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VINÍCIUS GÜRTLER DA ROSA A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO CANOAS, 2007

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VINÍCIUS GÜRTLER DA ROSA A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA D O

CONGO

CANOAS, 2007

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VINÍCIUS GURTLER DA ROSA A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA D O

CONGO

Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais, sob orientação do Professor Ms. Luciano Colares.

CANOAS, 2007

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TERMO DE APROVAÇÃO

VINÍCIUS GURTLER DA ROSA

A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA D O CONGO

Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, pela seguinte banca examinadora:

Prof. Dr. Alfa Oumar Diallo Unilasalle

Prof. Ms. José Alberto Antunes Miranda Unilasalle

Prof. Ms. Luciano Colares Unilasalle

Canoas, 22 de Novembro de 2007.

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Dedico este trabalho à minha querida mãe, cujo

amor e apoio incondicional sempre me guiaram em

busca de meus objetivos. A ti, mãe, meu eterno

agradecimento e amor.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer às pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a

conclusão de mais esta etapa da minha vida. Primeiramente, à minha mãe, cujo

amor, dedicação e esforços, ao longo destes 4 anos de muita luta, me

oportunizaram experiências de vida ímpares, as quais me acompanharão para

sempre.

Sou grato ao Professor José Alberto Antunes Miranda, que, desde o princípio,

enxergou as demandas dos alunos e se esforçou para propiciar um melhor

entendimento acerca das Relações Internacionais, enfocando temas importantes da

Diplomacia e Direito. Gostaria de agradecer, em especial, à Professora Tatiana

Vargas Maia, que me guiou nos primórdios deste estudo, oferecendo sugestões e

críticas que foram imprescindíveis para a elaboração do trabalho. Também quero

agradecer ao Professor Luciano Colares, pela orientação concedida ao longo deste

ano, e que foi fundamental para a realização deste estudo.

Gostaria de também agradecer às minhas duas queridas famílias, na

Alemanha e na Dinamarca, as quais me agraciaram com laços de família que eu

jamais pensei ser possível entre estranhos e que provam a importância do diálogo e

do entendimento entre culturas diferentes.

Aos meus amigos no Brasil e exterior, quero manifestar minha gratidão por

todo o apoio, companheirismo e aprendizado que tive com vocês, em especial,

Arlindo, Bruna, Carol Stumpf, Cléber, David, Darlene, Mariana Corbellini, Mariana

Grangeiro, Paulo Perizzolo, Rainer, Reynaldo Mello e Vinicius Spader.

Por fim, cabe aqui um obrigado especial à família Spader, cujos cuidados e

apoio foram fundamentais para o meu estabelecimento durante os anos da minha

faculdade.

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RESUMO

A presente pesquisa buscou analisar a intervenção da ONU na República Democrática do Congo, enfocando a tentativa da organização de regular o conflito, estabelecendo, neste país, uma missão de paz, a fim de pacificar seu território e propiciar uma reconciliação nacional. Seu principal objetivo foi descrever e avaliar o papel da MONUC na promoção da paz no país, identificando suas características e destacando seus resultados até as eleições de 2006. Partiu-se do estudo sobre as operações de paz no seio da ONU e como esta organização despontou como órgão regulador do sistema internacional. Também foram analisados os tipos de operações de paz e sua evolução, principalmente a partir de 1990, bem como a questão do desarmamento dentro deste tipo de operação. Em seguida, buscou-se apresentar o caso do conflito congolês, por meio da análise inicial da África e sua inserção nas relações internacionais. Por fim, abordou-se a operação mais recente da ONU naquele país, que se iniciou em 1999 e dura até os dias de hoje. A pesquisa foi baseada no exame de documentos publicados pelo órgão principal da ONU, qual seja, o Conselho de Segurança, sobretudo suas resoluções e os relatórios elaborados pelo Secretário-Geral para este órgão. Os resultados obtidos indicam que, embora o conflito envolva diversos parâmetros – conflito étnico, ingerência estrangeira, má governança – a questão do desarmamento é fator principal para que a MONUC obtenha sucesso e oportunize o desenvolvimento do país. Palavras-chave: ONU – República Democrática do Congo – Operações de Paz

ABSTRACT

The present study analyzed the UN intervention in the Democratic Republic of Congo, focusing the organization´s attempt to regulate the conflict, establishing a peacekeeping operation in order to pacify its territory and achieve national reconciliation. Its primary aim was to describe and assess the role of MONUC in promoting peace in the country, identifying its main characteristics and emphasizing its results until the holding of elections in 2006. It begins with the study of peacekeeping operations in the core of UN and how this organization emerged as the prime organ in charge of regulation the international system. Afterwards, the case of the Congo conflict is presented, with the initial analysis of Africa and its insertion in international relations. Lastly, we analyze the most recent UN operation in that country, which has begun in 1999 and is still active today. The research was based on the examination of documents published by UN´s main organ – the Security Council – especially its resolutions and reports made by the Secretary-General for this organ. The results indicate that, although the conflict entangles multiple causes – ethnic conflict, foreign intervention and bad governance – the question of disarmament is of paramount importance if MONUC is to succeed in the stabilization of the country and if it wants to enable development. Keywords: UN – Democratic Republic of Congo – Peacekeeping Operations

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LISTA DE ACRÔNIMOS

ADF Alliance des Forces Démocratiques ADFL Alliance des Forces Démocratiques pour la Libération du Congo-Zaire ANC Armée Nationale Congolaise BW Bretton Woods CS Conselho de Segurança DPKO Departament of Peacekeeping Operations DDR Disarmament, Demobilization and Reintegration ECOSOC Economic and Social Council ECOWAS Economic Community of West African States EUA Estados Unidos da América EUFOR European Union Force EX-FAR EX-Forces Armées Rwandaises FAC Forces Armées Congolaises FARDC Forces Armées de la République Démocratique du Congo FAR Forces Armées Rwandaises FDLR Forces Démocratiques de Libération du Rwanda FDD Forces pour La Défense de La Démocratie Du Burundi FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola FUNA Former Ugandan National Army JMC Joint Military Commision LRA Lord´s Resistance Army MLC Mouvement por La Libération Du Congo MNC Mouvement Nacionale Congolais MONUC Mission de Obsevations Nations Unies au Congo MPLA Movimento Popular para Libertação de Angola OIG Organizações Internacionais OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas ONUC Opération des Nations Unies au Congo OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte OUA Organização da União Africana RCD Rassemblement Congolais pour la Démocratie RCD-GOMA Rassemblement Congolais pour la Démocratie – GOMA RCD-ML Rassemblement Congolais pour la Démocratie – Mouvement de Libération RDC República Democrática do Congo RPF Rwandan Patriotic Font SADC South Africa Development Community SG Secretário-Geral UNEF United Nations Emergency Force UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola UNDP United Nations Development Programme

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UNRF Ugandan National Rescue Front II URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas WNBF West Nile Bank Front

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SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................10

1 A ONU E AS OPERAÇÕES DE PAZ .....................................................................13

1.1 Tipos de Missões de Paz ...................................................................................17

1.2 Organizações Internacionais e o Ambiente Intern acional ..............................21

1.2.1 Organizações Internacionais e o Neoliberalismo Institucional..........................24

1.3 As Missões de Paz no Pós-Guerra Fria ............................................................28

1.4 O Desarmamento nas Operações de Paz .........................................................31

2 O CASO DO CONGO......................................................................................... ...37

2.1 A África no Sistema Internacional .................................................................. .37

2.2 As Raízes do Conflito – da crise de independênc ia à

intervenção da ONU no ano de 1960 ......................................................................41

2.3 A atuação da ONUC na República do Congo e a Gue rra Fria ........................44

2.4 O Regime de Mobutu ..........................................................................................49

2.5 A questão do Leste da RDC e a instauração de La urent Kabila

no poder ....................................................................................................................52

3 A AÇÃO DA MONUC NO CONGO (1999-2006) ....................................................58

3.1 O Acordo de Lusaka e a instauração da MONUC ............................................59

3.2 A Fase I da MONUC na RDC ..............................................................................62

3.3 A Fase II das Operações ....................................................................................63

3.4 A Terceira Fase das Operações e o Aprofundament o

do Processo de Paz ..................................................................................................66

CONCLUSÃO .......................................................................................................... .74

REFERÊNCIAS..........................................................................................................77

ANEXO I – Mapa da República Democrática do Congo............................................84

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INTRODUÇÃO

A República Democrática do Congo é o segundo maior país da África e está

localizado no coração do continente. De fato, este país assume uma posição

destacada no continente, não somente pela sua localização, mas por que apresenta

uma abundância de recursos naturais – principalmente de minérios e de água –

tendo amplas condições de ser um motor para o desenvolvimento da África.

