A obra do cineasta mais velho do mundo em actividade (net)

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A Obra do Cineasta Mais Velho do Mundo em actividade

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A Obra do Cineasta Mais Velho do Mundo em actividade

Manoel Cândido Pinto de Oliveira, mais conhecido por

Manoel de Oliveira, nasceu no Porto, a 11 de Dezembro de 1908,

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embora a data oficial do seu nascimento seja 12 de Dezembro, dia

em que foi registado. É um cineasta português, até a data conta,

entre curtas e longas-metragens, trinta e quatro e é tido como o mais

velho realizador em actividade no mundo. É o mais novo de três

irmãos, oriundos de uma família de industriais abastados, viveu a

adolescência sonhando ser actor. Estudou primeiro no Colégio

Universal no Porto, posteriormente foi para a Galiza onde ingressou

no colégio Jesuíta de La Guardia. Foi no âmbito do desporto,

nomeadamente no atletismo, natação, remo, ginástica,

automobilismo, tendo sido campeão de salto à vara, que Manoel de

Oliveira se tornou inicialmente conhecido. No entanto, o gosto pelo

cinema nasceu cedo. Foi pela primeira vez ao cinema, acompanhado

pelo seu pai, quando tinha apenas cinco ou seis anos. Seguindo

depois os filmes de Charles Claplin e de Max Linder. Aos 19 anos

estreou-se a trabalhar, colaborando com o pai, na indústria e na

gestão agrícola das propriedades rurais. Ao mesmo tempo, cultivou

uma vida estúrdia e de enriquecimento cultural frequentando

assembleias literárias. Depois, já com vinte anos de idade, decidiu

frequentar sob o pseudónimo de Rudy Oliver, a escola de actores

(para cinema) que o realizador italiano Rino Lupo abriu na cidade do

Porto, um dos pioneiros do cinema português de ficção.

Foi através de Rino Lupo que Manoel de Oliveira se estreou no

cinema como figurante, no filme Fátima Milagrosa em 1928,

juntamente com o seu irmão Casimiro de Oliveira.

A fortuna familiar foi indispensável para o arranque da sua

carreira. O pai não só lhe comprou uma câmara de filmar, da marca

Kimano, como financiou as latas de película necessárias. Juntamente

com um amigo que gostava de fotografia chamado António Mendes e,

inspirado no documentário Berlim, Sinfonia de uma Cidade, do

realizador Walther Ruttmann, decidiu fazer um filme desse carácter,

uma curta-metragem intitulada Douro, Faina Fluvial, que preludiou

a 21 de Setembro de 1931, em versão muda. António Lopes Ribeiro,

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que viu esse filme ainda em execução, propôs a sua apresentação no

V Congresso Internacional da Crítica.

No entanto, quando esse filme foi apresentado ao público

português não foi bem sucedido, mas esse facto não fez com que

Manoel de Oliveira perdesse o gosto pela arte cinematográfica.

O gosto pela representação levou-o a participar, em 1933, como

actor no filme A Canção de Lisboa, de Cottinelli Telmo,

contracenando com Vasco Santana. Passado um ano (1934) estreou a

versão sonora de Douro, Faina Fluvial, além fronteiras, que o

consagrou como cineasta.

Manoel de Oliveira realizou, entretanto, outros documentários

do ponto de vista etnográfico:

 Estátuas de Lisboa (1932);  Os Últimos Temporais: Cheias

do Tejo  (1937); Miramar, Praia das Rosas (1938); Coração 

(1958); Famalicão (1941).

Em 1938, o Jornal Português faz manchete: "II RAMPA DO

GRADIL GANHA POR MANOEL DE OLIVEIRA, NUM CARRO EDFORD".

Nesse ano, realizou também o documentário Já se Fabricam

Automóveis em Portugal

No dia 4 de Dezembro de 1940 Manoel de Oliveira casou com

Maria Isabel Brandão Carvalhais. Desse casamento nasceram quatro

filhos, Manuel Casimiro Brandão Carvalhais de Oliveira (nascido em

1941), José Manuel Brandão Carvalhais de Oliveira (nascido em 1944).

Isabel Maria Brandão Carvalhais de Oliveira (nascida em 1947),

Adelaide Maria Brandão Carvalhais de Oliveira (nascida em 1948).

Realização do filme Aniki-Bóbó

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Em mil novecentos e quarenta e dois, após ter abandonado o

automobilismo, Manoel de Oliveira realizou a sua primeira longa-

metragem de ficção com o título de Aniki-Bóbó, que  estreou a 18 de

Dezembro desse mesmo ano, em Lisboa, no cinema Éden. O filme

inspirava-se no conto Meninos Milionários da autoria de João

Rodrigues de Freitas (1908 - 1976) escritor e advogado e foi quase

todo rodado em exteriores, nas zonas ribeirinhas do Porto e de Gaia,

com pouco mais que uma câmara de filmar. Porém, a acção não

decorre nessa cidade mas sim numa cidade fictícia.

REALIZAÇÃO Manoel de Oliveira

ADAPTAÇÃO Manoel de Oliveira

ARGUMENTO Manoel de Oliveira, segundo a obra "Meninos

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Milionários", de João Rodrigues de Freitas.

DIÁLOGOSManoel de Oliveira, Manuel Matos, António Lopes

Ribeiro, Nascimento Fernandes

PRODUÇÃO

António Lopes Ribeiro

Portugal | 1942 | Preto e Branco| 35 mm | pb | 1937

mt* | 70 mn

POEMA Alberto Serpa

FOTOGRAFIA António Mendes

ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA Perdigão Queiroga e Cândido Silva

CENÁRIOS José Porto

CENOGRAFIA Silvino Vieira

CARACTERIZAÇÃO António Vilar

DECORAÇÃO/ SOM / ASSISTENTE DE SOM /MÚSICA José Porto

LETRA DAS CANÇÕES Alberto de Serpa

ASSISTENTE GERAL Manuel Guimarães

FOTÓGRAFO DE CENA João Martins

MONTAGEM Vieira de Sousa

INTÉRPRETES

Nascimento Fernandes (lojista), Fernanda Matos

(Teresinha), Horácio Silva (Carlitos), António

Santos (Eduardinho), António Morais Soares

(Pistarim), Feliciano David (Pompa), Manuel Sousa

(o "Filósofo"), António Pereira (o "Batatinhas"),

Américo Botelho (o "Estrelas"), Rafael Mota

(Rafael), Vital dos Santos (Professor), Manuel de

Azevedo (cantor de rua), António Palma (Freguês),

Armando Pedro (Caixeiro), Pinto Rodrigues

(Polícia).

