a nova geografia militar: logística, estratégia e inteligência
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
FILIPE GIUSEPPE DAL BO RIBEIRO
A NOVA GEOGRAFIA MILITAR: LOGSTICA, ESTRATGIA E INTELIGNCIA
So Paulo
2010
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
A NOVA GEOGRAFIA MILITAR: LOGSTICA, ESTRATGIA
E INTELIGNCIA
FILIPE GIUSEPPE DAL BO RIBEIRO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia Humana.
Orientador: Professor Doutor Andr Roberto Martin
So Paulo 2010
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Dedico este trabalho a minha querida esposa, Fabiana
Cunha.
A sua f e fora mostrou que a vida vale apena ser vivida.
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RESUMO
O presente trabalho tem como propsito estabelecer
parmetros de um campo pouco estudado pela cincia geogrfica, a geografia
militar. O conceito da geografia militar est relacionado com aspecto histrico
de cada lugar e no est relacionado a uma escola de pensamento especfica,
no s a escola de pensamento geogrfico, mas s escolas de pensamento
marciais, portanto o propsito central aprimorar e expandir o arcabouo
terico e metodolgico da prpria geografia. No se trata aqui de realizar uma
histria da geografia militar, mas o presente trabalho tem como finalidade
demonstrar o papel da geografia como aspecto mais concreto do fenmeno da
guerra, da logstica, da estratgia e da inteligncia. Os temas estratgicos,
embora pouco freqentes na pesquisa geogrfica brasileira ultimamente, so
cada vez mais comuns em outras reas do conhecimento, notadamente entre
economistas, administradores, e claro, cientistas polticos. A importncia de
estudarmos a geografia sobre estes aspectos nos permite detectar se a
evoluo desta cincia influenciou nas concepes da ttica e da estratgia; a
correspondente relao entre geoestratgia e geopoltica; analisar conflitos
especficos como a guerrilha, o terrorismo, a guerra nuclear, a guerra ttica e
confrontos de outras ordens. A geografia militar est relacionada com a
conduo das operaes militares. Por outro lado, a geopoltica est mais
relacionada s estratgias, por ser mais ideolgica do que prtica, portanto a
geografia militar a prtica que viabiliza a estratgia. Por fim, ser feita uma
anlise na nova geografia militar empregada pelo novo imperialismo mundial.
PALAVRAS-CHAVE:
Geografia militar, geopoltica, geoestratgia, logstica, inteligncia.
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ABSTRACT
This research aims to establish parameters of an area that
was little studied by the geographical science, the military geography. The
concept of the military geography is related to the historic aspect of each place
and it is not related to an specific school of thought, not only to the school of
geographical thought, but to the schools of martial thoughts, thus the central
proposal is to improve and expand the theoretical and methodological frame of
reference of the proper geographical science. This research aims to
demonstrate the role of geography as a more concrete aspect of the war
phenomenon, of logistics, of strategy and intelligence. The strategic themes,
although less frequent in the Brazilian geographical research lately, are
increasingly common in other areas of knowledge, especially among
economists, administrators and certainly among political scientists. The
importance of studying geography under these aspects allows us to detect if the
evolution of this science influenced in the conceptions of tactic and strategy; the
corresponding relationship between geo strategy and geopolitics; to analyze
specific conflicts such as guerrilla, terrorism, nuclear war, the tactic war and
confrontations of other natures. The military geography is related to the conduct
of the military operations. On the other hand, geopolitics is more related to
strategies because it is more ideological than practical, therefore the military
geography is the practice that enables the strategy. Finally, we will analyze the
new military geography employed by the new worldwide imperialism.
KEY WORDS:
Military geography, geopolitics, geostrategic, logistics, intelligence
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SUMRIO
APRESENTAO _________________________________________03
CAPTULO I: A geografia militar: seu escopo e sua relao com as cincias
militares ___________________________________________11
CAPTULO II: Geografia militar e Geopoltica: o caminho da ideologia
estratgia e (ou) da ttica prtica ______________________25
CAPTULO III: Da arte da guerra cincia da guerra: as teorias da guerra e
suas concepes geogrficas ___________________________48
CAPTULO IV: O novo imperialismo e sua nova geografia militar: a sua
logstica, estratgia e inteligncia.________________________79
CONSIDERAOES FINAIS: A geografia militar versus o militarismo__108
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA _________________________________111
SITES PESQUISADOS_________________________________________117
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1- Apresentao
A proposta de nosso trabalho estabelecer
parmetros de um conceito pouco estudado pela geografia universitria, ou
como diz o professor Lacoste, a geografia dos professores: A geografia militar.
Esta disciplina to antiga quanto a prpria guerra surgiu antes da geografia
cientfica que nasceu no sculo XIX, mas os universitrios de hoje consideram,
todos, quaisquer que sejam suas tendncias ideolgicas, que a verdadeira
geografia, s aparece no sculo XIX, com os trabalhos de Humboldt
(LACOSTE: 2008, 25). Essa questo de quando surge a geografia como
cincia bem controversa, mas com qual intuito foi usado os levantamentos de
Humboldt no Mxico? Essa uma questo muito mais interessante,
principalmente quando se sabe que antes de voltar de sua antolgica viagem
pelas Amricas, Humboldt, passou pelos Estados Unidos e em conferncia
com o presidente Jeferson disponibilizou os seus mapeamentos sobre reas
que mais tarde seriam conquistadas muito facilmente pelos estadunidenses.
Parece que o conceito de geografia militar
est relacionado com aspectos histricos de cada lugar e por isso que se
chama geografia militar que est relacionada a uma escola de pensamento
especfica que especfico de cada pas, por exemplo, os chineses, os
americanos, os franceses, ou seja, so escolas de geografia e at muito mais
abrangente que escola de geografia propriamente dita, porque normalmente a
nossa escola de geografia esta presa a escola de pensamento europeu e
americano, ento, no presente trabalho, feito um aporte do pensamento
chins, isto interessante porque o vis da geografia militar nos permite fazer
uma abrangncia maior de reflexes e no se prende as tradicionais escolas
que fazem parte do arcabouo terico-metodolgico da geografia o que a
deixa, de certa forma limitada. Portanto, o vis da geografia militar, por permitir
esta abertura, a prpria importncia em termos conceituais para o interior da
cincia geogrfica, enriquecendo o temrio da geografia e conseqentemente,
o presente trabalho, abarca outros temas que no eram to esperados,
aprimorando metodologicamente e epistemologicamente a cincia geogrfica.
Yves Lacoste um crtico desta limitao, porque ele escreveu o livro? Porque
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ele acha que a geografia se negou a fazer uma reflexo poltica sobre o espao
e ficou pequena epistemologicamente.
A tarefa do presente trabalho bastante
rdua visto que a geografia brasileira, ainda hoje, sofre de srios traumas do
perodo do regime militar que atingiu diretamente as cincias humanas.
Acreditamos que propor um trabalho de Geografia Militar no Departamento de
Geografia da Universidade de So Paulo seja to difcil quanto foi para Yves
Lacoste escrever seu ensaio sobre a geografia. Tudo que intitulado militar
tem suas complicaes s vezes mais psicolgicas do que cientficas. Mas
no podemos simplesmente colocar uma questo to importante, que envolve
principalmente a Questo da Defesa Nacional, de lado e fingir que nunca
existiu e que esta tambm no um assunto da geografia, ora a geografia
como cincia pode trazer subsdios para discusso de maneira crtica, por ser
uma cincia que analisa o espao, territrio, paisagem, lugar entre outras
categorias de anlise com uma viso holstica dos fenmenos naturais e
humanos associando-os. De maneira semelhante observamos no campo da
Geopoltica que ao ser rotulado de coisa de milico no foi mais estudada pela
geografia ficando na mo apenas das escolas militares (TRAVASSOS, COUTO
E SILVA, MEIRA MATOS) e nas ltimas dcadas resgatada pelos cientistas
polticos (MELLO, MYAMOTO, etc). A geografia acadmica teve suas
contribuies sobre o assunto principalmente com os trabalhos da Professora
Bertha K. BECKER, Professor Wanderlei Messias da COSTA e Professor
Andr Roberto MARTIN, entre outros. Mas ainda existe uma lacuna nos
estudos mais especficos da Geografia Militar e sobre isso que ser tratado
na seguinte dissertao.
No trabalho iremos trabalhar a importncia
histrica do conhecimento geogrfico como conhecimento estratgico. Os
primrdios do que LACOSTE chama de geografia do estado maior e a cincia
militar chama de geografia militar ser desenvolvida com base terica de
autores referncia sobre o assunto. A Histria da Guerra e a Inteligncia da
Guerra de John KEEGAN; La Geografia y La Guerra de Fernando Pinto
CEBRIAN; Military Geography de PELTIER & PEARCY.
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No se trata aqui de realizar uma histria da
geografia militar, mas o presente trabalho tem como finalidade demonstrar o
papel da geografia como aspecto mais concreto do fenmeno da guerra, da
logstica, da estratgia e da inteligncia. A importncia de estudarmos a
geografia sobre estes aspectos nos permite detectar se a evoluo desta
cincia influenciou nas concepes das tticas e estratgias; a correspondente
relao entre geoestratgia e geopoltica; analisar conflitos especficos como a
guerrilha, o terrorismo, a guerra nuclear, a guerra ttica e confrontos de outras
ordens.
Muitos trabalhos sobre geografia da
antiguidade como de Herdoto e Estrabo com seu estilo descritivo das
regies, povos, acidentes orogrficos, hidrografia, vegetao, estradas,
caminhos, recursos naturais serviram, posteriormente, para prtica no s dos
navegantes, mas tambm de muitos generais que se aproveitaram desses
estudos antes e durante suas campanhas, o que colocou a geografia muito
antes de se tornar uma cincia num conhecimento de grande importncia.
Aporte terico-metodolgico
A Geografia Militar era uma das
especialidades prticas da Geografia, juntamente com a Geografia Mdica e a
Geografia Comercial, at o surgimento do revolucionrio determinismo de
Friedrich Ratzel. Com sua Geografia Poltica (1898) ele ampliou de tal modo o
escopo da Geografia Militar, que esta viu-se reduzida a mera tcnica, no
entanto de emprego universal. Os temas estratgicos, embora pouco
freqentes na pesquisa geogrfica brasileira ultimamente, so cada vez mais
comuns em outras reas do conhecimento, notadamente entre economistas,
administradores, e claro, cientistas polticos.
