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A NOVA REGULAMENTAÇÃO DOS MERCADOS

FINANCEIROS

- UM TSUNAMI REGULATÓRIO? (II)

LUÍS GUILHERME CATARINO – MANUELA PEIXE

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A nova regulamentação dos mercados financeiros

- um Tsunami regulatório? (II).

Sumário (cont.): O Action Plan aprovado pelo G 20 em Washington em 14-15 de Novembro de 2008,

posteriormente concretizado pelo Financial Stability Board (FSB), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ou pelo

Comité de Basileia (CSBC), iniciou um ciclo de forte regulação reactiva à Grande Crise iniciada em 2007.

Pretendemos dar informação sobre alguns dos (muitos) desafios que nos esperam nos próximos anos, e este

primeiro artigo debruça-se sobre parte da nova regulamentação e seu impacto económico sobre as instituições.

Referimos na Primeira Parte a nova União Bancária e os desafios que colocará e a criação de um sistema de

identificação global. Cumpre referir a nova regulação da negociação de contratos de derivados em mercado de

balcão ou OTC, e as novas obrigações criadas para uma efectiva supervisão (regulação EMIR), e a revisão da

legislação fundamental sobre mercados de instrumentos financeiros para acomodar as novas realidades, vg

electrónicas (MiFID II/MiFIR), naquilo que é usualmente designado, perante a devastação ocorrida nos mercados

desregulados, de um “tsunami” re-regulatório avassalador que modificará necessariamente a paisagem actual.

Luís Guilherme Catarino

Manuela Peixe1

4. A criação de um Mercado Financeiro Global: as infra-estruturas de mercado.

A recente entrada em vigor da regulação das Centrais de Valores Mobiliários ou Central

Securities Depositories (CSD’s) e a posterior entrada em vigor, faseada, do T2S pretenderam inter alia a melhoria da liquidação de valores mobiliários na União Europeia, o reforço de segurança das Centrais de Valores Mobiliários e um sistema único de liquidação física de instrumentos financeiros ao nível da EU, desenvolvido pelo Eurosistema (T2S). A regulação dos mercados de derivados que assenta em relações bilaterais e na assunção do risco pelas partes poderia ter assentado na sua centralização obrigatória num mercado regulamentado, num MTF ou num dos futuros OTF’s, necessariamente ligados a uma CCP. Mas o legislador comunitário optou, por hora, pela obrigatoriedade de interposição de uma contraparte central entre as partes no contrato, por forma a mitigar o risco de contraparte.

4.1. A efectiva supervisão da negociação dos contratos de derivados fora de mercados. A European Market Infrastructure Regulation (EMIR

2).

1 Director-Adjunto na CMVM e Professor Auxiliar da Faculdade de Economia e da Faculdade de Direito da U.A.Lisboa. Técnica-

Superior na CMVM, temporariamente em exercício de funções na ESMA. O presente texto, que não obedece à nova ortografia aprovada por RCM, corresponde à versão actualizada e prestimosamente complementado pela Sra. Dra Manuela Peixe, dos Seminários leccionados no Instituto de Valores Mobiliários em 2013 e 2014 relativos às “novidades decorrentes dos regimes comunitários sinteticamente designados de MIFID II, MiFIR, LEI e EMIR” (este último com a apresentação da Sra. Dra. Sandra Lage, da CMVM). As opiniões são pessoais e vinculam apenas os Autores.

2 Pela sua natureza, o Regulamento comunitário é de aplicação directa e obrigatória nos Estados Membros. A sua

execução depende da publicação de normas técnicas de regulamentação e de implementação que têm vindo a ser

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De acordo com a informação prestada pela Comissão Europeia, em meados de 2008 o valor do mercado de derivados negociados em OTC ascendia a cerca de 700 Biliões de Euros, demonstrando a falência do Lehman Brothers ou a operação de resgate à maior seguradora mundial (AIG) as graves lacuna existentes no crescimento do mercado OTC (onde se negoceiam cerca de 80% do total de derivados3)

A dimensão do mercado e o risco decorrente da falta de transparência e de segurança (risco operacional e de crédito), determinara a intervenção do G20 em 2009, apelando a uma maior solidez dos mercados perante esta realidade e à sua salvaguarda mediante uma adequada regulação das suas infraestruturas, cujos princípios fundamentais foram crismados pelo CPSS e pela IOSCO em Abril de 2012. Os membros destas associações comprometeram-se com 24 Princípios (Principles for financial market infrastructures - PFMIs) e 5 Compromissos (Responsabilities) – cfr. http://www.bis.org/publ/cpss111.htm A verificação ou assessment da sua adopção para a consequente regulação iniciou-se em 2012.

A União Europeia veio regular e supervisionar ex novo a negociação dos contratos de derivados fora de mercados legalmente organizados (mercado de balcão ou over-the-counter – OTC). Como? Através da European Market Infrastructure Regulation (EMIR

4) vertida no Regulamento (UE) n.º 648/1012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transacções e regulamentado por várias normas “técnicas”5. Além da transparência decorrentes de deveres de comunicação de todas as transacções efectuadas, de informação e armazenamento e disponibilização de dados sobre todos os negócios reportados a entidade criadas no âmbito deste regulamento denominadas Trade Repositories, prevê-se um dever de compensação centralizada através de Centrais de Compensação (CCP’s – infra) previamente autorizadas ao nível europeu. A segurança obtida pela interposição de uma contraparte central abrangerá algumas classes de contratos derivados (os mais frequentes e já padronizados entre as contrapartes), impendendo sobre os demais contratos a necessidade de se adoptarem técnicas que reduzam (mitiguem) o potencial risco sistémico deles decorrente. Esta obrigação incumbe às partes no contrato sejam contrapartes financeiras (CF ou FC) ou contrapartes não financeiras (CNF ou NFC). Em complemento, a obrigação de transacção em plataformas de negociação

aprovadas pela ESMA e pela Comissão Europeia. O EMIR entrou em vigor dia 16 de Agosto de 2012. As normas técnicas de regulamentação necessária à sua eficácia e execução entraram em vigor no dia 15 de Março de 2013. 3 Vd http://europa.eu/rapid/press-release_IP-10-1125_pt.htm?locale=FR

4 Alterado pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de Junho de 2013, relativo

aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012 e pelo Regulamento (EU) nº 600/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 Maio de 2014, relativo aos mercados de instrumentos financeiros e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012. 5 A legislação actual encontra-se disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.douri=OJ:L:2012:201:0001:0059:PT:PDF Acerca da verdadeira natureza jurídica das designadas normas técnicas de regulamentação como as regulatory technical standards (RTS) e normas “técnicas” de implementação ou execução, designadas implementing technical standards (ITS) e o procedimento de criação normativa, Luís CATARINO, “A Regulação Financeira da UE: refracção da disputa entre o Estado de Direito e o Direito Administrativo Global?”, AAVV, Direito dos Valores Mobiliários, vol. XII, 2011, - http://www.institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1360862121.

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organizada tenderá a ser uma realidade após a entrada em vigor das alterações em curso da MiFiD II/MiFIR (infra)6.

Ainda, são criados novos requisitos em matéria de compensação e gestão de risco bilateral para os contratos de derivados padronizados, a obrigatoriedade de clearing de determinadas classes de derivados, os deveres de comunicação da informação relativa a todas as transacções sobre contratos, novas exigências para o exercício das actividades das contrapartes centrais (CCP’s) e a criação de requisitos para os denominados Repositórios de Transacções (TR’s, entidades que recepcionam e centralizam a informação sobre todas estas transacções).

De forma similar os EUA visam reduzir o risco sistémico e promover a integridade dos mercados swaps/derivados OTC através do Capítulo VII do Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer

Protection Act (DFA ou Capítulo VII). Ambas as regulações prevêem deveres de reporte e de compensação obrigatória, e ambas pretendem a sua aplicação extraterritorial. Esta “extensão da jurisdição” depende de uma das partes ter sede num Estado-membro da EU ou ser U.S. legal Person (EMIR e DFA), ou os contratos celebrados por terceiros à EU terem um efeito directo, substancial e previsível no território da União (EMIR) ou alguma das non-US Persons em causa terem uma relação comercial directa ou relevante com actividades ou com efeitos nos EUA (regulamentação da CFTC ao abrigo da DFA).

Ambas prevêem a possibilidade de reconhecimento destes Trade Repositories com sede em Estados terceiros e a sua concretização através de orientações da ESMA e da CFTC ou da SEC7.

4.1.2. Entrada em vigor e eficácia. Entrado em vigor em 16 de Agosto de 2012, a sua eficácia ficou dependente de posterior regulamentação (15 de Março de 2013), da criação de normas técnicas e da autorização e registo das novas entidades como Repositórios de informação sobre tais transacções (o início do dever de reporte iniciou-se 90 dias após registo na ESMA do primeiro Repositório – 12 de Fevereiro de 2014). A criação do desejado level playing field assentará por isso num processo continuado de criação de linhas de orientação pela Comissão e pela Autoridade Europeia de Valores Mobiliários (ESMA), seja através de Orientações (Guidelines), de Perguntas e Respostas (Q&A), ou mesmo de posteriores normas de regulamentação e de implementação8.

Os contratos de derivados a reportar serão os celebrados (i) antes de 16 de Agosto de 2012 e ainda em vigor nessa data, e (ii) em 16 de Agosto ou após essa data. Os contratos de derivados em vigor em 16 de Agosto de 2012 e ainda em vigor à data de início da obrigação de comunicação, devem ser comunicados no prazo de 90 dias a contar da data de início da obrigação de comunicação, ou seja 12 de Fevereiro de 2014, uma vez que o primeiro Repositório de Transacções foi registado junto da ESMA em 14 de Novembro de 2013, pelo que

6 Cfr. http://www.esma.europa.eu/page/European-Market-Infrastructure-Regulation-EMIR

7 Existem no entanto diferenças objectivas, desde o seu âmbito de aplicação subjectivo (o DFA não prevê a distinção

entre contrapartes financeiras e não financeiras como o EMIR, baseando-se na noção ampla de Swap Dealer mas sobretudo de Major Swap Participants), material (a definição de derivado – swap e security based swap - é mais lata que a noção MIFID de derivado - a revisão da MIFID tenderá a concretizar alguns instrumentos, o que terá implicações à aplicação do EMIR, vg a alguns forwards), 8 Regulamentação e últimas Q&A – vd o website da CMVM para uma explicação completa da regulação,

http://www.cmvm.pt/CMVM/Legislacao_Regulamentos/Regulamentos/Pages/EMIR.aspx.

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a obrigação de reporte teve início em 12 de Fevereiro de 2014 (90 dias após o registo). Os contratos de derivados celebrados antes de 16 de agosto de 2012 e os celebrados em 16 de agosto de 2012 ou posteriormente e que não estejam em vigor à data de início da obrigação de informação, devem ser comunicados no prazo de 3 anos a contar da data de início da obrigação de comunicação (12 de Fevereiro de 2014).

Os estados membros devem designar as autoridades competentes no sentido de procederem à supervisão das CCP´s e das contrapartes financeiras e não financeiras tendo em conta as obrigações atribuídas por este Regulamento. O regime jurídico necessário à verificação e execução na ordem jurídica interna das obrigações decorrentes do EMIR (enforcement) foi aprovado pela Lei n.º 6/2014, de 12 de Fevereiro, que autorizou o Governo a regular por Decreto-lei as competências das autoridades públicas que supervisionarão o cumprimento das obrigações decorrentes da regulamentação EMIR e a aplicarão as respectivas sanções.

Nos termos do Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de Março (execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) n.º 648/2012), a CMVM foi designada a autoridade competente para a supervisão do cumprimento de parte dos deveres impostos pelo EMIR9. Compete-lhe supervisionar, averiguar as respectivas infracções, instruindo os processos e aplicando as coimas e as sanções acessórias relativamente a organismos de investimento colectivo e empresas de investimento sujeitos à sua exclusiva supervisão e às contrapartes não financeiras.

4.1.3. A obrigação de compensação centralizada. O âmbito subjectivo e material de aplicação e o efeito extraterritorial. Um dos mecanismos adoptados para diminuir o risco sistémico é a obrigação de sujeitar os contratos de derivados OTC padronizados a compensação, i.e., ao apuramento de posições calculando as obrigações ou responsabilidades líquidas daí decorrentes, e garantindo o cumprimento por terceiro das obrigações assumidas, quer de disponibilização de instrumentos financeiros quer de numerário (o denominado clearing). A centralização destas operações será feita através de uma Contraparte Central, i.e. uma entidade (pessoa colectiva) que se interpõe entre as partes nos contratos (contrapartes), comprando todos os contratos aos vendedores ou vendendo todos os contratos aos compradores - CCP10.

A resposta internacional à crise determinou que, de entre vários possíveis, este fosse um dos mecanismos que mitigariam o risco de crédito da contraparte. Mas a obrigatoriedade de compensação não tem em vista meramente reduzir o risco de crédito da contraparte - tal poderia ser atingido pela adopção obrigatória de medidas pelas próprias empresas. Permite obter informação e supervisionar os participantes no mercado e saber as posições que se

9 Nacionalmente, foi cometida a supervisão deste normativo comunitário ao Banco de Portugal relativamente a

entidades que estejam sujeitas à sua supervisão, designadamente instituições de crédito e sociedades financeiras, e ao Instituto de Seguros de Portugal para as transacções em que sejam parte empresas de seguros e de resseguros, fundos de pensões e respectivas entidades gestoras sujeitos à sua supervisão (art. 2.º). 10

Acerca das noções inerentes ao Regulamento EU 648/2012, com um “quadro-resumo das principais obrigações daí decorrentes e os actos normativos delegados e técnicos de regulamentação e de implementação do Regulamento, vd Nota de Esclarecimento do Conselho Nacional de Supervisões Financeiros http://www.cmvm.pt/CMVM/Cooperação%20Nacional/Conselho%20Nacional%20de%20Supervisores%20Financeiros/Documents/CNSF_NotaEsclarecimentoEMIR.pdf

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encontram abertas nos contratos mais comummente utilizados.

Permite o conhecimento das contrapartes (identificando-as, sabendo os produtos e a cadeia de relações jurídicas); aumenta a transparência (através das obrigações de informação sobre os contratos); centraliza a compensação numa contraparte central (que deve obedecer a fortes requisitos de solvabilidade sob pena de criar um gravíssimo risco sistémico); reforça os requisitos de margem e de capital de algumas entidades para prevenir o risco de default.

