A NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMIDADE PARA AGIR · 2020-05-29 · A NATUREZA JURÍDICA DA...

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José Arthur de Sousa Rodrigues Alves A NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMIDADE PARA AGIR Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Processual Civil sob orientação da Professora Doutora Maria José Oliveira Capelo Pinto de Resende. Julho/2018

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José Arthur de Sousa Rodrigues Alves

A NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMIDADE

PARA AGIR

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo

de Estudos em Direito (conducente ao grau de mestre), na Área de Especialização em Ciências

Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Processual Civil sob orientação da Professora Doutora

Maria José Oliveira Capelo Pinto de Resende.

Julho/2018

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JOSÉ ARTHUR DE SOUSA RODRIGUES ALVES

A NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMIDADE PARA AGIR

THE LEGAL NATURE OF LEGITIMACY TO ACT

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de

Estudos em Direito (conducente ao grau de mestre),

na Área de Especialização em Ciências Jurídico-

Civilísticas/Menção em Direito Processual Civil.

Orientadora: Professora Doutora Maria José Oliveira Capelo Pinto de Resende

COIMBRA

2018

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tornar tudo isto possível e por sempre guiar minha vida e meus

pensamentos no melhor caminho.

Aos meus pais Abel Rodrigues Alves e Bernadete Batalha de Sousa Rodrigues

Alves, primeiramente, pelos bons princípios e valores ensinados e por esta oportunidade

imensurável, não apenas de estudo, mas também de experiência de vida,

autoconhecimento, superação e também cultural.

Aos meus queridos irmãos Natália de Sousa Rodrigues Alves e Wladimir de

Sousa Rodrigues Alves, pelo apoio, o diálogo, os conselhos e o companheirismo de

sempre.

Ao meu anjo Priscila Ferreira de Lima, pelo apoio incondicional nesta jornada, o

incentivo nos momentos difíceis, pela compreensão da minha ausência, pelas

preocupações, pelas discussões jurídicas, que, sem dúvida, enriqueceram este trabalho, e

também por todo o amor e carinho.

Aos colegas que me apoiaram e contribuíram positivamente, com pensamentos e

ações, para este Mestrado.

A todos aqueles que me disseram “não” ou me reprovaram de alguma forma, pois

na adversidade me tornei mais forte e pude perseguir meus objetivos com mais afinco.

Agradeço aos professores pelos valiosos ensinamentos acadêmicos, que, sem

dúvida, me incentivaram a buscar mais e mais conhecimento.

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RESUMO

A legitimidade para agir, também chamada legitimatio ad causam, é uma

qualidade jurídica essencial para que o autor e o réu possam figurar nos polos ativo e

passivo do processo. A propositura de uma ação por ou contra uma parte ilegítima tem

como consequência a extinção anormal do processo, ou seja, sem resolução do mérito. No

entanto, parte da doutrina defende que esse elemento é uma condição para a própria

existência do direito de ação. Ao longo da história várias teorias tentaram fornecer o

conceito mais adequado para o que seria o direito de ação, até chegarmos a uma concepção

mais moderna, que vê a ação como um direito abstrato, amplo e incondicionado. Primeiro,

o direito de ação era visto como o próprio direito material em movimento, reagindo a uma

agressão ou ameaça de agressão, dirigido contra o adversário litigante, e não contra o

Estado. Após intensas discussões, a doutrina concebeu a ação como um direito autônomo

em relação ao direito material. Posteriormente, a doutrina dedicou-se a analisar se a ação

seria um direito concreto ou um direito abstrato. No entanto, Liebman, através de sua

teoria eclética, defendia que o direito de ação não é nem absolutamente concreto, nem

abstrato. Haveria, portanto, um meio termo entre essas duas correntes. Contudo, para o

exercício do direito de ação seria necessário o preenchimento de alguns requisitos, as

chamadas condições da ação (interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido e a

legitimidade). Essa teoria, assim como as demais mencionadas, nunca esteve imune às

críticas doutrinárias. A maioria dos embates entre os juristas acerca das condições da ação

estavam relacionados à dificuldade de se delimitar o que é mérito e o que é condição da

ação, e também negavam a tese de que a ausência desses requisitos significaria a

inexistência da ação. No presente trabalho, abordaremos essas condições da ação, com

especial atenção ao estudo da legitimidade para agir ou legitimidade ad causam.

Trataremos da definição, natureza jurídica e a classificação deste instituto, com base em

critérios estabelecidos em doutrinas específicas e também falaremos da substituição

processual, uma espécie de legitimidade extraordinária, cuja incidência no direito

brasileiro e em grande parte do estrangeiro carece de previsão legal.

Palavras-chave: Direito de Ação. Condições da Ação. Legitimidade Ad causam. Natureza

Jurídica. Substituição Processual. Legitimidade Extraordinária.

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ABSTRACT

The legitimacy to act, also called legitimatio ad causam, is an essential legal

quality so that the author and the defendant can appear at the active and passive poles of

the process. The filing of an action by or against an illegitimate party results in an

abnormal termination of the proceedings, that is, without resolution of the merits.

However, part of the doctrine argues that this element is a condition for the very existence

of the right of action. Throughout history several theories have attempted to provide the

most appropriate concept for what would be the right action until we arrive at a more

modern conception, which views action as an abstract, broad and unconditioned right.

First, the right to action was seen as the very material right in motion, reacting to an

aggression or threat of aggression directed against the disputing adversary, not against the

State. After intense discussions, the doctrine conceived the action as an autonomous right

in relation to material law. Subsequently, the doctrine was dedicated to analyze if the

action would be a concrete right or an abstract right. However, Liebman, through his

eclectic theory, argued that the right of action is neither absolutely concrete nor abstract.

There would therefore be a middle ground between these two currents. However, for the

exercise of the right of action it would be necessary to fulfill certain requirements, the so-

called conditions of action (interest to act, legal possibility of the request and legitimacy).

This theory, like the others mentioned, was never immune to doctrinal criticism. Most of

the clashes between jurists about the conditions of action were related to the difficulty of

delimiting what is merit and what is a condition of action, and also denied the thesis that

the absence of these requirements would mean the inexistence of action. In the present

work, we will address these conditions of action, with special attention to the study of

legitimacy to act or legitimacy ad causam. We will deal with the definition, legal nature

and classification of this institute, based on criteria established in specific doctrines and

also speak of procedural substitution, a kind of extraordinary legitimacy, whose incidence

in Brazilian law and in much of the foreigner lacks legal provision.

Keywords: Right of Action. Conditions of Action. Legitimacy Ad causam. Legal Nature.

Process Substitution. Extraordinary Legitimacy.

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7

2. DIREITO DE AÇÃO E CONDIÇÕES DA AÇÃO ........................................................ 10

2.1. Natureza jurídica e teorias da ação ........................................................................... 10

2.1.1. Teoria civilista ou imanentista da ação .............................................................. 11

2.1.2. A polêmica entre Windscheid e Muther: a autonomia da ação ......................... 13

2.1.3. Teoria concreta da ação ..................................................................................... 14

2.1.4. Teoria abstrata da ação ...................................................................................... 16

2.1.5. Teoria eclética da ação (Liebman) ..................................................................... 18

2.1.6. Teoria da asserção .............................................................................................. 25

2.2. Ótica constitucional do direito de ação ..................................................................... 28

2.3. As condições da ação ................................................................................................ 31

2.3.1. Possibilidade jurídica do pedido ........................................................................ 36

2.3.2. Interesse de agir ................................................................................................. 39

2.3.3. A relação entre o interesse de agir e a legitimidade ad causam ......................... 45

2.4. Os pressupostos processuais ..................................................................................... 47

3. LEGITIMIDADE PARA AGIR NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL ........................ 53

3.1. A diferença entre legitimidade ad causam e legitimidade processual ...................... 56

3.2. Natureza jurídica da legitimidade ad causam ........................................................... 58

3.2.1. Legitimidade para agir como condição da ação ................................................. 59

3.2.2. Legitimidade para agir como pressuposto processual ....................................... 63

3.2.3. Legitimidade para agir como questão de mérito ................................................ 70

3.3. A situação legitimante .............................................................................................. 77

3.4. A prevenção do vício da ilegitimidade passiva ad causam ....................................... 79

4. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL .................................................................................. 84

4.1. Situação legitimante na substituição processual ....................................................... 88

4.2. Substituição processual voluntária ............................................................................ 89

CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 93

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 96

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1. INTRODUÇÃO

Na vida em sociedade, vemos que as hipóteses de respeito pelos direitos alheios

são mais comuns do que as situações de violação dos direitos uns dos outros. O Direito

Civil, por exemplo, afirma que se uma pessoa possui uma propriedade ou é credora de uma

dívida, sua propriedade será respeitada e seu crédito será satisfeito.

É de justiça elementar que toda a relação da vida social, onde quer que tal se faça

necessário, seja pautada de acordo com os preceitos da lei. O direito é, portanto, antes um

estado normal das coisas, do que um meio à pacificação social. No entanto, pode acontecer

que os direitos de alguém, como, por exemplo, o de propriedade ou o de recebimento de

um crédito, sejam violados. Nestes casos, não estaremos mais no estado normal das coisas,

previsto pelo direito.

Como regra geral, o proprietário e o credor não podem resolver o conflito com o

uso de sua própria força, independentemente de o direito ser manifesto, pois constituirá o

crime de exercício arbitrário das próprias razões (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 - Código Penal brasileiro, art. 345). A fim de afastar a violação de seus direitos,

esses sujeitos devem recorrer ao Estado, que é o detentor do monopólio jurisdicional e que

irá aplicar a norma em vigor, que já incidiu no momento da violação daqueles direitos.

A ação é o meio de se provocar a tutela jurisdicional do Estado, que será exercido

mediante o processo. Ao longo do tempo, algumas teorias procuraram explicar o conceito

de ação, que foi considerada desde um direito puramente material e privado a um

mecanismo de garantia de acesso ao judiciário. Esse instituto (ação) adquiriu relevância

histórica e hoje está disciplinado de forma sistematizada na Constituição.

Portanto, da violação de regras sociais, nasce para um indivíduo o direito

subjetivo de acionar o Estado, para compor certos conflitos de interesses, que, por sua vez,

irá prestar (conferir) a tutela jurisdicional.

No entanto, o direito de ação não é exercido apenas por aqueles que buscam a

tutela jurisdicional, mas também por aqueles que são chamados a respondê-la, porque

contrariando a pretensão do primeiro, exige uma disposição contrária à alegada no pedido

inicial, a postular a inexistência do direito invocado pelo sujeito ativo. A partir dessa

afirmação, surge uma característica importante do conceito de ação, que é a bilateralidade.

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Em virtude da contraposição dos interesses em disputa, a bilateralidade da ação

desenvolve-se em contradição. Ação e contradição, integradas em virtude dessa

bilateralidade, estão vinculadas à titularidade de um direito substantivo, resultante de um

conflito, que, em princípio, necessita dessa titularidade substancial para que a ação seja

ajuizada.

Nesse sentido, para que as pessoas possam submeter um conflito à apreciação

jurisdicional, a lei processual civil exige que alguns requisitos sejam cumpridos para tal

desiderato.

A legitimidade para agir ou legitimidade ad causam é o requisito essencial para

figurar nos polos ativo e passivo de um processo, sendo na relação de direito material que

se busca quem são os sujeitos titulares dos interesses conflitantes que devem compor a

relação jurídica processual e que, de regra, são os titulares dos efeitos da norma

legitimadora.

Nesse sentido, a legitimidade diz respeito à titularidade ativa e passiva da ação.

Normalmente, uma pessoa não poderá ingressar com uma ação de cobrança se o crédito

não for seu, mas sim de um terceiro, porque, como regra, ninguém pode pleitear os direitos

alheios em seu nome próprio. A legitimidade para agir, portanto, diz respeito aos sujeitos

da lide, ou seja, os titulares de interesses conflitantes. A legitimidade ativa cabe ao titular

da pretensão afirmada na ação e a passiva ao titular do interesse que se opõe a ação.

A constatação da ilegitimidade de parte tem como consequência a extinção do

processo sem resolução do mérito, podendo ser reconhecida em qualquer tempo e grau de

jurisdição, autorizado o seu pronunciamento de ofício, cujo vício sobrevive, inclusive, à

coisa julgada material.

Por outro lado, não há um critério único para alcançar a legitimidade ad causam e

deve ser sempre considerada no caso concreto, no qual o sujeito é confrontado, perante a

lide e o direito positivo, por isso a importância do seu estudo.

Como ponto de partida deste trabalho, faremos uma breve apresentação das

teorias sobre a natureza jurídica da ação e suas controvérsias, desde a teoria civilista até a

concepção mais moderna, em que é vista como verdadeira garantia constitucional.

Posteriormente, abordaremos as condições gerais da ação - o interesse de agir, a

possibilidade jurídica do pedido e a legitimidade - colocando em discussão a natureza

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jurídica dessas condições (se questões preliminares ou de mérito) e a consequência de sua

ausência no processo.

O Código de Processo Civil brasileiro de 2015 eliminou o termo "condições da

ação", mas seus elementos - interesse de agir e a legitimidade - permaneceram. Portanto,

para fins de delimitação do presente estudo, as discussões e críticas sobre a natureza

jurídica e as consequências da ausência são direcionadas às antigas condições da ação.

Finalmente, e como tema principal deste estudo, abordaremos a definição e

classificação da legitimidade para agir, mais especificamente a ordinária, com base em

critérios indicados em doutrinas específicas, com especial atenção ao estudo de sua

natureza jurídica, e falaremos também da substituição processual, uma espécie de

legitimidade extraordinária, que carece de previsão legal para a sua ocorrência, conforme

se verifica da análise do diploma processual civil brasileiro e de outros ordenamentos

jurídicos estrangeiros.

Assim, o instituto da legitimidade para agir é o tema deste estudo, pois há

inúmeras questões científicas tanto na legislação pátria quanto na estrangeira, e que

despertam o interesse em respostas mais conclusivas sobre o assunto.

A metodologia utilizada foi o estudo analítico, apoiado em referências teóricas

obtidas da revisão de literatura nacional e estrangeira que permitiram, ao final fossem

obtidas algumas conclusões.

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2. DIREITO DE AÇÃO E CONDIÇÕES DA AÇÃO

Antes de analisarmos a legitimidade para agir, nos deparamos com o estudo de

alguns outros conceitos que devem metodologicamente preceder essa análise. De fato, para

problematizar o instituto da legitimidade para agir, é necessário examinar uma série de

outras questões que requerem um exame preliminar.

2.1. Natureza jurídica e teorias da ação

Parece crucial tomar uma posição sobre a natureza jurídica do direito de ação,

pois a adoção de uma ou outra concepção sobre o assunto corresponderá a um modo

diferente de lidar com o instituto da legitimidade para agir.

Tendo em vista o tema que propomos no presente trabalho, julgamos necessário

fazer uma breve exposição dos fatos relacionados à natureza do direito de ação, sem

dúvida ligado à legitimidade para agir.

Decerto, é possível identificar, no berço do Processo Civil, a controvérsia em

torno da ação, cujo caráter polêmico levou a intensas discussões culminando na autonomia

da relação processual com aquela material.1

A ação é um direito constitucional decorrente do acesso à própria Jurisdição.

Quando falamos sobre o direito de ação, nós automaticamente falamos sobre o direito da

parte de movimentar o Judiciário, para buscar uma resposta para o seu problema. Portanto,

quando o texto constitucional brasileiro, por exemplo, afirma que “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Constituição Federal brasileira

de 1988, art. 5, inc. XXXV), conclui-se de imediato que a parte tem o direito de levar seu

conflito à justiça.

1 Para melhor desenvolvimento do tema da autonomia do direito de ação frente ao direito subjetivo

substancial remetemos o leitor para a interessante obra de: VARELA, Antunes. O direito de acção e a

sua natureza jurídica, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra Editora, Ano 125.º, Abril

de 1993, N.º 3824, pp. 358-361

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Este direito de ação, ao longo do tempo, passou por vários estudos e formas de

compreensão, até o conceito mais apropriado para o cenário democrático, que conhecemos

hoje.

Por outro lado, o desenvolvimento do direito processual e das teorias que tentam

explicar o direito de ação estão intimamente ligados aos períodos de sua elaboração e

caracterizam verdadeiras manifestações científicas do pensamento de sua época.

2.1.1. Teoria civilista ou imanentista da ação

Em 1850, o jurista alemão Friedrich Carl von Savigny começou a estudar o direito

de ação e então elaborou a chamada teoria civilista2 da ação. Este autor considera a ação

(Klagerecht) como um direito privado. Até então, o processo não era tratado no âmbito do

direito público e, portanto, o direito de ação era considerado um direito apenas privado.

Para Savigny, o direito de ação está inteiramente relacionado com o direito

material, ou seja, não haveria direito de ação sem um direito material correspondente.

Além disso, seria possível buscar o poder judicial para a solução de um conflito apenas se

este resultasse de uma violação de uma regra de direito material prevista em lei3. Se não

houvesse direito material, não haveria nem mesmo o direito de ação.

Com essa ideia, Savigny cria um grave problema na abordagem da ação no direito

privado, pois impede discussões sobre novas questões não positivadas, como ocorreu no

direito brasileiro, em meados de 2011, no casamento ou na união estável de homossexuais.

Se não houver legislação que garanta o direito substantivo ao casamento, não será possível

2 Arruda Alvim ensina que a teoria civilista ou imanentista da ação é a posição clássica da teoria da ação.

Esteve em vigor ao longo do século XIX, e sua existência está ligada ao estágio de desenvolvimento do

processo, no qual este foi um simples capítulo do direito privado ou, mais especificamente, do direito

civil. Manteve a existência de diretrizes claramente privatistas. Essa teoria foi superada pela autonomia

do Direito Processual Civil, que começou no final do século XIX, a qual veio dar aparência aos

institutos do processo e, assim, uma nova configuração e perfil à ação (ALVIM, Arruda. Manual de

Direito Processual Civil – Vol. I, parte geral. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1979, pág. 212). 3 Para explicar a natureza jurídica da ação, a posição clássica dos autores era que a ação era o próprio

direito material depois de ter sido violado. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual

Civil – vol. 01. 9ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 134.). Em virtude deste pensamento, a

ação seria uma qualidade de todo direito ou o próprio direito reagindo a uma violação. (CINTRA,

Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

Geral do Processo. 26ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, pág. 272).

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propor uma ação para esse fim. A partir desse exemplo, fica claro que a teoria de Savigny é

defeituosa porque não trata das possibilidades que excedem da lei, ou seja, se não houvesse

direito material, nenhum direito de ação haveria, porque imanente ao direito material.

De fato, o direito de ação pode ser usado para reconhecer um direito material que

ainda não foi positivado. O direito de ação servirá para reconhecer um direito substantivo,

seja previsto por lei ou não. Portanto, o direito material nem sempre será prévio ao direito

de ação, ao contrário, muitas vezes, será posterior ao direito de ação, e exigir que o direito

material preceda ao direito de ação limita a possibilidade de a parte buscar o Poder

Judiciário e, consequentemente, limita o exercício do seu direito de ação.

Por outro lado, essa ideia de inseparabilidade do direito material com a ação não

explicava um fenômeno comum na prática judicial, que era o da ação declarada

improcedente. Alguém propõe uma ação contra outra e, na sentença, verifica-se que o

autor não tinha razão. Neste caso, vemos claramente o exercício da ação sem direito

garantido, ou mesmo a ausência de ação. Assim, ao exercer o direito de ação, nem sempre

o direito material que uma pessoa alega ter será reconhecido.

É necessário para constituir a figura do direito material, se for contestada e sujeita

à apreciação judicial, outra condição, ou seja, que o direito buscado seja reconhecido, por

meio da procedência da ação. E é nesse ponto que surge o problema, porque só é possível

dizer quem tem e quem não tem razão ao final do processo.4

Verifica-se também que essa teoria não explica a hipótese de uma ação

declaratória negativa, cujo propósito é a própria inexistência de uma relação jurídica de

direito material.

Os seguidores da teoria civilista do direito de ação, ao observar o artigo 75 do

Código Civil Brasileiro de 1916, concluem com a simetria dos termos "ação" e "direito",

verbis: “a todo direito corresponde uma ação que o assegura”. Hoje sabemos que essa

correspondência não é exata, porque existem ações onde não haverá direito, mas uma

simples afirmação do direito. A decisão final pode justamente reconhecer a inexistência do

direito, o que é frequentemente o caso5.

Em síntese, as características essenciais e marcantes desta teoria são as seguintes:

(1) a ação é inseparável do direito material (substancial), que por seu intermédio se

4 ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, ob. e loc. cit. 5 ROCHA, Luciano Velasque. Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir. Rio de Janeiro,

Ed. Forense, 2007, p. 71.

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presente fazer valer; 2) os requisitos do direito de ação são determinados pelo direito

material.

2.1.2. A polêmica entre Windscheid e Muther: a autonomia da ação

Em uma tentativa de resolver o problema apresentado por Savigny, para definir o

que é ação, entre os anos de 1856 e 1857 na Alemanha, dois juristas alemães, Bernhard

Windscheid e Theodor Muther, estabeleceram uma discussão bastante profunda sobre o

que seria a ação. A controvérsia era bem conhecida, por meio da qual os autores tentaram

definir o que seria a ação e, ao contrário de Savigny, que não vislumbrava qualquer

separação entre a ação e o direito material, a pesquisa de Windscheid e Muther veio

romper com essa perspectiva, ao tratar a pretensão de direito material e a ação de forma

diferente, sendo esta o direito à tutela do Estado.

Ao diferenciar a ação da pretensão de direito material6, esses autores criam a

teoria autônoma da ação e determinam que a ação não depende do direito material. Neste

ponto, chegamos a uma posição de aceitação de um conceito que já é compatível com as

diretrizes atuais. Entende-se que a ação está desvinculada do direito material. É um direito

público e subjetivo da parte buscar o Poder Judiciário, distinto do direito material, cuja

tutela é invocada, mas que possui como pressupostos necessários esse direito e sua

violação7.

Também na Alemanha, em 1868, Oskar Von Bülow, aproveitando as ideias de

Windscheid e Müther, iniciou as primeiras discussões sobre o desenvolvimento da ciência

do direito processual. Em seu trabalho chamado Teoria das exceções dilatórias e

pressupostos processuais, Bülow tentou demonstrar que a separação das relações jurídicas

de direito processual e material é tão clara que não apenas o processo romano, mas

6 Windscheid concluiu que a pretensão é o equivalente moderno da actio, delineando-a como uma

situação jurídica substancial, distinta tanto do direito de se queixar quanto do próprio direito subjetivo,

do qual é uma emanação que funda a possibilidade de o autor exigir a realização judicial do seu direito.

(MARINONI, Luís Guilherme. Teoria geral do processo. 7ª ed., rev., atualizada e ampliada. São Paulo

: Editora Revista dos Tribunais, vol. 1, 2013, p. 171). 7 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil : adaptadas ao novo código

de processo civil. 1º Vol., 9ª ed. – São Paulo : Saraiva, 1981, pág. 150.

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também as legislações mais avançadas instituíram formas autônomas e distintas de analisar

a existência de uma relação processual e o julgamento do direito material. 8

Com esse argumento, Bülow quis evidenciar não apenas a existência de uma

relação jurídica processual independente da material, mas também deixar claro que a

relação material só pode ser julgada após a verificação da existência dos pressupostos

processuais, ou seja, a estrutura da relação processual. 9

Destaca-se que, para Bülow, os pressupostos processuais são elementos

constitutivos da relação processual. Para esse autor, apenas existe relação jurídica

processual ou processo se seus pressupostos estiverem presentes, de modo que, na ausência

desses requisitos, não seria possível ter uma fase processual ou um processo destinado a

analisar o mérito, porque, nesse caso, o processo não teria sequer se constituído.10

Bülow citou como exemplo a ação com pedido declaratória negativo, que, se

julgada procedente, reconhecia a ausência de relação jurídica de direito substantivo e a

existência da relação jurídica de direito processual era inegável. 11

Portanto, com esse autor, foi inaugurada a fase do “procedimentalismo científico”,

e o estudo do direito processual é certamente autônomo para o estudo do direito

substantivo. Neste momento, a autonomia torna-se uma característica do direito processual.

2.1.3. Teoria concreta da ação

Anos depois, em 1885, Adolpho Wach, também se dedicou a estudar o direito de

ação, e voltou à disputa entre Windscheid e Muther. Segundo Wach, a ação é um direito

autônomo, baseado em direitos subjetivos materiais ou interesse, dirigido contra o Estado e

contra o adversário, visando à tutela jurisdicional, no entanto, a tutela jurisdicional deve

conter-se em uma decisão favorável. 12 Portanto, no processo, somente há o direito de ação

quando há uma sentença favorável. É a chamada teoria concreta da ação, que considera a

8 MARINONI, Teoria geral do processo, ob. cit., p. 479. 9 MARINONI, Teoria geral do processo, ob. e loc. cit. 10 MARINONI, Teoria geral do processo, ob. e loc. cit. 11 CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria Geral do Processo, ob. cit., p. 136. 12 SANTOS, Primeiras linhas de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 151.

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ação como um direito concreto, um direito público e subjetivo em relação ao Estado,

obrigado a fornecer a tutela jurisdicional, mas um direito concreto.

Os proponentes da teoria concreta do direito de ação pensam assim: ter direito de

ação significa ter direito a um benefício (uma pessoa que foi condenada à morte não tem

direito de ser executada) e, portanto, admitem que não há ação em uma hipótese de decisão

desfavorável, pois reconheceria o direito à um malefício. 13

Da disputa entre Windscheid e Muther, a ação é retirada do campo do direito

privado e começa a ser tratada no âmbito do direito público, mas o que antes era abstrato,

independentemente do resultado final do processo, agora se torna concreto. Então, para

Wach, só haverá o direito de ação diante uma decisão favorável.

Contudo, surge o problema do conceito de ação adotado por Wach. E o que

aconteceu antes da sentença? E quando a sentença é desfavorável? E quando o pedido

inicial do autor é rejeitado? Segundo a posição de Wach, neste caso, não haverá exercício

do direito de ação.

O exercício efetivo do direito de ação somente ocorrerá quando alguém buscar o

Poder Judiciário e, antes disso, apresentar a sua pretensão e, se resolvida favoravelmente, a

parte terá exercido seu direito de ação. Sem dúvida, esse pensamento é incompatível com a

noção de ação que prevalece hoje. Não é possível considerar que só existe ação no final do

processo, quando na realidade a ação representa o primeiro momento em que a parte

decide movimentar o Judiciário.

Para superar esse obstáculo, mas sem abandonar a ideia concretista, Chiovenda

concebeu a ação como um direito autônomo potestativo, que, em vez de ser o exercício de

um direito subjetivo contra o Estado, constitui, de fato, um poder para provocar a

Jurisdição em face do adversário, realizando a vontade concreta da lei. Para Chiovenda, a

ação seria o direito de obter uma vontade concreta da lei em face do réu, mas esse direito

só seria exercido se o direito substantivo fosse reconhecido. 14

É importante notar que é precisamente na fase concretista que emergem as

condições da ação, não o conceito que está sendo tratado hoje - uma condição para a

existência ou admissibilidade da ação - mas com a ideia de condicionantes para um

13 HENNING, Fernando Alberto Corrêa. Ação concreta - relendo Chiovenda e Wach. Ed. Sergio Antonio

Fabris, 2000, pp. 97-98. 14 MARINONI, Teoria geral do processo, ob. cit., p. 176.

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julgamento favorável. Se as condições da ação não fossem preenchidas, o direito material

não existiria e, portanto, haveria carência de ação, diga-se, improcedência da ação. 15

2.1.4. Teoria abstrata da ação

Em contraste com a teoria de Wach e outros autores que concebem a ação como o

direito de obter uma providencia jurisdicional favorável no sentido concreto, Heinrich

Degenkolb (Alemanha) e Alexander Plósz (Hungria), trouxeram uma nova resolução para

o problema. Esses autores passaram a tratar a ação como um direito subjetivo da parte, um

direito público incondicional e abstrato. De acordo com o pensamento desses autores, a

ação é o direito de movimentar o Judiciário, independente de uma sentença favorável ao

réu, ou seja, não importa o resultado do processo. O simples ato de movimentar o

Judiciário, exercendo o direito de disponibilidade da ação, de buscar a resolução de um

conflito, já será suficiente para o exercício do direito de ação. 16

Na mesma linha, ressaltamos o italiano Alfredo Rocco, para quem o direito de

ação 'é um direito público subjetivo do indivíduo contra o Estado, e só contra o Estado, que

tem por conteúdo substancial o interesse secundário e abstrato na intervenção do Estado

para a eliminação dos óbices que a incerteza ou a inobservância da norma aplicável ao caso

15 “Na atualidade, poucos defendem a teoria do direito concreto de ação. Mesmo assim, ainda é frequente

a menção, em doutrina, jurisprudência ou mesmo no próprio CPC (art. 76), à “procedência da ação”, o

que constitui flagrante erro de técnica. Afinal de contas, se o direito de ação não possui qualquer relação

com o direito material objeto da lide, como julgá-la procedente ou improcedente? O mais correto, pois,

é se falar em procedência ou não do pedido formulado na petição inicial”. DONIZETTI, Elpídio;

CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 121. 16 Nas palavras do próprio Degenkolb: “a capacidade para demandar nunca ou jamais é idêntica à

pretensão material, ao direito material. O direito de demandar, em seu sentido público, identifica a

relação daquele que procura a proteção jurídica junto ao Estado, detentor da jurisdição e do dever

judicial. Esse direito designa, em termos teóricos, a pretensão à proteção jurídica ou a pretensão à

justiça. Hoje, quando a palavra direito de demandar é utilizada – e com frequência –, essa não significa

que o direito de demandar deva ser reduzido à pretensão material, pois é pensada em relação ao direito

de demandar público”. (Degenkolb, Einlassungszwang und Urteilsnorm. Beiträge zur materiellen

Theorie der Klagen, insbesondereder Anerkennungsklagen. Leipzig: Druck und Verlag von Breitkopf

und Härtel, 1877, p. 14). Seguindo na mesma linha, Plósz imaginava a existência de dois direitos

distintos, um de natureza processual, de caráter público (“Klagerecht”) e baseado na boa-fé do autor, e

outro de natureza material, baseado em uma pretensão. (MARINONI, ob. cit., p. 173, em nota).

