A Negação Sentencial. Uma abordagem Pragamática - Luana Santos de Lima

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Um dos aspectos que diferencia o português falado no Brasil (PFB) do português falado em Portugal é o que diz respeito às possibilidades de negação sentencial. Apenas o português brasileiro apresenta determinadas estruturas sentenciais para expressar a negação, como nas frases “Não quero não” e “Quero não”. De acordo com uma série de estudos quantitativos, o PFB apresenta um número expressivo de ocorrências dessas estruturas não canônicas de negação. Esse fenômeno tem motivado vários estudos que buscam identificar se o PFB está passando pelo chamado ciclo de Jespersen, processo em que o advérbio de negação passa da posição pré-verbal para a posição pós-verbal, muitos deles através de estudos filiados a Sociolinguística Variacionista. Pouco se fala, na literatura brasileira, no entanto, sobre as diferenças pragmáticas entre os diversos usos de negação, bem como sobre a resistência que essas distinções de uso podem oferecer para uma suposta mudança no padrão sentencial para expressar a negação no PFB. Este trabalho procura apreciar criticamente algumas hipóteses sobre a pragmática das diferentes estratégias de negação sentencial e, com base em dados de uma entrevista do projeto VARSUL, avaliar a sua validade. Pretende-se, dessa maneira, contribuir para a compreensão da pragmática da negação sentencial em português brasileiro.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE LETRAS

    CURSO DE LETRAS LICENCIATURA

    LUANA SANTOS DE LIMA

    A NEGAO SENTENCIAL

    Uma abordagem pragmtica

    Porto Alegre

    2010

  • 2

    LUANA SANTOS DE LIMA

    A NEGAO SENTENCIAL: Uma abordagem pragmtica

    Trabalho de concluso de curso de graduao

    apresentado como requisito parcial obteno

    do grau de Licenciada em Lngua Portuguesa e

    Inglesa, na Faculdade de Letras da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Orientador: Marcos Goldnadel

    Porto Alegre

    2010

  • 3

    minha me, Iara, e ao meu

    companheiro, Jos Augusto.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Seria difcil enumerar todas as pessoas que contriburam, com maior ou menor

    importncia, para que este trabalho fosse possvel, pois ele foi a culminncia de um trajeto

    que comeou com o meu interesse em cursar Letras na UFRGS e se estendeu at o termino de

    minha graduao. Mas h pessoas que no posso deixar mencionar.

    Agradeo em especial minha me, Iara, ao meu pai, Eloci, ao meu paidrasto,

    Gustavo, minha tia Nilcria, ao meu tio Daniel, ao meu namorido Jos Augusto e sua

    famlia, Dona Eva, Seu Alberto e Pito, e s minhas amigas Patrcia, Fernanda e Vernica.

    Agradeo tambm aos professores que muito acrescentaram ao meu aprendizado, em

    especial ao meu orientador, pelos esclarecimentos e pela ajuda, essenciais na construo deste

    trabalho e na minha formao acadmica.

  • 5

    A viagem de descoberta consiste no em achar novas

    paisagens, mas em ver com novos olhos.

    Marcel Proust

  • 6

    RESUMO

    Um dos aspectos que diferencia o portugus falado no Brasil (PFB) do portugus falado em

    Portugal o que diz respeito s possibilidades de negao sentencial. Apenas o portugus

    brasileiro apresenta determinadas estruturas sentenciais para expressar a negao, como nas

    frases No quero no e Quero no. De acordo com uma srie de estudos quantitativos, o

    PFB apresenta um nmero expressivo de ocorrncias dessas estruturas no cannicas de

    negao. Esse fenmeno tem motivado vrios estudos que buscam identificar se o PFB est

    passando pelo chamado ciclo de Jespersen, processo em que o advrbio de negao passa da

    posio pr-verbal para a posio ps-verbal, muitos deles atravs de estudos filiados a

    Sociolingustica Variacionista. Pouco se fala, na literatura brasileira, no entanto, sobre as

    diferenas pragmticas entre os diversos usos de negao, bem como sobre a resistncia que

    essas distines de uso podem oferecer para uma suposta mudana no padro sentencial para

    expressar a negao no PFB. Este trabalho procura apreciar criticamente algumas hipteses

    sobre a pragmtica das diferentes estratgias de negao sentencial e, com base em dados de

    uma entrevista do projeto VARSUL, avaliar a sua validade. Pretende-se, dessa maneira,

    contribuir para a compreenso da pragmtica da negao sentencial em portugus brasileiro.

    Palavras-chave: Pragmtica, negao sentencial, portugus brasileiro.

  • 7

    ABSTRACT

    There is a remarkable difference between the possibilities of sentential negation in the

    Portuguese spoken in Brazil and Portugal. Only in Brazilian Portuguese it is possible to

    express negatives using some structures, as in the sentences "No quero no" and "Quero

    no". According to some quantitative studies, BP has an expressive number of that kind of

    non-canonical structures of sentential negation. This phenomenon has motivated many

    researches, a great part in Sociolinguistics, to investigate whether BP is undergoing the

    Jespersens Cycle, a process in which the adverb of negation moves from preverbal to post-

    verbal position. There are not many studies in Brazilian literature, however, about the

    pragmatic differences between the various uses of negation, as well about the resistance that

    such distinctions can offer to the changing of the standard sentence for expressing negation in

    PFB. This monograph intends to to access critically some pragmatic assumptions about the

    different strategies of sentential negation in Brazilian spoken Portuguese, based on data of an

    interview from VARSUL project, as well to verify its validity. The aim of this paper is, thus,

    to contribute to the understanding of pragmatics aspects of negation in Brazilian Portuguese.

    Keywords: Pragmatics, sentential negation, Brazilian Portuguese.

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................... 9

    1 A NEGAO CANNICA OU PR-VERBAL .............................................. 12

    2 AS NEGAES NO CANNICAS ............................................................... 16

    3 ANLISE CRTICA DAS TEORIAS PRAGMTICAS SOBRE A NEGAO

    SENTENCIAL ....................................................................................................... 24

    3.1 Givn: virtudes e problemas ............................................................................ 24

    3.2 Dupla negao e pressuposio: a hiptese de Schwegler ............................... 25

    3.3 Schwenter e a hiptese de velho no discurso ................................................... 27

    3.4 A pragmtica da negao cannica .................................................................. 29

    CONCLUSO ...................................................................................................... 34

    BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 35

  • 9

    INTRODUO

    A negao, fenmeno amplamente difundido nas lnguas, tem tradicionalmente, lugar

    de destaque nos estudos da rea de Semntica. H uma srie de questes envolvendo a

    negao que merecem ateno em abordagens que se voltam para semntica das lnguas

    naturais, uma vez que, de modo geral, as lnguas apresentam diversas formas de expressar

    semanticamente a negao de contedos veiculados nos enunciados de sentenas. Pode-se

    falar da existncia de negao lexical, negao de constituinte e negao sentencial.

    A negao lexical aquela que opera sobre o sentido de vocbulos, manifestando-se,

    principalmente, atravs de recursos de natureza morfolgica. Normalmente, a negao lexical

    produzida pela utilizao de prefixos, como in-/im-, des-, a, como se pode observar a seguir.

    (1) a. Carlos est impaciente com a demora no atendimento.

    b. Formamos uma comisso apartidria para lidar com a questo.

    Alm dos prefixos, o advrbio de negao no pode restringir seu escopo sobre o contedo

    expresso por um item lexical, operando de forma similar a um prefixo, como ilustra (2).

    (2) a. Esta reunio proibida para no iniciados.

    b. A festa foi planejada pelo pessoal no docente.