No entanto, todo este potencial está ameaçado por uma crise que toma conta

do país desde a época da independência e está relacionada à ingerência de

diversos atores no território do país – cada um buscando a proteção de seus

interesses. Os mais de 45 anos de conflito que permeiam sua história

acompanharam três mudanças de título para o imenso país, que chegou a ser

chamado de Zaire durante o regime ditatorial.

Dessa maneira, a República Democrática do Congo mostra-se como um

verdadeiro mosaico de conflito étnico, guerra de interesses e ingerência estrangeira.

De acordo com a ONG Amnesty International (2006), desde 1998, estima-se

que mais de 3.9 milhões de pessoas já morreram, sendo considerado o conflito que

mais causou mortes após a Segunda Guerra Mundial.

A ONU procurou fazer face a estes desafios com o estabelecimento de duas

operações de paz, uma nos anos 1960 e outra, 40 anos mais tarde, através da

MONUC.

O conflito na República Democrática do Congo (RDC) envolve tanto aspectos

de política internacional, como também de política interna. Seu histórico de conflitos

remonta à época de 1960, quando o então Secretário-Geral das Nações Unidas,

Dag Hammarskjöld, solicitou ao Conselho de Segurança que fosse enviada uma

missão internacional para estabilizar o país, que encontrava-se prestes a sucumbir à

época de sua independência.

Os esforços levados a cabo pela ONUC - Opération des Nations Unies au

Congo, visavam estabilizar as forças de segurança nacional e garantir que o Congo

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passasse por um período de transição até que fossem organizadas eleições para

escolher um dirigente congolês para o governo. Tais objetivos, 40 anos mais tarde,

teriam de ser postos em prática novamente pela MONUC – Mission de Observation

des Nations Unies au Congo – considerada, com efeito, um dos esforços mais caros

da Organização mundial, em termos de operações de paz. Para o período de 1 de

Julho de 2005 até 30 de Junho de 2006, os custos aprovados atingiram mais de 1

bilhão de dólares, segundo dados da página da Missão, no site das Nações Unidas.1

Dessa maneira, a ONU vem atuando no país há mais de 45 anos,

empregando recursos para se acabar com o conflito armado, construir instituições

políticas estáveis e democráticas e entrar no caminho para o desenvolvimento

sustentável.

Esta monografia é fruto de um estudo dedicado às questões mais pertinentes

envolvendo o conflito na República Democrática do Congo, desde a sua

independência até a consecução das primeiras eleições livres de sua história, em

2006. Pretende-se contribuir para um melhor entendimento acerca do conflito no

país, analisando-se a atuação dos protagonistas principais e seus interesses na

RDC.

Para tanto, partir-se-á de uma análise minuciosa dos mecanismos que os

Estados, por meio das Nações Unidas, conceberam para tratar dos problemas

relativos à paz e segurança internacionais – ou seja, as Operações de Paz. Estas

serão estudadas com atenção especial às suas principais características e tipos. A

seguir, será também abordado o tema das organizações internacionais no estudo

das relações internacionais, sua raiz teórica e florescimento a partir dos Acordos de

Bretton Woods. A base teórica para tal estudo também será levantada com a análise

das contribuições dos teóricos do neoliberalismo institucional com relação a essa

matéria.

Ao final do primeiro capítulo, caberá ainda um estudo das operações de paz

no pós-Guerra Fria e as implicações da nova ordem mundial nos conflitos pós-1990.

Após, será abordado, de forma sucinta, a questão do controle de armas e sua

relação com o desenvolvimento, a partir da incorporação de mecanismos de

desarmamento nas operações de paz, com a modelo de DDR.

1 Dados retirados do site da Missão da ONU. Disponível em: http://www.un.org/Depts/dpko/missions/monuc.

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O capítulo dois tratará sobre as raízes do conflito no Congo, mas não sem

antes lançar luz sobre a África nas relações internacionais. Será abordada a missão

da ONUC no país, no período de 1960-64, suas principais ações no terreno e as

suas conseqüências para o organismo universal. O mau gerenciamento da operação

fez com que a ONU enfrentasse duras críticas e se abstivesse de atuar por meio de

operações de paz entre os anos de 1967 e 1973.

O foco maior deste trabalho será dado, por conseguinte, ao capítulo três,

quando será analisada a volta da ONU ao país africano, a partir da assinatura do

Acordo de Lusaka, em 1999, que aprovou a missão da MONUC. Nesta etapa, serão

trazidos de volta os aspectos relativos ao desarmamento na operação e como este

se constitui mecanismo sine qua non para o sucesso da operação no país.

Espera-se, com isso, oportunizar uma reflexão acerca dos principais

problemas, progressos e as perspectivas que processo de paz, em execução na

República Democrática do Congo, demonstra.

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1 A ONU E AS OPERAÇÕES DE PAZ

A Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Carta, apresenta como

objetivo maior a promoção da paz e da segurança internacionais. A própria

concepção do Organismo é tida como uma resposta aos desdobramentos da II

Guerra Mundial, que devastou o continente europeu e tomou um grande número de

vidas. Já no preâmbulo de sua Carta consta o compromisso em salvar as futuras

gerações do flagelo da guerra.

A ONU buscou fazer frente às ameaças à paz e segurança internacionais, por

meio do mecanismo de segurança coletiva, o qual será abordado ao longo deste

capítulo. De momento, cabe mencionar que as Operações de Paz são, hoje, o

exemplo mais nítido da atuação dessa organização no cenário internacional.

Embora não estejam contempladas em nenhum artigo da Carta das Nações

Unidas, as atividades de “peacekeeping” acabaram por gerar sua própria

jurisprudência e, mais tarde, passaram a integrar documentos oficiais da

Organização. Hoje, são o exemplo mais nítido da atuação desta Organização no

cenário internacional.

As Operações de Paz agem de forma a regular e administrar situações

conflituosas, que desestabilizam, de alguma forma, a dinâmica do sistema

internacional. Estas operações sofreram, ao longo dos anos, uma série de

adaptações na sua forma de atuação, devido aos desafios e dificuldades

enfrentados, e evoluíram em complexidade, aumentando seu escopo de atuação.

Desde sua origem até os dias de hoje, foram autorizadas mais de 60

Operações de Paz pelo mundo. Isto representou, em termos quantitativos, o

envolvimento de mais de 82.000 pessoas trabalhando com o uniforme das Nações

Unidas (entre tropas, observadores civis e militares), de cerca de 120 países.

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Juntas, todas as operações levadas a cabo pela ONU até Junho de 2007

constituíram um orçamento de mais de 47 bilhões de dólares. O maior número de

operações de paz – 47 – ocorreu no pós-Guerra Fria, principalmente na África , Ásia

e Oriente Médio, mas também na América Central e Europa. Existem, no momento,

17 operações ocorrendo sob os auspícios da ONU pelo mundo2.

As operações de paz são controladas essencialmente por um mandato, que é

autorizado pelo Conselho de Segurança (CS) da Organização. É ele o responsável

por avaliar se ações por parte dos Estados-membros constituem uma violação e

uma ameaça à paz e segurança internacionais. Se assim for, pode então elaborar

resoluções com base nos artigos da Carta da ONU que autorizem o uso das Forças

de Paz.

Dessa maneira, a base legal do sistema de segurança coletiva da ONU pode

ser encontrada nos capítulos VI e VII de sua Carta. O capítulo VI refere-se à

resolução pacífica de conflitos, ou seja, casos onde haja alguma ameaça potencial à

paz. Nesses casos, as decisões do CS com respeito a este tipo de ameaça possuem

caráter recomendatório e as operações de paz levadas a cabo sob este capítulo

podem usar a força somente para a autodefesa da operação. Qualquer extensão

desta permissão deve levar em conta o consentimento das partes envolvidas no

conflito.