A pesquisa proposta visa resgatar a
experincia esquecida da geografia militar na geografia acadmica, no que ela
contribuiu para a formao dos estados territoriais e para o patrimnio cultural
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da cada nao. Sob esse ngulo, trata-se de um estudo antes de tudo, de
Geografia Histrica. Por outro lado, pretende-se interrogar tambm at que
ponto as necessidades modernas de defesa, que incluem inescapavelmente a
constituio de um parque industrial blico, acomodaram-se ou opuseram-se
quela herana logstica que vinha se constituindo desde a Colnia e o
Imprio. Nesse sentido, configura-se como uma pesquisa de Geopoltica, com
nfase na sua aplicao prtica em termos de polticas territoriais. A deciso
local em ambos os casos, vale sublinhar, est presidida por paradigmas no
contemplados pelas teorias geoeconmicas, como as de Von Thnen ou
Christaller por exemplo, j que o binmio defesa/ataque possui aqui, maior
relevncia que a equao tradicional de custo/benefcio. Da a importncia da
reconstituio histrica e cartogrfica, e do cotejamento entre as doutrinas e
realizaes desses dois ramos da Geografia.
Philipe Boulanger (2005) nos chama a
ateno para o fato de que a cincia geogrfica comea a ser estudada pelas
escolas de oficiais do exrcito francs no incio do sculo XIX, e estes logo
utilizaro os seus conhecimentos recm-adquiridos, na aplicao de tcnicas e
estratgias militares. Na primeira metade do sculo XIX, a disciplina Geografia
Militar comea a ser ensinada na formao da elite militar francesa na Escola
Especial de Sain-Cyr pelo professor Thophile Lavalle. Este organiza os
primeiros fundamentos da disciplina em seu livro Gegraphie physique,
historique militaire, publicado em 1832. Depois da humilhante derrota francesa
na guerra Franco-Alem 1870-71, a geografia passou a fazer parte definitiva da
cultura militar. Portanto, podemos afirmar que Lavalle e sua Geografia Militar
so os antecessores legtimos da Geografia Poltica e da Antropogeografia,
desenvolvidas por Ratzel na segunda metade do Sculo XIX. O termo
tambm anterior a Geopoltica conceito desenvolvido por Kjllen em 1916.
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CAPTULO 1
A GEOGRAFIA MILITAR E SEU ESCOPO E SUA RELAO COM AS CINCIAS MILITARES.
Introduo
O conhecimento do territrio uma das matrias fundamentais
que todo o comandante e seus encarregados devem estudar, importante
desde o comando das menores unidades de combate at nos mais altos
escales, onde se discute a estratgia e se desenvolve o conhecimento da
geografia. No podemos considerar apenas as condies do terreno, mas do
territrio com todas as suas complexidades, este ltimo sempre foi de extrema
importncia na anlise, estruturao e execuo de qualquer problema blico
que se apresente. Toda soluo a uma situao ttica ou estratgica requerem
o conhecimento prvio do cenrio de onde vai se atuar.
A geografia militar surgiu como um ramo da geografia geral que
estuda os fatores geogrficos humanos, fsicos, econmicos, polticos e militar
e suas relaes espaciais correspondente ao cenrio de guerra, e interpret-los
para deduzir a influncia que exercem na condio militar. Mas esta disciplina
to antiga quanto prpria guerra e, certamente, mais antiga que a cincia
geogrfica universitria que datada do sculo XIX, portanto, surgiu para
apoiar ainda mais os imprios europeus em sua expanso, a partir de ento,
com o carter mais cientificista. A geografia militar se orienta, sobretudo, para
aproveitar as vantagens e avaliar os inconvenientes, que os fatores geogrficos
representam no cerne social da guerra, contribuindo como base fundamental
para organizao das foras armadas.
O uso dos conhecimentos sobre geografia ocorre desde os
tempos muito antigos, mesmo antes do surgimento das primeiras civilizaes
quando as sociedades humanas tinham uma organizao social mais simples
como os cls e tribos, por exemplo. O conhecimento de um lugar seguro como
uma caverna ou mesmo uma fonte de gua deveriam ser importantes para o
desenvolvimento de determinados cls ou tribos. As pinturas rupestres
funcionavam como certa indicao de rotas de caas, portanto, de certa forma
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poderiam ser consideradas como a primeira tentativa de sistematizar o espao,
utilizando no smbolos sofisticados da cartografia moderna, mas usando a
prpria arte, assim, o ser humano diferenciou-se de outras espcies animais ao
conseguir expressar seus sentimentos na forma de arte e reconhecer o espao
sistematizando-o em categorias, mesmo que de maneira mais simples.
Desde tempos imemoriais, quando os grupos humanos pouco se diferenciavam de seus primos mais prximos, isto , dos demais primatas superiores, saber a localizao de uma fonte de gua potvel, ter acesso a um determinado campo de caa e proteg-lo contra eventuais invasores, representavam conhecimentos vitais que hoje ns provavelmente denominaramos de estratgicos (...). Alm disso, esse conjunto de informaes, tcnicas e mtodos, podia ir sendo ampliado indefinidamente, desde que evidentemente, a memria coletiva tivesse capacidade de armazen-los de alguma forma. (MARTIN, 2004:15)
Considerado o primeiro tratado sobre a guerra a Arte da Guerra
de Sun Tzu, como ser pormenorizado adiante, descreve e analisa o perodo
da Primavera e Outono (722-481 a.C). Nele, o famigerado estrategista, expe
de maneira brilhante questes sobre ttica, estratgia, geografia (os sete tipos
de terreno), e sobre as questes militares (organizao, logstica, disciplina).
verdade que os tericos colocam em questo a existncia de Sun Tzu, dizendo
que ele talvez represente uma escola terica marcial, assim como Scrates
entre os gregos, mas estas questes no sero discutidas neste trabalho e sim
o contedo referente a geografia aplicada ao exerccio marcial em sua poca e
a evoluo do uso aplicado da geografia em diferentes momentos e referentes
aos terico mais eminentes de cada momento. Algum que no est
familiarizado com as montanhas e florestas, gargantas e desfiladeiros, com a
forma dos charcos e pantanais, no pode fazer avanar o exrcito. Quem no
lana mo de guias locais no pode obter vantagens do terreno (SUN TZU,
2006:91).
Entretanto, os pequenos destacamentos de bravos homens com
um equipamento blico bastante precrio eram a mxima fora que muitas das
sociedades primitivas possuam. J algumas civilizaes da antiguidade
desenvolveram uma mquina de guerra bem mais organizada. O conhecimento
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geogrfico utilizado para fins militares de maneira bem efetiva comea a ser
desenvolvido por pensadores e utilizado pelos grandes imperadores como
Alexandre, o grande. Na medida em que as civilizaes humanas fizeram
avanos tecnolgicos, tambm, foram aprofundando sua organizao militar e
com isso a capacidade de sistematizar o conhecimento geogrfico para fins
blicos.
Visitantes estrangeiros vindos de terras distantes que mais tarde Alexandre, o Grande conquistaria recordam a insistncia de suas perguntas a respeito do tamanho da populao em seus pases, da produtividade do solo, da direo dos rios e estradas que os atravessavam, da localizao das cidades, baas e praas fortificadas e da identidade dos cidados importantes, feitas no tempo em que, ainda menino, ele reinava na corte da Macednia na ausncia de seu pai, Filipe, em campanha militar no exterior (KEEGAN, 2006: 25)
Os conhecimentos que mais adiante sofreram uma importante
ampliao, como: o conhecimento de outros povos, suas posies, suas
possibilidades em caso de guerra; tudo isto se produzir de forma mais
definitiva com o nascimento de uma poltica imperialista, que necessitar de
uma poltica de defesa a qual ir aparecendo da intuio, ou das experincias
em campo de batalha, concretizando cada vez mais os conhecimentos
estratgicos, tal qual ocorreu com Alexandre, o Grande (356-323 a.C) que
nesse sentido era cercado de sbios filsofos que tinham um vasto
conhecimento geogrfico, como Aristteles, por exemplo. Entretanto o imprio
romano chegou a tal especializao sobre a guerra que toda sua organizao
social direta ou indiretamente estava voltada para guerra e para o espetculo
da guerra.
Outro pensador de uma geografia militar antiga foi imperador Jlio
Cesar (101-44 a.C), este foi muito astuto no uso de informaes geogrficas
para defesa e conquista de seus inimigos, visto que o imprio romano era
cercado de inimigos por todos os lados. Ele reuniu dados sobre a Glia,
Bretanha e outros territrios antes de ocup-los e desenvolveu um sistema de
inteligncia militar que servia de informaes bastante precisas num raio de at
trinta quilmetros do teatro da guerra. Sobre a Glia, Csar relatou: A Glia
est toda dividida em trs partes: uma que habitam os belgas, outra os
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aquitanos, a terceira os que em sua lngua se intitulam de celtas e na nossa de
galos1 (apud CEBRIAN, 1985:33). Cesar elaborara um sistema de inteligncia
em vrias escalas: curtas, mdias e longas distncias, procursatores, que
realizavam reconhecimento prximo, imediatamente frente do exrcito;
exploratores, batedores de longo alcance; e speculatores, que faziam
espionagem nas profundezas do territrio do adversrio (KEEGAN, 2006: 27).
O que geografia militar?
Algumas definies clssicas sobre a geografia militar devem ser
mencionadas para esclarecer como este conceito evoluiu na cincia militar.
Existem algumas definies advindas da cincia militar que afirmam de
maneira simplista que a Geografia Militar o ramo da cincia militar que tem
por objetivo averiguar, discutir e estabelecer a influncia no terreno das
operaes militares. Ora esta definio simplifica de maneira grotesca o
conceito da cincia geogrfica e a confundi com o estudo da topografia. Alguns
autores fazem este tipo de confuso, mas tambm, certo que a topografia foi
um dos elementos da geografia mais desenvolvidos pela cincia militar,
especialmente para infantaria e artilharia que esto diretamente atreladas a
este conhecimento. fundamental para ambas conhecer a topografia do
terreno para realizar suas operaes militares.
A definio de PORRO autor de Guida allo studio della
geografia militare; compendio delle lezioni di geografia militare. Torino: Unione
tipografico-editrice,1898 - diz que a Geografia Militar um estudo das
influncias dos elementos geogrficos sobre a guerra. Esta definio coincide
com os preceitos da escola determinista alem que teve como principal terico
RATZEL que desenvolveu os conceitos da Geografia Poltica em sua clssica
obra Politische Geographie editado pela primeira vez em 1897.
