A Opção Pelo Planejamento Estratégico e Os Conflitos Urbanos

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A Opªo pelo Planejamento EstratØgico e os Conflitos Urbanos Manifestos em Belo Horizonte (MG) 1 . O planejamento estratØgico, baseado na competitividade por recursos escassos, vem sendo largamente adotado por governos em detrimento da qualidade de vida, da participaªo e da inclusªo dos cidadªos em suas polticas. O municpio de Belo Horizonte, em claro contraponto s polticas participativas adotadas nos anos 1990, bem como o Estado de Minas Gerais, nªo sªo exceªo. O artigo tenta esboar uma reflexªo acerca das conseqüŒncias deste tipo de planejamento, a partir dos conflitos urbanos manifestos em Belo Horizonte entre Abril e Novembro de 2008. Faz-se uma breve revisªo bibliogrÆfica sobre os temas abordados e considera-se as especificidades do caso belo-horizontino, para apresentar os dados coletados pelo "Observatrio dos Conflitos Urbanos de Belo Horizonte" junto imprensa escrita e televisiva e ao DiÆrio Oficial do Municpio. Os cinqüenta casos de conflitos coletados sªo analisados em termos de locais de origem e manifestaªo, de coletivo mobilizado e entidade reclamada e principalmente do objeto (ou assunto) da manifestaªo. Sªo enfim oferecidas anÆlises preliminares quanto ao significado dos conflitos enquanto resposta s polticas pœblicas em vigor no caso de Belo Horizonte. Palavras-chave: Planejamento EstratØgico, Polticas pœblicas, Espaos Livres Urbanos, Conflitos Urbanos, Belo Horizonte. 1 Apresentando resultados de pesquisa realizada com apoio da FAPEMIG e do CNPQ.

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PLANEJAMENTO ESTRTEGICO

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  • A Opo pelo Planejamento Estratgico e os Conflitos Urbanos

    Manifestos em Belo Horizonte (MG)1.

    O planejamento estratgico, baseado na competitividade por recursos escassos, vem sendo

    largamente adotado por governos em detrimento da qualidade de vida, da participao e da

    incluso dos cidados em suas polticas. O municpio de Belo Horizonte, em claro

    contraponto s polticas participativas adotadas nos anos 1990, bem como o Estado de

    Minas Gerais, no so exceo. O artigo tenta esboar uma reflexo acerca das

    conseqncias deste tipo de planejamento, a partir dos conflitos urbanos manifestos em

    Belo Horizonte entre Abril e Novembro de 2008. Faz-se uma breve reviso bibliogrfica

    sobre os temas abordados e considera-se as especificidades do caso belo-horizontino, para

    apresentar os dados coletados pelo "Observatrio dos Conflitos Urbanos de Belo Horizonte"

    junto imprensa escrita e televisiva e ao Dirio Oficial do Municpio. Os cinqenta casos de

    conflitos coletados so analisados em termos de locais de origem e manifestao, de

    coletivo mobilizado e entidade reclamada e principalmente do objeto (ou assunto) da

    manifestao. So enfim oferecidas anlises preliminares quanto ao significado dos conflitos

    enquanto resposta s polticas pblicas em vigor no caso de Belo Horizonte.

    Palavras-chave: Planejamento Estratgico, Polticas pblicas, Espaos Livres Urbanos,

    Conflitos Urbanos, Belo Horizonte.

    1 Apresentando resultados de pesquisa realizada com apoio da FAPEMIG e do CNPQ.

  • A Opo pelo Planejamento Estratgico e os Conflitos Urbanos

    Manifestos em Belo Horizonte (MG).

    Introduo

    O planejamento estratgico opo de planejamento institucional vinculada

    competitividade por recursos escassos, que tem como objetivo a insero e manuteno da

    instituio nos mercados regionais e/ou internacionais - vem sendo largamente adotado por

    governos em detrimento da qualidade de vida, da participao e da incluso dos cidados

    em suas polticas. Tendo como base de anlise a opo por tal modelo de planejamento na

    cidade de Belo Horizonte e no Estado de Minas Gerais, o artigo visa investigar algumas de

    suas conseqncias atravs da leitura da conflituosidade expressa nesta cidade.

    O trabalho tem como foco os conflitos urbanos manifestos em Belo Horizonte entre Abril e

    Novembro de 2008. Entende-se por conflito urbano todo e qualquer confronto ou litgio

    relativo infra-estrutura, servios ou condies de vida urbanas, que envolva pelo menos

    dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o Estado) e se manifeste no espao

    pblico (vias pblicas, meios de comunicao de massa, justia, representaes frente a

    rgos pblicos, etc). Entende-se ainda, grosso modo, que os conflitos so respostas da

    populao ausncia ou inadequao de polticas pblicas, como se discutir adiante.

    Para a construo do argumento principal e para a especulao aqui proposta, fez-se uma

    breve reviso bibliogrfica acerca das bases do planejamento estratgico, em especial do

    city marketing, dos espaos livres urbanos, dos conflitos urbanos como movimentos sociais,

    e das especificidades do caso belo-horizontino.