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Fernando Garcia

ESTÚDIOS Tóbis Portuguesa

ESTREIA Edén Teatro – 18 de Dezembro de 1942

ORÇAMENTO 700 Contos

PRÉMIOS Diploma de Honra no II Encontro de Cinema para a

Juventude, Cannes, 1961

Ficha técnica

A história retrata a rivalidade entre dois miúdos, Carlitos (actor, Horácio

Silva) e Eduardinho (actor, António Santos).  Um é insolente, valentão e

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astucioso, enquanto o outro é retraído, benigno e sossegado. A rivalidade

entre ambos vai aumentando no decorrer do filme, devido ao interesse

que fortalecem pela mesma rapariga, Teresinha (actriz, Fernanda Matos).

Carlitos sabia que a menina gostava e desejava ter uma boneca para si,

para conquistar as suas boas graças. Então decide saquear uma na loja

das tentações, aproveitando a desatenção do lojista (actor, Nascimento

Fernandes). Teresinha fica muito contente com a boneca e começa a dar

mais atenção ao Carlitos.

Um dia, quando o grupo de amigos na brincadeira assiste à

passagem de um comboio, Eduardinho escorrega, rolando pelo morro,

caindo a poucos metros da linha férrea, ficando gravemente ferido. Todos

pensaram que fora Carlitos a empurrá-lo e afastaram-se dele. Carlitos

pensa abalar, num barco que estava atracado no cais do rio, por se sentir

sozinho e desamparado pelos amigos, mas é descoberto.

O lojista que tinha sido testemunha do acidente, restitui a verdade,

retirando as suspeitas de cima do Carlitos. Todos se conciliam com o rapaz

e voltam às recreações dos polícias e ladrões, ou seja, ao jogo do Aniki-

Bóbó, fórmula mágica que nas brincadeiras de crianças permite

determinar, sem discussão, quem é polícia e quem é ladrão.

O filme transmite uma mensagem de paz, de reconciliação feita

através do dono da "loja das tentações", a todos os jovens perdidos em

rivalidades inúteis. Faz um apelo à amizade, à compreensão sentida,

verdadeira e real dentro das normas de convivência.

Ainda que seja um filme onde os protagonistas são crianças, não é

um filme para crianças. Alguns críticos terão talvez pensado que o filme

transmitia ideias erróneas sobre a vida e a inocência das crianças.

Críticas da época

"A fita é uma infame cilada armada à inocência das crianças e à

imprevidência dos pais. É uma verdadeira monstruosidade”

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“Jornal Cidade de Tomar” de 24/01/1943

“Manoel de Oliveira construiu uma história de amor infantil como fulcro e

articulou neste alguns dos elementos que constituem parte da vivência

psíquica de garotos daquela idade e daquele viver: o tédio de uma escola

arcaica, mas ainda corrente entre nós, o medo da polícia, as lendas que

envolvem o mistério da morte, o jogo dos polícias e ladrões.”

Rui Grácio no Horizonte de 13/01/1943

”Uma tarde de Agosto, fez este verão um ano, Manoel de Oliveira leu a

algumas pessoas, entre as quais me encontrava, a história de Aniki-Bóbó que

não tinha ainda este título tão impopular. A história foi discutida durante

horas e Manoel de Oliveira defendeu-a com entusiasmo de quem havia

imaginado e desenvolvido. Quanto a mim, considerei-a, desde logo, anti-

comercial – e demasiadamente literária para poder suportar a ampliação

humana que a tela, necessariamente lhe conferiria. Procurámos convencer

Manoel de Oliveira que a sua história carecia de verdade humana e que, com

outro desenvolvimento, que unisse aquelas crianças em torno de uma boa

acção, lhe faria perder o ar de “Dead End Kids” tripeiros, com vantagem para

o espectáculo e para a acção construtiva de que o filme, e sobretudo o filme

português não deverá alhear-se. Esta norma é tanto mais para ponderar

quando se trata do chamado cinema sério, do cinema em que se faz Arte

pela Arte.”

Fernando Fragoso na Vida Mundial de 07/01/1943

”De uma grande honestidade, com pedaços de límpido cinema, tudo bem

equilibrado, interpretação admirável, cingida, certa, expressividade, este

filme dá o encanto das coisas despretensiosas e belas, no seu aprumo de

simplicidade emotiva, recortada duma intenção social irónica e popular. Um

artista, muito artista, este Manoel de Oliveira.”

Poeta António Botto, in Jornal Os Sport de 04/01/1943

Quando o filme estreou no cinema Éden foi mal recebido pelo

público que o vaiou, sendo mesmo um fracasso comercial, havendo

pessoas que criticaram este trabalho e o realizador.

O valor e a importância desta obra só foram unanimemente

reconhecidos muito após a sua estreia, encarregando-se o tempo de

tornar Aniki-Bóbó numa obra-prima do cinema português, apesar de

muitos dos protagonistas serem actores amadores. O filme é exibido

noutros países, tendo sectores da crítica apontado como o precursor do

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neo-realismo.

Quanto ao acolhimento internacional de Aniki-Bóbó,  é curioso

referir que em 1961, praticamente vinte anos depois da sua realização,

recebeu o Diploma de Honra no II Encontro de Cinema para a Juventude,

em Cannes.

Aniki-Bóbó, hoje é reconhecido por todos como um grande clássico

do cinema português, tendo sido recentemente restaurado, encontrando-

se de novo em exibição nas salas de cinema portuguesas desde o dia 8 de

Dezembro de 2010, nas vésperas do centésimo segundo aniversário de

Manoel de Oliveira.

Talvez por Aniki-Bóbó não ter tido sucesso, mesmo tendo inúmeras

ideias no papel, Manoel de Oliveira decidiu afastar-se e esteve catorze

anos sem filmar. Nesta fase, chegou mesmo a considerar que a sua

actividade como cineasta tinha chegado ao fim, envolvendo-se nos

negócios das empresas da família durante esse período. Porém, não

perdeu a paixão pelo cinema e em 1955 viajou para a Alemanha, mais

propriamente Leverkussen, onde fez estágio nos Laboratórios Agfa,

estudou a cor no cinema e técnicas fotográficas.

Quando regressou desse estágio,  encetou uma nova curta-

metragem sobre a obra plástica do pintor António Cruz na sua relação com

a cidade do Porto, com o titulo O Pintor e a Cidade. O filme foi

apresentado nos festivais de Veneza e de Cork (na Irlanda), tendo sido

premiado no festival de Cork com a Harpa de Prata, o primeiro prémio

internacional da sua carreira.

Em 1959, desta feita patrocinado pela Federação Nacional dos

Industriais de Moagem, realizou outro documentário, com o titulo O Pão.

Os anos sessenta consagram Manoel de Oliveira no plano

internacional, a partir de Itália e de França. É homenageado no Festival de

Locarno, em 1964, sendo a sua obra apresentada na Cinemateca de Henri

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Langlois, Paris, em 1965.

