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A OBRA DE ARTE COMO FONTE Luciana da Silva Santos Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Ciência da Literatura (Poética). Orientador: Prof. Doutor Manuel Antônio de Castro Rio de Janeiro Dezembro de 2007

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A OBRA DE ARTE COMO FONTE

Luciana da Silva Santos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Ciência da Literatura (Poética). Orientador: Prof. Doutor Manuel Antônio de Castro

Rio de Janeiro

Dezembro de 2007

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Santos, Luciana da Silva.

A obra de arte como fonte/ Luciana da Silva Santos. – Rio de Janeiro: UFRJ/ CLA, 2007.

xi, 103 f. Orientador: Manuel Antônio de Castro Dissertação (mestrado) – UFRJ/ CLA/ Programa de

Pós-graduação em Ciência da Literatura, 2007. Referências Bibliográficas: f. 98-103. 1. Modernismo. 2. Prefácio Interessantíssimo. 3. A

Escrava que não é Isaura. 4. Poiesis e Techné. I. Castro, Manuel Antônio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. III. Título.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Luciana da Silva Santos

A OBRA DE ARTE COMO FONTE

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2007.

Aprovada por:

____________________________________

Presidente, Prof. Manuel Antônio de Castro, Doutor em Poética/ UFRJ

___________________________________

Prof.ª Márcia Cabral da Silva, Doutora em Teoria e História Literária/ UERJ.

___________________________________

Prof. Antonio Jardim, Doutor em Poética/ UFRJ

___________________________________

Prof.ª Martha Alkimin de Araújo Vieira, Doutora em Letras / UFRJ

___________________________________

Prof. Adauri Silva Bastos, Doutor em Literatura Comparada/ UFRJ

Rio de Janeiro

Dezembro de 2007

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Agradecimento

Agradeço a Deus por estar sempre ao meu lado, dando-me vitórias e me ajudando a conquistar meus sonhos.

“Por tudo o que tens feito Por tudo o que vais fazer

Por tuas promessas e tudo o que és Eu quero te agradecer (...).

Te agradeço, meu Senhor” (...).

(Ana Paula Valadão)

“Graças te rendemos, ó Deus; Graças te rendemos,

E invocamos o teu nome, E declaramos as tuas maravilhas”.

(Salmo 75.1)

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Dedicatória Para meus pais, Aparecida e Carlos Alberto, pela paciência e dedicação. A vocês, que me deram a vida, meu amor eterno e incondicional. Para Alexandro, meu amor, dedico essa conquista. Juntos por toda vida. Para meu irmão Carlos Alberto, in memoriam, que partiu e deixou saudades. Jamais te esquecerei. Para meus amigos e Para o pensador Manuel Antônio de Castro pela orientação e incentivo.

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Com os ouvidos nós escutamos o silêncio do mundo.

E dentro do silêncio moram todos os sons: canto, choro,

riso, lamento.

No silêncio vivem barulhos de vento e chuva, de asa e

mergulho.

É preciso silêncio para poder escutar.

E quando uma voz invade

nossos ouvidos, adivinhamos a felicidade de quem fala.

Nossos ouvidos lêem os tons das vozes.

E o ruído do vôo das abelhas adoça o nosso dia.

Se escutamos música, nosso corpo

descansa com a melodia das notas.

Se ficamos em repouso e prestamos sentido aos ruídos,

nosso pensamento viaja. Visita montanha e planície,

primavera e verão.

Escutar é também um jeito de ver.

Quando nós escutamos, imaginamos distâncias,

construímos histórias, desvendamos novas paisagens.

(Bartolomeu Campos de Queirós, 2004, 6-7)

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RESUMO

A OBRA DE ARTE COMO FONTE

Luciana da Silva Santos

Manuel Antônio de Castro

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Poética.

Temos como objetivo no presente trabalho apresentar os textos “Prefácio Interessantíssimo” e A Escrava que não é Isaura, que foram escritos por Mário de Andrade. Um dos focos principais do “Prefácio” e da “Escrava” é a poesia. É a respeito dela que os textos nos farão refletir. Nossa finalidade não é trazer respostas prontas e acabadas, mas pensar, questionar. O “Prefácio Interessantíssimo” é um texto escrito com estrofes e versos livres, dando a impressão de total espontaneidade. Nele é exposta a teoria denominada desvairismo. Na introdução da obra A Escrava que não é Isaura Mário nos mostra a “Parábola”. Por meio desta, apresenta-nos a poesia como uma mulher. A primeira parte (poética) trata da criação, das belas artes, da poesia, da beleza. Na segunda parte (retórica), dedicada ao criador, nota-se a descrição e a conceituação das técnicas de composição poética. Por fim, tem-se a conclusão com o “Post-fácio”.

Palavras-chave: arte, memória, música, poética e técnica.

Rio de Janeiro Dezembro de 2007

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ABSTRACT

THE FINE ART AS A SOURCE

Luciana da Silva Santos

Manuel Antônio de Castro

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Poética.

We have objectivated with this work to show the texts “Very Interesting Preface” and The Slave that isn’t Isaura, which were written by Mario de Andrade. One of the mains focus of the “Preface” and the “Slave” is poetry and the texts will just lead us to make a reflection about her. Our purpose aren’t to give a ready-made and complete answer for this question, but make us to think about it. The “Very Interesting Preface” is a text written with strophe and free verses that gives the impression of total spontaneity. The theory denominated “delirium” is exposed in the text. In the introduction of the work The Slave that isn’t Isaura, Mario show us the “Parable”. By mean of that, he presents the poetry as being a woman. The first part (poetic) makes reference to creation, to pretty arts and to beauty as will. In the second part (rethoric), wich is dedicated to the creator, we may note the description and the conceptuation of the poetic composition technics. Finally, we have the conclusion with the “Post-fácio”.

Keys-words: art, memory, music, poetic and technics.

Rio de Janeiro Dezembro de 2007

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SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................................10

1 O movimento modernista.......................................................................................................12

1.1 A Crítica: Modernismo como movimento baseado em mais um “ismo” ....................17

1.2 Linguagem Instrumental...............................................................................................20

1.2.1 Linguagem como questão..........................................................................................21

1.3 A questão da obra de arte..............................................................................................28

2 Prefácio Interessantíssimo.....................................................................................................34

2.1 Lirismo + Arte = Poesia................................................................................................36

2.2 Poética e Música...........................................................................................................39

2.3 Retórica.........................................................................................................................48

2.3.1 Os sofistas como mestres da retórica.........................................................................49

2.4 A gramática transforma a linguagem em língua instrumental......................................53

2.5 Belo da arte.................................................................................................................. 58

3 A escrava do Ararat chamada Poesia.....................................................................................66

3.1 Recursos técnicos..........................................................................................................73

3.2 Verdade: adequação ou desvelamento?........................................................................79

4 Poiesis e Techné....................................................................................................................84

4.1 Técnica enquanto originária..........................................................................................87

4.2 A arte e o mundo técnico..............................................................................................89

5 Conclusão..............................................................................................................................95

Bibliografia

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INTRODUÇÃO

Temos como objetivo no presente trabalho pensar sobre várias questões como: poética,

música, arte, memória e técnica. A questão produz uma pergunta, que gera uma resposta que

faz nascer uma nova pergunta. Estamos sempre num círculo. Para a realização do nosso

trabalho, apresentaremos os textos “Prefácio Interessantíssimo” e A Escrava que não é Isaura,

que foram escritos por Mário de Andrade. Sabemos que este escritor executou em poesia

experiências de ritmos e metros. Foi uma grande figura do movimento modernista, divulgador

e defensor da nova estética, tendo sempre a consciência da função social da arte; da

necessidade de participação do intelectual em seu tempo. Veremos como isso fica: a) diante

da poética; b) arte como utensílio e técnica.

Mário de Andrade viajou pelo Brasil para realizar estudos e pesquisas, apesar das

dificuldades de locomoção do seu tempo, apropriando-se deste material para diversificar as

áreas de produção intelectual ou literária (artes plásticas, folclore, formas de música popular).

Sendo sempre muito disciplinado e cuidadoso em seus estudos, desempenhou um papel de

muita importância nessas áreas. Ele escreveu o livro Paulicéia Desvairada (1922). Nessa obra

podemos encontrar o “Prefácio Interessantíssimo” que é um texto escrito com estrofes e

versos livres, dando a impressão de total espontaneidade. Todo o desejo de libertação que

atravessa aquela obra vai aparecer também neste que é uma explosão contra as prisões. O

“Prefácio” é um texto no qual é exposta a teoria denominada desvairismo. Nele veremos os

seguintes temas, entre outros: música, a superação do passadismo (tradição parnasiana) e a

idéia da imitação, que será assimilada de forma crítica.

Mário de Andrade também escreveu o ensaio A Escrava que não é Isaura (1925). Na

introdução da obra nos mostra a “Parábola”. Por meio desta, apresenta-nos a poesia como

uma mulher. Essa mulher, que está despida, será coberta pelos homens, com o passar dos

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anos, de roupas e jóias, até que Rimbaud dá um pontapé naquelas roupas, deixando-a

novamente liberta. A primeira parte (poética) trata da criação, das belas artes, da poesia, da

beleza. Na segunda parte (retórica), dedicada ao criador, nota-se a descrição e a conceituação

das técnicas de composição poética. Por fim, tem-se a conclusão com o “Post-fácio”. As

teorias que surgem na “Escrava” são as mesmas do “Prefácio”, só que aparecem naquela de

forma ampliada e retocada. Pensaremos sobre algumas reflexões teóricas que se fazem

presentes na própria construção poética dos textos.

No “Prefácio” e na “Escrava” veremos uma reflexão sobre a arte. Mário de Andrade

traz uma leitura de textos de grandes escritores que o precedem. Ele quer deixar sua marca,

identidade, e, para isso, se debruçará sobre os conceitos tradicionais de arte para depois

mostrar suas conclusões, sua visão. Vale lembrar que Mário de Andrade era de uma

mobilidade intelectual incrível que de maneira nenhuma se deixa apanhar por uma

preocupação conceitual rígida, pouco reflexiva e abstrata, no sentido de uma teorização no

vazio. É claro que tudo isso é mostrado impregnado por sua paixão pela música. Ele vai

teorizar no próprio trabalho de análise. Mário de Andrade se enquadra num projeto de

valorização do nacional (principal questão para o escritor, que estava preocupado em

reconhecer as diferenças regionais). Empenhou-se numa poesia que estava em busca de

legitimação. É impressionante o papel que a cultura brasileira tem para ele.

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1 O MOVIMENTO MODERNISTA

Através do livro 1930: a crítica e o modernismo (1974) de João Luiz Lafetá,

observamos que a situação política, econômica e cultural do século XIX no Brasil passou por

transformações nas três primeiras décadas do século XX, estourando na revolução dos anos

trinta. Durante esse período, notamos a permanência da política dos governadores, que estava

a serviço da oligarquia, e da política protecionista do café, que criava atrito com a burguesia

industrial. O ano de 1922, por exemplo, foi o momento em que ocorreu a primeira revolta dos

tenentes, os jovens oficiais, cujas rebeliões pelo Brasil iriam demonstrar a adesão ao projeto

de reforma do Estado. Neste mesmo ano, o Modernismo surgiu no domínio cultural, com a

Semana de Arte Moderna (que se realizou no Teatro Municipal de São Paulo com a exposição

de artes plásticas, leitura de livros, conferências explicativas e concertos):

Espécie de happening produzido por escritores e artistas, entre os quais Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e muitos outros, a Semana de Arte Moderna foi, sob vários aspectos, um momento fundador. Aspirando a renovar as formas de expressão da arte brasileira, definiu o conteúdo da modernidade cultural: contemporaneidade ao lado das vanguardas européias futuristas e surrealistas, sensibilidade à descoberta psicanalítica e, simultaneamente, exploração dos alicerces da nacionalidade brasileira na busca de suas maneiras de ser, seus falares, sua diversidade étnica e cultural, e das indefinições que estão na raiz da sua inventividade. 1

No segundo dia de espetáculos, por exemplo, Mário de Andrade leu algumas páginas

d’A Escrava que não é Isaura2. O público, como já era esperado, reagiu por meio de vaias. O

escritor participou de forma ativa nessa Semana:

A Semana marca uma data, isso é inegável. Mas o certo é que a pré-consciência primeiro, e em seguida a convicção de uma arte nova, de um espírito novo, desde pelo menos seis anos viera se definindo no ...

1 PÉCAULT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação.Trad. Maria Júlia Goldwasser São Paulo: Ática, 1990, p. 26-27. 2 Ressaltamos que A Escrava que não é Isaura só foi publicada em 1925.

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sentimento de um grupinho de intelectuais paulistas. De primeiro foi um fenômeno (sic) estritamente sentimental, uma intuição divinatória, um ... estado de poesia (...). 3

Assim, nos anos 20 é instaurado o movimento modernista. Por outro lado, nos anos 30

ao mesmo tempo em que são incorporados e desenvolvidos alguns aspectos das doutrinas do

Modernismo, inicia-se também seu processo de diluição: a consciência estética cede lugar à

consciência ideológica por causa do problema político e social. O decênio de 30 no Brasil é o

momento de crescimento do Partido Comunista, da ação Integralista, de Getúlio Vargas e seu

populismo. A consciência da luta de classes, mesmo de modo confuso, penetra em todos os

lugares, inclusive na literatura. O Modernismo facilitou o desenvolvimento até então

embrionário da etnografia, do folclore, da sociologia, da teoria política e da história social.

Ele nasceu com o patrocínio da parte mais refinada da burguesia rural. Foram os detentores

das grandes fortunas obtidas com o café que incentivaram e protegeram os escritores deste

movimento. Ressaltamos que os modernistas foram superficiais e injustos com Monteiro

Lobato, um escritor de grande importância. Ele produziu um artigo contra a exposição

expressionista da pintora Anita Malfatti, no ano de 1917. Os modernistas vieram à tona em

defesa de Anita. Lobato era um nacionalista e publicou muitas obras. Apesar das brigas,

Lobato não fechou as portas da editora para os escritores modernistas. O Modernismo propôs

uma modificação radical na concepção que se tinha na época sobre arte. Buscou desmascarar

a estética passadista de 1890-1920 por meio do desnudamento dos procedimentos, da atitude

de abertura e da auto-reflexão que estão na própria obra. Foi a experimentação da linguagem

que exigiu um novo léxico e temas diferentes, novos torneios sintáticos, a incorporação do

popular e do primitivo, que permitiu essa ruptura. A própria estrutura dessa linguagem

experimental trouxe condições para a ruptura com a literatura culturalmente colonizada e para

3 ANDRADE, Mário de. “O Movimento Modernista”. In: Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1972, p. 232.

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a busca de um novo conceito com relação à identidade cultural. O Modernismo conseguiu de

forma paradoxal expressar de igual modo as aspirações de outras classes, assumindo o arranco

burguês. Buscou nas vanguardas européias (nova forma de colonização) sua própria

concepção de arte e os alicerces de sua linguagem (que é reduzida a um meio comunicativo,

tendo um significado funcional e instrumental):

A deformação do natural como fator construtivo, o popular e o grotesco como contrapeso ao falso refinamento academista, a cotidianidade como recusa à idealização do real, o fluxo da consciência como processo desmascarador da linguagem tradicional. Ora, para realizar tais princípios os vanguardistas europeus foram buscar inspiração, em grande parte, nos procedimentos técnicos da arte primitiva, aliando-os à tradição artística de que provinham e, por essa via, transformando-a. 4

O Modernismo rompeu com a ideologia que segregava o popular. Na década de 20 a

tomada de consciência é otimista, tranqüila, identificando as deficiências brasileiras. A grande

discussão, desse momento, é eminentemente literária e se trava ao redor da questão (básica)

da linguagem instaurada pelo movimento. Faremos, então, uma referência às vanguardas

européias, de que a Semana de 22 vai ser um reflexo. De acordo com Teles (1977):

Foi... a partir da primeira guerra mundial que adquiriu repercussão nas letras francesas. A literatura de avant-garde se estendeu logo para outros países. Já agora o termo significava a parte mais radical dos movimentos literários e estéticos. A vanguarda interpretou o espírito experimentalista e polêmico da belle époque e ... os seus limites cronológicos são o final do século XIX e a segunda guerra mundial, em torno de 1940 (...). (...) Os movimentos de vanguarda na Europa podem ser ordenados em duas frentes opostas e, ao mesmo tempo, unidas por um princípio comum, o de renovação literária. Futurismo e dadaísmo se aproximam, do mesmo modo que encontramos identidade entre expressionismo e cubismo. Todos eles concorrendo para o posterior aparecimento do espiritonovismo e do surrealismo, movimentos estéticos de muita importância para a compreensão de nosso modernismo. 5

4 LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades, 1974, p.13. 5 TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. Petrópolis, RJ: Vozes, 1977, p. 82-83.

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Vanguarda é um movimento de ruptura. As vanguardas têm uma postura de confronto

contra o dito velho, a tradição. O futurismo – primeira vanguarda européia, que ocorreu na

Itália – foi liderado por Marinetti. Ele pode ser dividido em três partes: 1) 1905-1909 – no

qual vemos como princípio estético o verso livre, que significava uma libertação das amarras;

2) 1909-1914 - período no qual foram publicados os manifestos; buscavam a imaginação sem

fio e a liberdade das palavras; 3) 1919 em diante quando se fundou o fascismo e o futurismo

se tornou um órgão oficial desse partido. O futurismo foi um movimento mais de manifestos

do que de obras artísticas. Os modernistas brasileiros inicialmente foram chamados de

futuristas, mas trataram logo de tirar essa denominação. O expressionismo (que aconteceu na

Alemanha), segundo movimento de vanguarda, influenciou Anita Malfatti. O expressionismo

foi um movimento do mundo da pintura. A arte é criada pela expressão da vida interior. É a

personalidade que cria o objeto concreto. No expressionismo temos o retorno à subjetividade.

O cubismo (vanguarda da França) foi inicialmente empregado à pintura e depois passou para

a literatura. Os cubistas queriam mostrar além da realidade e, mais profundamente, ampliar a

visão de mundo. Eles tentaram apresentar os objetos em sua totalidade, em todos os ângulos.

Os quadros são marcados pelos cubos. O futurismo, o expressionismo e o cubismo são

vanguardas pré-guerra. Em 1914, explodiu a primeira guerra mundial. Em 1916, a única

cidade onde se podia morar na Europa era Zurique. Nessa cidade ficavam os desertores da

guerra, como os artistas, por exemplo, que se isolavam do mundo, pois estavam dizendo não

ao censo comum. A certeza de que a Alemanha iria vencer a guerra aterrorizava esses artistas.

Daí o surgimento de Dadá como modo de se lançar contra os valores culturais. O dadaísmo –

que tem como grande nome Tzara - utilizou o automatismo psíquico. Apostou no jogo com o

significante. Era pacifista, logo contra a guerra. Os dadaístas reuniram o futurismo, o cubismo

e o expressionismo. O surrealismo foi o último movimento da vanguarda européia. Surgiu em

1924 após o final da primeira guerra. O surrealismo, que tinha como líder André Breton,

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recuperou o passado. Utilizou Freud e buscou na psicanálise a base para as suas teorias. Os

surrealistas cultivaram a escrita automática. Procuraram a emancipação total do homem.

Dessa forma, as vanguardas levaram ao máximo os “ismos”. O sufixo “ismo” é visto hoje

como passadista, anacrônico. Os modernistas, no Brasil, trabalharam com base nas

vanguardas européias. Para Mário de Andrade, em “O Movimento Modernista” 6, o

Modernismo foi o preparador e o criador de um estado de espírito nacional. Mas ressalta que

o espírito modernista foi diretamente importado do continente europeu:

É muito mais exato imaginar que o estado de guerra da Europa tivesse preparado em nós um espírito de guerra, eminentemente destruidor. E as modas que revestiram este espírito foram, de início, diretamente importadas da Europa. 7

O próprio Mário diz que apenas houve mudança no “que” se imitava e em “quem” se

imitava. A nossa elite intelectual vivia macaqueando o estrangeiro. A dependência européia

continuava. Mudou, em parte, o paradigma (disciplinas – arte: literatura, pintura, dança e

outros). O desenvolvimento da consciência brasileira, os progressos internos da técnica e da

educação, entre outros, impunham a criação de um espírito novo e mesmo a remodelação da

Inteligência nacional. Esse movimento foi o abandono de princípios e técnicas, uma revolta

contra o que era a inteligência nacional. Segundo Mário de Andrade, o período heróico do

Modernismo foi iniciado com a exposição de Anita Mafalti e seu término foi na Semana de

Arte Moderna. Essa mesma semana abriu o período destruidor, a segunda fase deste

movimento. Todo o período destruidor do movimento foi para eles (artistas) tempo de cultivo

imoderado do prazer. Embora tenha lançado idéias novas, de acordo com Mário, o

Modernismo destruiu até eles mesmos, pois o pragmatismo das pesquisas diminuiu a

liberdade de criação.

6 ANDRADE, Mário de. “O Movimento Modernista”. In: Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1972. 7 Ibidem, p.235.

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1.1 A CRÍTICA: MODERNISMO COMO MOVIMENTO BASEADO EM MAIS UM

“ISMO”

O Modernismo é um paradigma (conjunto de conceitos) que fecha a obra de arte numa

classificação, num “ismo”. A arte modernista é diferenciada das outras, por exemplo, da

parnasiana, a partir das formas. A literatura enquanto linguagem não é modernista, masculina,

nem feminina, ao contrário, é arte. Sistema literário só alcança o ser objeto da obra. A

literatura poética é aquela que constitui um sentido que não era de conhecimento de

paradigmas prévios, permitindo múltiplas leituras. Ela acontece quando há a escuta da

linguagem. Em um texto poético, geralmente, faz-se a análise da obra a partir de um percurso

historiográfico e cronológico, nas formas, e tendo como sujeito o autor, bem nos moldes da

modernidade. Há críticas literárias que explicam o literário de uma obra por meio da vida do

autor, da biografia do mesmo. Esse tipo de encaminhamento é frágil e não dá conta da obra,

que vai muito além. A historiografia deve ceder lugar à história enquanto acontecer. Ao

interpretar um texto poético temos de deixar a obra obrar. O literário é um dizer instaurador

que tem um caráter poético. Ele é algo que é tão demais que arrebenta os contornos

discursivo-semânticos, e pela ausência (entenda-se como aquilo que se tem em excesso) ser

mais presença. A obra é o imaginário se tornando ausente e presente. O literário é um fazer

histórico enquanto historicidade. Cada história literária traz um conceito de história. Assim,

têm de ser ampliados os critérios para o entendimento da obra literária. Várias histórias da

literatura foram produzidas com fins didáticos, reduzindo-se a um amontoado de datas,

escritores e conjunto de obras. Dessa forma, não se fundamenta o literário. Devemos então

fazer a distinção entre crítica literária e história literária. A primeira é feita de forma

historiográfica. Já a segunda tem a ver com o histórico. A seguir veremos algumas posições a

respeito da história literária, que se constitui de forma lenta a partir do século XVI em diante.