Os estudos dos elementos geogrficos sobre a guerra colocam a
geografia como determinante para o resultado da guerra. No temos aqui o uso
da geografia para influenciar o resultado da guerra, portanto, a geografia desta
definio um elemento que no pode ser superado de qualquer forma. As
1 CEBRIAN, F. La Geografia Y La Guerra: La Glia est toda dividida em tres partes: uma que habitan los
belgas, outra los aquitanos, La tercera los que em su lengua se llaman celtas y em la nuestra galos....
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sociedades humanas, na antiguidade, eram muito mais influenciadas pelos
elementos geogrficos do que as sociedades que observamos na
contemporaneidade. Mas, ainda hoje, estes elementos so importantes para o
resultado da guerra. Por exemplo, os tipos de armas que as foras armadas
devem usar esto relacionados com os aspectos geogrficos do territrio. Uma
cavalaria, por exemplo, tem vantagens sobre a infantaria em um terreno plano
e aberto. J em terrenos montanhosos, ou florestas, a cavalaria perde seu
potencial de mobilidade e a infantaria se torna mais eficiente.
O Coronel PAULA CIDADE que durante o governo do marechal
Hermes da Fonseca em 1910 foi enviado junto com outros oficiais brasileiros a
estagiar no Exrcito da Prssia, este grupo de pensadores militares, que foram
estudar na escola alem foram denominados de jovens turcos.
Pois uma das primeiras decises do Marchal-presente foi justamente enviar uma misso Alemanha, em 1910, com vistas a estes oficiais absorvem os ensinamentos desta nova matriz da modernizao blica, j em plenos preparativos para guerra mundial. Ao retornarem ao Brasil estes oficiais sero apelidados de os Jovens Turcos, numa aluso irnica sua admirao pelos revolucionrios comandados por Kemal Aturk, que agitavam aquele pas mulumano desde 1908 (MARTIN, 2007:102).
Ao retornar participa da fundao da revista "A Defesa Nacional".
Foi um dos fundadores da Biblioteca do Exrcito. Autor de Notas de Geografia
Militar Sul-americana de 1940, PAULA CIDADE, diz que a Geografia Militar se
ocupa dos papeis que desempenham os elementos geogrficos nas operaes
de guerra, papel essencialmente varivel segundo as condies da luta,
intensidades e da direo geral das operaes. Esta definio posiciona a
Geografia como algo que pode ser aplicado as condies da guerra em relao
s operaes militares. um conceito que vai alm das determinaes
geogrfica do resultado de uma guerra. Neste conceito existe um embrio da
geografia como uma cincia aplicada com um fim especfico que a confronto
blico, portanto colocando a geografia militar como instrumento usado para fins
blicos.
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Geografia aplicada do Estado-Maior: A geografia militar
Dois aspectos so fundamentais para percebermos o valor dos
elementos geogrficos na guerra: primeiro, o conhecimento dos fenmenos
geogrficos, tanto fsicos como descritivos; segundo, a capacidade
interpretativa para poder avaliar e interpretar a influncia que teria nas
operaes militares que se projetam, permitindo, com isto, aproveitar, elucidar
e vencer usando os aspectos geogrficos. desta capacidade interpretativa
que se ocupa a geografia militar.
Seria um enorme erro considerar que os fatores geogrficos
significam tudo numa guerra, mas estes possuem uma grande influncia,
correspondendo aos profissionais das foras armadas determinarem seus
verdadeiros valores. Muitas vezes o conselho da Geografia Militar s levado
em conta em parte pela estratgia e o apoiar suas manobras nos fatores
negativos que apresenta o fator geogrfico estudado.
Durante a Segunda Guerra Mundial, na frente russo-alem,
muitas operaes se apoiaram em formas favorveis, o inverso do que
aconselhava os fatores geogrficos. As mentiras da Alemanha atuavam no
perodo de vero, j a antiga Unio Sovitica apoiava suas operaes no rigor
do inverno; esta anlise demonstra que o cenrio geogrfico era um dos
fatores que influenciariam, de maneira mais ou menos imediata, a todas as
concepes estratgicas com que ambos desafiantes pretendiam dar soluo
ao problema blico. Alemanha queria vencer at o incio do inverno, j os
soviticos pretendiam segurar os alemes at que o inverno comeasse. O
condutor militar deve aproveitar seu conhecimento geogrfico do cenrio de
guerra para obter o maior rendimento das operaes projetadas.
No entanto, seria um erro acreditar que os fatores geogrficos
sejam intransponveis na preparao e conduo da guerra; tal interpretao
seria um grande erro. Uma concepo estratgica apoiada apenas nos fatores
geogrficos resulta numa anlise inconsistente, pois a ao do cenrio
geogrfico da guerra relativa diante de outros elementos. Um exemplo que
esclarece esta inconsistncia vem, mais uma vez, da II Guerra Mundial: alguns
anos antes da guerra, um estudo de Geografia Militar formulou algumas
reflexes sobre a conduo da guerra na fronteira alem-luxemburguesa e na
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fronteira no extremo sudeste da Blgica que inibe a movimentao entre
Frana e Luxemburgo. A concluso dos estudos franceses que a regio que
se estende a parte francesa do pico de Meuse, e ambos os lados de
Charleville, era muito desfavorvel para as manobras de grandes unidades e
da cavalaria pesada em funo das dificuldades que o terreno; as montanhas
de Eifel e os Ardenes e sua natureza pantanosa e de bosques.
Foi exatamente a partir desta regio que em 10 de maio de 1940
o exrcito alemo superando as dificuldades naturais entra na Frana com
pouqussima resistncia (ver figura 1). Temos que concordar que as
dificuldades que oferecem esta regio aos movimentos operativos de grandes
unidades so extraordinariamente considerveis deduz-se ento que: primeiro
que o comando alemo estava convencido de poder vencer as dificuldades e,
segundo, que o comando francs confiando nestas dificuldades deveria ser
surpreendido. No dia 10 de maio iniciou-se a campanha alem contra a
Frana, com ataque contra a Holanda e a Blgica; quatro dias depois, os
blindados alemes rompiam as defesas francesas nas Ardenas (MORTON,
2004:35).
Plano de Ataque rpido Frana (Blitzkrieg)
Figura 1- Blitzkrieg (in: www.onwar.com, acesso em 28/01/08)
http://www.onwar.com/
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A presena de alguma interao entre as condies geogrficas e
os assuntos militares o escopo da geografia militar. Segundo PELTIER &
PEARCY em Military Geography, um manual sobre a geografia militar,
publicado em Princeton (1966) - as pesquisas sobre o assunto se dividem em
trs grandes categorias: sistemtica, geral e regional. A primeira categoria, a
sistemtica, direciona a aplicao da cincia aplicada para conduzir os
assuntos militares. J os amplos assuntos da geografia como a geomorfologia,
hidrografia, biogeografia, geografia poltica que envolve a adaptao do
soldado ao meio so exemplos da geografia geral. A geografia militar regional
atua como sntese, trazendo vrios aspectos da geografia e como eles devem
ser aplicados a uma regio militar particular. Embora todas estas
consideraes estejam presentes em comentrios e estudos clssicos esta
sistematizao s foi possvel no sculo XIX e XX, quando se desenvolve o
ramo da fotografia, aerofotogrametria e a cartografia, ento observamos um
ritmo intenso em reas mapeadas e um elevado grau de detalhe desse
mapeamento.
A geografia uma das cincias que compreendem um amplo
campo de ao, abarcando conhecimentos especficos que vo desde
entender nosso planeta no seu cosmo - o estudo da natureza e a constituio
da Terra -, at observar a conduta do homem sobre a superfcie terrestre. De
maneira resumida, o carter dual desta cincia consegue articular a relao
entre o meio e a sociedade e como estes interagem. O meio pode ora ser um
fator de barreira a determinadas manobras, ora pode ser superado atravs de
uma tecnologia. Tanto no planejamento territorial quanto numa guerra as
condies geogrficas podem ser superadas com advento da engenharia. Mas
o conhecimento geogrfico fundamental para prever as dificuldades e de
quais materiais o exrcito ir precisar.
A geografia militar no uma cincia separada da Geografia
Geral. Ela foi muitas vezes classificada pela comunidade geogrfica como
geografia aplicada, segundo PELTIER & PEARCY (1966). No dcimo nono
Congresso Internacional de Geografia em Stockolm (1960) e no vigsimo
Congresso Internacional de Geografia em Londres (1964) um novo ramo da
geografia chamado geografia aplicada surgiu como distinto da geografia
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econmica2 (ibidem, 1966:19). Com a idia de planejamento territorial que veio
a ser uma das caractersticas essenciais dos Estados planificados o termo
geografia aplicada passa a ter outra conotao. Os conhecimentos da
geografia passariam a ter novas utilizaes.
Devemos ressaltar que a geografia militar uma disciplina que
independe das cincias militares, por estar apoiada nos conhecimentos da
Geografia Geral e Regional. Mas este conhecimento, por sua vez, est
relacionado com a cincia militar, como j foi observado. Uma determinada
especializao tem resultados positivos quando esta embasada em uma
profunda e ampla cultura. Nenhum estudo necessita mais disto que a geografia
militar, por seus problemas complexos e suas relaes ntimas que mantm
com o saber militar.
A geografia militar, segundo John M. Collins - em seu livro Military
Geography: for Professional and The Public (1998) -, um dos diversos
segmentos do amplo campo da cincia geogrfica. o estudo da influencia do
meio fsico e cultural sobre as aes poltico-militares, planos, programas, e
operaes de combate e suporte de todos os tipos no mundo, regionalmente e
no contexto local. Os fatores chave - aspectos fsicos e culturais (ver tabela 1)
afetam o alcance de todas as atividades militares: estratgias, tticas, e
doutrinas; comando, controle, e estruturas organizacionais; a otimizao
misturando a terra, o mar, o ar, e foras espaciais; escolha de um alvo;
pesquisa e desenvolvimento; o fornecimento e alocao de armas,
equipamentos e roupas; mais suprimentos, manuteno, construes, suporte
mdico e treinamento.