Vemos que, no estrangeiro, Manoel de Oliveira recebia o

reconhecimento que, em Portugal, quase sempre lhe foi negado, de certa

forma, ainda hoje. Tal facto dever-se-á à mentalidade portuguesa, numa

época em que a censura exercia uma enorme pressão sobre todas as

formas de arte.

O SNI (Secretariado Nacional da Informação Cultural Popular e

Turismo), fundado em 1944, através do Fundo do Cinema Nacional,

financia a curta-metragem A Caça (finalizada só em 1963) e a longa-

metragem Acto da Primavera (1962), os filmes que definitivamente

marcam o renascimento do realizador.

O filme O Acto da Primavera marcou uma nova fase do seu

percurso. Praticamente ao mesmo tempo que António Campos

(realizador), Manoel de Oliveira iniciou em Portugal a prática

da antropologia visual no cinema, prática essa que seria amplamente

explorada por cineastas como João César Monteiro, na ficção, como

António Reis,  Ricardo Costa e Pedro Costa, no documentário.

Os filmes  O Acto da Primavera e A Caça são obras marcantes na

carreira de Manoel de Oliveira. O primeiro filme é representativo enquanto

incursão no documentário, trabalhado com técnicas de encenação e o

segundo como ficção pura, em que a encenação não se esquiva ao gosto

do documentário.

Os filmes deste cineasta são autênticas peças de teatro, com

recurso a poucas tecnologias (pouco mais do que uma câmara de filmar).

A teatralidade permanente de O Acto da Primavera afirmar-se-ia

como estilo pessoal, como forma de expressão que Manoel de Oliveira

achou por bem explorar nos seus filmes seguintes, apoiado por reflexões

teóricas de amigos e conhecidos comentadores. Trata-se de uma

transposição fílmica da representação popular do Auto da Paixão, tendo

por base um texto de Francisco Vaz de Guimarães, datada do séc. XVI.

Rodado na aldeia de Curalha, no concelho de Chaves, em Trás-os-Montes,

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o filme teria consultoria do escritor José Régio e dele viria a ser feita uma

versão francesa, supervisionada por António Lopes Ribeiro. Esta longa-

metragem, realizada há quase 50 anos, valeu a Manoel de Oliveira dez

dias de cadeia na PIDE. Por se tratar de um filme ligado à religião, alguns

diálogos da película geraram inquietação nos agentes do regime. Foi o

suficiente para ser levado pela polícia política do regime de Salazar para a

prisão, em Lisboa. Mais uma vez, vemos a PIDE em acção.

«Tive problemas com a PIDE porque a PIDE não era propriamente religiosa.

Fazia parte da defesa de uma ditadura feroz e eu era contra essa ditadura e

manifestei-o numa conversa»

«Passei lá uns dez dias, ou coisa parecida, mas depois houve um movimento

forte cá fora e eu vim para fora ao fim desse tempo. Mas foi uma

experiência»

Declarações de Manoel de Oliveira, lusa / sol 3 de Setembro,  2010

Manoel de Oliveira regressa em 1964 a Trás – os – Montes, desta vez

para produzir o documentário  Villa Verdinho, Uma Aldeia

Transmontana. A película retrata a visão do realizador sobre uma aldeia

transmontana e foi realizada para oferecer a um amigo, razão pela qual

nunca foi exibido publicamente. O filme ficou na posse desse amigo, e

depois da sua família, sem nunca ter sido exibido publicamente. Mais de

40 anos depois, a família autorizou a projecção do filme, a pedido da

Fundação de Serralves e do próprio Manoel de Oliveira. Neste

documentário sobressai a música de José Afonso, nomeadamente a

canção "Grândola, Vila Morena", que viria, dez anos depois, a ser uma das

senhas radiodifundidas do Movimento dos Capitães na revolução de 25 de

Abril 1974.

A obra do pintor Júlio Maria dos Reis Pereira, irmão do escritor José

Régio, é o alvo para um curto documentário,  As Pinturas do Meu Irmão

Júlio, decorria o ano de 1965.

Em 1966 realizou um documentário com título O Pão, e trabalhou

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como supervisor no filme  A Propósito da Inauguração de Uma

Estátua - Porto 1100 Anos, de Artur Moura, Albino Baganha e António

Lopes Fernandes.

A obra de Manoel de Oliveira é uma referência para a crítica e para

os cineastas do chamado "Cinema Novo". Em torno da sua figura, em

1967, elaboram um manifesto em que são expostas as exigências de

profissionais do cinema, e batalham por uma dignificação da sua

actividade.

Manoel de Oliveira começa a década de 70 como supervisor no

filme Sever do Vouga… Uma Experiência (1970) de Paulo Rocha.

A Fundação Gulbenkian acabará por passar a apoiar o cinema

português, patrocinando, de certo modo, o Centro Português de Cinema

(C.P.C.), uma cooperativa de cineastas que cria um plano de produção de

filmes para os primeiros anos da década de 70. A primeira obra a ser

produzida pela C.P.C. (Centro Português de Cinema) será O Passado e o

Presente  (1971), de Manoel de Oliveira. Trata-se de uma adaptação de

uma peça de Vicente Sanches a que Manoel de Oliveira acentua o tom

caricato, nomeadamente ao optar por uma linguagem artificial,

desvinculada do português falado na época, e por uma direcção de actores

visando a teatralidade.

Benilde ou a Virgem Mãe

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No primeiro trimestre de 1974 foi revelada, pelo Instituto Português

de Cinema (I. P. C.), uma lista para atribuir subsídios. Era uma lista

inaugural e nela se incluíam vários cineastas que o marcelismo se via

constrangido a reconhecer, apesar de não serem próximos do regime. Um

deles foi Manoel de Oliveira, subsidiado para fazer a adaptação de uma

peça de José Régio,  Benilde ou a Virgem Mãe. Entretanto, aconteceu a

revolução do 25 de Abril e a maior parte dos projectos acabou por nunca

se fazer. Com Manoel de Oliveira não sucedeu assim. Enquanto o país

fazia a Revolução, o realizador fechou-se nos estúdios da Tobis, ocupado

com a longa-metragem Benilde ou a Virgem Mãe.

Este é mais um trabalho com base na teatralogia (teatro) do

cinema, ou seja, pela representação da representação. O filme começa

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com um plano sequência da câmara a entrar nos bastidores do filme, ou

seja, a mostrar-nos onde a acção se irá desenrolar. Daí ser uma

representação da representação. Uma obra extraordinária e das menos

conhecidas do seu autor, estreou a 4 dias do 25 de Novembro, sofreu o

recolher obrigatório e saiu de cena sem mais demoras.