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concreto possam opor à realização dos interesses tutelados’17. Ou seja, a ação é o direito de

pedir ao Judiciário para tutelar o direito violado ou ameaçado de alguém.

Outro processualista de grande valor, Ugo Rocco, seguindo os passos e

concordando em grande medida com as mesmas considerações de Alfredo Rocco,

contribuiria grandemente para uma disseminação e aceitação mais ampla da teoria da ação

no sentido abstrato.

Com a teoria, baseada em Alfredo e Ugo Rocco, muitos dos processualistas mais

autorizados, talvez a maioria, concordam substancialmente. Alguns como o português José

Alberto dos Reis e o italiano Marco Túlio Zanzucchi.18 A variar em suas formulações,

também optou pela teoria abstratista o italiano Carnelutti; na América do Sul, Eduardo

Couture, José Frederico Marques, Calmon de Passos e Ada Pellegrini Grinover, entre

outros. 19

Ainda na teoria da ação no sentido abstrato, Emilio Betti elabora sua tese

combinando dois fenômenos jurídicos: ação e pretensão. Para este autor, há um elo de

coordenação entre a ação e a pretensão, ‘mas a ação não passa de um direito de natureza

especificamente processual, conferido pela lei processual em face de uma pretensão

somente afirmada’, e não importa que, ao final, seja considerada infundada20. Segundo

esse autor, a ação é um direito processual frente ao adversário, não contra ou em face do

Estado21.

Elio Fazzalari22 também faz parte da lista expressiva de autores que aceitam a

ação como um direito abstrato, para o qual, na discussão sobre a natureza do direito de

ação, está finalmente superado o contraste concretude-abstração.

Em qualquer caso, a existência de ações declaratórias negativas, cujo propósito é

precisamente declarar a ausência de relação jurídica material parece ter sido o verdadeiro

golpe na teoria da ação como um direito concreto. 23

17 SANTOS, Primeiras linhas de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 154. 18 SANTOS, Primeiras linhas de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 155. 19 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II, 6ª ed., revista e

atualizada. Ed. Malheiros, 2009, p. 330. 20 SANTOS, Primeiras linhas de Direito Processual Civil, ob. e loc. cit., apud BETTI, Emilio. Ragione e

azione. Rivista di Diritto Processuale Civile, v. 9, n. 1, 1932, p. 219. 21 SANTOS, Primeiras linhas de Direito Processual Civil, ob. e loc. cit. 22 FAZZALARI, Elio. La dottrina processualistica italiana: dall''azione' al 'processo' (1864-1994), p.

920. 23 Cf. ALVIM, Arruda. Tratado de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, v. I, n. 4.7.6, 1990,

p. 375.

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Portanto, os proponentes desta tese argumentam que a ação é o direito

incondicional de buscar a resolução de um conflito ou a administração de interesses

privados, por meio de atividade jurisdicional. Desta forma, deve-se concluir que tanto a

teoria concreta quanto a teoria civilista da ação estão equivocadas. A parte não depende do

resultado de um julgamento, nem da existência prévia de um direito material.

O direito de provocar a Jurisdição é incondicionado. Esta é a posição que

adotaremos para os propósitos das conclusões deste trabalho, a saber, que o direito de ação

é o direito abstrato de provocar a Jurisdição, independentemente da existência de um

direito material. Por outro lado, não é verdade que a autonomia do direito processual

implica a ausência de ligações com o direito material, sob pena de a autonomia do direito

processual torna-se indiferente ao direito material, o que seria impensável.24

2.1.5. Teoria eclética da ação (Liebman)

Apesar da clareza da teoria desenvolvida por Degenkolb e Plósz e aceito por um

grande número de autores, Enrico Tullio Liebman, um jurista italiano nascido na Ucrânia,

em 1940, esteve no Brasil e, com a sua teoria sobre a natureza jurídica do direito de ação,

influenciou a elaboração do Código de Processo Civil de 1973. Isso porque um de seus

discípulos brasileiros, Alfredo Buzaid, foi responsável pela elaboração do projeto do

Código de Processo Civil de 1973, inspirado nas ideias do professor italiano.

Liebman concorda que a ação é pública, subjetiva e abstrata, mas o direito de

mover o Judiciário é condicionado. Ele criou requisitos para o exercício da ação, chamados

de condições da ação, que foram estabelecidos em sua teoria eclética da ação.

Na visão de hoje do processo civil, não há dúvida de que a ação é pública, porque

é dirigida contra o Estado-juiz, que é responsável por responder aos pedidos apresentados a

ele, e também é abstrata, ou seja, a parte não precisa provar a existência de um direito

material para mover o Judiciário e não necessita ter razão para propor uma ação.

24 Neste sentido se pronuncia Antunes Varela: (...) “o direito de acçao é uma realidade essencialmente

distinta do direito subjectivo (substantivo) e relativamente independente dele” (...). (VARELA, O

direito de acção e a sua natureza jurídica, ob. cit., p. 331).

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Liebman formulou sua tese em um momento de discussões acaloradas sobre a

natureza jurídica da ação. Sua teoria, no entanto, foi caracterizada por uma proposta

conciliatória, tentando conciliar noções das teorias concreta e abstrata da ação. Em seus

estudos, ele propõe conciliar a natureza pública do processo com a natureza privada do

direito de ação.

Em particular, essa concepção privada do direito de ação, isto é, aquela que vê a

ação como o direito do autor de sujeitar a sua vontade à do réu, é parte da teoria da ação

como direito potestativo desenvolvida por Giuseppe Chiovenda25, que Liebman teve como

mestre.

Liebman chegou a essa proposta conciliatória por meio de sua teoria eclética. A

palavra "eclético", tomada no seu sentido mais restrito, significa algo composto de

elementos diferentes. E é exatamente isso que o autor fez, ele juntou ideias da teoria

abstrata com a teoria concreta da ação, unindo a natureza pública do processo com a

natureza privada do direito de ação.

Liebman elaborou o conceito de ação baseado em duas categorias ou níveis de

ação diferentes: a primeira, tratou de ação constitucional ou direito de petição, referindo-se

ao amplo, completamente abstrato e incondicional direito de ação previsto pela

Constituição Federal e garantido a todos; a segunda, denominada ação processual, está

vinculada à situação jurídica de direito material promovida pelo autor.26

Além disso, a ação processual está condicionada a certos requisitos, que são as

chamadas condições da ação. Esses elementos são o aspecto concreto da ação processual,

que estão vinculados à situação jurídica substancial. 27

25 Segundo CHIOVENDA, “a ação é o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da

lei (…), a ação é um poder que nos assiste em face do adversário em relação a que se produz o efeito

jurídico de atuação da lei. O adversário não é obrigado à coisa nenhuma diante desse poder,

simplesmente lhe é sujeito" (...). CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 1969, v. III, p. 246-247. 26 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile : principi. (Ristampa parziale della IV

edizione con emendamenti a cura di Edoardo F. Ricci e Wolfgango Ruosi). Milano : Giuffrè, 5. ed.

1992, p. 141: (...) “il potere di agire in giudizio è riconosciuto a tutti e abbiamo anche visto la ragione

di questa illimitata apertura: una garanzia costituzionalmente sancita, che è il riflesso ex parte subiecti

dell'istituzione dei tribunali da parte dello Stato; essi hanno il compito di rendere giustizia a chi la

domandi e perciò una delle regole fondamentali del nostro ordinamento costituzionale assicura a tutti

la possibilità di rivolgere loro analoga richiesta con l'effetto che il giudice prenda in esame il suo caso.

Secondo un'opinione molto diffusa, questo potere appartiene alla categoria dei dititti civici; esso è del

tutto generico ed indeterminato, inesauribile ed inconsumabile, e non è legato ad una fattispecie

concreta. Altra cosa è l’azione, il diritto soggettivo su cui è costruito tutto il sistema del processo” (...). 27 Nesse sentido, Vicente Greco Filho entende que o direito de pleitear a correção da lesão de direito é

constitucionalmente garantido, condicionado, em cada caso concreto, à legitimidade, interesse e

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Segundo o autor italiano, a ação não compete a qualquer um e não tem conteúdo

genérico. Pelo contrário, refere-se a um caso específico e precisamente identificado, e é o

direito de obter que o juiz sentencie a seu respeito, formulando (ou atuando) a regra

específica de direito que o rege. Está, portanto, sujeita a certos requisitos, que devem ser

verificados antecipadamente.28

Em primeira análise, as condições da ação não se prestam a conferir um direito ou

julgar quem tem razão entre o autor e o réu, mas serve para examinar apenas alguns

aspectos do direito material para verificar a existência da ação.

Segundo Liebman, ter uma ação processual é ter o direito a um julgamento sobre

o mérito da demanda. Assim, se o autor tiver uma ação processual, ele tem o direito de ver

apreciado o mérito da ação e, depois de examinar se o autor tem razão, o pedido é

procedente, mas se o réu não tem razão, o pedido é rejeitado. Se a ação existe, portanto, o

mérito é julgado.

No entanto, a existência da ação processual não garante a procedência do pedido,

mas apenas garante a apreciação do mérito, que pode ser julgado como procedente ou

improcedente. 29

Ao contrário, se o autor não tem a ação processual, mas apenas a ação

constitucional, ou, dito de outra forma, se as condições da ação não estão presentes, então

há a situação processual chamada de carência de ação.30

possibilidade jurídica do pedido”. (GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro - Vol.

1 - 21ª Ed. Editora Saraiva, 2009, p. 45). 28 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. cit., p. 141-142: (...) “vi sono coloro

che non tanto possono proporre una domanda qualsiasi, ma sono titolari di un vero diritto che, con

riferimento ad una situazione determinata e concreta mira ad ottenere im giudizio sulla domanda

stessa per giudicarla fondata o non fondata e perciò per accordare ovvero per negare la tutela

domandata. Questo diritto è appunto l'azione, la quale ha per garanzia costituzionale il generico potere

di agire, ma per conto suo non è affatto generica, bensì fa riferimento ad una concreta fattispecie per

affermata lesione di un diritto o interesse legittimo e si individua come vedremo con tre elementi ben

precisi: i soggetti (attore e convenuto), la causa petendi (cioè il diritto o rapporto giuridico che viene

posto a fondamento della domanda) e infine il pefitunr (cioè il concreto provedimento che viene

domandato al giudice per la tutela del diritto leso go minacciato) (cfr. avanti n. 87)”. 29 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. e loc. cit.: “L'azione, come diritto al

processo e al giudizio di merito, non garantisce un risultato favorevole del processo: il risultato del

processo dipende dalla convinzione che il gudice si farà sulla fondatezza in fatto e in diritto della

domanda proposta e potrà perciò essere favorevole all'attore o al convenuto. Solo dall'esperimento

dell'azione risulterà se l'attore ha ragione o ha torto: solo affrontando il rischio di perdere, l'attore può

cercare di vincere”. 30 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. e loc. cit.: “Se in un caso determinato

mancano le condizioni dell'azione od anche una di esse (interesse e legittimazione ad agire) diciamo

che vi è carenza di azione e il giudice dovrà rifiutare un giudizio sul merito limitandosi a dichiarare

inammissibile la domanda”.

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Não há dúvida sobre a real natureza abstrata da ação, mas a doutrina prefere vê-la

não como um direito à Jurisdição, mas como o direito a um julgamento de mérito31, o que

claramente não se desvia do pensamento de Liebman. Há também aqueles que são

explícitos na distinção entre ação e direito à Jurisdição32, uma ideia que não diferimos. Não

é, portanto, o direito de ação que é condicionado, mas a realização de um julgamento de

mérito, pois esse resultado é precedido por obstáculos legítimos, que são as condições da

ação33.

Na verdade, para Liebman, como vimos, somente aqueles que têm o direito de

ação têm direito a um julgamento sobre o mérito, o que lhe valeu o adjetivo “eclética”, de

acordo com sua teoria. Como podemos ver, o autor se afastou da teoria concretista (direito

a um julgamento favorável) e abstrata (direito a uma sentença) e filiou-se a uma tese

intermediária: a ação é o direito a um julgamento sobre o mérito. 34

No entanto, algumas áreas da doutrina contradizem a natureza "eclética" da teoria

de Liebman. Por exemplo, Cândido Rangel Dinamarco afirma que a concepção de

Liebman seria de natureza abstrata e não "eclética", porque não inclui a existência do

direito como condição da ação. Por outro lado, o próprio Dinamarco admite que, segundo o

pensamento de Liebman, a ação depende das exigências da situação jurídica substantiva35.

Calmon de Passos, por sua vez, viu em Liebman e seus discípulos um "concretista sob

disfarce"36.

De acordo com uma teoria que diz que a ação é o direito a um julgamento sobre o

mérito, se não se chega à análise de mérito, acaba que a ação é inexistente, portanto carente

31 ARMELIN, Donaldo (Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro. São Paulo : Ed.

Revista dos Tribunais, 1979, p. 34), em linhas conclusivas, fala: “Por estas razões sumariamente

arrolados adota-se, também, como premissa das conclusões a que se chega neste trabalho, um conceito

de ação como direito abstrato a uma decisão sobre o mérito, ou seja, sobre o pedido formulado pelo

autor, qualquer que seja essa decisão, favorável ou desfavorável”; MESQUITA, José Ignácio Botelho

de. (Da ação civil. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1973) concebe a ação como direito a uma

sentença de mérito favorável ao autor; COUTURE, Eduardo J. (Fundamentos do Direito Processual

Civil. Campinas, RED, 1999, p. 30 e ss.) considera a ação como direito de provocar a atividade

jurisdicional, mesmo sem exame do mérito. 32 Neste sentido: TUCCI, Rogério Lauria. Aspectos modernos do conceito de ação. Revista dos Tribunais,

São Paulo, v. 497, 1977, p. 24; COUTURE, Fundamentos do Direito Processual Civil, ob. e loc. cit.; e

CASTRO MENDES, João de. O direito de acção judicial. Estudo de processo civil, Universidade de

Lisboa, 1959, pp. 134-135. 33 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 73. 34 No mesmo sentido: MONACCIANI, Luigi. Azione e legittimazione. Milano : A. Giuffrè, IX – 1951, p.

88. 35 DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 331. 36 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.64.

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a ação37. Em outras palavras, se uma das condições da ação não existe, não há ação38.

Nesse sentido, Liebman ensina: “Faltando uma destas condições, se tem aquilo que, com

exata expressão tradicional, se qualifica carência da ação, e o juiz deve refutar de prover

sobre o mérito da demanda. Neste caso não se tem verdadeiro exercício da Jurisdição”39

(...), ou seja, não há exercício do direito de ação. Donaldo Armelin, continua, ele afirma

que "se a apreciação do mérito é essencial a um exercício regular do direito de ação, óbvio

se torna que tal direito não se dinamizou tanto assim que poderá ser reiterado"40.

Por outro lado, Cândido Rangel Dinamarco observa que já se chegou, porém, a

compreensão de que a ação é um direito que inicialmente não visa a sentença de mérito em

si, mas sim o próprio processo. É um direito ao processo, com a especificidade de que ele

passa, por uma gradual intensificação no modo como anda regularmente. Antes de propor

o pedido inicial, a ampla garantia constitucional para o exame judicial das demandas (art.

5º, inciso XXXV) não garante senão o direito à instauração daquele; e este direito não pode

ser mais do que um mero direito de demandar, o que ocorre sempre que, devido à falta de

qualquer das condições, o processo se extinguir por carência de ação. 41 De fato, do direito

de ação resulta a formação de um processo que, dependendo se os requisitos aplicáveis a

ele forem cumpridos, terá as condições necessárias para permitir que o Judiciário examine

o seu mérito.

Tomada em um sentido lógico, a expressão "carência de ação" adotada na teoria

de Liebman é incompatível com o pensamento de grande parte da doutrina processual, já

que, estritamente falando, não é o direito de ação que é condicionado, mas a obtenção de

um julgamento de mérito, portanto, a expressão carência de ação é incompatível com a

literatura processual da maioria de hoje.

37 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 76. No mesmo sentido

DINAMARCO (Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 307): "A ausência do direito de

ação por falta das condições implica inexistência do direito à sentença de mérito". 38 No mesmo sentido: LOPES, João Batista. Carência de ação e mérito da causa. São Paulo, Revista dos

Tribunais, v. 62, n. 453, 1973, p. 26: "Por carência de ação em sentido estrito, deve entender-se a falta

de ação". 39 NUNES, Dierle José Coelho. A teoria da ação de Liebman e sua aplicação recente pelo Superior

Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2190, 30 jun. 2009. Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/13066>. Acesso em: 10 mai. 2018. 40 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 33. 41 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 331.

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Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire42, as condições da ação são, de fato,

requisitos para o exercício regular da ação, que levam o processo ao exame do mérito, mas

não determinam a existência ou inexistência da ação, do julgamento ou decisão neste

processo. 43 A ausência do direito de ação devido à falta de condições não implica,

portanto, a inexistência da ação, mas a inexistência do direito ao juízo de mérito.

Esta interpretação da teoria de Liebman é justificável, em parte porque em seus

estudos ele não explica satisfatoriamente qual deve ser a qualificação jurídica para o que

acontece quando uma das condições da ação está ausente e o processo se extingue sem

apreciação de mérito. Se não estamos falando de ação, do que estamos então? A atividade

desenvolvida pelo juiz na apreciação das condições da ação é uma atividade tipicamente

jurisdicional, e esse é o pilar central da crítica à teoria de Liebman.44

Outra dificuldade vista na teoria de Liebman é a insegurança que gera: imaginem

que o órgão Judiciário "a quo" exprime um juízo de mérito, no entanto, interposto o

recurso dessa decisão, o órgão Judiciário "ad quem", em acórdão prolatado, reconhece a

falta de uma das condições da ação. No pensamento de Liebman, existiu o efetivo

exercício do direito de ação, pois proferida sentença de mérito. No entanto, no julgamento

"ad quem" entendeu-se ausente uma das condições da ação, o que inevitavelmente leva a

pensar que não houve ação. Estritamente falando, parece que a teoria do autor italiano

somente nos permite dizer, na verdade, se houve ou não ação, após o transito em julgado

42 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo

civil brasileiro. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 62. 43 No mesmo sentido: WATANABE, Kazuo (Da cognição no processo civil. 3. ed., rev. e atual. São

Paulo, Perfil, 2005, p. 82), para quem as condições da ação são “requisitos para o exercício regular do

direito de ação” e não “requisitos de inexistência (sic) do direito de ação”; PINTO, Teresa Celina de

Arruda Alvim (O Direito processual de estar em juízo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996, p. 57),

entende que a ausência de uma condição da ação determina a inexistência de qualquer decisum que não

seja para extinguir o processo sem o julgamento do mérito. 44 Ovídio Baptista da Silva e Fabio Luiz Gomes expondo o artificialismo da teoria eclética argumentam

que para mostrar a relevância e praticidade do conceito adequado de ação, basta frisar apenas um dos

muitos aspectos notáveis que dele decorre, como por exemplo a maior ou menor amplitude do conceito

de jurisdição e sua influência nos limites objetivos da coisa julgada. A posição assumida pelos

defensores da teoria eclética cria a conclusão de que nem todo pedido de tutela jurisdicional

desencadeia o exercício de verdadeira jurisdição. Assim, face a ausência de qualquer das condições da

ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse), o juiz deve recusar-se a pronunciar-se

e a sua atividade não pode ser classificada como jurisdicional. (...) para esta corrente, não havendo um

verdadeiro exercício da jurisdição, não haverá falar sobre aplicação da coisa julgada imanente a

sentença que julga o processo extinto por ilegitimidade ad causam de qualquer das partes. E nas

mesmas circunstâncias, não teria havido nenhuma ação, já que esta desencadeia sempre a jurisdição.

Além disso, a parte vencida poderia propor a ação novamente (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da;

GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 4ª ed. rev. e atual. com a recente reforma

processual. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, pp. 92-93).

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da decisão definitiva, sem considerar a possibilidade de uma ação rescisória, que a priva

ainda mais de seu valor como teoria. 45

Para superar esses inconvenientes, algumas áreas da doutrina se valem da

construção teórica baseada em Liebman, que distingue o direito de ação, este processual,

do direito de petição, este de origem constitucional. O primeiro só pode ser exercido se as

condições da ação forem implementadas; o segundo pertence a qualquer um. 46 Portanto, o

direito de ação seria uma espécie dentro do gênero direito de petição47.

Não há como concordar, no entanto, com tal concepção, segundo a qual o direito

de ação difere do direito de petição. 48 Pensamos que a ação é o direito público, subjetivo,

autônomo e abstrato de provocar a tutela jurisdicional do Estado. Este direito tem previsão

constitucional e é incondicionado, embora o seu exercício regular, que nada tem a ver com

a sua existência, possa ser condicionado pelo direito positivo à presença de determinadas

condições, que estão relacionados com a situação jurídica substancial, sobretudo por

questões de técnica processual.49

Através da ação, exerce-se o direito de petição (ação constitucional), que leva à

afirmação da existência de um direito material, fato que já revela como o estudo deste

instituto está no ponto de contato do direito de ação com o direito constitucional de ação.

45 Cf. ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 77. 46 Cf. ALVIM, Tratado de Direito Processual Civil, ob. e loc. cit.; ARMELIN, Legitimidade para agir no

Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 35, onde tem reconhecido o "direito constitucional de

ação" como "direito de petição". 47 Tradução livre de COUTURE, Eduardo J. Estudios de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma,

tomo I, 1978. p. 39. No original: “Lo que nosotros creemos del caso afirmar, además de la eso, quenos

parece obvio, es que la acción constituye una forma típica del derecho constitucional de la petición.

Éste es el género; la acción es la espécie”; apud COSTA, Letícia Zuccolo Paschoal da. A natureza

jurídica do direito de ação e do controle de constitucionalidade. Revista USCS – Direito – ano XI - n.

23 – jul./dez. 2012, p. 139. 48 Com o mesmo entendimento Ada Pellegrini, para quem o direito de ação, embora de natureza

constitucional, é uno, porque inaceitável a distinção de dois direitos de ação, um de natureza

constitucional e outro de natureza processual (GRINOVER, Ada Pellegrini. O direito de ação. Revista

dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 451, 24-31, 1973, p. 31). No mesmo sentido,

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. v. 1, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 78. E

também, FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro,

ob. cit., p. 51. 49 “A ‘atuação de princípios de técnica processual’ se dá de forma enviesada, pois ao ‘condicionar’ o

exercício do direito de ação a aspectos atinentes ao direito material, não o faz de forma a tornar tais

decisões definitivas e imutáveis (coisa julgada material), possibilitando que se discuta em outros

processos a mesma questão - quantas vezes quisermos, pois não implica perempção. Que economia é

essa? Que forma mais troncha de se evitar ‘decisões ineficazes e rescindíveis, com o manifesto prejuízo

para todos’, não?” (DIDIER JR., Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência

do instituto. Revista Forense, n. 352, jul. - set. 2000, p. 71).

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As condições da ação seriam requisitos para o exercício regular da ação na esfera

processual, para permitir, se preenchidas, o exame de mérito pelo Judiciário, desde que

exista uma relação jurídica válida, e não podem ser consideradas requisitos para existência

ou inexistência da ação, conforme já mencionado.

Por outro lado, deve ser contraposta a ideia de que o exercício da Jurisdição se

torna efetivo somente a partir do julgamento de mérito. 50

De fato, mesmo na ausência de uma das condições da ação, haverá a prestação de

atividade jurisdicional, pois além do exame de mérito, todos têm direito à possibilidade de

exame desse mérito. Um paciente só exerceu o direito ao seu plano de saúde efetivamente

se ele se recuperou da doença? O exemplo dado, cuja resposta parece bastante óbvia,

representa claramente nossa objeção à ideia de que apenas uma sentença de mérito produz

um resultado útil e, portanto, é adequada para servir aos propósitos materiais aos quais o

processo se destina como um instrumento51. Com o devido respeito, rejeitamos essa

concepção porque ela é "reducionista"52 e acreditamos que ela é incompatível com o

escopo do direito de ação, porque acreditamos atender aos fins do processo mesmo quando

define a carência de ação53.

Além disso, acreditamos que a teoria eclética da ação é baseada em uma

concepção artificial e, portanto, também as condições da ação. O grande debate que ainda

existe hoje sobre esses requisitos, necessários ao exercício regular do direito de ação,

baseia-se no caráter artificial dessa teoria. Ora, uma teoria só é válida se serve para

descrever a realidade, mas a teoria eclética não pode descrever a verdade porque se baseia

em uma noção artificial, como será esclarecido no decorrer deste trabalho.

2.1.6. Teoria da asserção

50 FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro, ob. cit., p.

145. 51 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, p. 48 e ss. 52 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 79. 53 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. e loc. cit.

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Como dissemos anteriormente, acreditamos que a teoria eclética da ação é

baseada em uma noção artificial, mas há uma maneira de dar algum sentido e utilidade às

condições da ação, através da chamada teoria da asserção.

Os proponentes dessa teoria buscam encontrar uma solução para as críticas

contundentes à teoria de Liebman, sem perfilhar, totalmente, ideias abstratas, em sua forma

pura.

Em seu sentido mais estrito, asserção significa afirmação. De acordo com essa

teoria, a presença ou ausência das condições da ação deve ser verificada pelo juiz no início

do processo, ainda na fase de postulação e somente com base nas afirmações do autor. Ou

seja, o juiz deve verificar se o pedido é possível, se a parte é legítima e se tem interesse no

processo, in statu assertionis.

Nesse sentido, José Roberto dos Santos Bedaque afirma54 que “devem as

condições da ação ser analisadas em tese, isto é, sem adentrar ao exame do mérito, sem que

a cognição do juiz se aprofunde na situação de direito substancial. Esse exame, feito no

condicional, ocorre normalmente em face da petição inicial, in statu assertionis”.

Assim, teriam as condições da ação um caráter meramente instrumental, pois a

verificação de sua ausência, por cognição sumária da petição inicial, impediria, desde logo,

o desenvolvimento de um processo que não seria apto a alcançar o provimento

jurisdicional de mérito, o único capaz de solucionar o conflito.

54 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Pressupostos Processuais e Condições da Ação, in Justitia, São

Paulo. a. 53. V. 156. out./dez. 1991, p. 54; Flávio Yarshell bem sintetiza esse posicionamento: "Como

se sabe, a aferição das chamadas condições da ação é feita essencialmente com base no direito material,

em que são colhidas a existência (ou inexistência) de vedação apriorística à providencia pleiteada pelo

demandante (possibilidade jurídica), a titularidade da relação jurídica material (legitimidade) e a

necessidade e adequação da tutela, relativamente à situação narrada pelo demandante (interesse). Essa

teorização, conforme se tem destacado, e inspirada por razões de economia processual e se explica pela

circunstância de que o exercício do direito de ação é conexo a uma situação concreta afirmada pelo

demandante, ordinariamente à luz do direito material. Com efeito, a aferição das chamadas ‘condições

da ação’ nada mais e do que um exame, apriorístico e superficial, da própria relação material ou de

dados relevantes colhidos no plano substancial. Trata se de um juízo formulado com base em cognição

não exauriente da controvérsia que, desde logo, pode antecipar o insucesso do pleito deduzido pelo

demandante" (YARSHELL, Flavio Luiz. Tutela jurisdicional, São Paulo: Atlas, 1998, pp. 102-103).

Por outro lado, em sentido oposto ao mencionado, defende Vicente Greco Filho que “essa teoria,

contudo, é mais adequada aos países que adotam a teoria da individualização quanto à causa de pedir,

de modo que não vemos razão de adotá-la no Brasil em que predomina, quase que integralmente, a

regra da substanciação quanto à causa de pedir. Mais adiante serão explicados esses conceitos”.

(GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro - Vol. 1 - 21ª Ed. Editora Saraiva, 2009,

p. 87).

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Vemos, portanto, que essa ideia possibilita salvar as condições da ação como uma

categoria autônoma, desde que o juiz se abstraia de analisar a existência real dessas

condições. Ele deve, portanto, raciocinar, por hipótese, admitindo, provisoriamente, a

verdade dos fatos alegados, de modo que a existência efetiva desses fatos é uma questão de

mérito, que será examinada com base nas provas apresentadas.

De fato, se há uma questão controversa que depende de provas, porque o autor

afirma uma coisa e o réu outra, será necessário entrar na fase de instrução do processo.