Já o capítulo VII da Carta discorre sobre os casos em que o CS pode

autorizar o uso da força armada na resolução de conflitos que interfiram na paz

internacional. Por meio do capítulo VII, o CS toma decisões coercitivas, ou seja, não

leva em conta o consentimento das partes envolvidas no conflito. Portanto, uma

operação sob o capítulo VII, diferente do capítulo VI, pode usar a força para além da

autodefesa, em especial, para “implementar” a paz (peace enforcement).

No entanto, segundo FINDLAY (2002), muitas vezes os acontecimentos em

terra assumem desdobramentos diferentes dos previstos. Nesses casos, o Conselho

de Segurança vê-se obrigado a estender o mandato das operações de paz, para

além do Capítulo VI, autorizando, dessa forma, o uso da força, o qual encontra-se

arrolado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

2 Dados do site do Departamento de Operações de Paz: Background note. Department of Peacekeeping Operations . http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/bnote.htm. Acesso em Outubro de 2007.

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Pode se observar, também, que o Conselho de Segurança, em diversas

resoluções que envolvem o uso da força, não costuma especificar o grau em que a

força deve ser empregada (se somente para autodefesa, ou para além disto),

buscando sempre utilizar-se do termo “use all necessary means”3 para cumprir o

mandato – que estabelece o limite para as ações da operação. De modo geral,

contudo, desde o fim da Guerra Fria, é costume do Conselho de Segurança

autorizar operações de paz sob o capítulo VII.

As operações de paz dentro das Nações Unidas evoluíram, acompanhando a

própria mudança no tipo de conflitos que o mundo enfrentava.

Durante a Guerra Fria, as operações de paz tinham como objetivo primário o

controle e resolução de conflitos armados entre partes hostis (os Estados). No

entanto, a natureza ideológica da época, com o enfrentamento Leste x Oeste,

solapou várias iniciativas deste tipo no período. Isto se deve ao fato de tanto os EUA

como a URSS, à época, valerem-se da prerrogativa do veto, dentro do Conselho de

Segurança, para determinar as ações do organismo em áreas de conflito.

O novo parâmetro dos conflitos armados na década de 90 mostra que, cada

vez mais, os conflitos seriam travados dentro de Estados e não mais entre Estados.

A década de 90 viu surgir um grande número de conflitos, resultantes de tensões

étnicas, da atuação de grupos armados interessados em desestabilizar governos

nacionais e também devido ao grande número de refugiados de guerra que tornaram

certas regiões sensíveis a conflitos.

Em 1992, a ONU criou o Departamento de Operações de Manutenção de Paz

– DPKO (Department of Peacekeeping Operations).

Segundo o site do departamento, este foi constituído para

Assistir aos Estados-membros e ao Secretário-Geral em todos os seus esforços para manter a paz e a segurança internacionais. A missão do departamento é planejar, preparar, gerenciar e dirigir operações de paz da ONU, a fim de que elas possam preencher efetivamente seus mandatos sob a autoridade principal do Conselho de Segurança e da Assembléia-Geral, e sob o comando concedido ao Secretário-Geral.4 (DPKO, 2007).(tradução nossa).

3 Usar todos os meios necessários. FINDLAY, 2002, pág. 8.

4 Tradução livre feita pelo autor do trecho “assisting the Member States and the Secretary-General in their efforts to maintain international peace and security. The Department's mission is to plan, prepare, manage and direct UN peacekeeping operations, so that they can effectively fulfil their mandates under the overall authority of the Security Council and General Assembly, and under the command vested in the Secretary-General” .4(DPKO, 2007).

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Embora cada operação de paz possua um conjunto de tarefas que devem ser

cumpridas, todas elas compartilham de objetivos comuns – aliviar o sofrimento

humano e criar condições para a construção de instituições para a auto-sustentação

da paz.

Ainda, de acordo com o DPKO, “the substantial presence of a peacekeeping

operation on the ground contributes to this aim by introducing the UN as a third party

with a direct impact on the political process.”5 (2007).

A criação deste departamento foi vislumbrada pelo então Secretário-Geral da

ONU, Boutrous-Ghali, o qual, em sua Agenda para a Paz, discorre sobre a

necessidade de se ajustar o organismo às novas tendências de conflitos pelo

mundo.

Nos anos 1990, com o “descongelamento” das tensões artificialmente

impostas pela Guerra Fria, o mundo observou uma queda no número de conflitos

praticados entre Estados soberanos, acompanhado por aumento na quantidade de

conflitos dentro dos Estados, onde, em geral, o próprio Estado é o agente

perturbador da paz.

A ocorrência deste tipo de conflito naquela época suscitou debates sobre

como prover segurança para as pessoas que se encontravam nestas condições. No

escopo da ONU, viu-se, a partir de 1999, um gradativo aumento de interesse no

tema da segurança humana. Este paradigma mudaria o foco da segurança para não

somente tratar de questões de soberania e território do Estado, mas sim levar em

conta o ser humano, e quais as ameaças que se fazem presentes para o seu

desenvolvimento, em determinado local.

O então Secretário-Geral da ONU, Boutrous-Boutros Ghali, em sua Agenda

para a Paz, faz referência ao termo e chama os Estados-parte da organização a

aproveitarem as novas oportunidades trazidas para as relações internacionais no

pós Guerra Fria.6 Ele destaca o destrancamento do Conselho de Segurança, com a

5 Tradução livre do autor: A presença substancial de uma operação de paz no território contribui para este objetivo, introduzindo a ONU como uma terceira parte [no conflito], com impacto direto no processo político.

6 Estas novas oportunidades teriam resultado do fim do congelamento das relações internacionais ocasionado pelo conflito leste x oeste.

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diminuição do uso do veto7 pelas duas superpotências, e a necessidade de se dar

maior ênfase ao trabalho das Operações de Paz das Nações Unidas na prevenção

de conflitos armados.

Neste sentido, o que se pretende nas seguintes páginas é trazer maior luz à

questão das Operações de Paz, sua concepção e características, para que se tenha

um entendimento mais claro sobre este tipo de mecanismo dentro do sistema ONU.

Isto é importante, na medida em que o objeto deste estudo é a análise da MONUC –

Mission de Obsevations Nations Unies au Congo – a qual ainda possui um

antecedente na recente história do país africano, a ONUC, empreendida logo após a

independência do país, em 1960.

Neste capítulo, pretende-se analisar, primeiramente, os tipos de operações de

paz existentes, suas configurações e evolução no tempo. Em seguida, estudar-se-ão

as organizações internacionais, com foco na ONU, e o

Por fim, ainda caberá uma análise da mudança das operações de paz da

ONU no pós Guerra-Fria e como a Segurança Humana se inseriu nesta nova ordem

mundial.

1.1 Tipos de Missões de Paz

Como mencionado anteriormente, uma das formas mais conhecidas de

atuação da ONU é por meio do estabelecimento de operações de paz. Tais

operações – ou missões, como são usualmente conhecidas – possuem como

objetivo principal regular e administrar situações conflituosas, que desestabilizam, de

alguma forma, a dinâmica do sistema internacional.

Dessa forma, as operações de manutenção da paz são, conforme CARDOSO

(1998) “instrumento[s] ou técnica[s] [utilizadas] para controle e administração de

conflitos por terceiros”.

O tipo mais comum de missão é a chamada Peacekeeping Operation

(Operação de Manutenção da Paz). Assim, ainda de acordo com CARDOSO 7 A prerrogativa de veto, na verdade, foi imprescindível para que a ONU não se tornasse uma organização vazia, como ocorrera com a Liga das Nações. O uso do veto permitiu às potências mundiais participar da Organização, com a segurança de manter o status-quo.

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(1998), as operações de manutenção da paz (“peacekeeping operations”) dizem

respeito à

prevenção, a contenção, a moderação e o término de hostilidades entre Estados ou no interior de Estados, pela intervenção pacífica de terceiros, organizada e dirigida internacionalmente, com o emprego de forças multinacionais de soldados, policiais e civis, para restaurar e manter a paz”. (1998, p. 17).

Cabe aqui mencionar as normas ou elementos fundamentais que

caracterizam este tipo de operação. Estes seriam, em suma, uma presença militar

ou quase militar internacional, o consentimento expresso do país anfitrião, o uso

limitado da força para se alcançar os objetivos, e a tentativa de criar condições e

ambiente favoráveis para a solução pacífica do conflito. (CARDOSO, 1998, p. 18).