Na sequência desta regulação, como veremos, a proposta de revisão da Directiva relativa aos mercados financeiros ou DMIF (já publicada – infra) prevê a possibilidade de a ESMA determinar que alguns destes contratos sejam obrigatoriamente transaccionados numa plataforma de negociação (Mercado Regulamentado, Sistema de Negociação Multilateral ou OTF - trading venues), à semelhança do que sucede nos EUA sob o Título VII do Dodd-Frank Act (exchange ou swap execution facility, cfr. http://www.law.cornell.edu/wex/dodd-frank_title_VII ).

A obrigação incide sobre os contratos de derivados mais comuns e fortemente negociados fora de mercados regulados, que por isso já se encontram padronizados pela indústria e pelas associações nos seus elementos essenciais. Os critérios para a determinação da compensação obrigatória de derivados OTC serão fixados pela CE e pela ESMA e assentam na estatuição de:

(i) “classes” de contratos derivados (dependendo do activo subjacente, da divisa, da maturidade), e

(ii) volumes de transacções, liquidez, informação eventualmente existente sobre os seus preços (art. 5º e Regulamento delegado nº 149/2013 EU, 15 de Dezembro de 2012)11.

Tal como sucede nos deveres de reporte, a obrigação de compensação abrange as partes independentemente da sua natureza, financeira ou não financeira. Se no primeiro caso temos instituições de crédito, sociedades financeiras, as partes não financeiras são definidas por exclusão: todas as pessoas que não sejam empresas financeiras (art. 9º). Assim, são consideradas como contrapartes financeiras para efeitos desta regulamentação (art. 2º, ponto 8º do EMIR), as instituições de crédito, as empresas de investimento, as empresas de seguros, as empresas de seguros de vida, as empresas de resseguros, os OICVM (e, se necessário, a respectiva sociedade gestora), as instituições de realização de planos de pensões profissionais, e os fundos de investimento alternativo geridos por um GFIA – desde que abrangidos no âmbito das suas autorizações ou registos pela legislação comunitária.

No caso de empresas ou contrapartes não financeiras, a obrigatoriedade de compensação depende do valor assumido por elas assumido numa determinada classe de contrato, futuramente definida (clearing threshold). Estes limiares serão definidos por cinco classes de derivados: para os derivados de crédito, tal como para derivados de acções um limiar de 1.000

11

A determinação dos contratos derivados sujeitos a clearing com base na sua liquidez, estandardização ou padronização, ou transparência da formação do preço, é feita pela ESMA, mas pode seguir um procedimento bottom

up: as autoridades nacionais competentes poderão comunicar-lhe os contratos a compensar no respectivo Estado-membro, podendo a ESMA estender tal obrigação a toda a EU (processo similar ao previsto para a SEC ou CFTC no Titulo VII do Dodd-Frank Act).

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milhões de Euros; de taxa de juros, de taxa de câmbio ou de mercadorias e outros, 3.000 milhões de Euros - dependente dos valores (nocionais brutos) dos derivados e excluindo posições de cobertura de risco. 12

No caso em que a parte tenha, numa classe de contrato, num período de trinta dias, uma posição média superior aos limiares ou valores pré-definidos, existe a obrigatoriedade de compensação de todos os contratos de derivados (independentemente da classe a que pertençam)13. A par desta obrigação existe o dever da sua notificação às autoridades nacionais competentes e à ESMA devendo compensar todos os contratos durante um período de 4 (quatro) meses após tal sujeição (alínea c) do n.º 1 do artigo 10º do EMIR).

Procede-se assim a uma sub-categorização das empresas ou contrapartes não financeiras (NFC) distinguindo aquelas que estão obrigadas a compensar (designada na gírica por NFC+), Tal obrigação também despende de poderem estar em causa relações contratuais intra-grupo ou operações de mera cobertura de risco ou hedging por entidades não financeiras14.

Subjectivamente, obtemos que a regulamentação se aplica a contratos celebrados: (i) entre contrapartes financeiras15; (ii) entre uma contraparte financeira e uma contraparte não financeira (NFC+ - infra); (iii) entre duas contrapartes não financeiras obrigadas a compensação; (iv) entre uma contraparte financeira ou não financeira sujeitas a compensação e uma contraparte com sede em país terceiro à União Europeia que estaria submetida a este mecanismo se fosse sedeada na União; (v) entre contrapartes terceiras à União desde que tal contrato fosse sujeito a compensação se as mesmas fossem aqui residentes quando tenham um efeito directo, substancial e previsível no espaço da EU (art. 4.º do EMIR). Tal como sucede no âmbito do Direito Comunitário da Concorrência optou-se por seguir a produção dos efeitos dos contratos de derivados na União e não o local ou nacionalidade ou sede das entidades que os celebrara.

Existem várias questões muito relevantes e pendentes não podendo ser todas aqui elencadas. Desde logo os derivados relevantes para efeitos da regulamentação EMIR estão dependentes da classificação da DMIF, o que tem acarretado algumas dúvidas de categorização: como a Directiva contém uma obrigação de resultado e se baseou num mecanismo de regulação baseado em princípios, cada Estado-Membro fez a interpretação de tais contratos, que se verifica agora não ser totalmente coincidente.

12

Cfr. art. 11.º do Regulamento n.º 149/2013, de 19 de Dezembro de 2012, que completa o EMIR no que respeita às normas técnicas de regulamentação sobre os acordos de compensação indirecta, a obrigação de compensação, o registo público, o acesso a um espaço ou organização de negociação, as contrapartes não financeiras e as técnicas de atenuação dos riscos para os contratos de derivados OTC não compensados através de uma CCP (remissão da alínea b) do n.º 4 do artigo 10.º do EMIR). 13

Foi efectivamente criada uma sub-categorização destas contrapartes, distinguindo das demais as denominadas “Non-Financial Counterparty above the threshold” ou NFC+. 14

Cfr. arts. 3º, 4º, 89º Regulamento. A CFTC elaborou diversas propostas de regulamentação do Título VII, entre as quais a possibilidade de isenção de empresas afiliadas. 15

São contrapartes financeiras as empresas de investimento, instituições de crédito, empresas de seguros e de resseguros, instituições de realização de planos de pensões profissionais, fundos de investimento – mas a enunciação não é completamente certa, havendo necessidade de interpretação vg no que respeita à qualidade de algumas entidades públicas (cfr. ponto 8) do artigo 2.º do EMIR)

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Por outro lado, podendo as CCP’s candidatar-se a compensar uma ou mais classes de derivados, o processo de autorização é complexo e moroso. Estas empresas têm de se candidatar a uma nova autorização cumprindo os novos e exigentes critérios normativos e técnicos que compõem o EMIR. Encontram-se diversos procedimentos de reautorização ainda em curso (arts. 14º e 15º), prevendo-se que durante 2015 seja possível a execução de todas estas obrigações de clearing, sendo a CCP nacional OMIClear objecto de autorização no final de Outubro de 2014.

4.1.4. Requisitos relativos à autorização e ao exercício da actividade de contrapartes centrais. O EMIR, enquanto instrumento comunitário criado para reduzir o risco sistémico decorrente da realização fora de mercado de milhões de contratos de derivados, implicou para as autoridades comunitárias e nacionais uma forte actividade normativa de concretização regulamentar e uma forte actividade administrativa nacional de supervisão, desde logo pela necessidade de reregular os requisitos de autorização, supervisão e funcionamento das contrapartes centrais (CCP´s)16. Implicou para estas um forte investimento na adaptação dos seus procedimentos e normas internas, para cumprir com os requisitos de organização, gestão de risco, deveres de reporte e os requisitos necessários a que o forte risco que nelas se concentrará seja prevenido. Implicou nomeadamente requisitos de capital muito exigentes e alterações vertidas na vasta plêiade de Regulamentos e RTS supra descritos, numa vasta regulamentação de que iremos dar, sem preocupação de exaustão, uma breve panorama.

O risco de contraparte assumido pelas CCP’s foi também reduzido através da tradicional adopção de sistemas de margens, de exigentes requisitos de capital “mark to market”, de requisitos de capital (que implicou para as CCP’s mais pequenas um grande esforço de adaptação), mas também prudenciais, comportamentais e de governance muito similares aos exigidos pela Directiva CRD IV para instituições de crédito e pela MiFID II (incluindo o reforço da idoneidade dos titulares dos seus órgãos sociais e accionistas, que se encontram submetidas a prévia apreciação de fitness e propriety). Numa breve panorâmica, temos:

a) Requisitos organizacionais. Em termos de requisitos organizacionais as exigências são muito abrangentes, pretendendo-se que a CCP tenha políticas e procedimentos muito bem definidos no que se refere à sua actividade. Nesse sentido as CCP’s devem ter governance arrangements com uma clara definição em termos de linhas de reporte, processos eficazes de gestão do risco, e uma definição clara da assunção de responsabilidades pelos órgãos de gestão, sendo exigido que as pessoas que assumem funções no conselho de administração ou no denominado senior managment tenham experiência comprovada, assim como boa reputação (existe pronúncia da autoridade nacional quanto a accionistas qualificados - suitability

17).

As CCP’s devem assegurar que na composição do board existem membros independentes que por sua vez assumirão a presidência de um comité de risco (primeiro nível de assessment, que será interno, da actividade da CCP), econstituirão um comité de risco com representantes dos seus clearing members e clientes, que se pronuncia

16

Nos termos do art. 14.º deste regulamento “caso uma pessoa colectiva estabelecida na União pretenda prestar

serviços de compensação enquanto CCP, deve requerer autorização à autoridade competente do Estado-Membro em

que esteja estabelecida (a autoridade competente da CCP)”, sendo que para as CCPs já existentes, estas deveriam apresentar o seu pedido até ao dia 15 de Setembro de 2013. 17

Também nos termos do artigo 5.º do Decreto-lei n.º 40/2014 “os atos mediante os quais seja concretizada a

aquisição, o aumento, a alienação ou a diminuição de participação qualificada sujeitos à comunicação prévia prevista

no n.º 2 do artigo 31.º do Regulamento, são comunicados à CMVM e à contraparte central pelos participantes, no

prazo de 15 dias”.

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sobre matérias que possam ter impacto na gestão de riscos da CCP (alterações significativas dos seus modelos de risco, procedimentos em caso de incumprimento pelos seus clearing members, critérios para a admissão de membros compensadores, possibilidade de compensação de novas categorias de instrumentos ou subcontratação de funções).

A par de regras para cumprimento de requisitos em termos de conservação de dados - em período de tempo e forma definirão planos de continuidade de negócio (business continuity plan) para que todos os registos da CCP sejam assegurados, permitindo a continuidade da sua actividade, mesmo aquando da ocorrência de desastres que impossibilitem o aceso às instalações ou registos (implica também instalações alternativas para continuidade na ocorrência de desastres, meios de recuperação da actividade).

b) Requisitos sobre normas de conduta. No que se refere às normas de conduta prestarão aos seus clearing

members e demais clientes, nomeadamente trade venues, o acesso aos seus serviços de forma transparente e justa, desenvolvendo uma gestão de risco eficaz. A CCP deve estabelecer um conjunto de regras relativamente a várias matérias no sentido de assegurar o aceso transparente e equitativo dos seus clientes, nomeadamente definindo requisitos de acesso aos seus serviços de forma transparente e não discriminatória, assegurando-se que estes têm recursos financeiros e capacidade operacional para fazer face às suas obrigações (assegurar a sua própria solidez).

Definirão as condições das contas abertas pelos clientes da CCP no que se refere à segregação de posições e activos entre os da CCP, dos clearing members e dos clientes dos clearing members (deve assegurar-se ainda que os seus clearing members oferecem as mesmas condições de segregação das posições e activos aos seus próprios clientes), e 0ferecem a possibilidade de portabilidade de posições e activos dos clearing members e seus clientes para outros clearing members, divulgando de forma clara as condições que devem ser cumpridas para que essa portabilidade possa ser exercida.

c) Requisitos de capital. No sentido de tornar estas instituições robustas em termos financeiros foi definido que o capital inicial das CCP’s previamente à sua autorização tem que ser no mínimo de 7,5 milhões de euros. É pretendido que o capital das CCP’s, incluindo os lucros não distribuídos e as reservas, seja proporcional ao risco decorrente das suas actividades, pelo que devem dispor de capital que lhes permita a todo o momento proceder à liquidação ou reestruturação ordenadas das actividades da própria CCP ao longo de um período apropriado. A obrigação vem ao encontro de um dos objectivos principais do EMIR que é precisamente evitar o risco sistémico dispondo de capitais suficientes que lhe permita lidar com o default de clearing members com posições significativas ou a sua própria reestruturação.

d) Requisitos prudenciais. Pelo mesmo motivo, e a fim de evitar um Armagadeão, introduzem-se requisitos prudenciais muito exigentes, nomeadamente no que se refere à (i) gestão do risco dos clearing members, no cálculo de margens que permita limitar a exposição a CCP ao risco dos seus clearing members, (ii) o cálculo do fundo de compensação, (iii) ou a definição da política de investimento dos activos próprios da CCP ou os activos recebidos dos seus clearing members a título de colateral. A CCP deve ainda definir procedimentos claros quanto aos mecanismos a desencadear em caso de incumprimento por parte dos seus clearing members.

No que respeita ao modelo de cálculo de margens são definidas directrizes muito exigentes por forma a que o valor solicitado pela CCP aos seus clearing members em função das posições abertas esteja a todo o momento coberta pelos valores exigidos a título de margens. Desta forma, o modelo definido pela CCP deve ter em conta a oscilação do mercado para instrumento financeiro que compensa, pressupondo um horizonte temporal para liquidação da posição em caso de default. Além do cálculo da margem inicial, a CCP no âmbito do acompanhamento da sua exposição aos clearing members pode solicitar margens adicionais caso, face às condições de mercado, a exposição ao clearing member aumente.

e) Requisitos quanto à gestão da exposição da CCP aos seus participantes. A CCP deve colateralizar a sua exposição aos clearing members diariamente, devendo manter um default fund com os fundos necessários para fazer face à exposição assumida assim como estabelecer recursos próprios com o intuito de permitir à CCP ter recursos suficientes para gerir o default dos dois (2) clearings members aos quais tem maior exposição em caso de cenários extremos mas plausíveis. Para este efeito a CCP deve estabelecer um “modelo de risco” que lhe permita

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efectuar o cálculo das margens, do default fund, de outros recursos financeiros e riscos de liquidez sempre no sentido de estar preparada em termos de recursos para fazer face ao default dos seus clearing members.

A fim de estabelecer um modelo de risco robusto, é exigido à CCP que defina regras e procedimentos perfeitamente claros em determinadas matérias:

(i) Default waterfall, Em caso de default de um clearing member e com o intuito de cobrir as perdas a que a CCP seja sujeita, esta deve usar os seus recursos financeiros numa ordem determinada: margens entregues pelo clearing member que entrou em default; as contribuições para o default fund entregues por esse clearing member em default; recursos próprios da CCP determinados para esse fim e só depois as contribuições para o default fund entregues pelos clearing members que não entraram em default-.