Neste caso, não faz sentido falar na ausência de condições da ação ou na extinção do

processo sem resolução do mérito.

Imagine, por exemplo, que A tenha celebrado um contrato escrito com B, mas

tenha ajuizado uma ação contra o C, para exigir o cumprimento do contrato. É óbvio que o

C é parte ilegítima, porque as alegações do autor confrontam com a prova do contrato.

Portanto, no início da ação, o juiz deve extinguir este processo sem resolução do mérito,

por causa da ilegitimidade passiva do C. Neste caso, a teoria da asserção foi aplicada,

mantendo a legitimidade de parte como condição da ação e impedindo o desenvolvimento

desnecessário do processo.

Por outro lado, imagine que o A celebrou um contrato verbal com B, mas ajuíza

uma ação contra o C, com quem ele afirma ter celebrado o contrato. A partir das

afirmações do autor, o C é parte legítima, pois o fato de o B ser o sujeito da relação

jurídica material, depende de prova. Assim, se o C questiona a sua legitimidade, essa

afirmação deverá ser demonstrada no curso do processo. Como é um contrato verbal, não

há como saber se o que o A afirma é verídico, portanto, será necessário produzir provas,

por exemplo, testemunhal. No entanto, foi confirmado pelas provas produzidas no

processo que o A efetivamente celebrou um contrato com o B, e, portanto, ao final do

processo, o juiz, em sentença, reconheceu a ilegitimidade passiva de C e extinguiu o

processo sem resolução do mérito.

Como podemos ver, no segundo exemplo houve uma questão controversa que foi

objeto de prova, de modo que foi superada a fase postulatória e o processo chegou ao

final, devendo, portanto, o juiz proferir a sentença.

Neste contexto, a questão é levantada: por que após a superação da fase

postulatória e produção de provas no processo, o juiz decide reconhecer a ilegitimidade

passiva do C e extinguir o processo sem resolução do mérito? O processo desenvolveu-se

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regular e exaustivamente e, finalmente, o juiz decide extingui-lo sem resolução do mérito.

Então qual a necessidade da presença do C ao longo do processo?

Ora, a extinção do processo sem resolução do mérito, ao seu final, e após a fase

postulatória, implica a inutilidade do processo e da participação de todos os sujeitos

litigantes.

No entanto, essa situação é um desdobramento prático da teoria da asserção, não é

o que ela prescreve.

A conclusão dessa situação é que se a fase de postulação é superada, não se pode

falar de ausência de condições da ação ou extinção do processo sem resolução do mérito.

Uma vez que a fase inicial foi concluída e foi demonstrada a ausência das condições da

ação, o juiz deve julgar o pedido improcedente, proferindo uma sentença de extinção do

processo com resolução do mérito.

No entanto, na prática, os juízes se esquecem em termos gerais do que estabelece

a teoria da asserção, sobre as alegações do autor no início do processo e preocupam-se

apenas com o desdobramento prático daquela teoria, e acontece que sempre que uma parte

alega ausência de condições da ação, é perfeitamente possível encontrar um despacho no

seguinte sentido: “De acordo com a teoria da asserção, o exame das condições da ação se

confunde com o mérito da causa”. O resultado é obvio! O juiz acaba extinguindo o

processo sem resolver o mérito da causa.

Frise-se, isso não é o que estabelece a teoria da asserção, e sim que a ausência de

condições da ação deve ser apreciada pelo juiz no início do processo, com base nas

afirmações do autor, mas não raras vezes, é outra a realidade que acontece no diário

forense, pois acaba sendo distorcida por muitos operadores do direito.

2.2. Ótica constitucional do direito de ação

Na teoria de Enrico Tullio Liebman, para que exista o direito de ação, as

condições da ação devem ser preenchidas, porque somente neste caso, o juiz pode proferir

um julgamento com resolução de mérito.

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Como vimos, Liebman desenvolveu um conceito de ação baseado em duas

categorias ou etapas diferentes: a primeira, o direito constitucional de ação ou direito de

petição, que se refere ao direito de ação amplo, abstrato e incondicionado, previsto na

Constituição Federal; o segundo, chamado direito processual de ação, que está ligado à

situação jurídica de direito material alegada pelo autor e está vinculado à existência das

condições da ação.

No entanto, desde a Constituição Federal brasileira de 1988, já era possível

conceber a ação como um direito amplo e incondicionado de provocar a Jurisdição e

abandonar completamente a teoria de Liebman, já que o texto constitucional afirma que

nenhum direito ameaçado ou violado será excluído da apreciação do Poder Judiciário

(CFB / 88, artigo 5, inciso XXXV), ou seja, qualquer pessoa pode submeter conflitos ao

Judiciário.

Comentando o dispositivo citado, José Roberto dos Santos Bedaque55 esclarece:

“Trata-se da garantia constitucional do poder de ação. A norma em análise assegura não

somente o acesso ao Judiciário, mas também uma resposta ao pedido formulado. Não

apenas uma resposta genérica, como costumam afirmar aqueles que vislumbram no

dispositivo o mero direito de petição ou de demanda”. Ainda segundo o autor, “qualquer

restrição injustificada, feita pelo legislador infraconstitucional, à obtenção do provimento

jurisdicional constitui violação à garantia da ação, assegurada pela Carta Maior. Assim, o

dispositivo constitucional não se refere apenas ao acesso à Jurisdição, mas também ao

direito ao provimento sobre determinada situação material”.

Ora, é no mínimo contraditório sustentar que a ação é condicionada, quando na

letra da Carta Maior, utilizando técnicas de interpretação literal, deduzimos que ela é

incondicionada.

Na linha de entendimento da doutrina portuguesa, José Lebre de Freitas56 nos

ensina que o direito de ação “é hoje pacificamente entendido como um direito público

totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela

judiciária, afirmando-se como existente: ainda que ela na realidade não exista, a afirmação

basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença”.

55 BEDAQUE, Pressupostos Processuais e Condições da Ação, ob. cit., p. 53. 56 LEBRE DE FREITAS, José. Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à luz do novo

código. 4ª ed. Coimbra : Gestlegal, 2017, p. 103.

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Acrescenta o autor que “nem sequer a falta dessa afirmação, nem a do conflito de

interesses que está na base de todo o processo civil, dispensa a sentença judicial”.

Entre nós, essa ideia de acesso amplo e incondicionado à Jurisdição foi reforçada

pela entrada em vigor do novo CPC brasileiro, ao excluir a denominação condição da

ação, desvinculado, completamente, o interesse processual e a legitimidade para agir do

direito de ação, este único e constitucional, não mais bipartido em seu sentido jurídico,

como defendia Liebman.

A teoria de Liebman serve apenas para fornecer esses dois requisitos estruturais

da ação, o interesse processual e a legitimidade para agir, não como condições da ação,

mas como elementos essenciais para a fundamentação da ação, que deve ser

incondicionada. Isso leva à retomada da teoria sugerida por Degenkolb e Plosz, e também

por Eduardo Couture, que veem o direito de ação como um direito constitucional de

petição. Por causa da inafastabilidade da Jurisdição, bastaria, portanto, levar um conflito ao

Judiciário e tão logo haveria o exercício do direito de ação, de acordo com o princípio

dispositivo.

Com esse entendimento, a compreensão do direito de ação se torna mais clara.

Este direito de ação depende apenas da disposição da parte de levar ao Poder Judiciário a

sua pretensão, sem qualquer condição ou restrição de seu exercício.

No momento em que um conflito é apresentado ao Judiciário, isso significa que o

direito de ação foi exercido, mesmo que o processo seja extinto sem resolução do mérito.

Se for constatada a ausência de qualquer elemento, como o interesse processual ou a

legitimidade para agir, isso significa que a parte exerceu o direito de ação sem necessitar

da tutela jurisdicional ou que o exerceu sem ter legitimidade para pleitear o direito, mas, de

fato, a parte exerceu o direito de ação.

Ora, se o direito de ação é incondicionado, embora um pedido seja negado pelo

Poder Judiciário, por ausência de interesse ou legitimidade, não há que se falar em

ausência de condições da ação. Só poderia falar-se em condições da ação se a parte, dada a

ausência desses elementos, não pudesse sequer apresentar seu pedido ao Judiciário. Como

a parte ajuizou a ação, e o Judiciário também é obrigado a lhe dar uma resposta, mesmo

que seja para falar que estão ausentes o interesse e a legitimidade para agir, a parte exerceu

seu direito de ação.

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Conforme previsto no novo Código de Processo Civil brasileiro (2015), é

necessário ter interesse e legitimidade para postular em juízo. Percebe-se que o próprio

Código já possui o conceito apropriado de ação, ou seja, para poder postular algo em juízo,

é necessário demonstrar a legitimidade e o interesse na estrutura do pedido. Portanto, hoje,

as chamadas condições da ação devem ser tratadas em uma perspectiva democrática, como

elementos estruturais da ação, retomando-se a teoria adotada por Degenkolb e Plosz, e

também Eduardo Couture de que a ação é um simples direito de petição, mas é capaz de

tirar o Judiciário da inércia e fazê-lo prestar a chamada Jurisdição.

2.3. As condições da ação

A doutrina brasileira acolheu a concepção de um trinômio de questões que o juiz

tem que apreciar no processo de conhecimento, representado por questões relativas às

condições da ação, aos pressupostos processuais e ao mérito da causa. Pelo menos, foi

assim até o Código de Processo Civil de 197357, mas essa configuração tem sido

questionada mesmo antes do novo CPC brasileiro.

Os alemães nunca se comprometeram com aquele trinômio e designam os

requisitos para chegar ao provimento pretendido de pressupostos processuais. s, há o

mérito e os pressupostos processuais. Esta é a tendência dos ensinamentos italianos nas

últimas décadas.58

Uma distinção interessante é feita em Portugal, onde os pressupostos processuais

são requisitos necessárias para que o juiz possa e deva decidir sobre o mérito do pedido,

que não se confundem com as condições da ação - requisitos indispensáveis à procedência

da ação. A respeito das condições da ação está naturalmente a necessidade de a

providência concretamente requerida pelo autor corresponder à regulamentação abstrata da

57 “Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: (...) IV - quando se verificar a ausência

de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; (...) Vl - quando

não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes

e o interesse processual; e o Art. 269. Extingue-se o processo com julgamento de mérito: I e ss.”. 58 Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre pressupostos processuais. Temas de direito processual,

São Paulo: Saraiva, 1989. p. 83-84; DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p.

636.

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norma correspondente do direito substantivo. As condições da ação compreendem,

portanto, as circunstâncias de fato e de direito necessárias para que a ação seja julgada

procedente.59

Na verdade, seria melhor dividir as questões em questões de mérito e

admissibilidade, uma vez que dois são os juízos feitos pelo juiz em um procedimento: o

juízo de admissibilidade (validade do procedimento; aptidão para a prolação do ato final) e

o juízo de mérito (juízo sobre o assunto litigioso). Se há apenas dois tipos de juízo, não faz

sentido distinguir três tipos de questão. 60

Do ponto de vista de quem examina o processo, para verificar se o provimento

pode ou não ser emitido, é suficiente indicar linearmente todos os requisitos dos quais esse

provimento depende, sem categorizá-los. Eles estão todos em um nível operacional e são o

objeto de um dos dois juízos que devem ser formulados pelo juiz no processo: antes de

decidir sobre o mérito em si, ele decide se o pronuncia ou não. Todos os pressupostos de

admissibilidade do mérito estão no nível das preliminares, que precedem e condicionam a

sentença de mérito.61

De fato, as condições da ação são tratadas na doutrina como questões

preliminares, relativas ao juízo de admissibilidade e, portanto, devem ser analisadas

antecipadamente às questões de fato, ou até mesmo o direito alegado pela parte. Antes de

julgar a existência de um direito, a possibilidade de sua existência deve ser levada em

conta62, a fim de evitar o uso desnecessário e dispendioso da Jurisdição.

Se, no uso corrente, a jurisdição é semelhante a uma máquina, as condições da

ação respondem ao desempenho dessa máquina63. No entanto, as condições da ação não

estão livres de críticas diretas; nem como gênero nem em suas três espécies. Há mesmo

quem afirme ser o instituto extinto 64.

Seja qual for a posição a respeito das condições da ação, não há dúvida de que a

prática frequentemente nos apresenta situações em que os limites que separam as

59 VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio e. Manual de Processo Civil. 2ª edição,

revista e atualizada de acordo com o Dec.-Lei 242/85. Editora Coimbra. 1985, pp. 105 e 134. 60 DIDIER JR. Jr., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 71. 61 DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. e loc. cit. 62 No mesmo sentido, FREIRE (Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil

brasileiro, ob. cit., p. 51): “Com efeito, diante da ausência de uma condição da ação, será realizada

atividade jurisdicional, pois, além do direito a um julgamento da lide, todos possuem o direito a uma

decisão sobre a possibilidade de ser decidida a própria lide”. 63 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 80. 64 DIDIER JR., Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência do instituto, ob.

cit., p. 66.

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condições da ação do mérito são controversos, o que coloca à prova as condições da ação

como teoria.

Segundo a teoria de Liebman, existem três condições da ação: o interesse de agir,

a possibilidade jurídica do pedido e a legitimidade para agir. No entanto, na terceira edição

de seu manual, Liebman não menciona mais a possibilidade jurídica do pedido, mas o

Código Processual Civil de 1973, mesmo após Liebman ter descartado a possibilidade

jurídica do pedido, manteve as três condições da ação.

Além disso, segundo a doutrina, este rol de condições da ação não se limita no

direito positivo brasileiro porque, além das condições gerais estabelecidas no CPC de

1973, na legislação processual (inclusive no próprio Código), existem outras condições

específicas da ação, exigíveis para certos tipos de ação, em conformidade com o processo

ou procedimento.65

Donaldo Armelin66, embora observando que algumas das condições listadas pela

doutrina caiam em condições gerais, lembra que o próprio Liebman enumera outras

condições específicas, sem cuja implementação haveria carência de ação, como a ausência

de uma Jurisdição estatal em um caso, que diz respeito a um réu estrangeiro, a falta de

Jurisdição sobre a Administração Pública, a proibição de ajuizar uma ação reivindicatória

enquanto pendente a possessória.

Nos parece que o próprio Código de 1973, entretanto, implica que, além das três

condições gerais mencionadas na doutrina original de Liebman, existem também condições

específicas da ação, já que de acordo com a formulação do art. 267, Vl, “quando não

concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade

das partes e o interesse processual”. A partir da leitura do artigo, podemos entender que é

apenas um rol meramente exemplificativo.

Por outro lado, o legislador brasileiro corrigiu o mal-entendido contido na

legislação desde o CPC/1973 até o CPC/201567 e excluiu a possibilidade jurídica do pedido

65 FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro, ob. cit., p.

62. 66 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 38. 67 Perceba que agora o texto processual não menciona mais a possibilidade jurídica do pedido: Art. 17.

Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade; Art. 337. Incumbe ao réu, antes de

discutir o mérito, alegar: (...); XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual; Art. 485. O juiz

não resolverá o mérito quando: (...); VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

(...).

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da natureza de condição da ação. 68 O artigo 17 do Código de Processo Civil de 2015

estabelece: "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade". Note que

nada é mencionado sobre a possibilidade jurídica do pedido.

Outro ponto interessante é que o novo CPC brasileiro, conforme se afirmou supra,

não fala mais em “condição da ação”. O legislador infraconstitucional excluiu esse termo

jurídico da lei processual, que, ao ler o artigo 17, nos leva a pensar se esses dois elementos,

o interesse e a legitimidade para agir, ainda são qualificados como condições da ação.

Parece-nos que, se o Código declara que para postular em juízo é necessário ter

interesse e legitimidade e nada diz a respeito de condições para o exercício da ação, isso

significa que o direito de ação não se limita à existência desses dois elementos. Já não se

pode dizer que a ausência de uma "condição da ação" levaria a "carência de ação” ou

inexistência da ação e do processo. “Trata-se, assim, de requisitos para a apreciação do

mérito, estando muito distante a ideia de que tais elementos poderiam ter a ver com a

existência da ação”, como ensina Luiz Guilherme Marinoni69.

Mesmo antes da aprovação do novo CPC brasileiro, doutrina contrária à teoria de

Liebman já defendia que, se a proposta de exclusão do termo "condições da ação" fosse

mantida, a legitimidade e o interesse de agir seriam explicados com suporte no repertório

teórico dos pressupostos processuais. O interesse se tornaria um pressuposto de validade

objetivo intrínseco e a legitimidade seria um pressuposto de validade subjetivo referente às

partes. 70

Com efeito, as “condições da ação” sempre estiveram ligadas à ação, enquanto os

pressupostos processuais se relacionam com o processo. Na ausência de uma condição da

ação, a parte seria carecedora de ação e, consequentemente, o juiz não exerceria nenhuma

atividade jurisdicional, já que para Liebman somente há jurisdição se houver ação e vice-

versa.

68 Críticas já eram conhecidas há bastante tempo: PASSOS, José Joaquim Calmon. Em torno das

condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido. Revista de Direito Processual Civil. Rio de

Janeiro: Saraiva, v. 4, 1964, p. 61-62; DIDIER JR. Jr., Fredie. Possibilidade Jurídica do Pedido: um

novo enfoque do problema – pela proscrição. Gênesis. Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, v.

13, n. 13, 1999, p. 449-463. 69 MARINONI, Luís Guilherme. Teoria geral do processo. 7ª ed., rev., atualizada e ampliada. São Paulo :

Editora Revista dos Tribunais, vol. 1, 2013, p. 185. 70 DIDIER JR. Jr, Fredie. Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao projeto do novo

Código de Processo Civil. Doutrinas Essenciais de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo : Ed. RT, out

2011, p. 323; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Será o fim da categoria condições da ação? Uma

intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr e Alexandre Freitas Câmara. Revista de

Processo. Vol. 198/2011, Ago / 2011. DTR\2011\2320, p. 230.

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Atualmente, prevalece no direito brasileiro o entendimento de que os pressupostos

processuais e as condições da ação são os requisitos de admissibilidade necessários para

examinar o mérito da causa71. Sua reunião em uma única categoria não foi, no entanto, a

opção adotada pelo Código de Processo Civil de 1973. Devido à opção legislativa anterior,

não foi possível classificá-los em uma única categoria.

Como o novo CPC brasileiro não utiliza mais os termos "condições da ação" e

"carência de ação", segundo a doutrina, a categoria "condições da ação" deixa de existir, e

a legitimidade e o interesse tornam-se parte do juízo de admissibilidade do processo,

havendo apenas pressupostos processuais e mérito.

De acordo com Leonardo Carneiro da Cunha72, o fato de a ação e o processo

serem institutos autônomos não significa que as condições da ação e os pressupostos

processuais devem ser necessariamente categorias autônomas. O exercício da ação acarreta

a formação do processo. Para que o processo tenha um desenvolvimento válido, é

necessário que a ação seja validamente exercida, de modo que os requisitos de validade da

ação podem ser requisitos para a validade de outros atos processuais, pois se viciada a

ação, ela estará contaminando outros atos, a menos que não haja prejuízo ou o resultado do

mérito possa beneficiar o réu.

De fato, a possibilidade jurídica do pedido e a legitimidade de parte sempre

tiveram vínculos com a questão de mérito, pelo menos assim nos parece. O próprio

Liebman reconheceu a existência prática de hipóteses onde a legitimidade seria tão conexa

com o mérito que exigiria análise conjunta73, o que é frequentemente o caso na prática

forense. Esta conclusão não foi derivada do anterior Código de Processo Civil de 1973,

que explicitamente fornece em seu art. 267, VI, a possibilidade jurídica do pedido, a

legitimidade de parte e o interesse de agir, e ressaltando que sua ausência implica a

extinção do processo sem julgamento do mérito.

No entanto, como o texto das disposições do novo Código de Processo Civil de

2015 não se refere mais aos termos "condições da ação" ou "carência de ação", a priori, de

71 FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro, ob. cit., p.

52. 72 CUNHA, Será o fim da categoria condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie

Didier Jr e Alexandre Freitas Câmara, ob. cit., p. 235. 73 LIEBMAN, Enrico Tulio. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro, Saraiva & Cia., São Paulo, 1947,

p. 122.

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nossa parte, é possível extrair a interpretação segundo a qual não existem mais condições

da ação como categoria independente do direito processual.

2.3.1. Possibilidade jurídica do pedido

Liebman define a possibilidade jurídica do pedido como a previsão abstrata do

pedido do autor na ordem jurídica nacional. Como dissemos, o autor logo separaria esse

elemento das demais condições da ação.

A melhor maneira de entender o conceito da possibilidade jurídica do pedido é

trabalhar com exemplos. O divórcio é o exemplo mais expressivo de impossibilidade

jurídica do pedido que vinha sendo utilizado nos escritos de Liebman74. No Brasil, até

1977 as pessoas não podiam se divorciar, porque não havia previsão na ordem jurídica75.

Assim, se alguém propusesse uma ação para divorciar-se, essa ação era juridicamente

impossível e deveria ser extinta sem julgamento do mérito. Hoje, esse exemplo não faz

mais sentido, porque é óbvio que, sob o atual sistema jurídico, as pessoas podem se

divorciar.

Se pensarmos, porém, na usucapião de bens públicos76, a possibilidade jurídica

do pedido permanece atual, porque a legislação brasileira proíbe por duas vezes, em dois

dispositivos diferentes, a usucapião de bens públicos77. Se a possibilidade jurídica do

pedido ainda existisse como condição da ação, uma demanda solicitando a usucapião de

propriedade pública seria extinta sem resolução de mérito, em razão da impossibilidade

jurídica do pedido.

Cândido Rangel Dinamarco enfatiza que, para falar de demanda juridicamente

possível, a compatibilidade de cada um dos seus elementos com o sistema legal é

74 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 309. 75 O divórcio foi instituído no Brasil, oficialmente, com a Emenda Constitucional número 9, de 28 de

junho de 1977, regulamentada pela lei 6515 de 26 de dezembro do mesmo ano. 76 Exemplo cf. FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil

brasileiro, ob. cit., pp. 70-71. 77 Constituição Federal de 1988: “Art. 183. (...) 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por

usucapião”; e também: Código Civil Brasileiro: “Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a

usucapião”.

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necessário, ou seja, não deve haver nenhuma proibição legal em relação ao pedido, à causa

de pedir e às partes da demanda proposta pelo autor, pois são numerosos os casos em que a

impossibilidade não está no pedido propriamente dito (petitum), mas em um dos outros

dois elementos. Por exemplo, no pedido de condenação por dívida de jogo, a

impossibilidade jurídica surge em relação à causa de pedir e não em relação ao pedido em

si. Por isso, na verdade, que este autor prefere falar sobre a possibilidade jurídica da

demanda.78

Como regra de direito privado, tudo que não é proibido é permitido. Nesse

sentido, a doutrina processual entendeu que somente haveria falar em impossibilidade

jurídica do pedido se a lei tivesse explicitamente ou implicitamente79 proibido a pretensão

do autor. 80 É dizer que, embora a pretensão do autor não esteja expressamente prevista por

lei, é importante para não a rejeitar que não seja vedada pelo ordenamento jurídico.

De fato, a possibilidade jurídica do pedido é uma categoria jurídica que possui um

conceito muito vago, pois varia de acordo com o ordenamento jurídico vigente e pode ser

modificada de acordo com a evolução social. Este instituto jurídico impede não só a

78 DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 308. 79 Por exemplo, de acordo com o artigo 226 da Constituição Federal brasileira de 1988, § 3º, é

reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar

sua conversão em casamento. De acordo com a interpretação literal desse dispositivo, a lei proibia

implicitamente o reconhecimento de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo, posição que foi

originalmente adotada pela jurisprudência brasileira, e que já foi superada pelo Superior Tribunal de

Justiça brasileiro: AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO

HOMOAFETIVA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR IMPOSSIBILIDADE

JURÍDICA DO PEDIDO. LEGISLAÇÃO EM VIGOR QUE NÃO AMPARA TAL PRETENSÃO.

ART. 226, § 3º, CF, LEI 9.278/96 E ART. 1.723 DO CC. NORMAS QUE EXPRESSAMENTE

ESTABELECEM COMO UM DOS REQUISITOS AO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL

A DIVERSIDADE DE SEXOS. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO. "O

relacionamento homoafetiva entre pessoas do mesmo sexo não pode ser reconhecido como união

estável, a ponto de merecer a proteção do Estado, porquanto o § 3º do art. 226 da Carta Magna e o art.

1.723 do Código Civil somente reconhece como entidade familiar aquela constituída entre homem e

mulher." (Ap. Cív. n. 2006.016597-1, da Capital, rel. Des. Mazoni Ferreira, Tribunal de Justiça do

Estado de Santa Catarina); no mesmo sentido: ENTIDADE FAMILIAR. UNIÃO ESTÁVEL.

PESSOAS DO MESMO SEXO. RECONHECIMENTO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL.

DEPENDÊNCIA PREVIDENCIÁRIA. PENSÃO POR MORTE. IMPOSSIBILIDADE. - A

Constituição da República não considera como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo,

sendo casuísticas as respectivas definições do art.226. - A consagração do companheirismo como forma

de dependência previdenciária atende os princípios da entidade familiar, revelada por união estável, não

se admitindo pensão para pessoa do mesmo sexo, em consideração de união homossexual (Ap. Cível.

1.0702.04.182123-3/001. Rel. Ernane Fidélis. Julgamento 29/05/2008, Tribunal de Justiça de Minas

Gerais). NEIVA, Gerivaldo Alves. A união homoafetiva na jurisprudência. Revista Jus Navigandi,

ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2072, 4 mar. 2009. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/12409>. Acesso em: 16 jun. 2018. 80 COSTA, Susana Henriques da. Condições da Ação - São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 54.

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apreciação de um direito, mas também a possibilidade de desenvolvimento social,

fundamental para a compreensão e alteração do próprio direito.

Portanto, a permanecer a possibilidade jurídica do pedido como condição do

exercício da ação poderia causar a estagnação da sociedade, reconhecida pelo próprio

direito, pois verificado que o pedido não encontra guarida no ordenamento jurídico, nem

sequer se passaria a qualquer ulterior apreciação.

Por outro lado, a permanência desse instituto como condição da ação, poderia

levar a uma discussão de questões de mérito na fase inicial do processo, sem respeitar

todos os elementos do processo e todas as garantias fundamentais associadas a ele, como a

ampla defesa e o contraditório, a isonomia, ou a motivação das decisões judiciais.

De nossa parte, compreendemos que é essencial que o processo se desenvolva

através das garantias fundamentais, mas se o processo terminar logo no início, isso não

será possível. Se o pedido for considerado juridicamente impossível, a parte não poderá

demonstrar a existência de um direito.

Depois de revisar sua teoria, Liebman ensina que a possibilidade jurídica do

pedido não era nada além de uma modalidade do interesse de agir81. Portanto, não é que a

possibilidade jurídica do pedido tenha sido extinta, mas sim que o juiz, ao reconhecer a

impossibilidade jurídica do pedido, simplesmente reconhece a falta de interesse de agir.

Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara82 argumenta que a falta de possibilidade

jurídica é, na verdade, uma falta de interesse de agir, já que aquele que vai ao Judiciário

em busca de algo que tenha sido, a priori, proibido pelo ordenamento jurídico,

estritamente falando, postula uma providencia jurisdicional que não lhe trará utilidade, e

isso não é senão uma falta de interesse de agir. Para este autor, a possibilidade jurídica do

pedido deixou de existir como uma condição autônoma da ação.

Presumivelmente, essa é uma das grandes mudanças que o novo CPC brasileiro

promoveu sobre as condições da ação.

81 DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 309. 82 CÂMARA, Alexandre Freitas. “Será o fim da categoria ‘condição da ação’? Uma resposta a Fredie

Didier Junior”. Revista de Processo. São Paulo: RT, julho 2011, v. 197, p. 261-269; posição idêntica é a

de Arruda Alvim (Tratado de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 380).

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Por outro lado, algumas áreas da doutrina, mesmo antes da vigência do Código de

Processo Civil brasileiro, argumentavam que a possibilidade jurídica do pedido não

deveria ser tratada como condição da ação, mas como questão de mérito83.

Seguindo esse posicionamento, Fredie Didier Junior84 afirma que a possibilidade

jurídica do pedido “não é condição da ação, e nem poderia ser, pois atine ao próprio exame

do direito material: não há correspondência entre o fato alegado pelo autor com o fato

legalmente previsto como embasador de sua pretensão; a fattispecie legal não incide na

fattispecie material; a análise, pois, é de mérito”. Com isso, a sentença que extingue o

processo tem produzido coisa julgada material.

Além disso, entendemos que a sentença que extingue o processo sem apreciar o

mérito da causa em razão da impossibilidade jurídica do pedido, tem indubitavelmente o

mesmo significado da que rejeita o pedido do autor, por falta de amparo legal.

Reconhecendo que um pedido é juridicamente impossível, é muito claro que ele também é

improcedente. Portanto, se um pedido é improcedente ou juridicamente impossível, essa

questão não pode ser analisada como condição para o exercício da ação, simplesmente

porque essa situação já é próprio mérito da ação.

Assim, como o próprio Liebman revisou sua tese, e excluiu a possibilidade

jurídica do pedido como condição da ação, o legislador brasileiro também corrige seu erro,

que permaneceu de 1973 a 2015, no texto processual.