Baseando-se na peça homónima de José Régio, datada de 1947, Manoel de

Oliveira escreveu o argumento e realizou, em 1974-75, um dos filmes mais

incompreendidos da sua carreira enquanto cineasta. Essa incompreensão

pode ser explicada de diversas maneiras. Pela data de estreia, situada a

poucos dias do 25 de Novembro de 1975 e pela temática, entre outras,

pois pretende denunciar uma hipocrisia religiosa e social latente. É um

filme colorido, com uma duração de 1h 52m. A história desenrola-se no

Alentejo, numa grande casa isolada, suspeita-se que a filha dos

proprietários, Benilde, está grávida. A governanta, Genoveva, chama o

médico em segredo que confirma o seu estado de gravidez. Mas Benilde

jura que não conheceu nenhum homem, e que se está à espera de um

filho é por vontade de um Anjo de Deus. Um vagabundo circunda a casa,

com uivos horríveis, sem nunca ser visto. A convicção de Benilde perturba

todos à sua volta, particularmente a sua tia, que procura explicações mais

razoáveis. Benilde anuncia a Eduardo, seu noivo, aniquilado pelos factos,

que vai morrer em breve. Na hora da morte diz-lhe que em breve se

encontrarão.

Do único cenário, a casa de Benilde, Manoel Oliveira só sai duas

vezes: no início, quando um fulgurante travelling (viajante) atravessa o

espaço imenso e vazio do estúdio de cinema até entrar por um quadro

(com uma paisagem do Alentejo) na cozinha (estúdio) no primeiro acto da

peça, e no final, quando, após a morte de Benilde, a câmara eleva-se e

regressa ao estúdio vazio por um buraco existente no tecto.

É o cinema que invade o teatro, num jogo de alçapões e sótãos,

como se sob a profundidade do primeiro se escondesse no espaço do

segundo. E é dos subterrâneos do cinema que emerge essa história

misteriosa em que é legítimo ver-se também a parábola do país perdido

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que fomos e somos e a impossibilidade de rapidamente o transformar.

Apesar de a revolução já ter acontecido, os valores morais (ou

melhor, moralistas), por vezes feitos de uma enorme hipocrisia,

permanecem. As mentalidades não se mudam com revoluções nem

decretos, mas sim com a passagem dos anos e, até, das gerações. Na sua

única alteração à peça, Manoel de Oliveira fez abrir as janelas e entrar o

vento na cena capital em que uma tia de Benilde a acusa de hipocrisia e

mentira. O vento varre a sala e decompõe a personagem que a custo volta

a fechar a janela. Benilde é esse espaço fechado que não se deixa varrer,

é essa claustrofobia onde o ar não chega, é esse mundo que só existe

enquanto clausura. É um filme de “estado de sítio”. De tudo o que se

passou em Portugal, entre a tacanha paz de Salazar e a agitação de 75,

talvez seja, por muitos intransitáveis caminhos, o mais profundo retrato

Ficha técnica

Película: 35 mm c 3040 mt 112 mnRealização: Manoel de OliveiraProdução: Tóbis Portuguesa, Centro Português de Cinema/CPCNotas: Orçamento Divulgado: 2100 contos.Assistente de Realização: Amílcar LyraObra Original:  Benilde ou a Virgem MãeAutor Original: José RégioAdaptação: Manoel de OliveiraDiálogos: Manoel de OliveiraPlanificação/Seq: Manoel de OliveiraFotografia: Elso RoqueAssistente de Imagem: Pedro EfeIluminação: João de Almeida

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Maquinista: Amadeu LomarElectricistas: António Simões, Emílio CastroDecoração: António CasimiroCenários: (Aderecista) João LuísCaracterização: Conceição MadureiraFoto de Cena: Octávio DiázBérrioAnotação: Clara DiázBérrioDirecção de Som: João DiogoMúsica: João Paes, (Sept HaikaiGagaku) Olivier MessiaenMontagem: Manoel de OliveiraEstúdios: Tóbis PortuguesaData Rodagem: Set/Out 1974Laboratório de Imagem: Tóbis PortuguesaReg Som: Valentim de CarvalhoDirecção Produção: Henrique Espírito SantoAssistente de Produção: João FrancoPatrocínio: Fundação Calouste GulbenkianDistribuição: Filmes Lusomundo, V. O. FilmesEstreia: Apolo 70Data Estreia: 21 Nov 1975Intérpretes/Personagens: Maria Amélia Aranda/Matta (Benilde), Jorge Rolla (Eduardo seu Primo), Varela Silva (Melo Cantos o Pai de Benilde), Glória de Matos (Etelvina a Mãe de Eduardo), Maria Barroso (Genoveva a Governanta), Augusto Figueiredo (Padre Cristóvão), Jacinto Ramos (Dr. Fabrício).

Entretanto, Manoel de Oliveira recebera do poder gonçalvista, que a maior

parte da classe dos cineastas contestava, apoio para um novo filme.

Amor de Perdição, que contudo, só conseguiria filmar graças a uma

grande conjugação de esforços de outros realizadores e da RTP (Rádio

Televisão Portuguesa) que resolve participar no financiamento a troco de

uma série e, por isso, teve primazia na divulgação. A 12 de Novembro de

1978, Amor de Perdição estreia no 1.º canal da RTP em horário nobre,

um filme realizado a partir do romance de Camilo Castelo Branco e numa

série de seis episódios. O realizador, segue com rigor a obra literária,

apresenta sequências com longos planos sem diálogo e com amiudadas

intervenções dum narrador. É uma daquelas obras que ensinam o

espectador a entrar na sua própria estética, numa magia em que o efeito

da duração (mais de quatro horas) e a hipnose da sala escura são

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essenciais. Num ecrã de televisão é o desastre, uma imensa "estopada",

como escreveu um crítico, dos mais brandos. Porque houve pessoas que

se impacientaram com mais intensidade.

"O menos que se pode dizer é que transformar Camilo num objecto de riso é

crime de lesa - cultura. Camilo é de todos. Mas a TV que todos pagam,

rouba-o, apalermando-lhe o génio, aviltando-lhe a força da paixão numa

fantochada filmada, cujos intérpretes papagueiam em desconsolado 'ralenti'

as intensidades discursivas do genial estilista"

Natália Correia

Foi este o tom da polémica que varreu os jornais em Portugal a

desígnio do Amor de Perdição. Depois, o filme estreou em Paris e

embasbacou a crítica francesa.

E para fazer o gosto ao “dedo” no ano de 1980 Manoel de Oliveira

entra como actor no filme Conversa Acabada, de João Botelho.

Em Maio de 1981, Francisca é novo filme de Manoel de Oliveira.