(ii) Requisitos em termos de colaterais. De acordo com este regulamento os activos aceites pela CCP a título de colateral devem ser muito líquidos, para que seja fácil mobilizá-los caso seja necessário fazer face ao incumprimento por parte do clearing member, e devem ainda apresentar baixo riscos de crédito e de mercado.

(iii) Política de Investimento. O investimento dos recursos próprios da CCP e dos activos recebidos como colateral dos seus clearing members devem obedecer a critérios exigentes no que se refere ao risco de investimento. Desta forma, o investimento deve ser feito em numerário (cash), ou instrumentos financeiros muito líquidos e que tenham subjacente riscos de crédito e de mercado muito baixos e que possam ser liquidados de forma rápida com um mínimo de efeito negativo em relação à volatilidade dos preços.

(iv) Procedimentos em caso de default. Para que a CCP esteja devidamente preparada para accionar os meios em seu poder em caso de default de um seu membro, os procedimentos a seguir nesse caso devem estar estabelecidos para permitir executar de forma pronta. Ao mesmo tempo devem conter as perdas e pressões de liquidez provenientes do default e garantir que o fecho de posições do clearing member em default não tem efeitos negativos na continuidade das actividades da CCP e garantir que os clearing members que não entraram em default não são expostos a esse default.

(v) Definição de modelos de risco e sujeição dos mesmos a stress test e back tests. Oe Regulamento exige que a CCP reveja de forma regular os seus modelos de risco e parâmetros usados para cálculo de margens, contribuições para o default fund, os requisitos dos colaterais e de outros mecanismos de controlo de riscos. Os modelos devem ser sujeitos a stress tests a fim de verificar a sua resiliência em condições de mercado extremas mas plausíveis, e a back tests para verificar se a metodologia adoptada é confiável.

(vi) Procedimentos referentes à liquidação das operações. No que se refere à liquidação das operações as CCPs devem tentar utilizar dentro do possível a moeda do banco central, ou seja o euro, evitando o risco a que os bancos comerciais estão sujeitos.

f) Procedimento de reautorização das CCP’s nos termos EMIR. A entrada em vigor da nova regulamentação obrigou a uma reautorização das CCP’s para operarem e serem objecto de reconhecimento mútuo em toda a União. Para tal as autoridades competentes nacionais devem constituir um colégio para apreciação do cumprimentos dos exigentes requisitos parcialmente descrito supra, e que terá a par da função inicial de participação no procedimento de autorização, a função de monitorizar a supervisão e posteriormente participar em possíveis alterações (p.e. de modelos de risco).

Deste Colégio fazem parte a ESMA (garantindo critérios de uniformidade no cumprimento legal); a autoridade nacional competente de supervisão da CCP (aliás, preside a esse colégio); as autoridades responsáveis pela supervisão dos clearing members da CCP estabelecidos nos três Estados-Membros com as maiores contribuições (em valor agregado ao longo do período de um ano), para o default fund da CCP; as autoridades responsáveis pela supervisão das plataformas de negociação servidas pela CCP; as autoridades que supervisionam as CCP´s com as quais tenham sido celebrados acordos de interoperabilidade; as autoridades competentes para a supervisão das centrais de valores mobiliários a que a CCP está ligada; os membros do SEBC responsáveis pela fiscalização da CCP; os membros do SEBC competentes para fiscalizar as CCP´s com as quais tenham sido celebrados acordos de interoperabilidade; os bancos centrais emissores das moedas da União mais relevantes relativamente aos instrumentos financeiros compensados.

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4.1.5. Contratos de Derivados não compensáveis: como mitigar o risco? Nos contratos de derivados OTC não tipificados e elegíveis obrigatoriamente para compensação através de contraparte central (CCP), existe uma obrigação legal de implementação de procedimentos de mitigação de risco. Esta obrigação de mecanismos para medir e atenuar os riscos aplica-se a contrapartes financeiras mas também a contrapartes não financeiras dado comportarem igualmente riscos operacionais e risco de crédito da contraparte18.

Estas entidades, nos termos do artigo 11.º do EMIR, devem efectuar as devidas diligências para assegurar que estão estabelecidos procedimentos e mecanismos apropriados para medir, acompanhar e atenuar os riscos operacionais e o risco de crédito da contraparte, incluindo, pelo menos: (i) confirmar atempadamente os termos dos contratos de derivados OTC; e (ii) assegurar que os processos formalizados sejam sólidos, resistentes e auditáveis para a reconciliação das carteiras, para a gestão dos riscos associados e para a identificação precoce e resolução de litígios entre as partes, bem como para o acompanhamento do saldo dos contratos vigentes.

Neste sentido, as contrapartes financeiras e não financeiras devem (i) acompanhar diariamente as suas carteiras, avaliando-as a preços de mercado, ou através de uma avaliação fiável e prudente por recurso a modelos, e (ii) devem estabelecer procedimentos de gestão de risco que exijam trocas de garantias atempadas19.

4.1.6. Criação e registo de bases de dados de informação (Trade Repositories ou TR). Os repositórios são bases de dados sobre contratos de derivados que são recolhidos por empresas comerciais, podendo ter como finalidade o registo de informação sobre todas as categorias de derivados ou apenas algumas classes. A informação centralizada é obrigatoriamente disponibilizada às autoridades de supervisão regionais (ESMA e Comité Europeu de Risco Sistémico20), locais (autoridades nacionalmente definidas como competentes em cada Estado membro21), aos bancos centrais nacionais que integram o SEBC.

A responsabilidade de registo e de supervisão destas entidades compete à ESMA, conforme

18 Acerca da consulta pública o documento sobre Normas Técnicas de Regulamentação relativas a Técnicas de

Mitigação de Risco para Derivados OTC (RTS Risk Mitigation Techniques for OTC Derivatives) no âmbito do EMIR, vd http://www.cmvm.pt/CMVM/Consultas%20Publicas/ESMA/Pages/20150502b.aspx 19

As contrapartes financeiras devem estabelecer procedimentos de gestão de risco que exijam trocas de garantias atempadas, precisas e devidamente segregadas relativamente aos contratos de derivados OTC celebrados a partir de 16 de Agosto de 2012 e as contrapartes não financeiras devem estabelecer procedimentos de gestão de risco que exijam trocas de garantias atempadas, precisas e devidamente segregadas relativamente aos contratos de derivados OTC celebrados a partir da data em que o limiar de compensação seja excedido. 20

Cfr. alínea a) e b) do n.º 3 do artigo 81.º do EMIR. 21

Em Portugal, com base no seu âmbito subjectivo de supervisão, o Banco de Portugal, o ISP e a CMVM

respectivamente quanto a instituições de crédito e sociedades financeiras, o ISP (empresas de seguros e de resseguros, fundos de pensões e respectivas entidades gestoras), e a CMVM (quanto às contrapartes não financeiras, aos organismos de investimento colectivo, às empresas de investimento sobre as quais tem supervisão exclusiva e (Lei nº 6/2014, de 12 de Fevereiro, e Decreto-Lei nº40/2014, de 18 de Março). A CMVM será igualmente a autoridade competente para a autorização e supervisão de contrapartes centrais e pela verificação da autenticidade das decisões da ESMA que aplicam coimas e sanções pecuniárias compulsórias a repositórios de transacções (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 40/2014).

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artigos 55.º e seguintes do EMIR. Os requisitos que estas entidades devem cumprir a fim de obterem o registo junto da ESMA estão previstos nos artigos 78.º e seguintes do EMIR, assim como no RTS n.º 150/201322 da Comissão de 19 de Dezembro de 2012. Estes requisitos abrangem desde questões referentes à sua estrutura orgânica, ao governo da sociedade, definição de políticas e procedimentos e mecanismos de controlo interno. Além destas matérias, existem ainda requisitos quanto aos recursos financeiros para o exercício da actividade de repositório de transacções, prevenção de conflitos de interesses, regras de acesso, fiabilidade de dados, manutenção e disponibilidade dos dados.

Na sequência do registo dos primeiros repositórios de transacções, em Novembro de 201323, o dever de comunicação de informação teve início no passado dia 12 de Fevereiro de 2014. Na data da entrada em vigor da obrigação de reporte o afluxo aos Repositórios então existente foi de tal ordem que dele decorreram algumas dificuldades.

4.1.7. Obrigação de informação e reporte de transacções. O EMIR, dissemo-lo já, prevê a obrigação de reporte de informação sobre transacções relativa a todos os contratos de derivados abrangidos pela regulamentação comunitária (os instrumentos visados dependem da lista de contratos derivados consagrada na DMIF e na DMIF II), aos designados Repositórios de Transações (Trade Repositories ou TRs). Esta obrigação abrange os derivados negociados em mercado regulamentado ou negociados em mercado de balcão (OTC), independentemente do local onde terão lugar os seus efeitos (art. 10º EMIR).

Não obstante, a obrigação de reporte poderá ser delegada, e, para o efeito, existe um código universal, denominado de código LEI (infra) que deverá ser transmitido à entidade que procederá ao reporte. Nos casos de substituição, a responsabilidade pelo reporte prevista no EMIR mantém-se na contraparte sujeita ao dever de reporte.

O seu âmbito subjectivo de aplicação abrange as contrapartes financeiras e não financeiras, bem como as CCP, quando tenham a sua sede na União Europeia – um contrato celebrado entre uma destas contrapartes e uma entidade terceira à União deve ser igualmente objecto de reporte pela primeira. Esta obrigação pode gerar informação incompleta pois ao contrário do que sucede com os deveres de compensação, uma contraparte num negócio que seja terceira à UE poderá não ter o dever de reporte, e os contratos que sejam celebrados entre entidades terceiras mas que não tenham aplicação no território da União também não estão sujeitos aos deveres de informação.

22

RTS n.º 150/201322

da Comissão de 19 de Dezembro de 2012, que completa o Regulamento (EU) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012 relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transacções, no que diz respeito às normas técnicas de regulamentação que especificam os pormenores dos pedidos de registo como repositórios de transacções. 23

À data existem 6 (seis) empresas já registadas desde 14 de Novembro de 2013, tendo-se iniciado o dever de reporte a 12 de Fevereiro de 2013, 90 dias após o registo do primeiro TR (as actuais empresas cobrem todo o leque de contratos de derivados, commodities, credit, foregin Exchange, equity, interest rates, quer as transacções tenham lugar em ou fora de mercado regulamentado e com contrapartes financeiras enão financeiras).

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4.1.8. Desafios e dificuldades que se colocarão aos participantes nos mercados. Com esta regulamentação “transferiu-se a responsabilidade de prevenir o risco sistémico do sistema

financeiro” para as CCP’s, uma vez que se criou a obrigação de clearing em CCP’s previamente autorizadas nos termos do EMIR, obrigando estas entidades a posicionar-se em termos de organização e cumprimento de requisitos no sentido de gerir o risco destas transacções.

Apesar do mérito desta regulamentação não podemos deixar de referir o desequilíbrio entre as diferentes CCP’s, uma vez que os mesmos requisitos se aplicam a todas as entidades independentemente da dimensão das mesmas. De facto as CCP de pequena dimensão, da qual não faça parte da sua estratégia de negócio a expansão para diferentes mercados e diferentes instrumentos financeiros tiveram que proceder a alterações profundas na sua estrutura no sentido de se adaptar a esta regulamentação exigente, sem que esse esforço de adaptação, tanto em termos de organização, como reforço de capitais, venha a trazer previsivelmente no aumento de negócio num curto espaço de tempo.

No que respeita ao clearing obrigatório, esta obrigação torna o “negócio” mais caro para os seus intervenientes, uma vez que além do “pagamento” inerente à transacção, existe ainda a obrigação de entrega de colateral tendo em conta a posição aberta pelo clearing members (que por sua vez irá repercutir essas obrigações, nomeadamente em termos de colateral, nos seus clientes) que implicará a disponibilização de cash ou instrumentos financeiros.

Ainda quanto aos instrumentos financeiros aceites como colateral, deve referir-se que estes sofreram algumas alterações face às crises da dívida soberana. De facto, os países que apresentaram maiores dificuldades em termos de solvabilidade nos mercados, como Portugal, viram a sua dívida soberana sujeita a aplicação de haircuts

24 muito elevados, tornando a sua utilização muito cara, tendo mesmo sido “desencorajada” a sua utilização por algumas CCP’s. Desta forma, para os clearing members que tinham obrigações de dívida pública entregues como colateral viram-se na necessidade de reforçar os colaterais ou substituir os valores que detinham junto da CCP a título de colateral.

Outra das dificuldades para os participantes no mercado será a implementação de medidas de gestão de risco pelas contrapartes financeiras e não financeiras que não estejam na situação de compensar numa CCP as transacções em derivados. Esta obrigação, apesar de tornar as transacções de derivados, mesmo sem recurso a contraparte central, mais caras devido à troca de colateral, é uma medida importante das entidades gerirem o risco de default da contraparte do negócio.

Um dos grandes desafios que se colocam ainda será o de processar toda a informação recebida nos Trade Repositories e fazer bom uso dessa informação para efeitos de supervisão. A obrigação de prestação de informação pode gerar informação incompleta pois ao contrário do que sucede com os deveres de compensação, a contraparte terceira à UE não tem o dever de reporte, e os contratos que sejam celebrados entre entidades terceiras mas que tenham aplicação no território da União também não estão sujeitos aos deveres de informação.

24

Traduz um valor de “desconto” a aplicar ao instrumento financeiro entregue como colateral ao seu valor de mercado ou emissão (20%, 40%), obrigando a um reforço ou substituição.

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Mas antes do processamento da informação coloca-se o desafio de validar toda a informação recebida, tendo em conta o universo de entidades que devem reportar essa informação e os campos usados para identificação dos negócios reportados – o que deverá implicar num curto prazo uniformização de procedimentos e de formulários, e estabelecimento de procedimentos de supervisão assentes na obrigatoriedade sobre empresas de comunicação, de fiscalização da sua contabilidade.