2.3.2. Interesse de agir

O interesse de agir85 é definido como a utilidade ou necessidade do processo.

Portanto, é óbvio que não faz sentido para o autor mover toda a máquina judiciária86 se o

83 PASSOS, Em torno das condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido, ob. cit., p. 64;

OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido. Doutrinas

Essenciais de Processo Civil, v. 2, São Paulo: Ed. RT, 2011, p. 43; ARMELIN, Legitimidade para agir

no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 53; e PINTO, Teresa Celina de Arruda Alvim.

Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 94. 84 DIDIER JR., Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência do instituto, ob.

cit., p. 76. 85 Alguns autores consideram inapropriado o termo “interesse de agir” por ser destituído de precisão.

Como destaca Nelson Nery Júnior, “agir pode ter significado processual e extraprocessual, ao passo que

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processo for inútil ou desnecessário. Imagine alguém propondo uma ação para cobrar

dívidas não vencidas. É óbvio que, neste caso, o processo é inútil ou desnecessário,

portanto, a ação deve ser extinta sem resolução de mérito, porque falta o interesse de agir.

Essa condição da ação é uma situação que emerge do próprio direito objetivo (interesse

material), porque a dívida ainda não está vencida.

A noção de necessidade é acrescentada à noção de utilidade, que mostra um

panorama razoavelmente apropriado da categoria do interesse de agir. Parece haver uma

técnica para ver uma subsunção de uma ideia de utilidade à necessidade, sendo a

necessidade uma condição suficiente para a utilidade, enquanto a utilidade é uma condição

necessária para a utilidade. Em outras palavras, o que é necessário também é útil, mas o

contrário não é válido. 87

Apesar da tradicional confusão entre interesse processual e interesse material na

ação, em sistemas jurídicos como o italiano são encontradas ideias muito restritivas sobre o

instituto, que questionam sua utilidade como condição da ação.

Para Salvatore Satta, não há interesse de agir independentemente do interesse

jurídico material. Nesse sentido, Satta aborda a imagem expressiva da quinta ruota del

carro, citada por Redenti, para demonstrar a absoluta falta de interesse de agir como uma

condição autônoma. 88 Este último autor manteve uma compreensão restritiva do interesse

de agir: ele não via nessa condição da ação uma razão de ser, diferente e autônoma.89

interesse processual significa, univocamente, entidade que tem eficácia endoprocessual” (FREIRE,

Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro, ob. cit., p. 24). 86 Nesse sentido, Maria José Capelo assevera que, “o interesse processual deverá ser encarado como um

requisito capaz de glorificar a máquina processual, fazendo-a funcionar somente nas situações

objectivamente carecidas de tutela judicial”. (CAPELO, Maria José de Oliveira. Interesse processual e

legitimidade nas acções de filiação. Editora Coimbra, Coimbra, 1996, p. 33). 87 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 87.

José Ignacio Botelho chama a atenção de que a noção de necessidade da via judicial envolve a da

utilidade dessa via. Necessário só pode ser o que seja útil. Assim, nas ações declaratórias e nas

constitutivas, a necessidade da via judicial se compõe da impossibilidade de se alcançar o mesmo efeito

por outra via e da utilidade desse efeito. Exemplificando, ainda que as ações declaratórias sejam

imprescritíveis, não há interesse na declaração da nulidade de uma partilha depois de escoado prazo

prescricional para reivindicar o imóvel partilhado (MESQUITA, José Ignacio Botelho de. O colapso

das condições da ação?: um breve ensaio sobre os efeitos da carência de ação. Editora: Revista dos

Tribunais, v. 32, n. 152, p. 12-35, out. 2007, p. 28).

José Roberto dos Santos Bedaque também ensina que a utilidade do provimento pode ser determinada

pela necessidade da atividade jurisdicional e pela adequação do procedimento e do provimento

desejados. Em alguns casos, não é necessário recorrer a esses indicadores, dada a manifesta inutilidade

do provimento (BEDAQUE, Pressupostos Processuais e Condições da Ação, ob. cit., p. 56) 88 SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile. 9ª ed. riv. ed ampliata a cura di Carmine Punzi. Padova :

Cedam, 1981, p. 134, nota 23. 89 REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile - Nozioni e regole generalis. [Nuova ed.], v. 1. Milano :

A. Giuffrè, 1957, p. 62.

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No entanto, dada a autonomia da ação, entendida como um direito processual

subjetivo diferente do direito subjetivo material, discordamos daqueles que distinguem o

interesse de agir, condição da ação, com o interesse substancial, o núcleo de um direito

subjetivo material. É o interesse de agir como condição para o exercício regular da ação

(Liebman) um interesse meramente processual, que não determina a existência ou a

inexistência do interesse jurídico substancial, mas se ele existe em conjunto com as demais

condições da ação e os pressupostos processuais permitem ao juiz examinar o mérito da

causa, e, portanto, verificar a existência de um interesse jurídico substancial, núcleo do

direito subjetivo material. 90

Pode-se dizer que a doutrina, atualmente, não tem uma posição unificada sobre o

conceito de interesse de agir, mas a distinção entre este e o interesse substancial é quase

indiscutível, como Aldo Attardi afirma. 91

Desta forma, o interesse de agir, tutelado pelo direito processual difere do

interesse substancial ou material, protegido pela lei substantiva. 92

Há quem defenda a falta de interesse de agir também em uma perspectiva

procedimental. Esse fenômeno é chamado de inadequação da ação processual ou

inadequação da via eleita. Assim, quando o procedimento escolhido é inútil ou

desnecessário, também é possível falar em falta de interesse de agir. 93

90 FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro, ob. cit., p.

78. 91 ATTARDI, Aldo. L’ interesse ad agire. Padova : CEDAM, 1958, p. 2. 92 Vicente Greco Filho ensina que o termo interesse pode ser usado de duas maneiras: como sinônimo de

uma pretensão, que é considerada um interesse substancial ou de direito material, e para definir a

relação de necessidade entre um pedido e o exercício do poder judicial, neste caso trata-se de interesse

processual. Como explica Liebman, o interesse processual é secundário e instrumental para o interesse

substancial, que é primário, porque aquele é exercido para proteger o último. Por exemplo, o interesse

primário ou material de um credor é receber um pagamento e o interesse de agir (processual) surge se o

devedor não pagar quando devido. O interesse de agir resulta da necessidade de obter do processo o

interesse substancial; portanto, pressupõe a violação desse interesse e a idoneidade do provimento

pleiteado para o proteger e satisfazer (GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, ob. cit., pp.

87-88).

Ainda neste sentido, Maria José Capelo afirma que “a relação entre o interesse processual e a situação

material litigada será de mera instrumentalidade ou até de prejudicialidade, uma vez que sobre esta só

haverá pronúncia quando aquele existir” (CAPELO, Interesse processual e legitimidade nas acções de

filiação, ob. cit., p. 46). 93 Segundo Aldo Attardi, o princípio do interesse de agir expressa: (a) a obrigação de que o recurso ao

órgão jurisdicional para a tutela dos direitos seja a última via do cidadão, admitido se não houver,

outros meios disponíveis no âmbito extraprocessual, para a satisfação do direito, ou se a tentativa é

infrutífera nesse sentido; e (b) que deve ser escolhido dentre os vários recursos estabelecidos na ordem

jurídica, aquele que garanta de maneira mais rápida, conveniente e econômica a tutela dos direitos do

cidadão (ATTARDI, L’ interesse ad agire, ob. cit., p. 204).

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O mandado de segurança94, por exemplo, só pode ser impetrado com base em

provas de direito líquido e certo, ou seja, aquele direito comprovável de plano. Então

imagine que o autor impetre o mandado de segurança, mas peça a produção de prova

pericial, porque necessária para provar o direito do autor. É óbvio que a via do mandado de

segurança é inadequada.95 É por isso que a doutrina chama inadequação da via eleita como

uma modalidade de falta de interesse de agir. Dessa forma, haveria outra espécie, outra

94 Conforme preceitua o art. 5, inc. LXIX da Constituição Federal Brasileira de 1988 e o artigo 1º da Lei

do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009), será concedido Mandado de Segurança para a proteção

de direito líquido e certo, que não seja amparado por outro remédio constitucional, sempre que houver

ilegalidade ou abuso de poder, ou quando houver justo receio de a pessoa física ou jurídica sofrê-lo de

parte da autoridade coatora. Percebe-se, portanto, que a existência de um direito líquido e certo é um

pré-requisito para a utilização desse remédio constitucional, não cabendo dilações para comprovar o

direito pretendido. 95 Cândido Dinamarco ensina que em princípio, não é permitido ao demandante a escolha do provimento

e, portanto, da espécie de tutela a ser obtida. Mesmo que a interferência do Estado-juiz seja necessária

sob pena de impossibilidade de obter o bem devido (interesse-necessidade), faltar-lhe-á interesse de

agir, se ele pedir medida jurisdicional que não é adequada segundo a lei (DINAMARCO, Instituições de

Direito Processual Civil, ob. cit., p. 312).

Neste sentido, confira-se julgado do Superior Tribunal de Justiça brasileiro acerca da inexistência de

interesse de agir, ante a falta de direito líquido e certo: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.

MANDADO DE SEGURANÇA. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO DE REPRESENTANTE DA

PESSOA JURÍDICA CUJO NOME CONSTA DA CDA. PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE.

AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.

INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cuida-se de decisão proferida pelo

Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou provimento à apelação manejada contra decisão que

denegou a segurança requerida para garantir o direito líquido e certo à exclusão de seus nomes da

Certidão de Dívida Ativa como corresponsáveis, em virtude da ausência de defesa no processo

administrativo para a apuração de suas responsabilidades, já que o débito se encontra inscrito em dívida

ativa. 2. Na espécie, a apreciação do pedido demanda dilação probatória, sob o crivo do contraditório, a

fim de evidenciar as assertivas do impetrante, o que descabe na via estreita do Mandado de Segurança.

3. O Mandado de Segurança não é o meio adequado para discutir eventual inclusão de corresponsável

no polo passivo do feito executivo. A questão deve ser dirimida nos próprios autos da Execução, seja

mediante a oposição de Embargos à Execução, seja pelo manejo de recurso apto para atacar decisão que

venha a deferir pedido de redirecionamento formulado pela credora. 4. Mutatis mutandis, no julgamento

do REsp nº 1.110.925/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado sob o regime do art. 543-C do

CPC, a Primeira Seção deixou assente que não cabe Exceção de Pré-Executividade em execução fiscal

promovida contra sócio que figura como responsável na Certidão de Dívida Ativa, porque a

demonstração de inexistência da responsabilidade tributária cede à presunção de legitimidade

assegurada à CDA, sendo inequívoca a necessidade de dilação probatória a ser promovida no âmbito

dos Embargos à Execução. 5. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência do STJ

- Recurso Especial julgado sob o regime do art. 543-C do CPC, REsp 1.104.900, relatora Ministra

Denise Arruda, DJe 1º/04/2009, rito dos recursos repetitivos. Isso porque a presunção de legitimidade

assegurada à CDA impõe ao executado que figura no título executivo o ônus de demonstrar a

inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que demanda dilação probatória,

devendo assim ser promovida no âmbito dos Embargos à Execução. (REsp nº 1.498.444/SP, Relator

Ministro Herman Benjamin, DJe 3/2/2015). 6. Por outro quadrante, impende registrar que, para analisar

o mérito recursal, atinente à nulidade da CDA por ausência de notificação no processo administrativo

fiscal, é necessário exame de provas, procedimento inadmissível nesta fase procedimental, consoante a

Súmula 7/STJ. 7. Recurso Especial improvido”. STJ. (5 de maio de 2017). REsp 1659234/SC, Rel.

Ministro HERMAN BENJAMIN. DJ: 05/05/2017. Acesso em 5 de julho de 2018, disponível em STJ:

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=REsp+1659234&&b=ACOR&thesaurus=JUR

IDICO&p=true.

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roupagem do interesse de agir, que é a adequação do provimento e do procedimento,

embora a adequação não seja nada mais que um desdobramento da utilidade ou

necessidade.96

O sistema jurídico português não difere dessa visão procedimental do interesse de

agir. Nesse sentido, Maria José Capelo nos ensina: “Se em face da lei a todo direito

corresponde uma acção, tal afirmação precisa de ser entendida cum grano salis, ou seja,

não basta invocar um direito, é necessário que a pretensão do autor esteja alicerçada numa

situação fáctica merecedora, pelo meio adequado, de tutela jurisdicional”97 (sic).

Desta forma, permanece o binômio necessidade-adequação, que pode explicar

adequadamente o interesse processual como nos foi apresentado. Este requisito é satisfeito

pela comprovação de efetiva carência de tutela jurisdicional e se os meios utilizados para

fazer valer a pretensão é o adequado. De uma forma mais genérica, estará presente o

interesse de agir se o juiz entender possível a presença do interesse material, fato que apoia

a utilidade desta categoria dogmática.

Em certa medida, entende-se porque o Liebman resumiu a possibilidade jurídica

do pedido ao interesse de agir. Se o direito requerido pelo autor não está inserido de forma

abstrata na ordem jurídica, não há motivo (interesse) para mover um processo, porque seria

inútil ou desnecessário. Portanto, é óbvio que o interesse de agir também estaria ausente.

Ninguém está interessado em propor uma ação para pedir algo que é

juridicamente impossível, que não é previsto de forma abstrata na ordem jurídica. Na visão

liebmaniana quando o pedido é juridicamente impossível, na verdade, o processo é inútil

ou desnecessário, sendo uma situação de falta de interesse de agir.98 Desse modo, a

possibilidade jurídica do pedido deixou de existir como condição da ação autônoma e foi

resumida nas hipóteses de interesse de agir.

A partir dessa ideia de Liebman percebemos a artificialidade da sua teoria

eclética, porque originalmente previu três condições da ação e depois restaram apenas

96 Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Lima Freire afirma que “o interesse de agir decorreria da necessidade

da jurisdição e da adequação do provimento e do procedimento, requisitos estes que não se excluem,

mas se complementam” (FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo

civil brasileiro, ob. cit., p. 87). 97 CAPELO, Interesse processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit., pp. 38-42. 98 A este respeito, Vicente Greco Filho menciona que, ao estender o conceito de interesse processual à

possibilidade jurídica do pedido, esta condição da ação é especialmente encartada na forma de interesse

adequação, considerando como de falta de interesse aquelas hipóteses em que a outra parte da doutrina

classifica como falta de possibilidade jurídica do pedido (GRECO FILHO, Direito Processual Civil

Brasileiro, ob. cit., p. 94).

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duas. Liebman reduziu a possibilidade jurídica do pedido ao interesse de agir e, segundo o

seu raciocínio, percebemos que propor uma ação contra alguém que não é parte legítima,

ou seja, que não é sujeito da relação de direito material, é também propor uma ação inútil

ou desnecessária. 99

Fazendo a mesma coisa que o Liebman fez com a possibilidade jurídica do

pedido, também se poderia extinguir a legitimidade para agir, porque como dissemos,

propor uma ação contra alguém que não pertence a relação de direito material é propor

uma ação desnecessária ou inútil. Do mesmo modo, o autor não teria interesse de agir.

Essa reflexão mostra a fragilidade da teoria de Liebman, que, com o devido respeito, nada

mais é do que uma construção artificial.

O Código de Processo Civil brasileiro de 1973, art. 3º, exigia a presença do

interesse processual como condição da ação, ou seja, sua ausência provoca a extinção do

processo sem julgamento de mérito, conforme artigo 267, VI, CPC.

O interesse processual é tratado com mais detalhes no atual Código de Processo

Civil brasileiro. De acordo com o referido diploma processual, o interesse do autor pode

ser limitado a uma declaração sobre a existência, inexistência ou modo de ser de uma

relação jurídica. Isso não significa que um direito deva ser reconhecido, uma vez que o

direito já é reconhecido, mas apenas a relação jurídica associada a esse direito.100 Por

exemplo, um casal que não tenha na certidão de casamento registrado o regime da

separação de bens pode solicitar ao Poder Judiciário que corrija esse registro.

Subsequentemente, uma relação jurídica é declarada ou o modo de ser em que esta relação

jurídica existe, e neste caso haverá interesse.

Outra hipótese que haverá interesse, e que não estava clara antes, é a possibilidade

de propor uma ação que se limita à autenticidade ou falsidade de um documento.101 Isso

significa que nenhuma ação futura é necessária para discutir o uso deste documento. É

possível discutir por meio de uma ação somente se ele pode ser considerado verdadeiro ou

falso.

99 Neste sentido, utilizamos os ensinamentos de CAPELO (Interesse processual e legitimidade nas acções

de filiação, ob. cit., p. 47), que afirma que (...) "uma decisão proferida num processo onde as partes não

são legítimas é inútil e ineficaz porque não vincula as verdadeiras partes directamente (sic) interessadas

na causa" (...). 100 Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência, da inexistência ou do modo

de ser de uma relação jurídica (Lei nº 13.105/2015 - Código de Processo Civil brasileiro). 101 Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração: (...); II - da autenticidade ou da falsidade de

documento (Lei nº 13.105/2015 - Código de Processo Civil brasileiro).

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O próprio código, portanto, esclarece algumas questões sobre o interesse

processual, de modo que não haja dúvidas ou interpretações vagas sobre a existência desse

instituto.

2.3.3. A relação entre o interesse de agir e a legitimidade ad causam

Dificuldades em distinguir interesse processual da legitimidade para agir são

reconhecidas sem hesitação. Alguns veem a legitimidade com predominância sobre o

interesse. Alguns entendem que a noção de interesse processual consome o conceito de

legitimidade. 102 Alguns consideram o problema da legitimidade e o problema do interesse

como uma única questão: a da parte, que no segundo caso é objetivamente considerada e

subjetivamente considerada no primeiro caso. 103

Donaldo Armelin fornece ainda outra hipótese em que, colocado o interesse de

agir em termos de necessidade ou utilidade da atuação da Jurisdição, é de fato possível que

sua existência seja desprovida da legitimidade. Isso é tanto teórico quanto prático. Assim,

não exclui de uma linha lógico-jurídica a existência de uma pretensão que só pode ser

102 De acordo com Cândido Dinamarco, em uma técnica processual rigorosa, a legitimidade para agir é

inserida na esfera do interesse de agir, porque sua falta é traduzida na ausência de utilidade do

provimento jurisdicional. Mesmo que tenha legitimidade, o autor pode não ter o direito de ação se, por

outro motivo, esse provimento não for capaz de lhe fornecer utilidade, como no exemplo do writ

concedido quando o concurso já ocorreu tem; mas se a medida é postulada por outra pessoa, já se sabe

de antemão que a tutela jurisdicional será inútil, sem necessidade de examinar outros elementos. A

ilegitimidade para agir é, portanto, um aspecto negativo da exigência do interesse de agir, cuja

ocorrência concreta determina desde o início a inexistência deste. Prossegue o autor dizendo que

existem várias disposições da lei, que quando se trata de legitimidade ativa ou passiva para um conjunto

de demandas específicas, usa-se o termo interessado e não legitimado. Esta aparente perturbação na

eleição da palavra apropriada é realmente um reflexo da dificuldade que existe para diferenciar

radicalmente os conceitos de legitimidade para agir e interesse de agir. É justamente por ser aquela um

destaque desta, que o legislador, sem saber, disse interessadas quando queria aludir aos legitimados

(DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 315). 103 Salvatore Satta manifesta-se no sentido da identidade entre a legitimidade e o interesse de agir, nos

seguintes termos: “solo que el razonamiento que vale también para la activa, porque no hay dudas, y

ya lo hemos visto, que también esta se identifica con el interés, y desde que para obrar es necessario

tener interés he aquí que la legitimación se identifica con el interés mismo, o sea vale para la

legitimación lo que hemos dicho para el interés. Y esto es perfectamente lógico em cuanto el interés no

puede ser concebido sino subjetivado y no ya existente en una abstracta objetividad, como um

personage en busca de su autor” (Manual de derecho procesal civil, vol. I, trad. de Santiago Sentís

Melendo e Fernando de la Rua, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1972, p. 132), apud

ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., nota 158, p. 107.

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apreciada por uma atuação do Judiciário, pelo que há um interesse de agir, sem que o

titular dessa pretensão seja legitimado. Isso acontece, sobretudo, em casos de legitimidade

extraordinária, em que o titular da demanda não é necessariamente o titular da ação que a

propõe.104

A dúvida parece acentuar-se na lei portuguesa: os comentários sobre o Código de

Processo Civil português oferecem o grau de autonomia que requerem as duas categorias,

nos termos do n.º 1 do art.º 30.º do CPC de 2013: “O autor é parte legítima quando tem

interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em

contradizer”. Aparentemente, não basta que as partes tenham interesse jurídico na

procedência ou improcedência da ação, para que de legitimidade se possa falar. Requer o

preceito legal de que as partes tenham interesse direto em demandar ou contradizer. 105 O

interesse deve ser direto, no sentido de que não é suficiente que a decisão da causa seja

capaz de afetar uma relação jurídica da qual a parte seja titular, é necessário que sejam os

sujeitos da própria lide (pertinência subjetiva). 106

No que diz respeito ao CPC português, Donaldo Armelin explica que o interesse

mesmo de caráter marcadamente objetivo tem de estar relacionado com um sujeito para

configurar a sua titularidade, o que tem levado a legitimidade a ser vista como uma mera

qualidade do interesse de agir.107

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo define o escopo de "interesse" de que

decorre a legitimidade. A legitimidade do autor é, portanto, aferida pela utilidade

decorrente da procedência da ação e da legitimidade do réu pelos prejuízos derivados dessa

procedência.

O dispositivo mencionado gera dúvidas pelo uso do termo interesse, uma vez que

a determinação da legitimidade é feita com referência a ele, mesmo se for reconhecido que

esse interesse não é processual. Essa aparente confusão na escolha do termo é, de fato, uma

razão para refletir sobre a verdadeira imbricação dessas duas categorias: legitimidade para

agir e interesse processual.

Na verdade, o ordenamento jurídico português não prevê expressamente o

interesse processual, mas não exclui a sua admissibilidade e deve ser considerado como

104 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. e loc. cit. 105 AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Direito Processual Civil, 12ª ed. Coimbra : Almedina, 2015, p. 120. 106 REIS, José Alberto dos. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 84, apud PIMENTA, Processo

civil declarativo, ob. cit., p. 68, em nota de rodapé. 107 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. e loc. cit.;

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um dos casos de exceções processuais que não estão previstos por lei.108 Corrobora esta

afirmação Varela, Bezerra e Nora, ao afirmar: “Entre os pressupostos positivos contam-se

a personalidade judiciária, a capacidade judiciária, a legitimidade, o interesse processual, a

competência do tribunal e, em certos termos, o patrocínio judiciário”.109

Sem embargo das dificuldades de distinção entre uma categoria e outra, não é

difícil imaginar um exemplo em que as duas condições da ação estejam claramente

separadas: o credor de uma dívida que não venceu. Há legitimidade, pois o título

demonstra a posição do credor. Mas há falta de interesse processual: o uso da Jurisdição é

desnecessário, uma vez que a dívida não venceu.

O interesse de agir e a legitimidade para agir estão muito mais próximos entre si

do que a possibilidade jurídica do pedido. Entre as três ditas condições da ação,

dogmaticamente distinguíveis ou não, parece certo que não existe uma equidistância

conceitual.

2.4. Os pressupostos processuais

A melhor maneira de entender os pressupostos processuais é usar o raciocínio

indutivo. Suponhamos que alguém possua um direito material e que a luz dos fatos e da

interpretação da lei este direito seja indiscutível. No entanto, o outro sujeito da relação de

direito material não reconhece a existência desse direito. Desta forma, será necessário que

a pessoa que considera que o seu direito foi violado ajuíze uma ação contra o outro sujeito

da relação jurídica substantiva e a partir disso tem início o processo.

Para propor uma ação, como regra, é necessário contratar um advogado. Além

disso, o advogado deve saber qual o juízo competente para a propositura da ação. Por

exemplo, se alguém tiver uma questão referente ao seu contrato de trabalho (um

trabalhador que discute um contrato de trabalho com seu empregador), o juízo competente

será a Justiça do Trabalho.

108 Cf. CAPELO, Interesse processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit., p. 35. 109 VARELA, BEZERRA E NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., p. 106.

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Além da competência do juízo também prescinde o processo da imparcialidade do

juiz, ou seja, o magistrado deve agir imparcialmente para que o processo seja válido. O

juiz não pode, por exemplo, ser parente de uma das partes do processo ou do advogado de

uma delas.

Mesmo que a parte contrate um advogado, a competência seja corretamente

indicada e o juiz seja imparcial, é necessária também a presença de outro requisito: o réu

deve ser citado para iniciar o processo, cujo requisito possui implicações jurídicas para a

própria existência do processo.

De fato, existem alguns requisitos legais relativos ao processo em si, que, em

princípio, não possuem relação substancial com o direito material. A parte também pode

ter o direito material, mas deve atender a alguns requisitos para ter um processo que exista

e seja válido. Com isso surge a ideia de pressupostos processuais.

Como já mencionado, foi Oskar Von Bülow quem demonstrou a autonomia da

relação processual com o direito substantivo, que pode existir entre as partes, e a partir de

seus estudos vários doutrinadores seguiram no mesmo intento. Conferindo autonomia aos

pressupostos processuais, permite-se analisá-los pelo juiz sem a interferência do réu.

Embora esse conceito de relação jurídica processual seja controverso hoje, tem

seu valor didático e, portanto, a ideia da autonomia relativa do processo pode ser melhor

compreendida. 110

No momento que uma ação é proposta, são estabelecidos vínculos jurídicos entre

as partes e o juiz, que, em conjunto, formam uma relação jurídica, que não é confundida

com a de direito substantivo, em relação a qual contendem os litigantes.

No plano material, o bem que constitui o objeto da relação jurídica é o bem da

vida sobre o qual versa o conflito de interesses. No que diz respeito à relação processual, o

objeto peculiar a ela é o provimento jurisdicional solicitado ao Estado. Em uma dívida,

110 “Desde Bülow sistematizou-se a concepção de relação jurídica processual, tal como ainda hoje

utilizada, com algumas variações, apesar das críticas. As objeções doutrinárias tentam realçar,

sobretudo, a insuficiência do conceito, que seria abstrato, estático e, por isso, incapaz de refletir o

fenômeno processual em sua inteireza. As críticas não conseguem elidir a constatação de que o

procedimento é fato jurídico apto a produzir as relações jurídicas que formam o processo”. (DIDIER

JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil - v. 1: introdução ao Direito Processual Civil, parte

geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 32, em nota); Maria José

Capelo sustenta que a concepção que examina os pressupostos processuais como elementos

constitutivos da relação jurídica processual dever-se-á considerar ultrapassada, pelo que se deve

perspectivar os pressupostos como condições de admissibilidade de uma decisão de mérito num

processo existente. (CAPELO, Maria José de Oliveira. Interesse processual e legitimidade nas acções

de filiação. Editora Coimbra, Coimbra, 1996, p. 33, em nota).

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portanto, o objeto da relação jurídica substantiva é o pagamento, e o objeto da relação

processual é a sentença que decide a pertinência do pedido do autor. É, portanto, uma

relação secundária, por isso tem uma conexão estreita com o bem que o autor efetivamente

busca: o objeto da relação jurídica material.

Qualquer pessoa que busque um provimento jurisdicional deve provocar a

jurisdição e relatar a situação jurídica que exige a prestação jurisdicional. Antes desse

provimento, porém, deve-se verificar se certos requisitos estão presentes, sem os quais o

juiz não pode sequer examinar a questão proposta.

O antigo Código de Processo Civil brasileiro (1973), artigo 267, inciso VI, refere-

se às “condições da ação, como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das

partes e o interesse processual”. E no inciso IV do mesmo artigo, o código refere-se aos

“pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”. Então,

já podemos ver uma técnica que distingue as duas categorias.

De acordo com Donaldo Armelin111, as “condições de admissibilidade da ação e

pressupostos processuais constituem sempre matéria preliminar ao exame de mérito.

Integram aquela esfera do que concerne à admissibilidade do pedido, que corresponde à

matéria genérica que antecede este no plano processual”. Ainda segundo o autor “embora

inseridos todos no plano da admissibilidade, condições de admissibilidade da ação e

pressupostos processuais não se confundem, dizendo as primeiras respeito ao exercício

regular da ação, considerada como um direito a um pronunciamento do mérito ou como

direito a uma decisão favorável, e os segundos à estrutura da relação processual gerada

pelo exercício daquele direito”.

Percebe-se que a doutrina brasileira delineia claramente as condições da ação e os

pressupostos processuais: enquanto as condições da ação se referem ao direito de ação, os

pressupostos processuais são requisitos relacionados ao processo.

No direito processual alemão, o conceito de pressupostos processuais

(Prozessvoraussetzungen) é mais abrangente e inclui os requisitos que chamamos de

condições da ação no Brasil, cujo termo, como vimos, foi excluído do novo Código de

Processo Civil. Os autores brasileiros seguem principalmente os passos dos italianos, que

separam os dois conceitos.

111 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 41.