COLLINS (1998) afirma que a geografia militar nos Estados
Unidos da Amrica, somente comeou a ser discutida no 92 encontro anual da
Associao de Gegrafos Americanos em 1996, aps grande discusso para
ento se criar um grupo de estudo especialmente tratando do assunto. Antes
disso, esta ramificao da Geografia era quase que desconhecida at mesmo
pelas organizaes de logstica militar estadunidense.
2 PELTIER & PEARCY. Military Geography. At the Nineteenth Internacional Geographical Congress in
Stockholm (1960) and Twentieth Internacional Geographical in London (1964), a new branch of geography called applied geography emerged distinct from econmic geography. (p.19)
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20
A geografia militar serve de plataforma comum a todos os ramos
do conhecimento militar ao analisar e conhecer o cenrio de onde se vai atuar,
recebe o aporte dos princpios e das leis que iro ser aplicadas num
determinado cenrio. A influncia recproca e permite deduzir concluses
militares de um valor real. Podemos ressaltar as concepes estratgicas
logsticas, orgnicas, entre outras, aplicando seus princpios realidade
geogrfica se torna possvel interpretar a influncia militar do terreno numa
determinada atividade blica. Ser uma questo para o comandante considerar
e, ou, adotar o conselho que o terreno d para uma operao militar que
projetada.
Tabela 1- Fatores Geogrficos
Aspectos Fsicos Aspectos Culturais
Relao Espacial Razes tnicas e raciais
Topografia e Drenagem Padro populacional
Geologia e Solos Estrutura Social
Vegetao Linguagens e Religies
Oceanos e Mares Indstria e uso da terra
Durao do dia e da noite Rede de Transporte
Gravidade e Magnetismo Telecomunicaes
Instalaes Militares
Figura 2- Organizada por Filipe Giuseppe Dal Bo Ribeiro
Geografia Militar X Geografia do Estado-Maior
Para finalizar a discusso a cerca do conceito geografia militar
cabe trazer para discusso o best seller da geografia civil: A geografia isso
serve em primeiro lugar para fazer a guerra de Yves Lacoste. Onde o autor
diferencia de maneira bastante astuta a geografia dos professores ou geografia
universitria e a geografia do Estado-Maior. Sendo a segunda muito mais
antiga vinda de uma percepo emprica, ou seja, da prtica, enquanto a
primeira ao negar a segunda escamoteia o seu real propsito que dar base
para segunda.
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21
Para Lacoste a geografia do Estado-Maior se define da seguinte
maneira:
a geografia do Estado-Maior um conjunto de representaes cartogrficas e de conhecimentos variados referentes ao espao; esse saber sincrtico claramente percebido como eminentemente estratgico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de poder. (LACOSTE, 2008:31)
E a geografia dos professores , por sua vez:
A outra geografia, a dos professores que apareceu h menos de um sculo, se tornou um discurso ideolgico no qual uma das funes inconscientes, a de mascarar a importncia estratgica dos raciocnios centrados no espao. No somente essa geografia dos professores extirpada de prticas polticas e militares como de decises econmicas (pois os professores nisso no tm participao), de poder que so as anlises espaciais. Por causa disso a minoria no poder tem conscincia de sua importncia, a nica a utiliz-las em funo dos prprios interesses e este monoplio do saber bem mais eficaz porque a maioria no d nenhuma ateno a uma disciplina que lhe parece to perfeitamente intil. (LACOSTE, 2008:31)
Ainda um grande tabu para a geografia pensar que o
conhecimento geogrfico esteja relacionado com a questo estratgica e
militar. No foi tarefa fcil para Yves Lacoste suportar as crticas vindas por
parte de seus colegas quando lanou seu revolucionrio livro: A geografia
isso serve em primeiro lugar para se fazer a guerra em 1976. A pergunta que o
professor Lacoste se props a responder com seu livro era: Pra que serve a
geografia? Ora talvez esta no fosse a resposta mais adequada para momento
em que ele escreveu esta contestada obra, pois com a iminente possibilidade
de uma guerra nuclear a geografia estaria nadando contra todas as correntes
cientficas que estavam a pensar um mundo em que a guerra no poderia ser
mais uma possibilidade e deveria ser de uma vez por toda completamente
descartada. Mas se nos debruarmos na resposta que o ttulo do livro e
repensarmos a pergunta, acredito que o ttulo faria mais sentido na poca e,
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22
claro, hoje, se a questo formulada fosse a seguinte: em primeiro lugar pra que
serviu a geografia? Essa pergunta seria menos contestada.
Cabe fazer uma anlise destas proposies a cerca da geografia
como cincia e elaborar uma crtica sobre os seus conceitos. Quando a
geografia colocada desta forma existe uma crtica severa sobre a produo
cientfica da geografia, naquele momento, que ao se colocar neutra e acima de
qualquer conscincia sobre qual a utilizao real de seus paradigmas.
Quando a geografia como cincia nega a existncia do uso da geografia antes
do surgimento desta como cincia, a mesma coisa que neg-la em si mesma.
E quando nos questionamos, para que serviu a geografia em primeiro lugar?
Logo nos remetemos talvez a cinco sculos antes de Cristo, e encontramos
Sun Tzu e sua Arte da Guerra, onde realizado uma categorizao do espao
para seu uso militar. A crtica de Lacoste, por outro lado, no analisa a questo
de maneira pormenorizada, pois ao considerar que a geografia dos professores
se proclama como cincia no sculo XIX, os universitrios de hoje consideram,
todos, quaisquer que sejam suas tendncias ideolgicas, que a verdadeira
geografia, s aparece no sculo XIX, com os trabalhos de Humboldt
(LACOSTE: 2008, 25). Esquece que mesmo Humboldt, mesmo sendo mais um
naturalista que um gegrafo foi usado pelos Estados Unidos com propsito de
conquista.
Lembremos que Humboldt foi proibido de entrar no Brasil, mas ao
entrar no Mxico mapeou informaes nevrlgicas sobre os fortes e
fortificaes e quantos soldados e quais tipos de armamento existiam. Em
visita pela Amrica do Norte, Humboldt passou tais informaes para nova
repblica democrtica da Amrica, os Estados Unidos que ele acreditava ser
o farol da nova civilizao - que utilizaram bem as informaes conquistando
todo o norte do Mxico. Por sua vez o territrio brasileiro se manteve intacto de
invases externas.
O Presidente Jefferson ficou encantado com os mapas de Humboldt , o qual mandou ser compiado, e o baro tinha livre passagem na casa branca. Ao longo dos 20 anos seguintes Humboldt enviou para Jeferson copias do seus livros que Jeferson respondia com longas cartas,
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23
algumas vezes discutindo sobre o futuro da Amrica Latina. (MCINTYRE, L, 1985)3
Outro ponto para ser considerado, foi a definio do conceito
geografia do Estado-Maior. apenas, outro nome que se d ao conceito
geografia militar. Lacoste no utiliza este termo, pois ele se remete ao sculo
XIX e o referido autor tenta se desvencilhar, a todo custo deste momento que a
cincia geogrfica comea a se institucionalizar. Vale sublinhar o fato de que a
cincia geogrfica comea a ser estudada pelas escolas de oficiais do exrcito
francs no incio do sculo XIX, sendo os conhecimentos recm adquiridos
utilizados na aplicao de tcnicas e estratgias militares.
Segundo Philippe Boulanger (2005) 4, na primeira metade do
sculo XIX a disciplina Geografia Militar comea a ser ensinada na formao
da elite militar francesa na Escola Especial de Saint-Cyr pelo professor
Thophile Lavalle, que organiza os primeiros fundamentos desta disciplina em
seu livro Gographie physique, historique et militaire, publicado em 1832,
reeditado em 1865 e em 1880. Depois da humilhante derrota francesa na
guerra Franco-Alem (1870-71) a Geografia passou a fazer parte definitiva da
cultura militar. Portanto, podemos afirmar que Lavalle e sua Geografia Militar
foram antecessores legtimos da Geografia Poltica e da Antropogeografia,
ambas desenvolvidas por Ratzel na segunda metade do Sculo XIX, e da
posterior Geopoltica de Kjellen.
Lavalle foi bastante influenciado pelo que havia ocorrido
dcadas antes da publicao da primeira edio de sua obra (op. cit., 1832): as
guerras napolenicas. Na 7 edio em 1865, ele revisa sua obra diante das
guerras internas na Frana, Itlia, Arglia e a Guerra da Crimia (1852), que
possibilitaram novas anlises no mbito da Geografia Militar do continente
Europeu. Tambm nesta edio, Lavalle reivindica sua autoria terica na
disciplina Geografia Militar chamando-a de minha Geografia Militar.
3 In: National Geographic, September 1985, Vol. 168, No. 3: President Jefferson was delighted
with Humboldts maps, wich he sent to be copied, and the baron had free run of White House. During the next 20 years Humboldt sent Jefferson copies of his books an Jefferson responded with long letters, sometimes discussing the future of Latin America. (MCINTYRE, L, 1985)
3
4 In: www.stratisc.org acesso 05/06/08.
http://www.stratisc.org/
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24
Eu o tenho modificado e corrigido inteiramente nesta 7 edio; eu acrescentei obra detalhes, que eu considero interessante, sobre as fronteiras da Frana, a Arglia, a Itlia, a Crimia e etc. Finalmente, como minha geografia militar foi traduzida ou plagiada em vrias lnguas, eu consegui enriquec-lo de informaes que me foram trazidos de sbios oficiais estrangeiros: eu devo principalmente agradecer, a esse respeito, ao senhor Jackson, coronel da artilharia na armada britnica, quem publicou em Londres, em 1850, uma traduo inestimvel de uma parte da minha obra sob o ttulo de A topografia militar do continente europeu do francs Sr. Th. Lavalle 5. (LAVALLE, 1865: prefcio) 6
Portanto, para Lacoste era mais interessante o conceito colocado
desta forma: geografia do Estado Maior, mais antiga, mas que como foi
analisado apenas institucionalizado no sculo XIX, com o surgimento do
conceito geografia militar. bom lembrar que a prpria geografia dos
professores, aquela que foi institucionalizada e tem como grande fundador o
naturalista alemo Humboldt, tambm, desenvolveu conhecimentos utilizados
nas guerras de conquista no Mxico pelos Estados Unidos. A concluso desta
questo que tanto a geografia dos professores quanto a geografia do Estado-
Maior tem a mesma origem e que a resposta de Lacoste esta se referindo a
outra pergunta: Para que serviu a geografia em primeiro lugar? Ora esta serviu
em primeiro lugar para se fazer a guerra. Hoje, diante da crise da civilizao
ocidental, anunciada como uma crise da humanidade, a pergunta a ser feita
deve ser outra: A geografia - ou qualquer outra cincia - imprescindvel para
se fazer a paz? Temos que ter a esperana de uma resposta afirmativa, mas
no podemos ser ingnuos a ponto de acreditar nisto cegamente.