Este filme é apresentado no festival de Cannes, que abria as suas portas

ao mais respeitado dos cineastas portugueses. Este filme estreou, em

França, em Novembro (1981) e em Dezembro (1981) está nas salas dos

cinemas portuguesas. Teve um sucesso nunca visto antes e nunca mais

repetido, quase 80 mil espectadores, era a consagração absoluta.

Manoel de Oliveira no ano em que fez 74 anos (1982) pediu ao

ministro da Cultura, Francisco Lucas Pires, um subsídio especial para um

filme, também especial, de memórias, tão especial que só poderia ser

exibido após a sua morte. O Pedido foi concedido e o filme realizado. A

esse filme deu o nome de Visita ou Memórias e Confissões. Parecia

que o mestre estava em condições de uma reforma digna, tranquila e

honrada na sua quinta do Douro. Mas ninguém podia imaginar que a sua

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obra, como cineasta, nem sequer a meio estava.

Em 1983 realizou dois documentários Nice - À propos de Jean

Vigo e Lisboa Cultural. O segundo é um filme documentário sobre a

cidade de Lisboa, nas suas múltiplas dimensões culturais, as quais

abrangem o cruzamento de raças, de povos, de hábitos e costumes. Um

centro cosmopolita que, para além das pessoas, dá realce ao património

arquitectónico, assim como a uma série de lugares da capital portuguesa.

O talento e o prestígio do criador Manoel de Oliveira, em conjunto

com o vigor e a iniciativa do produtor Paulo Branco resultaram num

“casamento” que durou 20 anos com a realização de 19 filmes. Esta

aliança não poderia ter começado melhor, com a realização do

monumental Le Soulier de Satin, a partir da obra de Paul Claudel. Trata-

se de uma longa-metragem com quase sete horas de duração que foi

maioritariamente financiado pelo ministro Jack Lang que, por esses anos,

resolveu atrair à França um vasto leque de criadores, abrindo os cordões à

bolsa. O filme daria a Manoel de Oliveira o Leão de Ouro Especial do Júri e

o Prémio da Crítica no Festival de Veneza de 1985. Este filme nunca foi

exibido no circuito comercial português, mas recebeu os maiores elogios

da crítica internacional, em particular da francesa.

É nessa época que se multiplicam as homenagens a este realizador

português em sítios tão diversos como: Los Angeles, Calcutá, Washington,

Estrasburgo e São Francisco. Foi condecorado com a Comenda da Ordem

de Mérito da República Italiana, em 1982, Comenda da Ordem de Artes e

Letras da República Francesa, em 1983, Comenda da Ordem do Infante D.

Henrique, atribuída pelo Presidente da República Portuguesa, em 1989, as

honrarias Doutor Honóris Causa pela Faculdade de Arquitectura do Porto,

em 1989.

O Meu Caso (1986) é mais uma obra de Manoel de Oliveira. É uma

rara combinação de uma obra de José Régio, com outra de Samuel Beckett

e passagens do Antigo Testamento e de diferentes registos

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cinematográficos, do cinema mudo até à representação de tipo teatral.

No ano de 1987 realiza o seu último documentário,  A Propósito da

Bandeira Nacional, com o conceito e quadros do pintor Manuel Casimiro

de Oliveira (seu filho).

Desde então tem conservado um ritmo imparável de trabalho (uma

longa metragem por ano), permitido pelo estatuto que o seu prestígio

alcançou junto das instituições oficiais, especialmente as francesas, mas

também as portuguesas, nomeadamente o Instituto Português da Arte

Cinematográfica e Audiovisual (IPACA).

Entretanto, ainda lhe sobrou tempo para se dedicar ao teatro, e

escreveu e encenou a peça De Profundis no Festival de Teatro (Cidadela

do Teatro) de Santarcangelo di Romagna, em Itália (1987).

 Numa idade em que todos os que sobrevivem calçam as pantufas e

esperam pela sua hora, Manoel de Oliveira começou a fase mais intensa

da sua vida, quer em filmes, quer em viagens, quer em novas

experiências. Quanto à crítica internacional, esta rendia-se

respeitosamente ao mestre português.

Os filmes sucedem-se e em 1988 Manoel de Oliveira realiza um filme

ópera Os Canibais. Toda a acção se desenvolve em torno da música

interpretada pelos actores que representam a alta sociedade aristocrática

do século XIX. Este filme baseia-se no conto de um escritor romântico

português pouco conhecido, Álvaro Carvalhal. Desconhecida também era

uma jovem actriz que se estreia neste filme e será presença quase

constante nas produções que se seguem. Essa actriz é Leonor Silveira.

Dois anos depois (1990), Manoel de Oliveira resolve revisitar o

esplendor de Portugal através das suas maiores derrotas militares e

realiza Non ou a Vã Glória de Mandar. É filme que aborda a memória

da guerra colonial, evocando diversos pontos de viragem da nossa

história. Non ou a Vã Glória de Mandar é um filme que conjuga a

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reflexão sobre o destino de um país, cujos homens quiseram ir sempre

mais além e que, depois de 1974, se vê reconduzido às suas fronteiras

originais. Um filme com uma dimensão espectacular ímpar, de que é

exemplo a reconstituição da batalha de Alcácer-Quibir,  retratando, de

forma grandiosa e singular, diversos acontecimentos da história de

Portugal, que são evocados por um pelotão de militares nos últimos anos

da guerra colonial. É uma notável e muito pessoal reflexão de Manoel de

Oliveira sobre a identidade e o destino português. Este trabalho valeu uma

menção especial do júri oficial do Festival de Cannes, França (1990) –

Menção Especial do Júri e Prémio da Crítica Internacional.

A Divina Comédia  (1991), trata-se de um filme cuja acção decorre

numa casa de alienados, combina textos de Dostoievski, José Régio,

Nietzsche e da Bíblia e, apresenta personagens que aliam a loucura à

lucidez.

No filme com o titulo O Dia do Desespero, com produção em 1992,

Manoel de Oliveira regressa à figura de Camilo Castelo Branco, partindo da

sua correspondência epistolar para traçar os últimos anos da vida do

escritor.

Um dos seus maiores êxitos internacionais foi Vale Abraão (1993),

considerado um dos seus melhores filmes, para muitos o melhor. Um filme

com base num romance de Agustina Bessa-Luís e que marca o reencontro

do realizador com a escritora,   que passaria a acompanhá-lo como

inspiração literária para os seus filmes.

O filme A Caixa (1994) representa um momento culminante da sua

visão cómica do mundo. Este filme leva o cineasta à cidade de Lisboa,

localidade pouco presente nas suas produções. Entre a comédia e o

cómico, a película é rodada no bairro da Mouraria e retira o título do

"utensílio de trabalho" dum cego que pede esmola e assim sustenta a

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família. Neste mesmo ano (1994) e, para fazer o gosto ao dedo,

retomando um desejo antigo de ser actor cómico, teve uma breve

aparição no filme Viagem a Lisboa do realizador Wim Wenders.