    Em (2) o advrbio no opera exclusivamente sobre os predicados iniciados e docente,

    denotando o complemento do conjunto dos iniciados e dos docentes no domnio de indivduos

    prprios para a predicao.

    A negao de constituinte, como diz Guedes (2001), afeta o constituinte sintagmtico

    que precede e utilizada, na maioria das vezes, para fazer uma correo, em que se pretende

    preservar apenas parte de um contedo previamente enunciado ou inferido. Nesses casos, a

    negao opera apenas sobre um determinado constituinte, anunciando a necessidade de sua

    substituio por outro mais apropriado, como se pode observar nas frases a seguir.

    (3) a. Esta reunio foi feita no para iniciados, mas para leigos.

    b. A festa foi planejada no pelo pessoal docente, mas pelo discente.

  • 10

    J na negao sentencial, o escopo do operador negativo recai sobre a proposio

    expressa pela orao. Considere as seguintes sentenas.

    (4) Eu no gosto de cebola.

    (5) Ningum consertou a impressora.

    Perceba que nas sentenas (4) e (5), o operador negativo no e o quantificador negativo

    ningum tomam como escopo um contedo proposicional. Nestes casos, negam os contedos

    proposicionais expressos pelas sentenas em (6) e (7).

    (6) Eu gosto de cebola.

    (7) Algum consertou a impressora.

    Este um quadro geral, e bastante simplificado, dos recursos disponveis para

    expressar a ideia de negao. Ainda no campo da investigao semntica, seria possvel

    problematizar a negao em diversas direes, como, por exemplo, investigar as fronteiras

    entre negao lexical e negao sentencial nas situaes em que a distino merece maior

    ateno, como o caso da palavra impossvel, em que um recurso morfolgico utilizado na

    negao de um operador, tendo, portanto, valor sentencial.

    Os problemas relacionados negao, no entanto, no se restringem aos seus aspectos

    semnticos. Muito se discutiu na literatura a respeito de pressuposio, por exemplo, sobre o

    papel de certos padres prosdicos marcados presentes em sentenas negativas. A negao

    metalingstica, como ficou conhecida a partir do trabalho de Lawrence Horn (cf. Horn

    (1985), Carston (1996)), ocupou um considervel espao na discusso sobre os aspectos

    pragmticos da negao. Autores como Givn (1978, 1984) tm chamado a ateno para o

    fato de que o uso da negao envolve mais do que aspectos de natureza semntica, nos casos

    da negao sentencial.

    No caso do portugus falado no Brasil (PFB), a existncia de trs estratgias de

    negao sentencial chama ateno, de acordo com as observaes realizadas por um nmero

    expressivo de estudos, como se pode observar nos exemplos a seguir1.

    (8) A Cludia no veio festa. (NEG1)

    (9) A Cludia no veio festa no. (NEG2)

    (10) A Cludia veio festa no. (NEG3)

    1 Exemplos (8), (9) e (10) retirados de Schwenter (2005).

  • 11

    A sentena (8) ilustra a negao cannica, que pr-verbal (No VP). Em (9),

    observa-se a dupla negao (No VP no) e, em (10), a negao ps-verbal (VP no), de

    agora em diante, respectivamente, NEG1, NEG2 e NEG3.

    Como observa Schwenter (2005), a existncia de trs tipos de negao sentencial no

    portugus falado no Brasil digna de nota, visto que a grande maioria das lnguas apresenta,

    no mximo, em um mesmo perodo, duas estratgias. Essa variao de uso, no entanto, no

    uma novidade na histria das lnguas. O francs e o ingls, por exemplo, experimentaram

    estgios nos quais duas estratgias de negao coexistiram, passando pelo chamado Ciclo de

    Jespersen2. O portugus brasileiro a nica lngua romnica, no entanto, a aceitar o uso

    concomitante dessas trs estratgias.

    No caso brasileiro, sabe-se que a distino entre os usos apresentados em (8), (9) e

    (10) no de ordem semntica, uma vez que todas tm o mesmo sentido proposicional. Cabe,

    ento, investigar se h alguma explicao capaz de esclarecer as razes dessa variao.

    Schwenter (2005, 2006) j esboa uma provvel explicao de ordem pragmtica para a

    existncia de trs estratgias de negao sentencial no PFB. Tambm Schwegler (1991)

    apresenta hipteses a respeito da pragmtica da negao.

    No Brasil diversos estudos (Camargos (2001), Furtado da Cunha (2001), Roncarati

    (2006), Souza (2004)) tm se voltado para o fenmeno da variao do uso da negao

    sentencial. No se v nesses estudos, no entanto, qualquer anlise que inclua consideraes de

    ordem pragmtica. Este trabalho pretende contribuir para a compreenso do fenmeno da

    negativa sentencial3, a partir da contribuio dos autores mencionados e da observao de

    dados.

    A monografia est organizada da seguinte forma. No Captulo 1, apresenta-se

    fundamentalmente a viso givoniana da negao. No captulo 2, so apresentados os estudos

    daqueles que se debruaram sobre as estratgias no cannicas de negao (NEG2 e NEG3).

    No captulo 3, consideram-se criticamente as vises apresentadas nos captulos precedentes, e

    apresentam-se algumas hipteses sobre a distino pragmtica entre NEG1, NEG2 e NEG3.

    2 Ciclo de Jespersen um termo utilizado para referir-se a um processo de mudana da posio do advrbio de negao, da posio pr-verbal para a posio ps-verbal. 3 As negaes sentenciais que tem como operadores quantificadores negativos (nenhum, ningum, nada, nunca) no sero

    alvo de investigao nesse estudo, apenas aquelas nas quais o advrbio de negao no atua como operador.

  • 12

    1 A NEGAO CANNICA OU PR-VERBAL

    Grande parte dos autores que tratam da pragmtica da negao volta suas atenes

    apenas para enunciados com negao cannica (Givn (1978, 1984), Hans Kamp (1993),

    Horn (1985), Carston (1996)). Isso decorre do fato de a maioria dos estudos tomarem por base

    lnguas que no apresentam, pelo menos de modo significativo, estruturas com negao ps-

    verbal. Este captulo apresenta algumas consideraes que procuram descrever a pragmtica

    da negao cannica.

    H um certo consenso, na literatura lingustica, sobre o carter pressuposicional de

    enunciados negativos. Esse consenso chega, em alguns casos, a estimular a postulao de um

    ato de fala distinto, o de denegar, como se observa no trecho a seguir.

    Entre os vrios outros atos de fala h um que nem sempre distinguido da assero e

    que, evidentemente, tem uma associao muito prxima com ele. a denegao. A

    situao paradigmtica em que a denegao ocorre aquela em que o receptor

    entende o que dito a ele, rejeita e deixa isso ser percebido pelo falante...

    Em todos esses casos, o efeito da denegao repudiar algo que foi posto

    tentativamente ou confidentemente por alguma outra pessoa; rejeitar, como a

    presente teoria sugere, o quadro que o outro falante apresentou como certo ou

    possivelmente correto.

    (Kamp e Reyle, 1993, p. 100, apud Goldnadel, 2004)

    Um autor que se posicionou de forma bastante consistente a favor dessa hiptese

    Givn. O autor comea por registrar a limitao de uma abordagem que associe ao operador

    de negao apenas o seu valor lgico. Essa limitao fica evidente quando se comparam

    frases que, em princpio, deveriam ser sinnimas, como (1) e (2).

    (1) Pedro no feliz.

    (2) Pedro infeliz.

