas tiveram, sobretudo, caráter propedêutico, ancilar aos cursos de Direito pátrio e canônico, Medicina e demais disciplinas de filosofia natural.3o Segundo o Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1772), os laços entre a História e o Direito eram tão estreitos como a relação entre o corpo e a alma.31 De toda a maneira, durante o século XVIII, a História, como disciplina autônoma e independente, ainda não estava institucionalizada nem em Portugal, nem nas principais universidades européias.32 O baixo grau de institucionalização universitária durante os Setecentos contrasta com a progressiva

Page 419: A natureza brasílica, entre a visão emblemática e a revolução científica

419

profissionalização desenvolvida no âmbito das academias de Belas-Letras e Ciências”. KANTOR, Iris. Esquecidos e Renascidos – historiografia Acadêmica Luso-Americana (1724-1759), p. 29. 916 GOELID, Emílio A. Ensaio sobre o Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira. Belém: Alfredo Silva & Cia, 1895, p. 88.