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A teoria da história literária de Gustave Lanson (1857-1934) guia-se por idéias

historiográficas, isso no plano histórico. Já no plano literário busca-se analisar a obra através

da vida do autor. Nota-se que o foco de história é o texto do autor e não a obra enquanto obra.

Com o contextualismo, o literário, muitas vezes, é explicado por dados contextuais. Taine foi

o primeiro a dar destaque a essa forma de se explicar o literário. A literatura é reduzida a uma

reprodução do social. Ela foi minimizada a um documento do passado. Assim, nasce uma

crítica sociológica da literatura, com um caráter historiográfico que determinará o fazer

literário. Nos teóricos marxistas, o contextualismo se depara com uma variante. O

sociológico – debaixo do princípio sócio-econômico - especificará o literário. Para os

marxistas vulgares, a literatura é um reflexo da vida social, em função dela existe. Esse

marxismo produziu a sociologia da literatura, que destacou pontos para melhor se entender o

literário: as condições de reprodução, de consumo e do nível de comunicação. Com a

estilística, o formalismo russo e a Nova crítica (que traz como proposta a periodização estética

ou estilística), têm-se como centro de interesse o texto. São críticas que se produziram em

lugares distintos. A estilística faz um estudo do estilo do autor, da época. Com essa nova

forma de se fazer história literária se buscava articular o literário em épocas. O textualismo

vem negar o contextualismo no que se refere ao fenômeno literário. Critica a maneira de se

organizar a história literária cronologicamente. O que vai interessar é o estudo do texto. O

literário será limitado a um amontoado de conceitos textuais. Essa é uma visão do texto como

matéria e forma. E estas são determinadas pela leitura da obra como utensílio. Isso nós

veremos mais adiante.

Agora gostaríamos de destacar que cada história literária é a história da literatura de

um povo, como por exemplo, história literária brasileira. Mas é a literariedade que dá o

caráter literário a cada literatura – que é universal. Veremos a história literária enquanto

poética das obras e poética das épocas. Essas duas poéticas se sucedem – de modo

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integrativo– em redes circulares. A poética das obras tem como figura o autor, enquanto lugar

do acontecer literário. O texto como obra seria a realização desse acontecer do homem. A

harmonização das poéticas das obras é que estabelecerá as poéticas das épocas. Toda

manifestação é um fenômeno importante da humanização do homem. A época não se limita a

um momento, período. Ela apresenta o movimento dialético de mostrar-se e retrair-se do ser.

E só assim pode ser entendida. A história literária encarada a partir das poéticas traz a

discursividade do discurso. As poéticas só podem ser entendidas como mostrar do fenômeno

histórico. O inter-relacionamento do histórico e do literário só acontece na história literária

vista como acontecer poético.

Além disso, na abordagem do fenômeno literário, o autor ocupa um lugar

significativo. Embora ele só seja autor por causa da obra, ou seja, quando produz a obra. Mas

está sendo suprimido o lugar do autor na dinâmica histórica e literária. Ele não é mais visto

como o lugar do acontecer literário. É somente indagado naquilo que não tem de

essencialmente literário: seu individualismo, psicologismo. Para se explicar o autor, utiliza-se

da história, como ponto de interesse. Isso leva a uma leitura frágil das obras, que não são lidas

em nome do literário. O autor (que age) é um leitor por e no vigor do ler. É aquele que

celebra. Ele só fala a escuta da fala da linguagem na medida em que aciona. Ele só é autor se

for apropriado pelas questões. Leitor é uma palavra que deriva de ler. Ler, no seu vigor

histórico, é o mesmo que leguein: vigor do nomear. Ler é deixar que a obra de arte opere. É

dialogar com o transfigurado, que é philei – apropriar-se do que é próprio. A leitura pressupõe

diálogo, no qual o leitor chega a ser leitor e o humano se manifesta. Leitor é formado pelo

radical de ler mais o sufixo – tor, que diz ação. É um agente da história que estabelece

leituras. Ocupa um espaço essencial na compreensão do fenômeno literário. Ele só pode ser

leitor na leitura. Leitor e texto vivem de modo tensional, sendo instâncias do acontecer do

real. Entre eles há uma interação na qual algo sempre acontece. A obra e o leitor nunca se

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separam. O leitor fala a escuta da fala da linguagem. Ele e o autor radicam no ler. Eles nunca

estão fora do operar da obra.

1.2 LINGUAGEM INSTRUMENTAL

Sabemos, através de críticos de teoria literária, que Mário de Andrade através da

experimentação da linguagem - enquanto meio comunicativo-, que exigiu um novo léxico e

temas diferentes, novos torneios sintáticos, a incorporação do popular e do primitivo, rompeu

com o parnasianismo. De fato, Mário trabalhou muito bem com a sonoridade das palavras,

resgatando um vocabulário que une desde os neologismos e estrangeirismos dos bairros

italianos da cidade paulista até as palavras provindas das línguas indígenas. Para este escritor,

a questão nacional era a mais importante, sendo simpatizante da cultura popular, estava

preocupado em reconhecer as diferenças regionais. A técnica era a forma de entrar nas

questões sociais. Era o modo de assimilar uma série de traços populares. Com suas viagens

pelo Brasil, Mário fez trabalhos de linguagem regional, estudou folhetos (que eram vendidos

em feiras nordestinas) de poesia popular cuja oralidade de linguagem é específica. Realizou

em suas várias leituras pesquisas de termos, palavras e expressões que caracterizavam os

diversos lugares brasileiros. Recolhia-os e empregava-os, buscando juntar o Brasil em um

todo. Vale lembrar que sua coleta na linguagem popular é também muito grande e dela se

serviu o escritor escolhendo, selecionando e ajustando. Mário de Andrade fez uma ampliação

no âmbito vocabular da linguagem literária brasileira. Como podemos perceber, até o

momento, estamos diante do entendimento da linguagem enquanto um meio comunicativo,

um instrumento. Entretanto, temos de ver as insuficiências das definições sobre a linguagem.

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1.2.1 LINGUAGEM COMO QUESTÃO

Ainda que tivéssemos mil olhos e mil ouvidos, mil mãos e mil outros sentidos e órgãos, se, porém, a nossa essencialização não con-sistisse no poder da linguagem, permanecer-nos-ia fechado e vendado todo ente: o ente que nós mesmos somos, não menos do que o ente que nós mesmos não somos. 8

A linguagem é tradicionalmente dividida em: instrumental (onde quem fala é o

homem, o autor, o eu-lírico, a personagem, o narrador) e manifestativa (quem fala é a

linguagem). Quando a linguagem se torna um objeto, a sua essência desaparece. Não

podemos pegar a linguagem – que leva ao empenho de todos os empenhos – e fazer dela

apenas um instrumento que visa a um bem para o funcionamento da sociedade, para o ensino

da língua e outros. Gostaríamos de destacar que, na modernidade, a linguagem se torna língua

e expressão instrumental. A língua é confundida com a escrita e com o oral. A linguagem,

então, foi reduzida a um mero instrumento de enunciado e enunciação. Vivemos num

momento em que a linguagem é entendida enquanto um meio de comunicação. Tem-se o

código que se divide em canal e mensagem. O emissor através do canal emite uma mensagem

ao receptor. O primeiro está em função do segundo. Na comunicação, o emissor e o receptor

se esvaziam de suas particularidades, falando a respeito do que se comunica. É o código – que

assume o papel central - que possibilitará a ligação entre emissor e receptor. Aqui, na verdade,

se está falando de língua e não de linguagem. Na linguagem comunicativa - que está

comprometida e prejudicada – a palavra perde seu vigor, transformando-se num jargão.

Muitos escritores, críticos e professores dominam a linguagem instrumental, mas não

entendem a linguagem poética, a vida, o diálogo – o falar com o outro. O diálogo é uma

tensão sempre, onde quem fala é a linguagem. Não há diálogo sem escuta, que está dentro de

nós. Para que haja diálogo é necessário deixar de lado impressões subjetivas. É a linguagem

8 HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p.109.

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que dá origem a todo diálogo. No ser humano vige o vigor do compreender, que se dá no

diálogo. Para que o diálogo possa acontecer, é necessário que haja pessoas; é necessária uma

fala e uma escuta e, além disso, o brotar da diferença e da identidade do eu e do tu. O eu é um

tu e vice-versa. Tem-se um Eu e um Tu com suas especificidades. Quando, por exemplo, o Eu

responde, a partir da escuta, assume a forma do Tu. Eles são unidos pela palavra diálogo –

que seria o código com suas singularidades. Assim, há uma fala de ambos. O diálogo só pode

acontecer dentro da memória. Assim, não há diálogo sem memória e vice-versa. A linguagem

não é mera comunicação, expressão de pensamento, informação.

Para Heidegger (2003), a linguagem é a condição de possibilidade do pensamento. Não

há pensamento sem linguagem. Ela o abarca. Além disso, a linguagem não pode ser reduzida

à idéia (que é um pensamento, uma possibilidade de articulação da verdade). Ela é uma

possibilidade de nos entendermos, não podendo estar amarrada num conceito de utilidade. No

âmbito da linguagem está tudo que se realiza e o que não se realiza. O homem anda nela, pois

é o seu caminho. É ela que age não o homem. No livro A caminho da linguagem, que

representa um dos textos caminhos heideggerianos, reunindo ensaios e conferências da década

de 50, o autor – com seu pensamento ontológico - produz aí a retirada do chão, colocando-

nos, assim, a todo o momento, em produção. Não existe um minuto sequer de sossego na

obra. É um texto muito denso, no qual o escritor monta uma dissociação entre fala e

linguagem, examinando três compreensões do falar:

Considera-se primeiro, e sobretudo, que fala é expressão. A representação da linguagem como expressão é a mais habitual. Pressupõe a idéia de um interior que se exterioriza (...). Considera-se em segundo lugar, que falar é uma atividade humana. Nesse sentido, devemos dizer que o homem fala, e que ele sempre fala uma língua. Então não podemos dizer: a linguagem fala (...). Considera-se por fim, que a expressão do homem é uma representação e apresentação do real e do irreal. 9

9 HEIDEGGER, Martin. A Caminho da linguagem. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: São Francisco, 2003, p.10.

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Dessa forma, Heidegger mostra a insuficiência destas compreensões para aquilo que

quer pensar, que é a essência da linguagem. A linguagem é anterior ao pensamento, estando

presente em cada ato. Ela é o próprio real se dando. Não é expressão, é aquilo que nos solicita

a fala. O concreto se pondo é a própria linguagem. O concreto da linguagem é a palavra, que é

o jogar no entre. “A linguagem fala como consonância do quieto” 10. Ela é consonante ao real.

A essência da linguagem não está nem na língua nem na escrita. Não tem nada a ver com algo

lingüístico; com o caráter fonêmico e grafêmico das palavras. A obra A Caminho da

linguagem não quer dizer o que é a essência da linguagem, ao contrário, quer pensar a sua

essência. Pensar não significa que tenha que se chegar a um fim. A essência não é um modelo.

Ela se dá no acontecer. A essência da linguagem é a linguagem da essência. Dessa forma,

evita-se uma formulação predicativa:

Escutamos a palavra alemã Wesen, essência, como um verbo, wesend, ou seja, como vigorar, no sentido de vigorar na presença e na ausência. Wesen vigorar diz währen, perdurar, weilen, demorar. A expressão es west, está em vigor, significa mais do que: está durando, demorando. Está em vigor diz que algo persiste, perdura e assim nos toca, nos encaminha e nos intima. Pensada desse modo, a essência designa o vigor, o que persiste e perdura, o que nos concerne em tudo que nos toca, porque é o que tudo en-caminha e movimenta. 11

Aqui está a compreensão sobre essência. A essência é sempre o que vigora; não é uma

instância de representação mental. Ela não é algo externo à formulação do real. Ao contrário,

é presente conosco. A essência da linguagem é o vigor da linguagem. Heidegger faz uma

colocação a partir da poesia. Ao apresentar o poema de Tralk, por exemplo, atenta para as

suas construções em outros poemas. Abre vertentes para a leitura do poema não mostrando

parâmetro nem uma leitura metódica. Também abre as portas para que outros façam novos

caminhos. Para ele, temos de escutar o que o texto quer dizer. Quando descrevemos

10 Ibidem, p.24. 11 Ibidem, p. 158.

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precisamente o conteúdo e restringimos a forma de uma obra, estamos presos a uma

representação de linguagem que predomina há muitos séculos:

(...) Segundo essa representação, a linguagem é a expressão humana de movimentos interiores da alma e da visão de mundo que os acompanha. (...) A linguagem prova indiscutivelmente que é expressão. O que se acaba de provar nega inteiramente a frase: a linguagem fala, uma vez que essa frase supõe que em sua essência a fala não é expressão. (...) Linguagem é expressão. Por que não aceitar isso? Porque o que nessa representação de linguagem é correto e evidente não basta para fundamentar e sustentar uma discussão sobre a essência da linguagem. 12

Heidegger queria experimentar a linguagem (ao invés de analisá-la) e, por meio desta

experiência, chegar em contato com o “ser”. Ele utiliza a palavra saga (dizer que se mostra)

para pensar a linguagem. Saga do dizer é a coisa se manifestando como ela é. Ele pensou

muito sobre arte, revolucionando todas as teorias ao redor dela. Entretanto, não fez nenhuma

teoria, pois não constrói e nem se fecha em conceitos. Não quis resolver o enigma que é a

arte. Heidegger não pode ser visto como uma teoria, pois, na verdade, sua obra vem a ser uma

reflexão, colocando-nos no caminho do pensar. Do contrário, acabaríamos enquadrando-o

com mais um conceito a ser seguido, deixando de lado toda a questão do ser. Esse pensador

rompe com toda essa cristalização que o mundo nos impõe.

Observamos, então, que a linguagem é a mãe de todas as línguas, assim como a terra é

a mãe de todas as vidas. A linguagem responde pelo que cada língua, como língua, é. Mas

esta não é aquela, assim, como o filho não é a mãe. Somos na e pela linguagem. Não existe

lugar exterior a ela. Não é o homem que fala. O que fala é a linguagem. O homem, ao falar,

corresponde à linguagem, ou seja, ausculta o que esta fala. A linguagem é o lugar onde o

homem habita. Somente o homem é vida que está na linguagem. A linguagem não é um ente,

mas sim a mãe da língua. Percebemos que nós, homens de hoje, temos um tipo de

12 Ibidem, p.14-15

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relacionamento com a linguagem que a reduz muito. Temos muitas proximidades com a

linguagem e a fala é uma delas.

A linguagem não tem fórmula e nem uma medida precisa: é experiência. Nós falamos

a partir da linguagem e não sobre a linguagem. Não é o homem que fala, mas sim a

linguagem. Ela fala no homem. A linguagem fala na physis – que se manifestando é poiesis.

Todo nosso percurso na vida é para aprender a lidar com a linguagem, que guarda a dimensão

ontológica; que é “a casa do ser”. Essa casa não tem nenhuma relação com construção. O ser

se doando como linguagem, no ser humano, é logos (que é mundo). Os poetas são as

sentinelas dessa morada do ser. Todos nós temos de ser poetas, vigilantes, pensadores. A obra

de arte é esse apelo ao comportamento de vigilante. Vigiar é desvelar, um empenho que se

volta ao abrigo. Casa/Mundo/Linguagem são imagens-questão para nos fazer pensar. O ser

que cada um é, do ponto de vista do ser humano, é a partir da linguagem. O homem é uma

doação da linguagem. É no agir dele que ela se realiza nos realizando. Linguagem é o

contexto do qual não podemos nos afastar, sair.

A linguagem é questão, por isso não existe resposta que mostre o que ela é. Para

Castro (2004, p.9): (...) “a questão é algo que, no se colocar como pergunta, ela se dá como

saber e não saber, ser e não-ser”. Mas sem conceito não dá para avançar a questão. Questão e

conceito se dão em torno do ser e conhecer (no sentido de perceber/apreender). O conhecer é

algo que permanece. O conceito trabalha o visível, o limite. A questão trabalha o não-limite.

Quando se procura abstrair dos conceitos, as coisas começam a aparecer. A coisa não é

apreensível de um modo só. Ela se manifesta como questão no ser humano. Quando o homem

pergunta “o que é”?, está se perguntando pelo que é e não é. O conceito abole a questão. No

abolir a questão, foi abolido o pensar e, mais do que isso, o tempo. Acabam por explicar o

presente no passado e prevêem o futuro. Os conceitos também partem de perguntas, entretanto

buscam uma resposta que demarque o ser/ente:

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A metafísica trabalha com conceitos, definições, conhecimentos representacionais como verdades. Por isso a metafísica fala, não escuta, se empenha na enunciação dos enunciados. A metafísica originou a gramática e todas as ciências. Estas trabalham com conceitos como conhecimentos representacionais dos entes. Neles o ser, a linguagem e a sabedoria ficam esquecidas, silenciadas. 13

A metafísica, que se entretece numa rede conceitual, se apoderou da interpretação da

linguagem sob a forma de lógica e gramática. A linguagem tende a ser libertada da gramática

e essa tarefa cabe ao poetizar. A linguagem é a fonte do que se diz. Nela o real se manifesta

com total liberdade. Existem vários estudos sobre a linguagem que remotam aos sofistas. Para

que possamos compreendê-la temos de nos afastar de todo conceito tradicional a respeito

dela. A linguagem é o espaço do equívoco, que vem do latim aequivocus, ou seja, que traz

significações semelhantes, permitindo mais de uma interpretação. Ambíguo é o sinônimo de

equívoco. Mas a ambigüidade é mais ampla que o equívoco. No “Prefácio Interessantíssimo”,

de Mário de Andrade, vemos que:

A linguagem admite a forma dubitativa que o mármore não admite. Renam. 14

Dúbia é a linguagem. Ao mesmo tempo em que fala se retrai. O silêncio é a linguagem

que se presentifica e se retrai como mãe. A linguagem é ambígua. A ambigüidade acontece

quando, através da força geradora da linguagem, transborda as limitações da língua. Nós

concordamos com esse pensamento de que a linguagem seja ambígua. Mas há três

ambigüidades: a semântica, a retórica e a poética. Ambigüidade é constituída do prefixo latino

ambi (ao redor de) e do verbo agere (agir):

13 CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2004, p.10. 14 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.72.

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Formou-se então o verbo ambigere, que significa: tratar alguma coisa de ambos os lados, duvidar, hesitar. A formação da palavra pressupõe uma oposição consistente e uma mediação, ou seja, um movimento de identidade (mediação) e diferença (oposição), na apropriação da realidade pela linguagem. A mediação é o âmbito do entre, de que se nutre toda ambigüidade. No circular do ir e vir surge a dúvida, a hesitação: é a ambigüidade. A ambigüidade é a dinâmica de manifestação e ocultamento de tudo que é e não é enquanto tempo e sentido na compreensão. 15

Para a ambigüidade semântica as palavras são polissêmicas. Na ambigüidade retórica

(que inclui a anterior) estão todas as figuras de linguagem e todos os recursos retóricos. Tem

como objetivo envolver emocionalmente o leitor, despertando o belo e o agradável, trazendo o

divertimento. A partir disso, espera-se que a arte tenha uma mensagem, uma função. Essa

ambigüidade reduz o poético a um mero jogo retórico. Com isso, a arte se reduz a um simples

objeto de classificação retórico-formal. Já a ambigüidade poética pressupõe as anteriores, indo

além. Nela o próprio real se manifesta de forma ambígua. Ele se retrai para depois se dar,

oferecendo-se ambiguamente como linguagem e physis. Para os gregos, a physis consiste

nessa excessividade poética, mostrando-se e velando-se. É nascividade; a origem de todo

questionar. Essa é uma concepção poética. Assim, seguimos dizendo que a unidade sempre

tensional de linguagem e língua é a ambigüidade. Toda linguagem poética é ambígua. A

linguagem (que não é a palavra) dá-se e só se dando ela é. Apresenta-se e se retrai. Ao mesmo

tempo em que a linguagem se plenifica na palavra, enquanto fala e escrita, também se desvela

como linguagem. A linguagem fala, e vai falar para cada um de uma maneira originária. Ela

fala, não o homem. Esse só fala quando responde e corresponde à linguagem. Não é o homem

que possui a linguagem. O ser humano é uma doação dela. A linguagem não pode ser

confundida com a língua. As pessoas falam línguas. Ninguém fala linguagem. Toda língua se

movimenta no horizonte da linguagem. É a linguagem em seu vigor de manifestação. A

linguagem é a identidade das línguas, que são suas filhas. Estas são a diferença de toda

15 CASTRO, Manuel Antônio de. A leitura e a linguagem. Online: disponível na Internet via http://travessiapoetica.com

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identidade. A linguagem acontece como diálogo com o silêncio. Ela abarca o silêncio, que é a

origem de todas as falas.

1.3 A QUESTÃO DA OBRA DE ARTE

Sabemos que é geral entre os teóricos que tratam da constituição da identidade cultural

brasileira, que essa identidade se torna completamente autônoma no Modernismo. Mário de

Andrade tece sua obra ao redor da conquista total da identidade. O que é isto - a identidade?

Essa é uma pergunta pelo originário. Para Castro (1994):

Não há identidade sem diferença. Porém, o natural de nossas tendências é não pensar a diferença, mas só a consciência da identidade. A diferença torna-se problema, quando a identidade ou é muito forte ou é muito fraca. A forte identidade grega cunhou o conceito de bárbaro, como expressão da diferença. Outro nome hoje para a diferença são as minorias. 16 O eu para tomar consciência da sua identidade tem que se projetar num não-eu ou num objeto. Estes vão lhe servir de limite. E ao tomar consciência do que não-é (o outro), delimita positivamente o que é, ou seja, sua identidade. Temos, pois, que na identidade há uma afirmação e uma negação, isto é, uma identidade e uma diferença. Sendo que a diferença pode ser também vista enquanto o não-outro. Sendo o que sou, sou diferente dos outros. É o que chamamos Identidade-para-si, ou seja, a conquista da diferença. Por outro lado é impossível falar de identidade só enquanto diferenças, pois seria um isolamento absoluto. Assim sendo, as diferenças encontram o seu lugar, enquanto remetem para uma identidade enquanto identidade.É o que chamamos de Identidade-em-si. 17

Essa questão é a mais antiga do pensamento e a mais complicada. A identidade é a luta

do diálogo com o auto-diálogo. Ela é delimitada pelas grandes obras de arte. As obras são a

memória da identidade. Machado de Assis é um escritor por meio do qual os leitores

descobrem “a contribuição da identidade e cultura brasileira, à cultura humana” 18. No conto

16 CASTRO, Manuel Antônio. Tempos de metamorfose. Rio de Janeiro, Tempo brasileiro, 1994, p.191.

17 Ibidem, p.201. 18 Ibidem, p.200.

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“O espelho”, Machado reflete a respeito da essência da identidade humana. Ele escolheu o

espelho para pensar a identidade. Assim, seguimos destacando que Mário de Andrade é um

autor que desde os textos da mocidade demonstrou uma preocupação em teorizar a utilização

estética dos meios expressivos, buscando a fundamentação ampla da natureza psicológica dos

procedimentos. Os textos “Prefácio Interessantíssimo” e A Escrava que não é Isaura

demonstram as primeiras preocupações dele em justificar de modo teórico a obra criada.