    De um ponto de vista lgico, e supondo uma mesma funo semntica para o advrbio de

    negao e o prefixo negativo, as duas sentenas deveriam apresentar Pedro em um estado de

    no felicidade, mas no de tristeza. No o que normalmente se depreende dos usos desses

    tipos de sentena. Normalmente, o entendimento seria o de que Pedro uma pessoa triste. Ou

  • 13

    seja, nos dois casos, em vez da leitura contraditria esperada, ocorre uma leitura em que no

    ser feliz e ser infeliz integram leituras contrrias (embora o enunciado com a negao prefixal

    represente mais marcadamente a leitura contrria).

    H ainda, para Givn, uma outra diferena entre (1) e (2), a saber, a de que a sentena

    que apresenta o advrbio de negao faz supor um interlocutor sendo contrariado em suas

    convices. Para Givn, portanto, uma sentena como (1) tem uma expectativa de fundo, que

    seria a proposio afirmativa correspondente em relao negativa enunciada. Givn ilustra

    esse ponto com os seguintes exemplos4.

    (3) A: Quais so as novas?

    B: O presidente morreu.

    A: Oh, quando? Como?

    (4) A: Quais so as novas?

    B: O presidente no morreu.

    A: Por qu? Ele estava mal?

    A sentena negativa, em (4), causa estranheza ao ouvinte, o que pode ser percebido em

    sua resposta, indicando que alguma coisa est errada na proposio considerada como parte

    do fundo conversacional. O interlocutor B em (4), parece ter assumido, assim, que A soubesse

    ou tivesse ouvido falar sobre o mal estado de sade do presidente. No sendo este o caso, no

    haveria motivo para dizer que o presidente no morreu. J em (3), o interlocutor B, ao

    responder que o presidente morreu, est apenas informando, esta resposta no pressupe

    alguma informao sobre a sade do presidente.

    Estes exemplos retirados de Givn (1978 e 1984) ilustram uma concepo do autor

    acerca da assero negativa, a de que esta um ato de fala outro, o ato de denegar, que,

    diferentemente do assertivo, usado para contradizer, corrigir (e no apenas informar). A

    negao seria pressuposicional. E o que se nega a correspondente afirmativa, a informao

    de fundo, que est, de certa forma5, pressuposta.

    4 Os exemplos (3) e (4) so tradues minhas dos exemplos originais de Givn (1978 e 1984) 5 importante esclarecer que o sentido de pressuposicional associado ao uso de enunciados negativos distinto

    daquele associado ao uso de gatilhos. O fato de um enunciado negativo ser pressuposicional, nesse contexto, no

    significa que expresse um contedo compartilhado entre os interlocutores, mas que o falante age do modo a fazer

    supor que seu interlocutor sustente um ponto de vista contraditrio com o seu. O fato de ser uma atitude em que

    o falante parece assumir que seu interlocutor esteja previamente em um estado de crena especfico estimulou o

  • 14

    Para Givn, a informao de fundo pode ser velha no discurso em funo de ter sido

    trazida pelo prprio interlocutor em sua fala para depois ser negada (5), ou pode ter sido

    apresentada na fala do outro (6). E tambm pode ser uma informao genrica culturalmente

    compartilhada (7).

    (5) Luizinho disse que terminou os temas, mas eu acho que no.

    (6) A: Ento quer dizer que viajas amanh.

    B: No, no vou viajar. Por que dizes isso?

    (7) Certa vez apareceu um homem que no tinha cabea...

    Em (5), a proposio que serve de fundo velha no discurso de forma explicita,

    trazida pelo prprio falante, que primeiro a lana para depois poder neg-la. Na sentena

    seguinte, (6), o falante nega uma proposio que foi posta pelo outro interlocutor, velha no

    discurso tambm de forma explcita. E em (7), o que acontece uma quebra na informao

    compartilhada culturalmente de que todo homem tem uma cabea.

    Givn argumenta que o carter marcado da sentena negativa em relao afirmativa

    pode ser explicado a partir da ontologia de estados e eventos negativos. O autor quer apontar

    para o fato de que uma circunstncia composta acontecimentos e no acontecimentos. Para

    ele, acontecimentos ou eventos so probabilisticamente menos esperados e menos frequentes

    do que no acontecimentos ou no eventos. Essa seria razo para que eventos sejam mais

    salientes do que os no eventos, configurando o que chama de foreground. J os no eventos

    integram o chamado background.

    Tomando por base as consideraes de Givn, pode-se esperar que as pessoas estejam

    mais atentas, no seu entorno, aos eventos do que aos no eventos, uma vez que so aqueles

    que carregam maior contedo informativo. Da mesma forma, esperara-se que interlocutores,

    em suas trocas conversacionais, reportem eventos, tipicamente veiculados por enunciados

    afirmativos. De fato, parece que essa a norma. Qualquer levantamento estatstico mostrar

    que grande parte das sentenas enunciadas so afirmativas. Sendo assim, qual seria, ento, a

    funo de enunciados negativos, uma vez que veiculam no eventos, que, segundo Givn,

    seriam menos informativos? Para o autor, a enunciao de uma sentena negativa seria como

    um jogo de linguagem, no qual um no evento, tipicamente parte do background,

    uso da expresso pressuposio. nesse sentido, que se distancia daquele que se desenvolveu a partir da

    discusso dos gatilhos, que o termo usado ao longo deste trabalho.

  • 15

    apresentado como foreground, jogando para o background a proposio que veicularia o

    evento. Da o sentimento de que a proposio contraditria com a expressa pela sentena

    negativa enunciada seria um contedo sustentado pelos interlocutores, uma espcie de pano

    de fundo.

    Ainda h a questo dos possveis motivos que levam um falante a utilizar uma

    assero afirmativa ou negativa. No ato de denegar, o falante no est interessado em

    comunicar uma nova informao, mas antes corrigir um possvel mal entendido nas crenas

    do ouvinte. E isso se reflete em como se assume o background em ambos os atos. Se no ato de

    assertar o falante acredita que o ouvinte no sabe o que ele sabe, no de denegar o falante

    acredita que sabe melhor e que o ouvinte sabe errado.

    As observaes de Givn parecem ir ao encontro das intuies dos falantes de um

    modo geral. Todos os exemplos apresentados sugerem fortemente um carter marcado para

    enunciados negativos. Deve-se registrar, no entanto, que o conjunto de casos observados por

    Givn limita-se a enunciados negativos que se caracterizam por apresentar a negao em

    oraes absolutas ou oraes principais, e no serem amostras da fala natural. A pretenso de

    considerar enunciados negativos como a expresso de um ato de fala especfico, o de denegar,

    deve, no entanto, considerar a necessidade de ampliar o espectro de enunciados a serem

    observados. bem possvel que a observao do operador de negao em trechos de fala

    espontnea ou em outros contextos sintticos permita aprimorar a viso sobre os aspectos

    pragmticos da negao e sobre os modos de organizar a informao no interior do perodo.

  • 16

    2 AS NEGAES NO CANNICAS

    Muitos autores tm se voltado para o estudo da negao sentencial em portugus

    brasileiro, em razo da existncia de uma alternncia entre trs estratgias de negao, a

    negao cannica, a dupla negao e a negao ps-verbal (cf. Introduo). Na negao

    cannica, abordada no captulo anterior, o advrbio de negao no est posicionado antes do

    sintagma verbal. Na dupla negao, h duas ocorrncias do operador no, antes e depois do

    sintagma verbal. J a negao ps-verbal, pela presena do no aps o sintagma verbal.

    (1) Jos no fala alemo. (NEG1)

    (2) Jos no fala alemo no. (NEG2)

    (3) Jos fala alemo no. (NEG3)

    consenso entre os diversos autores que, em todos esses casos, no h diferenciao no

    significado do contedo proposicional. As sentenas (1), (2) e (3) negam o fato de Jos saber

    falar alemo, isto , tem o mesmo significado.