    A coleta de dados se deu no mbito do "Observatrio dos Conflitos Urbanos de Belo

    Horizonte" que, desde Abril de 2008 registra, sistematiza, classifica e produz informaes

    sobre lutas urbanas, movimentos sociais e as mltiplas e diversas manifestaes da

    conflituosidade da cidade, atravs de uma base de dados geo-referenciada. As fontes

    utilizadas para a coleta de dados so trs jornais dirios de grande circulao Estado de

    Minas, Dirio da Tarde e Hoje em Dia, os jornais televisivos locais MGTV e Jornal da

    Alterosa e o Dirio Oficial do Municpio de Belo Horizonte, onde so publicadas todas as

    pautas pertinentes s reunies dos conselhos populares, palco privilegiado de manifestao

    de conflitos e demandas dos cidados. A opo por estas fontes requer compreenso de

    seus limites e potencialidades; alm de seu carter seletivo, pode-se perceber claramente a

    parcialidade da imprensa quando trata de questes de interesse dos governos. Apesar de

  • se reconhecer esses limites, o uso do jornal impresso como fonte de pesquisa se justifica na

    medida em que ele informa, de modo sistemtico, grande parte dos conflitos que se do na

    cidade. Ainda, muitas vezes, os atores envolvidos nos conflitos procuram dar publicidade

    sua luta a partir do uso de contatos em jornais e com isso fortalec-la. A coleta empreendida

    pelo Observatrio obviamente no expressa a totalidade dos conflitos que ocorrem na

    cidade, mas representa um mapeamento possvel, a partir das fontes selecionadas. Uma

    vez coletados, os conflitos foram classificados conforme as seguintes variveis: objeto do

    conflito, formas assumidas pelo conflito, agentes envolvidos, localizao e data de

    ocorrncia.

    Foram coletados cinqenta casos de conflitos manifestos; os dados foram, por fim,

    organizados e categorizados em uma adaptao da metodologia proposta por Kaspar (apud

    DENCKER, 2003) para compreender o perfil predominante de casos (derivado da medida de

    centralidade conhecida por moda), permitindo anlises preliminares quanto ao seu

    significado enquanto resposta s polticas pblicas em vigor no caso de Belo Horizonte.

    Desenvolvimentismo e Planejamento Estratgico

    O discurso desenvolvimentista do sculo XX, que tinha como receiturio estender ao

    Terceiro Mundo (incluindo-se a os ditos pases em desenvolvimento) a modernidade e o

    progresso desconsiderou alguns importantes aspectos histricos e estruturais: 1) a

    experincia europia de industrializao no foi repassada ao Terceiro Mundo; 2) os pases

    pobres no tinham colnias para explorar; 3) a estrutura de classes nesses pases era

    completamente diversa daquela encontrada no Primeiro Mundo, principalmente naqueles

    adeptos ao modelo escravocrata e ao sistema de castas; e 4) havia uma enorme

    diversidade cultural e poltica entre os pases pobres (DOS SANTOS, 1973).

    Ao trazer uma industrializao parcial ao Terceiro Mundo, o desenvolvimentismo criou, alm

    da chamada dependncia estrutural em relao aos pases centrais, a criao de estados

    fortes e intervencionistas baseados na centralizao das decises, no autoritarismo, e na

    burocracia (CARDOSO E FALETTO, 1970); o aprofundamento das relaes sociais

    baseadas em desigualdades regionais e de classe; a prevalncia dos sistemas de

    conhecimento dominados pelo Primeiro Mundo sobre os sistemas de conhecimento locais,

    desqualificando e marginalizando estes ltimos (ESCOBAR, 1995). Os estratos de baixa

    renda nos pases do Terceiro Mundo foram quadruplamente penalizados pelo

    desenvolvimentismo e seu ideal de modernizao: Primeiramente, o processo de

    "modernizao rural" desconsiderou suas necessidades, conhecimentos, e modos de

    produo, excluindo os mais pobres do mercado formal de produo e renda; em segunda

  • instncia, suas economias de subsistncia foram destrudas pela sua expulso da terra; em

    terceira instncia, os problemas econmicos dos pases empobrecidos causaram a reduo

    de empregos e de oportunidades no campo e na cidade; finalmente, em quarta instncia,

    quando o modelo desenvolvimentista no espalhou os prometidos frutos do progresso pelo

    mundo, os governos endividados foram obrigados a cortar programas sociais de toda sorte.

    Os Estados Nacionais, bem como seus estados, provncias e municpios integrantes, de tal

    sorte endividados e magros, embarcam ento na competio por recursos escassos,

    abraando o recm-importado modelo militar estadunidense de planejamento estratgico.

    Bases do Planejamento Estratgico

    Conforme argumenta lvares (1992), o planejamento estratgico apresentou-se como uma

    alternativa ao modelo racional-compreensivo, vigente nos pases desenvolvidos desde os

    anos 1920. No modelo adotado a partir dos anos 1940 por governos estado-unidenses e

    europeus, os objetivos e diretrizes dos planos continuavam a ser compreendidos e

    solucionados por tcnicos, ditos experts, e autoridades, desta feita para atender a objetivos

    gerais de mercado; os meios divisados no mais teriam uma definio prvia, como por

    exemplo as melhorias fsico-territoriais; quaisquer meios seriam adotados desde que

    eficientes e eficazes, independentemente de questes valorativas e/ou normativas, como a

    igualdade de oportunidades e deveres entre unidades administrativas ou cidados de uma

    mesma comunidade. Enquanto no modelo anterior, os planos eram financiados pelos

    prprios governos atravs do direcionamento de tributos, ttulos pblicos e emisso de

    divisas, agora o seriam pelo segundo setor, o da produo privada, que passava a decidir

    na mesma medida em que financiava.