No que se refere à presença de tropas internacionais no país anfitrião, cabe

destacar que, “na verdade, ainda que [...] [com] disposição pacífica, a presença da

força de paz ou de missão de observação multinacional exigirá, por exemplo,

exceções de jurisdição que terão por contrapartida necessárias concessões no

exercício da soberania [daquele país].” (CARDOSO, 1998, p. 20).

Ainda, segundo o mesmo autor, o uso da força neste tipo de operação deveria

de ser, em situações extremas, restrito à autodefesa. No entanto, as operações mais

recentes, em que o mandato passou a incluir a proteção humanitária, o uso da força

foi formatado de maneira que, inicialmente, fosse dada ênfase na tentativa de

remoção e redução dos obstáculos para a consecução do mandato. Além disso,

para que se obtenha sucesso nesse tipo de operação, os imperativos da

neutralidade e imparcialidade são essenciais, tanto nos conflitos entre Estados

quanto nos conflitos internos.

É importante notar que os termos imparcialidade e neutralidade, por vezes

usados indistinta ou alternativamente, não são equivalentes. Imparcialidade significa

respeitar as partes envolvidas e não demonstrar interesse na vitória de algum sujeito

em especial, buscando sempre a confiança dos envolvidos no conflito. (FINDLAY,

2002). Já a neutralidade exige que seja dispensando igual tratamento às partes –

independente de como se julgue a conduta das mesmas. Ou seja, a neutralidade

dos peacekeepers implica que estes não tomem partido de nenhum dos grupos

adversários.

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O princípio da neutralidade política das forças de paz está também

relacionado à própria identidade da ONU como uma organização imparcial, criada e

composta por Estados. A Carta das Nações Unidas, ao consagrar o princípio da

igualdade soberana entre seus membros e da não-intervenção nos assuntos

domésticos dos mesmos, dá o tom da organização, provendo as bases sob as quais

a sua identidade é constituída. Portanto, a imparcialidade se coloca como um dos

seus atributos e pressupostos para que esta possa alcançar os seus objetivos. Tal

princípio é reforçado pelo art. 100 da Carta, que veda ao Secretário-Geral e seu

pessoal buscar ou receber instruções de qualquer governo ou outra autoridade

externa às Nações Unidas. Em contrapartida, conforme o mesmo artigo, cada

Estado-membro da organização deve respeitar o caráter exclusivamente

internacional das responsabilidades dos funcionários do Secretariado e não tentar

influenciá-los no desempenho de suas funções.

As operações de peacekeeping evoluíram em sua forma de atuação ao longo

dos anos e, hoje, existe uma clara distinção entre as operações de paz tradicionais e

aquelas levadas a cabo após a Guerra Fria, que se constituirão, por natureza, como

multidimensionais. Isto será abordado mais adiante, quando da análise da MONUC

(Mission de Obsevations Nations Unies au Congo), e de sua precursora, a ONUC

(Opération des Nations Unies au Congo).

É importante destacar, neste momento, que a ONUC foi uma operação

especial, uma vez que apresentou elementos que são encontrados, mais tarde, nas

operações ditas multidimensionais. Isto se deveu, principalmente, pelos desafios que

a operação enfrentou na República Democrática do Congo (RDC) para realizar seu

mandato. A ONUC deparou-se com problemas de guerra civil e esfacelamento do

aparto estatal, os quais minaram sua capacidade de atuação. A ONU vir-se-ia, mais

tarde, obrigada a retirar-se deste tipo de operação por certo tempo. Segundo

CARDOSO (1998), a ressaca do Congo é apontada como uma das razões para a

redução observada nas atividades de operações de paz das Nações Unidas do

princípio dos anos 70 até 1988. De qualquer maneira, esta operação demonstrou

seu caráter precursor e uma antecipação de, pelo menos, 30 anos, na forma de

condução das operações de paz com ingredientes de uso da força contemplados no

capítulo VII da Carta.

No âmbito da ONU, observam-se diferentes tipos de missões de paz. Além

das operações de manutenção de paz (peacekeeping operations), apresentadas

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acima, destacam-se também as missões de verificação dos fatos (fact-finding). Estas

têm sua realização determinada pela Assembléia-Geral, ou pelo Secretário-Geral e

definem-se como

qualquer atividade destinada a obter conhecimento aprofundado dos fatos relevantes em uma disputa ou situação de que os órgãos competentes das Nações Unidas necessitem para melhor exercerem suas funções em relação à manutenção da paz e da segurança internacionais.(CARDOSO, 1998, p.48).

Existem ainda as missões para a promoção da paz (peacemaking operations).

Elas se diferenciam das operações de manutenção da paz por não apresentarem

caráter militar. Segundo a Carta da ONU, as peacemaking operations ensejam

atividades diplomáticas, (negociação, questionamentos, mediação, conciliação,

arbitragem, acordos judiciais ou utilizar-se de agências regionais e arranjos, ou

outros meios pacíficos de sua escolha), conduzidas com pleno respeito pela

soberania dos Estados membros e de acordo com a Carta das Nações Unidas

(Capítulo VI). Constituem-se, assim, importantes mecanismos para a prevenção,

contenção e solução das disputas e para a manutenção da paz e segurança

internacionais. (CARDOSO, p. 49).

Um outro tipo de missão de paz é a chamada peace enforcement, que difere

dos demais tipos de missão, por induzir uma ou mais partes a aderir a um acordo de

paz. Desse modo, ele tem seu escopo estendido ao Capítulo VII da Carta da ONU,

configurando-se uma intervenção militar para além da autodefesa da Operação.

(Ex.: Guerra da Coréia e Guerra do Golfo – 1990).

Têm-se, ainda as operações de construção da paz (peace-building). O

objetivo principal deste tipo de operação é sua atuação na fase pós-conflito, visando

impedir a recorrência do mesmo. A construção da paz, dessa forma, estaria

alicerçada na execução de projetos que favorecessem a cooperação entre as partes

no conflito e atendessem às demandas por um desenvolvimento econômico e social

sustentáveis.

É comum observar-se o estabelecimento de atividades de peace-building e

peacekeeping concomitantemente, onde os civis têm seu trabalho direcionado para

o peace-building, enquanto que os militares da ONU encarregam-se do

peacekeeping.

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O ex-secretário-geral Boutros Boutros-Ghali referiu-se ao peace-building em

sua Agenda para a Paz, onde lançou luz sobre as causas mais profundas dos

conflitos, tais como o desespero econômico, a injustiça social e a opressão política.

Tais objetivos vêm ao encontro do termo Segurança Humana, que será analisado

mais adiante.

Por fim, cabe destacar ainda as missões de observação. Estas têm como

objetivo primário auxiliar as partes do conflito no cumprimento de acordos de paz e

assegurar, por exemplo, o cessar-fogo entre as partes. Contam, para isso, com

funcionários da ONU no local do conflito, tanto civis como militares, para o

desempenho dessas funções. As missões de observação, como o próprio nome diz,

verificam o comportamento das partes envolvidas no conflito, inclusive da própria

ONU. A MONUC foi, nas suas primeiras etapas, uma missão de observação, tendo

seu mandato estendido para admitir outras atividades, devido à complexidade da

crise no país.

Pode-se empreender desta análise que estes tipos de missões de paz lidam

com diferentes formas de conflitos e referem-se a maneiras próprias de se tratar a

instabilidade do sistema internacional e prevenção da paz. Tais operações agem de

forma a solucionar conflitos armados e suas conseqüências. A ONU, como

organismo internacional, teve de se adaptar a estes novos parâmetros das relações

internacionais.

Uma vez que este trabalho enfoca organismos internacionais responsáveis pela regulação do sistema internacional e, tendo-se a ONU como o objeto principal deste estudo, deve-se lançar um olhar mais aprofundado sobre as origens deste tipo de organização, suas características e evolução dentro dos estudos de relações internacionais.

1.2 Organizações Internacionais e o Ambiente Inter nacional

As missões de paz, como mecanismo de regulação e administração de

conflitos entre (e intra) Estados, passaram a incorporar a face mais visível das

Nações Unidas no mundo. Elas, no entanto, nada mais são que o resultado de

sucessivos esforços dos Estados em busca de um sistema de segurança coletivo

que pudesse responder às ameaças à paz e segurança internacionais.