4.2. Uma Identificação Global para actuar nos Mercados Financeiros: o LEI.

Um dos mandatos saídos em 2011 da Cimeira de Cannes do G20 para o Financial Stability Board (FSB), fora de constituir um código de identificação de cariz global para todas e cada uma das empresas contraparte em operações financeiras (“the creation of a global legal entity identifier” ou LEI). Este “identificador” tem em vista permitir um maior controlo por parte dos reguladores do volume das transacções sobre derivados efectuadas por contrapartes financeiras e contrapartes não financeiras, reduzindo o risco sistémico, evitando abusos de mercado e uma maior transparência e fiabilidade da informação disponível. As recomendações necessárias à sua implementação deveriam ser apresentadas por um Grupo de Peritos do FSB (Expert Group - EG) até Junho de 2012. Este Grupo englobava representantes do regulador norte-americano CFTC, da ESMA, de Associações de empresas e seria posteriormente substituído por um Comité de Execução da FSB, o LEI Implementation Group, que apresentaria uma Carta regendo toda a estrutura do novo sistema25.

O sistema teria de ser imposto num calendário pré-definido (31 de Maio de 2013), contando com o empenho e autoridade das entidades públicas dada a forte resistência que as empresas privadas e respectivas associações foram colocando, ao longo do tempo, à sua criação e adopção. Para evitar a possibilidade de exploração abusiva da informação assim recolhida, ou a exploração nos preços de acesso à mesma (o preço deve estar associado aos custos e não revestir o carácter de renda de monopólio), prevenir a possível falta de qualidade ou o abuso da utilização da informação pelos detentores (violando a privacidade e confidencialidade dos dados, ou procedendo à sua venda), o sistema assumiu o cariz de bem público. Dotado de

25

A Cimeira de Cannes realizou-se em 4 de Novembro de 2011, acolhida pelo Presidente Sarkozy que afirmara em 25 de Setembro em Toulon, no rescaldo do crash financeiro mundial, que l’autorégulation pour régler tous les

problèmes, c’est fini. Le laissez-faire, c’est fini. Le marché qui a toujours raison, c’est fini. Os resultados desta Cimeira, como a Cimeira de 2009 em Pittsburgh, enquadram-se nas reuniões iniciadas em 2008 tendo em vista a economia global e a criação de uma rede regulatória global (global networking). Na Declaração Final da Reunião de Cannes, “Building our Common Future; Renewed Collective Action for the Benefit of All”, foi determinado i.a. que(…) We must

ensure that markets serve efficient allocation of investments and savings in our economies and do not pose risks to

financial stability. To this end, we commit to implement initial recommendations by IOSCO on market integrity and

efficiency, including measures to address the risks posed by high frequency trading and dark liquidity, and call for

further work by mid-2012. We also call on IOSCO to assess the functioning of credit default swap (CDS) markets and

the role of those markets in price formation of underlying assets by our next Summit. We support the creation of a

global legal entity identifier (LEI) which uniquely identifies parties to financial transactions. We call on the FSB to take

the lead in helping coordinate work among the regulatory community to prepare recommendations for the

appropriate governance framework, representing the public interest, for such a global LEI by our next Summit (…) - https://www.g20.org/sites/default/files/g20_resources/library/Declaration_eng_Cannes_0.pdf

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características que permitissem no futuro a sua adaptabilidade a novos objectivos e cumprindo elevados padrões de qualidade e fácil acesso a todas as empresas, o LEI e a informação dele decorrente não serão objecto de direitos de propriedade intelectual, industrial ou outra que impeçam o acesso e redistribuição26.

O projecto é global (GLEIS), e apresenta numa estrutura institucional de atribuição de LEI’s que segue um modelo federal: assenta em unidades locais que serão o interface com os clientes na obtenção, conservação e validação da informação relativa ao código que as unidades atribuirão. Preservando a sua língua e ordenamento jurídico local (estas unidades podem ser públicas ou privadas) tais estruturas designam-se por Local Operating Units ou LOU’s, podendo existir várias num Estado (ou nenhuma, como sucede actualmente em Portugal), assegurando-se a livre e gratuita transferência do código LEI atribuído por uma LOU, para outra das diversas LOU’s autorizadas (transmissão designada por “portabilidade”).

A relação jurídica e económica ou de cooperação entre tais “unidades locais” será preferencialmente realizada através de protocolos, e os padrões por que se regem, a verificação, criação e sua aplicação uniforme por uma será feita por entidade superior de acordo com princípios “constitucionais”. Estes princípios fundamentais decorrem de uma Carta de princípios designada por Global Regulatory Oversight Committee Charter.

O funcionamento operacional do sistema e a participação da indústria e dos peritos, é assegurada por uma entidade legal superior às LOU’s, e que se designa por Central Operating

Unit (COU).

Esta entidade (COU) seria criada por um Implementation Group (IG) especialmente criado para o efeito, com contributos de reguladores e da indústria (financeira e não financeira). No topo da pirâmide, e a supervisionar a Central Operating Unit estará o Regulatory Oversight Committee (ROC). Em rigor, o IG supra referido foi igualmente incumbido de lavrar a “Carta constitucional” do sistema acima referida, que após aprovação do FSB e do G 20 regerá todo sistema Global.

O ROC, cuja instalação estava inicialmente prevista entre Outubro e Novembro de 2012 (foi-o em Janeiro de 2013, reunindo-se pela primeira vez em Toronto, nos dias 24/25 daquele mês), designa os membros do Board of Directors do Central Operating Unit (COU). Comanda e rege todo o sistema global que funciona em rede e que se encontra subordinado às regras e princípios constantes da Global Regulatory Oversight Committee Charter – cfr Anexo I. No LEI

Regulatory Oversight Committee (LEI ROC) terão assento as autoridades nacionais que aderirem aos princípios magnos de governação, na qualidade de membros (caso do Banco de Portugal) ou de observadores (como a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) – actualmente o Plenário tem mais de 70.

A estrutura institucional piramidal do GLEIS será composta por todas estas entidades,

26

O Relatório inicial e as respectivas 35 Recomendações do FSB (Recommendations for the Development and

Implementation of the Global LEI System) bem como os princípios que as guiaram (Global LEI System High Level

Principles aprovados pelo G20 em 2012 em Los Cabos) e a Global Regulatory Oversight Committee Charter aprovada pelo FSB e G20 como topo da pirâmide do Sistema, podem ser consultadas em http://www.financialstabilityboard.org/publications/r_121105c.pdf

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enquadradas pelo ROC numa fundação sem fins lucrativos denominada de Global Legal Entity

Identifier Foundation ou GLEIF. Fundada pelo FSB, esta fundação foi criada em 26 de Junho de 2014 pelo FSB e os estatutos aprovados em 24 de Agosto de 2014 e tem sede também em Basileia, vigorando sob o regime jurídico suíço.

A crise financeira iniciada em 2007/8 foi a janela de oportunidade para relançar o projecto global, que foi prontamente aceite pela IOSCO e pelo CPSS. Lançariam em Janeiro de 2012 um Relatório sobre as transacções de derivados em OTC e a possibilidade de agregar a informação sobre as mesmas através de um “identificador” universal. Assim aumentava a transparência, o controlo prudencial, a supervisão comportamental (o problema da criação artificial de mercado poderia igualmente ser mitigado). A vantagem do sistema reside na sua disseminação worldwide – pese embora daí possam decorrer problemas de certeza e completude de informação sobre aquelas contrapartes que não aceitam afastar o anonimato necessário aos negócios ou o sigilo decorrente das suas ligações a associações públicas ou mesmo soberanas.

Também nos EUA a Commodity Futures Ttrading Commission (CFTC) seguiu este caminho de aceitação das Recomendações do Finantial Stability Board e criação das LOU’s, para reporte de dados relativos a contratos de swap (identificação de swap counterparties, swaps recordkeeping e swaps data reporting), e Relatórios sucessivos e orientações e padrões a serem adoptados a nível global27. As entidades que proveriam à CFTC Interim Compliance Identifiers (CICI’s) foram lançadas logo em 201228.

Como se operacionaliza este Sistema? As contrapartes nos contratos de derivados passarão a ser identificadas por um código legal alfanumérico denominado de Legal Identity Identifier (LEI), de cariz global e considerado como um bem público (supra)29. Este identificador é aprovado pelas já referidas entidades ou unidades locais previamente autorizadas e denominadas de LOU’s. Estas distinguem-se pelos quatro primeiros dígitos dos LEI’s que atribuem, sendo este código conferido a entidades jurídicas (públicas ou privadas mas excluindo as pessoas singulares ou naturais), com características de exclusividade, verdade, reconhecimento mútuo e portabilidade gratuita entre LOU’s (cfr. a Recomendação nº 9, e o esquema de atribuição fixado em 12 de Março de 201430).

27

Os diversos Relatórios de progresso nesta matéria, bem como a Carta e as orientações definidas pelo FSB podem ser vistas em https://www.financialstabilityboard.org/list/fsb_publications/tid_156/index.htm 27

Este Relatório elaborado em 17 de Janeiro de 2012, denominado Report on OTC derivatives data reporting and

aggregation requirements (http://felugyelet.mnb.hu/data/cms2332273/IOSCOPD366.pdf) seguiu a Recomendação 19 do 2º Relatório de progresso do FSB (Second progress report on OTC derivatives market reforms

implementation), e pode ser visto no website do BIS e da IOSCO. Seria depois complementado por um Relatório conjunto, com o Committee on Payment and Settlement Systems do BIS, Bank for International Settlements, denominado por Principles for financial market infrastructure, de Abril de 2012 (disponível in http://www.bis.org/publ/cpss101a.pdf).

28

Acerca dos requisitos normativos da CFTC para tais funções, lançados desde 13 de Janeiro de 2012, http://www.cftc.gov/ucm/groups/public/@lrfederalregister/documents/file/2014-17643a.pdf 29

Cfr. http://www.leiroc.org/list/leiroc_gls/tid_162/index.htm 30

Cfr. http://www.leiroc.org/publications/gls/lou_20130318.pdf

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O código LEI deve obedecer ao standard fixado pela International Organizations for

Standardisation (ISO 17442:2012), e até o procedimento estar completo as entidades locais que podem registar os LEIs serão designadas por pré-LOU’s31. O número de identificação é atribuído mediante o pagamento de um preço inicial e uma taxa anual que não devem ter em vista o lucro ou impedir o acesso ou a concorrência, por excessiva32.

Os códigos LEI utilizados na fase inicial são designados de “pré-LEI” e as instituições que já atribuem códigos considerados compatíveis com o sistema LEI são como tal reconhecidas pelo LEI ROC (as designadas pré-LOU’s33). A Central Operating Unit sedeada em Basileia (COU) verificará no futuro o momento em que os designados “pré-LOU’s” e os pré-LEI passarão a ser LEI’s Globais (as entidades nacionais que apoiaram a criação das pré-LOU’s são fortemente incentivadas à verificação do cumprimento dos requisitos e padrões fixados, para posterior adesão total ao sistema34).

Existem inúmeras vantagens na utilização deste código em termos de supervisão. A identificação única das contrapartes dos negócios sobre derivados OTC permitirá às autoridades de supervisão obter a informação completa sobre os negócios realizados e as contrapartes intervenientes, facilitando o cruzamento de informação sobre esses negócios efectuados por toda a Europa e reportados aos diferentes centros de armazenamento e tratamento de dados existentes (os Trade Repositories ou TR’s), permitindo ter uma ideia mais global em termos de risco total assumido pelas contrapartes.

Por ora, existem algumas dificuldades na implementação do sistema decorrentes do acesso por empresas nacionais a tais repositórios, a supervisão das LOU’s e o enforcement. Foi sentida alguma dificuldade no cumprimento deste normativo pelas empresas nacionais não financeiras que utilizavam naturalmente contratos de derivados com outras empresas no âmbito da sua

31

As pré-LOU’s que pretendam integrar o sistema global terão de observar princípios e orientações (guidelines) uniformes e compatíveis com a transição futura para o sistema definitivo, e que foram fixados em 27 de Julho de 2013 - Principles to be observed by Pre-LOUs that wish to integrate into the Interim Global Legal Entity Identifier

System (GLEIS), in http://www.leiroc.org/publications/gls/lou_20130727.pdf 32

Este código é composto de 20 dígitos, destinando-se a cumprir o desiderato do G20 e do FSB de existir um código de identificação mundial para todas as partes que intervenham em negócio. A regulação deste número de identificação pode ser encontrada no Regulamento EU. Actualmente não existem entidades nacionais que aprovem tais “identificadores” pessoais, podendo as contrapartes recorrer a qualquer entidade no espaço da União Europeia. http://www.drsllp.com/blog/lous-theyve-got-number/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=lous-theyve-got-number 33

O Legal Entity Identifier Regulatory Oversight Committee (LEI ROC) coordenará as candidaturas a Local Operating

Unit (LOU)- http://www.leiroc.org/publications/gls/lou_20130318.pdf . As instituições que já atribuem códigos considerados compatíveis com o regime LEI e como tal reconhecidas pelo LEI ROC são designadas como pre-LOU’s e pre-LEI’s – cfr. http://www.leiroc.org/list/leiroc_gls/tid_162/index.htm. A EBA publicou em 29 de Janeiro de 2014 uma Recomendação EBA/REC/2014/01 sobre a utilização do código LEI para efeitos de supervisão das entidades da área bancária que estejam abrangidas pelo dever de comunicação ou reporte. A Recomendação dirige-se ao Banco de Portugal para que verifique que as instituições de crédito e as sociedades financeiras, sob a sua supervisão, detenham os códigos emitidos pelas pre-LOU autorizadas (pre-LEI) http://www.eba.europa.eu/documents/10180/561173/EBA-REC-2014-01+%28Recommendation+on+the+use+of+the+Legal+Entity+Identifier%29.pdf 34

A lista das pré-LOUs existentes pode ser vista em http://openleis.com/lous .

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actividade, e que o desconheciam. Dado o desconhecimento destas últimas sobre o novo normativo comunitário, também as empresas financeiras que deveriam obter os códigos junto das suas contrapartes não financeiras sentiram dificuldades. Este foi um fenómeno que ocorreu em todos os Estados, e as mesmas foram agravadas nos Estados onde não existia uma LOU nacional.

Também a existência de estudos prévios de impacto no âmbito da EU demonstrar-se-iam essenciais, quer para analisar o impacto regulatório quer para fazer uma análise custo-benefício. Neste último caso tem valido o argumento de que a prevenção de um risco sistémico vale o custo da regulação universal.

Ao mesmo tempo corre-se o risco de o pulular destes organismos levar a uma dispersão de informação em razão da nacionalidade das partes, do território da celebração ou do cumprimento dos contratos, do local da sede das contrapartes na União ou extra-União… Tal pode tornar difícil o acesso imediato por parte de qualquer regulador à informação ou a obtenção de uma informação completa e actualizada. Trabalha-se actualmente numa futura regulação que centralizará no futuro toda a informação ou pelo menos o canal da sua obtenção.