5 Na verso original: The military topography of continental Europe of french Sr. Th. Lavalle.
6 LAVALE, T. (1865: prefcio da 7 edio) je lai entirement remani et corrig dans cette
7e dition; jy ai ajout des dtails que je crois intressant sur les frontires de la France, lAlgrie, lItalie, la Crime etc.; enfin, comme ma Gegrafie Militaire a et traduite ou imite dans plusieures langues, jai pu lenrichir de renseignements que mont fournis de savants officiers trangers: je dois principalement ce sujet de remerciements M. Jackson, colonel dartillerie dans larme britannique, qui a publi Londres, en 1850, une traduction remarquable dune partie de mon ouvrage sous le titre de The military topography of continental Europe from the french of Th. Lavalle (op. cit. 1865).
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25
CAPTULO 2 GEOGRAFIA MILITAR E GEOPOLTICA: O CAMINHO DA IDEOLOGIA ESTRATGIA E(OU) DA TTICA PRTICA.
Introduo
Existe uma discusso de extrema relevncia no campo da
Geografia Poltica acerca dos conceitos e uso das expresses: Geopoltica e
Geoestratgia. O professor Andr Roberto Martin (2004) em sua tese indita de
livre docncia Brasil, Geopoltica e Poder Mundial - equaciona este problema
da seguinte forma: Geografia Poltica e Geoestratgia so os outros nomes
que se da Geopoltica (MARTIN, 2004: 8). Os detalhes desta discusso
esto muito bem exemplificados e analisados nesta tese, portanto este tema
no ser aprofundado nesta discusso. Mas o tema que aborda as definies
sobre as distines da Geografia Poltica e Geopoltica foi levantado pelo
professor Wanderley Messias da Costa (1992) em sua tese Geografia Poltica
e Geopoltica: discurso sobre o territrio e o poder este ltimo, por sua vez,
afirma que a geopoltica antes de tudo um subproduto e um reducionismo
tcnico e pragmtico da geografia poltica (COSTA, 1992: 35). Ambos, de
maneira diferente, atrelam os conceitos Geografia Poltica e Geopoltica.
Cabe aqui diferenciar e ressaltar a diferena entre dois conceitos
que esto diretamente relacionados com esta discusso: das diferenas e
relaes entre geografia militar e geopoltica - estratgia e ttica e como elas
se complementam e se relacionam, pois certamente a ttica no estratgia,
assim como a geografia militar no geopoltica, mas a ttica esta para
estratgia, assim como a geografia militar esta para geopoltica.
A estratgia vista pelas cincias militares como a arte e a
cincia do desenvolvimento e empenho das foras polticas, econmicas,
psicolgicas e militares de uma nao, tanto na paz como na guerra, para
prestar o mximo de apoio aos desgnios das aes nacionais, para
incrementar as possibilidades e conseqncias favorveis da vitria ou de
reduzir os efeitos de uma derrota. De acordo com B.H. Liddel Hart: o papel da
grande estratgia alta estratgia coordenar e dirigir todos os recursos de
uma nao, ou um conjunto de naes, em razo de conquistar os objetivos
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26
polticos da guerra a meta definida fundamentalmente pela poltica (HART,
1954 apud PELTIER & PEARCY,1966: 32)7. Segundo MARTIN (opt.cit.,2004),
a dimenso militar do poder nacional e mundial trouxe para discusso a noo
do conceito de estratgia. Sobre a origem da palavra temos:
Esta palavra surgiu em Atenas, uma potncia martima, que durante o chamado sculo de Pricles tinha por hbito eleger e destituir seus chefes militares em praa pblica. Assim cabia ao strategos autocrator justificar suas atitudes diante da Assemblia popular (...) Tambm em Roma existiu a mesma prtica, s que o strategos passou a ser chamado de dictator (MARTIN, 2004: 12)
No clssico Da Guerra (Vom Krieg) de Carl von Clausewitz temos
uma discusso sobre a teoria da guerra e sobre o que para ele significava o
conceito de estratgia. Podemos extrair que a estratgia esta relacionada com
os planos, objetivos, aes; que no necessariamente sero concretizados,
mas iro balizar o confronto de maneira geral. Clausewitz reconheceu cinco
elementos da estratgia, expressos como: elementos psicolgicos, incluindo a
questo da moral; a fora militar, incluindo seu tamanho, composio e
organizao; a geometria da situao, incluindo as posies relativas ao
movimento das foras, os obstculos, canais de ao, objetivos e etc; terreno,
incluindo montanha, rios, florestas e estradas, que pode influenciar as
atividades militares; apoio, incluindo o meio e as fontes. A estratgia ao
encontrar dificuldades no campo de batalha deve recorrer ao apoio ttico da
Geografia Militar que atravs das condies momentneas pode fazer valer os
planos idealizados pela estratgia. No Livro III Da estratgia em geral temos:
A estratgia (...) tem uma finalidade para o conjunto do ato de guerra que corresponda ao objetivo da guerra. Quer dizer: estabelece o plano de guerra determina em funo do objetivo em questo uma srie de aes que a ele conduzem; elabora portanto os planos das diferentes campanhas e organiza os diferentes recontros destas aes. Dado que todas essas decises em grande parte s podero assentar em suposies que nem sempre se realizam, e que um grande nmero de outras disposies
7 Hart, B. H. Liddell, Strategy (Frederick A. Praeger, Inc, New York, 1954), pp.335-36. the role of grand
strategy higher strategy is to coordinate and direct all the resource of nation, or band of nations, or band of nations, toward the attainment of political objective of war the goal defined by fundamental policy.
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27
mais detalhadas no podem ser tomadas antecipadamente, resulta que a estratgia tem de acompanhar o exrcito no campo de batalha para que, no prprio local, se tomem as disposies de detalhe necessria e se proceda s modificaes gerais que se impem incessantemente. (CLAUSEWITZ, 2003:171)
Geoestratgia e Geografia Estratgia, ou Geopoltica e Geografia Militar
O general francs, Andr Beaufre sintetizou bem o conceito de
estratgia: Estratgia a dialtica de vontades antagnicas (BEAUFRE,
1964:9 apud MARTIN, 2004:12). O gegrafo norte-americano, George Crassey
(1951), define estratgia como: Estratgia a aplicao da poltica; refere-se
tanto em tempos de paz, a questo de cooperao cultural, quanto questo
de equilbrio de foras em tempos de guerra (CRASSEY, 1951 apud MARTIN,
2004: 13). CRASSEY (1951) prope o conceito Geoestratgia para substituir e
por fim a polmica sobre os conceitos de Geografia Poltica e Geopoltica, por
ser um conceito mais amplo a Geografia possui um leque mais amplo do que a
Poltica, e desse modo, conviria utilizar um termo que pudesse dar conta de
todo um leque de relaes comerciais e culturais, internas e externas
(MARTIN, 2004:13). Sobre o conceito de Geoestratgia:
devemos reconhecer trs caractersticas que identificam este conceito, para fins de sua utilizao poltica; sua origem militar, a necessria presena de antagonismos e, portanto, a possibilidade de luta e, alm disso, notadamente, poltica mundial (...) a do ajuste entre os meios e fins, e da antecipao dos movimento do inimigo. Finalmente, vale anotar que Ferndinand Braudel (...) fez uso das noes de Geohistria e Geoestratgia relacionando a primeira ao estudo das paisagens pretritas e a segunda s prospeces em torno da organizao do espao a ser produzido. (MARTIN, 2004:13)
Podemos apreender do conceito de estratgia duas premissas: a
primeira que a Estratgia concebe e direciona a guerra num plano mais alto; e
a segunda, coordena a totalidade das foras e dos recursos nacionais tanto na
preparao como na execuo do conflito, ou para evitar o conflito atravs de
alianas. Para estes termos, se faz necessrio um planejamento, a base de
uma anlise poltico-estratgica e estratgica, e a geografia aparece como um
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dos elementos de apreciao no caso a geografia militar entregando ao
chefe do Estado Maior as concluses que os estudos dos fatores geogrficos
proporcionam do ponto de vista blico.
Se a geoestratgia o outro nome que se d geopoltica, a
geografia estratgica outro nome que se d para geografia militar. Segundo
PELTIER & PEARCY,1966, a geografia estratgica se encaminha para o plano
da geografia da guerra, plano da campanha da guerra e o plano operacional da
guerra. Entretanto a geografia estratgica tambm deve envolver o
desenvolvimento de modelos realistas e padres de treinamento. Dos cinco
elementos da estratgia expressados por Clausewitz, a geografia estratgica
esta associada com a geometria das operaes, com o meio da rea de
operaes, e os apoios dos meios e fontes de recursos. Porque a geografia
estratgica a geografia dos planos, e isto deve ser um prognstico dos
estudos de procedimentos, como uma prvia do que se pode imaginar sobre as
atividades militares sobre condies especficas. Este conjunto de condies
especiais prov um elemento de motivao pelo qual se desenvolve os
aspectos dinmicos da geografia. Isto, tambm, prov uma fonte de relaes e
estudos dos impactos das aes militares, seus custos e sua eficincia.
Os princpios da geografia estratgica envolvem a interpretao
de informaes bsicas para o uso na preparao de planos para conduzir a
guerra, ou para as operaes durante a guerra. Dentro deste contexto as
grandes consideraes da geografia estratgica devem ser descritas em seis
elementos: acessibilidade, mobilidade, visibilidade, comunicabilidade,
disponibilidade e vulnerabilidade. Segundo PELTIER & PEARCY (1966), esses
elementos inclinam-se para centralizao do fator da acessibilidade num
sentido amplo do mundo. Mais especificamente esses elementos relacionam a
interao entre as foras ou componentes, e se esse contato pode ser visual,
eletrnico ou direto; se esse contato com os tipos de armas que sero usadas
plausvel de importncia, tanto numa ao ofensiva quanto defensiva.
Os exrcitos da era pr-eltrica operavam em um horizonte de inteligncia consideravelmente menor que 160 quilmetros. Da a enorme importncia atribuda pelos comandantes do passado informao estratgica; o tipo de inimigo, o tamanho e a capacidade de suas foras, sua disposio, a natureza do terreno em
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sua zona de atividade e, mais geralmente, os recursos humanos e naturais dos quais dependia sua organizao. (KEEGAN, 2006:37).