    Os processos decisrios passariam ento, das mos dos representantes dos governos para

    o domnio do capital privado, com a aprovao dos primeiros. Suas estratgias enfocavam

    as mais eficientes e competitivas solues para problemas fsicos e econmicos, se

    baseavam em dados e anlises quantitativos ou nas consultorias dos experts e eram

    apoiadas pelas elites empresariais. O papel do cidado seria somente e maximamente o de

    conhecer planos j em estgios avanados para sua aprovao. Mais comumente, ento,

    teramos planos gerais para a cidade, coordenando todos os setores e regies a partir de

    regras de eficincia pr-estabelecidas para o todo, inviabilizando uma flexibilizao em

    relao s distintas caractersticas comunitrias.

    O processo de globalizao dos anos 1980 e 1990 transformou a dinmica mundial com

    relao informao e acirrou ainda mais o senso de competitividade entre as localidades,

  • de acordo com Borja e Forn (1996). A possibilidade informacional da globalizao fez com

    que cada lugar [tivesse] acesso ao acontecer dos outros (SANTOS, 2004, p.26), adotando

    os mesmos princpios e mtodos de planejamento das cidades, que passaram a ser geridas

    como empresas; a mercadotecnia da cidade; vender a cidade, converteu-se (...) em uma

    das funes bsicas dos governos locais (...) (BORJA e FORN, 1996, p.33 Apud VAINER,

    2004). A venda da cidade, ou city-marketing, diante do quadro competitivo neo-liberal e da

    sempre em queda disponibilidade de recursos, especialmente no Terceiro Mundo,

    transformou-se em premissa na administrao pblica (ASHWORTH E VOOGD, 1991 e

    COOKE, 1990 apud SANCHEZ, 1999).

    Marketing urbano, city marketing, venda da cidade

    O campo de atuao do marketing pode ser uma empresa, um produto ou marca qualquer,

    incluindo-se a lugares e/ou pessoas (KOTLER, HAIDER e REIN, 1996). Quando atua sobre

    uma cidade pode-se denomin-lo marketing urbano. Ele consiste no emprego de aes,

    estratgias de anlise, planejamento, execuo e controle dos processos que ocorrem num

    determinado territrio, objetivando atender s necessidades e expectativas do mercado

    (pessoas fsicas e empresas) e contribuir para melhorar a competitividade da localidade no

    seu ambiente concorrencial.

    Para financiar ou realizar seu projeto de marketing urbano, a localidade tem que estabelecer

    parcerias, sobretudo para captar recursos que financiem sua implementao. Estas

    parcerias podem ser entre entidades pblicas, empresas e organizaes no

    governamentais. Os grandes projetos de interveno urbana, via de regra, so financiados

    atravs das parcerias estratgicas. Desta forma, as parcerias construdas pelas localidades

    determinam a qualidade do modelo de desenho urbano implantado pela localidade. O

    capital em pessoa hoje o grande produtor dos novos espaos urbanos, por ele

    inteiramente requalificados. Desta forma, o espao pblico e a fisionomia das cidades tm

    sido determinadas ou ditadas, em grande parte, por estratgias empresariais contando com

    o apoio e aval estatais (ARANTES, 2000, p.226). Ao adquirir o carter de uma empresa, a

    cidade segue regras ditadas pelo mercado, perdendo a dimenso de territrio de exerccio

    da democracia local (ARANTES, VAINER e MARICATO, 2000).

    Espaos Livres Urbanos

    A discusso sobre os Sistemas de Espaos Livres Pblicos foi recorrente na segunda

    metade do sculo XX, tanto nos meios acadmicos como nas reas administrativas. Nos

  • estudos acadmicos, parte-se do princpio de que em toda a cidade existe um sistema de

    espaos livres pblicos e privados, seja ele planejado ou casustico, e que o espao pblico

    um elemento urbano fundamental para o desempenho da vida social, associado idia de

    localizao, acessibilidade e distribuio, no tocante a lazer e/ou conservao de recursos

    naturais.

    Chama-se de espao pblico no apenas aquele de propriedade pblica (os bens de uso

    comum do povo, as ruas, praas, parques, os imveis do poder pblico, as escolas pblicas,

    os postos de sade, os terminais municipais etc.), mas todos os lugares de apropriao

    pblica, onde se realizam aes da esfera pblica.

    Os espaos livres urbanos constituem um sistema complexo, dada a inter-relao com

    outros sistemas urbanos que podem se justapor ao sistema de espaos livres. Formam um

    sistema, apresentando, sobretudo, relaes de conectividade e complementaridade. Entre

    seus mltiplos papis, por vezes sobrepostos, esto a circulao urbana, a drenagem

    urbana, atividades do cio, imaginrio e memria urbana, conforto ambiental, conservao e

    requalificao ambiental, e convvio pblico.

    Bauman (2007) descreve os espaos livres urbanos a partir da dicotomia gerada pelo medo

    e seu contraponto, as possibilidades sociais de encontro com o outro. Enquanto a ambio

    modernista propunha o aniquilamento e o nivelamento das diferenas, sem jamais realizar

    tal faanha, a tendncia ps-moderna aprofunda e as calcifica, atravs da separao e

    estranhamento mtuos. No entanto, se por um lado os espaos pblicos conduzem a

    sensaes de repulsa, por outro, a atrao que exercem sobre os indivduos tem chance de

    superar ou neutralizar tal repulso:

    Uma reunio de estranhos um lcus de imprevisibilidade endmica e incurvel. [...]