Nestes textos, expõe uma concepção de poesia pautado em suas noções de teoria musical e de

teóricos da vanguarda européia. A poesia modernista é posterior e oposta ao parnasianismo.

Traz uma sucessão de formas. Então nos perguntamos: Arte é psicologia? Vanguarda ou

historiografia? O que é forma? De onde vem? Em que conceito de coisa se baseia? Heidegger,

em A Origem da obra de arte, faz uma reflexão sobre a arte. Ao se falar normalmente de arte,

acaba-se falando de obra. Ele começa a falar da coisa e constata a existência de três

interpretações – que pré-orientam a concepção da realidade - canônicas ocidentais. Verá até

onde essas interpretações dão conta da coisa, caminhando sempre na questão da obra de arte.

O modo como se ensina a literatura está baseado nesses conceitos. Heidegger apresenta as

conceituações do on que predominam no pensamento ocidental: 1ª

hypokeimenon/symbebekota, que se tornam respectivamente em sujeito/ predicado; 2 ª

Aisthesis (reunião das sensações); 3 ª matéria e forma. A coisa é a questão permanente de

todos os artistas, filósofos, pensadores. Ela apareceu para os gregos como on, particípio

presente do verbo grego einai (verbo de todos os verbos, que quanto mais se dá tanto mais se

retrai), depois foi traduzida para o latim como “res” (causa). Então em português formou a

coisa: objeto, utensílio, obra, corpo (que é a coisa mais próxima de nós). O “on” é o que hoje

se chama realidade.

Vamos à primeira interpretação, que é essencialista. Nela temos: cerne = essência =

modelo (idéia). A essência é tida como modelo. A coisa surge como reunião do enunciado e

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da enunciação, ou seja, proposição. Na gramática, a proposição se chama oração que funda a

sintaxe. A coisa é constituída de: a) algo que dá origem, “sub-jectum” (essência, sujeito); b)

algo que se manifesta e muda, “accidens” (qualidades, predicativos). Nessa interpretação da

coisa, notamos que a tradução das palavras gregas para a língua latina fez com que essas

fossem recepcionadas sem a original experiência que anunciavam. Os latinos pegaram as

palavras e as deixaram sem chão. Dessa forma, não se deixa a coisa falar, falando por ela. Já a

segunda interpretação (concepção estética) traz a coisa como a reunião das sensações que ela

(a coisa) provoca, ou seja, sentidos. Refere-se àquilo que os sentidos da visão, da audição e do

tato nos provocam como sensações de som, cor. A obra produz um efeito, uma sensação, e

por ela somos afetados. Todavia, a coisa está muito mais próxima de nós do que a própria

sensação. Escutamos, por exemplo, o motor de um carro, mas não simplesmente sensações

acústicas. Surge a obra como algo que causa prazer estético. O que vai interessar aqui é o

autor. A partir desse conceito de coisa, a obra é apreendida como algo simbólico. Surgiu a

necessidade de atrair as pessoas a partir do símbolo, que surgiu da separação do rito e do mito

(o que se retrai com a força do que se mostra). Mas o que se retrai nunca é apreendido pelo

símbolo. Até mesmo o extraordinário não pode ser apreendido pelo simbólico. Assim, tanto

na primeira interpretação quanto na segunda a coisa desaparece.

A terceira interpretação da coisa - como matéria e forma, que são a base da

constituição artística – vem da interpretação do ser-utensílio do utensílio (que consiste em sua

serventia). Aqui estão todas as classificações da arte como: estilos (forma) de época (tratam

da forma da obra de arte), figuras de linguagem. As experienciações da obra de arte foram

transformadas em história da arte, que é baseada nesse conceito. Contudo, a história da arte

não é arte, por mais informações que ela nos possa oferecer. Essa interpretação se generalizou

de tal maneira que fez surgir a interpretação do on em relação às quatro causas: material,

formal, eficiente e final (que determinará tudo). A causa final precede a material e a formal.

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Dependendo da serventia, se vai escolher a matéria ou a forma. A causa final se desdobra em

três telos (é o penhor para onde nós nos conduzimos): 1° inerente ao genos (finalidade - vida

vivida); 2° o como é enquanto ação de escolha, a finalidade é vida experienciada, plenificação

do que é cada ente; 3° a plenitude do destino - apropriar-se do que é próprio. O telos, no

âmbito do ser humano, vai dar a essência do agir. Essa tem sido limitada pelas formas. A

forma da arte é determinada pela causa final. Os gêneros enquanto formas, ao invés de

esclarecerem, confundem mais ainda as questões da arte. As obras são lidas a partir do 3°

conceito de coisa, como matéria (linguagem instrumental, assuntos, temas, conteúdo) e forma.

Entretanto, nos conceitos de obra de arte enquanto estilos de época (no qual se tem formas

gerais comuns a várias e diferentes obras), a obra é determinada pelo histórico. Temos aqui

duas questões: 1ª Estilos = formas; 2ª Época = historiografia (sem a essência da História, o

acontecer poético como época). Do ponto de vista da matéria e da forma, os latinos deixaram

de lado a poiesis e fizeram a tradução da techné (ars). Estudar a arte, assim, significa estudar a

história - enquanto forma, estilo. Mas como entender o histórico se não sei o que é isto a

História? Trata-se de pensar o que é isto - a História? Só assim poderemos entender a

fraqueza dos estilos de época. A História é a dinâmica do homem. Ela é feita de

acontecimentos e não de fatos, feitos. Seguindo, gostaríamos de destacar que Aristóteles

propôs as três primeiras causas – material, formal e final -, mas na Idade Média foi trazida

mais uma causa, a eficiente.

A causa eficiente, por exemplo, da porta é o homem, o marceneiro. Assim, tudo tem

de ser instrumental. As pessoas vão se tornar instrumentos. Heidegger ao procurar a coisa da

obra de arte acaba por encontra o utensílio. Essa terceira interpretação não é da coisa, mas sim

do utensílio. Utensílio tem sempre uma serventia. Ele, que é instrumental, é feito de uma

matéria. A sua finalidade determina a escolha da forma e da matéria. Obra é instrumento?

Objeto? Gênero? Gênero é uma visão formal da narrativa (que é anterior à questão do

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gênero). Heidegger vai fugir da classificação da obra como matéria e forma. O seu método é

hermenêutico. Ele procura a linguagem propícia, nos conduzindo ao originário. Vai inverter e

ao invés do utensílio dizer o que é a obra, agora é a obra que vai dizer o que é a obra, que é o

operar da verdade.

O texto de Heidegger primeiro mostra os conceitos de coisa. Depois, apresenta a

insuficiência desses conceitos. Aos poucos, nos lança no vigor do silêncio. Ele faz uma

ligação entre a coisa/ obra/ arte. Vai pensar a coisa como obra na medida em que a obra é

manifestação de mundo e verdade. Verá que a obra é terra e mundo. Terra é o kryptestai, ou

seja, aquilo que se dando se retrai. Mundo, enquanto clareira, é o velar-se e o retrair-se da

floresta que está implicada com a terra. Ao se retrair, a obra deixa surgir a terra, na qual o

homem histórico inaugura sua morada no mundo. Mundo está unido a lugar como algo

ontológico. Há uma disputa que provem da verdade e não verdade, pois é aletheia. A terra é

uma manifestação que oculta e não um planeta do sistema solar. É a teia da vida que como

teia interfere no ecossistema. Quanto mais o mundo se manifesta mais a terra se retrai. Mundo

é mais do que aquilo que se pode ver e pegar. A tensão entre logos e poiesis vai dar a verdade.

Verdade/obra/arte são a mesma coisa. Há um on inerente a obra de arte. Ele ao constituir a

obra faz com que ela não seja vista como matéria e forma, mas sim como terra e mundo. O

que é o ser da obra de arte enquanto terra e mundo? Poiesis e linguagem. A arte é poiesis.

Notamos que com o passar do tempo, a arte e suas questões foram transformadas em diversas

definições conceituais. Com relação à interpretação, podemos dizer que a obra de arte não é

algo acabado e concluído. Ela permite sempre novas interpretações, dizendo novos sentidos,

fazendo renascer as questões. Só a arte pode falar sobre o que ela mesma diz. A arte também

não tem a pretensão de deter as várias formas de se compreender o real. Mas o que é isto - o

real? O que acontece é a dinâmica do real, que é limite e não-limite. O real realiza-se como

pensamento, concretude, não sendo, assim, um objeto. É a condição de possibilidade de nossa

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existência. É ele que nos estimula a tentar pronunciá-lo. Ele se aciona e aciona o próprio

pensamento. Visto dentro de uma articulação do poético, não é positivo, mas não é

necessariamente negativo. Não precisa de adjetivo. A força reunidora que tem é equivalente à

força de dispersão.

O real é ambíguo, sendo ao mesmo tempo Terra e Mundo (tensão entre o que se vela e

se desvela). O real e a coisa são o mesmo. A questão do “on” é a questão da realidade

realizando-se. A coisa não é apreensível de um modo só, sempre nos coloca em questões. Ela

deve ser correlacionada com a physis, que é uma questão que ocupa os filósofos desde os

pensadores originários. O “on” é ambíguo, pois se mostra de diversas maneiras. Quanto mais

se apresenta mais ele se retrai. A coisa é uma oferta do caos. É aquilo que se mostra e se

oculta: é a physis. Toda coisa é uma doação do vazio. Assim, nesse capítulo do trabalho,

intitulado “O movimento modernista”, observamos que o modernismo foi um movimento de

ruptura que buscou desmascarar a estética passadista: o parnasianismo. Os modernistas

brasileiros deixaram uma grande produção ao contrário dos vanguardistas europeus. Mas o

modernismo, que é um paradigma, acabou. Ele não permaneceu no fluxo das mudanças. Esse

“ismo”, bem como os outros, não pega a arte no que ela tem de essencial. Traz apenas uma

sucessão de formas. E como já constatamos, as formas se baseiam no terceiro conceito de

coisa/obra. Esse conceito de coisa vem da interpretação do ser-utensílio do utensílio que é

constituído de matéria e forma. Além do mais, quando se fala em literatura modernista,

julgamos o adjetivo pela literatura e encobrimos a grande questão: O que é isto - a literatura?

Para os gregos, o isto se desdobrava em dois núcleos: a) permanente; b) mudança. O que é

isto – o que permanece no fluxo das mudanças? O isto sempre vai se dar como questão. O

modernismo é um conceito informacional. É um conceito que dá conta do permanente, mas

não da mudança. É uma classificação pelo estilo do autor e pela forma. Aqui, a literatura vira

um conceito acidental.

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2 PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO

A Paulicéia Desvairada (1922) se abre com o “Prefácio Interessantíssimo” no qual o

poeta confessa: “Está fundado o Desvairismo”. O “Prefácio” é um texto teórico, muito bem

estruturado, que contém introdução, desenvolvimento e conclusão. Na introdução, notamos

que o poeta defende a obra:

Leitor: Está fundado o Desvairismo. * Este prefácio, apesar de interessante, inútil. * Alguns dados. Nem todos. Sem conclusão. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou. * Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo. * Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei. 19

O “Prefácio” apresenta o nome da sua teoria poética: Desvairismo (alucinar, discordar,

endoidecer), que significa um “ismo” novo. “Ismo” é um sinal de mudança, um conceito que

quer dá conta do real. Mas isso ainda não é arte. O poeta se coloca, então, como um eu que se

dirige a um tu. Depois, faz uma síntese a respeito da sua concepção sobre o processo de

criação artística. Esse processo se realiza por meio de três momentos: 1° sentir o impulso

lírico; 2° a escrita automática; 3° Pensar, para corrigir e justificar o que foi produzido. O poeta

lírico se entrega à inspiração. É um poetar que independe da vontade. Aqui estamos diante da

famosa concepção de inspiração, na qual o artista aniquila a si próprio para que no ato da

19 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.59-60.

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criação surja a obra. Depois, o poeta retoma o serviço de revisão. Mário termina com um

paradoxo e ambigüidade: “Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a/ blague, onde

principia a seriedade. Nem eu sei”. É um texto meio a sério e meio a brincar. Não seria uma

abertura poética? Até onde ela, de fato, se concretizou?

Então, surge a posição do poeta (que se considera passadista), mostrando seu vínculo

com valores culturais do passado. É uma posição na qual nota-se a história cronológica. A

visão dele se diferencia da dos futuristas europeus, que propunham a destruição absoluta do

passado. E num dado momento, ele declara:

E desculpe-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem.20

O poeta não está preocupado em se libertar de uma vez só “das teorias-avós que

bebeu”, pois não se sente aprisionado. Está dividido entre o velho e o novo. O “Prefácio

Interessantíssimo” negará ser adepto da corrente marinettiana e se defenderá: “Não sou

futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho/ pontos de contato com o futurismo. Oswald

de Andrade,/ chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha./ Sabia da existência do

artigo e deixei que saísse (...)” 21. O poeta ironiza o fundador do futurismo. O “Prefácio” é um

texto com parágrafos dispostos à maneira de estrofes e versos livres: teórico e elíptico na

formulação de várias questões, no qual notamos em muitos momentos apenas a sugestão. Ao

assumir o verso livre, está questionando o padrão rígido de composição. O “Prefácio” fala da

poética da obra de Mário de Andrade, que optou por um trabalho poético como libertação. É

uma poética que fala sobre o fazer poético formal. Os recursos técnicos não são apenas

explicados no texto, mas também utilizados na composição do mesmo. Mas isso ainda não é

20 Ibidem, p.60. 21 Ibidem, p.61.

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poesia, obra de arte. A obra de arte é tensão ambígua e paradoxal de fala e silêncio. Como

vimos, as formas estão baseadas na terceira interpretação do on enquanto matéria e forma.

Entendemos que quando Mário fala da obra, na realidade não está tratando da obra em si, mas

sim do utensílio - que é formado de matéria e forma. Somente quando a obra se torna técnica

e útil é que pode ser lida na tensão matéria e forma. A causa final precede a material e a

formal, pois dependendo da serventia se vai escolher a matéria ou a forma. Essa terceira

interpretação não é da coisa/obra, mas sim do utensílio. Todos os entes são vistos dessa

maneira, inclusive a obra de arte. Em Mário de Andrade pode-se ver que a coisa é constituída

de matéria e forma. Podemos observar a técnica dele, a sucessão de formas. A técnica aqui é

um conjunto de meios, procedimentos para se fazer poesia. Mas não há método, meio, que

possa dar conta da obra de arte, onde tudo é o silêncio de uma realização plena.

2.1 LIRISMO + ARTE = POESIA

Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido no

subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros,

sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada.

Entroncamento é sueto para os condenados da prisão alexandrina. Há porém raro exemplo dele neste livro.

Uso de cachimbo... *

A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a pertuba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a

doida carreira do estado lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia

e se fira (...). 22

De acordo com o “Prefácio”, o lirismo origina-se do subconsciente (do qual brota o

impulso para a criação). Antes do poema moderno, seguia-se um padrão rígido de

22 Ibidem, p.63.

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composição, obedecendo a rimas, ritmos e medidas estabelecidas. O texto propõe o abandono

do princípio da contagem silábica dos versos. Além disso, observamos que a poesia é o

resultado da soma entre o lirismo e a arte. A poesia é entendida como uma atividade guiada

pelos princípios do lirismo e da arte, como um fazer artístico enquanto técnica. Os princípios

técnicos que guiam a obra são externos a obra poética. Gostaríamos de destacar que, para

Lafetá 23, o objetivo do “Prefácio” não é apenas exibir os princípios técnicos, da nova poesia,

utilizados na realização dos poemas da Paulicéia Desvairada. Para ele, o ponto principal da

obra é mostrar que esses recursos não brotam da loucura; têm sua razão de ser. Somente as

mudanças de procedimentos não eram suficientes, precisava-se encontrar uma poética que

justificasse a ruptura com a linguagem passadista. Então para defender sua poesia, recorre à

explicação psicológica. Essa concepção sobre o processo de criação estaria impregnada de

referências à psicanálise:

Ribot disse algures que inspiração é telegrama cifrado transmitido pela atividade inconsciente à atividade consciente que o traduz. Essa atividade é que pode ser repartida entre poeta e leitor. Assim aquele que não escorcha e esmiuça friamente o momento lírico; e bondosamente concede ao leitor a glória de colaborar nos poemas. 24

Assim, o ponto mais polêmico deste texto está aí, na discussão da natureza psicológica

do lirismo que é enfatizado em detrimento da técnica:

Lirismo: estado efetivo sublime – vizinho da sublime loucura. Preocupação de métrica e de rima prejudica a naturalidade livre do lirismo objetivado. Por isso poetas sinceros confessam nunca ter escrito seus milhores versos. Rostand por exemplo: e, entre nós, mais ou menos, o sr. Amadeu Amaral. Tenho a felicidade de escrever

23 LAFETÁ,João Luiz. 1930: a critica e o modernismo. São Paulo:Duas Cidades, 1974. 24 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.72.

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meus milhores versos. Milhor do que isso não posso fazer. 25

Na obra, dá-se uma ênfase maior ao lirismo - concedendo-lhe quase uma total

liberdade - em detrimento da técnica, que vai ser prejudicada. Trabalha-se no “Prefácio” com

palavras que por si só evoquem noções que são construídas pelo leitor a partir de sua leitura.

Vemos fluir no texto (que está cheio de buracos) uma sintaxe poética. No decorrer do

“Prefácio”, vemos que a ênfase inicial sobre o lirismo serve apenas para defender uma nova

concepção técnica, que é o equilíbrio entre os dois termos da fórmula de Paul Dermeé

(Lirismo + Arte = Poesia). Destacamos que no “Prefácio” o lirismo e a técnica não têm nada a

ver com a poética da poiesis. A forma da poesia é estipulada pelas técnicas retóricas. Esse

texto fala da poética da obra de Mário de Andrade, poética essa que trata de um fazer poético

formal. Mário traz apenas mudanças de formas? A obra não consiste em seguir fórmulas. Isso

não diz o que é a obra de arte. Sabemos que, para a psicologia, a obra poética é entendida

como um organismo que é resultante das relações psíquicas em diversos níveis: consciente,

inconsciente e subconsciente, matéria e forma. E é isso que notamos no “Prefácio”. Quando

vemos a arte sendo explicada por meio de processos psíquicos estamos diante de conceitos

metafísicos, que têm como pressuposto a causalidade. Desse modo, apenas se silencia a arte e

a própria poesia. Mas tal poesia corresponde à expectativa de uma poesia de “ismos” para ser

classificada. Será que era só isso que Mário pretendia? Ele conseguiu ir de fato além?

25 Ibidem, p.72.

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2.2POÉTICA E MÚSICA

A música é a manifestação da physis como poiesis, logos e aletheia, onde a música originária só pode ser música na medida em que é o silêncio vigorando como música do sentido. 26

No “Prefácio Interessantíssimo” se desenvolve uma teoria literária na qual se pode ver

a poética, como disciplina:

Sei construir teorias engenhosas. Quer ver? A poética está muito mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitavada, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com rara exceção até os meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível. 27

Observamos, logo de início, que não estamos diante da poética enquanto essência do

agir, poiesis, ação, poético-ontológica. O que vimos acima são formas retóricas. Observamos

que o poeta vem estabelecendo as diferenças entre música e poética, enquanto disciplina. De

acordo com a visão tradicional, a poética teria como fim estabelecer as características da

criação poética; os princípios da poesia. Enquanto a retórica tratava da eficiência do discurso,

a poética discutia a respeito da beleza do mesmo. Entretanto, isso já está ultrapassado. A

poética, também, já significou conhecimentos práticos para preparar pessoas a escrever

composições líricas, épicas ou dramáticas. A poética antiga classificava cada gênero em

concordância com as características métricas. Mas acreditamos que a poética não é um

26 CASTRO, Manuel Antônio de. “Poiesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio, 7 letras, 2004, p. 72. 27 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.68.

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simples levantamento de recursos retóricos. Ela é o acontecer, como veremos mais adiante.

De acordo com Bosi (1994):

E o intenso amor à música, que acompanharia o poeta até a morte, ajuda-o a arrumar idéias sobre dois sistemas de compor: o melódico e o harmônico. Pelo primeiro, que teria vigorado até o Parnaso, o verso não passa de “arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível”; por ex., este verso de Bilac:

Mnezarete, a divina, a pálida Frinéia Comparece ante a austera e rígida assembléia Do Areópago supremo...

Pelo segundo, o verso organiza-se em “palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de não se seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepõem umas às outras, para a nossa sensação, formando, não mais melodias, mas harmonias”. O exemplo vem agora do próprio teorizador:

Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar,

Verso explicado como se cada termo isolado fosse um foco de

vibrações que repercutisse o termo contíguo, em acorde. Assim, em Paulicéia Desvairada, usam-se o verso melódico:

São Paulo é um palco de bailados russos,

O verso harmônico:

A cainçalha... A bolsa... As jogatinas...;

E a polifonia poética (um e às vezes dois e mesmo mais versos consecutivos):

A engrenagem trepida... A bruma neva. 28

Dessa forma, o verso melódico vigorou até o parnaso. O verso harmônico se constitui

em palavras sem ligação, que por si só evoquem noções que são construídas pelo leitor. O

poeta considera que a polifonia poética se institui na harmonia e não na melodia. A melodia

define a poesia tradicional com a qual o “Prefácio” quer romper. Há mudanças de forma. Mas

isso ainda não diz o que é a obra de arte. E segue dizendo:

28 BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994, p.348-349.

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Os gênios poéticos do passado conseguiram dar maior interesse ao verso melódico, não só criando-o mais belo, como fazendo-o mais variado, mais comotivo, mais imprevisto. Alguns mesmo conseguiram formar harmonias, por vezes ricas. Harmonias porém inconscientes, esporádicas. Provo inconsciência: Vitor Hugo, muita vez harmônico, exclamou depois de ouvir o quarteto do Rigoletto: “Façam que possa combinar simultaneamente várias frases e verão de que sou capaz”. Encontro anedota em Galli, Estética Musical. Se non é vero...

2° Há certas figuras de retórica em que podemos ver embrião da harmonia oral, como na lição das sinfonias de Pitágoras encontramos germe da harmonia musical. Antítese – genuína dissonância. E se tão apreciada é justo porque poetas como músicos, sempre sentiram o grande encanto da dissonância, de que fala G.Migot.