A acessibilidade, a primeira dos seis elementos da geografia
estratgica sobre discusso, refere-se ao sentido fsico do termo e, tambm,
isto inclui condies das construes, organizao espacial da populao, tipos
de estradas, rotas, distncias. Entretanto, a acessibilidade se difere para o uso
de carros de combate (automveis), avies e barcos. Os avies tm uma
velocidade elevada, mas precisam de uma pista de pouso. A acessibilidade da
pista de pouso bem diferente da acessibilidade da rea de manobra entre
dois aeroportos e entre a rea de ao que possuem uma dependncia, por
sua vez, do tempo atmosfrico. Os automveis, caminhes, carros de
combates viajam bem em reas limpas, planas e superfcies planas, mas no
so eficientes em reas de pantanosas e florestas. Os navios so importantes
componentes, pois carregam consigo, os avies, caminhes, batalhes, mas
precisam de uma rea para aportar e despejar as foras no territrio inimigo.
Um bom exemplo recente sobre a questo da acessibilidade a Guerra do
Iraque. Ora este pas tem certas facilidades em relao a sua acessibilidade,
pois a sua entrada pelo Golfo Prsico favorvel ao desembarque pelo Kwait,
pas aliado dos Estados Unidos, e seu relevo marcado pelas plancies do
Tigre e Eufrates, favorecendo a mobilidade de tanques pesados. A populao
concentrada na regio da capital Bagd. Todos esses elementos favorecem
uma guerra de conquista. J o Ir no apresenta boas condies de
acessibilidade. O desembarque pelo Golfo Prsico no to fcil, pois os
portos so bem protegidos pela marinha iraniana e o difcil acesso favorece a
defesa. As cadeias montanhosas do Plat Iraniano dificultam acessibilidade
para os carros, a populao bem distribuda pelo territrio dificulta uma guerra
de conquista. A atual tese do governo americano ampliar os esforos de
guerra no Afeganisto que possui uma posio central e d mais acessibilidade
ao Ir, do que as reas de plancies do Iraque, por ser mais alto e ter mais
centralidade aos interesses atuais dos Estados Unidos, as foras
estadunidenses podem pressionar tanto o Ir quanto Paquisto e estaro numa
altitude maior do que ambos, fazendo do Afeganisto uma base ideal para
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movimentaes de suas infantarias treinadas para operaes em montanhas e
cavernas.
Os acidentes geogrficos no so imperativos para prescindir a
realizao de uma empreitada estratgica e nem poderiam ser; estes,
simplesmente, facilitam ou dificultam as operaes. No acreditar nisto seria
engendrar um conceito hipertrofiado das questes geogrficas e criar um
determinismo unilateral com a natureza mesma da guerra. Um general ou um
chefe do Estado Maior, quando habituado a uma interpretao correta dos
acidentes geogrficos sabe que: vencer o acidente geogrfico quando a
manobra o impe; evitar o acidente geogrfico quando o tempo e o espao
permitam; e por fim, utilizar o acidente geogrfico com fins relativos economia
e as foras armadas.
A mobilidade envolve a habilidade de se movimentar como um
todo. Isto inclui a velocidade das unidades, a liberdade de escolher o sistema
de transporte, o fludo do trfego e engarrafamentos, os efeitos sazonais do
clima, e a existncia rotas prontas e facilidades terminais. Como uma
expresso de capacidade e flexibilidade no movimento, a mobilidade no
depende apenas da direo do movimento, mas tambm, do que deve ser
movimentado e da organizao deste movimento. Ento as armas pesadas so
menos mveis do que as armas leves, equipamentos autopropulsado so mais
mveis do que equipamentos rebocados, e tropas organizadas so mais
mveis que civis refugiados desorganizados. Um bom exemplo da questo da
mobilidade vem da Guerra de Secesso Americana. A fotografia, o telegrafo,
os foguetes de sinalizao, os bales de observao e os trens tiveram sua
estria como artefatos de uso militar na Guerra de Secesso (MARTIN,
2006:246). A descrio da dificuldade de mobilizar um grande exrcito era
enorme:
Para se ter uma idia mais precisa dos volumes mobilizados, considere-se que um exrcito de 100 mil homens consumia mais de 600 toneladas de suprimentos por dia, o que exigia 2,5 mil carroas e 35 mil animais de trao, os quais tambm precisavam ser alimentados. Cada grupo de 80 carroas, carregando munies e vveres, e contando com algumas ambulncias, cobria 1km de extenso, de modo que o
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abastecimento do exrcito de 100 mil homens exigia uma fila de carroas de 30 km. (MARTIN, 2006:246).
A visibilidade abarca o campo de viso horizontal e vertical, ou do
sensoriamento. Antes da era pr-eletrnica a visibilidade tinha uma importncia
grande na inteligncia das foras armadas. Depois com a inveno do telegrafo
eltrico na metade do sculo XIX e com a sua substituio pelo rdio a
comunicao passou a ser mais importante do que a visibilidade, ainda hoje do
ponto de vista ttico a comunicao via rdio importante, pois seu resultado
imediato no campo de batalha. Antes mesmo das to comentadas imagens de
satlite as fotografias reas j eram usadas em bales, em 1849, o Coronel
Aim Laussedat, um oficial do exrcito francs, utilizou um sistema fotogrfico
desenvolvido por Daguerre embarcado em um balo para obter fotos cuja
finalidade era o mapeamento topogrfico. As fotografias areas e os bales
foram intensamente usados da Guerra de Secesso Americana e mais tarde na
Primeira Grande Guerra Mundial. Mas, atualmente, as imagens de satlite com
definio de at um metro so imbatveis no que diz respeito visibilidade,
podendo acertar com preciso a quilmetros de distncia. A viso ,
naturalmente, o meio principal e mais imediato de obter inteligncia em tempo
real. Era assim na era pr-telegrfica e voltou a ser assim na era da imagem
visual eletrnica (KEEGAN, 2006:37).
Comunicabilidade significa a habilidade para transmitir
informao. Isto inclui os efeitos do tempo atmosfricos, tempestades
magnticas, aspectos do territrio, existncia sobre desenvolvimento cultural,
facilidades de construo, eficincia operacional e manuteno dos sistemas
de comunicao. Os aspectos geogrficos esto relacionados a condies em
lugares especficos que podem mudar ou influenciar os sistemas de
comunicaes. Como, por exemplo, numa populao esparsa com pouca infra-
estrutura so menos apropriadas para comunicao do que as reas urbanas.
A comunicao geralmente acompanha as linhas de estradas de ferro e
rodovias, at a comunicao via satlite, depois deste evento possvel
coordenar operaes dos Estados Unidos em lugares to distantes quanto o
Oriente Mdio, ou at mesmo na Lua se preferir. Em alguns lugares como
montanhas e florestas podem atrapalhar a transmisso de comunicao e
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32
restringir a eficincia do comando favorecendo a descentralizao das
atividades militares.
Disponibilidade uma palavra de uso comum, mas neste caso
aplicada a estratgia. Este conceito aparece em importncia no apenas por
expressar a existncia de soldados, equipamento e suprimentos, mas tambm,
por sua presena estar no lugar certo, na hora certa e na quantidade
adequada. Ento, segundo PELTIER & PEARCY (1966), a disponibilidade no
expressa somente existncia, mas a quantidade e a localizao. Na Segunda
Guerra Mundial o petrleo que abastecia a Itlia no era disponvel as suas
foras no Norte da frica e a fabricao da munio dos aliados produzida no
continente americano teve que estar disponvel para Inglaterra, Rssia, China e
reas no Norte da frica. Portanto, a disponibilidade reflete o efetivo,
suprimentos, transporte, pr-posicionamento, e outros aspectos de suporte
material. Isto reflete as caractersticas do grau de desenvolvimento, da
organizao destas importantes funes e para suporte da organizao militar.
Vulnerabilidade, o ltimo dos seis elementos da geografia estratgica, difere
dos outros elementos no que ele expressa, neste o que importa no o que
algum pode fazer, mas sim o que pode ser feito por algum. Este expressa o
produto acabado, finalizado, ou seja, a capacidade de acesso do inimigo, o
movimento e a disponibilidade. Inclui-se a necessidade das pessoas,
facilidades da produo, instalaes militares e as rotas de transporte para
proteo. Tambm, os aspectos psicossociais como: o estado de bem-estar,
subsistncia da populao, moradia, infra-estrutura pblica, lazer, e outras
necessidades que mantm a moral e a lealdade da populao ao Estado; esto
inclusos no aspecto da vulnerabilidade. Finalmente, este elemento, inclui no
somente a preciso das foras militares estarem prontas para um ataque
direto, mas, tambm, estarem protegidas contra a propaganda, a sabotagem e
outras coisas desta natureza.
Logo existe uma profunda relao entre a estratgia e a geografia
militar; sua influncia se faz sentir tanto no planejamento como na conduo
das operaes militares.
Sobre o conceito de ttica o dicionrio HOUAISS diz:
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33
1- arte da Guerra que trata de como proceder durante um combate ou batalha; 2- Arte de dispor e manobrar as tropas no campo de Batalha para conseguir o mximo de eficcia durante um combate.
Percebe-se que a geografia militar est relacionada com a
conduo das operaes militares. Por outro lado, a Geopoltica est mais
relacionada s estratgias, por ser mais ideolgica do que prtica, temos que
a Geografia Poltica surgiu desde logo como ideolgica e como cincia,
carregando esta contradio original at o presente (MARTIN, 2004: 12). A
geografia militar definida por ser a geografia aplicada do Estado Maior, a
prtica, que viabiliza a estratgia.
Em uma traduo comentada sobre o livro A arte da Guerra de
Sun Tzu, Ralph D. Sawyer - consultor de companhias americanas para o
comrcio com extremo oriente e responsvel por algumas verses definitivas
de antigos textos militares chineses comenta que acerca da questo da
ttica:
as tticas militares, por se fundarem sobre antecedentes histricos, serem formuladas em termos de conceitos contemporneos, se centrarem em capacidades reconhecidas e se dirigirem para realizao de objetivos polticos, so inevitavelmente produto de ambientes especficos (SAWYER, 2006:10)
Existe outro conceito sugerido por PELTIER & PEARCY (1966), a
geografia ttica que se distingue da ttica, pois ttica significa o emprego das
unidades de combate no modo de como elas se organizam, se postam e
manobram podendo trazer o mximo da efetividade e a vitria militar.