    Os espaos pblicos so locais em que os estranhos se encontram e portanto

    constituem condensaes e encapsulaes dos traos definidores da vida urbana.

    nos espaos pblicos que a vida urbana, com tudo que a separa de outras formas de

    convvio humano, alcana sua expresso mais plena, em conjunto com suas alegrias

    e tristezas, premonies e esperanas mais caractersticas... (Bauman, 2007, p. 102).

    [S]em suprimir as diferenas, de fato ele (o espao pblico) as celebra. O medo e a

    insegurana so aliviados pela preservao da diferena juntamente com a

    capacidade de se movimentar livremente pela cidade. [...] a exposio diferena

    que com o tempo se torna o principal fator da coabitao feliz, fazendo com que as

    razes urbanas do medo venham a definhar e desaparecer. (Bauman, 2007, p. 103).

  • Tal como Bauman, Simmel destaca a importncia das interaes sociais, ou seja, do espao

    que obriga os indivduos a formarem uma unidade uma sociedade; o filsofo entende a

    sociabilidade como a auto-regulao do indivduo em suas relaes com os outros.

    Macedo, Robba e Queiroga 1, citam Arendt (1958) para resgatar o conceito aristotlico de

    vita activa e sua relao com os espaos livres urbanos. Para Arendt, a esfera de vida

    pblica a esfera prpria da vita activa - ao poltica ampla que concorre

    fundamentalmente para a construo da cidadania e das civilizaes:

    Na esfera pblica as diferenas e divergncias tm, ou teriam, a possibilidade de se

    apresentar atravs dos discursos comunicativos (visando o entendimento mtuo, uma

    verdade processual), da decorrendo o acordo poltico em seu sentido maior, a noo de

    interesse pblico, de bem pblico, constitudo socialmente diante do conflito de interesses,

    individuais ou de grupos. [...] A vida humana manifesta-se no cotidiano onde se revelam os

    conflitos e as contradies de cada sociedade em seus diferentes momentos histricos.

    Os autores discutem ainda outro contraponto que tem lugar na produo dos espaos livres

    urbanos, este entre a individualidade particular e a prpria genericidade humana presente

    em cada indivduo; exacerbado nos tempos atuais, mostra a convivncia, nem sempre

    pacfica, entre as esferas pblica e privada, entre o contemporneo e o tradicional, entre o

    indivduo, os grupos e o coletivo. Os espaos livres urbanos so, portanto, territrio prprio

    vida pblica e manifestao de conflitualidades, para Macedo, Robba e Queiroga.

    Movimentos Sociais e Conflitos Urbanos

    At os anos 1980, o Primeiro Mundo e as elites dos pases pobres continuavam a defender

    o desenvolvimento e o progresso como processos lineares e universais, persuadindo ou

    forando as classes mdias e baixas a continuar vivendo este paradigma. A disseminao

    deste discurso foi um entrave ao reconhecimento do sub-desenvolvimento em todo o

    Terceiro Mundo, impedindo a conscientizao popular da necessidade de uma nova ordem

    mundial. No entanto, setores da sociedade civil como grupos comunitrios, religiosos,

    tnicos, femininos ou de profissionais liberais, acadmicos e ambientalistas comeavam a

    conscientizar as classes menos favorecidas dos descaminhos do desenvolvimentismo e da

    necessidade de se criar novas alternativas de gerenciamento do estado.

    A maioria dos movimentos sociais, bem como uma srie de organizaes no-

    governamentais que agora ocupam lugar de destaque na Amrica Latina, tem razes

  • exatamente nas desigualdades sociais atribudas adoo do paradigma

    desenvolvimentista nos anos 1960 e 1970. Em toda a Amrica Latina, fatores como as

    intervenes estrangeiras, o papel do estado e das elites locais, a concentrao de renda, a

    ausncia de polticas pblicas sociais, a proletarizao das comunidades rurais, e o

    crescimento da sub-classe urbana demandavam organizao e luta por melhores condies

    de vida, tanto na cidade como no campo. Os movimentos e manifestaes sociais que se

    materializaram nos anos 1970, de maneira geral, podem ser entendidos como sementes de

    uma nova identidade para as classes menos favorecidas, como smbolos de resistncia

    opresso, seja ela poltica, econmica ou social. Eles apoiavam e valorizavam o

    questionamento em relao ao estado centralizador e hierrquico e em relao

    legitimidade do status das elites (CARDOSO, 1983).

    Torres Ribeiro (apud CMARA, 2006) aponta uma dupla natureza no processo de

    modernizao a partir dos anos 1980: Enquanto a tecnologia celebra a arquitetura icnica e

    os grandes equipamentos de uso excludente, as experincias de sobrevivncia popular so

    apagadas do espao pblico. A partir dos anos 1990 a experincia democrtica, presente na

    organizao social dos anos 1970, passa a se restringir aos momentos eleitorais. Segundo

    Cmrara:

    O espao, que segundo a autora, apresenta as marcas da acumulao histrica de

    normas que orientaram sua formao e sua apropriao, a partir da modernizao

    segmentada e seletiva do ambiente construdo, cria uma nova hierarquia e

    morfologia urbanas que guetificam as reas de moradia das classes populares

    (CMARA, 2006, p. 38).