    No Brasil, a existncia das diversas estratgias tem estimulado uma srie de estudos,

    predominantemente no campo da anlise sociolingstica. Uma preocupao encontrada em

    parte desses estudos determinar se o portugus brasileiro experimenta uma variao estvel,

    determinada principalmente por variveis sociais, ou se est passando por um processo de

    mudana lingstica. Fundamentalmente o que se pretende descobrir se a negao sentencial

    no portugus brasileiro est passando pelo Ciclo de Jespersen.

    Alguns dos estados brasileiros investigados em estudos realizados sobre as estratgias

    de negao so Cear, Bahia e Rio Grande do Norte, da regio nordeste, e Minas Gerais e Rio

    de Janeiros, da regio sudeste.

    O estudo que tomou como corpus o falar do estado do Cear foi o de Roncarati (2006).

    A autora descreveu os usos da negao sentencial do falar de Fortaleza atravs de uma anlise

    quantitativa de um corpus de entrevistas sociolingsticas. Por meio do programa Varbrul,

    obteve dados estatsticos sobre a freqncia de usos das trs estratgias de negao, em

    diferentes contextos lingsticos. A autora considerou em sua anlise diferentes fatores: tipo

    de frase, posio da orao negada dentro do turno, tipo de sujeito, tipo de constituinte ps-

  • 17

    verbal, escopo da negao, e replicao de verbo presente em turno imediatamente anterior. A

    autora afirma ter extrado os dados de 822 sentenas negativas proferidas por 12 informantes

    cearenses de 10 a 42 anos. Aps submisso ao programa Varbrul, avaliou idade e sexo como

    variveis sem peso significativo no uso de NEG3 vs NEG1 e NEG2. A tabela a seguir resulta

    da simplificao da tabela 1 apresentada no artigo original da autora, originalmente

    apresentada em Calvacante (2007) 6.

    Tabela 1: Distribuio das estratgias de negao sentencial em Fortaleza, corpus

    Roncarati (1996)

    NEG1 NEG2 NEG3 Total

    Nmero de

    ocorrncias 625 149 39 813

    Porcentagem 77% 18% 5% 100%

    Fonte: Cavalcante (2007)

    Embora haja uma grande diferena percentual entre o uso de NEG1 em relao a

    NEG2 e NEG3, a quantidade de ocorrncias de negao no cannica encontrada pela autora

    j pode ser considerada significativa. Assumindo uma posio funcionalista, a autora adere

    tese givoniana de que toda negao pressuposicional. Embora sua caracterizao pragmtica

    das negativas sentenciais no seja conclusiva, a autora sugere como possibilidade uma anlise

    em que a negao cannica teria um carter pressuposicional neutro, factual. A dupla negao

    teria a funo discursiva de preservao da face. NEG3, por sua vez, seria caracterstica de

    situaes em que o falante no alimenta expectativa de interao continuada, sendo uma

    forma despachada de negar.

    Camargos (2000) analisa a variao das negativas sentenciais no dialeto mineiro, da

    cidade de Belo Horizonte. Diferentemente, da anlise de outros estudiosos, o autor considera

    a dupla negao realizada com outro item negativo em posio pr-verbal, alm do operador

    no. Assim, para este autor, o enunciado em (4), classificado como NEG2.

    (4) ...nunca cheguei a gostar muito no. (Camargos, 2000:3)

    6 A tabela apresentada, extrada de Cavalcante (2007:24) corrige a soma dos valores encontrada em Roncarati

    (1996:103).

  • 18

    Nessa perspectiva, a distribuio das trs estruturas negativas encontradas em seu corpus pode

    ser representada pela tabela 2 (adaptada do autor).

    Tabela 2: Distribuio das estratgias de negao sentencial em Belo Horizonte, corpus

    Camargos (2000)

    NEG 1 NEG2 NEG3 Total

    Nmero de

    ocorrncias 687 265 28 980

    Porcentagem 70% 27% 3% 100%

    Fonte: Camargos (2000:4)

    Em Camargos (2000), a ocorrncia de dupla negao maior, mas difcil de dizer se isto

    em funo dos falantes mineiros utilizarem mais duplas, ou pelo fato dele considerar tambm

    como duplas as negaes do tipo da apresentada em (4) acima.

    A anlise estatstica dos dados indicou como relevante, entre as variveis sociais,

    apenas a faixa etria. Camargos constatou que o uso de variedades no cannicas cresce

    medida que diminui a faixa etria, indicando uma possvel mudana em progresso. Alm

    dessa varivel, o autor identificou uma srie de outros fatores lingsticos favorecedores dos

    usos no cannicos de negao: tipo de constituio do ncleo verbal (um ou mais verbos),

    presena ou ausncia de outro item negativo, posio do item negativo em relao ao verbo,

    realizao ou no do sujeito pr-verbal, e realizao plena ou no da negao pr-verbal.

    O autor afasta-se da prtica comum ao sugerir uma reelaborao da varivel

    dependente em duas variantes: negativa pr-verbal (Neg V) e negativa ps-verbal (Neg V

    Neg) e (V Neg). Seu argumento que a negao dupla se comportaria como a negao ps-

    verbal. Para ele, o fato de haver uma alta frequncia da partcula pr-verbal negativa na forma

    reduzida em sentenas cuja estratgia utilizada a dupla negao, indicaria que o marcador

    reduzido est incorporado ao verbo.

  • 19

    Souza (2004) analisa os dados do corpus falado de uma comunidade rural quilombola

    de Helvcia7. Os dados brutos para as ocorrncias de sentenas negativas so apresentados na

    tabela a seguir.

    Tabela 3: Distribuio das estratgias de negao sentencial em Helvcia, corpus Souza

    (2004)

    NEG1 NEG2 e NEG3 Total

    Nmero de

    ocorrncias 943 465 1408

    Porcentagem 67% 33% 100%

    Fonte: Calvacante (2007)

    Como se pode observar, tambm h uma incidncia bastante significativa de formas no

    cannicas de negao.

    O autor utiliza muitas das variveis lingusticas encontradas em Roncarati (1996),

    acrescentando outras, tendo como resultado o seguinte envelope de variao: o tipo de orao,

    o tipo de sujeito, de complemento, e a caracterstica lxico-semntica dos verbos, fatores

    sociais, tipo de frase e tipo de constituio do ncleo verbal.

    Digno de nota no estudo de Souza o fato de que so os idosos que se caracterizam

    por utilizar as formas de negao no cannica. Esse dado contrasta com os achados dos

    demais estudos. Para o autor a alta incidncia de dupla negao entre os idosos decorre de

    uma influencia dos idiomas africanos; sua reduo entre os mais jovens confirmaria a hiptese

    de descrioulizao da fala da comunidade estudada.

    importante sublinhar o fato de que Souza, assim como grande parte dos autores,

    considera pressuposicionais os enunciados negativos, no estabelecendo, no entanto,

    distines pragmticas entre as diferentes formas de negao.

    Furtado da Cunha (2001), diferentemente dos demais autores, utiliza um corpus que contm,

    alm de textos de lngua falada, textos de lngua escrita da cidade de Natal. Na poro do

    corpus de lngua falada, a pesquisadora constata uma quantidade considervel de ocorrncias

    7 Diferentemente, os estudos de Roncarati (1996), Camargos(2000), Furtado da Cunha (2001), Schwenter(2005 e

    2006) e Schwegler (1991) tratam de dialetos urbanos.