3° Comentário à frase de Hugo. Harmonia oral não se realiza, como a musical, nos sentidos, porque palavras não se fundem como sons, antes baralham-se tornam-se incompreensíveis. A realização da harmonia poética efetua-se na inteligência. A compreensão das artes do tempo nunca é imediata, mas mediata. Na arte do tempo coordenamos atos de memória consecutivos, que assimilamos num todo final. Este todo, resultante de estados de consciência sucessivos, dá a compreensão final, completa da música, poesia, dança terminada (...).29

A harmonia poética, ligada à ação do subconsciente, dá-se na inteligência. A obra de

arte consiste em seguir receitas, “ismos”? E a criação? São as obras que devem falar e não os

“ismos” e suas classificações. Isso ainda não é arte, que é o apropriar-se do que é próprio,

enquanto terra/ mundo/lugar/ sentido. A arte nunca se mostrará completamente. Sempre

haverá algo que não deixará suas possibilidades se esgotarem. Ela é enigma, questão. É fala

29 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.69-70.

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plena, portanto, é surda. A arte é eclosão de mundo. Ela gera a sabedoria, a aprendizagem.

Assim, gostaríamos de dizer que é de nosso conhecimento que a música e a poética não estão

dissociadas. Há uma identidade entre elas, que são artes irmãs e estão ligadas à linguagem. A

música desperta a dança. Ela encanta, abriga-nos. A música faz o homem caminhar para o seu

originário. Fala sempre em memória do ser. Ao lermos o “Prefácio”, começamos a pensar na

seguinte questão: o que é isto - a poética? Segundo Castro, em “A poética e as poéticas”, “os

poetas sempre falaram de Poéticas em suas obras. Mas desde Platão a verdade filosófica se

sobrepôs à verdade poética. E isto se deu pela interpretação metafísica do Logos, entendido

como linguagem lingüística” 30. Através dos conceitos filosóficos surgiram a poética

metafísica, a estética, os estilos de época, a crítica. As poéticas tradicionais – normativas –

enclausuraram de forma rigorosa o jogo filosófico que estava no pensamento original – grego

– de arte. Observamos que a Estética e a Teoria Literária são duas disciplinas que foram

originadas pela ciência nos séculos XVIII e XIX. Essas disciplinas buscavam substituí-la. A

palavra estética vem da filosofia, da cultura européia. A estética traz conceitos sobre poesia e

arte. Por meio do estético, a obra se torna um objeto de representação que desperta

sentimento, que comove. Conseqüentemente, ela é colocada em museus e se torna questão de

crítica e valor. Os escritores brasileiros procuraram e se apoiaram nesses conceitos europeus.

Entretanto, os poetas rejeitam essas denominações. A maior parte das faculdades fala em

estética e não em poética. Mas todos os poetas falam de poética em suas obras. As poéticas só

podem ser entendidas como mostrar do fenômeno histórico. As obras é que devem constituir

as poéticas e não os “ismos”, as classificações.

A palavra Poética vem do verbo grego poiein, que diz agir. A poética é o dizer que

dita a poesia; a fala da obra, que é o operar, e faz com que algo ecloda; é a disciplina da vida;

é um lugar. A instauração desse espaço-temporalidade permite ao poeta ser poeta. Os grandes

30 CASTRO, Manuel Antônio de. Online: disponível na internet via http: // www.travessiapoetica.com

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poetas fazem a obra, fazendo o ordinário eclodir no extraordinário, o saber no não-saber. O

dizer de uma poética é o dizer de um produzir. A poética é o criar, o fazer. No “Prefácio”

existe uma tensão, entre música e poética, que mostra que a segunda estaria atrasada em

relação à primeira. Mas que relação é esta entre música e poética? De acordo com Castro

(2004):

Contudo, como não pode haver poiesis sem logos, não pode haver silêncio e fala sem logos, ou seja, o logos nada mais é do que o sentido da poiesis vigorando no silêncio de toda fala. Mas uma tal fala poética enquanto logos e aletheia é a música. Por isso, toda poiesis originária é musical. Não esqueçamos que os poetas antes de serem nominados poetas se chamavam aoidoi, os que cantavam. A música é a manifestação da physis como poiesis, logos e aletheia, onde a música originária só pode ser música na medida em que é o silêncio vigorando como música do sentido. A música, toda música, toda poiesis, surge do silêncio, desvela-se como sentido da fala da linguagem musical no velar-se como silêncio originário do logos da physis. O logos é musical originariamente. 31

A música vigora como poiesis. E esta é portadora e manifestadora daquela. Quando a

poesia começa a falar, a música é memória (que constitui mundo). A música - que fala aos

seres humanos - se institui como memória. Compõe todo caminho para a memória como

origem. O que é isto - a memória? No sentido corrente, ela é geralmente entendida como

recordação ou como a lembrança de um fato que ocorreu no passado. A memória é também

tomada como um estudo historiográfico no qual o saber configura a sociedade em seu tempo.

Para pensarmos a respeito dessa questão, tomaremos a memória tal como era entendida pelos

gregos. Memória, vista a partir da Mnemosyne, vai muito além de uma capacidade

considerada pela psicologia de se preservar o passado. Memória não é a mera lembrança de

um fato passado distante e que se procura recuperar. A Mnemosine, a memória, é a mãe das

Musas. Entretanto, não é qualquer memória. É a memória do ser se doando enquanto tempo:

31 CASTRO, Manuel Antônio de. “Poiesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio, 7 letras, 2004, p. 72.

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O que é a memória? Esta é o cuidado da unidade, mas ela como cuidado não se reduz a conceitos nem a causas. Ela é o tempo como sentido, ou seja, póiesis. Por isso no mito, a memória vai ser a que foi, é e será. No entanto, esta é a própria realidade enquanto real das realizações. O fim aí é o princípio, na medida em que o princípio já é o fim, ou seja, o tempo circular. Na realidade, princípio e fim, e fim e princípio são o mesmo, mas não são a mesma coisa. 32

Usualmente se usa uma compreensão de tempo como uma duração cronológica, como

início, decorrer e término. É uma noção de tempo finito. Entretanto, há outras formas de

temporalidade. O tempo que se temporaliza é aquele que se recusa a ser reduzido a um

instrumento de medição. É uma presença fundadora. O tempo humano não é lógico, não tem

nada a ver com relógio (que é medição). É concreto em si mesmo. O tempo fica, permanece,

não morre e não se gasta nunca. É uma dinamicidade enorme. Cada um tem o seu. Mas ele

tem de ser incorporado à existência humana para adquirir sentido. Toda obra instaura tempo,

fazendo-o. Memória e verdade é a obra-de-arte. Nenhuma linguagem é sem a memória –

aquilo que foi, é e será; é, portanto, tornar presente; é a dinâmica da presentificação. O poeta é

aquele que cultiva a memória. Não há recordação sem que se tenha um princípio. Por isso, a

compreensão do que seja a memória implica algo que tenha início. A memória só pode eclodir

como linguagem poética. Ela vigorando é proximidade. O que nós conhecemos como

memória é sempre identificado com o passado, mas isso é um grande equívoco, pois se é

memória não pode ser passado. A memória é algo vivo. É a fonte (que nunca se exaure) do

que se mostra e se retrai. É toda cultura que se herda dos tempos primitivos. Faz-nos sentir o

gosto e o cheiro novamente. É algo mais profundo que não vai embora. Não é possível sem o

esquecimento, que não some, estando dentro de nós. Sem ele, ela não vige. Memória não é

qualquer pensar. É concentração de pensamento da lembrança, que vale pensar. É a fonte da

32 CASTRO, Manuel Antônio de. Ação e função. Online: disponível na Internet via http://travessiapoetica.com

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poesia. Memória é muito mais que um amontoado de acontecimento ocorrido. É aquilo que

vale ser lembrado. Para Aguiar (2004):

O real manifesta não a memória do tempo, mas o tempo da memória. A memória conjunta todo e qualquer tempo. A memória é a música do real. Em seu silêncio originário soam as res-sonâncias do que é, do que foi e do que será. A música é o tempo da memória feito ato, o tempo para-doxal (...). 33 Nas tensões, re-tensões e dis-tensões do círculo da memória, a música musica a poética do sentido. Todo sentido só é sentido na medida e na proporção da produção do poético que a música realiza no círculo da memória, no percurso ontopoiético de seu entorno. Se se quiser apreendê-lo, ele se retrai. Se se quiser defini-lo, ele se esvai. Pois, o sentido poético se manifesta na medida em que se retrai, presentifica na medida em que se esvai. É que na vertigem da memória a música anuncia o sentido da memória mesma em seu entorno mais intimo, sua união essencial com o esquecimento (...). 34

A música é ela própria. Ao se mostrar, estabelece sentido. Não permite qualquer tipo

de formulação predicativa. O seu sentido é dado pela memória. O sentido enquanto sentido

estabelece um saber/conhecimento. Ele não é um conceito, mas sim questão. Sentido é a

poiesis, ação. Ele é a apreensão da música enquanto música. É a fala, a linguagem, a arte. A

memória faz acontecer o que é recordação. Ela instaura a possibilidade permanente de haver

cosmos. Não é uma mera lembrança. A memória é originária e se desdobra ao mesmo tempo

em presente, passado e futuro. Memória é fazer brotar o que é. Ela é recuperação. A memória

e a música falam aos seres humanos. A música não é simbólica. É realidade realizando. Toda

música surge do silêncio, para se mostrar, e termina nele. Há a dinâmica de som e silêncio. A

música fala aos nossos corações. A nós dá-se a possibilidade de escutá-la. Ela nos puxa. Ela

fala e não o compositor. A música é o vigor criador. É força de Eros. Ela é um desvelar

constante, realizando a experienciação da verdade. Penetra qualquer forma artística. É a

realidade se manifestando. Vale lembrar ainda que a pausa é falta de som e não silêncio.

33 AGUIAR, Werner. “Música e hermenêutica no horizonte do mito”. In: A construção poética do real. Rio, 7 letras, 2004, p.166. 34 Ibidem, p.167.

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Silêncio é excessividade de sentido, uma forma de dizer algo. A música é uma tentativa de

dizer o silêncio, já que a obra se faz dele. É o philei (entre; apropriar-se paradoxal que quanto

mais se dá mais se guarda; amar, realização da plenitude da autopoiese; logos enquanto

apropriar-se do que é próprio) que se encaminha para o kriptestai (nada excessivo; velar-se) e

para a physis (excessividade poética; philei contínuo, inesgotável). Ainda para Aguiar (2004):

Na música se dá a ruptura da dominação da palavra como terminologia para articular o ser como um dizer indizível, mas pleno de sentido. O que na música se dá como música é a recusa da reivindicação da coisa pela palavra. Desse modo, toda palavra é musical na medida em que renunciar ao caráter representacional da coisa. Por isso, na música se primordializa a saga da palavra como ressonância do ser. 35

A música eclode como som, mas tende para o silêncio (a não-fala), para o seu

originário. O silêncio é que a deixa aparecer. Na memória se instala o movimento de som e

silêncio. A música é a portadora de uma mensagem que se mostra como a manifestação total

da unidade. A música se junta à palavra, à força desta. Cada palavra é uma concentração de

questões, é mistério. Palavra é composta etimologicamente pelo prefixo grego pará (entre) e

do radical ballo (jogar, pôr). Ela é a parte integrante da coisa (real). A palavra em si não é

verdadeira nem falsa; é ser. Tem de ser vista na dinâmica da obra que opera. Por ser dinâmica,

não tem como se estabelecer um padrão. Apresenta e torna presente no momento em que ela

nomeia. A palavra é o vigor do entre. Não é nome e nem substância, e nem o que está escrito.

Ela é uma forma manifestativa. A palavra do poeta fala ao ser humano. As palavras mudam,

ou melhor, são ambíguas. Os latinos eram juristas e não pensadores. Eles pegaram as palavras

gregas e as deixaram sem chão, sem a experiência originária do que elas anunciam. Sabemos

que Parmênides trabalhava a palavra enquanto questão. Platão, Aristóteles e Kant se voltaram

para o “on” como questão em tensão com os conceitos.

35 Ibidem, p.165.

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Na palavra, a verdade consiste no entre enquanto velamento e desvelamento. O

dicionário, que é geralmente conhecido como um livro que contém palavras de uma língua em

ordem alfabética, dá a elas um aspecto formal. Mas as palavras têm de ser libertas. Elas

evocam caminhos, realidades. Despertam melodias dentro de nós. A palavra tem um poder

nomeador do real. Para fazer tal nomeação, está ligada ao som. De acordo com Aguiar (2004),

“o som é o elemento que se apresenta numa pré-abertura do homem ao sentido. Antes de

qualquer significação, o som se apresenta como o elemento primevo do sentido”. O que o

ouvinte ouve da música é o som na medida em que é sentido. Na tradição ocidental, o som

acabou sendo substituído pelo suporte da escrita. Mas o som não é, por exemplo, uma emissão

de voz. Também não é ele que estabelece sentido. Ao contrário, é a partir do sentido que o

som se manifesta. Toda palavra é musical. Todavia, a ausência da palavra não representa a

inexistência da linguagem, já que esta não se resume a um mero léxico. A linguagem recolhe

em unidade caos (separa, afasta) e cosmos (junta, une). A palavra-símbolo tem um significado

etimológico, reunindo o que geralmente está separado. A força dela está no seu radical. Cada

palavra na poesia é insubstituível, intocável. São as palavras que devem falar. E nós devemos

deixá-las nos envolver. Temos de reviver as palavras no seu vigor poético. Acrescentamos

ainda que, a verdade da música é aquilo que como som manifesta o silêncio. Toda obra se

funda na verdade, na manifestação da não verdade. Nem toda música é música manifestadora

do real. Mas todas as músicas são verdadeiras. Acreditamos que a música não se limita a

técnicas de composição. Não se trata de um saber fazer algo. A pauta também não é a música,

mas uma representação. A música é uma fala da linguagem que escutamos, só podendo

acontecer enquanto aprendizagem. Com sua musicalidade, percebe-se música. Qualquer

poema que tiver essa força é música. A música aparece em sua plenitude, mas tende para o

velamento.

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Retornando ao texto de Mário de Andrade, quando fala (nas citações) da música, nos

perguntamos: Até onde ele apreende o que há de mais essencial na música? Mário teoriza

sobre a música e a poética. E como ele mesmo diz: “A poética está muito mais atrasada que a/

música. Esta abandonou, talvez mesmo antes/do século 8, o regime da melodia quando

muito/oitavada, para enriquecer-se com os infinitos/recursos da harmonia”(...) (1987, p.68). A

música e a poética são mostradas no texto enquanto disciplinas, paradigmas, por meio de

formas retóricas, e não são apreendidas, no “Prefácio”, no que elas têm de mais essencial.

Mário estabeleceu a diferença entre elas. Porém acreditamos que há uma identidade entre a

música e a poética, que são artes irmãs.

2.3 RETÓRICA

No decorrer do “Prefácio Interessantíssimo”, há o desenvolvimento de uma teoria

literária na qual notamos elementos da retórica: a questão da métrica (“Nesta questão de/

metros não sou aliado; sou como a Argentina:/ enriqueço-me” 36), da ordem (“ Sobre a

ordem? – Repugna-me, com efeito, o que / Musset chamou:/ ‘‘L’ art de servir à point un

dénoument bien cuit’” 37), liberdade expressiva (“ Minhas reinvindicações? Liberdade. Uso

dela;/ não abuso. Sei embriadá-la nas minhas verdades/ filosóficas e religiosas” 38), rima

(muito importante para a musicalidade) e a língua. A poesia é caracterizada por recursos

expressivos como musicalidade, ritmo. A rima será utilizada segundo a necessidade de

expressão do poeta. O texto teoriza sobre elementos que estão ligados à composição formal da

poesia, propondo novas formas. Dessa maneira, para entendermos essa leitura da poesia

através da retórica (literária), queremos, primeiramente, refletir a respeito do que seja a

retórica, para isso faremos uma viagem sobre sua origem e sua influência. 36ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.66. 37 Ibidem, p.66. 38 Ibidem, p.67.

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2.3.1 OS SOFISTAS COMO MESTRES DA RETÓRICA

Nas culturas ágrafas, a poesia sempre foi o foco dos povos. Ela era oral. As

comunidades se reuniam ao redor do poeta para ouvi-lo. Hesíodo e Homero foram dois

grandes poetas da Grécia antiga. Através de Platão, sabemos que Homero foi um educador

cuja influência foi além da Hélade. Fala-se muito na cultura homérica. Os poetas, da Grécia,

trouxeram uma nova forma de se ver o mundo, valores e ideais. Essa visão foi transmitida

oralmente de geração em geração. Os aedos também influenciaram essa educação, divulgando

os aspectos artísticos. No século V a.c, com Péricles, a Grécia passou por diversas mudanças.

Ocorreu, então, um florescimento filosófico e cultural. Nesse panorama surgiram os sofistas,

já que a cultura oral não era mais suficiente.

Os sofistas são os mestres da retórica, homens cultos, da Grécia do século V a.C. São

os primeiros profissionais da educação do Ocidente. Eram caracterizados por Platão como

falsos sábios. Para estes, não existia uma tensão referencial entre o logos e a physis, mas sim

um afastamento. Segundo Castro, em “A poética e as poéticas”:

A interpretação do Logos como linguagem instrumental se iniciou com os sofistas ao separarem a Physis do Logos. Para eles a linguagem é uma convenção (nomos) política (da Polis). Sendo convenção, o que define a linguagem é o seu fim (telos) e este muda de acordo com os interesses não só de quem a usa como também em favor de quem se usa. Ela deixa de ser o vigor de manifestação da verdade como era para os poetas e pensadores e passa a ser meramente funcional, não sendo portadora de nenhuma verdade. Essa interpretação do Logos pelos sofistas gerou uma crise ética no jogo de poder da Polis, pois não mais havia um princípio de verdade e tudo ficava ao sabor do poder de persuasão através da linguagem, tornada instrumento de poder e barganha. Em reação a esta situação, surgiu o ensinamento de Sócrates que afirma a correlação da Linguagem com a verdade, através da pro-cura da sua essência (identidade)... A partir desses ensinamentos, Platão, seu mais famoso discípulo, interpretou o Logos como idéia, ou fundamento essencial (..). 39

39 CASTRO, Manuel Antônio de. Online: disponível na internet via http: // www.travessiapoetica.com.

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Desse modo, quando os sofistas ficaram sabendo do surgimento da democracia, foram

oferecer seus conhecimentos. Cobravam para ensinar, para transmitir seus conhecimentos

técnicos de retórica às pessoas da alta sociedade. Estavam preocupados com o lucro. Eles

recusaram a idéia de que a linguagem pudesse estabelecer uma verdade (aletheia) – como era

para os pensadores e poetas. A linguagem se torna uma convenção política; um mecanismo de

persuasão.

O método dos sofistas é a erística - arte de pergunta e resposta. Eles ensinavam os que

queriam persuadir as multidões. Treinavam os alunos a dizer sim ou não, fazendo perguntas

formais somente para reafirmar o que já se sabia; com o raciocínio lógico. Os retóricos

ensinavam, ao mesmo tempo, como acusar ou defender com maior eficiência. Na mão deles a

palavra se tornou uma arma capaz de assegurar o poder. Elas perderam seu vigor poético se

convertendo numa fonte de convencimento. Os sofistas entraram em conflito com Sócrates,

que tinha a concepção de que o saber não deveria ser alienado. Sócrates se rebelou contra

eles. Dessa forma, citaremos uma obra de Platão que faz referência aos sofistas. N’A

República, Platão nos traz a república ideal que deve ser liderada por sábios, que eram os

filósofos, e não pelos sofistas. No mito da caverna, que se encontra nessa obra, vemos que o

homem precisa sair da sombra para atingir a luz do sol e alcançar o conhecimento verdadeiro

das coisas. A verdadeira sabedoria será alcançada por aquele que alcançar a verdade absoluta.

O homem se desprenderá das correntes:

E por que se desprender? Porque pro-cura o que já é. Caminha o caminho do ser. (...) Ultrapassa o mundo das sombras e adentra a clareira e começa a ver o que cada um é na e pela luz do sol. Nessa luz pode até ver a noite estrelada. E aí vem a experienciação do extraordinário: ele só não pode olhar o que não pode ser olhado, fonte de todo ver e luz: o sol. (...) Este volta à caverna para anunciar a verdade que ele viu: o eidos dos entes por debaixo e além do sensível e aparente como sombras. Ele vem anunciar a boa-nova: o eidos/idéia como verdade do ente. Mas o que devia, de fato e

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realmente enunciar e proclamar, ele cala, oculta e esquece: a não-verdade dessa verdade (...). 40

Vemos a questão da verdade. Aqui há uma tensão entre desvelamento e velamento.

Este é o que foi esquecido, silenciado. No lugar da aletheia, o pensador colocou a orthotes, na

qual só há verdade quando se estabelece uma correta adequação. Platão vai pensar a eidos que

vai sustentar a fala e a escuta do homem, mergulhando na questão do diálogo. Para ele, o que

permanece é a eidos, ou seja, o que se mostra para ser visto, mas mudando. O permanente está

na visão. O que permanece no fluxo das mudanças? O permanente pode ser tomado de dois

modos: a) como conceito, enquanto apropriação racional, historiografia; b) enquanto algo

poético (mítico), como acontecer apropriante, ou seja, história, que é algo em construção.