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Quer nos parecer que, em algum momento, no direito português, os pressupostos

processuais foram tratados como condições do direito de ação, conforme depreende-se dos

ensinamentos de José Lebre de Freitas112: “A configuração dos pressupostos processuais

como condições da regular constituição da instância, entendida esta como relação jurídica

(bilateral, até à citação do réu; triangular, a partir dela) estabelecida entre as partes e o

tribunal, (relação jurídica processual), é preferível à sua configuração, hoje correntemente

posta de lado, como condições do direito de ação, sem prejuízo de o exercício deste direito

só poder levar ã decisão de mérito”.

Em outras palavras, as condições da ação são requisitos necessários para a parte

exercer seu direito à tutela jurisdicional e os pressupostos processuais “são requisitos ao

nascimento e desenvolvimento regular do processo, o que compreende o julgamento de

mérito”113.

A propositura de uma ação perante o Judiciário, por quem tenha capacidade,

requerendo a tutela de um interesse, inicia a relação processual. No entanto, o processo

iniciado pode ser encerrado sem exame do mérito, com um mero pronunciamento sobre os

requisitos necessários para o provimento jurisdicional. Tais requisitos podem estar

relacionados à demanda ou ao processo, conforme sejam condições da ação ou

pressupostos processuais. Cuidaremos dos últimos.

De acordo com os ensinamentos de José Roberto dos Santos Bedaque114, os

pressupostos processuais são os requisitos necessários para que o processo atinja seu

escopo. Ele relata que existem duas tendências de ensino no assunto. A primeira tendência

inclui nos pressupostos processuais todos os requisitos necessários para o nascimento e o

desenvolvimento válido e regular do processo, podendo ser objetivos ou subjetivos. Os

pressupostos objetivos são subdivididos em positivos (petição inicial apta, citação válida e

regularidade procedimental) e negativos (litispendência, coisa julgada e perempção),

enquanto os subjetivos dizem respeito ao juiz (investidura, competência e imparcialidade)

e às partes (capacidade de ser parte, capacidade de estar em juízo e capacidade

112 LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à luz do novo

código, ob. cit., p. 103-104. 113 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o

processo. 6. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 126. 114 BEDAQUE, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, ob. cit., p. 125.

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postulatória). A relação processual só poderia se desenvolver de forma válida, até o

provimento final do caso concreto, se tais requisitos estiverem presentes. 115

No entanto, segundo o autor, a outra tendência tem uma visão mais restritiva dos

pressupostos processuais, que constituem apenas as condições para uma relação processual

válida, ou seja, o pedido, a capacidade de quem formula e a investidura do destinatário.

Nesse sentido, os pressupostos seriam limitados apenas aos requisitos para o surgimento de

um processo válido. Se não for possível a emissão do provimento sobre o caso concreto, o

juiz deve extinguir o processo e pôr fim a algo que nasceu validamente, mas que não pode

ser desenvolver-se. Para essa corrente restritiva, os pressupostos processuais são

considerados independentemente da relação de material.

Enquanto não for terminado o processo, é uma questão de ordem pública, sob o

mesmo regime de nulidades absolutas: não precluem, regidas pelo princípio do inquisitivo,

alegáveis em qualquer fase ou grau de jurisdição das partes.

O julgamento do mérito, seja em sentido favorável ou desfavorável para o autor,

exige continuamente a ocorrência dos pressupostos processuais. A ausência de qualquer

um deles impede que o órgão jurisdicional decida sobre a lide. Nesse sentido, toda questão

referente aos pressupostos processuais precede ao julgamento.

Para emitir o julgamento final, o juiz necessita que o processo se desenvolva sem

vícios. É importante saber se o vício não é reconhecido, se haveria um processo nulo ou

inexistente, pois, as consequências são diversas. Merece ser mencionado que, em certos

casos, mesmo a nulidade absoluta é sanável.116

De fato, não há uniformidade na enumeração e classificação dos pressupostos

processuais. Entre as numerosas classificações que a doutrina adota, para uma breve

análise, consideraremos como pressupostos da existência e validade do processo, e estes

podem ser objetivos ou subjetivos, positivos ou negativos.

A primeira classificação divide os pressupostos processuais em hipóteses de

existência e validade. Por exemplo, o art. 485, IV, do Código de Processo Civil brasileiro -

Lei nº 13.105/2015 fala em pressupostos de constituição (existência) e de desenvolvimento

115 BEDAQUE, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, ob. e loc. cit. 116 “Os pressupostos processuais não são condições do direito de ação (cf. João DE CASTRO MENDES, O

direito de ação cit., ps. 233-236): por um lado, também a absolvição da instância constitui uma sentença

e, como tal, uma atividade jurisdicional provocada pelo exercício do direito de ação; por outro, a falta

de pressupostos processuais é tendencialmente sanável e nem sempre impede a decisão de mérito

(supra, n.° I.3.5). (LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à

luz do novo código, ob. cit., p. 103).

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válido e regular do processo (validade). Por um lado, existem pressupostos ligados à

existência jurídica do processo, como no caso da citação. Mas o processo pode existir e

não ser válido, se faltar um pressuposto processual de validade. A competência e a

imparcialidade do juiz são situações ligadas à validade do processo.

A doutrina fala que a terminologia “pressupostos processuais”, utilizada para

designar os elementos condicionadores da existência e da validade do processo, não é

preciso. “Pressuposto é aquilo que precede ao ato e se coloca como elemento indispensável

para a sua existência jurídica; requisito é tudo quanto integra a estrutura do ato e diz

respeito à sua validade. Assim, é mais técnico falar em requisitos de validade, em vez de

‘pressupostos de validade’”117.

Existem os pressupostos processuais relativos ao objeto da relação jurídica

processual, ou seja, ao próprio processo e, portanto, são chamados objetivos. A citação do

réu, por exemplo, é um pressuposto processual objetivo. Os pressupostos processuais

relativos aos sujeitos da relação processual são denominados subjetivos. A competência e a

imparcialidade são pressupostos processuais subjetivos, porque dizem respeito ao juiz, que

é um dos sujeitos da relação processual.

Ainda existe uma terceira classificação que divide os pressupostos processuais em

positivos e negativos. O pressuposto processual positivo deve estar presente para que o

processo exista e seja válido. Por exemplo, a citação do réu é um pressuposto processual de

existência, sem o qual o processo não existe. Já a imparcialidade do juiz é um pressuposto

processual de validade subjetivo, portanto, o juiz deve ser imparcial para que o processo

seja válido. Nos casos em que o juiz é parcial, o processo deve ser declarado nulo.

Por outro lado, os pressupostos processuais negativos devem estar ausentes para

que o processo seja válido e o juiz possa entrar na apreciação do mérito do pedido. Se eles

estiverem presentes no processo, o processo será, portanto, nulo, e impedirá que o juiz

aprecie a matéria de fundo.

A primeira hipótese de pressuposto processual negativo é a perempção, “que é

uma sanção à desídia e inércia reiteradas do autor no processo”118. Ela ocorre quando o

autor der causa por três vezes à extinção do processo por abandono. Assim, se o autor

propõe a mesma demanda pela quarta vez, é o caso de extinção do processo devido à

perempção.

117 DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 310. 118 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 42.

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A litispendência e a coisa julgada também são pressupostos processuais negativos

e a melhor maneira de lidar com essas duas hipóteses é de forma conjunta. A fim de evitar

essas duas hipóteses de pressupostos processuais negativos de validade, é necessário

abster-se do ajuizamento de duas ou mais ações idênticas. Esse fenômeno ocorre quando

há identidade entre os elementos das ações, ou seja, as partes, o pedido e a causa de pedir.

Se estes três elementos estão presentes em duas ações, é porque elas são idênticas, sendo

hipótese, portanto, de litispendência ou coisa julgada.

O que distingue a litispendência da coisa julgada é o marco temporal, que é o

trânsito em julgado da primeira ação. Se a primeira ação já transitou em julgado, temos a

coisa julgada, portanto, a segunda ação será nula por força da coisa julgada. No entanto, se

a primeira ação ainda não teve uma solução definitiva, neste caso, trata-se de

litispendência.

Somente a sentença pronunciada por ofensa à coisa julgada pode ser

desconstituída pela ação rescisória. Na prática, isso significa que, se duas ações idênticas

estiverem em andamento, a segunda ação deve ser extinta por litispendência, e isso deve

ser verificado durante o processo, mas se isso não foi feito durante o processo e houver o

trânsito em julgado, tudo dependerá da ação que encerrar primeiro, isto é, da ação que

transitar em julgado primeiro, porque haverá uma questão de coisa julgada. Se a segunda

ação, que deveria ter sido extinta por litispendência, não o foi, e transitou em julgado antes

da primeira ação, operar-se-á a coisa julgada da segunda ação contra a primeira ação e,

neste caso, a primeira ação que deve ser anulada.

3. LEGITIMIDADE PARA AGIR NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Por fim, cuidamos do assunto que mais nos interessa. No final de uma jornada que

nos levou da natureza do direito de ação para investigar as condições da ação, parece

apropriado conceituar a legitimidade para agir, mesmo que resulte mais confuso quanto

mais se escreve sobre ela. 119

119 Ao intitular seu trabalho de La legitimación en el processo civil, Juan Montero Aroca explica o mesmo

como “intento de aclarar um conceito que resulta mais confuso quanto mais se escreve sobre ele”

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Como ponto preliminar, deve-se salientar que o conceito que procuramos se limita

ao Direito Processual Civil, a fim de evitar confusão com o uso do conceito de

legitimidade em seu significado material. Maria José Capelo120 chega a afirmar que, “a

evolução, com a progressiva afirmação da ciência processual civil, operou definitivamente

o divórcio entre legitimidade material e processual”.

Não se deve esquecer, no entanto, que o conceito de legitimidade ad causam está

ligado diretamente ao direito material121, como veremos mais adiante ao tratar da situação

legitimante. Por outro lado, isso não nos impede de trazê-la para o campo processual.

Precisamente por causa da grande subjetividade do instituto, a verificação do

próprio conceito pode levar a diferentes opiniões e interpretações, de acordo com a ideia

defendida.

Portanto, buscamos um primeiro elemento na subjetividade do conceito de

legitimidade ad causam, na medida em que sua definição coincide com a capacidade de

uma pessoa propor uma demanda. Esta pessoa deve estar investida das condições

necessárias (qualidade jurídica) para propor esta demanda.

Nesse sentido, Leo Rosenberg122 ensina que “legitimación para la causa no es

otra cosa que el aspecto subjetivo de la relación jurídica controvertida, la competencia

para el derecho”.

Segundo Adroaldo Furtado Fabricio123 a "legitimatio ad causam, descontadas

divergência de detalhe e nominalismos despiciendos, é a 'pertinência subjetiva da ação'".

O termo "pertinência subjetiva da ação" é a construção de Liebman e resume o

conceito de legitimidade ad causam . Refere-se à titularidade ativa e passiva da pretensão

deduzida na demanda. Nas palavras do próprio Liebman "a legitimação para agir é,

portanto, a identidade entre quem a propôs e aquele que, relativamente à lesão de um

(FREIRE, Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro, ob. cit., p.

73). 120 CAPELO, Interesse processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit., p. 159. 121 De acordo com BEDAQUE (Pressupostos processuais e condições da ação, ob. cit., p. 52), não se pode

falar em absoluta independência de um instituto processual, em relação ao direito substantivo, uma vez

que o direito processual não tem fim em si mesmo. O objetivo é promover a realização prática do

direito material. Embora o poder de provocar a Jurisdição seja previsto pela Constituição e seja

conferido a todos, sua relevância para o direito processual só existe se for um instrumento de atuação do

direito material. 122 ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Traducción española de Ângela Romera Vera.

Tomo I. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1955, p. 255. 123 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do Processo e Mérito da Causa, Repro, São Paulo, n. 58,

abr./jun. 1990, p. 7-32.

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direito próprio (que afirma existente), poderá pretender para si o provimento de tutela

jurisdicional pedido com referência aquele que foi chamado em juízo".124

A legitimidade da parte depende do que a doutrina chama de situação legitimante,

isto é, a situação com base na qual se determina qual o sujeito que, em concreto, pode e

deve praticar determinado ato. Daí resulta a situação legitimada, isto é, o poder, a

capacidade ou o dever, que consequentemente pertence ao sujeito. O direito afirmado deve

pertencer àquele que propõe a demanda e a ser exigido do sujeito passivo da relação

material exposta.125

Por outro lado, e de acordo com o conceito a que se defenda, a ideia de

legitimidade não está vinculada à propositura de uma demanda, como dissemos, mas à

possibilidade de ver o mérito da demanda apreciado em cada caso.

Sob essa abordagem, a legitimidade resulta da titularidade do direito de ação. É,

como diz Liebman, "a pertinência subjetiva da ação", que, ao esclarecer um aspecto do

instituto, não resolve o problema, especialmente quando se considera a ação como um

direito a um julgamento sobre o mérito, porque nesse caso o exercício regular da ação

pressupõe a legitimidade.

Nesta ordem de argumentação, Donaldo Armelin126 conceitua a legitimidade para

agir como uma qualidade jurídica que se agrega à parte no processo e resulta de uma

situação processual legitimante e favorável ao exercício regular do direito de ação, desde

que presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, com o pronunciamento

judicial sobre o mérito do processo.

Por outro lado, parece claro que existe uma conexão entre a legitimidade para agir

e a titularidade da relação jurídica material. As questões em aberto dizem respeito à

natureza dessa relação e em que medida essa titularidade deve ser levada em conta, se

simplesmente afirmada ou realmente existente.

Apesar das discussões doutrinárias sobre a real natureza da legitimidade ad

causam, no atual sistema processual brasileiro não há dúvida de que esse instituto jurídico

não está sujeito ao princípio do dispositivo, de molde a impedir um processo judicial. Na

124 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. cit., p. 150: “La legittimazione ad agire

è dunque, riassumendo, l'appartenenza soggettiva dell"azione, cioè l'identita di colui che ha proposto

la domanda con colui che con riferimento alla lesione di un suo diritto, ch'egli afferma esistente, possa

pretendere per sè il provvedimento di tutela giurisdizionale domandato nei confronti di colui che è stato

chiamato in giudizio”. 125 BEDAQUE, Pressupostos processuais e condições da ação, ob. cit., p. 57. 126 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 85.

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ausência da exigência de iniciativa das partes, seu direito pode ser examinado ex officio

pelo juiz, sem as limitações do art. 141 do CPC127.

3.1. A diferença entre legitimidade ad causam e legitimidade processual

Para distinguir entre os conceitos acima, devemos primeiro estabelecer que a

legitimidade ad processum está além dos limites deste estudo, o que justifica um

tratamento mais abreviado neste capítulo.

Dadas as condições, revela-se desde já que a legitimidade ad processum é

frequentemente confundida com a capacidade processual. Parece-nos que, embora sutil, a

diferença entre os dois realmente existe.

A legitimidade ad causam é um elemento substancial do litígio. 128 Por outro lado,

a capacidade processual, por muitos chamada de legitimidade ad processum, refere-se à

capacidade das partes de agir em juízo, que é um pressuposto processual. A ausência do

primeiro, se aceito como uma condição da ação, impede que o juiz se pronuncie sobre o

mérito da causa, mas não invalida o processo, e a decisão inibitória do conhecimento do

mérito é absolutamente válida; a falta da capacidade processual constitui um fundamento

de nulidade, que vicia o processo e a sentença que deva ser proferida, no caso de o juiz não

se aperceber deste defeito.129

Portanto, a falta de legitimidade ad causam significa que o processo se extingue

sem um julgamento de mérito. A falta de capacidade processual significa que o juiz deve

127 “Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de

questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte” (Código de Processo Civil

brasileiro - Lei 13.105/2015). 128 De acordo com José Roberto dos Santos Bedaque a legitimidade processual é apenas um reflexo da

legitimidade da própria lei substantiva, assim como a validade e a eficácia de um ato que concerne a

relação jurídica material depende de o agente estar investido de condição legal para seu exercício; o ato

processual baseado em demanda deve incluir sujeitos que se encontram na situação da vida trazida à

consideração do juiz. Se apenas o proprietário pode alienar, somente aqueles que se dizem proprietários

têm legitimidade para reivindicar. É sempre a situação substantiva afirmada que determina a

legitimidade. Na verdade, parece que a definição acima convém com o termo legitimidade ad causam

(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o

processo. 6. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 117). 129 ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria general del proceso : aplicable a toda clase de procesos. 2ª ed.

rev. y cor. Buenos Aires : Editorial Universidad, 1997, p. 257.

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estabelecer um prazo para a integração da capacidade, cuja persistência do vício deverá

ocasionar a extinção do processo sem resolução do mérito.

Nesse sentido, Susana Henriques da Costa ensina que a legitimidade ad causam

não se confunde com a legitimidade ad processum. A primeira diz respeito à titularidade

ativa e passiva da pretensão processual. O segundo, por sua vez, é a capacidade da pessoa

de agir em juízo. Aquele que não tem legitimidade ad causam para demandar é carecedor

de ação; aqueles que não possuem legitimidade ad processum podem participar da relação

jurídica processual somente se forem regularmente representados, assistidos ou autorizados

por quem a lei material determina, sob pena de nulidade do processo, por ausência de

pressuposto processual. 130

Crisanto Mandrioli também manifesta sua opinião sobre a distinção entre

legitimatio ad causam e legitimatio ad processum: enquanto a primeira corresponderia à

titularidade da ação, a segunda expressaria a titularidade dos poderes usualmente

compreendidos no direito de ação.131

Por outro lado, torna-se importante separar o conceito de capacidade processual

quando, em um caso particular, se percebe que a lei, na ausência de capacidade processual,

atribui a legitimidade ad processum a outrem. Basta lembrar de algo que ocorre nas varas

de família todos os dias. Há casos frequentes em que o menor, absolutamente incapaz, vai

a juízo representado por sua mãe. Nessa hipótese, a capacidade processual do menor não

existe, mas a legitimidade processual de sua mãe resta caracterizada. Ou seja, ninguém

duvida que o menor seja o titular do direito à alimentos, embora ele não tenha capacidade

para exercer seus direitos e estar em juízo; a questão é resolvida com a legitimidade

processual da pessoa que representa o menor – no caso, sua mãe.132

A capacidade processual é pressuposto de atuação processual. Os atos processuais

praticados por ou contra um incapaz processual é, portanto, ineficaz, e a sentença proferida

a seu respeito é anulável.133

Para utilizar o conceito cunhado por Moacyr Amaral Santos, a capacidade

processual seria a “capacidade de exercer os direitos e deveres processuais,

130 COSTA, Condições da Ação, ob. cit., p. 65. 131 MANDRIOLI, Crisanto. La rappresentanza nel processo civile, p. 111, nº 34 apud ROCHA, Ações

Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, p. 95. 132 Exemplo formulado a partir da obra de MARINONI (Teoria geral do processo, ob. cit., p. 176). 133 ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, ob. cit., p. 254.

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pessoalmente”134. O conceito desse autor parece dar bem a medida de que necessita a

distinção entre a capacidade processual e a legitimidade ad processum. Deste modo, todo

aquele que exerce os seus direitos tem uma capacidade processual, no que se relaciona,

portanto, com toda a capacidade civil (capacidade de direito e de fato). Portanto, infere-se

que, para uma pessoa com incapacidade135 (relativa ou absoluta) ter seu direito defendido,

em juízo, ele deve fazê-lo, necessariamente, por seu assistente ou representante, a quem a

lei atribui legitimidade ad processum.

Há autores, porém, que não distinguem a capacidade processual e a legitimidade

ad processum. De acordo com Senda Villalobos Indo, a capacidade processual ou

legitimidade ad processum é o poder de comparecer em juízo e ser capaz de realizar atos

processuais com efeitos jurídicos. Isto é, fazer parte em um sentido processual, requerendo

sua verificação em qualquer pessoa que simplesmente pretenda colocar em marcha o

aparato jurisdicional, qualquer que seja sua pretensão particular. Sua concordância oferece

a possibilidade de atuar em qualquer processo.136

Não obstante, seria melhor eliminar o termo legitimatio ad processum,

simplesmente para falar de capacidade geral e especial para certos atos processuais, e não

correr o risco de confundir indevidamente as duas noções, como frequentemente ocorre.

3.2. Natureza jurídica da legitimidade ad causam

O objetivo deste tópico é abordar a legitimidade de forma crítica, analisando a sua

verdadeira natureza, se é um requisito para o julgamento de mérito (condição da ação ou

134 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo; Saraiva. 2007, p.

363. 135 Em relação à capacidade civil para representar seus atos, para contrair direitos e obrigações, o rol dos

absolutamente incapazes está no art. 3º e dos relativamente no art. 4º do Código Civil brasileiro. 136 INDO, Senda Villalobos. Legitimación Activa y Reforma Procesal Civil: Una Oportunidad. REJ –

Revista de Estudios de la Justicia – Nº 14 – Año 2011, p. 249: “Es la facultad para comparecer en juicio

y poder realizar actos procesales con efectos jurídicos. Esto es, poder ser parte en un sentido procesal,

exigiéndose su verificación en toda persona que simplemente pretenda poner en marcha el aparato

jurisdiccional, sea cual sea su pretensión particular. Su concurrencia brinda la posibilidad de actuar en

cualquier processo”. De acordo com ARMELIN (Legitimidade para agir no Direito Processual Civil

brasileiro, ob. cit., p. 110), “trata-se, in casu, de uma aptidão genérica para a pratica de atos jurídicos,

centrada no processo, de tal sorte que, inexistente, seus efeitos não se cingem especificamente a este,

mas se espraiam pelo universo jurídico da pessoa incapacitada”.

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pressuposto processual) ou se é o próprio mérito. O tema é intrigante, o que levanta um

uma infinidade de perguntas sobre sua verdadeira natureza.

Embora a discussão sobre a natureza da legitimidade não pareça tão relevante à

primeira vista, sua análise tem um efeito prático fundamental, especialmente no que diz

respeito à formação da coisa julgada. Se adotada a posição de que a legitimidade é um

requisito para o julgamento de mérito (condição da ação ou pressuposto processual),

admite-se que o pronunciamento que reconhece sua ausência, ou seja, a ilegitimidade,

extinguiria o processo sem resolução de mérito, por ausência de requisito para o

julgamento do mérito, produzindo apenas coisa julgada formal.

No entanto, uma vez que a legitimidade seja entendida como uma questão de

mérito, a sentença que declara que uma das partes é ilegítima seria suficiente para analisar

o mérito da demanda e, portanto, para constituir coisa julgada material.

Portanto, analisaremos se a legitimidade de parte é um requisito para o julgamento

de mérito (condição da ação ou pressuposto processual), ou se é o próprio mérito, com

fundamento em doutrina específica.

3.2.1. Legitimidade para agir como condição da ação

De acordo com a teoria eclética - que afirma que a legitimidade para agir é uma

condição da ação – se ao final do processo conclui-se que uma das partes não é legítima, o

juiz deve abster-se de pronunciar-se sobre o mérito da demanda, declarando simplesmente

que a petição é inadmissível (juízo de admissibilidade), mesmo após o término da fase

postulatória e probatória, e segue-se que, de acordo com essa teoria, a ação será

inexistente, então a parte será carecedora de ação. Portanto, a ausência da legitimidade ad

causam, como condição da ação, implica a extinção do processo sem resolução do mérito.

Essa é a ideia que permeia o pensamento de Liebman, ou seja, que a legitimidade

ad causam é uma condição da ação, mas esta expressão em Liebman significa uma

verdadeira condição de existência da ação, na ausência da qual haverá carência de ação,

conforme ensina o autor: “Se in un caso determinato mancano le condizioni dell'azione od

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anche una di esse (interesse e legittimazione ad agire) diciamo che vi è carenza di

azione”137(...).

No pressuposto dessas duas premissas, conclui-se que o direito de ação não será

exercido caso seja verificada a ilegitimidade. Portanto, bem se vê que os conceitos de

legitimidade e mérito em Liebman estão claramente separados, de modo que não se chega

ao mérito sem a legitimidade ad causam.

No pensamento de Chiovenda, deve-se imaginar a legitimidade ad causam

também como uma condição da ação138. A expressão condição da ação, no entanto, tem

significado no dicionário chiovendiano de uma condição para obter uma sentença

favorável139.

Percebe-se que a legitimidade ad causam, como condição da ação, e como

entende Chiovenda, não diz tanto com a existência da ação140, como defende expressivo

contingente da doutrina, mas com a titularidade141 dela.

Essa circunstância nos leva a concluir que um conceito sobre a legitimidade para

agir não é necessário. De fato, se alguém é legitimado para agir apenas quando obtém uma

sentença de procedência, o ser legitimado é confundido com o titular da pretensão levada a

juízo.

Se partirmos das premissas em Chiovenda, não adianta falar em legitimidade. A

improcedência dos pedidos formulados pelo autor da ação afasta deste a titularidade da

relação jurídica material, que por si só abala o conceito de legitimidade. Portanto, “para

Chiovenda, a existência do direito e a sua pertinência subjetiva eram duas vertentes

simultâneas do mérito da causa”142.

De fato, a falta de legitimidade ad causam, baseada na teoria que a inclui como

condição da ação, sempre significará extinguir o processo sem julgamento de mérito -

137 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. cit., p. 142. 138 CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processuale civile : 1894-1937. Vol. 3. Milano : Giuffrè,

1993, p. 435. 139 MARINONI, Teoria geral do processo, ob. cit., p. 176. 140 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. cit., p. 144: “Le condizioni dell'azione,

poco fa menzionate, sono l'interesse ad agire e la legittimazione. Esse sono come già accennato, i

requisiti di esistenza dell'azione, e vanno perciò accertate in giudizio (anche se di solito, per implicito)

preliminarmente all'esame del mérito”; o posicionamento é o mesmo de DINAMARCO (Instituições de

Direito Processual Civil, ob. cit., p. 305), ao afirmar que: “Não se trata de condições para o exercício da

ação, mas para sua própria existência como direito ao processo - porque seria estranho afirmar que um

direito existe mas não pode ser exercido quando lhe faltar um dos requisitos constitutivos”. 141 HENNING, Ação concreta - relendo Chiovenda e Wach, ob. cit., p. 123. 142 LOPES DO REGO, Carlos Francisco de Oliveira. Comentários ao código de processo civil. 2ª ed.

Coimbra : Almedina. Vol. 1: Art. 1º a Art 800º. – 2004, p. 57.

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produzindo apenas coisa julgada formal -, ideia defendida por Liebman, difundida na

doutrina brasileira e que tem adeptos até hoje143, embora tenha sido marcada por profundas

dúvidas e obscurecida por várias posições sobre a conexão entre esta "condição da ação" -

para aqueles que a entendem como tal - e o mérito da causa. 144

Com efeito, nem sequer os partidários da teoria eclética da ação puderam separar,

absolutamente, as condições da ação do mérito. Vemos, por exemplo, nos ensinamentos de

Cândido Rangel Dinamarco145, defensor fiel da teoria eclética da ação, que as condições da

ação estão no plano do direito processual, pois constituem condições para o

prosseguimento do processo e, portanto, para que o juiz possa pronunciar-se sobre o mérito

da demanda; mas, em qualquer caso, está-se quase que exclusivamente procurando

elementos no direito material para avaliar se essas condições existem ou não, conforme

leciona o autor.

A dúvida se agrava quando o próprio Liebman, maior expoente da teoria eclética,

afirma que os requisitos para a existência da ação são estabelecidos pela lei processual e

dependem do direito substantivo: “I requisiti per l'esistenza dell'azione sono stabiliti dal

diritto processuale; quelli per la sua fondatezza dipendono dal diritto sostanziale, o, più in

generale, dal diritto che regola il rapporto o lo stato che forma l'oggetto della

domanda”146.

Desse modo, eis a questão: se o juiz tiver que analisar os elementos fáticos-

jurídicos no direito material para aferir se as condições da ação estão presentes ou não,

como se pode afirmar que seu exame precede ou até mesmo se desvia do mérito? Por qual

motivo, de ordem lógico-sistemática, que se chega à conclusão de que, no caso de carência

de ação, a sentença deve extinguir o processo sem resolução do mérito?

143 DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 313. 144 Segundo Humberto Theodoro Júnior, o problema da natureza jurídica das condições da ação não é

pacífico, há correntes que a alinham com o mérito da causa e outras que a colocam em uma situação

intermediária entre os pressupostos processuais e o mérito da causa. Discute-se as questões que o juiz

resolverá, ora em um binômio de questões, ora em um trinômio, mas o Código brasileiro, segundo este

autor, optou claramente pela teoria do trinômio, adotando em seu sistema as três categorias básicas do

processo moderno como entidades autônomas e distintas, ou seja, como pressupostos processuais,

condições da ação e mérito da causa (THEODORO JUNIOR, Humberto. Pressupostos processuais e

condições da ação no processo cautelar. Repro. v. 50, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 13).

Galeno Lacerda, por exemplo, entende que a sentença que declara a ausência de legitimidade é um

julgamento de mérito, porque decisória da lide. (LACERDA, Despacho saneador, ob. cit., p. 82). 145 DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 307. 146 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile : principi, ob. cit., p. 152.

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Com efeito, nos parece que a concepção de uma teoria eclética da ação, mesmo

concebida na estrutura teórica da ação como direito abstrato, público e autônomo, não

renunciou a uma conexão, pelo menos teoricamente, com o direito material.