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O sistema internacional que emergira da II Guerra Mundial possuía todas as

características de um sistema anárquico8, onde os atores principais – os Estados –

encontravam-se desgastados e temiam que uma maior volatilidade no sistema

pudesse impactar na recorrência da guerra. Ao fim da II Guerra, o cenário era

extremamente obscuro – existia um sistema internacional instável, que trazia

consigo a emergência de duas superpotências e o início do processo de

descolonização de um continente inteiro pelos Estados da Europa.

Assim, os Estados voltaram seus esforços para a criação de um organismo

universal, que conjugasse os compromissos dos Estados nacionais para evitar e

suprimir a agressão de um Estado contra o outro. Os debates em torno da

concepção desta organização internacional acompanharam a fundação de uma nova

ordem mundial, fundada numa forte interdependência entre os Estados e num

aumento das relações comerciais internacionais.

A Organização das Nações Unidas foi o resultado dos debates das potências

mundiais, em Dumbarton Oaks, em 1944, onde procurou-se estabelecer um sistema

que garantisse a paz no mundo. Tal organização deveria se basear no princípio da

igualdade entre Estados soberanos e a promoção da paz – através da cooperação

internacional.

A ONU buscou antecedentes para a criação de um mecanismo de segurança

coletivo na antiga Liga das Nações, que, no entanto, não adquiriu força institucional

e representatividade suficiente para manter-se como organização mundial de

Estados. A Carta das Nações Unidas, onde constam os princípios pelos quais o

organismo e os Estados atrelados a ele deverão se guiar é o marco institucional da

formatação de uma ordem jurídica para o mundo naquela época. Segundo HERZ, a

ONU representa o ápice do processo de institucionalização dos mecanismos de

estabilização do sistema internacional. (2004, p. 37).

A ONU é composta por seis órgãos principais: o Conselho de Segurança, a

Assembléia Geral, o ECOSOC (Conselho Econômico e Social), o Conselho de

Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado.

8 Segundo ARON, no sistema internacional anterior à guerra, o dado inicial fora a vontade dos Estados insatisfeitos de alterar o status quo.”(ARON, Raymond, Paz e Guerra entre as Nações. 2ed. Editora da Universidade de Brasília. pág. 179.).

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No que compete este trabalho, analisar-se-á o trabalho do Conselho de

Segurança (CS), por se tratar do organismo responsável pela administração da

segurança internacional. Este órgão é composto por 5 membros permanentes –

EUA, Inglaterra, França, China e Rússia –, os quais detêm poder de veto nas

decisões discutidas. A questão do veto dentro do Conselho de Segurança é um

tema bastante controverso, porque contradiz o princípio de igualdade entre Estados

dentro da ONU, no entanto, ele foi fundamental para a sobrevivência da

Organização, na medida em que garantia às duas grandes potências, em 1945,

(EUA e URSS) uma certa proteção à sua autonomia.

A base legal do sistema de segurança coletiva dentro da ONU encontra-se no

Capítulo VII da Carta, o qual estabelece que ameaças à paz e à segurança

internacionais devem ser tratadas pelo Conselho de Segurança.(HERZ, 2004). O

mesmo capítulo discorre sobre o uso da força em conflitos internacionais.

Durante a Guerra Fria, observou-se o “congelamento” do sistema de

segurança coletivo, devido ao recurso do veto das potências no CS. A ONU

vislumbrava, na sua concepção, uma Força Internacional das Nações Unidas, que

tivesse autonomia para atuar nos conflitos do mundo. As missões de paz da ONU,

nesse sentido, resultaram do insucesso de se implementar este tipo de aparelho,

traduzindo-se numa verdadeira “evolução” do conceito de segurança coletiva do

Organismo.

A estabilidade do sistema, durante o conflito Leste x Oeste, deveu-se à

bipolaridade gerada pelos EUA e URSS e por um sistema de zonas de influência

que acompanhou a criação de organismos de segurança internacionais distintos – a

OTAN e o Pacto de Varsóvia – como forma de garantir a proteção dos respectivos

blocos de poder.

Apesar da inação do Conselho de Segurança durante a Guerra Fria, a ONU

manteve-se como organismo regulatório internacional e atuou por meio de suas

agências especializadas. Com o fim do conflito entre os dois blocos, viu-se uma

intensificação do processo de globalização e um conseqüente aumento na

interdependência entre os Estados e sociedades, de forma que o ideário ocidental

registrado na Carta da ONU – democracia, direitos humanos e economia de

mercado - se espalhasse pelo mundo.

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No que se refere à segurança internacional, a queda do muro de Berlim, em

1989, acompanhou uma mudança significativa na natureza dos conflitos pelo

mundo. O “degelo” das tensões contidas na bipolaridade deixou exposta uma série

de áreas de conflito em potencial, tanto na Europa como na Ásia e África. Esta

mudança nos padrões dos conflitos internacionais será abordada mais adiante,

ainda neste capítulo.

Na próxima etapa deste trabalho, será tratado o tema das organizações

internacionais do ponto-de-vista de sua origem, raiz teórica e características

principais.

1.2.1 Organizações Internacionais e o Neoliberalismo Institucional

Este trabalho está assentado na análise de aspectos relacionados com a

organização das Nações Unidas, uma vez que se entende que este é o órgão de

principal atuação no sistema internacional no tocante à questão da paz e segurança

internacional. Por este motivo, faz-se igualmente necessária a análise da teoria

neoliberal institucional, uma vez que nela encontram-se as premissas básicas que

explicam o enquadramento das organizações internacionais na teoria de relações

internacionais.

Nas palavras de SEITENFUS (2005), são os Estados os criadores das

organizações internacionais, cujo nascimento expressa uma vontade estatal coletiva,

portanto de caráter internacional. Esta vontade nada mais é do que o encontro dos

interesses e aspirações da comunidade de Estados que compõem a organização.

Assim, as organizações internacionais (OIGs), nada mais são que

uma associação voluntária entre Estados, constituída através de um Tratado que prevê um aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta dos Estados que a compõem, com o objetivo de buscar interesses comuns, através da cooperação entre seus membros. (SEITENFUS, 2005)

Uma organização internacional interestatal possui elementos básicos, que a

constituem como ator importante, legítimo e representativo no cenário internacional.

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Um dos elementos que fornecem tais características é o Tratado. Ele é peça-chave

na concepção deste tipo de organização e regula direitos e obrigações das partes

que a ele aderem. A forma de acesso às organizações – feito de forma voluntária –

expressa mais uma das características deste tipo de organização.

Além disso, as OIGs representam uma vontade mútua de se buscar objetivos

comuns entre os Estados-membros. A cooperação interestatal proveniente deste

pressuposto é operacionalizada através de duas maneiras: ou se busca uma

aproximação entre os Estados desta organização, imprimindo nova dinâmica e

maneiras de entendimento e diplomacia no seu relacionamento, ou deixa-se a

estrutura da sociedade internacional intacta.

Para fins deste estudo, entende-se que organizações internacionais

assumem, portanto, um caráter inter-estatal, e encontram seu expoente na criação

da Organização das Nações Unidas, em 1945.

Cabe destacar que, a partir de 1944, observa-se o surgimento de um grande

número de organismos especializados, criados a partir dos Acordos de Bretton

Woods, em 1944, e que foram incorporadas ao sistema ONU. Bretton Woods (BW)

foi o marco da criação de um sistema interdependente no mundo, calcado na

atuação de instituições internacionais responsáveis por corrigir os desníveis de

desenvolvimento dos membros da organização universal. As instituições de BW

representam, ainda, a dominação institucional da nova potência emergente no

mundo.

Segundo a Carta da ONU, estas instituições foram “criadas por acordos

intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em

seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional,

sanitário e conexos”. (SEITENFUS, 2005, p. 181). Entre as mais conhecidas, pode-

se citar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial e o Fundo

Monetário Internacional.

A cooperação funcional, que é reflexo da atuação destes organismos, pode

ser vista não apenas como um facilitador para a solução de assimetrias nas relações

internacionais, mas como uma condição para a própria manutenção da paz.