5. Sistemas de liquidação e Centrais de Valores Mobiliários (a regulação das CSD) e T2S.

Apesar de ser uma regulamentação ainda recentemente entrada em vigor que será por nós objecto de uma descrição mais detalhada em posterior escrito, não poderíamos deixar de dar nota sobre a regulação das CSD’s e do T2S que completarão parte do Sistema de reforço e de controlo dos mercados, e que de certo modo se conjugam com o EMIR, o LEI, a MiFID II/MIFIR.

A regulamentação das Central Securities Depositories, foi publicada em 28 de Agosto de 2014. O Regulamento (EU) n.º 909/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 2014, relativo à melhoria da liquidação de valores mobiliários na União Europeia e às Centrais de Valores Mobiliários (CSD’s) que altera as Directivas 98/26/CE e 2014/65/EU, e o Regulamento (EU) n.º 263/2012, entrou em vigor no vigésimo dia seguinte à sua publicação no Jornal Oficial da União europeia, ou seja, 17 de Setembro de 2014. Em rigor, nem todas as disposições entram em vigor ao mesmo tempo, até porque muitas normas carecem de publicação de posterior regulamentação por normas técnicas (as Regulatory Technical Standards - RTS).

Este Regulamento estabelece requisitos uniformes relativamente à liquidação de instrumentos financeiros na União Europeia, assim como regras de organização e conduta relativamente às Centrais de Valores Mobiliários que veremos em próximo texto.

A sua aplicação integral depende da publicação de RTS, estando previsto que a ESMA apresente à Comissão Europeia os projectos de normas técnicas de regulamentação até ao dia 18 de Junho de 2015. Estas normas técnicas abarcam variadas matérias, nomeadamente no que se refere a medidas destinadas a prevenir a ocorrência de falhas de liquidação (art.6.º), a resolver as falhas de liquidação (art.º7), ou requisitos de ordem organizativa e prudencial (art.º 26 e 42.º respectivamente).

Desta regulamentação resultarão algumas alterações ao regime actual, nomeadamente:

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(i) A alteração do ciclo de liquidação. Para transacções sobre valores mobiliários, instrumentos do mercado monetário, unidades de participação em organismos de investimento colectivo e licenças de emissão, executadas em plataformas de negociação. A data de liquidação prevista não pode ser posterior ao segundo dia útil a contar da data em que é efectuada a negociação35;

(ii) Novos requisitos em matéria de organização, de exercício da actividade e prudenciais que as CSD’s devem cumprir de forma permanente. Sendo as CSD’s responsáveis pela gestão dos sistemas de liquidação de valores mobiliários, assim como pela aplicação de medidas destinadas a promover a liquidação atempada na União Europeia, é essencial garantir a segurança e a fiabilidade de todas as CSD’s de forma uniforme. É obrigatória a existência de um plano de continuidade de negócio, assim como a implementação de regras de governação societária transparentes, que assegurem os interesses tanto dos accionistas como dos participantes nas CSD’s. As normas de conduta devem determinar e publicitar critérios objectivos e não discriminatórios para a participação nos sistemas, promovendo a transparência das relações entre as CSD e os seus utilizadores;

(iii) Normas relativas à disciplina de liquidação no sentido de prevenir as falhas de liquidação, assim como um regime sancionatório que penalize a sua ocorrência;

(iv) A possibilidade de prestação de serviços noutro Estado-Membro, num regime de liberdade de prestação de serviços ou através da constituição de uma sucursal, dada a sujeição a requisitos comuns. Este regime estava apenas previsto para o exercício de actividades de intermediação financeira por instituições de crédito e empresas de investimento: alarga-se a figura do passaporte comunitário para os serviços de registo inicial de valores mobiliários num sistema de registo centralizado (serviço de registo em conta) e o serviço de estruturação e administração de sistema centralizado de valores mobiliários (1.º nível de registo) a fim de eliminar os actuais obstáculos à liquidação transfronteiriça;

(v) Os Estados-membros devem designar legislativamente as autoridades nacionais envolvidas especificamente na supervisão destas entidades e na aplicação (enforcement) deste Regulamento comunitário;

(vi) Todas as instituições que procedam a liquidação fora de sistemas de liquidação devem reportar esses valores às autoridades designadas como competentes. Pretende-se que as autoridades competentes tenham informação quanto à dimensão da liquidação existente fora dos sistemas de liquidação, e assegurar que os riscos provenientes dessa liquidação são monitorizados e controlados;

(vii) As CSD’s devem solicitar autorização similar à exigida pelo EMIR (autorização operativa), e nova autorização para subcontratar a um terceiro o exercício de um serviço principal;

(viii) As CSD’s devem definir o momento a partir do qual as ordens de transferência são introduzidas nos seus sistemas e se tornam irrevogáveis nos termos da Directiva 98/26/CE;

(ix) Sempre que possível, e a fim de evitar riscos de liquidação face à insolvência de um agente de liquidação, é fomentada a liquidação através dos bancos centrais e não de bancos comerciais;

35

Actualmente o ciclo de liquidação é em T+3. Desta forma, no que se refere à passagem do ciclo de liquidação de T+3 para T+2, o grupo Euronext decidiu proceder a esta alteração no primeiro fim-de-semana de Outubro de 2014 (4 e 5 de Outubro) simultaneamente nos cinco mercados a contado geridos pela Euronext (Portugal, Bélgica, França, Holanda e Londres). Refira-se ainda, que estava prevista a passagem do ciclo de liquidação de T+3 para T+2 no primeiro fim-de-semana de Outubro na maior parte das jurisdições envolvidas na implementação do projecto T2S – Target 2 Securities.

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(x) As CSD’s que operem simultaneamente como instituições de crédito ficam sujeitas aos requisitos de fundos próprios e de reporte aplicáveis às instituições de crédito estabelecidos no Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho e na Directiva 2013/36/EU (CRD IV), dado acarretarem um risco sistémico;

(xi) Também para evitar o risco sistémico e falhas regulatórias, a supervisão das instituições de crédito designadas ou das CSD’s autorizadas a prestar serviços bancários auxiliares da liquidação, perante os requisitos prudenciais do Regulamento (UE) n 575/2013 e da Directiva 2013/36/UE, e os requisitos prudenciais do Regulamento nº909/2014, deverá ser confiada às autoridades designadas competentes perante o Regulamento (UE) nº 575/2013. A fim de garantir uma aplicação coerente das normas de supervisão, foi considerado conveniente que os serviços bancários das CSD’s cuja escala e natureza possam representar um risco significativo para a estabilidade financeira da União sejam directamente supervisionados pelo BCE;

(xii) a fim de exercer um efeito dissuasivo e de assegurar a aplicação uniforme das sanções em todos os Estados-Membros, o Regulamento prevê uma lista das principais sanções e outras medidas administrativas que devem estar à disposição das autoridades competentes, como meio dissuasivo e uniformizador de jurisdições (artigo 63.º deste Regulamento);

(xiii) a ESMA desempenhará um papel central, garantindo a aplicação uniforme das regras da União pelas autoridades nacionais competentes e a resolução de diferendos entre elas;

O Regulamento contém em Anexo uma lista para os serviços das CSD’s a solicitar autorização:

- serviços principais, como o registo inicial de valores mobiliários num sistema de registo centralizado, serviço de estruturação e administração de sistema centralizado de valores mobiliários e gestão de sistemas de liquidação de valores mobiliários;

- serviços auxiliares de tipo não bancário que não impliquem riscos de crédito ou de liquidez, nomeadamente serviços relacionados com o serviço de liquidação; e

- serviços bancários auxiliares, nomeadamente serviços de pagamento que envolvam o tratamento de operações em fundos e de operações cambiais.

6. Um Sistema único de liquidação. O projecto T2S – Target to Securities.

O Target 2 Securities (T2S) traduz-se num sistema único de liquidação física de instrumentos financeiros ao nível da EU, desenvolvido pelo Eurosistema, e que assentará numa plataforma electrónica única a que os agentes financeiros podem aceder directamente (Directly Connected

Participant - DCP) ou através de uma CSD nacional (Indirectly Connected Participants - ICP).

Esta plataforma engloba duas vertentes distintas: a vertente de instrumentos financeiros que implica a adesão das CSD’s; a vertente monetária ou cash, área da responsabilidade dos Bancos Centrais cujo sistema actual target2

36 terá algumas alterações para se adaptarem a esta nova plataforma.

36

O TARGET2 é o Sistema de Liquidação por Bruto em Tempo Real do Eurosistema, que funciona sob a responsabilidade do Banco Central Europeu. Este sistema assenta numa plataforma única partilhada, designada por Single Shared Platform, desenvolvida pelo Eurosistema para a liquidação em tempo real de pagamentos em Euros.

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Este projecto de harmonização da área do post trading faz parte do processo europeu de integração do sistema financeiro a que nos temos vindo a referir (e que será objecto de estudo detalhado, com a regulação CSD e MAD/MAR em próximo texto). No âmbito da implementação deste projecto foram criados grupos que acompanhamos desenvolvimentos que cada CSD terá que implementar a fim de cumprir com todos os requisitos legais pré-definidos, elaborando relatórios semestrais onde são apresentados os resultados do cumprimento destas entidades com as exigências do projecto.

Neste sentido foi criado o T2S Advisory Group37 (AG), apoiado pelo Harmonization Steering

Group38 (HSG) que elabora relatórios de progresso, semestral e anual, para análise e discussão

no AG. Fde um conjunto de matérias previamente identificadas

Os participantes do mercado (intermediários financeiros e emitentes) podem escolher qual a CSD, das que tenham aderido a esta plataforma de liquidação, através da qual pretendem aceder ao mercado. Escolhendo a CSD que apresente uma melhor relação qualidade de serviços /custos. Para as CSD’s este projecto exige um grande esforço de meios técnicos e humanos, em especial as de menor dimensão. Sendo um procedimento on going, será objecto de futuro texto mais aprofundado.

7. A revisão da regulação sobre mercados de instrumentos financeiros (MiFID).

A MiFID (Directive on Market Financial Instruments) constitui a base da regulação dos mercados financeiros na União Europeia, preenchendo espaços regulatórios que vão da autorização e supervisão de empresas de investimento ou intermediários financeiros (empresas que pratiquem a título profissional serviços de investimento), comercialização e negociação de instrumentos financeiros e formas organizadas de negociação multilateral e bilateral (actualmente os mercados regulamentados, os sistemas de negociação multilateral e a internalização sistemática).

Foram publicadas em Junho de 2014 alterações à regulação sobre mercados de instrumentos financeiros contida na vulgarmente conhecida MiFID (aprovada pela Directiva 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de de 21 de Abril de 2004). A Directiva está particularmente focada em alguns aspectos de intermediação financeira pura - regras de conduta e sanções, formas técnicas de negociação, autorização de empresas de investimento estrangeiras, desenvolvimento de novas actividades comerciais relativas à colecta, transmissão de centralização de informação sobre a negociação nas diversas plataformas de negociação (trading venues), e algumas alterações aos actuais

37

O T2S Advisory Group (AG) tem também por missão assessorar o Eurosistema no que respeita a material relacionada com o projecto T2S, assegurando que o mesmo corresponde na sua implementação e desenvolvimento às necessidades de mercado. Para tal, o AG é composto de representantes de todos os stakeholders, i.a. CSDs, instituições de crédito e bancos centrais nacionais. O AG tem como especial finalidade as matérias do T2S relacionadas com a policy, a governance, e a harmonização no âmbito do settlement de instrumentos financeiros 38

Este Grupo é composto pelo Board do T2S, do AG, e a sua actividade é alicerçada pelo T2S Team e pelos T2S National User Groups ou NUGs, tendo em vista fixar uma exigente agenda de harmonização do pós-trading acompanhando a implementação dos padrões de harmonização.

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modelos de mercado organizado – vg sobre o âmbito de deveres dos denominados internalizadores sistemáticos.

A par da Directiva existe um Regulamento (EU) nº 600/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15Mai2014, “relativo aos mercados de instrumentos financeiros e que altera o Regulamento (EU) nº 648/2012” (Regulamento ou MiFIR) especialmente dedicado à negociação (deveres de transparência pré e pós-negocial) tentando contribuir para um level playing field quanto à transparência (informação pré e pós-negocial), às diversas estruturas de negociação. Inclui o complemento necessário às exigência do G20 no que respeita à negociação de derivados OTC em plataformas de negociação ou trading venues e concretiza numa fonte jurídica de aplicação directa e imediata e dotada de primazia sobre a legislação ordinária nacional, como o Regulamento (i.a. o Regulamento 1095/2010), os poderes de injunção (permissão e/ou proibição) da ESMA sobre os reguladores estaduais e /ou as empresas nacionais.

Afastada a principle based regulation anglo-saxónica (Directiva 93/22/CEE, do Conselho, de 10 de Maio de 1993, relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários, comummente conhecida por DSI), a rule based regulation extrema o princípio do level playnig

field através da aprovação de Regulamentos comunitários e da prática da regulamentação por actos delegados e por normas técnicas da ESMA, que fixarão os critérios e requisitos de informação para questões tão díspares quanto autorizações de funcionamento das empresas de investimento, ou a informação para aferição da idoneidade de detentores de participações qualificadas, ou obrigações de transparência pré e pós negociação. Continua a vigorar a regra de proibição do gold platting (ia, arts. 16º, nº11, 24º, nº12 MiFID II).

7.1. A vertente de supervisão comportamental e protecção do investidor. Existirão algumas mudanças no âmbito comportamental da actividade financeira, pois os intermediários financeiros e as entidades gestoras de trading venues assumirão um mais forte papel como gatekeepers dos investidores. Os intermediários financeiros devem ter uma forte cultura interna de linhas de reporte, de divisão de serviços e de responsabilidade, tal como vem vertido para as instituições de crédito, sociedades financeiras e empresas de investimento na alteração do RGICSF pelo novo Decreto-Lei nº 157/2014, de 24 de Outubro. Para além da responsabilidade dos responsáveis pela função compliance, assume-se a responsabilização de todos os supervisores pela actividade dos seus colaboradores, obrigando-se assim a uma cultura interna em que estes devem colocar àqueles todas as dúvidas que tenham. A existência de manuais internos exigidos actualmente e reforçados pelo diploma supra referido, não deve ser um pró-forma, devendo todos os colaboradores saberem da sua existência e cumprirem-nos de forma efectiva.