  • 20

    de negativas sentenciais no cannicas no corpus que investiga. Nos textos escritos, contudo,

    a negao cannica categrica. Um fato que chama ateno na investigao da autora a

    diminuio do nmero de ocorrncia de estratgias no cannicas medida que aumenta o

    grau de escolarizao do falante.

    A autora parece estar interessada em comprovar certas teses funcionalistas, segundo as

    quais no processo de variao da negao estariam envolvidos dois princpios funcionais em

    competio, o da iconicidade e o da economia. Dessa forma, procura explicar a trajetria das

    estruturas de negao em portugus brasileiro, encarando-as como etapas de um processo

    contnuo de gramaticalizao. Embora faa uma reviso da literatura no que diz respeito ao

    valor pragmtico associado s formas de negao sentencial, a autora limita-se a considerar a

    presena de uma negao em fim de frase como uma estratgia de pausa temtica, uma

    digresso, ou seja, um desvio momentneo do tpico discursivo.

    Schwegler (1991) observa os falares de cidades dos estados de So Paulo, Rio de

    Janeiro e Bahia. O autor se destaca pelo trabalho de carter abrangente, caracterizado por

    consideraes histricas, sociais, fonolgicas e pragmticas. Cabe destacar tambm o

    levantamento exaustivo das estruturas oracionais das negativas sentenciais realizado em seu

    estudo.

    Num primeiro momento, Schwegler estabelece uma distino entre tipos de sentenas

    que admitem as trs formas de negao: declarativas em resposta a uma pergunta, declarativas

    espontneas, interrogativas e imperativas. Observa que na Bahia, e no nordeste de uma forma

    geral, as negaes no cannicas so a norma, exceto para as declarativas espontneas. Para

    ele, isso seria uma evidencia de que a partcula negativa posposta perdeu seu trao enftico

    por um processo de desmarcao pragmtica. Nas declarativas espontneas, no entanto, a

    incidncia menor de negao no cannica seria devida a uma distino pragmtica: NEG1

    seria a forma neutra e NEG2 e NEG3 seriam pressuposicionais. Observe os enunciados que o

    autor utiliza para demonstrar sua afirmao.

    (5) a. Quando estive no Rio, no fui na praia.

    b. Quando estive no Rio, (no) fui na praia no.

    Para o autor na sentena em (a) no h pressuposio, pois ela simplesmente asservera uma

    proposio; na sentena em (b), h pressuposio, pois constitui uma oposio a uma

    correspondente afirmativa. Este caso ainda, segundo o autor, sentido como enftica.

  • 21

    Curiosamente, em determinado ponto de seu trabalho, muda sua posio quanto

    diferenciao entre as trs estratgias, j que, ainda no mesmo estudo, na pgina 204, se l a

    seguinte declarao:

    (...), context of discourse, must at least provisionally be ruled out, inasmuch as

    variation in the use of a given NEG seems not to coincide with meaningful patterns

    of discourse pragmatic nature, nor with clearly identifiable presuppositional

    differences.

    Nessa passagem, diferentemente da anterior, o autor parece considerar irrelevante qualquer

    fator pragmtico na seleo da estratgia de negao, mantendo a posio de que a escolha

    depende do dialeto regional, idioleto e modalidade da sentena (declarativa em resposta a uma

    pergunta, declarativa espontnea, interrogativa, imperativa).

    Nas suas concluses, sua posio muda novamente. Schwegler volta a considerar que

    o no ps-verbal em declarativas emerge somente quando o que est sendo negado uma

    proposio j asseverada ou implcita no discurso precedente, o que teria sido, em momento

    anterior, uma caracterstica de todas as modalidades de sentena com negao no cannica.

    Segundo ele, o aumento da freqncia de uso teria provocado uma desmarcao pragmtica.

    importante salientar uma divergncia importante entre as abordagens de Schwegler e

    de Givn. Enquanto, para Givn, o uso da negao por natureza pressuposicional, para

    Schwegler, apenas as formas no cannicas de negar veiculam contedo pressuposto.

    Schwenter (2005) observa um corpus do falar do estado do Rio de Janeiro. O autor

    afirma que a negao sentencial no foi claramente especificada por outros estudos, pois esses

    apontavam para noes intuitivas ou no muito bem definidas do carter enftico,

    pressuposicional ou contrrio s expectativas. Essas postulaes, apesar de serem

    intuitivamente aceitas facilmente, no explicam quando podero ser utilizadas as negaes

    no cannicas.

    O autor apresenta, ento, a estrutura informacional como condio pragmtica da

    separao, principalmente, da cannica NEG1 da no cannica NEG2. Para ele, existe uma

    restrio para uso de dupla negao, a de que a informao negada seja velha no discurso, e

    no apenas velha para os interlocutores. Conforme ilustra os enunciados em (5) e (6).

    (5)[Marido e mulher esperam que um encanador venha consertar um vazamento. O

    marido chega mais cedo em casa e percebe que o encanador no veio, e que

  • 22

    portanto, o vazamento continua. Em seguida, sua mulher chega em casa com a

    mesma expectativa dele de encontrar o problema resolvido. Voltando-se para a

    esposa o marido profere o enunciado.]

    Marido: O encanador no veio (*no).

    (6) [Marido e mulher esperam que um encanador venha consertar um vazamento. O

    marido chega mais cedo em casa e percebe que o encanador no veio, e que

    portanto o vazamento continua. Em seguida, sua mulher chega em casa com a

    mesma expectativa dele de encontrar o problema resolvido.]

    Esposa: O encanador veio?

    Marido: No veio no.

    Com esses exemplos Schwenter pretende dar suporte a hiptese de que carter de

    velho no discurso que licencia o uso de enunciados com dupla negao. Mesmo que a vinda

    do encanador seja contedo velho para os interlocutores em (5), novo no discurso,

    constituindo um contexto impeditivo para o uso de NEG2. J no exemplo (6), o fato de a

    vinda do encanador ter sido ativada discursivamente atravs da pergunta precedente ao

    enunciado negativo, torna admissvel o uso da negao no cannica.

    Para Schwenter, o status de discursivamente ativado pode ser alcanado por contedos

    literalmente expressos ou inferveis. Assim, no cenrio do encanador descrito acima, se a

    esposa chegasse e fizesse um gesto facial que o marido pudesse entender como E a, o

    encanador veio?, isso seria suficiente para tornar admissvel o uso de dupla negao.

    A dupla negao, portanto, tem uma distribuio mais limitada que a negao

    cannica, NEG3 por sua vez, tem uma distribuio mais limitada ainda, sendo admitida,

    segundo autor, apenas quando o discurso precedente apresenta o contedo negado de maneira

    literal. Conforme se observa do contraste entre (7) e (8).

    (7) A: Voc gostou da palestra da Maria?

    B: Gostei no.

    (8) Voc gostou da palestra da Maria?

    B1: #Fui no.

  • 23

    B2: Eu no fui no.

    A considerao dos diversos autores permite notar que, apesar da ateno que o tema

    da negao no cannica tem recebido da literatura, pouco acordo existe em relao s

    distines pragmtico-discursivas que existem entre as diferentes estratgias de negao.

    Entre os autores apresentados, Schwenter aquele que parece avanar de modo mais decisivo

    na direo do estabelecimento de distines com algum rigor conceitual.

  • 24

    3 ANLISE CRTICA DAS TEORIAS PRAGMTICAS SOBRE A NEGAO

    SENTENCIAL

    Nos captulos anteriores, abordaram-se diferentes autores e suas hipteses para a

    ocorrncia das trs estratgias de negao sentencial em portugus brasileiro. Neste captulo,

    pretende-se depreender que hipteses pragmticas para explicar os usos da negao sentencial

    esto presentes nestes autores, avaliar sua plausibilidade a partir da anlise de dados extrados

    de entrevista sociolingstica do banco de dados do Projeto de Variao Lingstica da Regio

    Sul (VARSUL).