Enquanto, a geografia ttica a geografia do campo de batalha e envolve os
fatores geogrficos da batalha em si. Ela inclui a geometria da disposio das
unidades, sua velocidade e direo de seus movimentos, o apoio do
movimento, circulao do transporte, e o ambiente fsico e psicolgico do
campo de batalha. De fato, a geografia ttica serve para inmeras atividades
associadas com a corrida geral das operaes de combate: a geografia das
manobras, dos acampamentos e quartis, da cobertura e dos esconderijos, das
fortificaes, e outras estruturas militares organizadas num territrio. O ltimo
objetivo da geografia ttica depende de todas essas relaes entre a misso e
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o ambiente que so teis no treinamento e na formulao da deciso do
comando. A essncia da geografia ttica repousa na avaliao do espao e
dos fatores do ambiente cuja influencia na movimentao, no uso e tipo de
armas e na estimativa das chances que algum ou um grupo especfico desses
fatores iro ser importantes no tempo e lugar certos.
Geografia Militar e a organicidade da logstica
A logstica, antes de qualquer coisa, deve se pautar no espao
concreto, ou territrio, por mais que as novas tecnologias diminuam as
distncias de maneira significativa, ainda necessrio abastecer de
suprimentos, armas, munies, as foras em combate, e todo este material
chega ao teatro da guerra percorrendo um espao, mesmo na era do
ciberespao, impossvel fazer isto at que uma nova tecnologia aparea
sem percorrermos o territrio no possvel pensarmos na organizao
logstica, com exceo da comunicao, que pode ser feita via satlite, e por
possuir uma conotao material que, a logstica, deve estar pautada em sua
determinada territorialidade, por isso, ainda hoje, o estudo de geografia militar
carrega inestimvel importncia.
Em Da Guerra, Clausewitz afirma que o exrcito pode encontrar-
se em trs situaes diferentes: aquartelado, em marcha, ou acantonado. Na
ausncia de qualquer objetivo, o nico que deve contar o da subsistncia,
conseqentemente, a segurana do exrcito. Aplicada a segurana e
existncia do exrcito importante a reflexo dos seguintes pontos: facilidade
de abastecimento, facilidade de abrigo para tropas, segurana das
retaguardas, espao livre na sua frente, estabelecimento da sua posio em si
em terreno recortado, pontos de apoio estratgicos e repartio apropriada das
tropas. At os dias atuais, os conselhos do velho Clausewitz no devem ser
descartados de maneira alguma.
O exrcito alimenta-se essencialmente sobre o territrio onde est estacionado, todavia forma um todo com sua base. As linhas de comunicaes pertencem a esse todo; elas ligam a base ao exrcito e devem ser consideradas como outras tantas artrias vitais. As entregas de toda espcie, os transportes de munies,
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os destacamentos que vo e vm, as estaes do correio e as correspondncias, os hospitais e os depsitos, as reservas de munies, as autoridades administrativas, todos esses servios circulam incessantemente nessas estradas e o seu valor global de importncia decisiva para o exrcito. (CLAUSEWITZ, 2003:447).
Esta anlise deve ser contemplada ainda hoje. Observando os
avanos tecnolgicos importantes que alteraram os rumos da guerra, ainda
hoje estas proposies, com exceo das linhas de comunicao, so
relevantes na construo de uma estratgia, portanto mesmo com o mundo
virtual e com a chamada guerra nas estrelas, no possvel fugir destas
questes: transporte de munies, os hospitais, depsitos, circulao das
autoridades e etc. No se faz isso no espao virtual e nem via satlite,
necessrio, pois, faz-lo diante das condies do territrio.
No final do sculo XIX, o debate havia evoludo para possibilidade
da disputa do poder mundial em dimenses realmente globais. A grande
questo que se debatia eram os jogos de poder e das relaes entre as
potncias. At o incio do sculo XX, o poder esteve em torno da esfera do
poder martimo versus a esfera do poder terrestre e esta questo est
relacionada de maneira intrnseca com a logstica e a organicidade da guerra
de forma impactante. As principais teorias geopolticas do fim do sculo XIX e
sculo XX debateram esta questo de forma calorosa. No obstante, algumas
possibilidades trazidas pela geografia militar nas anlises destas ideologias
geogrficas (ROBERT MORAIS) so de suma importncia para este debate.
Friedrich Ratzel, o primeiro a desenvolver os conceitos da
Geografia Poltica (opt. cit. 1897) percebeu que o poder mundial era resultado
da disputa entre potncias martimas e continentais. Ratzel acreditava que
se um Estado conseguisse ter maior mobilidade espacial, ou seja, dominar os
mares e a partir disto ter acesso a reas frteis e aos recursos naturais ou a
partir de estepes infrteis se mobilizasse em uma expanso territorial este teria
maiores vantagens na disputa do poder mundial, enquanto o estado que se
limitasse ao lugar de origem estaria fadado ao fracasso, embora fosse muito
importante para uma nao a identificao com sua terra natal. No contexto em
que esto inseridos estes preceitos a Inglaterra cuja mobilidade martima
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resultou no domnio das principais reas frteis e recursos naturais do planeta
(A foz dos rios Nger, Congo, Zambeze, Orange, Nilo, Indu, Ganges, diamantes
no Orange entre outras possesses), e a Rssia que teve sua mobilizao a
partir das estepes e conquistou um territrio de dimenses continentais onde
possua recursos quase que inesgotveis diante de sua grandeza territorial8.
Por isso, a formao de Estados impele dos mares e estepes (lugares de movimento) para florestas e terras arveis (lugares de permanncia). Um estabelecimento permanente leva ao enfraquecimento e decadncia, enquanto que a mobilidade, por outro lado, promove a organizao de populaes (RATZEL apud ROBERT MORAES, 1990, p.190).
O almirante americano, Alfred Thayer Mahan, em seu livro The
influence of Seapower upon the French Revolution and Empire, 1793-1812,
publicado em 1892, registra como o poder naval conseguiu ser mais efetivo do
que o poder terrestre no confronto entre o Imprio Britnico e o Imprio
Napolenico, principalmente no episdio da Batalha de Trafalgar onde o
almirante Nelson9 conseguiu destruir quase que completamente a frota
napolenica. Efetivamente, at os meados do sculo XIX, o poder naval tinha
uma maior mobilidade e fora enquanto o poder terrestre tinha dificuldades de
movimento que eram essenciais para uma vitria completa. A Inglaterra
simplesmente reduziu a Frana ao continente e sua grande mobilidade
possibilitou a comercializao com todos os portos longe do poderio francs,
mesmo, durante o Bloqueio Continental. A Gr Bretanha se havia estabelecido
na ndia, mas para ir de Roma a Paris, Napoleo levava mais ou menos o
mesmo tempo que Csar. (ARON, 1962, p.155). E mais tarde em 1852 a
Inglaterra mediu foras, mesmo que indiretamente, com o gigante Imprio
Russo na Guerra da Crimia e mais uma vez o poder martimo se mostrou
8 MARTIN, A. R. Geopoltica e poder mundial a sua (Ratzel) concluso de que s o poder martimo
conduz ao verdadeiro poder mundial, uma vez que a massa lquida dos oceanos contm a massa slida
dos continentes, e estes ltimos esto separados entre si, ao passo que os oceanos esto interligados. 9 MONDAINI, M. - Guerras Napolenicas. em: Histria das Guerras. -o sonho napolenico de
desembarcar seu Grande Exrcito em Londres desapareceu para sempre depois da arrasadora vitria
inglesa na Batalha de Trafalgar, em 20 de outubro de 1805. Sob o comando do lendrio almirante Nelson,
27 navios ingleses dispostos de maneira inovadora em colunas, e no na tradicional formao em fila,
destruram 18 embarcaes francesas e 15 espanholas comandadas pelo almirante Villeneuve. (p.205)
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mais eficiente, bloqueando a sada pelo estreito de Dardanelos ao
Mediterrneo.
A transformao que ocorrera na Europa a partir dos meados do
sculo XIX, talvez, colocaria a questo da supremacia do poder martimo em
dvida, pois a revoluo no transporte por terra, isto , o transporte ferrovirio,
que ao se expandir ligou reas que at ento s eram possveis ao acesso
rpido pela via martima. Em 1850, havia menos de 24 mil milhas de trilhos
ferrovirios instalados pelo mundo, nmero que seria quase dez vezes superior
em 1880, quando chegaram as 230 mil milhas. (MARTIN, 2006, p.222). Foi a
Segunda Revoluo Industrial que com advento do ao, do motor a combusto
interna em 1871, e da eletricidade que transformaram as relaes do transporte
terrestre em relao ao transporte martimo. As Inovaes Tecnolgicas a
partir de meados do sculo XIX modificaram muito a maneira de pensar o
mundo. Em 1869, temos um ano histrico para engenharia mundial em 9 de
maio, os trilhos da Central Pacific e da Unio Pacific encontram-se no Utah,
completando assim a ligao ferroviria entre o Atlntico e o Pacfico (Ibidem,
2006, p.222).
Segundo FOSSATI (1974), a Guerra da Crimia havia debilitado
muito os cofres russos que viram na venda do Alasca para os Estados Unidos,
em 1867, uma possibilidade de equilibrar as reservas do Imprio. Ento o Czar
Alexandre II e posteriormente seu filho, um pouco mais que duas dcadas,
iriam desenvolver a maior via terrestre j construda at ento,
Transsiberiana, que comearia, em 1891, a ser construda e ligaria at o final
de 1916, Moscou Vladivostock, com uma extenso de 9.289 km, abrangendo
8 fusos horrios e ligando o territrio do maior Imprio terrestre da histria da
humanidade trazendo uma possibilidade real de sada para o mar do Japo e
compensando a perda territorial do Alasca.
A Guerra Russo-japonesa (1905 e 1906) seria travada, mais uma
vez, a disputa entre uma potncia terrestre, o Imprio Russo, e uma potncia
martima, o Imprio Japons. Pela primeira vez uma potncia europia
disputaria uma rea de influncia com uma potncia fora do sistema europeu
do poder mundial, e as conseqncias seriam negativas para o Imprio
Czarista que alm de ter empreendido muitos recursos, tanto na construo da
pica Transsiberiana quanto no esforo de guerra - principalmente com sua
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marinha que se rebelando contra o regime czarista em meio ao confronto
contra os japoneses no episdio do Encouraado Poutankim no conseguiu
conquistar a Coria e muito menos a Manchria, ou seja, suas possveis sadas
para guas navegveis no mar do Japo em mais uma frustrante tentativa.