Aperta-se a malha dos requisitos e dos deveres que impendem sobre os profissionais que prestem aos clientes o novo serviço de consultoria independente ou comercializam produtos estruturados e sobre as estruturas de governo das empresas de investimento, obrigando-se a uma actividade prévia de due diligence. Também são fortemente reguladas matérias como:

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(i) a execução nas condições mais favoráveis para os clientes denominada de best execution, constituindo obrigação de os Intermediários Financeiros divulgarem anualmente, por classe de instrumentos, os 5 (cinco) melhores locais (trading venues e IS, bem como plataformas de negociação de países terceiros) em termos de volume anual global, onde executaram ordens de clientes, e informação sobre a qualidade dessa execução vg em termos de preço (art. 27º MiFID

II). Não esquecendo a fragmentação dos mercados decorrente da MiFID, e do custo inerente à procura de preços por diversas plataformas de negociação pelas empresas, a MiFID II interveio estabelecendo repositórios de dados sobre transacções, com volumes de negociação e de preços disponibilizados em tempo real a um preço comercial razoável ou, publicamente num tempo diferido (após 15 minutos – infra);

(ii) os conflitos de interesses com full disclosure são particularmente regulados (art. 23º MiFID

II), por exemplo decorrentes de retrocessões (os inducements são restringidos - art. 24º, nº9 MiFID II - e nalguns casos banidos como é a regra na consultoria independente ou nos casos de gestão de carteiras39);

(iii) o comissionamento deverá ser abrangido por políticas de remuneração que evitem conflitos de interesses, como nos casos de prémios de desempenho com base em objectivos de vendas, ou de venda de um produto (Orientações ESMA/2013/60, 3 de Junho 2013, e cit. art. 24º, nº10);

(iv) acentuam as obrigações de registo e guarda de informações vg de ordens por via telefónica e comunicações electrónicas mediante prévio aviso dos seus clientes que podem solicitar aos intermediários tais gravações (rekord keeping pela qual Portugal lutou bastante para que se tornasse uma obrigatoriedade legal, art. 16º, nº7 MiFID II).

O exercício da actividade de consultoria para investimento deverá ser precedido de informação ao público sobre a sua natureza independente ou não independente, i.e., previamente à contratação do aconselhamento, o consultor deve prestar ao cliente informação sobre a qualidade em que actua (art. 24º, nº4, a) MiFID II). Não interferindo com os deveres de informação (sobre o cliente - Know Your Customer ou KYC - e situação pessoal e financeira e objectivos - suitability assessment, art. 25º MiFID II), a independência decorre da base alargada sobre a qual é necessariamente formulado um dado aconselhamento. Há que fazer o disclosure da base de aconselhamento, da inexistência de retrocessões e redução a escrito da relação de consulta (cit. art. 24º, nº7), quando no presente não existia regra legal com a obrigação de demonstrar perante o cliente a análise prévia base do aconselhamento vg perante os produtos disponíveis no mercado, ou outra base para o conselho formulado (no entanto, vd Orientações ESMA/2012/387, 25 Junho 2012).

Tal passa a ser essencial, por caracterizador e legitimador da consultoria independente: saber se os instrumentos financeiros sob aconselhamento foram emitidos por uma entidade que faz parte do mesmo grupo a que pertence o consultor; se a análise e a amostra prévia ao

39

Nos casos em que são permitidos, se o serviço de investimento for efectuado a favor de um investidor tais comissões devem-lhe ser dirigidas (consultoria ou gestão de patrimónios), e nos demais serviços minor benefícios serão aceites quando permitam desenvolver o serviço e a sua qualidade e seja transparente, i.e., sejam previamente comunicados aos clientes (art.s art. 24º, nºs 7, b) e 8 MiFID II).

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aconselhamento concreto foi alargada a diversos produtos adequados, emitentes e mercados para melhor satisfazer os objectivos do cliente; se foram previamente indicados os produtos intra-grupo, i.e., que os produtos apresentados são os fornecidos por entidades que têm relações estreitas, jurídicas, económicas, contratuais, que podem fazer perigar a independência da consultoria – cfr. diversas disposições contidas na alínea c) do nº 4 do citado art. 24º.

Tal como a Directiva 2003/36/EU (DSI) já tinha firmado com a análise financeira (research), as mensagens, informações ou comunicações meramente comerciais devem ser claramente identificadas como tal (art. 24º nº3 MiFID II). No âmbito da Directiva 2004/39/CE, os estudos de investimento deveriam ser claramente distintos das comunicações comerciais, exigindo-se aos Estados-membros que regulassem tais comunicações através de uma “declaração clara e proeminente (…) de que não foi elaborada de acordo com os requisitos legais concebidos para promover a independência dos estudos de investimento (…)” – cfr. art. 24º da Directiva 2006/73/CE da Comissão, de 10 de Agosto de 2006.

Para além de os produtos deverem corresponder aos objectivos do cliente (arts. 1.º, nº4 e 91.º MiFID II), e ao target do produto, proíbe-se que produtos que sejam complexos pela sua estrutura ou face ao seu entendimento por um cliente médio, por incorporarem derivados, por serem produtos sobre produtos ou por incorporarem um risco dificilmente perceptível ao investidor, possam ser comercializados numa base execution-only (art. 25.º, nº 4 MiFID II), devendo o consultor acompanhar os investimentos fazendo uma avaliação periódica desta correspondência (periodic assessment of the suitability).

Aliás, o designado product governance, i.e., o processo de concepção e de comercialização de produtos financeiros, passa a ser supinamente importante para efeitos de adequação e de supervisão, sendo mister que comercialização seja não só adequada ao cliente mas igualmente se este corresponde ao cliente alvo ou target market do produto (princípio da dupla

vinculação). A sua natureza, o alvo (target market) e os riscos inerentes são previamente identificados, compreendidos e assumidos pelo emitente e pelo comercializador (arts. 16.º, nº3 e 24.º, nº2 MiFID II). Em última análise os reguladores (nacionais e/ou a ESMA) disporão de poderes para suspender a comercialização de produtos financeiros complexos, ou limitá-la a determinados tipos de investidores, ou utilizar a bomba atómica da proibição para os produtos que não sejam do interesse do investidor, que atenda a uma “preocupação relevante” na sua protecção ou na integridade do mercado (arts. 40.º-2.º MiFIR e art. 9º do cit. Regulamento EU constitutivo da ESMA, nº 1095/2010). A proibição ou a restrição temporária podem ter lugar num Estado-membro ou em toda a União, e pode incidir sobre um produto mas igualmente sobre uma actividade ou prática financeira, verificados que sejam factos subsumíveis aos fundamentos elencados nos artigos 40º e 42º da MiFIR.

A globalização pugna pelo reconhecimento de sucursais estrangeiras que pretendem operar em Estados-membros da EU (art. 46.º-9.º MiFIR). No entanto a regulação europeia não foi tão longe quanto as propostas iniciais, proibindo-se as suas actividades quando se pretendam dirigir aos clientes de retalho ou a investidores não qualificados. Obrigando a um registo centralizado e público na ESMA (art. 48º), os Estados-membros não poderão recusar a prestação de serviços no seu território nem adicionar requisitos regulatórios (excepto a divulgação da sua limitação

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relativamente aos clientes-alvo, pois existe a obrigação pré-negocial de informar que só podem prestar serviços a contrapartes elegíveis e clientes profissionais). Tal reconhecimento implicará, nos termos gerais do Direito Internacional Público, uma avaliação prévia pela Comissão Europeia atentos os princípios da reciprocidade e da equivalência (art. 47º), onde decerto será ponderada a resolução de problemas como da lei aplicável à sua actividade e do foro aplicável – matérias que não foram ainda objecto de abordagem expressa e definitiva (o artigo 46º, nº6, estatui que tais empresas proporão, nos respectivos contractos, a submissão de eventuais conflitos a um tribunal judicial ou à arbitragem).

7.2. Regulação das Estruturas de Mercado – Num sector em que a técnica ultrapassa rapidamente a regulação jurídica, a Directiva acolhe e regula alguns das novas formas de negociação organizada, à semelhança do que fizera anteriormente a DMIF: (i) os Mercados Regulamentados (MR, arts. 4º, nº1, 21 e 44º ss MiFID II); (ii) os Sistemas de Negociação Multilateral (SNM ou MTF de Multilateral Trading Facilities, art. 4º, nº1, 22 MiFID II), ou a (iii) Internalização Sistemática ou IS, art. 4º, nº1, 20 MiFID II). Teremos uma nova categoria de mercados organizados ou plataformas de negociação (trading venues) no artigo 4º, nº1, parág. 23 da MiFID II, denominados de Sistemas de Negociação Organizados (SNO ou OTF´s, de Organized Trading Facilities). A negociação OTC electrónica efectuada através de plataformas geridas por empresas de investimento onde se realizam encontros de ordens, de forma atípica e fora da regulação legal, sobretudo de instrumentos non-equity, constituiu uma consequência da regulação MiFID e do fim do princípio da concentração. Embora fosse uma consequência previsível face à realidade tecnológica que já então proliferava, as realidades latamente englobadas na figura de broker crossing networks trouxeram a distorção dos mercados e a opacidade, numa concorrência desleal com as plataformas de negociação reguladas que levou a uma race to the bottom.

A nova figura de OTF, tal como o recentrar da figura da internalização sistemática (em que as ordens são executadas contra carteira própria e não cruzam ordens multilaterais), decorrem da necessidade de enquadrar regulatoriamente sistemas de negociação electrónica regular (tal como sucedera anos atrás com a consagração legal dos SNM), organizados, mas não autorizados nem regulados pelas entidades de supervisão, e não obrigados a deveres de funcionamento, de acesso ao mercado de disponibilização de informação pré e pós-negociação (dark pools) 40. A nova figura está vertida numa catch-all provision, e visa abarcar qualquer sistema multilateral organizado, presente ou futuro, que não seja MR ou SNM, onde se encontram interesses contrapostos (ordens de compra e de venda de terceiros), sobre obrigações, produtos financeiros estruturados, licenças de emissão e derivados. Na realidade, os derivados sobre commodities eram já instrumentos financeiros previstos na DMIF e negociados em MR ou em SNM, mas o alargamento aos OTF’s não permite negociar equity. Negociando contra carteira própria, os gestores destes mercados autorizados são sujeitos a regras de transparência e de conduta similares às aplicáveis aos mercados regulamentados e

40

Actualmente a Euronext detém uma dark pool, denominada SmartPool, que “is an exchange led trading platform

matching buyers and sellers in a non-displayed environment. It operates a dark order book dedicated to the execution

of institutional order flow, offering minimal market impact at improved prices.”

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sistemas de negociação multilateral, criando um level playing field para negociação de produtos non-equity. As acções admitidas a mercados regulamentados, apenas poderão ser negociadas por empresas de investimento, fora de casos ocasionais e de forma não sistemática, em MR, SNM, OTF, ou IS ou plataformas de negociação estrangeiras devidamente reconhecidas – arts. 23º MiFIR.

A Directiva tenta recentrar a figura de Internalizador Sistemático (IS) do art. 21º do Regulamento 1287/200641. Inclui toda a empresa de investimento que de forma organizada, frequente, sistemática, substancial, negoceiam por conta própria, executando ordens de clientes (negociação bilateral), fora de uma plataforma de negociação. Excluem-se os casos de negociação OTC “ad-hoc” ou ocasional, ou multilateral, i.e., que conjugue múltiplos interesses de compra e de venda (por regra, o broker tem aqui uma intervenção não neutral, negociando contra carteira própria e assumindo riscos). Os Internalizados Sistemáticos (IS) continuarão a ter de ser registados junto das autoridades reguladoras (até à data foram poucos, inexistindo qualquer IS em Portugal) 42. O seu âmbito é alargado, dado que actualmente apenas abarca, como regra, a negociação contra carteira própria de acções negociadas em mercado regulamentado (art. 201º CódVM). Serão abrangidos todos os intermediários que negoceiem contra carteira própria as ordens transmitidas pelos clientes, em OTC, de uma forma sistemática, e frequente, dependendo do volume de trading que fazem em OTC, em relação ao instrumento ou `negociação na União num determinado instrumento (art. 4º, nº1, 20 MiFID II).

A eficiência dos mercados e da formação de preços determinam que os requisitos de informação pré-negociação (por exemplo ofertas de preços firmes) sejam igualmente aplicáveis a IS relativamente a acções, certificados de depósitos estruturados, negociados em trading

venues, para os quais exista um “mercado líquido” (conceito indeterminado a preencher pela ESMA em RTS) bem como para obrigações, produtos financeiros estruturados, licenças de emissão e derivados negociados numa plataforma de negociação, desde que exista igualmente um mercado líquido – embora aqui a pedido (arts. 2º, nº 17 e 14º-8º MiFIR). Dependendo da redacção final, muitas das designadas plataformas electrónica hoje existentes passarão a ser incluídas no seu âmbito regulatório, e dos inúmeros deveres de transparência pré e pós-negocial - por exemplo comunicação de volume, preço e hora das transacções de valores mobiliários negociados numa trading venue a uma APA (art. 20º-22º MiFIR).

A transparência, a não fragmentação e a eficiência dos mercados financeiros exigem, perante a existência de diversas plataformas de negociação, a comunicação e consolidação da informação sobre todas as transacções (arts. 20º-1º MiFIR), e a sua disponibilização em tempo real, tendo sido adoptada a possibilidade de prestação de tais serviços pela própria indústria, de

41

Empresas de investimento “que, de forma organizada, frequente, sistemática e substancial, negoceiam por conta própria executando ordens de clientes fora de uma plataforma de negociação” (cfr art. 4º, nº1, 20 MiFID II e Considerando 19 MiFIR), que serão previamente comunicados à autoridade competente e à ESMA (art. 18º, nº4 MiFIR). Uma vez mais, deverá ser previamente fixado o que se entende por “forma frequente, sistemática e substancial”, tal como o supra referido “mercado líquido” que imporá deveres de transparência sobre preços e transacções. 42

Actualmente esta forma organizada de negociação está prevista no Código dos Valores Mobiliários (art. 201) apenas para “acções admitidas à negociação em mercado regulamentado”.

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forma comercial, concorrencial, remunerada, tal como na regulamentação sobre negociação de contratos de derivados sobre mercadorias (Trade Repositories).

Salienta-se o completar do “ciclo EMIR” decorrente da cimeira do G20 de Pittsburgh, ao estatuir-se que deverão ser objecto de negociação em plataformas de negociação (MR, SNM, OTF) os contractos de derivados OTC normalizados ou padronizados, entre contrapartes financeiras e/ou contrapartes não financeiras, anteriormente elegíveis para compensação “e que sejam suficientemente líquidos” (noção a completar por legislação de segundo grau da ESMA – arts. 28º e 32º MiFIR e Regulamento (EU) 648/2012,. Como consequência “natural” da harmonização das transacções, pese embora possa haver relações estreitas entre alguma plataforma de negociação e CCP, o acesso às CCP’s será livre para qualquer das plataformas (cumpridos os respectivos requisitos), não podendo existir discriminação entre plataformas em termos de exigências para compensação dos contractos de derivados aí negociados, ou diferentes requisitos de garantia e de compensação, de recurso a margens e de comissões (arts. 29º, 35º-6º MiFIR).