    3.1 A anlise de Givn: virtudes e problemas

    Costuma-se valorizar o registro feito por Givn do carter pressuposicional presente

    em proferimentos de negativas sentenciais. Para ilustrar o que, para ele, seria uma evidncia

    do estatuto pragmtico especial de toda negao, o autor usa o seguinte exemplo.

    (1) Um homem no esteve em meu escritrio ontem e disse...

    (2) A: Quais so as novas?

    B: O presidente morreu.

    A: Oh, quando? Como?

    (3) A: Quais so as novas?

    B: O presidente no morreu.

    A: Por qu? Ele estava mal?

    Exemplos como esses parecem fornecer uma evidncia bastante contundente de que a

    negao tem carter pressuposicional, constituindo mesmo um ato de fala distinto da assero.

    Cabe lembrar, como dito no captulo1, que ontologicamente no eventos so uma espcie de

    background. Ao trazer um no evento para o foreground discursivo, o falante estaria situando

    a contraparte afirmativa da proposio no background, da seu efeito pressuposicional.

  • 25

    Apesar do apelo intuitivo, a anlise givoniana no resiste observao de dados. A

    esse respeito, veja-se o trecho a seguir, extrado da entrevista SCFLP 01 do banco de dados do

    VARSUL8.

    (4) Ento a gente brincava. Ento, sempre me escondia l. Sempre me escondia [na]-

    nessas horas de correr, de fazer ginstica- Eu gostava era de natao. Natao, eu

    gostava, ("de") nadar. Mas tambm no nadava nada, n? No nadava, ficava s [no]-

    no rasinho. E o meu pai dizia pra eles pra eles me ensinarem [a]- a nadar, n? no sei o

    que. Eu no queria saber. No queria que ningum chegasse perto de mim, eu

    queria ficar brincando.

    O trecho acima apresenta vrias ocorrncias de negao sentencial. Para os nossos objetivos,

    interessa a passagem em destaque (negrito).

    A observao do texto do trecho indica que a informao de que entrevistada no

    desejava aprender a nadar no pressupe que a entrevistadora acreditasse no contrrio. O

    mesmo pode ser dito do enunciado em negrito do trecho abaixo.

    (5) E: Eu queria saber mais uma coisa, [tu]- tu gostas de cozinhar?

    F: Olha, no meu forte. No sou muito chegada na cozinha, mas d pra

    quebrar um galhinho.

    No se pode admitir, nesse caso, uma denegao, j que o enunciado ocorre para satisfazer

    uma indagao do interlocutor, ou seja, no se poderia considerar que o interlocutor tivesse a

    crena de que a entrevistada gosta de cozinhar. Por isso, a resposta no seria um ato de negar

    a crena do interlocutor.

    Exemplos como esses poderiam ser multiplicados indefinidamente. Parece, portanto,

    que, apesar do apelo intuitivo dos exemplos de Givn e de uma plausibilidade terica para o

    estatuto pragmtico da negao, deve existir algo a mais a determinar o carter denegativo de

    enunciados negativos, ou seja, parece que a simples ocorrncia de uma negao no

    suficiente para dotar um enunciado de contedo pressuposicional.

    8 As entrevistas desse projeto consistem em dilogos com uma participao predominante do entrevistado, que

    estimulado pelo entrevistador a fazer relatos de experincia de vida. Esses relatos so constitudos de trechos que

    se caracterizam pelo aspecto narrativo, entremeado de comentrios esparsos sobre as situaes vividas. Sendo

    assim, conta com enunciados com uso predominante de verbos no passado. Mesmo assim, ocorrem enunciados

    com verbos no presente.

  • 26

    3.2 Dupla negao e pressuposio: a hiptese de Schwegler

    Diferentemente de Givn, Schwegler quer compreender o fenmeno da dupla negao.

    Como vimos anteriormente, para esse autor, a dupla negao surge no portugus brasileiro

    como uma estratgia de marcao pressuposicional. Essa estratgia teria sofrido um processo

    de desmarcao pragmtica em sentenas interrogativas, imperativas e declarativas em

    resposta a perguntas. Essa distino, para ele, no entanto, permanece, no estgio atual do PFB,

    apenas em sentenas declarativas espontneas.

    A leitura de Schwegler sugere uma distino funcional entre negao cannica e dupla

    negao em declarativas espontneas: enquanto a primeira forma seria no pressuposicional, a

    segunda seria pressuposicional. Na pgina 194 do seu artigo, Schwegler apresenta

    explicitamente sua hiptese para a distino pragmtica entre as diferentes estratgias de

    negao em declarativas negativas espontneas.

    Em declarativas, a posio do negador acrescenta importante informao

    pragmtica ao significado bsico: NEG1 (a forma no marcada) simplesmente

    estabelece um fato sem nenhuma pressuposio, enquanto NEG2 e NEG3 (as

    formas marcadas) sinalizam contradio.

    Essa suposio, no entanto, tambm no resiste anlise de dados, como se pode observar no

    trecho abaixo.

    (1) F: No gostava de livro de histria infantil. Sempre achava muito tolo. Mas [gostava]-

    gostava de ler gibi. Eu adorava. Tinha um monte. Vivia lendo isso.

    E: Quais eram os tipos de gibi?

    F: Ah, tipo Mnica, Pantera Cor de Rosa, adorava esses filmes tudo. Filminho de

    televiso da (falando rindo) Pantera Cor de Rosa, amava, como e continuo amando at

    hoje. Adoro. (risos) Mnica, Cebolinha, ah, essas estorinhas, assim, bem bobinhas:

    Pato Donald. Queria falar igual ao Pato Donald. (risos geral) (falando rindo) Queria

    imitar ele falando, mas no dava certo.

    E: Nunca conseguiu?

    F: Nunca consegui. No tinha jeito. A ficava frustrada. (risos geral) , coisas assim,

    n? Mas de livro, livro no gostava no.

  • 27

    Nesse trecho, a passagem marcada em negrito um caso no pressuposicional evidente de uso

    de dupla negao, uma vez que a enunciadora j havia esclarecido que no gostava de livros

    de histria infantil. Assim, a interlocutora no poderia ter a crena de que enunciadora

    gostava de ler esse tipo de livro. Sendo assim, quando a entrevistada utiliza a dupla negao

    ela no est sinalizando uma contradio a uma crena do interlocutor. Esse caso, portanto,

    invalida a distino estabelecida por Schwegler, uma vez que o enunciado em anlise uma

    declarativa espontnea com negao dupla que, mesmo assim, no pressuposicional.

    Para o autor, no seria possvel encontrar, no atual estgio do portugus falado

    brasileiro, um enunciado de uma sentena declarativa espontnea com negao no cannica

    que no fosse pressuposicional. O exemplo apresentado nesta seo invalida essa hiptese.

    Cabe, ressaltar ainda que, nesse mesmo corpus, muitas outras sentenas poderiam ser

    utilizadas como exemplos de negao no cannica no pressuposicional.

    3.3 Schwenter e a hiptese de velho no discurso

    Entre os autores que refletem sobre os aspectos pragmticos do uso de negao

    sentencial em PFB, Schwenter aquele que avana de modo mais decisivo no

    reconhecimento de suas distines funcionais. Embora pouco acrescente a respeito da

    negao simples, apresenta uma anlise bastante convincente sobre as restries para os usos

    de negao no cannica.