De acordo com HERZ (2005), entre o final da II Guerra Mundial e meados da

década de 1970, o número e as atividades das organizações funcionais do sistema

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ONU cresceram significativamente. Isto ocorreu em detrimento do “congelamento”

do processo decisório no Conselho de Segurança, devido à tensão bipolar (p. 137).

A proliferação destes organismos pelo mundo refletiu numa maior

interdependência entre os Estados e demais atores do sistema internacional. Esta

constatação é mais bem observada nos estudos do neoliberalismo institucional, de

Robert Keohane, que defende uma forma de regularização do sistema internacional

com base na interdependência entre os Estados. Segundo o autor,

A interdependência restringe a capacidade dos governos de controlar os eventos que os interessam. Uma resposta a esses dilemas é a busca da reafirmação da soberania estatal por meio de decisões unilaterais. Uma outra, é formar instituições multilaterais ou aderir a elas, nas quais os governos cooperam para melhorar sua capacidade de lidar com um conjunto de problemas. (KEOHANE, 1992).

Dessa forma, o aumento na intensidade das trocas comerciais faria com que

os Estados optassem por ambientes regulatórios comuns, os quais imporiam regras

e práticas, de modo a moderar o dilema da segurança entre Estados. (KEOHANE,

1992).

Keohane e seu colega, Joseph Nye, partem da mesma premissa que os

neoliberais, a qual diz que o comércio é inibidor das guerras, ao fortalecer a

interdependência entre os Estados.

Os neoliberais institucionais diferem-se dos neorealistas quanto à atuação

dos Estados no sistema internacional. Para estes, a estrutura do sistema – ou seja,

a anarquia – é determinante do comportamento e das escolhas de política externa

dos Estados. A ação dos Estados é medida em função de seu interesse em termos

de poder. A teoria neorealista não descarta a ação das instituições internacionais, no

entanto, ela afirma que a efetividade destas depende do suporte das principais

potências mundiais. A cooperação, neste sentido, sofreria restrições quanto ao

poder e influência que os estados usam numa negociação.

Já para os neoliberais institucionais, como Nye, a cooperação entre Estados

só falha quando os Estados não aderem às regras acordadas ou trapaceiam, a fim

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de garantir seus interesses nacionais. Os neoliberais acreditam que, por se ter um

sistema internacional anárquico, isto exige que os estados busquem uma

cooperação, uma vez que não se pode mais forçar regras ou estabelecer uma

ordem única ao sistema. O caminho para a paz e a prosperidade seria, então,

alcançado pela criação de comunidades integradas, onde os países declinariam de

parte de suas soberanias, em benefício do crescimento econômico ou da solução de

problemas de interesse comum.

em geral, os governos reduzem sua própria liberdade de ação somente em contrapartida a limitações similares na liberdade de ação de outros. Eles sacrificarão a soberania operacional – liberdade legal de ação – para assegurar mudanças nas políticas de outros, ou para influenciar essas políticas, pelo menos na medida em que atores governamentais ou não governamentais fora de sua própria jurisdição controlam recursos que lhes interessam. (KEOHANE, 1992, p. 182).

A nova realidade imposta pela globalização, determinou que os atores não

mais poderiam agir individualmente. Os desafios que surgiram na nova era das

relações internacionais, com a acentuação dos conflitos de base étnica, a

proliferação de armas nucleares, o temor do terrorismo e os efeitos maléficos do

narcotráfico suscitaram uma nova forma de organização, a qual almeja a

cooperação para se tratar de problemas que repercutem no sistema como um todo.

A fim de se obter respostas eficazes e bem-sucedidas, faz-se necessário a

criação de regimes globais ou regionais, que promovam a cooperação e coordenem

políticas coletivas de combate a essas ameaças.

Segundo HERZ e HOFFMANN (2004), regimes internacionais são arranjos

que os Estados constroem para reger as relações entre os mesmos em uma área

específica, como o regime de comércio, os regimes de controle de armas, o regime

entre outros.

Assim, regimes definem-se como “um conjunto de princípios, normas, regras

e procedimentos decisórios em torno dos quais as expectativas dos atores

convergem em uma área temática. (KRASNER in HERZ e HOFFMANN, p. 20).

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Em diversos casos, os regimes dão origem a organizações internacionais,

resultado de normas e expectativas comuns. Um dos exemplos mais conhecidos

disso é a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Assim, ecoando as palavras de SEITENFUS (2005), as OIGs são os

principais vetores de um processo que torna as relações internacionais cada vez

mais jurídicas e menos políticas.

Pode-se entender que os Estados que haviam recentemente saído da guerra

estavam dispostos a ceder parte de sua soberania e atuar em conjunto na regulação

e estabilização do sistema internacional. Tal objetivo seria cumprido a partir da

formação das Operações de Paz da ONU, que nada mais foram do que a evolução

do mecanismo de segurança coletivo – ou seja, o meio encontrado para impedir que

conflitos se proliferassem pelo mundo.

A seguir, estudar-se-á como as Operações de Paz evoluíram em seu escopo,

tendo de fazer frente às novas características dos conflitos pós-1990. Após, será

abordado, de forma sucinta, a questão do controle de armas e sua relação com o

desenvolvimento, a partir da incorporação de mecanismos de desarmamento nas

operações de paz. Atenção sobre esses assuntos é imprescindível para que se

possa entender melhor a questão do desarmamento na ação da ONU na RDC.

1.3 As Missões de Paz no Pós-Guerra Fria

Como já mencionado, durante a Guerra Fria, as operações de paz da ONU

sofreram limitações devido ao uso do veto pelas potências no CS. Contudo, a partir

de 19889, observa-se um aumento significativo no número de operações,

acompanhado de uma mudança substancial na configuração dos conflitos no

mundo.

9 Em 1988, a ONU lançou a Operação UNAVEM I, em Angola. A partir daí, observa-se um expressivo aumento no número de operações de paz sob a égide do organismo universal.

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As mudanças que vinham ocorrendo a partir da década de 70, impulsionadas

pela Revolução Técnico-científica, imprimiram nova dinâmica para as relações

internacionais. O mundo experimentava uma forte interdependência entre os

Estados, resultado da existência de uma ampla rede de organismos internacionais

preocupados com a cooperação estatal.

Por outro lado, houve também um aprofundamento de crises relacionadas

com questões humanitárias, étnicas, guerra civil e terrorismo. Ainda, atividades

ilícitas como narcotráfico e contrabando de órgãos e seres humanos passaram a

incorporar esta nova face dos conflitos internacionais.

A nova fórmula dos conflitos indicava que estes aconteciam cada vez mais

dentro das fronteiras de um Estado.

Anteriormente, as operações ditas tradicionais limitavam-se a fazer uso de

contingentes militares para monitorar, supervisionar e verificar o atendimento do

cessar-fogo, retirada de forças beligerantes externas e criação de zonas-tampão nos

locais dos conflitos. As missões tradicionais dependiam da existência de um acordo

político entre as partes do conflito e existia a imparcialidade com relação às partes.

Estas operações dependiam do consentimento das partes e estavam subscritas pelo

Capítulo VI da Carta, ou seja, relacionadas com a resolução pacífica de disputas.

A realidade dos conflitos do pós Guerra Fria, suscitou uma remodelagem dos

conceitos e das práticas da ONU no que se refere às operações de paz.

Os conflitos na década de 90 não apresentavam os mesmos ingredientes de

outrora: as novas tendências de conflitos apontam para casos em que não se

observa a existência de um governo legítimo para a aprovação de uma operação, ou

então quando a crise ameaça direitos humanos e deve ser resolvida prontamente.

Estes problemas se fazem presentes, nessa época, nas zonas mais deterioradas do

globo como a África, os Bálcãs, o Oriente Próximo e a Ásia.

Com relação aos Estados africanos especificamente, estes emergiram do

conflito político-ideológico claramente fragilizados, apresentando estruturas políticas

fracas, quando não inexistentes.

De acordo com ZARTMAN in SCHABEL e THAKUR (2001),

(...) refere-se a uma situação em que a estrutura, autoridade (poder legítimo), lei e ordem política sucumbiram e precisam ser reconstituídas de alguma maneira, velha ou nova...não é necessariamente anarquia. Nem simplesmente um subproduto da ascensão do nacionalismo étnico: é o

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colapso de velhas ordens, notadamente, do Estado. (p. 217).10. (tradução nossa).