Platão pensou a eidos no horizonte do nous e do logos – que reúne o que se põe, que se

manifesta e que se vela. Assim, temos um modelo que é o modelo de todos os modelos, que

se tornou hegemônico na civilização européia. O discurso metafísico tem aversão ao

diferente, já a poesia não. A vertente poética quer recuperar tudo que se perdeu. Nessa mesma

obra, Platão expulsou os poetas, pois, para ele, não tinham o pensamento instituído na pólis. A

sua filosofia surgiu no momento de crise da polis. Denunciou que aquilo que se via na sua

época não era poesia. Gostaríamos, agora, de fazer uma citação da obra Fedro. Nela, Platão,

traz uma discussão sobre a arte retórica, mostrando-nos um modelo de educação que se opõe à

dos retóricos como Lísias. Fedro surge entusiasmado com o discurso de Lísias, um logógrafo,

mestre da retórica. Sócrates é convidado por Fedro para ouvir esse discurso que é cheio de

artificialismos característicos dos discursos dos logógrafos. Sócrates vai provar a Fedro que a

arte retórica de Lísias não é propriamente uma arte, não apresentando características de um

discurso realmente belo e verdadeiro, servindo apenas para ludibriar. Essa argumentação é

sofística, pois não dialoga com a realidade realizando-se. Para Sócrates, a verdadeira retórica

40 CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2004, p.25.

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é aquela arte da dialética. Assim, a retórica, prática dos sofistas, vem do grego rhetoriké, arte

retórica. Essa palavra tem sido entendida como retórica, enquanto arte da eloqüência, e

também como modalidade do discurso aplicável às várias disciplinas. Retórica é a arte de

convencer nas disputas verbais; a arte do bem falar em público, argumentar. Rhethor é o

orador, o retórico. De acordo com Castro (2004):

O legein que origina o logos é o dizer enquanto reunir do propor e pôr adiante. Mas já para o dizer ligado aos deuses, o dizer sagrado, os gregos têm duas palavras que se originam da mesma raiz indo-européia wer ou wre. São elas: Hermes e eiro. Hermes é a imagem-questão mítica da fala do sagrado aos mortais (...). Contudo, a gramática grega nomeia a ação do dizer não como Hermes, mas como eiro. Diz P. Chantraine, a raiz deste verbo tem um sentido jurídico, religioso e solene. Implica, portanto, um dizer ligado à força e ação divinas, um proclamar o que é próprio dos deuses. Estes, como tais, indicam forças da vida, em grego, dzóe. De eiro se forma rhema, que diz: palavra de ordem, fórmula, frase ou proposição (...). (...) Os sofistas, para fins políticos, financeiros e práticos, desenvolveram a retórica, a gramática e a erística. Tinham como finalidade o bom uso do logos para convencer (peithó), implicando, portanto, o uso da linguagem como raciocínio e clareza de idéias (...). 41

A retórica utiliza a fala para dizer a verdade enquanto peithó, ou seja, convencer. Ela

está ligada ao logos que está, nesse contexto, a serviço da oratória. O logos é entendido como

língua ou estrutura gramatical. Sabemos que o Ocidente descartou a sintaxe poética. Com

isso, dominou o conceito de língua como código. A retórica, o logos e a gramática se

tornaram uma técnica que se utiliza para manipular e reduzem a linguagem a um meio

comunicativo, tendo um significado funcional e instrumental. A retórica veio influenciar, em

sua trajetória, na vida do homem ocidental. Ela prevaleceu na política. Além disso, se afastou

da filosofia e se transformou em algo que tem a ver com os estudos literários. A literatura

(littera) acabou sendo confundida com a gramática e a retórica, que ocupou o lugar daquela,

fazendo uso dos recursos retóricos. As obras de arte acabaram sendo classificadas através de

41 CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2004, p.14-15.

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características retórico-formais. Elas são estudadas dessa maneira. A retórica tem como fim a

persuasão. Sua finalidade é o envolvimento emocional, provocando o belo e o agradável no

ouvinte/ leitor. Dessa forma, se espera que toda obra tenha uma mensagem. Surgiu a

possibilidade de se interpretar a obra de arte como algo que transmite valores, mensagens,

conceitos verdadeiros. As obras são definidas em estilos de épocas, numa seqüência

cronológica e historiográfica. A conjuntura histórico-autoral, então, prevalecerá. Retomando o

“Prefácio Interessantíssimo”, ressaltamos que nele há elementos da retórica: a questão da

métrica, da ordem, da liberdade expressiva, da rima e da língua. No texto há ritmo livre no

qual cada verso demonstra total espontaneidade. O texto teoriza sobre elementos que estão

ligados à composição formal da poesia, propondo novas formas. Mesmo trazendo

modificações nessas formas de se compor, Mário de Andrade não deixa de apresentar técnicas

retóricas, argumentativas para persuadir o leitor. O poético é reduzido a um jogo retórico.

2.4 A GRAMÁTICA TRANSFORMA A LINGUAGEM EM LÍNGUA INSTRUMENTAL

A palavra gramática vem do verbo grego grafein e significa escrever. Ela não existe

sem as grandes obras. Segundo o “Prefácio Interessantíssimo”:

A gramática apareceu depois de organizadas as línguas. Acontece que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas, nem de línguas organizadas. E como Dom lirismo é contrabandista... * Você perceberá com facilidade que si na minha poesia a gramática às vezes é desprezada, graves insultos não sofre neste prefácio interessantíssimo. Prefácio: rojão do meu eu superior. Versos: paisagem do meu eu profundo. * Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado,

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dá-me uma ortografia. 42

O “Prefácio” reconhece que as línguas são anteriores à gramática. Não traz grandes

críticas a ela. A obra diz: “Versos: paisagem do meu eu profundo”. Isso é sentimento,

intuição, pathos. O poeta é tomado pela intuição. Pathos é uma palavra grega que indica algo

de muito profundo. Dela se formam paixão, empatia, simpatia, compaixão, antipatia. É algo

arrebatador, daí paixão mortal. Está ligado a afeto, a afetar, a eros e amor. Para o grego, o

taumadzein era um pathos, um ser tomado pela admiração e espanto do mistério, da physis. O

espanto é algo que não é externo. É pathos, que nos envolve de maneira radical. Com relação

à nossa língua, o “Prefácio” mostra que: “A língua brasileira é das mais ricas e sonoras/ E

possui o admirabilíssimo ‘ão’” 43. Mário grafa, em vários momentos, a ortografia de tal modo

que corresponda ao sotaque brasileiro. Por várias vezes utiliza “milhor” no lugar de melhor,

“si” em vez de “se”. Dessa forma, Mário se mostra um nacionalista. A Escrava que não é

Isaura, com relação à gramática, mostra que:

(...) A gramática existe. A gramática é scientífica, suas conclusões são verdadeiras, psicológicas. A própria sintaxe não pode ser destruída sinão em parte.

Existirão eternamente sujeito e predicado. O que alguns abandonaram é o preconceito de uma construção

fraseológica fundada na observação do passado em proveito de uma construção muito mais larga, muito mais enérgica, sugestiva, rápida e simples.

Certas licenças antigas são hoje de uso cotidiano. A frase elíptica reina. Pululam os verbos, adjetivos, advérbios tomados como substantivos. Acontece que o substantivo ás vezes é adjetivo... 44

Na “Escrava” vemos a interpretação da linguagem sob a forma de gramática, que

trabalha com conceitos enquanto conhecimento que representam os entes. Dessa forma, a

42 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.73-74. 43 Ibidem, p.67. 44 ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.59

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linguagem fica silenciada. O logos, no texto, é entendido como estrutura gramatical. A

gramática nos ensina que todas as sentenças são compostas de sujeito e predicado. A

“Escrava” compactua com essa idéia dizendo: “Existirão eternamente sujeito e predicado”.

Vemos a primeira interpretação do “on” numa leitura metafísico-epistêmica e retórica. Todas

as disciplinas têm como fundamento a epistemologia, que é uma doação da realidade que

parte de uma visão. É uma decisão sobre o lugar da realidade. Mário não se desprende da

gramática, mas de uma certa gramática e no lugar propõe outra. Ele não pensa a tensão língua/

linguagem, que é onde acontece a arte. Vamos agora refletir a respeito do que seja a

gramática, fazendo um caminho pela sua origem e influência. Como já vimos, a gramática foi

desenvolvida pelos sofistas, que tinham como objetivo o bom uso do logos para convencer.

Ela veio para estudar a língua escrita, que é uma abstração. O logos foi interpretado como

linguagem instrumental. A linguagem, assim, deixou de ser o vigor de manifestação da

verdade. Sabemos que a gramática é montada em cima da primeira interpretação da coisa:

hypokeimenon/symbebekota, sujeito/ predicado. Toda sintaxe gramatical é estruturada nessa

noção de sujeito e predicado. Essa é uma visão conceitual. Aqui não se leva em consideração

que cada ente tem características que o outro não tem. Além disso, é de nosso conhecimento

que existem três sintaxes (ordenamento): a poética, a retórica e a gramatical. Só se pode ter

ordenamento criativo enquanto poiesis. A gramática trabalha com conceitos historiográficos

(causal, lógico) e metafísicos, matando a poesia. E como diz Guimarães Rosa: “A gramática e

a chamada filologia ciência lingüística, foram inventadas pelos inimigos da poesia” 45. Para

Castro (2004):

Ocorre que a palavra latina verbum, usada pelos gramáticos, traduz a palavra grega Rhema, de onde formou-se retórica, o uso técnico do discurso. Verbo e discurso são a mesma coisa, traduzem o verbo grego eiro, do qual se formou Rhema (...) Como se pode, pois, separar na oração

45 “Diálogo com Guimarães Rosa”. In: Guimarães Rosa. Fortuna Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p.71.

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o verbo do substantivo, tomando este o lugar do verbo como tal? Podemos notar que isso não se dá na retórica. Ela se centraliza no verbo/ rhema como discurso... Como se pode, então, separar na oração verbo e substantivo? (Palavra em grego é onoma). E pior, o substantivo se tornando sujeito e o verbo ser/physis ficar reduzido a mero verbo de ligação, em relação aos predicativos. Este passo e sua compreensão são decisivos na metafísica para constituição do sujeito como hoje se entende em geral na tradição ocidental. Então passamos a ter to on/o ente como substantivo, e on como particípio presente do verbo einai, sendo, o on verbal. Mas na medida em que há a separação, o substantivo passa a sujeito e o verbo einai como tal a operar a simples ligação (...). 46

O discurso é estudado por meio de quatro disciplinas: a gramática, a dialética, a lógica

e a retórica. Elas reduzem o logos à proposição, como veremos mais adiante. Mas o discurso

sem a palavra (manifestação) não faz sentido. Eles não estão dissociados. A palavra enquanto

poiesis carrega consigo o sentido daquilo que é; dá sentido ao discurso. Com a gramática e a

metafísica, silenciou-se a poiesis como essência do agir, que será concedida ao sujeito

gramatical e metafísico. A metafísica descarta a poiesis, voltando-se para o conhecimento

como techné. Assim, a gramática é uma reflexão metafísica a respeito da linguagem em

referência ao ser. Sabemos que a gramática - que está ligada à retórica – transforma a

linguagem em língua instrumental. Naquela, a letra, que é representação, é a abstração da

linguagem, do ser, da memória. A gramática trabalha com conceitos fechados, com

abstrações. Nela a linguagem fica silenciada, tornando-se mero instrumento de enunciado e

enunciação. Tomando, como exemplo, o verso “O poeta é um fingidor” (de Fernando Pessoa),

veremos que para ela o verbo ser seria um verbo de ligação. Mas, inicialmente, para os

gregos, o verbo ser é o on, o núcleo daquilo que é, o verbo de todos os verbos. O on é o

sendo, o que está acontecendo. O verbo ser diz a nossa identidade. Quando o sendo foi

deslocado do verbo para a proposição, a ação foi para o sujeito. A gramática (metafísica da

linguagem) ao apresentar o verbo ser como mero verbo de ligação comete uma grande

46 CASTRO, Manuel Antônio de. “Poiesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio, 7 letras, 2004, p. 39-40.

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simplificação e uma compreensão equivocada. Hoje, a gramática, e seu próprio ensino,

reproduzem o ensino dos sofistas. A língua, por sua vez, é geralmente entendida como um

código abstrato, como exemplo: a língua portuguesa da gramática. Na atualidade, a língua tem

de ser um instrumento do saber, instrumento para tudo. No ensino da língua portuguesa se

busca adestrar os alunos, mostrando a língua eficiente.

Vimos que Mário não se desprende da gramática, mas sim de uma certa gramática,

propondo outra. Nos textos, ela não deixa de ser uma técnica que é utilizada para se

convencer, reduzindo a linguagem a um meio de comunicação. O “Prefácio” quer palavras em

liberdade e neologismos. Mas não adianta fazer uma mudança na grafia de palavras, por

exemplo, utilizando-se “milhor” no lugar de melhor. O que ocorre nesse caso é apenas uma

mudança de forma que não diz nada. Na “Escrava” observamos que a visão sobre gramática

está baseada na interpretação da coisa/ obra como reunião do enunciado e da enunciação, ou

seja, proposição. Esta na gramática se chama oração, que funda a sintaxe. A gramática é uma

reflexão metafísica com relação à linguagem. Nela a linguagem é transformada em língua

instrumental. A linguagem, como mãe de todas as línguas, não tem consciência de sua

estrutura, gramática, ou seja, tudo o que é tematizado pela ciência da linguagem. Ela tem de

ser libertada da gramática para a gramática da liberdade, a criação poética. Além disso, a

concepção de gramática de Mário de Andrade silencia a poiesis como essência do agir, que é

concedida ao sujeito gramatical. Mário como criador pega a língua que se fala. Já Guimarães

Rosa, como pensador, reinventa a língua pegando toda a dinâmica dela. Pega as palavras em

seu vigor poético. Acreditamos que a gramática vive da poesia, que é a origem de toda

gramática e de todas as gramáticas. Mário optou pela gramática e pelos Estilos de época, o

formalismo. Até onde isso tudo ainda é “blague”? A obra de Mário é maior do que os estilos e

a gramática? É uma questão.

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2.5 BELO DA ARTE

Aparece no “Prefácio Interessantíssimo” o conceito tradicional do belo que foi

produzido no mundo das idéias do platonismo. Aqui, o belo será cada vez mais artístico

quanto mais se afastar do belo natural:

Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue reproduzir natureza, nem este é seu fim. Todos os grandes artistas, ora consciente (Rafael das Madonas, Rodin do Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Brás Cubas), ora inconscientemente (a grande Maioria) foram deformadores da natureza. Donde infiroo que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que quiserem. Pouco me importa. 47

O “Prefácio” refuta a mímesis do real. Mário de Andrade parte de uma separação entre

arte e natureza. Traz uma visão ingênua de physis. O texto nos remete para a possibilidade de

interpretação da arte como o acontecer de algo com a intervenção do trabalho do homem. Ele

também nos remete para a interpretação da natureza como o acontecer de algo por si mesmo,

sem a ação do homem. Dessa forma, há uma diferença enorme entre a arte e a natureza. É

como se a arte não fosse natureza e vice-versa. Mas o que é isto – a arte? O que é a natureza?

A arte é inaugural. Ela opera e nos propõe questões. Não queremos trazer mais um conceito a

respeito dela, fazendo com se torne um objeto. Queremos olhá-la deixando que aconteça.

Natureza vem de natura, latim, tradução da palavra grega physis – do verbo phyo -, que diz

nascer, aparecer. A physis é ambígua: quanto mais se mostra mais se retrai. Para Emmanuel

47 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.64-65.

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Carneiro Leão, no texto “Aristóteles e as questões da arte” 48, a atividade característica da arte

seria a imitação da natureza. O verbo mimeitai é normalmente traduzido como imitar (copiar).

Entretanto, vale lembrar que Aristóteles não usa esse verbo nesse sentido. Emmanuel faz uma

crítica radical ao entendimento da mimesis como imitação, mostrando o oposto do que Mário

diz no “Prefácio”. Isso muda tudo. São dois Aristóteles completamente diferentes. Mimeitai é

o verbo característico da arte. Imitação não se limita à cópia ou réplica. “Por isso, a imitação

da arte é para Aristóteles uma criação, dádiva da realidade de um novo modo de realidade do

real, um modo surpreendente, desconhecido, não repetido” 49. Imitar a natureza é trazer uma

originalidade que os processos da natureza não podem realizar. Há um dualismo entre ser e

não ser. Assim, a arte é e não é natureza. Mas é na natureza que a arte transcende a natureza.

Que a natureza se transcenda e plenifique em-si-mesma. O agir é dá natureza/ physis. A arte

leva à plenitude tudo aquilo que a natureza não consegue atingir; é uma trajetória para a

realidade. A obra de arte não pode ser repetida, é única e inaugural. Na obra Poética de

Aristóteles, notamos toda uma discussão que na realidade não é sobre a poética, mas sim a

respeito da técnica. A arte é entendida enquanto um conhecimento técnico. Partindo de obras

já existentes, como A Ilíada e Édipo Rei, por exemplo, Aristóteles apresenta uma visão de

poesia na qual a verdade filosófica se sobrepõe à poética. Fala que a poesia tem um fim

(telos), estudar, permanecer no universal. Ele não refuta a mímesis do real. Ivo Lucchesi

(2005) fala a respeito de Aristóteles que:

O autor de “A poética”... tratou de analisar as constituições internas da obra, a partir da relação entre arte e natureza. Aristóteles retoma o conceito de mímesis, retirando-lhe o aprisionamento que Platão lhe conferira, ou seja, mímesis como imitação do efeito de verdade. Para tanto, Aristóteles liberta a arte do compromisso com a verdade do real, consignando-lhe o sentido de “verossilhança”, cuja

48 LEÃO, Emmanuel Carneiro “Aristóteles e as questões da arte”. In: A arte em questão: as questões da arte.

Rio, 7 letras, 2005. 49 Ibidem, p.116.

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“verdade” deve ser da obra, além de formular as conexões estruturais e formais com que as diferentes modalidades estéticas à época, se expressavam. Deste desafio proveio o vigoroso pensar, fixando, como legado, a iniciativa pioneira para a tentativa de nomear, classificar e conceituar os gêneros nas suas particularidades. Este passo à frente possibilitou que Aristóteles firmasse uma espécie de “gramaticalização” da obra de arte. 50

Emmanuel não concorda com isto que foi dito. Nessa citação que trouxemos de

Lucchesi vimos a leitura metafísica que se faz de Aristóteles. Como percebemos, Emmanuel

nos fala de outro Aristóteles como já pudemos ver. A Escrava que não é Isaura falando sobre

a questão do belo destaca:

(...) Nenhuma das grandes obras do passado teve realmente como fim a beleza. Ha sempre uma idea, acrescentarei: mais vital que dirige a criação das obras-primas. O próprio Mozart que para mim de todos os artistas de todas as artes foi quem milhor realizou a beleza insulada, sujeitou-a á expressão. Apenas pensava que esta não devia ser tão enérgica a ponto de “repugnar pelo realismo”. O que fez imaginar que éramos, os modernizantes, uns degenerados, amadores da feialdade foi simplesmente um erro tolo de unilateralização da beleza. Até os princípios deste século principalmente entre os espectadores acreditou-se que o belo da arte era o mesmo belo da natureza. Creio que não é. O belo artístico é uma criação humana, independente do belo natural; e somente agora é que se liberta da geminação obrigatória a que sujeitou a humana estultície (...). 51

Vemos na “Escrava” que o belo artístico, mutável, é uma criação humana e independe

da natureza. Deixa-se claro que arte e natureza são coisas diferentes, estabelecendo uma

crítica ao conceito de mimese. Ao mostrar que “O belo artístico é uma criação humana,

independente do belo natural” (...) traz o oposto total do que Emmanuel diz. Mário tem um

conceito simplório de physis. É um conceito exacerbado de sujeito (criador). O sujeito da obra

de arte aqui é o poeta. Voltando ao “Prefácio”, gostaríamos de ressaltar sobre o que diz a

50 LUCCHESI, Ivo. “Walter Benjamin e as questões da arte: sob o olhar da hipermodernidade”. In: A arte em questão:as questões da arte. Rio, 7 letras, 2005,p.171. 51 ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.22-23.

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respeito da arte: “(...) Arte não/ consegue reproduzir natureza, nem este é seu fim” 52 . No

texto observamos uma separação entre arte e natureza, mas não vimos uma reflexão sobre o

que é isto – a arte? O isto da obra de arte está dentro dela. Vamos então pensar sobre essa

questão. A arte, que é mistério, não reproduz. Ela produz. A palavra produzir é composta,

etimologicamente, do verbo ducere que significa conduzir, levar, e da preposição pro, que

quer dizer para frente de. Produzir diz de todo processo que passa e se move. É fazer com que

algo chegue do velamento ao desvelamento. É no desvelar que se estabelece toda produção. A

arte é vida - que é caminhada. Sem esta, a arte não existe. Mas há uma grande dificuldade de

se abrir para a arte como vida – que é uma autopoiesis. Autopoiese vem da genética. Cada

célula traz dentro de si todo sistema, a memória inteira da humanidade. A arte é temporal –

mas tempo como questão -, atual, aplicando-se a quaisquer tempo e lugar. A obra de arte é

esse tensionar; é ao mesmo tempo alimento e catálise (que não se esgota). Ela não é um

objeto. É manifestação de mundo e de verdade:

Obra é o que opera. Com isto se recupera o sentido verbal do on grego, particípio presente do verbo einai, ser. O on diz sendo do ser. O sendo do ser é a aletheia ou a verdade.53

A questão da obra de arte está localizada no fato de que ela não é. Ela opera e só

operando é. E, dessa forma, ela abre um mundo. A sua essência é operar o real. A obra não é

porque é linguagem (que também não é). A obra não é um ente; é aquilo que opera e nos

propõe questões. A obra de arte, primeiramente, é o ser humano. Ela manifesta a physis como

linguagem; é uma fala da linguagem que está dentro de nós; um elemento catalisador que

nunca se esgota. A arte culinária, por exemplo, só é arte, porque se move no horizonte da

52 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.65. 53 CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: A arte em questão: as questões da arte. Rio, 7 letras, 2005, p.42.

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linguagem. O ser humano pega o alimento que a physis lhe dá e vai além, fazendo desse

alimento arte culinária. Não há uma única arte culinária, mas sim várias. Todas as culturas

possuem a arte culinária e cada povo desenvolve a sua diferentemente. A culinária alimenta

fazendo amadurecer no homem, o humano – que é um modo de desabrochar as suas

possibilidades; uma conquista cotidiana, utópica.

A obra de arte é uma configuração de mundo. Trabalhar com conceitos não dá conta

dela. Isso não deixa a obra falar. O conceito é abstrato, pois mostra a coisa sem levar em

consideração a sua identidade, suas características singulares. A obra poética é aquilo que

opera as questões. O que é a obra, como obra, não é, por exemplo, o livro. A obra é o operar

do que é, ou seja, da verdade como velamento/desvelamento. A arte é a obra manifestando o

que é. A arte não é um objeto. São os conceitos que fazem dela objeto. Temos de olhar a obra

de arte e deixar que ela aconteça. Quando a obra fala não traz conceitos (estilos de época,

gêneros e outros). Os estilos de época não pegam a arte no que ela tem de radical. Por

exemplo, o modernismo já deu lugar ao pós-modernismo, assim como foi precedido pelo

parnasianismo, realismo etc. Quando se ensina arte através de conceito, acaba-se por matá-la,

porque não deixam a obra operar manifestando a realidade enquanto mundo. Todas essas

classificações conceituais que trazem para nós são morte e não arte/vida. Temos de articular a

obra às questões.

Dessa forma, a obra vai continuar obrando independente da utilização que se faça.

Para se ver, é necessário se abrir para a fala dela. A obra de arte como fonte (origem

permanente), alimenta aqueles que dela se aproximam de acordo com os olhos de sua janela e

com sedes diferentes. Não há como compartilhar o que ela produz em você. A fonte conserva

a palavra – que não perde seu vigor originário. Por exemplo, se não houver fonte o rio acaba.

Por isso, a fonte é a questão do permanente. As nossas vidas têm de se abrir para a arte. A

obra de arte máxima é o homem. Mas este só se tornará uma obra de arte se fizer da arte, vida.

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A obra não depende das circunstâncias. Ela inaugura mundo sempre. O modo como essa obra

de arte, que é o homem, insere-se nas relações não é sempre da mesma forma. A obra de arte

manifesta a realidade. O ser humano (arte) se dá no desempenho de viver. E a criatividade é

aquilo que chega a ele a cada momento. São os grandes poetas, como lugar do acontecer

poético, que fazem a obra, fazendo com que o extraordinário ecloda no ordinário, o não-saber

no saber. Como diz Pessoa, o poeta é um fingindor, que finge no vigor da poiesis. É aquele

que mergulha no mundo das coisas originárias. Ele se debruça sobre aquilo que tem

visibilidade, partindo do visível para o não-visível, lançando-se num vazio tal que se perde

para se encontrar na palavra da linguagem. Mas os críticos de literatura querem apenas

rotular, classificar as obras, dizendo que uma obra é romântica, modernista. Eles se prendem

aos paradigmas e não se abrem para o operar das obras. Mas os grandes pensadores não

propõem teorias, mas, sim, pensam a arte como pensamento, porque a arte é a própria

realidade se manifestando.