Nesse sentido, parece-nos prudente a aplicação da teoria da asserção, pela qual é

possível dizer quem são os titulares da relação jurídica de direito material subjacente que o

autor expôs em sua petição inicial, independente do reconhecimento da verdade ou não do

conflito descrito. Neste caso, a análise da legitimidade é realizada simplesmente a partir

das alegações do autor sem verificar os elementos fáticos-jurídicos presentes no direito

material. 147

Deve-se notar que, em qualquer caso, para examinar a existência da legitimidade

ad causam, mesmo superficialmente, é necessário analisar os fatos descritos na petição

inicial, para determinar quem tem a titularidade da relação jurídica de direito material e

quem é responsável por observar e respeitar o direito que o autor afirma possuir.

Contudo, na prática, é claro que a falta da legitimidade ad causam, em particular

no caso da ordinária, de regra, só pode ser demonstrada após a instrução processual, que

conduz inevitavelmente à improcedência do pedido e não à mera extinção do processo sem

resolução do mérito.

Hoje é passível de ser sustentada a posição segundo a qual a recente reforma pela

qual passou o Código de Processo Civil brasileiro excluiu a categoria das condições da

ação. Uma das razões a impelir o desaparecimento dessa categoria é o fato de que o

referido diploma processual não mais refere literalmente a expressão condições da ação,

nem seu correlato carência de ação. Assim, a legitimidade para agir e o interesse

processual passaram a ser elementos desvinculados do direito de ação.

147 Segundo José Roberto dos Santos Bedaque, “devem as condições da ação ser analisadas em tese, isto é,

sem adentrar ao exame do mérito, sem que a cognição do Juiz se aprofunde na situação de direito

substancial. Esse exame, feito no condicional, ocorre normalmente em face da petição inicial, in statu

assertionis. Apenas por exceção se concebe a análise das condições da ação após esse momento: é que

algumas vezes não há elementos para que tal ocorra naquele instante. Desde que a cognição permaneça

nos limites formulados (análise em tese, no condicional), permanecerá no âmbito das condições da

ação” (BEDAQUE, Pressupostos Processuais e Condições da Ação, ob. cit., p. 54). Apesar de sustentar

a teoria assertista, afirma Bedaque que "os dados para a verificação das condições da ação são todos

fornecidos pelo direito material. Examinar condições da ação significa voltar os olhos para a relação

jurídica de direito material” (BEDAQUE, Direito e processo, ob. cit., p. 74). Ainda, Bedaque: “Trata-

se, portanto, de análise de questões de mérito, ainda que feitas no condicional, hipoteticamente. Isto é, o

juiz examina os fatos constantes da petição inicial, ou segundo apresentados em ato de instrução

superficial (nas ações possessórias, a audiência de justificação configura ato de instrução prévia,

preliminar, que permite tão-somente a verificação da possibilidade jurídica, legitimidade e interesse), e

conclui a respeito das condições" ((BEDAQUE, Direito e processo, ob. cit., p. 84).

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Em qualquer caso, de acordo com o artigo 17 do Código de Processo Civil

brasileiro, a legitimidade e o interesse de agir devem estar presentes para se postular em

juízo, e o artigo 485, VI, estabelece que a sentença que reconhece a ausência de um desses

elementos resulta na extinção do processo sem resolução do mérito - sentença terminativa -

, o que indica que os elementos dessa categoria ainda vigem no ordenamento jurídico.

3.2.2. Legitimidade para agir como pressuposto processual

A legitimidade, como pressuposto processual, é um requisito cuja presença é

essencial para se chegar a uma decisão judicial sobre o mérito da causa. Ela “exprime a

relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a

posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou

contradizendo-o”148 (sic). Essa função da legitimidade, como pressuposto processual, é

adotada, por exemplo, no direito português149.

Como vimos anteriormente, os pressupostos processuais são questões

preliminares, requisitos estabelecidos no plano de admissibilidade do mérito da causa. Não

afetam o conteúdo da decisão sobre a demanda, mas condicionam o exame desta à

constituição regular do processo.150

Nesse sentido, de acordo com Varela, Bezerra e Nora151, a falta do pressuposto

processual não impede o juiz de decidir apenas sobre o mérito da ação, mas também de

entrar na apreciação e discussão da matéria relevante para a decisão de mérito,

interrompendo nomeadamente a produção de provas sobre os fundamentos do pedido.

148 LEBRE DE FREITAS, José; REDINHA, João; PINTO, Rui. Código de processo civil : anotado. 2ª ed.

Coimbra : Coimbra Editora, Vol. 1: Artigos 1º a 380º - A. – 2008, p. 51. 149 LEBRE DE FREITAS, REDINHA, PINTO, Código de processo civil : anotado, ob. e loc. cit.; LOPES

DO REGO, Comentários ao código de processo civil, ob. cit., pp. 55-59; CAPELO, Interesse

processual e legitimidade singular nas acções de filiação, ob. cit., pp. 151 e ss.; VARELA, BEZERRA

e NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., p. 106; 150 Segundo ECHANDIA (Teoria general del proceso : aplicable a toda clase de processos, ob. cit., p.

273), em tradução livre, para a formação válida da relação processual jurídica é necessário, além da

demanda, denúncia ou querela, que sejam cumpridos determinados requisitos indispensáveis para que

aquelas sejam atendidas pelo juiz e imponham-lhe a obrigação de iniciar o processo. Esses requisitos

são conhecidos como pressupostos processuais. 151 VARELA, BEZERRA e NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., pp. 104-105.

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Os pressupostos processuais determinam o nascimento válido do processo, seu

desenvolvimento e sua normal culminação com a sentença, sem necessariamente ter que

decidir no fundo sobre a procedência ou improcedência da pretensão e muito menos que

ela seja favorável a essa pretensão, já que essas duas circunstâncias dizem respeito ao juízo

de mérito da causa.152

A consequência típica da ausência de um pressuposto processual é a extinção do

processo sem resolução do mérito - entre os portugueses, chamada absolvição da instância

- o que, no entanto, não impede o autor de propor novamente uma ação sobre o mesmo

objeto que a anterior.

José Lebre de Freitas153 ensina que para que o tribunal se possa ocupar do mérito

da causa (decidindo-a ou ordenando - ou negando - a execução), é necessário que se

verifiquem determinadas condições, que constituem os pressupostos processuais. Quando

algum deles não se verifique, ocorre uma exceção dilatória e o juiz profere uma sentença

de absolvição (do réu) da instância, salvo se o processo dever ser remetido para outro

tribunal ou a falta do pressuposto puder ser sanada, ou ainda se, destinando-se a exceção

dilatória a tutelar o interesse duma das partes, nenhum outro motivo obstar, no momento

da sua apreciação, a que se conheça do mérito da causa e a decisão dever ser inteiramente

favorável a essa parte.

De acordo com o artigo 576.º do Código de Processo Civil português - Lei n.º

41/2013, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão

lugar à absolvição da instância - extinção do processo sem resolução do mérito - ou à

remessa do processo para outro tribunal. A ilegitimidade de parte constitui uma exceção

dilatória, conforme resulta do disposto no art.º 577.º, alínea e), do CPC lusitano, e deve ser

arguida pelo réu ou conhecida de ofício pelo juiz.

No que diz respeito à legitimidade, essa é um pressuposto processual subjetivo

relativo às partes, que são titulares da relação material controvertida. Segundo Anselmo de

152 ECHANDIA, Teoria general del proceso : aplicable a toda clase de processos, loc. cit. De acordo com

José Lebre de Freitas, “a configuração dos pressupostos processuais como condições da regular

constituição da instância, entendida esta como relação jurídica (bilateral, até à citação do réu; triangular,

a partir dela) estabelecida entre as partes e o tribunal (relação jurídica processual: infra, n.° II.6.2), é

preferível à sua configuração, hoje correntemente posta de lado, como condições do direito de ação,

sem prejuízo de o exercício deste direito só poder levar à decisão de mérito - e, portanto, a uma decisão

que possa satisfazer o interesse do autor - quando a instância se apresente regularmente constituída,

salvos os casos em que a irregularidade cometida não impeça essa decisão” (LEBRE DE FREITAS,

Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pp. 103-104). 153 LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à luz do novo

Código, p. 50-51.

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Castro154, o objetivo da legitimidade das partes diz com o interesse em que a causa seja

julgada perante as partes verdadeiras e principais interessadas na relação jurídica, e,

portanto, como o próprio autor define, como a consequência lógica do princípio do

contraditório.

O Direito Processual Civil português, com base no art.º 30.º do CPC/2013, como

critério principal de determinação da legitimidade elege o interesse em demandar oposto

ao interesse em contradizer e, como critério supletivo, a titularidade da relação jurídica

controvertida ao abrigo do artigo 30.º, n.º 3, do CPC português. De acordo com Miguel

Teixeira de Sousa, “o n.º 3 foi justificado pela necessidade de fornecer um critério prático

que pudesse superar as tradicionais dificuldades (...) e orientar o juiz na tarefa de

determinar se as partes têm ou não interesse directo”155 (sic).

Portanto, a regra é a de que a legitimidade das partes deriva de sua posição como

sujeitos da relação material controvertida, ou seja, “os titulares do direito subjectivo”156

(sic), comparando os sujeitos da relação jurídica subjacente com os sujeitos (partes) da

relação jurídica processual. No entanto, salvo disposição em contrário na lei, considera-se

como titulares do interesse relevante para fins de legitimidade os sujeitos da relação

controvertida, tal como é configurada pelo autor.157

154 CASTRO, Artur Anselmo de. Direito Processual Civil declaratório, Vol. 2, Coimbra : Almedina, 1982,

p. 168. 155 TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. A legitimidade singular em processo declarativo, in Boletim do

Ministério da Justiça n.º 292, Lisboa, 1979, p. 107. Segundo Teixeira de Sousa, “A função do interesse

na tutela é, assim, o de determinar as partes legitimas, o que é realizado de modo diferente quanto a uma

parte material (que é aquela que é titular do direito subjectivo) e quanto a uma parte formal (que é

aquela que não é titular desse direito): - se a parte for material, a titularidade activa ou passiva do direito

subjectivo é suficiente para lhe atribuir interesse na tutela; - se a parte for formal, só por um critério

diferente daquele que respeita à titularidade do direito pode ser aferido o seu interesse na tutela”

(TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, in

Cadernos de Direito Privado. Braga, 2003, p. 4). 156 TEIXEIRA DE SOUSA, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, ob. e loc. cit.,

apud REIS, José Alberto dos. Legitimidade das partes, in BFD, ano VIII, n.º 71-80, (1923-1925), pp.

69 e 86 e segs. 157 Nesse sentido, “a determinação dos sujeitos da relação material controvertida, isto é, dos titulares das

situações jurídicas de direito substantivo que estão em causa no processo, não interessa à configuração

das partes processuais, mas apenas, ainda que filtrada pela versão dos factos apresentada pelo autor, à

determinação da sua legitimidade” (LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil : conceito e

princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pp. 77-78); em sentido semelhante, José Carlos Barbosa

Moreira reputa a legitimidade como a “coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa, tal como

resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e a situação legitimante prevista na lei para a

posição processual que a essa pessoa se atribui, ou que ela mesma pretende assumir”. (BARBOSA

MOREIRA, José Carlos. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária.

Revista dos Tribunais. São Paulo : RT, n. 404, 1969, pp. 9-10); ainda, no mesmo sentido, Donaldo

Armelin (Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 83) expõe que “a

simples afirmação do autor a respeito da existência de um direito violado é suficiente para, no plano

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No Direito Processual Civil português, a generalidade das exceções dilatórias é

suprível, quer por iniciativa do autor quer por determinação oficiosa do juiz.158 No entanto,

a ilegitimidade de parte é insanável, como nota Abrantes Geraldes159: “Se A demanda B

quando, afinal, o sujeito da relação material controvertida era C, parece natural que não

possa remediar-se a falta do pressuposto processual de legitimidade singular, até porque,

de qualquer modo, o processo deveria recuar praticamente ao seu início”.

De acordo com Paulo Pimenta160, (...) “a perspectiva da sanação da falta de um

pressuposto processual só pode colocar-se nos casos em que a falta seja objectivamente

suprível. Se o vício é insanável, nada haverá a fazer, tendo o juiz de assumir isso mesmo e

fixar o respectivo efeito, expresso na abstenção de apreciar o mérito da causa” (sic). Ainda

segundo o autor “a ilegitimidade singular é, pela sua própria natureza, insanável. Por isso,

conduzirá à absolvição do réu da instância [art. 278.º 1.d)]”

Por esta razão, a propositura de uma ação por quem não tem legitimidade para

formular pedidos que pretende ver reconhecidos determina a absolvição do réu da

instância. Uma vez que a legitimidade é uma exceção dilatória, o processo é extinto sem a

decisão do juiz sobre o mérito da causa, ou seja, sem uma decisão judicial sobre o pedido

objeto da demanda. Se não se refere ao mérito da lide, ela não adquire a força de coisa

julgada material, mas apenas de coisa julgada formal, com um valor endoprocessual,

vinculativo apenas no processo em que a decisão foi tomada (ou seja, seus efeitos estão

dentro do processo), o que não impede a propositura de novas ações com o mesmo

objeto.161

processual, justificar a sua legitimidade, ainda que, a final, seja comprovado e reconhecido, em decisão

judicial definitiva, que aquele direito inexistia, e, pois, obviamente, a sua titularidade, que, no âmbito do

direito material, seria a situação legitimante para a pretensão ajuizada”. 158 Adverte que os pressupostos processuais não são condições do direito de ação (cf. JOÃO DE CASTRO

MENDES, O direito de ação cit., ps. 233-236): por um lado, também a absolvição da instância constitui

uma sentença e, como tal, uma atividade jurisdicional provocada pelo exercício do direito de ação; por

outro, a falta de pressupostos processuais é tendencialmente sanável e nem sempre impede a decisão de

mérito”. (LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à luz do

novo código, ob. cit., p. 103, em nota). 159 GERALDES, António Santos Abrantes. Temas da reforma do processo civil. 4ª ed., rev. e actual.,

reimp., Coimbra : Almedina, Vol. II: 3 - Audiência preliminar, saneamento e condensação ; 4 - Registo

da prova e decisão da matéria de facto, 2010, p. 67. 160 PIMENTA, Processo civil declarativo, ob. cit., pp. 115 e 119. 161 Neste sentido FREITAS (Introdução ao processo civil : conceito e princípios gerais à luz do novo

código, ob. cit., p. 52, em nota): “Havendo sentença de absolvição da instância, não se produz o caso

julgado material, privativo da decisão de mérito («decisão sobre a relação material controvertida»), mas

apenas o caso julgado formal, que não obsta à repetição da causa, pois não se impõe fora do processo

em que a sentença é proferida, mas só dentro dele”.

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No entanto, é possível que, face a ausência do pressuposto processual da

legitimidade ad causam, o julgamento não leve à completa extinção do processo, por

exemplo, a exclusão de um litisconsorte do processo. Nesse caso, embora a decisão do

tribunal seja uma declaração de exclusão de uma parte, o processo continuará com relação

às demais.

Vimos que no direito português a legitimidade para agir é um pressuposto

processual e, como tal, “constitui um dos requisitos essenciais para que o juiz se possa

pronunciar sobre o mérito da causa, condenando ou absolvendo o réu do pedido”162

Portanto, a legitimidade, como pressuposto processual, é um requisito de

admissibilidade do julgamento do mérito163 cuja ausência, em teoria, impede o juiz de

analisar o pedido do autor.

A legitimidade ad causam fornece uma primeira visão, embora superficial, do

direito material levado ao conhecimento do tribunal, para examinar a pertinência subjetiva

da lide164, ou seja, a correspondência entre as posições do autor e do réu na relação jurídica

processual e aqueles que são os sujeitos ativo e passivo na relação jurídica material. É a

legitimidade que liga as partes à causa de pedir. O autor e o réu são as principais partes no

processo. No entanto, eles serão apenas partes legítimas se eles forem os titulares da

relação jurídica de direito material, que fundamenta a pretensão do autor e constituem a

causa de pedir.165

162 VARELA, BEZERRA e NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., p. 134. 163 Neste sentido, CAPELO, Interesse processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit., p. 33, em

nota. 164 Cfr. apreciação crítica de CAPELO (Interesse processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit.,

p. 181): “Factos e Direito (aplicável) andam associados, pelo que a aferição da pertinência subjectiva de

uma pessoa relativamente a determinados factos é sempre iluminada pelo Direito. Afirmar que

determinado sujeito é parte legítima porque os factos se lhe reportam é dizer muito pouco, para quem

defende que a legitimidade se afete pela efectiva titularidade da relação material controvertida,

pressupondo que a relação exista. Além de que é muito difícil operar, numa mesma causa, com esta

destrinça” (sic). 165 O art. 26.°, n.° 3, do CPC português (correspondência no art.º 30.º, do CPC vigente), ainda, “concretiza

a aferição da legitimidade singular através da titularidade de um interesse na tutela afirmando que são

partes legítimas os titulares da relação material controvertida, ou seja, os titulares do direito subjectivo.

Em conclusão: as partes materiais possuem um interesse na tutela que decorre da titularidade do direito

e São, por isso, partes legítimas numa acção cujo objecto seja esse mesmo direito” – grifamos em itálico

– (TEIXEIRA DE SOUSA, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, ob. e loc. cit.).

Segundo nos diz José Lebre de Freitas constitui clássica discussão do direito processual civil português ,

iniciada entre ALBERTO DOS REIS e BARBOSA DE MAGALHÃES, saber se “a averiguação da

titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada

em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objetivos, isto é,

abstraindo apenas da efetiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjetivos, isto é,

com abstração também da sua efetiva titularidade. Para os autores integrados na primeira corrente, a

legitimidade processual apura-se mediante a determinação da pessoa que, no pressuposto da existência

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Se não houver conexão entre esses dois elementos da lide ou o autor não possui o

direito material alegado ou, se ele tiver esse direito, não será em face do demandado. É,

portanto, uma questão de mérito da demanda e não do processo (relação jurídica de direito

processual).

A doutrina afirma que na configuração do pressuposto da legitimidade, o direito

processual recorre a qualificações do direito material.166 Por outro lado, Freitas, Redinha e

Pinto167, afirmam, referindo Teixeira de Sousa168, que, melhor seria se fosse suprimido o

pressuposto da legitimidade processual, porque inútil e redundante em face da apreciação

de mérito, a não ser nos casos de legitimidade indireta (substituição processual) ou de

tutela de interesses coletivos ou difusos.

Maria José Capelo169 afirma que a conexão com os parâmetros do direito

substantivo é necessária para identificar os pressupostos de fato e de direito da

legitimidade processual. Os limites da atuação judicial de um determinado sujeito são

limitados por regras materiais. Mais precisamente, as regras que determinam a posição

deste sujeito frente a um determinado bem. Tal circunstancialismo implica que os fatos que

servem de base para julgar o mérito da causa são os mesmos nos quais a legitimidade se

baseia. Essa observação catalisa a perspectiva da legitimidade como uma questão de

mérito.170

O que distingue o direito substantivo do direito processual é o fato de que este diz

respeito às relações entre os sujeitos processuais, a posição de cada indivíduo no processo,

sem se referir, em princípio, ao interesse primário das pessoas, do qual se ocupa o direito

material. Quando o processo termina em uma sentença, duas hipóteses podem surgir, ou o

juiz decidirá sobre o mérito da ação, ou seja, ele analisará o direito consubstanciado na

do direito ou do interesse a verificar no processo, o pode fazer valer, considerados para tanto todos os

factos trazidos ao processo e produzidas as provas necessárias (veja-se, por exemplo, VARELA-

BEZERRA-NORA, Manual cit., ps. 128 dos na segunda corrente, ao apuramento da legitimidade e ss.).

Para os integrados na segunda corrente, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração

do pedido e a causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última (veja-se

CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., ps. 185 e ss.)”. (LEBRE DE FREITAS, José,

ALEXANDRE, Isabel. Código de processo civil : anotado. 3ª ed. Coimbra : Coimbra Editora. Vol. 1 :

Artigos 1º a 361º. - XVII, 2014, pp. 71-72). 166 FREITAS, Introdução ao processo civil, loc. cit. 167 FREITAS, REDINHA e PINTO, Código de processo civil, ob. cit., p. 54. 168 TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. Apreciação de alguns aspetos da “Revisão do Processo Civil” –

Projecto, in ROA, Ano 55, Lisboa, 1995, p. 376. 169 CAPELO, Interesse processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit., pp. 152-153 170 A contrario sensu, há doutrina que defende que é sempre possível distinguir entre os aspectos

relevantes para a legitimidade (como pressuposto processual) e as questões relativas ao mérito da ação

(VARELA, BEZERRA e NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., p. 138).

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relação jurídica de direito material, ou ele proferirá uma decisão de extinção do processo

sem resolução do mérito, declarando a ausência de algum requisito processual.

Esses requisitos processuais necessários para a regularidade do processo são,

como vimos, os chamados pressupostos processuais. Para que o tribunal aprecie o mérito

da demanda, estes requisitos processuais devem, em princípio, estar presentes e o processo

deve ser constituído regularmente. Caso contrário, o processo será extinto sem uma

decisão sobre o mérito.

Do ponto de vista racional, o juiz basicamente faz dois juízos: um primeiro de

admissibilidade, para verificar a regularidade dos aspectos processuais, e o segundo de

mérito, onde analisa a pretensão do autor consubstanciada na lide. Como vimos, a doutrina

majoritária sustenta que a legitimidade, como pressuposto processual, está vinculada ao

direito substantivo, mas continua sendo tratada como uma questão processual.

Por exemplo, analisando o pressuposto da legitimidade ad causam para saber se

as partes do processo também são os sujeitos da relação jurídica material, é necessário

considerar a relação de direito material. Então, se A celebra um contrato com B, mas exige

o cumprimento de C, é óbvio que o C é parte ilegítima. No entanto, para chegar a esta

conclusão, a relação de direito material deve ser examinada. Acontece que mesmo

considerando o direito material como modo de aferição da legitimidade, esta ainda é

tratada como questão processual.

No direito brasileiro, alguma doutrina já vinha ensinando, antes da entrada em

vigor do novo Código de Processo Civil, que aprovada a reforma do Código, a

legitimidade, que era tratada na categoria jurídica das condições da ação, migraria para a

categoria dos pressupostos processuais. Entre os defensores desta tese podemos citar

Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha. 171 A exclusão do termo condições da

ação do novo diploma parece ter sido o impulso necessário para consolidar essa ideia.

No entanto, é fato que a legitimidade foi mantida no novo CPC brasileiro e, de

acordo com este diploma, o juiz, ao verificar a ausência de legitimidade, deve extinguir o

processo sem resolução do mérito. Com isso, Fredie Didier entende que a legitimidade,

como um requisito de admissibilidade do processo, deve subsumir-se à categoria dos

171 DIDIER JR., Será o fim da categoria "condição da ação"? Um elogio ao projeto do novo Código de

Processo Civil, loc. cit.; CUNHA, Será o fim da categoria condições da ação? Uma intromissão no

debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre Freitas Câmara, ob. e loc. cit.

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pressupostos processuais172 como uma hipótese de requisito de admissibilidade subjetivo

relacionado às partes173, como adotado, por exemplo, no direito português.

Isso não muda o fato de que a legitimidade, mesmo como um pressuposto

processual, é uma questão conexa com o direito substantivo, como já mencionado, mas

ainda é tratada como uma questão processual na legislação.

Como podemos ver, a legitimidade nos ordenamentos jurídicos português e

brasileiro é tratada como se fosse uma questão processual prévia ao julgamento de mérito,

mas não abandona o direito substantivo e não a separa da questão do mérito. É, portanto,

essa natureza, no mínimo híbrida, da legitimidade, que impede sua classificação como um

pressuposto processual.

3.2.3. Legitimidade para agir como questão de mérito

Não há dúvida de que a legitimidade ad causam e o mérito se encontram em um

ponto de interseção, o que enfraquece a legitimidade como mero requisito de

admissibilidade para o julgamento do mérito da causa.

Parte da doutrina, como vimos, sustenta que a análise da legitimidade, como uma

condição da ação, ocorre em abstrato, argumento de que se valem os seguidores de

Liebman mais pertinazes para separar conceitualmente a legitimidade do mérito174, mas

que de modo nenhum difere da análise em concreto.

172 Araken de Assis também já examinava a legitimidade ad causam como pressuposto processual.

(ASSIS, Araken de. Substituição processual. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo :

Dialética, n. 09, 2003, p. 9). 173 DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 306. 174 A legitimidade ad causam, muito embora tenha restado indicada por Liebman como uma condição da

ação e, por isso, dita alheia ao mérito da causa, reflete justamente um exame de mérito. Sobre o ponto, a

doutrina tem efetuado pertinente crítica. Para aprofundamento, ver entre outros, DIDIER JR., Curso de

Direito Processual Civil, ob. cit., p. 356-358, bem como MARINONI, Teoria geral do processo, ob.

cit., p.192-194; FABRÍCIO, Extinção do Processo e Mérito da Causa, ob. cit., p. 7-32; LACERDA,

Galeno de. Despacho saneador. 2ª ed. Porto Alegre: SAFE, 1985, p. 75-93; BEDAQUE, José Roberto

dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 278-293. Em

contrapartida, consignando-se a doutrina contrária, Dinamarco defende as condições da ação das críticas

referindo que tais “desvios de perspectiva são devidos ao intensíssimo grau de influência do direito

material na verificação das condições da ação, que chega a estrangular e mesmo dá a impressão de

aniquilar, nesse ponto, o espaço existente entre os dois pontos do ordenamento jurídico. Ceder a essa

falsa impressão, todavia, significa levar a indesejáveis extremos a teoria abstrata da ação, minimizando

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Por exemplo, considere o caso de uma ação reivindicatória, na qual o juiz verifica,

após a instrução processual, que o autor não é o proprietário. O que o magistrado deve

fazer nessa situação? Extinguir o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade,

conforme a letra do inciso VI do art. 485 do CPC recomenda ou julgá-lo improcedente,

porque o autor não tem o direito material afirmado?

Segundo Luiz Guilherme Marinoni175 não faz sentido admitir uma sentença de

extinção do processo sem julgamento do mérito ao final do processo, se o juiz puder

reconhecer que o autor não é detentor do direito substantivo (legitimidade para a causa) ou

que o autor não pode solicitar o pagamento de uma dívida, porque não está vencida (falta

de interesse de agir). Se a ação se desenvolve até a última etapa do processo, ela chega em

um momento em que o juiz tem condições para reconhecer a existência ou inexistência do

direito.

Nesse sentido, de acordo com doutrina espanhola, na maioria dos casos a

legitimidade não pode ser examinada ad limine, no início do processo; porque sua

apreciação judicial é subjetiva, ao contrário do que acontece com os pressupostos

processuais, que podem ser comprovados judicialmente em limine litis; sua apreciação

judicial é objetiva e cuja falta determina uma decisão meramente processual, sem efeitos

de coisa julgada.176

Com efeito, ao decidir a questão de mérito, um órgão jurisdicional deve examinar

se as partes são legítimas e se o ordenamento jurídico ampara a pretensão de alguma delas.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional deve analisar se aqueles sujeitos que provocaram

a atuação da Jurisdição são, de fato, os sujeitos da relação jurídica material e, por outro

lado, deve verificar a quem o ordenamento jurídico protege.

Para fazer um pronunciamento judicial, é necessário que o órgão jurisdicional

saiba quais as alegações de que o autor e o réu se valeram na petição inicial e na

contestação, respectivamente, bem como no caso de controvérsia entre as alegações feitas

por cada um, conhecer o resultado da atividade probatória feita no processo.

Em suma, geralmente não é possível ao órgão jurisdicional declarar a quem o

ordenamento jurídico protege, se o autor ou o réu, senão na sentença sobre o mérito (ou

a valia de suas condições”. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12ª ed.

são Paulo: Malheiros, 2005, p. 224. 175 MARINONI, Teoria geral do processo, ob. cit., p.192. 176 GARBERÍ LLOBREGAT, José. Capacidad, postulación y legitimación de las partes en el proceso

civil. 1ª ed.. Barcelona : Bosch, 2009, p. 78.

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seja, no final do processo, depois de ouvir as alegações de ambas as partes e, depois de ter

sido realizada a atividade probatória correspondente), tampouco pode declarar se as partes

do processo, de fato, são legitimas, senão na sentença (ou seja, novamente ao final do

processo e depois das alegações das partes e atividade probatória). Para poder realizar os

dois pronunciamentos, os argumentos que as partes alegaram devem ser totalmente

compreendidos e o resultado das provas deve confirmar a veracidade desses argumentos.

Assim, parece claro que a falta de legitimidade, após a instrução processual, leva

necessariamente à improcedência do pedido e não ao simples encerramento do processo

sem uma decisão de mérito.

No entanto, uma vez que o juiz reconhece a flagrante ilegitimidade de uma das

partes, logo no início do processo, ao receber a petição inicial, entende-se que o magistrado

deve proferir, de imediato, uma sentença definitiva, reconhecendo a improcedência, prima

facie, do pedido do autor.