Estes desafios serviram para distinguir os diferentes tipos de atuação que as

operações de paz tiveram a partir da década de 1990. Interessa não somente

suprimir a violência, mas também enfrentar os outros problemas que colaboram na

deterioração de um conflito, como a falta de confiança nas instituições, cerceamento

das liberdades individuais, fome, proliferação de armas, desmantelamento de

exércitos e reintegração de ex-combatentes, entre outros. O objetivo principal é criar

as condições para que a paz seja duradoura. Assim, as novas operações buscam o

estabelecimento de regimes democráticos, a promoção da sociedade civil e a

fundação das bases para o desenvolvimento econômico sustentável.

Nestas novas operações, a imparcialidade foi redefinida como objetividade

em face do mandato, abandonando-se a representatividade ampla das forças11, bem

como o princípio de que membros permanentes do Conselho ou países da região do

conflito não deveriam contribuir para as operações com tropas. As atividades da

ONU passaram a englobar a reestruturação de polícias, a organização de eleições,

retirada de minas, assistências humanitária, monitoramento dos direitos humanos.

É importante levar em conta tais características, uma vez que elas

contextualizam o conflito na República Democrática do Congo no final da década de

90. A ausência de governos centrais legítimos e o colapso do estado resultam,

ademais, no aparecimento de atores dentro dos Estados, que não se submetem às

leis internacionais. Uma explicação mais clara sobre este assunto será trazida

quando examinarmos a África sob o ponto de vista das relações internacionais, no

capítulo II.

Ainda, com relação à nova era de operações de paz da ONU, encontra-se a

seguinte afirmação:

Elas são complexas e multidimensionais: são incumbidas de criar instituições políticas e sociais viáveis, reconstruir infra-estruturas sociais e

10 Tradução livre do autor: “(…) it refers to a situation where the structure, authority (legitimate power), law, and political order have fallen apart and must be reconstituted in some form, old or new… It is not necessarily anarchy. Nor is it simply a byproduct of the rise of ethnic nationalism: it is the collapse of old orders, notably the state.”

11 Ou seja, não se fazia mais necessário o consentimento das partes envolvidas no conflito para a aprovação da operação de paz.

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econômicas básicas, fortalecer o respeito à lei, bem como proteger os direitos humanos e desmobilizar ex-combatentes e reintegrá-los à sociedade12. (INIS, 2006). (tradução nossa).

A redefinição dos objetos das ameaças nos conflitos e a ampliação da

definição de ameaças à paz e segurança internacional trouxeram o indivíduo para o

centro das discussões. No próximo item, será analisado, de forma breve, a questão

do desarmamento e como este se insere dentro deste novo conceito de segurança,

com foco nos indivíduos. Ao fim deste item, será tratado ainda do mecanismo de

desarmamento dentro das operações de paz.

1.4 O Desarmamento nas Operações de Paz

A desintegração do conflito Leste x Oeste abriu as portas para um novo tipo

de conflito no mundo, este ligado mais à atuação de atores não-estatais, agindo

dentro das fronteiras dos Estados. Além disso, desmantelamento dos arsenais das

superpotências, resultou numa proliferação do fluxo de armas pelo mundo. Isto se

configurou num problema de escala global, que suscitou novas articulações com

relação ao combate às fontes de insegurança e promoção do desenvolvimento em

regiões deprimidas.

O primeiro ponto a se analisar é o aumento dos gastos com recursos

militares, observado a partir da década de 90. Segundo JOLLY (2004), o gasto

mundial com materiais bélicos tem aumentado nos últimos seis anos, com tendência

de aumento. Isto começou a partir de 1998, e acelerou abruptamente em 2002, com

um aumento de 6% em termos reais, para quase 800 bilhões de dólares.

A Guerra do Iraque também veio a contribuir ainda mais para estas

estatísticas. Em 2003, durante a Conferência da Comissão da ONU para o

12 Tradução livre do autor: “They are complex and multidimensional: they are mandated the tasks of creating a viable political and social institutions, rebuilding basic social and economic infrastructures, strengthening the rule of law as well as protecting human rights, and demobilizing former combatants and reintegrating them into society.”

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Desarmamento, constatou-se que os gastos mundiais com recursos militares

passariam da marca de 1 trilhão, em 2003.

O segundo ponto a ser observado é a mudança na natureza da insegurança.

As ameaças tradicionais à segurança envolviam, geralmente, uma questão entre

Estados. Hoje, os problemas relacionados com segurança envolvem, muitas vezes,

atores não-estatais, agindo dentro da fronteira dos Estados. Nestes casos, observa-

se que a instabilidade originada por essas crises atingem diretamente a parcela da

população mais vulnerável.

De acordo com ONU (2003), o número de conflitos aumentou na década de

90. Entre 1990 e 2001, aconteceram 57 conflitos armados em 45 países. Em 2001,

observou-se 24 conflitos armados, a maioria destes no continente africano. A

conseqüência desses conflitos internos foi a devastação e colapso de Estados

inteiros, ou de suas instituições políticas, além da grande proporção de civis mortos.

Assim, nos anos 1990, viu-se o aparecimento, dentro da ONU, de novas

definições para o desenvolvimento ligadas não mais somente à segurança nacional,

mas também à busca do crescimento econômico e à promoção da segurança

humana.

A segurança nacional dos Estados permanece importante, mas, num mundo

onde as guerras entre Estados tornaram-se raras exceções, e onde cada vez mais

pessoas são mortas por seus próprios governos, o conceito de segurança humana

passou a receber maior reconhecimento.

Segundo ONU (2003), segurança humana não substitui a segurança do

Estado pela segurança das pessoas. Na realidade, a segurança entre Estados é

uma condição necessária para a segurança das pessoas. No entanto, a segurança

nacional mostra-se insuficiente para garantir a segurança das pessoas. Além disso,

há vários casos em que os cidadãos dos Estados são vítimas do poder arbitrário do

Estado.

O que se pode perceber através destas conferências da ONU é que o debate

sobre o desenvolvimento tomou um novo rumo e envolveu novos conceitos,

englobando desenvolvimento humano e desenvolvimento sustentável em torno de

um único conceito..

Segundo WEISS,

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De várias maneiras, a perseguição da paz e segurança internacionais, a principal “raison d´être” da ONU, tornou-se sinônimo da promoção e sustentação da segurança humana. .13 (2004, p. 262). (tradução nossa).

A segurança humana refere-se, também, à proteção da pessoa humana em

situações de conflito, na transição da guerra para a paz, por meio da integração de

ajuda humanitária e desenvolvimento; desarmamento, desmobilização e

reintegração (DDR, na sigla em inglês); reconciliação e coexistência; entre outros

processos. Tais atividades auxiliariam na prevenção da recorrência de conflitos.

No que se refere à África, as armas representam verdadeira ameaça para a

perpetuação dos conflitos intra e entre Estados e contribuem para o clima de

instabilidade do continente.

É importante destacar que os estados africanos juntaram-se sob os auspícios

da Organização para a União Africana, a fim de se preparar para a conferência da

ONU sobre o comércio ilegal de armas leves e pequenas, em 2001. Estes Estados

buscaram articular um ponto-comum, uma estratégia continental para lidar com o

problema das armas pequenas. O resultado foi a Declaração de Bamako, que

enfoca a necessidade de ação por parte dos países fornecedores de armas e a

necessidade de se diminuir a demanda por armas pequenas.

Outro esforço importante na promoção da cooperação entre Estados para

combater e erradicar o tráfico ou comércio ilegal de armas no continente foi a

Declaração de Nairobi, de 2000. Esta Declaração foi assinada pelos ministros de

relações exteriores de 10 estados da região dos Grandes Lagos e Chifre da África, e

objetivava identificar prioridades nacionais e regionais para a implementação da

declaração, além de formar pontos nacionais que formariam uma Agenda

coordenada de ação para o problema das armas na região.

Esta reunião também foi uma preparação para a Conferência da ONU sobre o

Comércio Ilegal de Armas leves e pequenas, em 2001. Oportunizou, também, a

criação de um protocolo que governaria a fabricação, transferência, coerção e outros

aspectos do comércio de armas.