    Assim como os estudiosos do chamado city marketing e dos espaos livres urbanos, Torres

    Ribeiro (apud CMARA, 2006) conclui que a economia se impe poltica e o mercado ao

    Estado. Ainda, acirram-se os nveis de desigualdade e concentrao de renda; como

    resposta, o Estado estratgico adota ento polticas repressivas e marketeiras, saneando

    as cidades de suas mazelas sociais e escondendo o que os investidores no querem ver

    (CMARA, 2006). Conclui Cmara:

    nas cidades, e nas grandes cidades em particular, que se manifestam de maneira

    mais aberta e brutal as desigualdades que marcam nossa sociedade. [ali] que as

    mltiplas formas de violncia penetram o quotidiano e passam a constituir elemento

    do prprio modo de vida na sociedade brasileira contempornea. Os conflitos

    urbanos, em sua complexidade e diversidade, permitem uma leitura inovadora e

  • original acerca das formas assumidas pela desigualdade e pela violncia urbanas

    (CMARA, 2006, p. 39).

    O caso de Belo Horizonte: Polticas Pblicas e Conflitos Urbanos

    Belo Horizonte foi fundada em 1897 para ser sede do Estado de Minas Gerais e projetada

    para abrigar 200.000 moradores ligados atividade administrativa e estrutura necessria a

    esta funo primeira. Durante o sculo XX a cidade foi sendo gradativamente ocupada: em

    suas reas centrais, pela funo residencial de elite, com alguns enclaves comerciais; em

    suas reas mais perifricas, pelos trabalhadores de baixa remunerao e, em seguida, pelo

    uso de apoio aos ciclos industriais regionais. A cidade iniciou, assim, sua vida econmica

    como prestadora de servios administrativos para, em seguida, adquirir tambm o carter de

    centro de distribuio de mercadorias; sua vida social foi pautada pela excluso desde a

    fundao, quando os antigos moradores do arraial foram expulsos da regio central. Nos

    anos 50, passou por um perodo de industrializao e atrao de populao advinda do

    interior do estado e de estados prximos, sempre abrigando os mais abastados na zona

    central e os mais pobres na periferia ou nas favelas incrustadas em locais pouco

    apropriados ocupao.

    Fazendo eco a processos nacionais e internacionais, Belo Horizonte vive, a partir dos anos

    1970, as conseqncias de dois fenmenos econmicos: a estagnao do crescimento e a

    desconcentrao de atividades das suas reas centrais para as periferias e at para outros

    municpios (PBH, 1996). Belo Horizonte teve seu Produto Interno Bruto (PIB) em queda

    durante os anos 1990 e at o incio dos anos 2000, especialmente nos setores primrio e

    secundrio (PBH, 2007). Da talvez a escolha pelas estratgias competitivas no

    planejamento a partir de 2002. Ainda, o aumento constante e significativo da participao do

    comrcio e dos servios no PIB municipal gera, desde fins dos anos 1990, grandes

    expectativas em relao ao turismo de negcios e eventos. A administrao Pimentel (2001-

    2008) vem tentando sedimentar o carter de receptor turstico da cidade atravs do city

    marketing.

    A ausncia da instncia metropolitana na gesto de Belo Horizonte

    Desde o estabelecimento das regies metropolitanas pelo governo federal em 1973 esta

    instncia foi largamente dominada pelo poder centralizado, tendo evoludo rumo a um

    domnio estadual at 1988, ano de adoo da nova constituio; as polticas para a Regio

    Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) eram ento traadas a partir dos comits

    deliberativo e consultivo, subordinados diretamente ao governador do Estado. Tanto

  • juridicamente quanto nas prticas administrativa e urbanstica, o planejamento da RMBH se

    pautava por um paradigma centralizador, tcnico-burocrata, e de intervenes fsico-

    territoriais, como parece ter acontecido em todas as outras regies metropolitanas

    brasileiras (ALVARES, 2001).

    Na carta magna de 1988, o conceito de regio metropolitana deixado de lado, incumbindo

    os estados do assunto se for de seu interesse. A eficincia e a vontade poltica em cada

    estado tornam-se preponderantes na instituio e administrao das regies metropolitanas.

    Em 1989, com a promulgao da Constituio do Estado de Minas Gerais, so criadas a

    Regio Metropolitana de Belo Horizonte e a Assemblia Metropolitana (AMBEL), mas a

    regulamentao de ambas s viria em 1993, atravs de lei complementar (26/1993). A lei

    institua, entre outras coisas, a composio da AMBEL (que contaria com vereadores eleitos

    de cada municpio metropolitano em proporo sua populao, ficando o municpio sede

    sub-representado politicamente), das cmaras tcnicas setoriais, de um comit executivo

    formado pelos prefeitos da regio, e do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano. As

    funes de planejamento e assessoria tcnica continuariam a cargo do PLAMBEL (antiga

    autarquia de planejamento da RMBH). Em 1996, contrariando as expectativas da prpria Lei

    Complementar 26 de 1993, o Governo de Minas extingue o PLAMBEL e transfere suas

    atribuies de planejamento e assessoria Secretaria de Estado de Planejamento e

    Coordenao Geral (Seplan), num claro movimento centralizador. Somente no ano de 1997

    o governo regularizou o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano.