Deve-se notar que o próprio Liebman reconhecia a ocorrência prática de hipóteses

onde a legitimidade estava tão intimamente relacionada com o mérito que exigiam uma

análise conjunta, o que é frequentemente o caso na prática forense, haja vista despachos

neste sentido: “As preliminares se confundem com o mérito e serão com este

analisadas”.177

Salvatore Satta propôs uma tese que levou a um debate acalorado na literatura

jurídica processual italiana. De fato, e de acordo com o pensamento de Satta, a negação da

legitimidade ad causam e a negação do direito não seriam fenômenos de natureza distinta,

mas sim idêntica.178

Em uma de suas obras, Satta chega ao ponto de rotular de risíveis as hipóteses

construídas pela doutrina para ilustrar casos de legitimidade que diferem da existência do

direito.179 Finalmente, no pensamento de Satta “la decisione sulla legittimazione è sempre

una decisione di mérito”.180

A legitimidade sempre foi considerada pelos processualistas alemães como uma

categoria separada dos pressupostos processuais, cuja existência é indispensável para a

fundamentação da ação. Nesse sentido, Schönke esclarece: “No es un presupuesto procesal

177 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 81. 178 SATTA, Salvatore. Commentario al codice di procedura civile. Milano : F. Vallardi, 1959, p. 355. 179 SATTA, Commentario al codice di procedura civile, ob. e loc. cit. 180 SATTA, Diritto processuale civile, ob. cit., p. 136.

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la legitimacion en causa, pues es parte del fondamento de la demanda, y por ello, caso de

faltar, la demanda ha de ser cualificada como infundada, no como inadmisible (Tribunal

Supremo). Tampoco la resolución firme sobre el asunto se opone a la incoación de un

nuevo procedimiento”. Consequentemente, a legitimidade ad causam no direito alemão

não constitui um tertium genus, uma vez que não se enquadra na categoria de pressupostos

processuais e está integrada no campo do mérito. Portanto, a legitimidade é excluída do

campo de admissibilidade da análise do mérito, referindo-se à fundamentação da ação, ou

seja, ao mérito em si.181

Por outro lado, doutrina espanhola considera a legitimidade um pressuposto da

pretensão contida na demanda e na oposição que o réu formula, de modo que a sentença

sobre o mérito possa ser possível. Faz parte da fundação da demanda em um sentido geral.

A legitimidade não seria um pressuposto processual, porque longe de se referir ao

procedimento ou o exercício válido da ação, contempla a relação substancial que deve

existir entre o sujeito demandante ou demandado e o interesse substancial discutido no

processo, pelo que se trata de pressupostos materiais ou substanciais para o julgamento do

mérito.182 Dessa forma, percebe-se que essa parcela da doutrina considera a relação

substancial que deve existir entre o autor e o réu.

Da maneira como entendemos, a legitimidade ad causam outra coisa não pode ser

senão uma questão de mérito. A ausência de legitimidade equivale à ausência de direito

material. Essa é a tese que encontra melhor acolhida na doutrina atualmente.183

181 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 137. 182 ECHANDIA, Teoria general del proceso : aplicable a toda clase de processos, ob. cit., p. 256: “Como

se ve, la legitimacion es en realidad un presupuesto de la pretension contenida en la demanda y de la

oposición que a aquélla formula el demandado, para que sea posible la sentencia de fondo, que resuelva

sobre ellas. Forma parte de la fundamentación de la demanda en sentido general. Resulta evidente de Io

expuesto, que la legitimación em la causa (como el llamado por algunos interés sustancial para obrar)

no es un presupuesto procesal, porque lejos de referirse al procedimiento o al valido ejercicio de la

acción, contempla la relación sustancial que debe existir entre el sujeto demandante o demandado y el

interés sustancial discutido en el proceso. Se trata de presupuestos materiales o sustanciales para la

sentencia de fondo”. 183 Adroaldo Furtado Fabrício, ao tratar da legitimidade de parte, assevera: “Relativamente a esta

‘condição’, parece ainda mais difícil sustentar-se que seja matéria estranha ao mérito. Efetivamente, ao

sentenciar que o autor não tem legitimatio ad causam, denega-lhe o juiz, clarissimamente, o bem

jurídico a que aspirava, posto que à sua demanda responde: ‘Se é que existe o direito subjetivo

invocado, dele não és titular’. Proclamando o juiz, por outro lado, ilegitimidade passiva ad causam,

declara que, em face do réu, não tem o autor razão ou direito. Em qualquer dos casos, há clara prestação

jurisdicional de mérito”. (FABRICIO, Extinção do Processo e Mérito da Causa, ob. e loc. cit.).

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De fato, a falta de legitimidade significa que a parte não tem relação com o direito

material controvertido, nem na posição de autor nem de réu e, portanto, o processo deve

ser julgado extinto com resolução do mérito.

Como vimos, a possibilidade jurídica do pedido, que antes era considerada uma

condição da ação, foi reconhecida pela doutrina como uma questão de mérito, e

permaneceu na legislação processual civil brasileira o interesse e a legitimidade como

questões de admissibilidade para o julgamento do mérito do processo.

No entanto, a legitimidade de parte está, de fato, diretamente ligada ao pedido, ou

seja, ao mérito do processo, uma vez que não é possível avaliar o mérito do pedido sem

levar em conta a legitimidade das partes. Por exemplo, se o juiz declarar a ilegitimidade de

alguma das partes no processo, sua decisão é baseada em questões de fato e de direito

alegadas pelas partes.

Imaginemos, por exemplo, a seguinte situação: o caseiro de um sítio sai de férias

e, no seu retorno, verifica que o imóvel foi invadido por terceiros. Ele procura um

advogado, que propõe ação de reintegração de posse em nome do caseiro. Nesse caso, o

juiz verifica que o autor não possui legitimidade ativa para propor ação de reintegração de

posse, já que o caseiro é mero detentor e não possuidor do sítio. Dessa forma, o processo

merece ser extinto com resolução de mérito, porque o direito material alegado pelo autor e

amparado pela norma jurídica não lhe pertence, e sim ao possuidor do imóvel.

Verifica-se, portanto, que a sentença que extingue o processo em razão da

ilegitimidade de uma parte, por não ser o sujeito que o ordenamento jurídico protege, tem o

mesmo resultado da que rejeita o pedido do autor.

Não há separação entre a legitimidade e o pedido em si. Pensemos, também, na

seguinte hipótese: se o autor afirma na petição inicial que quer prestação de alimentos do

seu primo, sob o fundamento de que este possui um salário melhor que o seu, o juiz da

causa pode fundamentar a sentença na ilegitimidade de parte, pois pensão alimentícia é

devida apenas à parentes em linha reta ou colaterais até o segundo grau, conforme já

decidiu o Superior Tribunal de Justiça184, mas também pode afirmar que o autor não possui

o direito material pretendido.

184 “(...) 4. Tenho, no entanto, com respeitosa vênia, que elaboraram as instâncias ordinárias em equívoco

ao ter por legitimados os tios como responsáveis pelos alimentos. Anota Marco Aurélio S. Viana

("Curso", Del Rey, 1998, cap. 19, nº 4): "O vínculo de parentesco vem fixado em lei (arts. 396, 397,

398). Os alimentos são devidos pelos pais, filhos, ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo

grau. Não alcança os afins". Expressa, com efeito, o Código Civil: "Art. 396. De acordo com o prescrito

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Entretanto, é necessário entender a diferença entre direito material e direito

processual. O juiz pode adentrar o mérito da ação e analisar o direito consubstanciado na

relação jurídica material ou por algum defeito processual, extinguir o processo sem

resolução de mérito.

Na fase inicial do processo, o juiz realiza uma análise sumária com base na

subsunção dos fatos alegados pelo autor com a norma jurídica abstrata e examina os

requisitos formais e materiais da demanda para a formação válida do processo.

Portanto, o autor deve primeiro demonstrar que está legitimado a atuar no

processo, inclusive com a juntada de documentos exigidos pela lei. Por exemplo, se o autor

não junta a escritura pública registrada em cartório na ação reivindicatória, imaginando ser

suficiente a juntada do contrato de venda e compra, ou em uma ação de alimentos contra o

pai, o filho não junta a certidão de nascimento, nesses casos, o processo merece ser extinto

sem resolução de mérito por falta de prova formal exigida pela lei, para a comprovação

neste Capítulo podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir.

Art. 397. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os

ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros". Art. 398. Na

falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem da sucessão e, faltando este,

aos irmãos, assim germanos, como unilaterais". Doutrina, a propósito, Orlando Gomes, na 10ª ed.

atualizada por Humberto Theodoro Júnior, do seu "Direito de Família", Forense, nº 259: "São

pressupostos da obrigação de prestar alimentos: a) a existência de determinado vínculo de família entre

o alimentando e a pessoa obrigada a suprir alimentos; b) o estado de miserabilidade do alimentando; c)

as possibilidades econômico-financeiras da pessoa obrigada a prestar alimentos. A – A existência do

vínculo de família constitui o fato básico do qual a lei faz derivar a obrigação. Não são todas as pessoas

ligadas por laços familiares que estão sujeitas, porém, às disposições legais atinentes aos alimentos, mas

somente os ascendentes, os descendentes, os irmãos, assim germanos como unilaterais, e os cônjuges.

Limita-se aos colaterais de segundo grau de obrigação proveniente de parentesco". Washington de

Barros Monteiro, no seu "Curso", vol. 2, Saraiva, 27ª ed., p. 292, ensina: "A obrigação alimentar é de

natureza legal, a cargo das pessoas expressamente designadas, de tal forma que se deve ter sua

indicação por taxativa e não enunciativa. Conseguintemente, os demais parentes não se acham sujeitos

ao encargo alimentar. Este, na linha colateral, não vai além do segundo grau, o que, como observa

Bonfante, colide com o direito sucessório, que, em nossa legislação, vai até o quarto grau (art. 1.612 do

Cód. Civil, modificado pelo Dec.lei nº 9.461, de 15.7.1946). Por conseguinte, no direito pátrio, o onus

alimentorum não coincide com o emolumentum successionis". Maria Helena Diniz, "Curso", 5º vol.,

Direito de Família, Saraiva, 8ª ed., pág. 324, igualmente leciona: "A obrigação de prestar alimentos é

recíproca (CC, art. 396) entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau. Logo ao direito de

exigi-los corresponde o dever de prestá-los. Essas pessoas são, potencialmente, sujeitos ativo e passivo,

pois quem pode ser credor, também pode ser devedor". E, no seu "Código Civil Anotado", Saraiva, art.

398: "O dever de pagar pensão alimentícia não pode ultrapassar a linha colateral em segundo grau; logo,

tio não deve alimentos a sobrinho, nem primos devem-se reciprocamente". Outra, aliás, sobre a relação

tio-sobrinhos, não foi a decisão do TJDF, em precedente coligido por Yussef Said Cahali, "Dos

Alimentos", RT, 3ª ed., Cap. 7, nº 7.3, pág. 722, nota 123. Como se nota, não estão os pacientes

alcançados pelas normas que regem a matéria. (...)”. STJ. (17 de fevereiro de 2000). HABEAS

CORPUS Nº 12.079 - BA (2000/0009738-1). RELATOR: MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO

TEIXEIRA. DJ: 17/02/2000. Acesso em 5 de julho de 2018, disponível em STJ:

http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=pens%E3o+aliment%EDcia+e+primo+e+parente+e

+grau&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true#DOC4

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sumária da legitimidade ativa da ação, não sendo possível o prosseguimento do processo

para realizar a análise do mérito (juízo processual). É dizer, nesse caso, que aferir da

ocorrência dos elementos de uma situação legitimante não implica uma análise do fundo da

causa.

Deve-se notar que isso não é uma questão de ilegitimidade de parte, mas a mera

ausência de prova formal para a comprovação sumária da legitimidade para agir, que pode

então ser sanada, posteriormente, a fim de obter-se a procedência do pedido (juízo de

mérito).

A situação é diferente quando o juiz verifica que a parte não tem legitimidade,

como por exemplo, o autor não é o proprietário do imóvel, porque existe um registro de

propriedade no cartório anterior ao seu ou a escritura pública é falsa; ou o réu não é o pai

do autor, pois consta na certidão de nascimento outro genitor. Nesta hipótese, a

demonstração da legitimidade da parte contende com a apreciação do mérito da causa e,

portanto, o processo deve ser extinto com resolução de mérito, caso contrário, o autor

poderá ajuizar a mesma demanda repetidas vezes.

O tratamento conferido pelo legislador brasileiro ao instituto da legitimidade ad

causam é o de um requisito de admissibilidade para o julgamento de mérito, cuja ausência

impede a análise do fundo da causa, de forma que o processo é extinto sem resolução do

mérito (artigo 485, VI, CPC). Não obstante, vozes autorizativas preferem ver na sentença

que declara a ilegitimidade um julgamento de mérito, pelo menos no caso da ordinária 185.

De qualquer forma, mesmo aqueles que reconhecem a distinção entre legitimidade

e mérito têm queixas sobre o seu tratamento jurídico: o fato de o processo ser extinto sem

resolução de mérito não impede a propositura de uma nova ação (conforme o Art. 486,

CPC), podendo causar todo tipo de inconveniente à atividade judicial. É possível repetir o

processo indefinidamente com a mesma ação até que um magistrado decida

favoravelmente.

Uma vez que a legitimidade de parte é entendida como uma questão de mérito, a

sentença que reconhece uma das partes como ilegítima seria adequada para analisar o

mérito da demanda e, portanto, para constituir coisa julgada material.

185 DIDIER JR., Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao projeto do novo Código de

Processo Civil, ob. cit., p. 323; também em: DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil, ob. cit.,

pp. 356-359.

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De nossa parte, entendemos que a legitimidade de parte, no caso a ordinária, é, na

verdade, questão de mérito, de acordo com abalizada doutrina a respeito, e não requisito de

admissibilidade para o julgamento de mérito, como prevê, por exemplo, o ordenamento

jurídico brasileiro e o português.

Referimo-nos apenas à legitimidade ordinária, porque compartilhamos o

entendimento da doutrina segundo a qual a legitimidade ordinária gera, em verdade, a

inadmissibilidade do pedido e não o juízo de inadmissibilidade do procedimento. Por sua

vez, a ausência de legitimidade extraordinária não leva à resolução do mérito da causa.

Esta é uma análise puramente processual do direito de conduzir o processo, sem qualquer

investigação dos fundamentos do pedido. Há rejeição da demanda por inadmissibilidade,

na forma do art. 485, VI, da CPC. É por isso que a legitimidade extraordinária é

claramente um requisito para a validade do processo.186

3.3. A situação legitimante

De acordo com Donaldo Armelin187 “a legitimidade para agir é de ser conceituada

como uma qualidade jurídica que se agrega à parte no processo, emergente de uma

situação processual legitimante e ensejadora do exercício regular do direito de ação”.

Para avaliar o conteúdo da legitimidade para agir, deve-se considerar o que a

doutrina refere como uma situação legitimante, ou seja, a situação com base na qual se

determina qual é o sujeito que, concretamente, pode e deve cumprir um certo ato. Da

situação legitimante chega-se à situação legitimada188, isto é, o poder, ou a faculdade, ou o

186 DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil, ob. cit., pp. 307 e 349. 187 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 85. 188 No que tange à situação legitimada resultante da presença da legitimidade das partes, segundo Donaldo

Armelin, consiste ela na relação jurídico-processual garantidora do pronunciamento judicial sobre o

mérito do processo, desde que, como se ressaltou supra, presentes as demais condições da ação e

pressupostos processuais. Estando a parte legitimada, adquire ela o direito de exigir uma decisão

judicial sobre o mérito, sem que o órgão judicante possa, validamente, furtar-se dessa obrigação que lhe

é imposta pelo sistema processual, como contrapartida do direito daquela parte a tal pronunciamento.

(ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. e loc. cit.).

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dever que, por consequência, cabe ao sujeito identificado. 189 À luz da situação jurídica de

direito material, a lei define um substrato jurídico que determina quem deve ser as partes

de um dado processo.

Segundo José Carlos Barbosa Moreira, para cada processo, considerado em

relação à lide que por meio dele se busca compor, a lei cria, explicita ou implicitamente,

um esquema subjetivo abstrato, um modelo ideal, que deve ser considerado na formação

do contraditório. Esse esquema é definido pela indicação de determinadas situações

jurídicas legitimantes. Legitimação é definida como a coincidência entre a situação jurídica

de uma pessoa, tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e uma

situação legitimante que a lei prevê para a posição atribuída a essa pessoa ou que pretende

assumir a si mesmo. 190 Em síntese, a situação legitimante deriva da afirmação do autor

quando da propositura da ação, na inicial, onde a lide é retratada.191

Verificando-se que os diplomas legais normalmente conferem legitimidade às

pessoas em geral, para ingressarem com ações judiciais, haveria um critério que

legitimasse um determinado sujeito em um processo específico? Por que algumas pessoas,

e não outras, são escolhidas pelo legislador para figurarem como partes legítimas? É

possível atribuir a todos os atos um critério comum de acordo com o qual o legislador

seleciona determinados sujeitos e os legitima para situações específicas?

De fato, deve haver tal critério, sem o qual o requisito da legitimidade, no sentido

científico, seria perdido e não passaria de uma construção prática.

Se muito da atividade científica consiste em classificar fenômenos em categorias

gerais, a legitimidade para agir sem tal critério não seria uma pretensão à investigação

científica. A legitimidade ad causam não comportaria um tratamento geral, mas só poderia

ser analisada em casos específicos. Em outras palavras, deve haver um critério para a

atribuição da legitimidade para agir.

189 Fazzalari, Elio. Instituições de direito processual. 1ª ed. Tradução da 8ª edição por Elaine Nassif.

Campinas, Bookseller, 2006, p. 369; José Roberto dos Santos Bedaque define situação legitimante

como “aquela em que deve encontrar-se o sujeito, para ser titular de um poder (legitimidade ativa) ou

destinatário de efeitos (legitimidade passiva). Não pertence a todos que possuam capacidade mas

somente aqueles que se inserem na situação substancial afirmada pelo autor, isto é, a relação jurídica

material em que as partes se inserem. Depende da ligação com a situação substancial deduzida no início

do processo. A situação de direito material ingressa no processo pela inicial, tal como formulada pelo

autor, tornando-se a hipótese de trabalho dos sujeitos do processo”. (BEDAQUE, Pressupostos

processuais e condições da ação, ob. cit., p. 57). 190 BARBOSA MOREIRA, Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, ob.

cit., p. 9-10. 191 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 97.

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De qualquer modo, não consideramos que seja possível dar uma resposta geral a

esta questão. Acreditamos que a resposta deve ocorrer em face de cada ordenamento

jurídico específico.

Mesmo dentro de um único sistema jurídico, pode haver mais de uma solução e é

possível que vários critérios coexistam para a atribuição da legitimidade.

Donaldo Armelin192 sustenta que existem grandes dificuldades, no que diz

respeito à situação legitimante, cujo enquadramento jurídico está no cerne de um problema

processual para o qual foram propostas diferentes soluções. Em suma, o problema consiste

em saber como o autor se legitima para a obtenção de um julgamento definitivo sobre o

mérito, quando, muitas das vezes, a base fática e jurídica contida em sua petição é

infundado. Isto é, como pode o autor ter o direito de provocar a intervenção da Jurisdição

sobre um direito inexistente?

Em nosso entendimento, a situação legitimante não pode ser outra coisa senão a

afirmação da titularidade da relação jurídica controvertida. Esta é a tese favorecida por

parte da doutrina.193

Essa visão do fenômeno da situação legitimante está ligada à teoria abstrata do

direito de ação, que diz com o próprio Estado Democrático de Direito, pois não há como

proporcionar um acesso efetivo à Justiça, senão por meio da admissão no processo daquele

que invoca um direito como pertencente a si mesmo; que, no entanto, é considerado

bastante difícil de ocorrer na prática.

3.4. A prevenção do vício da ilegitimidade passiva ad causam

Vimos que no ordenamento jurídico português a legitimidade de parte é um

pressuposto processual, cuja ausência constitui uma exceção dilatória, que, regra geral, é

insanável.

192 ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit., p. 85-86. 193 BARBOSA MOREIRA, Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, ob.

e ult. loc. cit.; em sentido contrário parece manifestar-se Maria José Capelo, ao defender “que a mera

invocação de titularidade de interesses materiais não consubstanciará, por sua vez, um critério

alternativo no modo de captar a unidade das diversas situações legitimantes”. (CAPELO, Interesse

processual e legitimidade nas acções de filiação, ob. cit., p. 164).

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Na chamada Revisão de 1995-1996 do Código de Processo Civil português,

constante dos Decretos-Leis nos 329-A/95, de 12 de dezembro, e 180/96, de 25 de

setembro, consagrou-se de forma inovadora a figura da pluralidade subjetiva subsidiária194

passiva, prevista no artigo 39.º do atual Código de Processo Civil português. Com ela,

consentiu-se, em certas circunstâncias195, a sanação196 da ilegitimidade singular passiva,

por meio da figura do litisconsórcio subsidiário ou eventual, que permite ao autor, em caso

de dúvida fundamentada, a formulação de um pedido principal contra quem considera ser o

provável titular passivo e de um pedido subsidiário contra o hipotético titular da relação

controvertida.

Por outro lado, de acordo com o n.º 2 do art.º 316.º do CPC, nos casos de

litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu

que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido

nos termos do artigo 39.º197.

Nos termos desse preceito, o autor pode chamar a intervir como réu um terceiro

contra quem, supervenientemente, o autor pretenda dirigir o pedido, seja em termos de

194 Segundo Carlos Francisco Lopes do Rego, esta figura origina no processo uma dupla subsidiariedade:

objectiva e subjectiva. Na verdade, ela vai comportar a dedução de um pedido subsidiário – com o

sentido que lhe é dado no art.º 469º do C.P.C. – não apenas no confronto das partes singulares na acção,

mas de uma parte que apenas demanda ou é demandada (e está no processo) para ver a sua situação

jurídica apreciada no caso de não proceder o pedido deduzido a título principal. Com a consagração

desta figura visou-se tutelar, em termos bastantes, o interesse do demandante nas hipóteses em que o

próprio credor ignora, sem culpa da sua parte, a que título ou que qualidade terá o devedor intervindo no

acto que serve de causa de pedir à acção: são na verdade, cada vez mais frequentes no comércio jurídico

as situações em que surge, desde logo, como controvertida, a qualidade jurídica em que o demandado

interveio no acto ou contrato a que a causa se reporta – em nome próprio ou em nome ou como

representante de outrem. Visa-se com isto evitar que se tenham de propor acções separadas contra cada

um dos possíveis e “alternativos” devedores, e de evitar o natural risco de serem proferidas decisões

contraditórias – o que acontecia por falta no nosso ordenamento jurídico processual da figura do

litisconsórcio eventual – já que, v.g., não constitui caso julgado invocável contra a sociedade, a decisão

que julgou improcedente a acção intentada, a título pessoal, contra quem tinha a qualidade de gerente, e

que veio naufragar precisamente porque o tribunal julgou haver entendido que ele actuara, no acto em

causa, como representante e em nome da sociedade. Tal sistema propiciava que, – em cada uma das

acções propostas isoladamente – os demandados procurassem defender-se alijando reciprocamente a

responsabilidade para os ombros de outro sujeito passivo, que não figurassem como parte na causa.

Entendeu-se deste modo, que deveria dar-se prevalência ao interesse do demandante em ver apreciada

unitariamente – e no mesmo processo – a responsabilidade dos possíveis devedores “alternativos” sobre

o eventual interesse do demandado em não estar no processo apenas a título subsidiário, para ver a sua

responsabilidade apreciada apenas quando naufragasse a pretensão deduzida a título principal (LOPES

DO REGO, Comentários ao código de processo civil, ob. cit. p. 60). 195 Tal possibilidade justifica-se pelo fato de haver “dúvida fundamentada” sobre a titularidade da relação

jurídica material controvertida. 196 Segundo PIMENTA (Processo civil declarativo, ob. cit., p. 119, em nota de rodapé), essa figura não é

propriamente um meio de sanar a ilegitimidade, é antes um modo a prevenir. 197 O art.º 39.º admite tanto a figura do litisconsórcio subsidiário ativo e passivo como a coligação

subsidiária ativa e passiva.

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litisconsórcio subsidiário (mesmo pedido dirigido contra o réu primitivo), quer seja em

termos de coligação subsidiária (pedido diverso daquele formulado na inicial)198.

Com a figura da pluralidade subjetiva subsidiária passiva, ampliou-se, deste

modo, a possibilidade do incidente de intervenção199 principal provocada, como reflexo da

ampliação do campo de incidência das figuras do litisconsórcio e coligação200.

Estas duas situações previstas no art.º 39.º do CPC, para o qual o n.º 2 do art.º

316.º do CPC remete, estão abrangidas pela figura do litisconsórcio subsidiário que, por

uma questão de facilidade terminológica, pode ser usada para englobar as situações de

litisconsórcio e coligação.

A partir da figura da pluralidade subjetiva subsidiária passiva tornou-se

expressamente possível o chamamento destinado à formulação de pedido subsidiário

contra o interveniente, facultando-se ao autor que, em havendo dúvida devidamente

fundamentada, sobre o sujeito da relação jurídica controvertida, apenas surgida no decurso

da ação, venha ainda demandar, a título subsidiário, terceiros diversos do réu

originariamente demandado a título principal.

Foi neste contexto, que se veio estabelecer, em muitos casos201, em termos

inovatórios, no ordenamento jurídico português, a possibilidade de suprimento de situações

198 LEBRE DE FREITAS, José; REDINHA, João e PINTO, Rui. Código de processo civil : anotado. Vol.

1, Coimbra : Coimbra Editora, 1999, p. 572. Ainda, segundo estes autores, a fórmula abrange tanto o

caso em que o pedido [subsidiário] é idêntico ao inicial (agora apenas dirigido contra pessoa diversa),

como o caso em que o pedido [subsidiário] é diverso. O autor tanto pode escolher o pedido que pretende

que seja o pedido principal, como pode escolher o réu contra quem, em primeira linha, pretende dirigir

o pedido único. O autor tanto pode manter o pedido inicial contra o réu primitivo a título de pedido

principal, como pode transformar o pedido inicial em pedido subsidiário e deduzir um novo pedido

principal contra o chamado, como pode querer manter o pedido inicial como pedido único, mas que este

seja apreciado a título principal contra o chamado ou, subsidiariamente, contra o réu primitivo. (LEBRE

DE FREITAS, REDINHA e PINTO, Código de processo civil : anotado, ob. e loc. cit.). 199 A intervenção pode ser provocada ou espontânea. A intervenção é provocada quando a intervenção do

terceiro é requerida por qualquer das partes da ação, conforme art.º 316.º e seguintes do CPC. Por sua

vez, na intervenção espontânea o terceiro resolve intervir por sua iniciativa na causa pendente, nos

termos do art.º 311.º e seguintes do CPC. (AMARAL, Direito Processual Civil, ob. cit., p. 130). 200 O art.º 31ºB do C.P.C. consagra em termos inovatórios no nosso ordenamento jurídico, a figura do

litisconsórcio subsidiário ou eventual em sentido amplo, o que pode traduzir-se em situações de

litisconsórcio stricto sensu, bem como em situações de coligação. O art.º 31ºB refere-se a ambas

quando distingue entre “a dedução subsidiária do mesmo pedido” (litisconsórcio) e “ou a dedução de

pedido subsidiário (coligação). Todavia fala-se de forma dogmaticamente descomprometida

qualificando esta situação por “pluralidade subjectiva subsidiária”. (LOPES DO REGO, Comentários

ao código de processo civil, ob. cit. p. 58). Também ver: LEBRE DE FREITAS, REDINHA e PINTO,

Código de processo civil : anotado, 1999, ob. cit., p. 69 e segs; e BASTOS, Jacinto Fernandes

Rodrigues. Notas ao código de processo civil. 3ª ed., rev. e actualiz. Lisboa, 1999, p. 85. 201 Como exemplo, os seguintes julgados: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Processo:

150/10.5TBLNH-A.L1-7 - Relator: ANA RESENDE - Data do Acordão: 23/04/2013; Acórdão do

Tribunal da Relação de Lisboa - Processo: 26688/15.0T8LSB-A.L1-6 - Relator: MARIA DE DEUS

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eventualmente configuráveis como de ilegitimidade singular, trazendo à causa e

direcionando-a contra quem, afinal, é o verdadeiro interessado em contradizer a demanda.

Em face do disposto no n.º 3, do art.º 325º do CPC de 1961, suprimido pelo atual

código, “sobre o chamante recai o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicar o

interesse que, através dele, se pretende acautelar, como forma de clarificar liminarmente as

situações a que o incidente se reporta e de permitir ajuizar com segurança a legitimidade e

o interesse em agir, quer de quem suscita a intervenção quer do chamado a intervir”.

Já nos termos do art.º 39.º do CPC, para o qual o n.º 2 do art.º 316.º do CPC

remete, o requerente do chamamento deve convencer o tribunal das razões de incerteza

sobre o titular passivo da relação material controvertida, ou seja, tem de expor os fatos que

fundamentam a sua dúvida.

O litisconsórcio subsidiário tanto pode ocorrer na petição inicial (litisconsórcio

subsidiário inicial) como também mais tarde, com o requerimento de intervenção principal

provocada, nos termos previstos no art.º 316.º, n.º 2 do CPC (litisconsórcio subsidiário

superveniente).

A primeira situação (litisconsórcio subsidiário inicial) é mais comum e não

propriamente um meio de sanar a ilegitimidade, é antes um modo a prevenir. Por exemplo:

um autor que deduz um pedido principal em face de um primeiro réu e, em seguida, em

razão de dúvida sobre quem deve ocupar no processo a posição como sujeito passivo da

relação controvertida, faz um pedido em relação a um segundo réu, já prevendo uma

possível situação de ilegitimidade passiva do primeiro réu. Já a segunda hipótese

(litisconsórcio subsidiário superveniente), acreditamos que, de fato, opera como

mecanismo de sanação da ilegitimidade singular passiva.