Em 1995 é estreado O Convento, outro filme inspirado numa obra

de Agustina Bessa-Luis  As terras do Risco.  Apesar de vários actores

estrangeiros haverem integrado o elenco dos seus filmes, é com esta

película  O Convento que se evidencia o desejo de algumas verdadeiras

vedetas internacionais trabalharem com o decano dos realizadores em

acção. John Malkovitch executa o papel de um investigador americano que

tenta descobrir na biblioteca do Claustro da Arrábida os testemunhos de

que Shakespeare era um judeu espanhol; Catherine Deneuve é a mulher

que o acompanha.

Party,  realizado em 1996, é outra obra que merece referência. Este

filme conta a história de um jovem casal, Leonor e Rogério, que comemora

dez anos de casados e convida os amigos para uma festa no jardim do seu

belo palácio em Ponta Delgada nos Açores. Entre os convidados há dois

amigos especiais: Irene, uma famosa actriz grega e Michel, um francês

"bon-vivant" pretenso. Michel seduz Leonor e esta não recusa, deixando-

se envolver pelas doces palavras dele. Rogério, enquanto Michel e Leonor

passeiam pelos jardins do palácio, conversa com Irene, ao mesmo tempo

que se diverte a olhar para uma belíssima jovem convidada, que não tira

os olhos dele. Passados 5 anos Michel e Irene voltam aos Açores à casa de

Rogério e Leonor para um jantar a quatro. O jogo sedutor, iniciado há 5

anos atrás entre Leonor e Michel, aprofunda-se de uma forma nítida, não

perturbando Rogério que aceita o caso com um conformismo razoável.

Com o filme A Viagem ao Princípio do Mundo, (1997) Manoel de

Oliveira recorda a sua longa vida e, simultaneamente, redescobre lugares

da sua infância e juventude no norte de Portugal, tais como: o antigo

colégio jesuíta onde estudou, o hotel onde passava as férias com a família,

já em ruínas, e a mitológica estátua de Pedro Maca. Num filme

marcadamente autobiográfico, tendo como protagonista Marcello

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Mastroiani no papel de um realizador chamado Manoel (seria o último

filme do famoso actor italiano, pois morreu logo após as filmagens, vítima

de um cancro no   pâncreas).

O tempo foi passando e estávamos em 1998 quando realizou mais

uma longa-metragem com o título Inquietude, que é um conjunto de três

histórias (dos escritores Prista Monteiro, António Patrício e Agustina Bessa-

Luís), aparentemente desligadas e admiravelmente ligadas.

Em 1999, volta a apoiar-se na literatura francesa e realiza uma

película intitulada A Carta, filme realizado a partir do romance A Princesa

de Clèves da escritora Madame de La Fayette, que alguns definem como o

primeiro romance da literatura francesa. Ao lado de Chiara Mastroiani

surge o cantor português Pedro Abrunhosa, desempenhando uma

personagem com o seu próprio nome, que vai invadindo o espaço

sentimental de Madame de Clèves, tal como musicalmente penetra no

espaço onde toca a pianista Maria João Pires (representando-se também a

si mesma).

Na década de noventa Manoel de Oliveira realizou um filme por ano,

o que é impressionante para um cineasta nonagenário. Nesta mesma

década não faltaram as homenagens e as honrarias a Manoel de Oliveira.

Primeiro em Veneza (1991), depois Locarno (1992), Tóquio (1993), São

Francisco e Roma (1994), que lhe dão prestígio mundial. Em 1995 a

Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) atribui-lhe o Prémio Carreira,

inserido na comemoração do centenário do cinema. Em 1996 a Videoteca

de Lisboa abre um período denominado "Encontros com o Cinema Novo"

e, acostando nesse acontecimento "Manoel de Oliveira e as obras MOn

Caso e a Obra" participa com Antoine de Baecque, num livro sobre

diálogos para os "Cahiers du Cinéma" (revista sobre cinema editada

na França e criada em Março de 1951). A estação de televisão SIC

( Sociedade Independente de Comunicação) e a revista Caras, órgãos de

comunicação portugueses, atribuem-lhe o prémio de Melhor Realizador em

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1997.

Manoel de Oliveira inicia o segundo milénio com a realização do filme

Palavra e Utopia. Esta fita conta a história de um padre do ano 1663 que

tem que comparecer diante da terrível Inquisição portuguesa. Ele precisa

de decifrar as ideias que defende ao questionar a escravidão, a situação

dos índios e as relações império-colónia. Intrigas na corte e um pequeno

mal entendido enfraquecem o poder do jesuíta, que chegou a ser amigo

íntimo do rei Dom João IV. Perante os juízes, o padre Vieira passa a limpo o

seu passado: a juventude no Brasil e os anos de noviciado na Bahia, o seu

envolvimento na causa dos índios e o primeiro sucesso no púlpito.

Impedido de falar pela Inquisição, o pregador refugia-se em Roma, onde a

sua reputação e êxito são tão grandes que o Papa concorda em não o

retirar da sua jurisdição. A rainha Cristina da Suécia, que vive em Roma

desde a abdicação do trono, prende-o na corte e insiste em torná-lo seu

confessor. Mas as saudades do seu país são mais fortes e Vieira regressa a

Portugal. Só que a frieza do acolhimento do novo rei, D. Pedro, fazem-no

partir de novo para o Brasil onde passa os últimos anos da sua vida. Este

tributo de Manoel de Oliveira ao padre António Vieira não é uma biografia

cinematográfica, mas sim um corajoso documento sobre a palavra e sobre

o pensar.

Manoel de oliveira vê este trabalho reconhecido no ano 2000 com

prémios no Festival de Cinema de Veneza, em Itália (com o prémio da

Crítica), Festival de Cinema Ibero-Americano de Huelva, em Espanha (com

o Prémio do Júri e Prémio da Crítica), Globos de Ouro em Portugal e melhor

realizador no Saint Anthony’s International Award, Il Messaggero di Sant’

António em Roma, Itália. Também foi apresentado na Mostra Internacional

de Cinema de São Paulo, Brasil, Festival des Films du Monde de Montreal,

no Canadá e no Festival de Cinema de Veneza, Itália nomeado para Leão

de Ouro e Melhor actor (Lima Duarte).

No ano de 2001 Manoel de Oliveira realiza duas películas intituladas

Je Rentre à la Maison (Vou Para Casa) e PORTO DA MINHA INFÂNCIA.

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O primeiro filme é o "mais francês" de todos os seus filmes, dado que foi

rodado em Paris e falado em francês.