    Os dezessete anos de existncia da antiga AMBEL so marcados pela sua no instalao

    de fato devido ao desequilbrio de foras polticas desenhado desde sua concepo

    (ALVARES, 2001). As atribuies de planejamento exercidas pelos rgos competentes no

    tiveram nenhuma coordenao ou direcionamento. No estando a AMBEL devidamente

    instalada, no havia rgo gestor ou executor ou um Plano Diretor Metropolitano e os planos

    setoriais caam necessariamente no vazio. As iniciativas do Governo de Minas frente

    questo metropolitana parecem ter objetivado claramente a desarticulao dos seus

    municpios, evitando uma instncia de poder controladora da maior parte da produo

    industrial e da receita do Estado. Assim, o que poderia ter sido uma evoluo

    descentralizadora apareceu como uma fora desorganizadora, mantendo ainda o estilo de

    planejamento de cima para baixo. Tambm ao municpio sede, outro possvel elemento

    catalisador do processo metropolitano, no interessava a instalao da AMBEL e dos

    comits, instncias onde era sub-representado.

  • Em 2006, a Lei complementar 49/1997 foi revogada com a instituio de nova legislao

    pertinente (leis complementares 88 e 89/2006), que estabeleceu novos Assemblia

    Metropolitana, Conselho Deliberativo e Fundo Metropolitano e ainda uma Agncia de

    Desenvolvimento. Em agosto de 2007 foi instalada a nova AMBEL; a agncia de

    planejamento metropolitano submetida Secretaria de Estado de Desenvolvimento

    Regional e Poltica Urbana (SEDRU), em novo movimento centralizador; a SEDRU que

    ora elabora o Plano Diretor da RMBH; nenhuma meno sobre o funcionamento de fato do

    Conselho Deliberativo ou do Fundo Metropolitano pode ser encontrada nos stios eletrnicos

    da SEDRU ou da Assemblia Legislativa de Minas Gerais.

    Assim, ainda em fins de 2008, o que se averigua que no surgiram frutos prticos das

    moes legais de 2006 e 2007; a RMBH continua vtima da ausncia de polticas

    metropolitanas efetivas. Por outro lado, os objetivos delineados pela SEDRU desenham um

    quadro de planejamento de cima para baixo, revelando total afinidade com os eixos de

    planejamento estratgico do Estado, que pretende utilizar a instncia metropolitana como

    reforo implantao de polticas de seu interesse 2.

    A gesto metropolitana dos transportes O nico eixo temtico do planejamento e da

    gesto metropolitana que se institucionalizou neste nvel foi o dos transportes. Com a

    extino da Metrobel (empresa estadual de transportes da RMBH) em 1986, foi instituda a

    Transmetro, autarquia subordinada SEMETRO; esta autarquia, No entanto no

    implementou qualquer projeto infra-estrutural [...], nem efetivou qualquer interveno

    significativa nos sistemas metropolitanos de transporte e de trnsito (GOUVA, 2005, p.

    120), tendo ainda representado retrocesso poltico no sentido da centralizao. A partir de

    1993, com a municipalizao dos transportes pblicos e a criao da BHTrans, da

    Transbetim e da Transcon (Empresas de Transporte das principais cidades da RMBH), a

    gesto metropolitana resumiu-se na prtica Cmara de Compensao Tarifria

    Metropolitana gerida pela Transmetro. A lei 11403 de 1994 transferiu as atribuies da

    Transmetro para o DER-MG, desvinculando ainda mais o transporte metropolitano das

    outras atividades. Segundo Gouva (2005)

    A inclinao fortemente municipalista de Constituio de 1988 contribuiu para

    o esvaziamento, e mesmo para a extino, de um grande nmero de

    agncias estaduais que desempenhavam funes de planejamento e de

    gesto integrada nas principais regies metropolitanas do pas. Essa

    realidade gerou um grande desafio no campo poltico-institucional, at o

    momento no equacionado (GOUVA, 2005, P. 122)

  • A opo pelo Planejamento Estratgico em nveis municipal e estadual

    A partir do incio dos anos 1990, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) adota

    projetos de requalificao da cidade visando sua insero no mercado internacional de

    eventos. A renovao da Pampulha, em especial, ganha grande alento no governo Pimentel

    (2001-2008), com o turismo de negcios adquirindo status de poltica pblica. Utilizou-se a

    de parcerias estratgicas entre as administraes Estadual e Municipal e a iniciativa privada,

    com destaque para as grandes redes de comunicao nacional. Essa estratgia tambm foi

    utilizada em 2005, para restaurar a Igreja de So Francisco, smbolo de Belo Horizonte, com

    patrocnio da Fundao Roberto Marinho.

    A publicidade oficial clara: Atravs [...] da realizao de eventos internacionais [...] e da

    divulgao do municpio no exterior, Belo Horizonte est aos poucos projetando-se

    internacionalmente e criando novas oportunidades para todos (PBH, 2005).

    O city marketing mais uma vez utilizado quando da contratao da Chias Marketing,

    conhecida empresa internacional da rea, famosa por planejar a revitalizao de Bilbao e

    Barcelona, a fim de posicionar e promover a capital mineira como destino de turismo de

    lazer, eventos e negcios (BELO HORIZONTE, 2006). O Plano Horizonte, entregue em

    dezembro de 2006 PBH, apresenta como principal meta que o turismo na cidade cresa

    25% em quatro anos, gerando, ao final desse perodo, 15 mil empregos no setor, [e dever

    se] desdobrar em uma campanha a ser lanada provavelmente no ano que vem, para

    transformar [a] cidade definitivamente em um plo receptivo (PBH, 2006).