Com Frana e Rssia reduzidas depois de desastrosas tentativas
de se tornarem uma potncia anfbia, os Ingleses no contavam com
aparecimento de outra potncia terrestre que levaria o desequilbrio ao sistema
internacional e, consequentemente ao fim da pax-britnica, a Prssia ou
Imprio Germnico. Este novo Estado que atravs de rpidas guerras de
unificao, como: a guerra Austro-prussiana (1866) que colocaria o poderoso
Imprio Austraco em posio menor frente Prssia; a guerra Franco-
prussiana(1870-71) que submeteria a Frana frente Prssia. Alm da
supremacia militar, tambm, realizou uma via de desenvolvimento industrial
rpida e no final do sculo XIX, possuindo uma indstria siderrgica mais forte,
um exrcito mais poderoso e uma populao superior que a do Imprio
Britnico e com a possibilidade da construo de uma estrada de ferro que
ligaria Berlim-Istambul-Bagd colocaria em xeque a mobilidade do poder
martimo frente ao poder terrestre. Diante deste estrondoso aparecimento, o
Imprio Germnico convocaria a Conferncia de Berlim de 1884-85 visto que
diante dos novos espaos coloniais, s haviam sobrado apenas os desertos e
os pntanos a Alemanha, nas palavras do prprio chanceler de ferro
Bismarck, colocando a Alemanha no s uma potncia continental, mas
reivindicando, principalmente, um lugar como potencia colonial, alm mares, ou
seja, uma potncia anfbia.
Clausewitz, Ratzel, Mahan entre outros, viveram tempos de
grande transformaes, mas a guerra s vai tomar propores globais no
sculo XX. Depois do grande desenvolvimento do transporte terrestre e das
linhas de comunicao o trem, motor a exploso e o telegrafo que
modificaram as bases do pensamento estratgico, e, por conseqncia, do
pensamento geoestratgico/geopoltico; e claro do pensamento de como
pensar a geografia militar diante deste novo contexto. Com a inveno do avio
e do desenvolvimento da balstica, que os paradigmas das teorias se
transformariam diante das novas maneiras de se apropriar o territrio, da
consolidao do Estado-Nao, das Guerras Mundiais, da descolonizao e
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toda a concepo da geopoltica mundial se modernizar completamente,
conseqentemente a geografia militar acompanhar estas mudanas. Este
debate ser vivido na oposio terica entre a teoria do Heartland e do
Rimland, que certa forma so o desdobramento dos debates vividos no sculo
XIX.
A Geopoltica como ideologia e a geografia militar como prtica
Duas significativas ideologias geopolticas: a teoria do Heartland
a tese; e o Rimland a anttese. Ao que parecem, so bastante elucidativas
para se entender como a Geopoltica e a Geografia Militar sero pensadas do
sculo XX e como uma influencia a outra.
Na conferncia pronunciada diante da Real Sociedade Geogrfica
de Londres em 25 de janeiro de 1904 e reproduzida no The Geographical
Journal, volume XXIII, o gegrafo Halford J. Mackinder exps sua
revolucionria tese do Pivot Geogrfico da Histria em que dizia que a era
Colombiana que durante quatro sculos havia dominado a cena das relaes
poltico-econmicas com o seu colonialismo e neo-colonialismo chegara ao seu
fim no incio do sculo XX, pois com todas as transformaes nos transportes
terrestres, dinamizando a mobilidade por terra, e com a impossibilidade do
poder martimo acessar o Heartland, o interior da sia correspondente as
estepes da Monglia e da Sibria de onde hordas brbaras, hunos e mongis,
por exemplo, impulsionadas como uma mola, pressionaram ao longo da
histria as terras que a cercavam, o arco externo da Eursia representado pela
Europa, Oriente Mdio, ndia, e China10 - o domnio do poder martimo, ou seja,
10
MACKINDER, H. J. - El pivot Geografico de la Histria: Ls hordas en el ltimo trmino cayeron sobre Europa, a mediados del siglo XIV, reunindo sus fuerzas a unos 4.500 kilmetros de distancia, en las altas estepes de Mogolia. Los estragos causados durante algunos aos en Polonia, Silesia, Moravia, Hungria, Croacia y Servia no eran, sin enbargo, sino el resultado de los nmadas del este que estaban asociados al nombre de Gengis Khan. Mientiras la horda dorada ocupaba la estepa de Kipchak, desde el Mar Aral, a travs del espacio que hay entre los Montes Urales y el Mar Caspio, hasta el pie de los Crpatos, outra horda descendi hacia el sur entre el Mar Caspio y Hindu Kush, penetr em el Irn y la Meseopotamia, y lleg a Sria fundando el dominio del Ilkan. Una tercera penetr en la China septentrional, conquistando Catay. La ndia y Mangi, o sea la China meridional, fueron protegidas durante algn tiempo por la imcomparable barrera del Tibet, cuya eficcia como tal quinzs no tenga igual em el mundo, a non ser el desierto de Sahara y los hielos polares. Pero posteriormente en los dias de Marco Plo en caso de Mangi, y en los de Tamerln en el de la India , el obstculo fue rebasado. Deste modo fue como todos los bordes del Viejo Mundo Ilegaron a experimentar, antes o depus, la fuerza expansiva del poder mvil originado em la estepa. Rusia, el Irn, la India y la China fueron convertidos en tributarios o recibieron dinastas mogoles. Hasta el incipiente poder de los turcos em el sia Menor se vio durante mdio siglo.
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a era Colombiana chegava ao seu trmino, com a iminente vitria do poder
terrestre que dominasse a regio de maior importncia geoestratgica do
mundo, o Piv Geogrfico da Histria ou o Heartland. A primazia desta regio
justamente estar em uma posio protegida de qualquer ao do poder
martimo, ao mesmo tempo, que faz fronteira com as reas mais populosas do
planeta.
Portanto, para Mackinder, quem dominasse o Heartland, poderia
influenciar toda a Eursia e quem dominasse esta ilha mundo dominaria o
poder mundial, pois como resultado da expanso do Estado piv pelas terras
marginais eurasiticas, isto permitiria a utilizao de amplos recursos
continentais como minrios estratgicos, que possibilitariam a construo de
uma enorme frota associando o poder militar ao martimo, e com isto,
constituindo um verdadeiro Imprio Mundo.
Ao analisar o mundo desta forma, o gegrafo ingls, chamava
ateno da Inglaterra que uma aliana entre Prssia e Rssia colocaria a pax-
britnica em xeque, colocando a Frana, a Itlia, o Egito, a ndia e a Coria
como cabeas de ponte de onde o poder terrestre se lanaria ao mar
influenciando o poder mundial, at ento sobre o domnio das potncias
martimas. A premissa de Mackinder era a seguinte: Quem dominar a Europa
Oriental controlar o corao continental. Quem dominar o corao continental
dominar a ilha mundial. Quem dominar a ilha mundial controlar o mundo
(apud MARTIN, 2004, p24)
Este pensamento ideolgico e geopoltico de Mackinder permite
pensar que temos a uma ideologia que base de uma estratgia no mnimo
interessante, muito longe de termos uma realidade em si mesma, pois isto
acabou por no se concretizar. Na verdade a Rssia, ou ex-U.R.S.S para ser
mais preciso com as terminologias - no conseguiu fazer valer sua posio
estratgica no continente asitico durante a Guerra Fria. No houve a uma
ttica adequada para dar aos russos a cabea de ponte que possibilitasse a
sada ao mar. Faltou aos russos uma sistemtica pautada na grande
diversidade dos aspectos da sua geografia que atendesse as estratgias
pensadas por Mackinder, e, muito provavelmente faltou habilidade em relaes
internacionais diante das inmeras fronteiras, inmeros interesses, aliados ao
isolamento poltico-econmico. Por isso, o Heartland ainda muito mais uma
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ideologia do que uma realidade em si. Ora o poder terrestre no conseguiu,
pelo menos desde as grandes navegaes at os dias de hoje, fazer valer a
sua estratgia, por no estabelecer uma anlise de como colocar em prtica a
sua estratgia.
Atualmente, o Heartland j no representa uma posio to
isolada do poder martimo com os avanos na aviao, balsticas e diante das
questes atuais como o aquecimento Global, que torna, cada vez mais, o mar
rtico navegvel. Observam-se novas sadas para o Heartland, mas ao mesmo
tempo ele se torna mais vulnervel. Mas o que temos que o Heartland de
Mackinder no foi, pelo menos no mundo contemporneo, o pivot geogrfico da
histria. Depois os desenvolvimentos das foras areas, avies bombardeios e
foguetes intercontinentais que poderiam cruzar os cus do Circulo Polar rtico
com muita facilidade, tudo isto, poderia colocar em cheque as teorias do pivot
Geogrfico da Histria. Hoje o rtico o centro da disputa das potncias do
norte e por essa razo o extenso litoral da Sibria pode trazer vantagens aos
russos no campo da diplomacia internacional, alm do extenso territrio que
disponibiliza todos os minrios importantes para base de seu desenvolvimento.
O Mundo Segundo Mackinder (1904-1919)
Figura 3- Heartland (COLLINS, 1998: 279)
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Diametralmente oposto as teorias do gegrafo ingls temos a
geografia estadunidense e a teoria do Rimland de Nicholas Spkyman - O
grande terico da "escola norte-americana de geopoltica" nasceu na Holanda
e viveu apenas 49 anos, mas seu pensamento alimenta at hoje a estratgia
de poder global dos Estados Unidos - em seu livro, The Geography of Peace,
New York, Harcourt Brace and Company, 1944, definiu uma poltica de
conteno para se desfazer do cerco mundial ao novo mundo que poderia ter
ocorrido na II Grande Guerra Mundial se a Alemanha e o Japo tivessem
vencido a guerra. Este cerco ocorreria pelo pacfico, liderado pelo Japo e, pelo
Atlntico, liderado pela Alemanha. Isto obrigou os Estados Unidos a se
desfazer da poltica do isolacionismo e adotar o globalismo ou o
intervencionismo como postura poltico ideolgica a primeira linha de defesa
deveria situar-se no no continente a