Concretizando a ideia, citamos o seguinte exemplo: A intentou ação contra B. Na

sua contestação, B arguiu exceção da sua ilegitimidade passiva, alegando que não é titular

da relação controvertida e sim C. Na sequência da arguição da exceção, o autor A requereu

a intervenção principal provocada de C, nos termos do art.º 316.º, n.º 2 do CPC, para a

eventualidade de B ser absolvido do pedido, alegando que, perante a defesa de B, tornou-se

incerta a definição do titular passivo da relação material controvertida.

CORREIA - Data do Acordão: 10/11/2016. Em ambos foi ordenada a admissão da intervenção principal

provocada de terceiros.

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No exemplo referido, claramente estamos diante de hipótese de litisconsórcio

subsidiário superveniente, que, por meio da intervenção principal provocada, possibilita a

sanação da ilegitimidade singular passiva.

A intervenção principal provocada com base na denominada pluralidade subjetiva

subsidiária ou litisconsórcio subsidiário “visa o suprimento de situações que – face à

doutrina sustentada por A. Reis – configurariam como ilegitimidade singular e, como tal,

insusceptíveis de suprimento e visa facilitar a obtenção pelas partes de uma sentença que

resolva o problema, sem necessidade de nova e incómoda ação”202.

O suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva pode ser feito pelo

autor, ou por sua própria iniciativa (n.º 1 do art.º 316.º do CPC), ou por meio de convite

dirigido pelo juiz para esse efeito (art. 6.º, n.º 2, do CPC)203. A falta de suprimento ou

correção da ilegitimidade apontada no convite determina, inevitavelmente, a absolvição da

instância.

Por via de comparação com o ordenamento jurídico português, apresenta-se uma

hipótese traçada no art. 339 do CPC brasileiro, também como uma possível valia prática da

sanação da ilegitimidade singular passiva, pela forma como dispõe o preceito. A redação

do artigo nos informa:

“Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da

relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as

despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de

indicação” (art. 339). “No prazo de 15 (quinze) dias, o autor pode optar por alterar a

petição inicial para incluir, como litisconsorte passivo, o sujeito indicado pelo réu” (§ 2º).

Dessa forma, inclui-se a possibilidade de o autor alterar a petição inicial para

formar litisconsórcio passivo, adicionando à lide o sujeito indicado pelo réu primitivo,

somando-se a este o indicado (art. 339, § 2º, do CPC), de modo que, neste caso, haverá

inclusão de partes. Há, portanto, possibilidade de trazer mais outro réu para a lide, após a

arguição de ilegitimidade, em sede de contestação.

Assente na interpretação do art. 339, § 2º, do CPC brasileiro, conjugada com a

figura da cumulação subsidiária de pedidos, prevista no art. 326 do CPC brasileiro,

vislumbramos, ainda que despretensiosamente, a possibilidade de formação de um

verdadeiro litisconsórcio subsidiário superveniente, podendo o pedido principal ser

202 LOPES DO REGO, Comentários ao código de processo civil, ob. cit., p. 60. 203 PIMENTA, Processo civil declarativo, ob. cit., p. 120.

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mantido contra o réu primitivo, e ser feito um segundo pedido, de caráter subsidiário, em

face do novo réu.

Desse modo, evitava-se sanar possível extinção do processo sem resolução do

mérito por carência de ação em razão da ilegitimidade de parte, no caso, a passiva.

No processo civil, a correção da situação de ilegitimidade singular passiva

privilegia a decisão de fundo, assumido como uma das principais intenções da reforma de

1995-1996 do Código de Processo Civil português e destinado a fazer prevalecer o

conhecimento de mérito sobre os, reconhecidamente frequentes, obstáculos formais.

O entendimento de considerar insuprível a ilegitimidade singular passiva surge

em contra fluxo no atual contexto, tendo em vista a prevalência do conhecimento de

mérito, o ponto de partida é o da correção dos obstáculos formais, incluindo o suprimento

do vício da ilegitimidade singular passiva.

4. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL

A doutrina é generosa em gerar todo tipo de classificações para o fenômeno da

legitimidade.204 Mas, para os fins que nos interessam, o critério a que prestamos atenção é

a pertinência subjetiva da (afirmada) titularidade da relação material controvertida.

Por esse prisma, é costume distinguir a legitimidade entre legitimidade direta

(ordinária) e legitimidade indireta (extraordinária): a legitimidade direta é reconhecida ao

titular do objeto do processo ou a alguém que tem interesse em discutir com ele a

titularidade do direito; a legitimidade indireta é aquela concedida a alguém que substitui o

titular do direito. Essa legitimidade indireta - ou substituição processual - é

necessariamente baseada em uma regra que prescreve ou permite a substituição do titular

do direito.205

A orientação do art. 18 do novo CPC brasileiro, entre nós, é indubitável:

“Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo

204 Cf., por exemplo, ARMELIN, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro, ob. cit.,

pp. 21 e segs. 205 Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, ob. cit., p. 3.

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ordenamento jurídico” – a segunda parte do dispositivo tem o intuito de enfatizar a

natureza excepcional da substituição processual.

Isso significa que somente a pessoa que teve um direito ameaçado ou violado

pode provocar a intervenção da Jurisdição. Esta legitimidade não pode ser transferida para

outra pessoa, a menos que haja uma disposição em sentido contrário no ordenamento

jurídico. Por exemplo, não é possível que um filho vá ao tribunal pedir o divórcio de seus

pais, porque o direito não lhe pertence, e sim aos seus pais - cônjuges.

Quando o código utiliza a expressão “salvo quando autorizado pelo ordenamento

jurídico” ele já traz duas classificações distintas, a legitimidade ordinária e a legitimidade

extraordinária.

Dessa forma, teremos legitimidade ordinária quando alguém postular pretensão

própria perante o judiciário e legitimidade extraordinária para levar ao judiciário pretensão

alheia.

Na legitimidade ordinária "coincidem as figuras das partes com os polos da

relação jurídica, material ou processual, real ou apenas afirmada, retratada no pedido

inicial".206 Por outro lado, “há legitimação extraordinária quando não houver

correspondência total entre a situação legitimante e as situações jurídicas submetidas à

apreciação do órgão julgador”.207

Dentro da legitimidade extraordinária, há quem cogite da possibilidade de dividi-

la em autônoma e subordinada, uma vez que a presença da legitimidade ordinária seja

dispensável ou não, para o estabelecimento regular do contraditório.208

No entanto, é possível ir além: a legitimidade extraordinária autônoma também

pode ser subdividida em concorrente e exclusiva209, dependendo se há ou não

cancelamento da legitimidade ordinária. O surgimento de uma legitimação extraordinária

exclusivamente autônoma leva ao fenômeno da substituição processual.

206 ARMELIN, ob. cit., p. 117. 207 DIDIER JUNIOR, ob. cit., p. 345. 208 Neste sentido: BARBOSA MOREIRA, Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação

extraordinária, ob. cit., p. 10; também: DIDIER JUNIOR, ob. e loc. cit.; ARMELIN, ob. cit., pp. 130-

131; DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 320. 209 Cf. DIDIER JUNIOR, ob. cit., p. 346; ARMELIN, ob. e loc. cit.; GRECO FILHO, Direito Processual

Civil Brasileiro, ob. cit., p. 84; DINAMARCO, ob. e loc. cit. e p. 321

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Por outro lado, é extremamente comum estender a tese de que a substituição

processual é sinônimo de legitimidade extraordinária.210

No entanto, há aqueles que defendem uma acepção mais restrita à substituição

processual. De acordo com essa corrente, a substituição processual seria apenas uma

espécie do gênero legitimidade extraordinária, e existiria se houvesse uma efetiva

substituição do legitimado ordinário pelo legitimado extraordinário, nos casos de

legitimidade extraordinária autônoma e exclusiva ou na hipótese de legitimidade autônoma

concorrente, em que o legitimado extraordinário age por causa da omissão do legitimado

ordinário, que não participou do processo como litisconsórcio. Nessa linha, a coexistência

de substituição processual e litisconsórcio não é admitida.211

Embora não seja contestado que a substituição processual já era conhecida pelo

direito romano, parece apropriado dividi-la em três fases: seu nascimento no berço do

direito material com Kohler - chamada de Prozesstandschaƒt - sua transferência para o

direito processual por Hellwig e sua introdução à tradição jurídica latina por Chiovenda,

que a chamou de: sostituzione processuale. 212

O nome escolhido por Chiovenda nunca foi isento de censura. Pontes de

Miranda213, por exemplo, argumentava que de substituição não se tratava e sim atribuição.

José Carlos Barbosa Moreira214, ao analisar a expressão processual encontrada

geralmente na doutrina, enfatiza que o nome parece ser particularmente adequado para

casos de legitimação extraordinária autônoma exclusiva: somente nesses casos a lei

realmente substitui a legitimidade ordinária pela extraordinária, se por substituir se entende

retirar algo ou uma pessoa de um lugar para nele colocar outra. Fora isso, no mesmo

processo pode acontecer que o legitimado ordinário e o extraordinário figurem,

simultaneamente, em posições equivalentes.

Na doutrina observam-se opiniões que não aceitam a existência do instituto da

substituição processual ou não o aceitam como normalmente é definido.

210 DINAMARCO, ob. cit., pp. 317-318: “A locução substituição processual, muito usual em doutrina, não

indica a sucessão de partes nem traz em si qualquer ideia de um movimento consistente em pessoa que

sai e pessoa que entra na relação processual (supra, n. 531): substituto processual é o legitimado

extraordinário”. 211 ARMELIN, ob. cit., pp. 132-133 212 Cf. ARMELIN, ob. e loc. cit.; também: RAMALHO, Maria Isabel. Legitimidade para agir. São Paulo,

2007, pp. 141-142. 213 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Comentários ao Código de processo civil, t. 1 (arts. 1º a 45).

Editora: Forense, 1974, p. 252. 214 BARBOSA MOREIRA, Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, ob.

cit., p. 12.

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Rocco discorda quando se fala em direito alheio. De acordo com o que o autor

ensina, não seria o exercício do direito de ação alheio em nome próprio, mas o direito de

ação próprio, que tem por objeto relação jurídica pertencente a outrem. 215 Essas ideias não

estavam enraizadas no pensamento moderno da época e, como homem de seu tempo, é

natural que Rocco tenha sincretizado o conceito de ação e o de direito material.

Satta vai mais longe na sua irresignação. Em sua opinião, não há razão para

justificar um instituto jurídico como a substituição processual: o pretenso substituto

defende seus interesses, de modo que o direito de ação também é seu, mesmo que seja

exercido para tutelar situação jurídica alheia.216

Como regra, a legitimidade extraordinária é concedida àqueles que podem deduzir

em juízo posições substanciais de outros e provocar efeitos jurídicos sobre elas, sem

excluir do processo o titular de tal posição e destinatário daqueles efeitos que envolve

como litisconsórcio.

É por esse motivo, anota Elio Fazzalari217, que apenas em um sentido impróprio

se pode falar de "substituição processual" como equivalente da legitimação extraordinária:

no sentido de que seu titular (substituto) pode realizar atividades processuais ao invés do

destinatário dos efeitos, pois ele é parte, independente do seu comportamento. Acrescenta

o autor que, "substituição processual" deve ser entendida apenas em hipóteses

excepcionais, que a lei processual estabelece que um estranho não só está autorizado a

deduzir posições jurídicas alheias, mas como pode fazê-lo sem que os destinatários do

provimento participem do processo.

Com efeito, o fenômeno pelo qual a legitimação extraordinária pode ser

exercitada em lugar da ordinária, sem que o destinatário esteja presente no processo, é

precisamente a verdadeira "substituição processual". Neste caso, a pessoa

excepcionalmente legitimada ("substituta") pode efetivamente executar, durante todo o

processo, os atos processuais que competiria ao destinatário dos efeitos do provimento.

Alguns exemplos de substituição processual são os do acionista que promove ação

anulatória de ato de assembleia (que substitui os acionistas ausentes) e o credor que propõe

215 ROCCO, Ugo. Tratatto di diritto processuale civile. Torino, Utet, 1957, pp. 344-346. 216 SATTA, Commentario al codice di procedura civile, ob. cit., pp. 274-275. 217 Fazzalari, Instituições de direito processual, ob. cit., p. 402.

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uma ação revocatória (artigo 55 da Lei nº 7.661) caso o síndico não o faça trinta dias a

partir da data de publicação do aviso de realização do ativo e pagamento do passivo.218

O substituto processual, mesmo pleiteando em nome próprio direito alheio, é parte

no processo, e deve agir em observância a todos os princípios que regem a relação

processual, tais como lealdade processual e boa-fé.

Também deve-se destacar que, havendo substituição processual, o substituto, isto

é, o titular da posição jurídica substancial deduzida em juízo, fica sujeito à coisa julgada,

recaia ela sobre decisão a ele favorável ou prejudicial.

Por outro lado, se o legitimado extraordinário é reconhecido como parte ilegítima,

não há nenhum obstáculo para que o titular da relação jurídica substancial proponha a

mesma ação, agora em seu nome, para defender direito próprio, já que a falta de

legitimidade extraordinária é caso de extinção do processo sem resolução de mérito219,

autorizando que a mesma ação agora seja proposta pelo legitimado ordinário.

4.1. Situação legitimante na substituição processual

A par da natureza excepcional da substituição processual, uma vez que é uma

exceção reconhecer a legitimidade ad causam a quem não se afirme titular de uma

pretensão, neste tópico estamos procurando a regra por trás dessa exceção. Apesar do

aparente paradoxo, nos perguntamos se haveria um critério para a escolha do legislador de

garantir a certas pessoas a tutela de pretensões para as quais aquelas, conscientemente, não

são titulares.

Não acreditamos que a busca por tal critério de legitimação seja frutífera:

duvidamos de sua existência. De fato, não parece haver homogeneidade se um

determinado sujeito poderia funcionar como um substituto processual e, portanto, não é

218 ROCHA, Ações Coletivas - o Problema da Legitimidade para Agir, ob. cit., p. 115. 219 Nesse sentido defende DIDIER JR. (Curso de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 719): “A falta de

legitimidade extraordinária é, realmente, caso de extinção do processo sem resolução do mérito (...). Se

o autor, por exemplo, se afirma legitimado extraordinário, mas, em verdade, não possui essa

legitimação, o juiz deve extinguir o processo, sem examinar o que foi pedido”. Essa consequência

jurídica deve-se ao fato de que este autor entende a legitimidade extraordinária como um pressuposto

processual.

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possível reunir as hipóteses de substituição processual e agrupá-las de acordo com o

mesmo critério.

Na maioria dos casos, porém, não se sabe que existe uma relação jurídica entre

substituto e substituído, ou pelo menos um interesse em tutelar a pretensão alheia, porque é

em atenção a essa relação jurídica ou a esse interesse que o legislador legitima o

substituto.220

Apesar de falar-se de interesse, não achamos que tenha sentido prestar atenção ao

interesse do substituto. Há uma grande discussão sobre a necessidade de existência ou não

de tal interesse para configurar a substituição processual, bem como a natureza desse

interesse, se material ou processual. Embora o tópico seja de interesse científico, tem

pouca ou nenhuma relevância prática, pois não há discussão em juízo sobre a necessidade

de um tal interesse do substituto. Assim, carece apenas de uma autorização legal.

4.2. Substituição processual voluntária

A fim de assegurar o exercício da autonomia das partes no processo, a

substituição processual voluntária visa, em suma, conferir ao titular de um direito a

prerrogativa de transferir ou estender a outra pessoa (substituto), de forma voluntária, a

legitimidade para defender seus interesses (do substituído) em juízo.221

Por muitos anos, discussões sobre a substituição processual voluntária foram

ignoradas pela maioria dos processualistas brasileiros, embora alguns tenham fornecido um

220 No direito português, a dependência do interesse do substituto frente ao interesse do substituído é

característica do instituto da substituição processual, conforme nos ensina LEBRE DE FREITAS

(Introdução ao processo civil, ob. cit., pp. 78-79): (...) “diversamente, nos casos de substituição

processual é parte o substituto, que litiga em nome próprio, embora esteja prima facie em causa o

interesse do substituído. Ainda segundo o mesmo autor, (...) “o substituto atua tendo em vista o efeito

indireto que esta tutela terá no seu interesse próprio”. O Código de Processo Civil chileno também apela

ao conceito de interesse para autorizar uma determinada ação em juízo, verificando-se uma espécie de

legitimação extraordinária. (INDO, Legitimación Activa y Reforma Procesal Civil: Una Oportunidad,

ob. cit., p. 261). 221 Nesse sentido, BENEDUZI (Renato Resende. Legitimidade extraordinária convencional, in Revista

Brasileira de Direito Processual: RBDPro, Belo Horizonte, v. 22, n. 86, abr./jun. 2014, p. 127) defini

substituição processual voluntária como “a possibilidade de que determinada pessoa, o substituto,

receba voluntariamente de outra, o substituído, a legitimidade processual para, em juízo, pedir em nome

próprio a tutela de determinado direito dele (do substituído, não seu); (...) sem que a lei autorize,

naquele caso, explícita ou implicitamente, a substituição”.

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suporte isolado para a existência do instituto durante o Código de Processo Civil de 1939,

segundo nos informa Arruda Alvim222.

Essa tese foi posteriormente substituída pelo Código de Processo Civil de 1973,

que rejeitou explicitamente qualquer tipo de substituição processual que não derivasse de

autorização da lei, conforme determinava o art. 6º do CPC brasileiro de 1973: “Ninguém

poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Não há

dúvida de que essa visão, de acordo com a qual o direito brasileiro proíbe a substituição

voluntária, baseia-se em uma interpretação puramente literal desse dispositivo.

No entanto, há quem apresentasse uma crítica mais severa ao instituto. Waldemar

Mariz de Oliveira Jr.223, por exemplo, negava a possibilidade de uma substituição

processual voluntária, não só porque havia expressa vedação legal (CPC, art. 6º), como

também porque tal suposta substituição processual voluntária não passaria de uma espécie

dissimulada de representação, além de desnaturar o instituto da substituição processual,

onde a vontade do substituído não conta.

No entanto, com o Código de Processo Civil de 2015, a existência deste instituto

foi novamente apoiada por alguns processualistas que defenderam sua aceitação no sistema

jurídico brasileiro perante o novo Código de Processo Civil.

É que com a introdução do novo código de processo civil, a redação do

dispositivo acima foi ligeiramente modificada, prescrevendo o artigo 18 deste diploma

processual: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando

autorizado pelo ordenamento jurídico”.

Para sustentar essa tese da existência do instituto da substituição processual

voluntária, Fredie Didier Jr.224 argumenta: “Negócio jurídico é fonte de norma jurídica e,

por isso mesmo, também compõe o ordenamento jurídico. Negócio jurídico pode ser fonte

normativa da legitimação extraordinária”. Prossegue o autor: “Não há qualquer obstáculo

normativo a priori para a legitimação extraordinária de origem negocial. E, assim sendo, o

Direito Processual Civil brasileiro passa a permitir a legitimação extraordinária atípica, de

origem negocial”.

Em particular, concordamos com a parte da doutrina que defende a

admissibilidade da substituição processual voluntária. Ora, se o suposto titular de um

222 ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 426. 223 OLIVEIRA JR., Waldemar Mariz de. Substituição processual, São Paulo, RT, 1971, p. 136. 224 DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 351.

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direito disponível quiser que outra pessoa, em nome próprio, busque a tutela de um

interesse dele (do suposto titular), por que não seria possível? Não cogitamos de outro

entendimento que não seja o da liberdade do suposto titular de um direito (disponível)

transferir ou estender sua legitimidade para que alguém possa tutela-lo em seu lugar.

A substituição voluntária parece ser permitida pelo Direito Processual Civil

português. Nesse sentido, Miguel Teixeira de Sousa225 cita exemplo do consentimento que

um dos cônjuges concede ao outro para a propositura de uma ação relativa a bens que só

por ambos podem ser alienados ou a direitos que só por ambos podem ser exercidos (cfr.

art. 28.º-A, n.° 1, do CPC).

Por outro lado, de acordo com o entendimento mais recente do Bundesgerichtshof

(Tribunal Federal alemão), a substituição processual voluntaria (gewillkürte

prozessstandschaft) será sempre possível, desde que o direito cuja tutela se pede seja

também transmissível.226 Ou seja, quando o direito é alienável, também com razão será a

legitimidade, precisamente porque o acessório segue o principal.

Essa alienação dispensa a demonstração de que o cessionário (substituto) tenha

um interesse propriamente jurídico na resolução do processo em que ele substitui o cedente

(substituído) - sem que se dispense a disponibilidade do direito alienado. Embora seja a

visão tradicional dos processualistas alemães, com base nos antigos precedentes do

Reichsgericht, a jurisprudência do Bundesgerichtshof, ainda que sob as críticas por parte

da doutrina, reconheceu que este interesse jurídico, próprio do substituído, é puramente

económico.227

A legitimidade extraordinária convencional, como toda legitimidade, também é

um requisito para a admissibilidade do julgamento do mérito do processo.228 Sem a prova

da transferência da legitimidade do demandante, não é apropriado exigir do réu que se

defenda até a sentença de mérito, porque a extensão subjetiva da coisa julgada ao

substituído pressupõe exatamente a regularidade dessa transferência da legitimação.

4.3. Substituição processual e representação processual

225 TEIXEIRA DE SOUSA, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, ob. cit., p. 3. 226 Cf. BENEDUZI, Legitimidade extraordinária convencional, ob. cit., p. 133. 227 BENEDUZI, Legitimidade extraordinária convencional, ob. cit., p. 135. 228 DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil, ob. cit., p. 351: “Este negócio jurídico é processual,

pois atribui a alguém o poder de conduzir validamente o processo”.

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Aqui está uma distinção de grande importância para este trabalho. Argumentamos

que a substituição processual e a representação processual outra coisa não podem ser senão

espécies do gênero próximo - legitimidade extraordinária.

Juntamente com o que aproxima os dois conceitos, vamos ao que os distingue. Se

o substituto processual defende em nome próprio pretensão alheia, o representante

processual defende em nome alheio direito alheio - como se dá em uma investigação de

paternidade.

Essa circunstância é consequência da qualidade de parte. Enquanto o substituto

processual é parte – já que defende pretensão alheia em seu nome próprio - o representante

processual não é parte. A parte é o representado processual.

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CONCLUSÃO

O Estado é responsável por exercer a função jurisdicional, a fim de resolver

conflitos que surgem da sociedade e geralmente não permite que a justiça seja feita com as

próprias mãos. Enquanto isso, a Jurisdição é inerte, cuja provocação cabe ao titular do

direito ameaçado ou violado. Assim procedendo, estará exercendo o direito de ação.

Como vimos, várias teorias foram criadas ao longo da história para tentar fornecer

o conceito mais apropriado para o direito de ação, culminando no reconhecimento de sua

autonomia frente ao direito material.

A partir da análise dos conceitos do direito de ação verifica-se que a crítica que

paira sobre a teoria civilista se manifesta em relação à negação de sentenças declaratórias

negativas e improcedentes, por considerar o direito de ação imanente ao direito subjetivo

material, mas esse paradigma foi rompido com a controvérsia entre Windsheid e Muther.

Com esses dois juristas inicia-se os debates sobre a ação como um direito

concreto, mas tal como a teoria civilista, não pôde explicar a hipótese de ações julgadas

improcedentes. Refutando esta teoria, apareceu a teoria da ação como direito potestativo,

ao afirmar que a ação invade a esfera jurídica de outro sem que este seja capaz de fazer

nada; esta teoria também não conseguiu explicar o problema das ações julgadas

improcedentes.

Surgi então a teoria da ação como um direito autônomo e abstrato, segundo a qual

a ação existe mesmo que a sentença negue uma pretensão ou acolha o pedido do autor,

mesmo sem um direito subjetivo material correspondente. No entanto, esta teoria confunde

o direito de ação com o direito de petição.

A ação na teoria eclética de Liebman pressupõe que o direito de ação é autônomo

e não está vinculado ao direito material, exceto pelas condições da ação, porque não existe

ação nem jurisdição quando estão ausentes o interesse de agir e a legitimidade, e na

ausência dessas condições haveria carência de ação, e consequente extinção do processo

sem resolução do mérito. No entanto, vimos que as condições da ação poderiam ser apenas

requisitos processuais eficazes ao regular trâmite processual e eventual julgamento do

mérito, e não requisitos para a existência da ação.

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Na visão moderna, a ação é um direito amplo, abstrato e incondicionado, por

expressa previsão constitucional. Essa ideia de acesso amplo e incondicionado à Jurisdição

foi reforçada pela entrada em vigor do novo CPC brasileiro, ao excluir a denominação

condição da ação, desvinculado, completamente, o interesse processual e a legitimidade

para agir do direito de ação, este único e constitucional, não mais bipartido em seu sentido

jurídico, como defendia Liebman. Por outro lado, a autonomia do direito processual não

implica a ausência de ligações com o direito material.

Embora expressamente previsto pelo Código de Processo Civil de 1973, as

condições da ação nunca foram pacíficas ou unânimes na doutrina. Esse entendimento foi e

vem sendo mitigado pela teoria da asserção. Segundo esta teoria, o magistrado analisará de

maneira abstrata a existência das condições da ação na fase de postulação e verificada a

ausência de qualquer uma delas extinguirá o processo sem resolução de mérito. Se, no

entanto, a ausência for verificada após a fase postulatória, o pedido deve ser julgado

improcedente e, em seguida, o processo será extinto com resolução de mérito.

A Teoria Geral do Processo vem assimilando as condições da ação como

pertencentes aos pressupostos processuais e ao mérito do processo. Na prática, é verificado

que o magistrado não consegue fazer um juízo específico sobre as condições da ação, que

se enquadra ou em um juízo de admissibilidade ou em um juízo de mérito.

O Código de Processo Civil brasileiro de 2015 eliminou o termo “condições da

ação”, mas seus requisitos permaneceram. A doutrina brasileira procura distinguir os

elementos integrantes das condições da ação separando-os em pressupostos processuais,

isto é, relativos ao juízo de admissibilidade da ação ou em questão de mérito.

A possibilidade jurídica do pedido tornou-se uma questão de mérito, uma posição

já defendida pela doutrina em que Liebman foi precursor, excluindo-a como condição

autônoma da ação. De fato, nada é mais coerente se a parte propõe uma ação cujo pedido é

juridicamente impossível, que deve ser decidido o mérito, julgando o pedido improcedente.

Quanto ao interesse de agir e a legitimidade, os ordenamentos jurídicos vêm

adotando que a ausência de qualquer um deles é causa de extinção do processo sem

resolução de mérito.

Para o atual CPC brasileiro, a legitimidade e o interesse são requisitos de

admissibilidade do julgamento de mérito e não se confundem com os pressupostos

processuais, que são também requisitos de admissibilidade do julgamento de mérito. No

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ordenamento jurídico português a legitimidade para agir e o interesse processual são

classificados como pressupostos processuais, e sua ausência provoca o fenômeno da

absolvição da instância, com o resultado de que o processo é extinto sem resolução do

mérito.

Como visto, a legitimidade ad causam refere-se à pertinência subjetiva da

demanda, é a posição dos sujeitos da relação jurídica material nos polos ativo e passivo

(autor e réu) da relação jurídica processual. A legitimidade é que liga as partes à causa de

pedir. O autor e o réu são partes legítimas se forem os titulares da relação jurídica de

direito material que fundamenta a pretensão do autor e compõem a causa de pedir, por isso,

se não há nexo entre esses dois elementos da demanda, ou o autor não terá o direito

material alegado ou, se tiver esse direito, não será em face daquele réu. Por isso, é uma

questão que se relaciona com o mérito da demanda e não ao processo, que merece em

casos de ilegitimidade das partes, o processo ser extinto com resolução do mérito.

É essa ligação da legitimidade à causa de pedir ou o mérito que impede sua

classificação como pressuposto processual, já que esse requisito é necessário para a

existência e validade da relação jurídica de direito processual, e sua ausência tem como

efeito a extinção do processo sem resolução do mérito, enquanto a legitimidade ordinária é

o direito material levado a juízo, para verificar a pertinência subjetiva da demanda e a

exigibilidade da prestação requerida.

A ausência de legitimidade extraordinária não leva à resolução do mérito da

causa. Esta é uma análise puramente processual do direito de conduzir o processo, sem

qualquer investigação dos fundamentos do pedido. Há rejeição da demanda por

inadmissibilidade, na forma do art. 485, VI, da CPC. É por isso que a legitimidade

extraordinária é claramente um requisito para a validade do processo.

A definição da natureza jurídica da legitimidade para agir gera decisões

absolutamente distintas. Tendo natureza de condição da ação ou pressuposto processual

permite que se proponha a ação novamente, caso o processo seja extinto sem resolução do

mérito, porque a sentença não é capaz de produzir coisa julgada material. Mas se a

legitimidade é tratada como uma questão de mérito, a decisão analisará a causa de pedir,

então pode produzir coisa julgada material. Assim, é incabível a propositura de nova ação,

devendo o autor inconformado perseguir a procedência da sua demanda pelas vias

recursais.

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