Retornando ao “Prefácio”, gostaríamos de destacar que, como já vimos, fala sobre a

questão do belo da arte. Aqui, essa questão tem a ver com o belo estético, que seria uma

criação humana. Mas o que é o belo estético? Por exemplo, no caso de um poema, os versos

nele empregados devem realçar a beleza das imagens poéticas. A beleza deve colaborar para o

encanto do poema, reforçando a plenitude estética da configuração artística. De acordo com

essa visão, a obra de arte é uma coisa que distrai, provoca o belo e o agradável. Todavia,

acreditamos que a questão do belo não se limita a forma ou a estética. Beleza é a maneira

como a verdade brota como desvelamento, em plenitude, com seu vigor poético originário.

Para Castro, no texto “Poética e cidadania”, a poiesis e a paidéia não devem ser

“dicotomizadas em estratégias educativas ou como belo formal ou estético. A relação da

physis, do logos e da poiesis enquanto diálogo eclode em plenitude quando advém na fala

(leguein) dos poetas” (p.10). O conceito do belo que aparece no “Prefácio” diz que o belo

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artístico muda conforme a moda do momento. É uma criação do homem. Mário de Andrade,

com relação à questão do belo, não traz nada de novo. No texto estamos diante da estética que

toma características de uma metafísica do belo, que buscava encontrar a fonte originária de

todas as belezas. No caso de Mário, vemos o belo natural e o arbitrário, humano.

Acrescentamos ainda que não observamos no “Prefácio Interessantíssimo”, de Mário de

Andrade, um pensamento original. Ele apenas propõe novas teorias, trazendo novidades. Não

apresenta uma originalidade na qual se acolha um apelo de futuro de uma tradição histórica.

Assim, depois de falarmos da questão da música, da poética, da retórica, da linguagem, da

imitação, da arte e do belo, acrescentamos que Mário de Andrade retoma os assuntos

desenvolvidos no início do “Prefácio” e, então, concluirá:

Mas todo este prefácio, com todo o disparate das teorias que contém, não vale coisíssima nenhuma. Quando escrevi Paulicéia Desvairada não pensei em nada disto. Garanto porém que chorei, que cantei, que ri, que berrei ... Eu vivo! (...) E está acabada a poética. “Desvairismo”. * Próximo livro fundarei outra. 54

Isto não é uma auto-crítica? Aí o viver não é mais amplo e profundo do que tudo que

propõe? Mas ele se pergunta, se põe a questão: O que é isto - a vida? E como torná-la poética?

Todos já estão dentro da vida. Existe uma disciplina, que estuda a vida, chamada biologia.

Essa disciplina se move no horizonte dos conceitos metafísicos. Entretanto, o conceito da

biologia não tem como dizer toda a plenitude do que é a vida - uma questão que precede a

biologia. Em grego têm-se três palavras para vida: a) bios (língua, elemento fundamental); b)

Gaia, a mãe Terra; c) dzoé (linguagem). Dzoé é aquilo que surge de dentro de si e que só pode

54 ANDRADE, Mário de. “Prefácio Interessantíssimo”. In: Poesias completas. Edição crítica de Línea Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p.76-77.

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ser experienciada. Tal experienciação de ser e não ser só acontece quando a experienciamos

na/ a partir da poiesis. Dzoé diz o mesmo que physis, surgimento incessante. O verbo grego

dzen deu origem a dzoé que diz desabrochar, surgir. A linguagem e a vida são a mesma coisa.

A poética é a disciplina da vida (autopoiese), que é caminhada. Mário de Andrade não

pensou, mas afirma, a vida. Assim, neste segundo capítulo, notamos que o “Prefácio” é um

texto teórico que traz a teoria poética chamada desvairismo, que representa um ismo novo.

Ele fala a respeito do fazer poético formal. O “Prefácio” é um texto com parágrafos dispostos

à maneira de estrofes e versos livres - que são utilizados para questionar o padrão rígido de

composição. A poesia é resultado da soma entre o lirismo e a arte. A sua forma é estipulada

pelas técnicas retóricas. Mas isso ainda não é poesia, obra de arte. Mário de Andrade pensa o

poético enquanto algo psicológico revestido de sentimentalismo e retórica.

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3 A ESCRAVA DO ARARAT CHAMADA POESIA

A Escrava que não é Isaura (1925) se inicia com o narrador dizendo: “Começo por

uma história. Quasi parábola” 55. O narrador deixará clara a sua posição: “É mentira dizer-se

que existe em S. Paulo um igrejó literário em que pontifico. O que existe é um grupo de

amigos, independentes, cada qual com suas ideas próprias e ciosos de suas tendências

naturais. Livre a cada um de seguir a estrada que escolher. Muitas vezes os caminhos

coincidem...” 56. Cada um tem um histórico contextual completamente diferente. Mas há algo

que é comum a todos: o não-saber. E assim, cada um fará sua própria caminhada. O narrador,

que tem personalidade, pretende ser original e individual. Vamos agora à história da escrava

do Ararat. N’A Escrava que não é Isaura é narrada a história da origem da Poesia (mulher),

que teria sido criada pelo homem. Foi venerada pelos povos. Com o passar do tempo, ela

acabou ficando escravizada, aprisionada a roupas, utensílios que não faziam parte dela na sua

origem. A mulher foi caracterizada por várias vestimentas que por sua vez representam vários

povos como: os gregos, os persas, os indianos. Ela foi preparada com trajes diferentes de

acordo com a época e as raças. Essa situação se estendeu por muitos anos:

E cada nova geração e as raças sem tirar as vestes já existentes sobre a escrava do Ararat sobre ela depunham os novos refinamentos do trajar. Os gregos enfim deram-lhe o coturno. Os romanos o peplo. Qual lhe dava um colar, qual uma axorca (...). E os séculos depois dos séculos... Um vagabundo genial nascido a 20 de Outubro de 1854 passou uma vez junto do monte. E admirou-se de, em vez do Ararat de terra, encontrar um Gaurisancar de sedas, setins, chapeus, jóias, botinas, máscaras, espartilhos ... que sei lá! Mas o vagabundo quis ver o monte e deu um chute de 20 anos naquela eterogénea rouparia. Tudo desapareceu por encanto. E o menino descobriu a mulher nua, angustiada, ignara, falando por sons musicais, desconhecendo as novas línguas, selvagem, áspera, livre, ingénua, sincera. A escrava do Ararat chamava-se Poesia. O vagabundo genial era Artur Rimbaud.

55 ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.11. 56 Ibidem, p.11-12.

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Essa mulher escandalosamente nua é que os poetas modernistas se puseram a adorar ... Pois não há de causar estranheza tanta pele exposta ao vento á sociedade educadíssima, vestida e policiada da época actual? 57

A parábola da “Escrava” nos narra que a poesia provém do homem, que é seu criador.

Vemos a existência histórica da Poesia em muitas épocas. A mulher passou a valer por cada

apetrecho que lhe foi colocado. Tornou-se um objeto de adoração. Estamos diante de uma

parábola que traz o homem como sujeito criador e a Poesia como criação. Voltando à história

da escrava, observamos que no decorrer do texto surge em cena Artur Rimbaud, que passou

perto do Ararat e se admirou de, ao invés de ver o monte, encontrar chapéus, jóias e outros.

Então, Rimbaud deu um pontapé naquelas roupas para olhar o Ararat. Deixou a mulher (que

foi tirada da língua), denominada Poesia, novamente nua. Rejeita todas as roupas que cobrem

o Ararat e a Poesia. Ele descobre a Poesia e traz a ela, ela própria. Não traz uma nova teoria

de poesia, por isso teve de limpar o terreno. E algo nos chama a atenção, o fato dele querer

ver o monte, morada da poesia, e saber como era. Esse querer o impulsiona a agir. Em seu

agir faz com que não só o monte seja o que é, mas também a mulher chamada Poesia. A

questão do olhar, do ver, aparece na obra através de Rimbaud. Foi esse gesto que o levou ao

ato de libertação da escrava. Não bastava a ele apenas ver “Gaurisancar de sedas”, queria

mais, ver o monte. Nessa busca vê o Ararat de terra que se retrai para que a mulher (Poesia)

apareça – liberta das roupas. Notamos que é próprio do homem ir até o desconhecido,

transcendendo seus limites.

Artur Rimbaud só queria ver a imagem do Ararat (que não é qualquer morada) e não

os apetrechos (que foram colocados pelo homem), que o impede de alcançar seu objetivo que

é ver o monte em sua plenitude. Vale lembrar que o Ararat tem uma dimensão de espacio-

temporalidade. No monte se dá a conquista libertária da Poesia que habita nele eternamente.

Rimbaud não fica estático, parado, ele age, se move e enfrenta as barreiras. Com um chute,

57 Ibidem, p. 13.

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ele retira o véu que encobria aquela obra. E o herói faz esse caminho até a verdade que é ao

mesmo tempo não verdade. Ele transcende o seu ambiente habitual, querendo ir até as últimas

conseqüências para ver e procurar o monte. É um homem livre que atua por si e tem livre

movimento da sua própria vida. Rimbaud experiencia caminhando. Ele simboliza a

consumação, pois é ele que conduz a escrava a plenificação de sua essência. Ela, então,

aparece como propriamente é.

Vem do cume do monte aquilo que lá está e se retraiu: a Poesia. Ela se mostra como

quando na sua origem. É nela que está a essência do que é Artur Rimbaud. Ao homem só foi

possível fazer aparecer a Poesia, pois esta se mostra a ele por si própria, se manifestando. A

Poesia sempre esteve ali no monte, mas é justamente esse homem que fará um caminho para

desencobri-la. Observamos que a mulher faz uma travessia pelos séculos, sendo ocultada, até

que, com o herói, ela eclode. Aparece, então, em plenitude e beleza. Não há um antes e um

depois da mulher. Há a poesia enquanto poesia, que não perde seu vigor poético originário.

Com isso, acaba a escravidão dela.

Dessa forma, a poesia transcende todos os conceitos que lhe foram atribuídos pelas

épocas. A liberdade – máximo de realização - se dá no processo de libertação. Ao liberta-se, a

Poesia encontra consigo mesma, quebrando com os elos que a escravizavam; superando o

julgo que pesava sobre si. “E o menino descobriu a mulher nua, angustiada, ignara, falando

por sons musicais, desconhecendo as novas línguas. A escrava do Ararat chamava-se

Poesia”58. A música procede da fonte originária. Vemos a imagem (aquilo que aparece) da

Poesia. Para a imagem aparecer é preciso a clareira, ou seja, desvelamento e velamento. Na

clareira se escuta o ressoar da voz. Nela vê-se a sombra. Ocorre um retorno à fonte originária.

E o canto surge da memória:

58 Ibidem, p.13.

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A fala, cada fala pressupõe a rede e nela toda rede se faz presente/ausente. Porém, essa presença ausência se sustenta e vigora a partir do vazio/silêncio. Este é o tempo originário, o tempo que continuamente se triparte e não triparte, se o pensamos como memória, se pensamos que essa tripartição vive de um entre-tempo, que é o presente, que nada mais é do que o presentificado em tensão (“entre”) com o presentificável. 59

Para que a voz do eu chegue até ao tu, ela tem que como onda fazer um percurso que é

possibilitado pela clareira, que é enigmática, ambígua. A fala dá a dimensão do que é a

poesia. A fala não é simplesmente a articulação discursiva; é som; presença. E cada som só é

som a partir do nada (silêncio), do não-ser. Assim, a Poesia é originária em relação à música,

que é uma dádiva daquela. Há uma identidade entre elas. Até mesmo a música é libertada da

opressão que a escravizava. A música se apresenta como uma fala da Poesia, que é a fonte. A

Poesia guarda a música inaugural. Vemos que a verdade se constrói a partir da memória

resgatada. É um dizer diferente de outros. A fala da poesia, que é a música, é anterior a todas

essas línguas novas que são controladas pela gramática normativa. A Poesia é physis, que ama

velar-se. Dessa forma, vimos na introdução da obra a “Parábola”. Por meio desta, nos é

apresentada a poesia como uma mulher. Estamos diante de uma parábola muito evidente que

vem explicar a origem da Poesia, que foi criada pelo homem. Todavia, acreditamos que a

poesia é uma questão. Não é uma idéia nossa. Não é suscetível de conceituações abstratas,

fechadas, acabadas. O que a poesia é não pode ser estabelecido pelos outros. Na primeira

parte do ensaio notamos que a poesia se tornará conceito. Essa parte fala a respeito das belas

artes e da poesia:

Começo por conta de somar: Necessidade de expressão + necessidade de comunicação +

necessidade de acção + necessidade de prazer = Belas Artes. Explico: O homem pelos sentidos recebe a sensação. Conforme o

grau de receptividade e de sensibilidade produtiva sente sem que nisso entre a mínima parcela de inteligência a NECESSIDADE DE EXPRESSAR a

59 CASTRO, Manuel Antonio de. Rede: Silêncio e fala do entre. Online: disponível na Internet via http:// www.travessiapoetica.blogspot.com

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sensação recebida por meio do gesto. (Falo gesto no sentido empregado por Ingenieros: gritos, sons musicais, sons articulados, contracções faciais e o gesto propriamente dito).

A esta necessidade de expressar – inconsciente, verdadeiro acto reflexo – junta-se a NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO de ser tendente a recriar no espectador uma comoção análoga a do que a sentiu primeiro.

O homem nunca está inactivo. Por uma condenação aasvérica movemo-nos sempre no corpo ou no espírito. Num lazer pois (e é muito provável que largos fossem os lazeres nos tempos primitivos) o homem por NECESSIDADE DE ACÇÃO rememora os gestos e os reconstrói. Brinca. Porém CRITICA êsses gestos e procura realiza-los agora de maneira mais expressiva e – quer porquê o sentimento do belo seja intuitivo, quer porquê o tenha adquirido pelo amor e pela contemplação das coisas naturais – de maneira mais agradável.

Já agora temos bem característico o fenómeno: bela-arte. Das artes assim nascidas a que se utiliza de vozes articuladas chama-

se poesia. (É a minha conjectura. Verão os que sabem que embora

sistematizando com audácia não me afasto das conjecturas mais correntes, feitas por psicólogos e estetas, a respeito da origem das belas-artes.)

Os ritmos preconcebidos, as rimas, as folhas de parra e velocinos alvíssimos vieram posteriormente a pouco e pouco, prejudicando a objetivação expressiva das representações, sensualizando a nudez virgem da escrava do Ararat.

E si vos lembrardes de Aristóteles recordareis como ele toma o cuidado de separar o conceito de poesia dos processos métricos de realizar a comoção.

“É verdade – escreve na Poética - que os homens, unindo as palavras “compositor” ou “poeta” com a palavra “metro” dizem “poetas épicos”, elegíacos, como si o apelativo poeta proviesse, não já da imitação mas ... do metro...Na verdade nada ha de comum entre Homero e Empédocles a não ser o verso; todavia àquelle será justo chamar-lhe poeta, a este fisiólogo.” 60

Estamos diante de representações prontas e já findadas. Explicaremos melhor. O texto

aponta para a idéia de que a fala é expressão. Essa é uma das compreensões da linguagem.

Estamos diante da representação da linguagem como expressão (de uma interioridade) sonora

de movimentos interiores, da alma. Presume a idéia de algo interior que será exteriorizado.

Em segundo lugar, mostra o falar como uma atividade humana. Logo, o homem fala sempre

uma língua e se comunica. O falar lhe é natural. Por natureza, ele possui linguagem. Sabemos

que nessa concepção de linguagem a própria palavra se tornou um meio de comunicação.

Como já vimos no nosso trabalho, essas compreensões do falar são insuficientes e não dão

conta do vigor da linguagem poética. Essa forma de relacionamento com a linguagem a reduz 60ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p. 17-18.

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muito. Mário de Andrade, bem como a tradição, acredita que a essência da linguagem é a fala.

A linguagem não é expressão, atividade humana. Essa forma privilegiada não dá conta da

linguagem. A concepção de Mário sobre a linguagem está ligada ao homem. Entretanto, não é

o homem que fala. É a linguagem que fala no homem, na physis. A essência da linguagem é o

vigor da linguagem. Por retrair-se, a linguagem é que nos possibilita questionar. Ela abarca o

silêncio, enquanto a origem de todas as falas. Depois, a obra A Escrava que não é Isaura nos

traz o conceito aristotélico de poiesis. Apresenta-nos um Aristóteles metafísico. É um ensaio

que traz uma teoria poética sobre o processo métrico de se fazer poesia. Isso é retórica. Surge,

na “Escrava”, uma nova fórmula que define poesia:

Paulo Dermée resolve também a concepção modernista de poesia a uma conta de somar. Assim: Lirismo + Arte = Poesia.

Quem conhece os estudos de Dermée sabe que no fundo êle tem razão. Mas errou a fórmula. 1.°: Lirismo, estado activo proveniente da comoção, produz toda e qualquer arte. Da Vinci criando II Cavalo, Grego pintando o conde de Orgaz, Dostoievsky escrevendo “O Duplicata” obedeceram a uma impulsão lírica, tanto como Camões escrevendo Adamastor. 2.°: Dermée foi leviano. Diz arte por crítica e por leis estéticas provindas da observação ou mesmo apriorísticas. 3.°: E esqueceu o meio utilizado para a expressão. Lirismo + Arte (no sentido de crítica, esteticismo, trabalho) soma belas-artes... Corrigida a receita, eis o marron-glacé: Lirismo puro + Crítica + Palavra = Poesia. 61

Mário não rompe completamente com Dermée. Ele faz modificações no conceito de

poesia, acrescentando os termos “crítica” e “palavra”. O primeiro elemento de sua fórmula

poética é o denominado “lirismo Puro”, que está ligado aos sentidos que a obra provoca. A

arte está ligada a leis estéticas. Mário de Andrade formula mais uma teoria, nos apresentando

a receita que se utiliza para fazer poesia. Mais adiante, o ensaio faz questão de deixar as

coisas bem esclarecidas: “Parêntese: Não imitamos Rimbaud. Nós desenvolvemos Rimbaud.

ESTUDAMOS A LIÇÃO RIMBAUD” 62. Há uma opção por uma poética libertária como a

de Rimbaud. Estamos diante de um poeta simplista. Depois vemos surgir Aragon, Tzara,

61 Ibidem, p.20. 62 Ibidem, p.27.

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Picasso, Cocteau, Eluard, Apollinaire, Soupault, Maiakovski, Marina Tsvetoiewa e Vicente

Huidobro. Só se fala em nomes. E a obra não é essencial? O que se diz e traz da obra? Mário

não pensa o que é isto – a obra. E também não faz referência a grandes poetas como Sófocles

e Shakespeare. Concluindo essa primeira parte, A Escrava que não é Isaura ainda diz:

Mas os poetas modernos não se impuseram esportes, maquinarias, eloqüências e exageros como princípio de todo lirismo. Oh não! Como os verdadeiros poetas de todos os tempos, como Homero, como Vergílio, como Dante, o que cantam é a época em que vivem. E é por seguirem os velhos poetas que os poetas modernistas são tão novos. Acontece porém que no palco de nosso século se representa essa ópera barulhentíssima a que Leigh Henry lembrou o nome: Men-in the-street...Representemo-la.

Assim pois a modernizante concepção de Poesia que, aliás, é a mesma de Adão e de Aristóteles e existiu em todos os tempos, mais ou menos aceita, levou-nos a dois resultados – um novo, originado dos progressos da psicologia experimental; outro antigo, originado da intevitavel realidade:

1.°: respeito á liberdade do subconsciente. Como conseqüência: destruição do assunto poético.

2.° o poeta reintegrado na vida do seu tempo. Por isso: renovação da sacra fúria. 63

Tempo, História e Memória são historiografia? Não. O tempo é uma presença

fundadora. O tempo humano é concreto em si mesmo. Ele permanece, não se gastando nunca.

Toda obra instaura tempo, fazendo-o. História, sob o ponto de vista poético-ontológico, é

acontecer e não historiografia. É a dinâmica do homem. É feita de acontecimentos e não de

fatos. Memória é a obra-de-arte. Nenhuma linguagem é sem a memória – aquilo que foi, é e

será. A memória só pode eclodir como linguagem poética. Esta linguagem é o vigor da

comunidade histórica. A memória é algo vivo. É a fonte (que nunca se exauri) do que se

mostra e se retrai. Ela nos faz sentir o gosto e o cheiro novamente. É algo mais profundo que

não vai embora. Tempo, História e Memória só podem acontecer como linguagem poética.

Esta é o tempo, a história e a memória desvelando como sentido e verdade (aletheia). A

poesia é canto de algo? Não. A poesia não tem como fim o canto de algo. Poiesis é um dizer

63 Ibidem, p.44.

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inaugural, que traz imagens imprevisíveis. Poesia/arte é o tempo enquanto mundo. É a terra, é

originária, inaugurando sempre. É em si o vigor imperante, o agir. A terra é aquela que de si

permite que as coisas surjam, mas ao mesmo tempo como terra se reserva, retira-se. Assim,

Mário de Andrade afirma e fala da “sacra fúria”: “o poeta reintegrado na vida do seu tempo.

Por isso: renovação da sacra fúria”. O que é isto – a sacra fúria? Nada diz nem reflete e a

reduz à “adequação” do poeta “à vida do seu tempo”. Em Mário pulsa algo, que ele assinala,

mas para o qual não se abre, nem escuta. Ele pensa o poético como algo psicológico revestido

de sentimento e retórica.

3.1 RECURSOS TÉCNICOS

A Escrava que não é Isaura é uma obra preocupada com os meios técnicos da obra de

arte. Isso não quer dizer que o lirismo tenha sumido por completo. De acordo com Lafetá

(1974):

Seu conceito de lirismo tal como aparece em A escrava que não é Isaura, ganha um estatuto estrutural ao ser complementado pelo conceito de técnica; ou seja: a inspiração, a vivência psíquica, o lirismo, “estado afetivo sublime – vizinho da sublima loucura”, é encarado e estudado na medida em que, enformado pela técnica e – simultaneamente – sendo capaz de condicioná-la, é transfigurado esteticamente e se transforma em poesia. 64

A técnica é vista como um instrumento para se fazer poesia. A arte é vista como um

produto técnico-estético. Falando a respeito dos conceitos de lirismo e técnica, A Escrava que

não é Isaura destaca que estão extremamente ligados:

O poeta não fotografa o subconsciente. A inspiração é que é subconsciente, não a criação. Em toda a criação

há um esforço de vontade (...). Embora a atenção para o poeta modernista se

64LAFETÁ,João Luiz. 1930: a critica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades, 1974, p.117.

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sujeite curiosa ao borboletar do subconsciente ... a atenção continua a existir e mais ou menos uniformiza as impulsões líricas para que a obra de arte se realize (...).