    Como j foi visto, a fim de compreender o uso da negao no cannica o autor

    estabelece uma distino de novo e velho para o falante e novo e velho para o discurso. Nesta

    perspectiva, NEG2 e NEG3 s se realizam quando rejeitam contedos discursivamente

    ativados. O que diferencia NEG2 de NEG3 o fato de que a primeira admite negar contedos

    literais ou inferveis, a partir do discurso precedente, enquanto a segunda s admite contedos

    literais. Observe alguns casos de dupla negao retirados da entrevista, j mencionada.

    (1) F: E tinha muito mato, ento tinha cobra, n? Ento a gente tambm vivia

    procurando cobra, procurando essas coisas-

    E: Pegavam na cobra?

    F: No, pegavam na cobra no. (risos geral) (falando rindo) No chegava a isso.

  • 28

    (2) F: Esse arroz grega gostoso, n? Tu podes juntar com passas de uva- Alis, eu

    no gosto muito de passas de uva, no. No sou muito chegada nisso, no.

    (falando rindo) No uma coisa que eu no gosto muito no. Negcio de passas

    de uva, eu no sou muito chegada, no. Arroz preto, aquele arroz preto, no

    gosto, no. Passas de uva, eu no gosto muito, no. Mas interessante, que tm

    pessoas que gostam, n? E fica gostoso, mas que eu no sou muito chegada,

    no.

    Os enunciados apresentados acima, assim como os exemplos apresentados pelo autor

    (alguns deles reproduzidos no captulo 2 deste trabalho) e todas as outras ocorrncias de dupla

    negao9 encontradas na entrevista analisada para este trabalho sinalizam que Schwenter est

    certo, demonstrando que no o carter pressuposicional, mas o de velho no discurso que

    conta como restrio para o uso de negativas sentenciais no cannicas.

    No quadro terico desenvolvido por Schwenter, o critrio fundamental de distino

    seria o status discursivo. Segundo esse critrio, a negao pr-verbal seria a forma no

    marcada, admitindo todas as situaes pragmticas possveis: novo no discurso, infervel a

    partir do discurso, e diretamente ativada no discurso. dupla negao caberia a marcao do

    que velho no discurso (infervel ou diretamente ativado). Finalmente, ps-verbal caberia

    marcar somente o que diretamente ativado no discurso. Esse conjunto de consideraes

    pode visualizado no quadro a seguir.

    Forma Novo no discurso Infervel Diretamente

    ativado

    NEG1 OK OK OK

    NEG2 # OK OK

    NEG3 # # OK

    Adaptado de Schwenter (2005)

    Em Schwenter, a negao simples abordada apenas para estabelecer um contraste

    com as formas no cannicas. No fica claro se o autor adere ao posicionamento de Givn em

    9 O corpus de analisado no apresentou nenhuma ocorrncia de NEG3. Em outro trabalho verificou-se que no

    h ocorrncias de negao ps-verbal na regio sul do Brasil, h a necessidades de tentar verificar as possveis

    causas que restringem o uso de NEG3 nesta regio.

  • 29

    relao negao simples. Na seguinte passagem, por exemplo, o autor parece sugerir que

    concorda com o fato de que negao simples seja pressuposicional.

    NEG1 livre para negar expectativas que so estritamente velhas para o falante

    e/ou o ouvinte, mas novas no discurso, ou seja, proposies que no foram

    disparadas de nenhuma forma pelo contedo do discurso em curso. (Schwenter,

    2005, p.1452)

    Embora o autor no seja explcito em assumir a proposta de Givn nesse trecho, em nota de

    rodap para essa passagem, assume o ponto de vista de Thompson (1998), segundo o qual a

    negao pr-verbal tem uma funo denegadora.

    Os exemplos encontrados neste trabalho, na seo 3.1, revelam, no entanto, que no h

    associao estvel entre NEG1 e denegao. Embora, existam em que casos NEG1 so

    ocorrncias de denegao, os dados revelam que muitos outros no o so. O carter

    pressuposicional de muitas ocorrncias de negao cannica, mesmo assim, parece

    inquestionvel, o que sugere a necessidade de identificar fatores adicionais que expliquem por

    que determinados usos assumem esta caracterstica pragmtica. Na prxima seo, procura-se

    identificar esses fatores.

    3.4 A pragmtica da negao cannica

    Embora a pragmtica da dupla negao possa ser, a partir da hiptese do Schwenter,

    melhor compreendida, permanece ainda algum mistrio sobre a pragmtica da negao

    cannica. Os exemplos tradicionalmente apresentados procuram sublinhar o carter

    pressuposicional dessa forma de negao. Os casos apresentados por Givn, por exemplo,

    sugerem de modo muito forte que o simples uso de um enunciado negativo sinaliza uma

    disposio para se opor a algo previamente assumido.

    Curiosamente, os exemplos encontrados para dar suporte hiptese do carter

    denegativo de negaes sentenciais costumam ser construdos. Embora a observao de dados

    naturais seja muito comum na anlise da formas no cannicas de negao, essa no tem sido

    uma prtica adotada na anlise do comportamento pragmtico da negao pr-verbal.

    Assume-se como dado que essa forma de negar pressuposicional, sem qualquer inspeo

    mais cuidadosa de dados resultantes de coleta de fala espontnea.

  • 30

    Nesta seo, procura-se suprir essa lacuna apresentando-se dados naturais de negao

    pr-verbal extrados da entrevista do projeto VARSUL. O objetivo verificar se esses

    enunciados com negao pr-verbal confirmam a hiptese de Givn, que acredita que toda

    negao pressuposicional, ou a de Schwegler, para quem a negao pr-verbal uma forma

    no marcada e, portanto, no pressuposicional. A seguir, esto os trechos com enunciados

    negativos a serem considerados.

    (1) E: Tu, tu gostavas, assim, de histria em quadrinhos, essas coisas, j que falaste na

    Mnica?

    F: Gostava, ler gibi, ih! adorava, passava - Isso a era uma- Adorava, adorava,

    adorava, adorava. No gostava de livro de histria infantil. Sempre achava muito

    tolo. Mas gostava de ler gibi. Eu adorava. Tinha um monte. Vivia lendo isso.

    (2) E: Quais eram os tipos de gibi?

    F: Ah, tipo Mnica, Pantera Cor de Rosa, adorava esses filmes tudo. Filminho de

    televiso da (falando rindo) Pantera Cor de Rosa, amava, como continuo amando

    at hoje. Adoro. (risos) Mnica, Cebolinha, ah, essas estorinhas, assim, bem

    bobinhas, Pato Donald. Queria falar igual ao Pato Donald. (risos geral) (falando

    rindo) Queria imitar ele falando, mas no dava certo.

    (3) E: J que tu gostavas tanto assim de ler, (hes) eu notei, assim, que [tu no]- tu no

    perseguiste no estudo, n?

    F: Ah, pois .

    E: E [por que]- por que aconteceu isso?

    F: Ah, porque eu fiquei doente. Eu tive- Como que a gente fala? Laringite, no,

    meningite, . (falando rindo) J estou ficando louca. Meningite, tive meningite, da

    eu no pude prosseguir, n? A eu deitada no tinha condies, n? de ir.

    (4) Na Marinha, tambm, [na Marinha eu fazia chantagem]- na Marinha eu fazia

    chantagem. Eu adorava, que eu sou gordinha, n? adorava (hes) um suquinho, [um

    negcio] (hes) comer, n? Ento, quando eles no queriam dar pra mim (hes), quer

    dizer, (falando rindo) o suco, n? a, eu dizia que eu ia contar pro meu pai que eles

    tinham me batido, e abria berreiro. Ento, eu era a nica que tomava suco, assim, a

  • 31

    torto e a direito. Porque eu comeava a chorar, que o meu pai era muito brabo, eu

    ia dizer pra todo mundo que eles tinham me batido. Ento [era um]- era um- Eles

    no gostavam muito de mim tambm, n?