A desregulação e fim da concentração operada pela MiFID não produziu modos de auto-organização pela própria indústria pelo que a Comissão sentiu necessidade de regular a prestação de informação pública e consolidada sobre os preços, volumes de negócios e instrumentos negociados. A plena execução do princípio da execução nas melhores condições (best execution) perante a fragmentação do mercado, a existência de diversos mercados não oficiais e não sujeitos a deveres públicos de eficiência e transparência, e o enorme custo para as empresas de investimento decorrentes da procura de preços post trade determinou a necessidade da sua concentração. Prevê-se agora a necessidade de constituição de sociedades que gerem “Sistemas de Publicação Autorizados” de transacções, em nome de empresas de investimento (as APA ou Approved publication arrangements, arts. 20º-1º MiFIR), ou um “Sistema de Reporte Autorizado” de informação sobre transacções aos reguladores nacionais ou à ESMA (ARM, de Approved Reporting Mechanism), que se encontra dependente de supervisão pública (prévia, decorrente da autorização, e contínua, durante a colecta e transmissão de dados, art. 59º-62º e Secção D do Anexo I MiFID II). O mesmo sucede com as entidades que sejam autorizadas a prestar um serviço que se traduz na recolha e no tratamento electrónico de dados relativos a instrumentos financeiros que sejam negociados em trading

venues por forma a poder prestar informação em tempo real sobre as transacções (mediante pagamento de um fee), em termos de preços e volumes (os Prestadores de Informação Consolidada ou CTP, de Consolidated Tape Provider, arts. 65º MiFID II e 6º e 20º MiFIR).

Estes serviços objecto de supervisão podem ser prestados por empresas especializadas, empresas de investimento ou entidades gestoras de plataformas, obedecendo a exigentes requisitos humanos, técnicos, materiais e de idoneidade e inexistência de conflitos de interesses, arts. 64º-6º MiFID II). Sendo reguladas pelo Regulamento (EU) nº 600/2014, a actividade das APA e CTP deverá ser prestada tanto quanto possível de forma a fornecer informação em tempo real “numa base comercial razoável”, tornando-se pública (acessível gratuitamente) 15 minutos após publicação (as APA estão igualmente obrigadas a prestar informação às CTP). O reporte de informação às autoridades competentes implica para

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empresas de investimento e gestoras de plataformas, o dever de guarda de documentos num prazo mínimo de cinco anos (arts. 25º-6º MiFIR)

É importante salientar que a Directiva inclui no âmbito dos instrumentos financeiros os contratos de derivados de energia com liquidação física (i.e., mediante entrega física) também negociados em OTF, mas também as Licenças de Emissão de gases com efeitos de estufa. Um dos motivos para incluir estes últimos instrumentos (os contratos de derivados sobre os mesmos já se encontravam abrangidos pela DSI), decorreu da insuficiência do regime de registo e de comercialização destas licenças criado pela Directiva 2003/87/CE do PE e do Conselho. Tal sistema potenciara fortes e públicas burlas informáticas que determinaram o desaparecimento de direitos no valor de milhões de Euros, o que deveria acabar. Por outro lado, a falta de procura de tais licenças perante a oferta existente determinara um preço que levaria em Dezembro de 2013 o Parlamento Europeu a suspender os leilões de emissão de licenças43.

A solução encontrada decorreu também da percepção pelo G20 do futuro problema da escassez de determinadas commodities a par da opacidade da sua negociação e da formação de preço (é público no que respeita ao sector da energia), sendo aplicável a todos os contratos negociados na União. A Directiva e o Regulamento contemplam a possibilidade de fixação de restrições na sua negociação, e de limitar ou restringir as posições detidas num determinado período por traders em derivados de (sobre) mercadorias (commodities). Esta procura de eficiência pode ser feita de forma preventiva (estabelecendo limites à dimensão das posições líquidas de uma pessoa num dado momento numa plataforma de negociação - incluindo nos open interests os contractos de derivados OTC “economicamente equivalentes”), ou de um determinado contrato de derivados de mercadorias (arts.57º-8º MiFID II). Este controlo é feito pelo regulador competente numa base de supervisão contínua ou ongoing mas também pela empresa de investimento e pela entidade gestora do mercado onde se negoceia, em face de uma alteração do fornecimento dessa mercadoria ao mercado ou da posição de um membro, podendo determinar o encerramento ou diminuição, temporária ou definitiva, de posições em tais contractos. Os agentes do mercado que negoceiem tais derivados e licenças de emissão, estão também obrigados a deveres de informação diários às gestoras das plataformas, (incluindo sobre a negociação e as posições em OTC, “incluindo as posições dos seus clientes, dos clientes desses clientes até se chegar ao cliente final”, nº3 do artigo 58º) e de informação pública semanal com posições agregadas (para além dos pedidos “ad-hoc” da autoridade competente).

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Para além das insuficiências deste mercado na correcta formação de preços e transparência, a plataforma de negociação e registo eram claramente fracas e vulneráveis. Todos nos lembramos de como a Comissão Europeia, após a suspensão da negociação pela Bluenext, suspendeu em Janeiro de 2011 o comércio destas licenças devido às burlas e ataques informáticos e ao desaparecimento do sistema europeu de comércio de emissões, de direitos no valor de milhões de Euros. Comunicado o desaparecimento do equivalente a licenças de 475.000 toneladas de CO2 pela Blackstone Global Ventures (tal já sucedera em outros Estados), o comércio fora suspendido sucessivamente pela República Checa, Polónica, Grécia, Áustria (http://www.publico.pt/economia/noticia/bruxelas-podera-suspender-comercio-de-emissoes-de-co2-devido-a-roubo-informatico-de-licencas_1476081, consultado em 22 Maio de 2014).

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Estes deveres de reporte são extensivos à negociação de licenças de emissão e derivados negociados em trading venues, sendo um dos meios utilizados para prevenir posições meramente especulativas e/ou excessivas (possibilita-se a isenção de tais deveres, vg perante contratos de cobertura ou hedging, e de empresas não financeiras), e a correcta formação dos preços. Num fenómeno de globalização, a regulação em rede na EU tem no topo a coordenação e gestão de posições e seus limites pela ESMA, culminando esta network regulation com a consulta da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) para produtos energéticos grossistas, e outros organismos de regulação de mercados agrícolas físicos no que respeita a medidas sobre derivados de mercadorias agrícolas (arts. 44º-5º MiFIR).

Pelo mesmo motivo, de prevenção de abusos de mercado, de tornar o mercado eficiente e controlar a correcta formação dos preços, evitando, por exemplo, a possibilidade de transmitir e cancelar múltiplas ordens num sector em que a técnica ultrapassa rapidamente a regulação, a nova Directiva teve de acolher e regular não só novos mercados organizados mas também alguns meios electrónicos para negociação automática.

7.3. Negociação automática ou Automated trading. Uma discussão ainda em aberto respeita aos agentes profissionais que através de técnicas de negociação algorítmica desenvolvem estratégias de criação de mercado. Nas palavras da Comissão, Algorithmic trading is trading

done using computer programmes applying algorithms, which determine various aspects

including price and quantity of orders, and most of the time placing them without human

intervention”. Traduz-se na utilização na negociação em plataformas de negociação de meios electrónicos, pré-programados para transmitir ordens ao mercado, com base em instruções decorrentes de meros programas de computador elaborados por especialistas matemáticos. Estes programas informáticos assentam em parâmetros desenhados com base nas variações de quantidade, de preço, de volatilidade, de tempo, e assumem a transmissão de uma instrução de compra ou de venda nessa base. Tais programas têm a clara vantagem de aumentar a liquidez de um mercado e diminuir o preço das operações realizadas por pessoas físicas.

Uma subdistinção é usualmente feita dentro do automated trading, para o que é conhecido como high frequency trading (HFT). O HFT não é uma estratégia de negociação mas a utilização de tecnologia extremamente sofisticada e que é utilizada para implementar estratégias tradicionais (art. 2º, nº 40 MiFID II). Normalmente caracteriza-se pelo facto de se deterem posições, compradoras ou vendedoras, durante um curtíssimo espaço de tempo, para tirar vantagem das oportunidades de arbitragem entre a subida ou a queda de preços, intervindo em milissegundos – para além de uma latência mínima, pode decorrer de uma partilha de instalações no (co-location), ou a maior proximidade do, ou um acesso de alta velocidade na geração, no encaminhamento ou execução de ordens ou transacções sem qualquer interferência humana).

Os intermediários financeiros que são membros de um mercado (MR ou SNM) permitem que os seus clientes usem os seus códigos de acesso (trading ID). No direct market access (DMA) o fluxo de ordens dos clientes passa pelas infra-estruturas tecnológicas do intermediário financeiro. No sponsored access (SA ou DA) há uma ligação informática directa entre o cliente do intermediário e o mercado. Este é um aspecto que necessita forte regulação, pois ao

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celebrarem este tipo de contratos com os seus clientes os intermediários estão a criar membros de mercado de 2ª linha, tendo estes um dever reforçado de supervisão sobre tais clientes, quer aferindo da sua idoneidade, das suas características (evitando estar perante empresas que apenas existem para dar a clientes acesso ao mercado44), ou volume de negócios perante a capacidade financeira da instituição.

A futura regulação impõe deveres sobre os detentores destas tecnologias mas também sobre as sociedades gestoras de mercados onde as mesmas serão utilizadas, numa forma de prevenção e de co-responsabilização por eventuais crashes bolsistas que tais tecnologias podem gerar e/ou potenciar, como o famoso flash crash da “terça-feira negra” (6Mai2010)45.

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Recentemente a SEC acusou um dos maiores traders , a Wedbush Securities Inc., pela violação de deveres de defesa do mercado ao dar acesso ao mercado a clientes domiciliados por todo o mundo, sem um prévio controlo ou aprovação ou existência de meios de monitorização e cessação de tal acesso e actividade - http://www.sec.gov/News/PressRelease/Detail/PressRelease/1370542011614#.VGwGPFIpXoY 45

O primeiro crash decorrentes da utilização destes meios ocorreu em 6 de Maio de 2010, tendo sido exaustivamente estudado pelos reguladores norte-americanos CFTC e pela SEC – cfr o respectivo Relatório em http://www.sec.gov/news/studies/2010/marketevents-report.pdf . O crash iniciou-se às 14.32m quando um broker iniciou um programa algorítmico de grande venda de contractos de futuros (75.000 E-mini S&P 500), numa estratégia que a WDR utilizara anteriormente, mas entre os prováveis compradores existiam brokers baseados em programas algorítmicos, que após as primeiras compras iniciaram reactivamente programas de venda dado que a WDR continuava a vender os contractos que ainda detinha como reacção. Dado que a WDR mantinha ordens de venda no mercado gerou-se um fenómeno entre os membros que o artigo do Wall Street Journal supra referido designou de “batatas quentes” (hot potato): cada adquirente pretendia livrar-se das posições assumidas em tais contratos. Entretanto, os potenciais compradores saíam do mercado (chegaram-se a efectuar 27.000 contratos em 14 segundos…). O fenómeno foi interrompido pelas 14H45m, impedindo o contágio na abertura das bolsas asiáticas e tornou-se famoso pois demonstrou a possibilidade de um simples programa informático provocar a derrocada de um mercado - http://www.economist.com/blogs/newsbook/2010/10/what_caused_flash_crash .

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Fig. 2. Fonte: New York Times, 2 de Outubro de 2010.

A abordagem regulatória tem sido a de aceitar estas novas realidades de base tecnológica (incluindo o DMA e o DA), submetendo-as a restrições e controlos de modo a minorar os riscos que criam ao mercado, a salvaguardar a concorrência, e a proteger os investidores e a integridade do mercado46. As orientações gerais da ESMA sobre a matéria (Orientações ESMA/2012/122, 24 de Fevereiro) foram transformadas em regras e vertidas na Directiva, e as preocupações do Parlamento Europeu durante a sua aprovação levaram-no a propor que estes intermediários financeiros estivessem obrigados a uma presença quase permanente no mercado (funcionando como criadores de mercado). Deveriam manter as suas ordens durante um período mínimo de 500 milissegundos, cabendo à ESMA a definição da proporção da sessão de negociação em que os intermediários financeiros podiam não estar presentes e das circunstâncias excepcionais que permitissem a ausência do mercado.

As medidas adoptadas incorporam as Guidelines da ESMA sobre esta matéria para as empresas de investimento (art. 17.º MiFID II). A futura regulação traduz um reforço dos deveres dos operadores de plataformas de negociação, designadamente para assegurar robustez dos sistemas e fazer face aos riscos de negociação electrónica (existe também obrigatoriedade de celebração de um contrato escrito). Impõe a verificação prévia da resiliência dos sistemas prévia à aceitação de tais mecanismos (os sistemas têm de garantir uma negociação ordenada “em condições de forte tensão”), bem como a possibilidade de interromper ordens (circuit breakers) ou de aplicar um garrote (throttling) a um fluxo de ordens excessivo porque ultrapasse determinados limites (thresholds). São meios de mitigação de risco obrigatórios para ambas as partes (um erro no software, na sua actualização, ou a inexistência de controlos igualmente automáticos, podem originar uma vertigem de problemas sem controlo), devendo estas últimas possibilitar ambientes de teste às empresas de investimento (artigo 48º MiFID II).

A utilização destes meios serão objecto de comunicação tal como os “algos” utilizados são alvo de disclosure pelas entidades autorizadas às autoridades reguladoras, periódica ou pontualmente, permitindo verificar se os mesmos se encontram correctamente desenhados (embora seja certo que os algoritmos podem se redesenhados a todo o momento, esta é a forma encontrada para prevenir e punir tal abuso – cfr. citado art. 17º, nº2). Para salvaguardar o sistema e não permitir prosseguir estratégias de abuso de mercado, os operadores de mercados devem dispor de mecanismos, e impor às empresas de investimento que deles sejam membros ou participantes, que disponham de sistemas que “limitem o rácio de ordens não executadas face às transacções que podem ser introduzidas num sistema por um membro” (art. 48º, nº6). Pode igualmente ser questionada a conduta da empresa cujas ordens ultrapassem os limites de crédito previamente conferido aos seus clientes ou que ultrapassem determinados limites - de endividamento ou os capitais próprios da empresa.