O segundo, PORTO DA MINHA INFÂNCIA, é um filme meio

documentário, meio ficção, em que Manoel de Oliveira olha para trás, e o

que nos mostra é um mundo que, radicalmente, já não existe. Este filme

foi apresentado nos seguintes festivais: Festival de Salónica, Grécia em

2001, Festival de Oslo, Noruega em 2001, Festival de São Paulo, Brasil em

2001 Festival de Frankfurt, Alemanha em 2002), tendo sido nomeado nos

Festivais de Montreal “Nouveau Cinéma, Nouveaux Media”-“Portrait, Auto-

Portrait”, Festival de Roterdão, Holanda (2002), Festival Mar del Plata,

Argentina (2002) e conquistado prémios em Itália, no Festival de Veneza

em 2001, com o Prémio Unesco e o Prémio Robert Bresson, atribuído pela

Rivista del cinematógrafo.

“PORTO DA MINHA INFÂNCIA é um documentário que o Produtor Paulo

Branco me convidou para fazer sobre a cidade do Porto, para a PORTO 2001

CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA”.

“Um documentário sobre o PORTO em 2001 era impossível agora,  com a

cidade em obras, e é coisa que poderei fazer depois. O que, por outro lado,

foi bom, porque me proporcionou a oportunidade de evocar o Porto da minha

infância, graças a algumas das minhas memórias, as mais simples e as mais

ligadas à cidade. Considero o filme um documentário, embora tenha sido

obrigado a algumas reconstituições, para que não ficasse reduzido a um

álbum de fotografias. Finalmente, trata-se de certas recordações dum tipo de

vida e de imagens de uma época passada que, embora relacionadas comigo,

não constituem uma auto-biografia.”

Manoel de Oliveira

Em 2002 o realizador, volta cruza-se com a obra de Agustina Bessa-

Luís, Baseando-se no conto "Jóia de Família" realiza o filme O Princípio

de Incerteza.   Essa obra descreve a progressiva decadência da

burguesia do Vale do Douro. Neste mesmo ano, com uma actividade

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inesperadamente activa, aos 94 anos, estreia-se na realização de um

"videoclip" para o tema "Momento" do compositor e cantor Pedro

Abrunhosa.

Em 2003 realiza mais uma longa-metragem apelidada, Um Filme

Falado. Esse filme conta uma história passada no Verão de 2001. Uma

menina que viaja de Lisboa, com a mãe, num cruzeiro e se dirige a

Bombaim ao encontro do pai. Uma viagem de recreio que é também uma

viagem pela civilização Mediterrânica, a marca mais profunda da cultura

ocidental, da Grécia antiga aos Romanos, às influências árabes, ao antigo

Egipto, Constantinopla, aos descobrimentos Portugueses, à Revolução

Francesa. No cruzeiro viajam, para além do comandante do navio, um

americano de origem polaca, três mulheres famosas, de diferentes

nacionalidades (uma empresária francesa de renome, uma antiga modelo

italiana, uma actriz e professora grega). O navio avança no seu percurso.

Mas algo terrível está para acontecer.

O Quinto Império - Ontem Como Hoje, um filme realizado em

2004 baseia-se na peça teatral «EL-REI SEBASTIÃO», de José Régio, na

qual pretendeu analisar o Rei, o Homem e a mítica personagem.

Dois mil e cinco foi o ano em que Manoel de Oliveira recebeu, em

Paris, o grau de Comendador da Ordem de Legião de Honra, pelas mãos

do presidente francês Jacques Chirac, e a Medalha de Ouro do Círculo de

Belas Artes de Madrid. Nesse mesmo ano realizou Espelho Mágico. É um

filme com a história de uma mulher aristocrata que vive fixada na ideia de

que assistirá a uma aparição da Virgem Maria. Afectada por uma doença

grave, procura apoio junto de um padre, uma freira e um professor inglês.

Entretanto um plano é armado para satisfazer o desejo da mulher e

"aliviá-la" de algum do seu dinheiro.

Manoel de oliveira, decorria o ano de 2006, quis homenagear Luís

Buñuel (realizador) e Jean Claude Carrière (colaborador de Buñuel), e

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realizou o filme Belle Toujous (A Bela da Tarde).

«"Belle Toujous" ocorreu-me à ideia inesperadamente, e como tinha gosto de

prestar a minha homenagem a Buñuel, fiquei feliz por ter encontrado o modo

de o fazer, talvez o melhor, e meti mãos à obra. De que se trata? De retomar

duas das estranhas personagens do filme «Belle de Jour», e fazê-las reviver,

trinta e oito anos depois, na estranheza de um segredo que só ficara na

posse da personagem masculina e cujo conhecimento se tornara crucial para

a personagem feminina».

Manoel de Oliveira

A película que o cineasta Manoel de Oliveira realizou em 2007 tem o

nome  Cristóvão Colombo – O Enigma. Não se trata nem de um filme

científico ou histórico, nem de carácter propriamente biográfico, mas sim

de uma ficção de teor romanesco, evocativa da grandiosa façanha dos

Descobrimentos Marítimos. Neste filme apresenta-se a novidade de que

Cristóvão Colombo era, afinal, de origem portuguesa, nascido na vila

alentejana de Cuba, e por isso, ter dado à maior ilha por ele descoberta,

no mar das Antilhas, o nome da sua terra natal, Cuba. O protagonista do

filme é um jovem apaixonado pela investigação histórica, que se

embrenha no mistério da verdadeira identidade de Cristóvão Colombo. O

jovem percorre, em Portugal e nos Estados Unidos, os locais ligados aos

descobrimentos portugueses, procurando desvendar o mistério que o

inquieta desde a sua juventude.

Criticas

“(…) uma espécie de auto-retrato desconstruído do próprio cineasta,

perturbador e apaixonante como raros o foram na história do cinema.

Grande filme.”

Francisco Ferreira, jornal expresso

“Em vésperas de centenário, Manoel de Oliveira mostra o mesmo olhar

lúcido e apaixonado.”

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Manuel Cintra Ferreira, Jornal  Expresso

Um ano não seria ano se Manoel de Oliveira não realizasse um filme

e em 2009 surge Singularidades de uma Rapariga Loura, um filme

que teve a sua antestreia no dia 28 de Abril no Festival Indie Lisboa em 2009.

Esta película é uma adaptação de uma curta obra literária de Eça de

Queiroz, que nos apresenta um jovem contabilista que se apaixona por

uma misteriosa mulher loira, que vivia na casa do outro lado da rua, e lhe

transforma literalmente a vida. Assim que a conheceu quis, de imediato,

casar com ela. O tio, para quem trabalhava, discordava da relação e, por

isso, despediu-o e expulsou-o de casa. O jovem emigra para Cabo-Verde,

onde consegue enriquecer, e quando volta a casa com a sua amada,

descobre então a "singularidade" do carácter da noiva. Tal como nas mais

recentes conversões das obras literárias para cinema, a recriação da

mesma história ambientada nos tempos modernos tem vindo a ganhar

consistência no nosso panorama cinematográfico.