    O Governo do Estado de Minas Gerais tambm adota o investimento na capital como uma

    das suas prioridades. Um dos mais importantes projetos estruturantes do Estado a

    Plataforma Logstica de Comrcio Exterior da Regio Metropolitana de Belo Horizonte, que

    tem como objetivo consolidar a RMBH como um plo dinmico de logstica e de servios

    avanados para o comrcio exterior, [com o] desenvolvimento do Aeroporto Industrial [no j

    existente terminal Tancredo Neves] (MINAS GERAIS, 2006a). Para o Sub-Secretrio de

    Estado para Assuntos Internacionais, Luiz Athayde, a estratgia de melhoramento da infra-

    estrutura pretende alar Belo Horizonte ao patamar de um dos principais corredores de

    negcios, logstica e comunicaes da Amrica Latina a exemplo de Hong Kong, que

    investe na cidade do futuro, ou aerpolis (sic), como alternativa futura aos modelos

    baseados no transporte terrestre 3.

    A 47a. Reunio Anual da Assemblia de Governadores do Banco Interamericano de

    Desenvolvimento (BID) e a 21 Reunio Anual da Assemblia de Governadores da

  • Corporao Interamericana de Investimentos (CII), disputadas entre vrias cidades das

    Amricas, aconteceram em Belo Horizonte em abril de 2006. Segundo a matria BH e

    Minas Gerais ganham projeo internacional com BID, a vantagem de sediar o encontro

    colocar o Estado e sua capital em evidncia no mercado internacional. A captao do

    evento serviu tambm como marco inaugural do novo Centro de Feiras e Exposies -

    Expominas, [...] um dos mais modernos centros de feiras do Pas; incentivando o turismo de

    negcios, o Governo de Minas Gerais investiu R$ 150 milhes no empreendimento, que tem

    26 mil metros quadrados de rea construda (BID, 2006). Complementando as estratgias

    de marketing urbano, a parceria entre a Rede Minas e a Spark Media - empresa de

    produo audiovisual com sede em Washington que cobre os eventos do BID h 10 anos -

    garantiu a transmisso de informaes a 40 emissoras de TV em todo o mundo (MINAS

    GERAIS, 2006b).

    Conclui-se assim, que a cidade de Belo Horizonte passou a ser vendida tanto para a

    populao interna, quanto para os investidores e turistas. O marketing de cidade se converte

    nos ltimos anos numa das funes bsicas do poder local (SANCHEZ, 1999, p. 118). Com

    uma histria de negao do planejamento metropolitano e com um presente focado nas

    estratgias do planejamento estratgico em nveis estadual (que tem para a cidade uma

    agenda especfica e desenhada a partir dos interesses exclusivos do Estado) e municipal,

    de se esperar que conflituosidades em torno dos servios pblicos e da gesto urbana

    sejam manifestos.

    Conflitos Urbanos em Belo Horizonte sob a gide do Planejamento Estratgico

    Dos cinqenta conflitos registrados entre os meses de Abril e Novembro pelo Observatrio

    de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte, 42% se referem cidade como um todo como local

    do conflito (totalizando 21 conflitos), enquanto os 48% restantes se espalham pelos bairros.

    Interessantemente, a Regional Centro-Sul, de maior IDH-M no ano 2000 (0,914 contra uma

    mdia municipal de 0,839), a que se apresenta como maior geradora de conflitos, talvez

    por sua populao mais empoderada, talvez ainda por apresentar os maiores contrastes

    sociais entre bairros, 0,973 para o Bairro Carmo-Sion contra 0,698 para o Aglomerado da

    Serra no ano 2000, por exemplo (FJP, 2006).

    J em relao ao local da manifestao, 30% se referem cidade como um todo,

    totalizando 15 casos manifestados em instncias polticas, institucionais ou na imprensa,

    sem referncias geogrficas, e 28% se referem Regional Centro-Sul (14 casos), onde as

    manifestaes obtm maior ateno do pblico em geral, do poder pblico e da imprensa.

  • Quarenta e dois por cento dos conflitos so reivindicados por moradores ou vizinhos

    (totalizando 21 conflitos); os outros grupos mais representados so os profissionais de uma

    mesma rea (10%), e os sindicatos e associaes profissionais, estudantes e outros

    movimentos sociais (8% cada). As questes mais conflituosas so exatamente as que se

    referem s polticas pblicas urbanas, sendo 22% relativas a transporte, trnsito e circulao

    e 12% a acesso e uso do espao pblico, agregam-se a estas questes 6% dos casos

    relativos legislao urbana, e excetuam-se 14% de questes ligadas a problemas entre

    vizinhos. Assim, 40% dos conflitos manifestos esto diretamente relacionados gesto

    urbana do municpio, enquanto os outros 60% se referem a problemas de competncia

    concorrente ou comum de municpios, estados e unio (BRASIL, 1988) ou a outras esferas

    de poder (moradia, meio ambiente e segurana pblica).

    Tabela 1 Objeto do Conflito manifestado

    Freqncia % % Vlida % Cumulativa Transporte, trnsito e circulao

    11 22,0 22,0 22,0

    Sade 5 10,0 10,0 32,0 Educao 4 8,0 8,0 40,0 Acesso e uso do espao pblico

    6 12,0 12,0 52,0

    Parques, jardins e florestas

    2 4,0 4,0 56,0

    Legislao urbana 3 6,0 6,0 62,0 Moradia 4 8,0 8,0 70,0 Segurana Pblica 2 4,0 4,0 74,0 Vizinhana 7 14,0 14,0 88,0 Outros 6 12,0 12,0 100,0 Total 50 100,0 100,0 Fonte: Observatrio de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte.