Além de testar tais sistemas de preferência em ambiente segregado (e as sociedades gestoras têm obrigação de propiciar estes meios), os agentes devem monitorizar o seu desempenho por forma a controlar o risco de súbitas inversões de tendências ou de afluxo de ordens (a

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As regas constantes destas novas fontes de direito derivado consomem na maioria dos casos as orientações e guidelines criadas para regular estas novas realidades – cfr. Orientações ESMA/2012/122, de 24 de Fevereiro

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existência de filtros de pré-negociação é essencial, seguindo critérios de preço e quantidade que detectem padrões de negociação suspeitos – art. 48º, nºs 4 e 5). Tal como a SEC fizera nos EUA, o naked access é proibido pelo citado artigo 17º, nº5, que obriga o broker a fazer uma análise de risco e de controlo de aptidão dos clientes a quem pretende franquear o acesso electrónico directo.

7.5. Desafios e dificuldades que se colocarão aos participantes nos mercados. As alterações supra referidas implicarão algum custo e esforço de adaptação nas empresas de investimento e nas sociedades que gerem plataformas, que não deverão ser subestimados. Até 2017 muitos intermediários terão a difícil opção da transformação ou não dos seus sistemas electrónicos de negociação em OTF’s com os deveres legais inerentes: regras sobre funcionamento, conflitos de interesses, prestação de informação pré e pós negociação; adopção de medidas de prevenção e de mitigação de risco na utilização de meios de negociação electrónica que utilizem; investimento na organização interna por forma a cumprir as mais exigentes regras sobre conflitos de interesses, disclosure de product governance, cumprimento da best execution; cumprimento de deveres inerentes a uma consultoria para investimento independente, ao reporte de transacções aos mercados e aos reguladores (directamente ou através da contratação de uma APA), seja em trading venues seja em mercado de balcão ou OTC; etc.

Uma das críticas mais ouvidas à indústria, para além do custo a suportar pela adaptação pelos players de mercado ao novo normativo, reporta-se ao excessivo controlo do mercado total pelos reguladores nacionais e pela ESMA. A obrigação de cooperação, de reporte e de acatamento de decisões por parte das autoridades nacionais impôs-se com a publicação do Regulamento 1095/2010, num fenómeno de substituição administrativa e de delegação

administrativa de competências cuja problemática tivemos já ocasião de analisar47.

A pretendida criação de um level playing field de todas as transacções implicará um trabalho público e uma coordenação entre autoridades essenciais aos objectivos e à inexistência de riscos agravados por regulatory failures transnacionais. É muitas vezes esquecido que nascem reforçados deveres de coordenação e cooperação entre os reguladores nacionais e a ESMA, vg no que respeita à informação sobre negociação em plataformas e OTC, sua agregação e fiabilidade, necessidade de reporte de informação e sua consolidação. Por exemplo, no que se refere a “limites de posições líquidas” em contractos de derivados sobre commodities negociados em mercados regulamentados e em OTC desde que “economicamente equivalentes”, a Directiva estatui que se tal derivado for negociado “em volumes significativos” em trading venues de vários Estados, o limite é fixado pela autoridade do mercado onde se registou “o maior volume de negociação” (art. 57º, nº6 MiFID II). Para além de não se esclarecer se se incluem os contractos OTC aí negociados, a exequibilidade da norma implica a sua concretização e uma cooperação diária entre reguladores e a vontade de sujeição de uns (mercados e reguladores nacionais) a outros (mercados e reguladores – claro que se previu a possibilidade de a ESMA arbitrar litígios ou recusa de submissão de um regulador). Também o dever de reporte de transacções à autoridade nacional competente implica para esta o dever de

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Vd o nosso trabalho “A “agencificação” administrativa na regulação financeira da UE: Novo meio de regulação?”, Revista de Concorrência e Regulação, Ano III, nº9, Jan/Mar, 2012, pp. 147-203

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reporte à autoridade competente “do mercado mais relevante em termos de liquidez”, o que pressupõe tal conhecimento e um sistema de reporte AM e CTP muito bem coordenado (art. 26º MiFIR) – e. uma vez mais, a sua densificação (a noção de “mercado líquido” aparece nos textos de Nível 1 mais de 50 vezes...).

Existe, a par de múltiplos casos de concretização normativa, muitos outros exemplos de conceitos indeterminados de difícil preenchimento e actualização, atentas as diferentes realidades nacionais. É importante para definir requisitos de transparência decidir o que são derivados com Suficiente Liquidez; ou Mercados Relevantes? Ou quando se devem considerar os contratos de derivados OTC “economicamente equivalentes” aos negociados em mercados regulamentados para cômputo das posições líquidas (num Estado ou em vários Estados)?

Ficou claro desde a entrada em vigor da DMIF que o mercado se não interessou pela existência de uma consolidação da informação para a eficiência e rápida descoberta de preços, preferindo exercer o princípio da best execution segundo critérios próprios. O custo da procura de preços para execução nas melhores condições (Best execution) é hoje o dobro do que sucede nos EUA, pelo que é essencial a rápida execução da consolidação e da prestação de informação pós negociação. As obrigações de transmissão e reporte de informação criadas pela MiFIR foram no sentido há muito adoptado nos EUA: um repositório que consolidasse toda a informação sobre negociação, gerido e supervisionado pela Consolidated Tape Authority (CTA). Desde 2005 que existe um sistema electrónico de alta velocidade que disponibiliza informação a todo o tempo, e todas as bolsas de valores, associações onde existam transacções de instrumentos cotados devem disponibilizar dados a um sistema centralizado para tratamento e disseminação (Securities Information Processor – SIP), supervisionado pela CTA e regulamentado pela SEC.

O custo inerente a tal consolidação (em termos de tratamento fiável de dados, estandardização da recolha e disponibilização, padronização de meios técnicos), realçou a natureza da informação como um public good e sua prossecução através de criação regulatória. No entanto, existem obstáculos importantes, como o quase monopólio de informação detido por algumas bolsas de valores transnacionais ou por empresas como a Bloomberg ou a Thomson Reuters.

Também no que respeita ao tratamento da prestação de serviços por sucursais terceiras, não é claro o motivo pelo qual a Directiva enveredou por uma matéria que não se encontra harmonizada nem é objecto de medidas de reciprocidades por alguns Estados concorrentes da União (referimo-nos à autorização do estabelecimento num Estado-membro de empresas financeiras de Estados terceiros, art. 39º-41º MiFID II). Para além de acarretar problemas de definição de jurisdição competente, da legislação aplicável, e dos tribunais nacionais competentes, cria mais um problema de race to the bottom. Um single entry point na União poderá levar alguns Estados-membros à tentação de “facilitar a instalação e controlo” de entidades terceiras no seu território por motivos de concorrência (dentro das listas de Estados terceiros aprovadas, após um assessment, pela Comissão).

Finalmente, numa era em que a generalidade da Europa continua empenhada em prosseguir a “política de campeões nacionais”, com os incentivos internos e as dificuldades ao exterior que tal implica, é duvidoso que a pretensão de apoio às Pequenas e Médias Empresas ou o retorno à política “small is beautiful” sejam eficaz para além de mero desejo político.

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A nova regulação trocou os papéis aos agentes de mercado. Algumas funções como a definição ou o policiamento da actividade de criação de mercado, tradicionalmente desempenhada pelos mercados, são devolvidas aos poderes públicos, existindo uma grande discussão acerca da aceitação de instrumentos electrónicos de negociação face à necessidade da sua transparência, e à sua licitude: é alegada a criação artificial de mercado; a não protecção da sua estabilidade; a falta de verdadeira transparência; a descriminação e iniquidade na política comercial (devido ao preço dos equipamentos, à tarifação, às condições de acesso, aos critérios de atribuição de licenças ou de colocação dos trading engines dos intermediários perto das plataformas de negociação - colocation) 48.

O mesmo sucede quanto à verificação em concreto das posições de mercado detidas por um agente num determinado momento;, intervêm os reguladores em vez das sociedades gestoras de mercados p.e. face a uma posição excessiva num mercado de derivados (o normativo tem no entanto um perigo de race to the bottom pois compete aos Estados fixar os seus limites em termos de posições, dimensão e abertura).

Por sua vez, há já algum tempo que os mercados assumem funções típicas de intermediários, como na gestão de ordens dos clientes destes (p.e. as ordens Iceberg também chamadas hidden

quantity), na derrogacão dos deveres de transparência pré negocial (waivers). Um outro aspecto em que as funções entre mercados e intermediários financeiros se esbatem é na consagração dos OTF’s (organized OTC). Como vimos, esta categoria residual surgiu para sujeitar a um regime próximo dos mercados algumas realidades que antes eram consideradas como de pura intermediação financeira OTC.

O novo regime aplicável à negociação de contratos de derivados OTC, o sistema da sua negociação e de compensação obrigatórias, tem como objectivo a salvaguarda da integridade do mercado e maior transparência. Mas ao mesmo tempo tal implicará menor uso de derivados (rectius, a criação de derivados atípicos não abarcáveis pelas classes a definir pela ESMA), dado o custo que acarreta e necessariamente as menores margens de ganho daí decorrentes. Não despiciendo, como se referiu supra, é que se mitiga ou reduz o risco individual mas agiganta-se o risco sistémico assente nas câmaras de compensação: a falta de controlo e de um eventual fundo de intervenção perante uma impossibilidade de cumprimento por uma CCP possibilitará o Amargadeão decorrente da concretização de tal risco global.

Para além de neste período de tempo os Estados-membros deverem desarmar as medidas de protecção individual das suas economias que adoptaram desde 2007/2008, será essencial que se não verifique uma crise como a de há 10 anos, ou com efeitos no novo normativo. A situação é real. Pensemos no Timetable destes diplomas: 20 dias após a data de publicação (14Jun2014), entra em vigor (3Jul2014); dependerá então de drafts de actos delegados e de normas técnicas

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Este tipo de serviço prestado pelas entidades gestoras de mercados é uma modalidade de “alojamento web” que permite um acesso mais rápido à estrutura de mercado, por forma a que as ofertas colocadas pelo participante na estrutura de mercado ganhem prioridade no order book. De acordo com o website da Euronext, o serviço de co-location prestado, é definido como “colocation in Mahwah offers participants the most direct route to NYSE market data and trading venues. Customers who colocate in Basildon are afforded the most direct route to ICE and Euronext exchanges housed at that location”- http://www.nyxdata.com/Docs/Colocation

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de regulamentação e de implementação (em 1 de Agosto a ESMA entregou o resultado do Dicussion Paper sobre RTS e ITS; a ESMA entregará o seu Technical Advice sobre tais actos à CE (em Dezembro de 2014); em Julho de 2015 (um ano após entrada em vigor) submete à CE os projectos de RTS; em Janeiro de 2016 (18 meses após entrada em vigor) segue-se a submissão dos drafts de ITS, e a Comissão Europeia publica os Actos Delegados); a data limite para a transposição para as legislações nacionais será Junho de 2016; a entrada em vigor nos Estados-membros da União das legislações nacionais ocorrerá em Janeiro de 2017 (excepto no que respeita aos CTP, que terá lugar em Setembro de 2018).

8. Considerações Finais (rectius, intercalares).

Num trabalho que agora se inicia, não será curial findar com pretensas conclusões. Apesar do mérito de toda a regulação de áreas que funcionavam essencialmente em função das práticas de mercado e que não evitaram a crise do sistema financeiro, estamos perante um verdadeiro tsunami regulatório que acarretará maior esforço às autoridades públicas (sobretudo às Administrações Públicas que se vêm confrontadas com uma actividade transnacional que contraria a sua natureza). Na sua função de supervisão os quatro Pilares da supervisão terão um efeito essencial: (i) promover o cumprimento de todas as novas regras pela indústria, através de acções pedagógicas, quer de promoção, quer de alerta para as novas obrigações, com eventual participação ou criação de acções de formação; (ii) identificar e prevenir os principais riscos decorrentes da não compliance com a regulação; (iii) definir internamente (e difundir) a sua policy de exercício de acções de fiscalização; (iv) prevenir a prática de ilícitos (sejam dolosos ou por mera negligência).

Mas também acarreta um custo aos demais agentes de mercado dada a necessidade de se adaptarem a novas regras e imposições regulatórias e assumirem um verdadeiro papel de primeira linha de gatekeepers do mercado. A presente regulação assenta num fenómeno de desintermediação financeira em favor das infra-estruturas de mercado (actividades de custódia, de clearing), deslocando assim a fonte do risco sistémico; assenta também na substituição parcial das entidades públicas pelas sociedades gestoras dos mercados (por exemplo, intervindo aquando de posições em mercado de derivados ou transformando a identificação de players num public good com o LEI), e na substituição destas a papéis típicos dos intermediários financeiros (por exemplo no que respeita à responsabilidade pelas actividades destes últimos nos mercados de que são participantes ou membros).

A realidade tem vindo a dar razão a Steven Vogel e às suas reflexões de 1996 sobre a liberalização: Freer Markets, More Rules (Cornell University Press). No entanto, deverá calibrar-se a regulamentação e sua aplicação evitando a todo o custo o too much. Apesar da morte pré-anunciada dos Estados modernos que tantos Autores “pós-modernos” se comprazem em teorizar (esquecendo o papel fundamental que desempenharam na Civilização após a Era dos Impérios), ainda é cedo para o “responso”: as Nações parecem querer enfrentar a pulverização decorrente da Globalização (enfrentar de forma determinada e nalguns casos mesmo de forma armada, como se vê nalgumas partes do Globo).

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A criação de uma avalancha de regras, só por si, não permite ao Homo Economicus criar uma pirâmide regulatória que alcance a perfeição ou a unicidade de espaços económicos “apesar” das diferenças de tradições nacionais ou éticas. Está demonstrado à saciedade que os economistas e juristas deverão fazer um esforço de aproximação a outras línguas das ciências sociais - históricas, sociológicas, psicológicas, antropológicas, filosóficas.

Tanto quanto a construção da Torre de Babel não permitiu aos descendentes de Noé, como queriam, chegar-se à perfeição e emular-se aos Deuses, arriscamos, como descrito no Livro do Génesis, que Deus nos mande um novo Lavé para travar a soberba da construção de uma pirâmide até aos Céus: (“ (…) quando Deus viu a sua obra, confundiu-lhes o discurso e deu-lhes uma multidão de línguas. Os construtores deixaram de se entender. Os trabalhos de construção pararam, eles foram dispersados e a sua torre desvaneceu-se na História”49.

Este não poderá ser o resultado perverso de querer criar um level playing field num espaço multifacetado e que seja excessivo por too much too soon.

(Cont.)

49

Adam LEBOR, 2014, A Torre de Basileia, Lisboa, Bertrand Ed., pp. 340.