    (5) Sempre me escondia [na]- nessas horas de correr, de fazer ginstica. Eu gostava

    era de natao. Natao, eu gostava, ("de") nadar. Mas tambm no nadava

    nada, n? No nadava, ficava s [no]- no rasinho.

    (6) F: No nadava, ficava s [no]- no rasinho. E o meu pai dizia pra eles pra eles me

    ensinarem, a nadar, n? no sei o que. Eu no queria saber. No queria que

    ningum chegasse perto de mim, eu queria ficar brincando.

    (7) E: J que tu gostavas tanto assim de ler, eu notei, assim, que [tu no]- tu no

    perseguiste no estudo, n? F: Ah, pois .

    E: E [por que]- por que aconteceu isso?

    F: Ah, porque eu fiquei doente. Eu tive- Como que a gente fala? Laringite, no,

    meningite, . (falando rindo) J estou ficando louca. Meningite, tive meningite,

    da eu no pude prosseguir, n? A eu deitada no tinha condies, n?

    (8) F: At que chegou um dia que eu ganhei uma sombrinha linda. A sombrinha era

    maravilhosa, a coisa mais linda. A, (rudo) queria porque queria ir com a

    sombrinha pro colgio, n? e a me no deixou porque era muito bonita e a

    me j sabia, n?

    (9) A, meu av s ficava reparando isso. A chegou [num]- num determinado dia, a

    gente sempre nesse rolo. , eu olhando o resto da a comida e ela s queria comer

    arroz. (falando rindo) A, pra ela, ele mandou fazer um panelo de arroz. Mas um

    panelo enorme, enorme. Naquele dia, ela almoou s arroz, s arroz, no

    comeu mais nada

    (10) F: Sempre faz aquelas coisas que no pode. [A gente se ]- no era

    pendurar, tambm, n? Ns gostvamos de abrir o armrio porque ele era muito

    grande, e era muito alto. (falando rindo) Ento a gente se pendurava a, e ficava

    assim. (f) Quando ia pegar um copo, uma coisa, fazia: "Opa"! Sabes aquela

    histria? E um dia (falando rindo) (inint) quebrou tudo. [Foi]- foi copo, prato pra

    tudo quanto era lado. A minha av quase teve um enfarto coitada. Ficou louca!

  • 32

    Ficamos de castigo- Eu no estava nessa. [Estava [na]- [na]- eu no me pendurei,

    n? Mas ela no quis nem saber. Foi todo mundo de castigo.

    (11) Me lembro, numa poca que a minha irm quebrou o brao, que eu pedia

    pra ela bater no meu (falando rindo) pra mim quebrar tambm, mas [no

    tinha]- no quebrava. (risos)

    (12) F: Ah, [e na]- pra cuidar da casa do meu av, que era grande, n? Ento a minha

    av no gostava de empregada, mas ela tinha um ajudante. Mas, esse ajudante

    era completamente louco, era a F- , ele tinha sido internado e tudo,

    j.

    Contrariamente ao que fazem supor os exemplos de Givn, na maioria dos casos

    apresentados a negao no pressuposicional. A nica exceo parece ser o enunciado (5),

    que parece ser pressuposicional. Nesse enunciado, o falante parece estar buscando desfazer

    uma possvel crena do interlocutor. Essa possvel crena tem como origem o prprio

    discurso precedente do falante. Ao afirmar que gostava de natao e de nadar, estimula a

    crena de que sabia nadar. No entanto, o carter pressuposicional desse enunciado no est

    necessariamente associado ao uso da negao. Digna de nota, nesse caso, a presena da

    expresso mas tambm, que cuja funo parece ser a de a de marcar formalmente um ponto de

    vista contrrio.

    A maioria dos exemplos, portanto, sugere que o carter pressuposicional da negao

    pr-verbal no pode ser considerado um padro. Caberia ainda perguntar se no so os usos

    pressuposicionais que constituem uma exceo regra. Para tanto, seria interessante encontrar

    uma caracterstica comum aos exemplos pressuposicionais que pudesse explicar essa

    impresso. Se essa caracterstica puder ser identificada, ento poder-se- atribuir a ela, ou a

    sua associao coma negao, o carter pressuposicional normalmente aceito. A esse respeito,

    tomemos dois exemplos apresentados por Givn.

    (13) Um homem no esteve em meu escritrio ontem e disse...

    (14) A: Quais so as novas?

    B: O presidente morreu.

    A: Oh, quando? Como?

    (15) A: Quais so as novas?

    B: O presidente no morreu.

    A: Por qu? Ele estava mal?

  • 33

    Um trao comum de ambos os casos o de serem abertura de um tema. bem provvel que esse

    seja um contexto bastante restritivo ao uso de negaes. Espera-se de um falante que comea a

    falar de um assunto a apresentao de algum dado positivo. No de estranhar, portanto, que o

    incio de discurso com uma negao seja sentido como pressuposicional, ou seja, como a

    continuao de um assunto j iniciado. Como o assunto, nesses casos, no foi de fato iniciado,

    tende-se a supor um incio que s poderia ser constitudo pela contraparte afirmativa do

    enunciado inicial.

  • 34

    CONCLUSO

    De um modo geral, a negao tem apresentado desafios para as teorias pragmticas.

    Fenmenos como a concordncia negativa, a negao metalingstica e as diversas formas de

    negar uma sentena tm instigado os estudiosos da Pragmtica, no sentido de determinar

    quais seriam as particularidades discursivas de tamanha diversidade de recursos que subjazem

    a produo de enunciados negativos. Particularmente desafiadoras sos as lnguas que

    apresentam diferentes estratgias de negao sentencial, nas quais varia a posio e a

    quantidade de operadores negativos, entre elas, o portugus falado no Brasil.

    Este trabalho, partindo de distines existentes na literatura, buscou identificar os

    pontos de vista mais articulados sobre as funes pragmticas das estratgias de negao.

    Procurou-se apontar os ganhos das abordagens apresentadas, bem como suas inconsistncias.

    Uma das concluses que podem ser anunciadas a de que a hiptese de Schwenter (2005,

    2006) a respeito das restries pragmticas envolvidas no uso de negaes est correta,

    contrapondo-se ao que assumido por Schwegler.

    A hiptese de Givn, assumida por Schwenter, no entanto, no recebe comprovao

    da anlise dos dados considerados neste trabalho. Segundo o autor, a negao cannica seria

    pressuposicional. Os dados analisados apresentam usos predominantemente no

    pressuposicionais de negao pr-verbal. Nesse aspecto, portanto, Schwegler quem parece

    estar correto, embora esteja equivocado quanto ao uso de negaes no-cannicas.

    Com os resultados obtidos, espera-se contribuir para a compreenso da pragmtica das

    estratgias de negao no portugus falado no Brasil. A compreenso dessas restries

    pragmticas, alm de ampliar o entendimento de fenmenos da significao em linguagem

    verbal, pode, em alguma medida, colaborar para outros estudos, como os da Sociolingstica

    Variacionista, que, a partir do trabalho de alguns autores (alguns deles abordados neste

    trabalho) tenta determinar se a lngua falada no Brasil encontra-se em algum dos estgios do

    ciclo de Jespersen. A considerao de fatores pragmticos pode refinar os estudos

    sociolingsticos, uma vez que poderiam ser incorporados s variveis de anlise que

    integram o envelope de variveis lingsticas destinadas a avaliar o fenmeno varivel da

    negao.

  • 35

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  • 36

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