O 46.º filme de Manoel Oliveira celebra o que de particular ofereceu

o seu cinema, desde o seu conhecimento vasto da cultura portuguesa até

ao prolongamento dos seus planos que tanto lhe deu “má fama”. Deste

modo, vemos como o cinema reflecte a sociedade em que vivemos,

veiculando os seus valores culturais.

O estranho caso de Angélica, é a mais recente obra que Manoel

de Oliveira, já com 102 anos de idade, realizou. A película, realizada em

2010, teve estreia mundial em Maio de 2010, no festival de Cannes.

Comercialmente, estreou a 29 de Dezembro de 2010 em Nova Iorque,

mas, em Portugal, ainda não tem data prevista para a sua estreia

comercial. O realizador recupera um argumento escrito por ele no ano de

1950. O filme é protagonizado por Pilar López de Ayala, Ricardo Trepa,

Filipe Vargas e Leonor Silveira.

«Pensei em fazer este filme logo a seguir à II Guerra Mundial. Hitler tinha

morto seis milhões de Judeus e eles estavam a ir para Portugal e para os

Estados Unidos. Agora é a mesma coisa, mas com os muçulmanos».

Declarações de Manoel de Oliveira, (citado pelo site do jornal «The Guardian», na

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conferência de imprensa que antecedeu a exibição do filme.) in

http://www.tvi24.iol.pt/cinebox/manoel-oliveira-o-estranho-caso-de-angelica-ricardo-trepa-pilar-

lopez-cannes-gabriela-canavilhas/1162676-4059.html

O filme O Estranho Caso de Angélica conta a história de Isaac

(actor, Ricardo Trêpa), um judeu que foge do massacre da II Guerra

Mundial. Ao chegar a uma cidade da região do Douro, o jovem é chamado

para fotografar Angélica (actriz Pilar Lopez), que tinha acabado de falecer.

Apesar de decorrer nos anos 50, o realizador explicou que a película foca

temas contemporâneos, como a crise económica ou o desequilíbrio

ambiental:

«A crise económica é um assunto muito sério. Vejamos o caso da Grécia.

Além disso, eu juntei ao filme a poluição, as chuvas que destruíram a

Madeira e o Rio de Janeiro. Eu achei que não ia conseguir chegar ao Festival

por causa da história do vulcão».

Declarações de Manoel de Oliveira, (citado pelo site do jornal «The Guardian», na

conferência de imprensa que antecedeu a exibição do filme.) in

http://www.tvi24.iol.pt/cinebox/manoel-oliveira-o-estranho-caso-de-angelica-ricardo-trepa-pilar-

lopez-cannes-gabriela-canavilhas/1162676-4059.html

 Num filme onde a morte é o assunto central, o cineasta refere que

não tem receio de morrer:

«Quando nascemos, a única coisa que podemos ter a certeza é a de que um

dia morreremos. Só tenho medo é de sofrer. Felizmente, até agora, ainda

não passei por nada de grave. A morte, para mim, é mais uma saída. Como

Tolstoi dizia, é uma porta, uma porta de saída».

Declarações de Manoel de Oliveira, (citado pelo site do jornal «The Guardian», na

conferência de imprensa que antecedeu a exibição do filme.) in

http://www.tvi24.iol.pt/cinebox/manoel-oliveira-o-estranho-caso-de-angelica-ricardo-trepa-pilar-

lopez-cannes-gabriela-canavilhas/1162676-4059.html

Nos Estados Unidos, o Jornal «New York Times» assinalou a estreia

com louvores ao realizador.  O filme “é o trabalho de um artista que tem

grandes doses de sabedoria e uma larga perspectiva da História, mas

também uma estranha e divertida qualidade, que só pode ser descrita

como “juvenil”, escreve o jornal. “Pela lente de Oliveira, o mundo é

apresentado com uma frescura como se acabasse de ser descoberto e ao

mesmo tempo repleto de segredos como se sempre existisse”, salienta o

diário, para quem o realizador português já fez tudo e parece estar agora

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a começar.

A ministra da Cultura de Portugal, Gabriela Canavilhas, assistiu à

estreia do filme e, em declarações à Agência Lusa, mostrou-se encantada

com o mais recente filme de Manoel de Oliveira:

«Ele não recorre a altas tecnologias, recorre a uma doçura e a uma poesia no

tratamento de imagem que me fez lembrar rendas de bilros».

«Eu diria que o único defeito do filme é a música ser boa demais, no sentido

em que nos transporta para a música e quase nos faz esquecer o lado

pictórico que o acompanha»

Gabriela Canavilhas

Em 2010 Manoel de Oliveira também realizou a curta-metragem

Painéis de São Vicente de Fora, Visão Poética, que estreou dia 9 de

Dezembro de 2010 no Auditório da Fundação de Serralves, com a

presença do realizador. É uma reflexão pessoal de Manoel de Oliveira

sobre os Painéis de São Vicente de Fora, uma obra do século XVI, atribuída

ao pintor Nuno Gonçalves. O realizador apresenta-nos um quadro vivo

filmado em Lisboa, na sala do Museu Nacional de Arte Antiga, onde os

painéis se encontravam expostos. Entre outros intérpretes, o filme

apresenta Ricardo Trêpa e Diogo Dória nos papéis de São Vicente e do

Infante D. Henrique, respectivamente. São Vicente e o Infante convergem

num vibrante apelo à justiça, à fraternidade e à concórdia entre os povos,

independentemente de raças ou religiões.

Manoel de Oliveira, nascido no tempo da Monarquia, é o único

cineasta a ter principiado a sua carreira no período do cinema mudo e a

manter-se activo no século XXI. Chegou ao centenário da República com

uma pujança de espírito admirável. O realizador é reconhecido

internacionalmente e, com 80 anos de carreira e 102 anos de idade, ainda

tem muitos projectos que gostava de realizar.

Manoel de Oliveira afirma que não tem "medo da morte, só do

sofrimento" e lança um repto ao Ministério da Cultura, para apostar na

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internacionalização do cinema português, que tem espaço no mercado

global, e, garante, pode trazer receitas importantes para o país. O seu

reconhecido papel como criador cultural fê-lo liderar um grupo de

personalidades ligadas à Cultura Portuguesa que receberam o Papa Bento

XVI a 12 de Maio de 2010 em Lisboa, no Centro Cultural de Belém.

A obra deste cineasta está repleta de um Humanismo Universalista

que pode, e deve, fazer irradiar a alma do povo português de abertura ao

mundo.

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