A reprodução exata do subconsciente quanto muito daria, abstracção feita de todas as imperfeições do maquinismo intelectual, uma totalidade de lirismo. Mas lirismo não é poesia. 65

Mário ressalta a importância da técnica. Ela é uma complementação necessária do

lirismo, que não é poesia. Aparece, também, na obra a definição dos recursos técnicos do

poeta moderno:

Tecnicamente são: Verso livre, Rima livre, Vitória do dicionário. Esteticamente são: Substituição da Ordem Intelectual pela Ordem Subconsciente, Rapidez e Síntese, Polifonismo. 66

Na segunda parte da “Escrava”, Mário nos mostra como deve ser produzida a nova

poesia. Tecnicamente tem-se: Verso Livre (“O verso continua a existir. Mas corresponde aos

dinamismos interiores brotados sem préestabelecimento de métrica qualquer” 67), Rima Livre

(“E assim mesmo os poetas modernistas utilizam-se da rima. Mas na grande maioria das vezes

da que chamei “Rima Livre”, variada, imprevista, irregular, muitas vezes occorrendo no

interior do verso”68), Vitória do dicionário (“A expressão do lirismo puro levou-nos a libertar

a palavra da ronda sintática”69; “É pois para realizar de maneira mais aproximada o lirismo

puro que o dicionário, filho feraz da humanidade, tornou-se independente da sintaxe e da

65ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.70-71. 66 Ibidem, p.48. 67 Ibidem, p.51 68 Ibidem, p. 52. 69 Ibidem, p.58.

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retórica...70). Estamos diante de técnicas retóricas. Mário traz apenas mudanças de formas.

Esteticamente tem-se Rapidez e Síntese (“Geralmente os poetas modernistas escrevem

poemas curtos. Falta de inspiração? De fôrça para “Colombos” imanes? Não. O que existe é

uma necessidade de rapidez sintética que abandona pormenores inúteis” 71). A respeito da

ordem subconsciente, a obra diz:

Uma pessoa desinstruida nas teorias modernistas horroriza-se ante a formidável desordem das nossas poesias...Mas, oh bem-pensantes! É coisa evidente: NÃO SOMOS LOUCOS... Essa falta de ordem é apenas aparente. Substitui-se uma ordem por outra. E isso apenas nos trabalhos de ficção a que milhormente cabe o nome de poesia, quer sejam em verso, quer em prosa (...).

Não houve destruição de Ordem, com cabídula. Houve substituição de uma ordem por outra.

Assim, na poesia modernista, não se dá, na maioria das vezes concatenação de ideas mas associação de imagens e principalmente:

SUPERPOSIÇÃO DE IDÉAS E DE IMAGENS. Sem perspectiva nem lógica intelectual. 72

Notamos na “Escrava” que a técnica, para se fazer poesia, é um instrumento produzido

pelo poeta a serviço da criação. Observamos ainda um estudo da arte enquanto estética. Com

relação à teoria do polifonismo, destacamos que é vista como um meio de organização da

estrutura do poema:

Obrigado por insistência de amigos e dum inimigo a escrever um prefácio para Paulicéia Desvairada nele despargi algumas considerações sobre o Harmonismo ao qual milhormente denominei mais tarde Polifonismo.

Desconhecia nesse tempo a Simultaneidade de Epstein, o Simultaneismo de Divoire (...).

Sabia de Soffici que não me contenta no que chama de Simultaneidade (...).

Quero dizer apenas que não tenho a pretensão de criar coisa nenhuma. Polifonismo é a teorização de certos processos empregados quotidianamente por alguns poetas modernistas.

70 Ibidem, p.66. 71 Ibidem, p. 79. 72 Ibidem, p. 72-73.

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Polifonismo e simultaneidade são a mesma coisa. O nome Polifonismo caracteristicamente artificial deriva de meus conhecimentos musicais que não qualifico de parcos, por humildade. 73

A obra de arte consiste em seguir formulas, “ismos”? “Polifonismo” representa um

“ismo” novo. Entretanto, são as obras que devem falar e não os “ismos” e suas conceituações.

Isso não diz o que é a arte - uma questão – que é sabedoria. Deixar a arte ser arte, é deixá-la

ser questão. Segundo Castro (2004:28), “os conceitos da teoria literária e da estética são

abstrações que nada mais têm a ver com o vigor da poiesis em cada obra poética, só com a

techné sem ethos. Mas para que techné sem poiesis e ethos?” (...). Na segunda parte da

“Escrava”, avistamos ainda o relato de como a música abandona a palavra, o descritivismo e

se torna música pura:

A música desque temos conhecimento dela, começou com a melodia infinita. Assim os fragmentos gregos que possuimos, assim as melodias dos selvagens, assim o canto gregoriano. Depois influenciada pela poesia provençal, pelas danças e principalmente com a inovação do compasso (da “barra de divisão” como irritadamente diz o belga Closson) a melodia tornou-se quadrada. Muito depois nas lutas românticas do século passado reconheceu que estava em caminho errado e voltou resolutamente á melodia infinita que ninguém discute mais. 74

Sempre me insurgi contra essa afirmativa muito diária de que a música é a mais atrasada das artes.

Inegavelmente no princípio, escravizada á palavra, tivera uma evolução mais lenta. Mas isso era natural. Sendo a mais vaga e a menos intelectual de todas as artes fatalmente teria uma evolução mais lenta. Os homens pouco livres ainda em relação á natureza tinham compreendido as artes praticamente como IMITAÇÃO. A música não imitava de modo facilmente compreensível a natureza. D’aí apezar do prazer todo sensual que distilava, da preferência em que era tida, de seu lugar preponderante e indispensável nas funções de magia e religião, o estar sempre esclarecida, tornada inteligível pela palavra.

Apenas a técnica se desenvolvia. E esta mesmo, sem princípios espirituais de que fosse conseqüência, via-se embaraçada em crescer sozinha.

Chegara a música no entanto desde Palestina e Lassus a uma perfeição técnica extraordinária.

73 Ibidem, p.87. 74 Ibidem, p.49.

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Libertada da palavra, em parte pelo aparecimento da notação medida, em parte pelo desenvolvimento dos instrumentos solistas, conseguiu enfim tornar-se MÚSICA PURA,

ARTE, nada mais. 75

Na citação acima, vê-se a história da música que teria ficado aprisionada à palavra.

Aqui novamente se fala a respeito do conceito de imitação, fazendo uma separação entre

música e natureza. Traz uma visão ingênua de physis. A música é vista como algo estético.

Ela era “indispensável nas funções de magia e religião”. Vemos a existência histórica da

música em muitas épocas. Mais adiante, a obra complementa:

No século 18 a música já realizara a obra de arte, como só seria definida duzentos anos depois:

A OBRA DE ARTE É UMA MÁQUINA DE PRODUZIR COMOÇÕES. 76

O teorizador pensa a obra como algo que tem uma finalidade: produzir comoções.

Essas comoções são de ordem artística. A obra produz um efeito e por ela somos afetados.

Essa concepção demonstra uma preocupação com os recursos utilizados de forma

esteticamente eficaz. Baseados em A origem da obra de arte, percebemos que estamos diante

da segunda interpretação (concepção estética) da coisa/ obra: como a reunião das sensações

que a coisa provoca, ou seja, estética, sentidos. Refere-se àquilo que os sentidos da visão, da

audição e do tato nos provocam como sensações de som, cor. A palavra máquina é algo que

penetra a concepção de obra de arte de Mário, demonstrando que a arte depende do

entrosamento dos elementos que a compõe. Por meio das citações, vemos que Mário de

Andrade tem uma concepção simplória de música. Mário ao fazer um encaminhamento com

conceitos estéticos já está se rendendo à concepção de que a obra tem um suporte material e

formal. A música é geralmente entendida enquanto um fazer artístico. Mas ela vai muito além

75 Ibidem, p.88-89. 76 Ibidem, 89-90.

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da técnica. Obra é máquina? Estética? Não. A obra é inaugural. Ela se realiza e não tem um

fim. Fala por si. É o imaginário se fazendo ausente e presente. Ela opera e só operando é.

Memória é a obra de arte. A obra é manifestação de mundo e verdade (aletheia). Gostaríamos

de destacar, baseados em Jardim, que:

A necessidade da criação de uma música nacional é determinante dentro do pensamento musicológico andradeano. O modo de realização desse projeto passa, em primeiro lugar, por uma apreciação crítica da produção musical brasileira e, a partir desta por uma formulação de certos princípios indicadores.

A crítica à produção musical brasileira destaca o emprenhamento desta por valores da tradicional cultura musical européia. E a formulação de princípios privilegia elementos diretamente recolhidos das manifestações culturais populares. 77

Mário destaca três fases para a formação de um caráter artístico nacional: 1ª da tese

nacional, tese como afirmação de um propósito nacional; 2ª do estabelecimento do sentimento

nacional; 3ª da inconsciência nacional na qual se estabelece o domínio da suficiência, que se

instaura como princípio inconsciente. “Há nesta fase uma superação do necessário, ... do

consciente que compromete ‘o critério atual de música brasileira com o social antes de que

com o filosófico’ ”78. São três etapas necessárias do nacionalismo de Mário de Andrade. No

que se refere à música brasileira, as fases superpostas do nacionalismo não chegam a

ultrapassar a primeira etapa. Sua formulação nacionalista malogrou. “E malogrou ...por incidir

no erro de não se perceber, a nível de avaliação, com-prometida com um determinado ponto

de vista e de escuta”79. A segunda fase ameaçou se estabelecer no período do

desenvolvimentismo. Mas a perspectiva desenvolvimentista criou mecanismos necessários,

como os meios de comunicação de massa como no caso do Brasil, para desfazer qualquer

possibilidade de sentimento nacionalista. Por fim, acrescentamos que Mário de Andrade

77 JARDIM, Antonio. “Mário de Andrade: Algumas reflexões”. Re-pensando Mário Musicólogo. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/ UFRJ, 1993, p.1. 78 Ibidem, p.1. 79 Ibidem,p.3.

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pretendeu ser original N’A Escrava que não é Isaura. Entretanto, assim como no “Prefácio

Interessantíssimo”, apenas propõe novas teorias, fazendo a descrição e a conceituação das

técnicas de composição da obra. As teorias que aparecem na “Escrava” são as mesmas do

“Prefácio”, com a diferença que naquela surgem de modo ampliado. E novamente o autor não

apresenta uma originalidade na qual se acolha um apelo de futuro de uma tradição histórica.

Mário apresenta nessas obras teorias, conceitos, que ficarão para a historiografia.

3.2 VERDADE: ADEQUAÇÃO OU DESVELAMENTO?

Confesso que das horas que escreveram esta “Escrava” em Abril e Maio de 22 para estas últimas noites de 1924 algumas das minhas ideas se transformaram bastante... Este livro, rapazes, já não representa a Minha Verdade inteira da cabeça aos pés. Não se esqueçam que é uma fotografia tirada em Abril de 1922. A mudança também não é tão grande assim. As linhas matrizes se conservam. 80 Verdade significa o velar iluminador enquanto traço essencial do ser (...). A questão da essência da verdade encontra sua resposta na proposição: a essência da verdade é a verdade da essência. 81

O autor/escritor está recordando o momento de outrora em que escreveu a “Escrava”.

O poeta traz do seu íntimo a situação recordada que naquele instante não está diante de seus

olhos. O tempo juntamente com a memória traz de volta esse acontecimento. É uma

experiência que foi, é e será. O autor/escritor declara que não é mais o que era antes, ou seja,

mudou. Mas só pode ser a partir do que não é. No post-fácio da “Escrava”, ressalta-se que o

livro é “uma fotografia tirada em Abril de 1922”; que algumas de suas idéias se

transformaram ou ficaram mirradas, outras morreram. Mas as modificações não são tão

80 ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.149-150. 81HEIDEGGER, Martin. “Sobre a essência da verdade”. In: Conferências e escritos filosóficos. Trad. de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.345.

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grandes, porque as bases matrizes se sustentam. Além disto, reivindica a orientação e a

palavra final para a Inteligência. A obra diz: “Este livro, rapazes, já não representa Minha

Verdade inteira da cabeça aos pés” 82. Fala a respeito de uma verdade própria, de uma lógica

interna. Mas o que é isto - a verdade?

A filosofia, transformada em sistema, conceitua verdade logicamente como “homoiosis”, traduzida como adaequatio, pelo latim medieval, e como “orthotes” (correto), havendo verdade quando se dá uma correta adequação e representação. 83

A filosofia se sentia totalmente independente da não-filosofia. Com os recursos da

razão, acreditava atingir uma verdade universal, absoluta. O mito e a poesia para terem espaço

no país da verdade precisavam das “credenciais da razão”. Contudo, a verdade é uma questão

e aparece desde os pensadores originais, desde sempre, pois não há mundo sem verdade. Para

os pensadores e poetas a verdade era aletheia, ou seja, um desvelar (tirar o véu) e um velar

constante. O velamento e o desvelamento nunca são totais. É um desvelar auto-velante. Então

é verdade e não-verdade. Isto é a verdade, o ser. A verdade como verdade é gestual, é a

presença da realidade como mundo. Na obra Édipo Rei, de Sófocles, por exemplo, vemos que

Édipo fica cego e adentra a clareira, como escuta, tornando-se um homem sábio. Ele

experiência a aprendizagem da sabedoria. É escuta e visão, estando no entre. E as trevas

externas geram a luz interna. Inicialmente, possuía um saber aparente pautado na razão. Mas

no decorrer da peça, notamos que não sabia o que ele é. Há uma pro-cura em tensão de luz e

noite, ser e não-ser, verdade e não verdade.

Quando enxergava, não sabia a verdade. Seu olho não via a si mesmo. Ao vazar os

olhos, deixa saber o não saber; vai agora ao mais profundo: ao silêncio (que é a origem de

82 ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.150. 83 CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: A arte em questão: as questões da arte. Rio, 7 letras, 2005, p.44.

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todas as falas), ao essencial e ao vazio. Como cego, atinge o conhecimento da verdade do ser,

passando a olhar de dentro para fora. Édipo vivencia essa tensão entre encobrimento e

desencobrimento. Observamos que a verdade, enquanto a-letheia, não é o que é verdadeiro, o

que se vê. O verdadeiro é uma diminuição dela. O velamento e o desvelamento, que nunca são

totais, constituem a vida e a morte que é a travessia de Édipo. Vale lembrar que, a verdade é

uma das questões que Édipo foi instigado a decifrar pela Esfinge. Ele aparece, agora, como

cego, criminoso, humilhado; sabe quem é. E ao saber, pune-se, punição essa que declarou

enquanto era rei. Nesse momento, ele fica livre e é liberado das emoções de compaixão e

terror que o subjugavam. Todo caminho de Édipo é para o não ser até que, no final, encontra o

nada. Observamos a paidéia poética do saber pelo sofrer. O que constitui a sua tragédia é o

saber tudo, mas não saber que ser é. Saber pelo sofrer, para só depois passar a entender-se.

Assim, a verdade da obra é o que opera a obra-de-arte. A obra, enquanto obra, é verdade; é o

operar da verdade. Esse operar (opera concretamente nos leitores) só é possível pela

incorporação essencial, no diálogo, da escuta. Verdade é a atuação do real como logos, que é

o originário. Mundo vai se articular enquanto verdade. Mundo (que é o que nós chamamos de

realidade) mundifica. Mundo e terra nunca estão separados, um puxa o outro; são diálogo. O

mundo só é mundo enquanto disputa (que é poiesis). Acrescentamos ainda que com a lógica

de Aristóteles, a verdade seria vista como homoiosis, ou seja, correspondência. A Lógica

predominou no Ocidente. Ela entende que uma coisa é e outra não é. Aqui o verbo perde seu

vigor e entra a Krisis, juízo, proposição. A proposição, na gramática, se chama oração que

funda a sintaxe - primeiro conceito de coisa. A verdade fundada na Krisis é adequação. Na

verdade como adequação, o que é determinado como verdadeiro é estipulado pela estrutura da

proposição. E a coisa é concebida como sujeito e predicado. O lugar da verdade passa a ser a

proposição e não mais a palavra (enquanto manifestação). Mas a proposição só pode dizer o

que é verdadeiro e não o que é a verdade. E o verdadeiro, por sua vez, pode não ter nenhuma

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ligação com a verdade. Já a verdade fundada no verbo é aletheia. É da verdade que vem o

sentido da obra de arte. A partir da obra se chegará à arte:

O pensador revigora a vigência da Aletheia, que fora substituída por homoiosis (adaequatio) nos sistemas filosóficos. A vigência de Aletheia leva a pensar não só a filosofia de um modo novo, mas também a própria arte. 84

Retomando o post-fácio da “Escrava”, ressaltamos que a obra fala a respeito da

verdade como adequação. Mário se deixa surpreender por algo que lhe escapa. Será que algo

o representou? De onde lhe vem a mudança? Por que mudou? Ele está em ebulição. Essa

inquietude não será uma faceta poética em Mário?

Este livro, rapazes, já não representa Minha Verdade inteira da cabeça aos pés...Mas eu não pretendo ficar um revoltado toda a vida, pinhões! A gente se revolta, diz muito desaforo, abre caminho e se liberta. Está livre. E agora? Ora essa! Retoma o caminho descendente da vida (...). Estou sceptico e cínico. Cansei-me de ideas e ideais terrestres. Não me incomoda mais a existência dos tolos e cá muito em segredo, rapazes, acho que um poeta modernista e um parnasiano todos nos equivalemos e equiparamos. 85

Na citação acima, vemos que Mário faz uma autocrítica. Ele afirma que não pretende

ser um “revoltado toda a vida”. E faz uma reconsideração: “cá muito em segredo, rapazes,

acho que um poeta modernista e um parnasiano todos nos equivalemos e equiparamos”. “Este

livro... já não representa a Minha Verdade inteira...” (1925: pp.149-150). Aqui, estamos diante

da não-verdade como a não concordância, o desacordo. Ao findar da obra, não há mais uma

correta adequação, uma concordância, entre a verdade do autor e a do livro, da obra. O juízo

que o livro traz não é mais visto pelo autor como algo tão verdadeiro. A “Escrava” já não

alcança o conhecimento das coisas que Mário de Andrade acredita. Não representa mais a

84 CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: A arte em questão: as questões da arte. Rio, 7 letras, 2005, p.34-35. 85 ANDRADE, Mário de. A Escrava que não é Isaura (discurso sobre algumas tendências da poesia modernista). São Paulo: Lealdade, 1925, p.150-151.

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verdadeira sabedoria. A não-verdade (engano, falsidade), que é o contrário da verdade como

aletheia, tem de ser afastada do questionamento pela essência da verdade. N’A Escrava que

não é Isaura percebe-se que a verdade não é vista como aletheia, mas sim como adequação. É

uma visão simples sobre a verdade. Correntemente, a palavra verdade designa o verdadeiro

enquanto algo real. Adequação é um conceito equivocado da verdade. Deriva da concepção da

verdade enquanto aletheia, que é uma questão. Já em Édipo Rei, vimos a verdade como

desvelamento, ou seja, o mostrar daquilo que se nega manifestar. A tradução da palavra

aletheia por desvelamento traz à indicação de se repensar a visão corrente da verdade como

adequação. Aletheia é desocultação. Ela é o velar iluminador. É o desvelar-se da physis; uma

circularidade perfeita. Na aletheia tem-se um desvelar-velante, isto é, uma tensão entre

verdade e não verdade. A obra é o que opera a verdade.

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4 POIESIS E TECHNÉ

No “Prefácio Interessantíssimo” e N’A Escrava que não é Isaura vimos uma visão

técnica da poesia. Nessas duas obras de Mário de Andrade, a poesia – cuja forma é estipulada

pelas técnicas retóricas - é entendida como uma atividade guiada pelos princípios do lirismo e

da arte, como um fazer artístico enquanto técnica. Nos textos há um estudo da arte enquanto

estética. A palavra estética vem do verbo grego aisthesis, que significa sensação. É um ramo

da filosofia que estuda a natureza do belo e dos princípios da arte. Ela estuda a idéia de obra

de arte, a relação entre matéria e forma, e outros. Observamos que o lirismo e a técnica, tal

como aparecem no “Prefácio” e na “Escrava”, não têm nada a ver com a poética da poiesis.

Mas afinal, o que é isto - a poesia? A poesia é tradicionalmente definida como a arte de

escrever em versos ou mesmo teoria da versificação. O poema é entendido como a obra em

verso, composição poética. Castro, no texto “Poética e poiesis: a questão da interpretação”,

diz:

Segundo Aristóteles, a manifestação da poiesis como poemas ou poesias se dá no mito. Mas o que entender por mito e a partir deste, o fazer poético? Mito foi traduzido por fábula e depois por ficção. O mito não é um texto canônico ideal, a matéria, a partir da qual os poetas dariam forma às obras poéticas, em diferentes composições. Nessa percepção metafísica do mito, não se atenta mais nem para o vigor da poética, nem da poiesis, nem da interpretação, e muito menos do mito.

Há uma simbiose fundamental entre poética, poiesis, interpretação e mito. O que é o mito, originariamente, para que torne possível esta simbiose? Mythos se formou do verbo mytheomai, que significa: desocultar pela palavra (...). 86

O mito é uma narração que é transmitida oralmente de geração em geração. Como

palavra, o mito é memória, tempo, trabalhando com a coisa como questão. É desvelamento. É

um tempo originário que está permanentemente num constante vir. O mito sempre manteve

seu vigor originário. No princípio, ele é a memória histórica dos povos. Mas se faz presente 86 CASTRO, Manuel Antônio de. On-line: disponível na internet via http://www.travessiapoetica.com.

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ainda em nossa sociedade. O mito apresenta as várias faces do fazer poético. As palavras

poesia, poética, poema e poeta se originam da poiesis, que é essência do agir como tempo da

physis/ser. A poiesis (tensão entre o que se manifesta e se retrai) produz enquanto age. Se não

agir, não se pensa. Poiesis vem do verbo grego poiein e significa fazer. Ela não se limita à

expressão escrita ou oral. Percorre todas as dimensões da physis (totalidade dos entes, que

instaura a poiesis). A physis é aquilo que se mostra permanentemente; é o eclodir. Ela é o que

nasceu, nasce e nascerá. Presentifica-se, mas, ao mesmo tempo, retrai-se. Fundar é próprio

dela e fundamentar da metafísica. Physis é quando nos deparamos com uma imagem de uma

flor desabrochando. O que ela não realiza doa ao homem para realizar. Só que essa realização

é poiesis, que é o silêncio para o qual somos movidos. A cultura procede da physis e do

homem. O homem faz a mesa, por exemplo. Mas é a physis que dá a árvore para tal feito, para

chegar a ser mesa. O homem diante da physis, a cultiva, ou então, a cultua. Por mais que

mudem as culturas, a physis, como repouso enquanto manifestação máxima, é permanente.