    Confirmando esta especulao, v-se que 46% dos conflitos reivindicam algo do Governo

    Municipal (totalizando 23 conflitos), 20% do Governo Estadual (10 conflitos) e 10% do

    Governo Federal (5 conflitos).

  • Tabela 2 Entidade reclamada

    Freqncia % % Vlida % Cumulativa Governo Municipal 23 46,0 46,0 46,0 Governo Estadual 10 20,0 20,0 66,0 Governo Federal 5 10,0 10,0 76,0 Corpo de Bombeiros 1 2,0 2,0 78,0 Empresa privada 5 10,0 10,0 88,0 Pessoa fsica 1 2,0 2,0 90,0 Sociedade como um todo 2 4,0 4,0 94,0 Outros 3 6,0 6,0 100,0 Total 50 100,0 100,0 Fonte: Observatrio de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte.

    As manifestaes realizadas nos espaos urbanos propriamente ditos somam 54%: Trinta e

    seis por cento dos conflitos tiveram como forma de luta a manifestao em praa pblica

    e/ou o fechamento de vias (totalizando 18% ou 9 conflitos cada), 12% a passeata (6 casos),

    4% a ocupao de prdios ou terrenos (2 conflitos) e 2% as carreatas ou manifestaes

    sobre rodas (1 conflito).

    A origem dos conflitos predominante refere-se a toda a cidade, ou seja, no so

    manifestaes relativas a um ponto preciso da cidade. Da mesma forma, predominam as

    associaes de moradores e/ou conjunto de moradores quanto ao coletivo mobilizado, com

    42% dos casos. Os objetos dos conflitos de absoluta predominncia so os relativos s

    polticas urbanas municipais, com destaque para os transportes, o trnsito e a circulao.

    Corroborando tal perfil est o fato de que a instituio mais reclamada a Prefeitura de Belo

    Horizonte, com 46% dos casos.

    Pde-se tambm constatar que h relaes significantes entre o coletivo mobilizado e a

    instituio reclamada (com 99% de certeza) e entre o objeto de conflito e a forma de luta

    (com 95% de certeza). Mais ainda, com 99% de certeza podemos afirmar que h uma forte

    e positiva correlao entre o local do conflito e o local de manifestao e com 95% de

    certeza podemos afirmar que h uma correlao relativamente fraca e positiva entre o

    coletivo mobilizado e a forma de luta.

    Assim, v-se que o modo predominante de manifestao conflituosa aquela feita por

    moradores, em praa pblica e/ou com fechamento de vias, tendo como alvo os gestores

    municipais e demandando melhores polticas urbanas, em especial aquelas referentes ao

    transporte pblico.

  • Concluses e recomendaes

    A diversidade e multiplicidade da cidade aparecem em conflitos dispersos, mltiplos e

    diversos. Atores, objetos e objetivos de conflitos, temporalidades, formas, geografias,

    retricas e simbologias oferecem um quadro complexo e diferenciado da cidade. Tendo

    como principal via de manifestao os atos pblicos em espaos reais das regies centrais

    da cidade, grupos de cidados ligados pela proximidade de suas moradias, reivindicam

    melhores polticas pblicas ao governo municipal. So grupos de cidados que dependem

    principalmente do transporte e dos servios de sade pblicos, indicando o estrato social a

    que pertencem e da a carter pouco includente das polticas adotadas sob a gide do

    planejamento estratgico. De outro lado, esto os conflitos manifestos e originados na

    regio centro-sul da cidade, a que abriga os melhores e os piores ndices de qualidade de

    vida, configurando a face da desigualdade mais cruel, j apelidada de Belndia, em que

    convivem lado a lado os mais pobres e os mais abastados.

    Os desafios ao planejamento urbano e/ou regional colocados pelos conflitos urbanos

    manifestados na cidade no tm encontrado eco nas polticas pblicas e/ou nas atividades

    de planejamento da cidade. Ao contrrio, a cidade que outrora servira de exemplo de

    polticas pblicas democrticas e participativas, tanto no mbito poltico-partidrio como no

    acadmico, parece no sofrer interferncia dos movimentos sociais e suas manifestaes

    conflituosas, adotando como principal forma de articulao Estado-Sociedade, o

    planejamento estratgico, pouco afeito aos valores democrticos e includentes.

    Finalmente, preciso salientar que os resultados aqui apresentados tm carter preliminar e

    que estudos mais aprofundados devero determinar as relaes de causalidade entre as

    polticas pblicas adotadas e as manifestaes conflituosas.

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    1 MACEDO, Silvio, ROBBA, Fabio e QUEIROGA, Eugnio. Projeto Quadro do Paisagismo no Brasil/ Sistemas de Espao Livres QUAP/SEL, 2006. No publicado.

  • 2 Como pode ser inferido dos objetivos da SEDRU em www.urbano.mg.gov.br e do Plano Plurianual de Ao Governamental 2004-2007 em www.planejamento.mg.gov.br. 3 Em palestra proferida na Aula Inaugural do Curso de Turismo da Unicentro Newton Paiva, em Belo Horizonte. Maio, 2006.