A physis é produzir e poiesis. A physis como poiesis é ambígua e paradoxal. A poiesis

como produção leva do velamento ao desvelamento. Isso é aletheia. Enquanto aletheia, a

poiesis é verdade, que é ao mesmo tempo não-verdade. A poesia (sujeita a chuvas e

trovoadas) está na própria palavra poiesis. A poesia é feita de palavras (essenciais para a

literatura). Apresenta-se de várias maneiras. A sua força se encontra em seus motivos. A

essência da poesia é a poesia da essência. A poiesis vista como linguagem poética desfaz a

linguagem entendida como linguagem instrumental. Em grego, a poiesis é também

conhecimento que está ligado à physis e aos seres humanos. A outra palavra dessa mesma

língua que significa conhecimento é techné. A poiesis não é somente conhecimento, é

linguagem. A forma de conhecimento é importante para se formar uma sociedade

emancipada. Poiesis e techné estão presentes em uma mesma obra. Mas elas se diferenciam.

Quando se analisa a obra por meio de técnica-forma não se pode achar que já se está falando

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de poesia. Desse modo, apenas se silencia a arte, a própria poesia. O conhecimento da poiesis

se apresenta nas obras poéticas. A poiesis é a força que está lá e cá, ou seja, o entre.

Heidegger, em A origem da obra de arte, traz a seguinte questão: a poesia tem origem no

poeta ou no poema? Cada poeta tem seu momento de criação. Quando quer exteriorizar tudo o

que tem dentro de si, ele lança no papel, cria seu poema. Escrever é o desejo de se tocar a

realidade. O poeta só é poeta, porque escreve poemas. Os poemas só existem por causa do

poeta. Há aqui um paradoxo. Como resolvê-lo? Poeta e obra são no fundo uma coisa só. Sem

a poesia não dá para ter poeta e nem poema. A grande questão é “o que é a poesia”? A poesia

é o originário do poeta e do poema. Ela é um mistério (enigma). É jogar com as palavras.

Revela-se, mas ao mesmo tempo se desvela. Toda poesia é pensamento, sendo portadora de

uma verdade. É sempre a discussão com a permanência e com a impermanência. Ela é a

passagem do caos para o cosmos. Para Pucheu: “falar de poesia é descobrir uma maneira, por

si mesma poética, de falar sobre ela, de modo que falar de poesia já é, desde sempre, fazer

poesia” 87. Todo falar sobre é um pôr-se de fora, um confrontar-se e não uma escuta de

abertura para o logos de todo diálogo. Em arte não se fala sobre, mas “com”. Ressaltamos que

a poiesis não é uma expressão de língua. É a essência do agir. A poiesis é no/do tempo. A

própria physis se manifestando é poiesis:

O ocidente estuda a arte, num tratado de poética, como techné e não como poiesis. Por quê? A physis/ser se diz logos: logos/linguagem. A essência do ente, o ser se diz: logos/linguagem. É o enunciado. E a sua fala, a sua manifestação como verdade se diz: logos, fala, enunciação. Portanto, o ente é um enunciado/logos/idéia/essência e sua expressão, a enunciação/logos/língua/proposição. (...) Na proposição gramatical e retórica o verbo/ação/poiesis foi esquecido e silenciado, porque a ação como tal vinha do sujeito-on-essência e não mais da physis/ser/logos/poiesis. Mas o sujeito-on-essência se funda no logos como enunciado e enunciação. Na tradução deu-se a junção de Platão e Aristóteles. As obras poéticas são entes. Mas cada ente se compõe de matéria e forma. Matéria é o tema, a idéia, o enunciado, e forma é a

87 PUCHEU, Alberto. “Platão e as questões da arte: a poesia e seus entornos interventivos”. In: A arte em questão: as questões da arte. Rio, 7 letras, 2005,p.86.

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enunciação, o estilo, a expressão, o gênero. A obra poética ou agora artística é vista como techné ou como conhecimento da composição artística, na manipulação da linguagem como matéria e forma, enunciado e enunciação. Por isso se fala de arte e não de poiesis. E o que se denomina poesia – metafisicamente – nada mais tem a ver com essência do agir... enquanto vigor do sagrado, que é a physis/ser. 88

4.1 TÉCNICA ENQUANTO ORIGINÁRIA

Techné é a palavra grega para arte. Nós utilizamos na língua portuguesa o vocábulo

técnica, mas esta não tem o mesmo sentido que techné. Segundo Emmanuel Carneiro Leão:

Essa palavra grega téchne provém de um substantivo concreto: ho tekto, que significa o lavrador da madeira, seja o artista que trabalha a madeira de modo original e refinado, o marceneiro dizemos, seja o carpinteiro que trabalha a madeira de maneira tosca e grosseira. Do substantivo concreto derivou-se o verbo tektaino, com o significado primeiro de talhar, lavrar a madeira, mas com outros significados desdobrados por metonímia e metáfora, que dizem: ser e tramar, fabricar e construir, isto é, fazer com alguma matéria. 89

A técnica pode ser entendida como um meio inventado e produzido pelo homem, meio

de controle. O ser humano ao se apropriar da techné transforma-a, ao produzir conhecimento,

num agir instrumental para se produzir objetos. Para Castro (2004), poien a ser traduzido para

o latim foi compreendido de dois modos: 1) como agere/ agir; 2) agir da techné. Ao

traduzirem, para o latim techné, utilizaram a palavra ars, arte (ligada ao artesão), ou seja, o

operar de onde se originou obra (operis). Quando não vemos uma simples aplicação de uma

techné e a técnica dá espaço à essência do agir –poiesis -, temos a obra. Techné não é uma

mera aplicação de uma técnica. Ela é conhecimento, que só tem sentido se baseado na

essência do agir. Os gregos sempre pensaram a poiesis na dimensão da essência do agir. Mas

88 CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 20004, p.28. 89 LEÃO, Emmanuel Carneiro. “Aristóteles e as questões da arte”. In: A arte em questão: as questões da arte. Rio, 7 letras, 2005,p108.

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a tradição metafísica reduziu a poiesis a techné. A poiesis vai além da techné. A poiesis foi

traduzida pelos latinos como ars (arte). Se observarmos veremos que é a mesma tradução

dada a techné. A técnica é conhecer-se em qualquer coisa, no ato de produzir. O homem só

vai se abrir para a questão da técnica quando se abrir para a fala da coisa.

A técnica é uma das maneiras do “on” se dar. O “on” é entendido hoje como

disponibilidade de recursos humanos e naturais. Ele é o que se chama de realidade. A

natureza se tornou um recurso natural e o homem um recurso humano, disponível na hora que

se quer. Na técnica fica impensado o recurso. Por sua vez, o homem não é só recurso, é

humano. E o humano, que é radicalmente histórico e ontológico, tem de ser concreto no dia a

dia. A técnica só pode ser técnica enquanto originária. A questão da técnica não é a técnica

enquanto aparelho. Desde os tempos antigos, os povos que tinham tecnologia venciam os que

não a possuíam. A rigor, dominava quem tinha a técnica. De um lado temos os incluídos, os

que detêm a tecnologia, e os excluídos, que não têm acesso a ela. Hoje vivemos um problema

que não é mais político, mas sim tecnológico. O capital é predominantemente aplicado em

pesquisas, que colaboram para acabar com essa singularidade do humano. Temos uma

revolução tecnológica diante da qual estamos calados. Onde se está colocando o primado do

humano? O homem moderno não sabe mais o que define a humanidade, sendo vítima do seu

próprio progresso. A própria definição de humano é problemática. O humano é a tensão entre

o limite e o ilimitado. Ele distingue o homem dos outros seres vivos. As diferentes artes,

culturas, danças são possibilidades de realização do humano. A destruição das condições

vitais da natureza destrói os seres vivos, a possibilidade de vida. Esse é um grande problema

mundial. Cada vez mais, a presença do ser humano é marginalizada, seja em questões sociais,

de saúde ou de organizações políticas. Mas não se quer dizer aqui que a ciência não deva

existir. Ninguém vai querer destruir a técnica, por exemplo, o tomógrafo. Queremos pensar a

questão da técnica. A tecnologia e a ciência já estão em função dos recursos científicos. O

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conhecimento da ciência – que quer demonstrar – é universal. Por meio da objetividade, a

ciência vai à procura do universal. Mas ela não abarca o campo da arte. A ciência é o maior

desafio da humanidade. Mas a ciência e a tecnologia não conseguem dominar a realização e a

realidade. A physis é uma doação que não se deixa dominar e que se esquiva. É extremamente

mutável. É uma dinâmica que não se deixa controlar totalmente. O seu grande vigor é o amor.

E isso não se encontra na internet. A physis/realidade hoje é mapeada, loteada. Nessa

realidade dos paradigmas, ela é tomada como realidade virtual. Assim, os meios técnicos se

desenvolvem cada vez mais, trazendo novas formas de se representar à realidade.

4.2 A ARTE E O MUNDO TÉCNICO

Para Castro (2004), “hoje nenhum governo teme a arte nem a tenta cooptar. Ela hoje é

uma festa para o capitalismo e um prato cheio para os meios de comunicação e para a

sociedade de consumo (...)” 90. Seguindo a linha de que a sociedade industrial transforma tudo

em mercadoria, veremos Walter Benjamin. Notamos que, nos primeiros parágrafos do seu

texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, retoma Marx:

Quando Marx empreendeu a análise do modo de produção capitalista, esse modo de produção ainda estava em seus primórdios. Marx orientou suas investigações de forma a dar-lhes valor de prognósticos. Retomou às relações fundamentais da produção capitalista e, ao descreve-las, previu o futuro do capitalismo. Concluiu que se podia esperar desse sistema não somente uma exploração crescente do proletariado, mas também, em última análise, a criação de condições para a sua própria supressão.

Tendo em vista que a superestrutura se modifica mais lentamente que a base econômica, as mudanças ocorridas nas condições de produção precisaram mais de meio século para refletir-se em todos os setores da cultura (...). 91

90 CASTRO, Manuel Antônio de. “Poiesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio, 7 letras, 2004, p. 37. 91 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” In: Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 165.

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Notamos que a sua reflexão está toda calcada no marxismo, que é uma crítica ao

capitalismo. O capitalismo é um modo de produção de mercadoria, mas também é um meio

necessário de reprodução dos meios necessários a produção. Produz o consumo e, ao mesmo

tempo, reproduz as condições de consumo. O consumidor consumirá, por exemplo, um

celular sempre renovado. Benjamin é um intelectual judeu, muito influenciado pela tradição

judaica. Ele escreve no entre guerra; da perspectiva, messiânica, de que há um horizonte

revolucionário, tentando reavaliar toda a história da arte a partir da mudança provocada pelo

capitalismo. Trabalha com as categorias que ele toma do marxismo, como por exemplo,

estrutura social, superestrutura. Segundo Benjamin, o capitalismo amplia a reprodução da

obra de arte (que se converteu em mercadoria) e, com isso, a aura se perde. A quebra da aura

rompe com o aspecto ritualístico da obra. Isso para Benjamin é positivo. Mas dependendo de

quem vai se apossar dos meios de produção se tornará algo negativo. O desenvolvimento

técnico implica quase sempre uma submissão do trabalhador a essas novas técnicas de

reprodução. Essa nova situação que se abre com o capitalismo repercutirá sobre as formas

artísticas. A arte perde sua autonomia. Vale lembrar que Mário de Andrade é um intelectual

inquieto com a possibilidade de se reproduzir obras. Para ele, era necessário se criar museus

para reproduzir grandes obras modernas e contemporâneas, levando-as a um maior número de

pessoas. Benjamin faz uma reconstituição histórica, tendo uma visão otimista em relação ao

cinema, que seria uma arte potencialmente revolucionária, caracterizado por várias imagens

que ganham movimento.

O cinema é a arte que mais dependerá das técnicas de reprodução. Nele, o ator

interpreta para a tecnologia e não para a platéia. Ele não tem de ser muito bom como o do

teatro, pois a filmagem pode ser interrompida. A performance do ator vai ser mudada pelas

próprias categorias encontradas no meio social que vão fazer com que o cinema sobreviva:

consumo e reprodução. Quem detém o cinema por hora são os capitalistas. Ao se incorporar

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essa reprodução acaba se tornando uma produção. A obra de arte vai ser produzida para ser

reproduzida, tornando-se uma mercadoria como outra qualquer. A arte cada vez mais tem sido

colocada como indústria do prazer, como mercadoria. Ela, nesse contexto, só fará sentido se

ficar exposta a olhos vistos, se for exibida. Mas, para Benjamin, o cinema (nova forma de

arte) só se tornaria realmente revolucionário quando as massas se apropriassem dele. Todo o

seu diagnóstico, que estava no desfecho da luta de classes, é historicamente derrotado. A

técnica acabou se convertendo em um instrumento a serviço do capitalismo e da criação,

expandindo o poder e permitindo uma forma de se produzir um objeto. Vê-se que o

diagnóstico inicial de Benjamin, de que a técnica promoveria o encontro esperado entre arte e

as massas, não se concretiza visto que a técnica não consegue democratizar a arte, que acabou

sendo banalizada. Além do cinema, sabemos que a própria música tem sido utilizada para

propagar a mercadoria. As pessoas se deixaram levar pelos modismos, obedecendo à moda

musical. A música está sendo produzida para ser consumida, para entretenimento. Tornou-se

uma mercadoria. Vemos a sua banalização. A música acabou sendo controlada pelos critérios

do mercado consumidor. O capitalismo entra na obra de arte. Tudo é transformado em

mercadoria pela sociedade industrial. A pintura, por sua vez, perdeu muitas de suas funções

para a fotografia. Assim, o avanço tecnológico dá um impacto no mundo artístico. Na

expansão econômica, a técnica vê as condições essenciais para que possa dominar o fazer

cultural. Ela atinge a cultura. Na história da humanidade, todas as culturas se apóiam assim:

produção, acumulação e transmissão. São os três processos nos quais estamos inseridos. A

informação teve sempre como fim a formação ética por meio da produção. A própria

economia faz também da informação uma mercadoria. A divulgação da informação passa a

ser controlada por um valor de mercado. Além disso, a sociedade de consumo esquece a

linguagem poética. Nessa linguagem não há finalidades, persuasão. A linguagem se reduz a

um meio de comunicação e informação. Ela fica impregnada de conteúdos ideológicos. Com

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o advento da técnica, há uma tentativa de se transformar tudo em utensílio, logo tudo tem de

ter uma utilidade. Notamos que a questão da técnica é questionar a técnica e suas questões. O

questionar é o único caminho. Só vamos entender o isto da técnica quando compreendermos

que ele se dá na ambigüidade. Por isso, a questão é onde devemos nos mover. A técnica nada

mais é do que os três conceitos sobre a coisa. Esses três conceitos só dão conta do primeiro

agir (causal). O primeiro agir – que produz entes – corresponde a linguagem instrumental. O

segundo agir é de onde vem a linguagem poética. Já o terceiro agir dá a linguagem da não-

ação.

Retomando o “Prefácio”, notamos que é um texto teórico que traz a teoria poética

chamada desvairismo, que representa um “ismo” novo. O texto fala a respeito do fazer

poético formal. O “Prefácio” é um texto com parágrafos dispostos à maneira de estrofes e

versos livres - que são utilizados para questionar o padrão rígido de composição. Já A Escrava

que não é Isaura é uma obra preocupada com os meios técnicos da obra de arte. Nela a

técnica é encarada como um instrumento para se fazer poesia. A arte é vista como um produto

técnico-estético. A obra destaca que o lirismo (que não é poesia) e a técnica estão

extremamente ligados. A técnica é uma complementação necessária daquele. Em Mário de

Andrade, a técnica é um instrumento a serviço da criação, permitindo uma forma de se

produzir uma obra. A forma da poesia é estipulada pelas técnicas retóricas. Esse escritor

pensa o poético enquanto algo psicológico revestido de sentimentalismo e retórica. No

“Prefácio”, a poesia é o resultado da soma entre o lirismo e a arte. Ela é entendida como um

fazer artístico enquanto técnica. Mário estuda a poesia como techné e não como poiesis. Na

“Escrava” temos: “Lirismo puro + Crítica + Palavra = Poesia”. Mário modifica o conceito de

poesia, acrescentando os termos “crítica” e “palavra”. O “lirismo Puro” está ligado aos

sentidos que a obra provoca. A arte está ligada a leis estéticas. Mário de Andrade formula

mais uma teoria, nos apresentando a receita que se utiliza para fazer poesia. Devemos então

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diferenciar: Lirismo e lírico. Lirismo e Lirismo Puro, que aparecem respectivamente no

“Prefácio” na “Escrava”, representam “ismos” que não apanham na arte o que tem de

essencial. Já a lírica não significa aqui um ramo onde se podem colocar poemas. Não é um

conceito geral. No estilo lírico não acontece a reprodução lingüística de um feito. A análise

estilística não consegue dar conta de todo mistério da obra lírica. Na poesia lírica cada palavra

é insubstituível. Quanto mais uma poesia é lírica, mais é intocável. O poeta lírico se deixa

conduzir para onde o fluxo dos impulsos ou sentimentos do momento da disposição anímica

(relativa à alma) o queira levar. Presente e passado estão próximos desse poeta. Uma

composição lírica só se apresenta plenamente na quietude de uma vida solitária. Num

momento todo especial, repentinamente, um trecho lírico ou toda a composição comove o

leitor. Para tanto, o leitor tem de estar receptivo. A poesia lírica, que é singular, nos toca. Não

dá para julgar os seus versos, tentando fundamentá-los. Dessa forma, não se alcança o valor

do lírico. Assim, vimos que Mário de Andrade aplica técnicas de composição que não dão

lugar à poiesis, essência do agir. Mário se apropria da techné transformando-a num agir

instrumental para se fazer poesia. A linguagem, por sua vez, se torna uma matéria para se

produzir poesia. No “Prefácio” e na “Escrava”, o lirismo e a técnica não têm nenhuma relação

com a poética da poiesis. A poética não é um mero levantamento de recursos retóricos. Ela

vai além da techné. A metodologia da retórica nada tem a ver com o caminho (hodos) da

poiesis. A poética é sempre criação. Enquanto age, a poiesis produz, levando do velamento ao

desvelamento - é aletheia. A poiesis é a essência do agir. Essência é algo originário onde há

uma disputa entre limite e ilimitado. A poiese é no/do tempo, que permanece e não se exaure.

É enigma. No canto de qualquer pessoa há poesia. O homem ao cantar não se utiliza da

linguagem, enquanto matéria. Ao cantar há linguagem. A poiese é inerente a toda e quaisquer

arte. E o poético é um acontecer apropriante: história enquanto algo em construção. Assim,

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buscamos no presente trabalho fazer uma leitura poética nos movendo dentro do questionar,

do diferenciar e do dialogar.

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5 CONCLUSÃO

Dessa forma, apresentamos Mário de Andrade que foi um poeta e crítico admirável;

um escritor extremamente disciplinado; a figura mais representativa do primeiro momento do

movimento modernista. Vimos que o modernismo, que é um paradigma, não permaneceu no

fluxo das mudanças. É um “ismo” novo, que não apanha na arte o que ela tem de essencial. O

modernismo traz uma modificação de formas - que se baseiam no terceiro conceito de

coisa/obra. Quando se fala em literatura modernista, julgamos o adjetivo pela literatura e

encobrimos a grande questão: O que é isto - a literatura? Pensamos tanto no “Prefácio” quanto

N’A Escrava que não é Isaura sobre várias questões como: arte, linguagem, música, palavra,

poesia. Escolhemos essas obras por causa das questões que nos levantam. Vimos que a poesia

não deve ser pensada em termos de movimentos literários, ou estilos de época. Com os estilos

de época só se alcança o ser objeto da obra. Notamos, ainda, que a obra não é um ente; é

aquilo que opera e nos propõe imagens-questões. A obra literária é aquela que no visto, no

dito, procura o não visto, o não dito na questão. Quem fala na obra não é o autor, mas sim a

linguagem. A obra de arte, como fonte, alimenta aqueles que dela se aproximam de acordo

com os olhos de sua janela e com sedes diferentes. Ela é tão rica que alimenta a cada um de

nós no caminhar. A arte é obra da aletheia. A arte é alimento; realização que faz com que algo

surja. É falar com... Você só pode falar com a arte, com a obra. Não se pode falar sobre a arte,

classificando-a com algo externo. Também só se pode falar de questão de dentro. No âmbito

da questão, o conceito se torna mais claro. A questão não nega o conceito, ao contrário, é ele

que a nega, anulando todas as diferenças.

Temos, então, de deixar as questões virem. Vimos que a linguagem se tornou a língua

conceitual da ciência - que se utiliza de um sistema de conhecimento científico que por sua

vez é limitado. Na própria língua portuguesa, é muito difícil a compreensão do que seja a

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linguagem, pois está ligada a língua. Mas ressaltamos que a linguagem não é mera

comunicação, informação. “A linguagem é a mãe de todas as línguas” 92; é “a casa do ser”.

Ela abarca o silêncio (que é a origem de todas as falas). O silêncio é o vigor que faz com que

todas as falas sejam fala e todas as escutas, escuta. Ele é a linguagem que se presentifica e se

retrai como mãe, que sempre dá origem a seus filhos.

A linguagem fala. Só porque ela fala que nós podemos escutar e falar. Não é o homem

que questiona, mas sim ela. O homem é uma doação dela. Percebemos que não existe um

discurso fechado e absolutamente conclusivo sobre a linguagem (que como sentido e verdade,

é o que importa nas artes). Não sou eu que decido o que é ou não a linguagem. Só posso

depreendê-la. Com relação à música, observamos que é uma fala da linguagem que

escutamos. Tratamos da questão da memória em relação à música. Mostramos que a memória

é muito mais do que aquilo que vem de repente. Ela é viva. A música se junta a palavra, à

força desta. A palavra em si não é verdadeira e nem falsa; é o vigor do entre. O que é para ser

são as palavras. A música é linguagem. Ela fala mesmo sem palavras. Nós estamos na música

e ela em nós.

Mostramos ainda a questão da poiesis, que é o vigor do agir poético. A poiesis é

inerente a physis, a todo aparecer. A physis/ realidade é rica; muda, mas permanece. A palavra

realidade vem de res. Para os gregos, res é on (que muda). O on é um modo de se defrontar

com a questão do permanente/ mudança. O poético não é algo que se possa encaixar num

paradigma, disciplina. Sem o poético nada se mostra. O poético não é uma ação como a de

uma máquina. Toda ação é sentido, mundo e verdade. É na clareira que surge sentido, mundo

e verdade. A clareira é vigorosa, é a doação do nada. O seu vigor é a não verdade, o não

sentido. Toda arte quer chegar ao agir como plenitude de manifestação. A arte é a realidade se

dando como poiesis. A arte – que é uma questão - é uma experienciação do real. Ela é

92 CASTRO, Manuel Antônio de. Rede: Silêncio e fala do entre. Online: disponível na Internet via http://

www.travessiapoetica.blogspot.com

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ambígua e possui um caráter também ambíguo. É um desvelar em vários desdobramentos. É

sabedoria. Deixar a arte ser arte, é deixá-la ser questão. Acrescentamos ainda que é importante

que a poética seja tocada pela escuta (entre). Na escuta se dá a fala daquilo que se retrai. Por

fim, destacamos que o nosso objetivo nesse trabalho é abrir as portas para que outros façam

novos caminhos.

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