O ano de 2006 testemunhou importantes desenvolvimentos no nível sub-

regional na África, no sentido de se elaborar padrões de controle para a proliferação

de armas pequenas e leves ilícitas. Dois instrumentos (com força de lei) foram

13 Tradução livre do autor: In many ways the pursuit of international peace and security, the UN´s primary “raison d´être”, has come to be synonymous with promoting and sustaining “human security”.

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adotados: o Protocolo de Nairobi para a prevenção, controle e redução de armas

pequenas e leves na região dos Grandes Lagos e Chifre da África, em maio de

2006; e, também, a Convenção sobre armas pequenas e leves, suas munições e

outros materiais relacionados, patrocinado pelo ECOWAS, em Junho de 2006.

Em relação à RDC, esta, a partir do ano da independência (em 1960), sempre

viu o exército assumindo um papel de destaque na política congolesa. Além disso, a

partir da escalação do conflito nos anos 1990, o país vivenciou uma militarização em

precedentes, com um aumento no fluxo ilegal de armas e aparecimento de grupos

armados, milícias étnicas e grupos paramilitares, os quais, em sua maioria, eram

dependentes desse mercado ilegal.

Devido a isso, a ONU tem se esforçado para desempenhar as atividades de

desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-combatentes na sociedade,

como função-chave para o fim do conflito.

No contexto das operações de peacekeeping, o desarmamento,

desmobilização e reintegração de ex-combatentes (DDR) são tidos como pré-

requisitos para a estabilidade pós-conflito e recuperação de países. Estes

parâmetros lidam como problemas de segurança relacionados com direitos

humanos, ordem interna, eleições e governança sustentável, diferente do escopo

das operações de peacekeeping tradicionais.

Nos últimos cinco anos, DDR esteve incluso nos mandatos de operações de

paz da ONU em Burundi, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Haiti,

Libéria e Sudão.(site do DPKO).

A ONU também apóia programas de DDR em diversos países onde não

existe uma operação de paz, como na Indonésia, Afeganistão, República Central da

África, Niger, Somália e Uganda.

“DDR” constitui um processo que contribui para a segurança e estabilidade

em situações de pós-conflito, para que se possibilite o caminho para o

desenvolvimento. Trata-se, no entanto, de um processo complexo, de dimensões

militares, políticas, humanitárias e sócio-econômicas.

O processo de DDR lida com situações de pós-conflito, onde ex-combatentes

são deixados sem condições de sobrevivência e de sociabilidade que não a de suas

vidas durante o combate. O desarmamento, desmobilização e reintegração devem

apoiar a inserção dos ex-combatentes na vida em sociedade, de modo a

conquistarem novas oportunidades de desenvolvimento de atividades produtivas.

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Além disso, é importante frisar que a ONU utiliza o termo DRR para relacionar

outras atividades, como repatriação, reabilitação e reconciliação que visam a

reintegração das pessoas na sociedade.

Existem certos requisitos para que o processo de DDR ocorra. Primeiro, deve-

se ter uma negociação de paz que forneça os parâmetros legais para a implantação

de DDR; segundo, deve-se confiar no processo de paz (as partes do conflito devem

se engajar no DDR); por último, deve-se ter um mínimo de segurança para garantir

que o processo ocorra.

A fim de aumentar a segurança, o processo de DDR baseia-se,

principalmente, na redução do número de armas. Nesse sentido, de acordo com o

Departamento de Assuntos de Desarmamento da ONU, o desarmamento

corresponde à coleta, documentação, controle e entrega de armas pequenas,

munição, explosivos e armas leves e pesadas de combatentes e também de civis.

A desmobilização é o desmantelamento formal de combatentes ativos das

forças armas e outros grupos. A primeira etapa da desmobilização pode ocorrer

tanto em centros temporários, como em campos de concentração de tropas. A

segunda etapa envolve o apoio um conjunto de ações que se relacionam com a

reinserção da pessoa na sociedade.

A reinserção refere-se, assim, à assistência oferecida aos ex-combatentes,

durante uma desmobilização, mas antes do processo de reintegração. A reinserção

é uma forma de ajuda na transição entre os processos e cobre as necessidades

básicas da família do combatente, como alimentação, roupas, abrigo, serviços

médicos, podendo incluir também pagamentos para a subsistência do indivíduo.

Já a reintegração é um processo mais longo que a reinserção, onde os ex-

combatentes adquirem um status social e passam a participar da sociedade através

de atividades com renda. É, portanto, um processo sócio-econômico, que ocorre

principalmente em nível local.

Examinado a trajetória do desenvolvimento das operações de paz dentro da

ONU, suas características e novos desafios, e uma vez estudado os aspectos

fundamentais das organizações internacionais para a criação de um sistema

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internacional mais estável, cabe, no próximo capítulo, dar início à análise histórica

do conflito na República Democrática do Congo. Partir-se-á de uma análise sobre a

inserção do continente africano no sistema internacional, principalmente a partir da

metade do século XX e, em seguida, enfocar-se-á o caso da RDC.

2 O CASO DO CONGO

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2.1 A África no Sistema Internacional

O período que se seguiu após a II Guerra Mundial caracterizou-se por um

processo tardio de descolonização dos Estados africanos e de construção do

Estado-nação. O movimento de independência dos estados africanos foi distorcido

pela permanência de estruturas de poder neocoloniais, por meio das quais os países

europeus procuravam manter a África como sua zona de influência.

O início do processo de descolonização privilegiou determinadas elites dos

países africanos, que enriqueceram-se através do clientelismo da administração

pública. Os Estados recém independentes não contavam com estruturas

organizadas de poder, e não dispunham de recursos financeiros e humanos para dar

cabo às reformas necessárias. A ausência de médicos, engenheiros,

administradores e professores somava-se a uma estrutura de classes fragmentada,

nos marcos de uma economia controlada de fora. (VIZENTINI, 2003).

A formatação dos Estados africanos, com base no território, foi problemática,

uma vez que as fronteiras dos países eram artificialmente traçadas, não respeitando

a realidade dos grupos etno-lingüísticos que estavam reunidos numa determinada

região. Enquanto que os estados europeus basearam-se na identidade de grupos de

pessoas para que se criasse uma identidade nacional, no caso africano, o Estado

antecedia à existência de uma nação. Além disso, na ausência de um idioma

comum, oficializava-se o do ex-colonizador. (VIZENTINI, 2003).

Não houve, portanto, um movimento de ruptura com as metrópoles africanas,

como se esperava. Pelo contrário, os desdobramentos políticos nos países africanos

foram fortemente influenciados pelos estados europeus e pelas duas potências

mundiais à época, EUA e URSS.

Paralelamente, a associação a organismos internacionais representou, para

os novos Estados, uma certa oportunidade de barganha para alcançar ajuda técnica

e relações privilegiadas do resto do mundo. Em troca, o Ocidente obtinha votos na

ONU e demais organizações especializadas, estabelecia bases militares e mantinha

sua influência na África.

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Após uma breve existência de estruturas políticas moldadas na democracia

liberal parlamentar, os golpes de Estado (sobretudo militares), implantaram grande

número de regimes autoritários personalistas ou de partido único, como Mobutu, na

República Democrática do Congo. Muitos presidentes permaneceram um longo

período no poder. Tal fato não foi questionado pelas grandes potências, uma vez

que esses regimes asseguravam uma relativa estabilidade política, social e

econômica ao continente. No entanto, muitos dos golpes de Estado, levados a cabo

pelo exército, possuíam um caráter progressista e modernizador, pois esta

instituição era uma das poucas em contato com a realidade social do país.

(VIZENTINI, 2003).

Na passagem dos anos 70 aos 80, iniciou-se um novo ciclo de confrontação

Leste – Oeste, que tinha como um de seus componentes básicos uma nova

correlação de forças, criada a partir da aliança estratégica dos EUA com a República

Popular da China para fazer frente à União Soviética. A partir daí, esta última passou

a intensificar sua colaboração junto a movimentos revolucionários e nacionalistas,

através do fornecimento de armas ao Terceiro Mundo.

O continente africano transformou-se, dessa maneira, numa nova frente para

o conflito político-ideológico travado entre o bloco comunista e o capitalista. Isto, de

certa forma, veio em benefício dos líderes dos governos africanos, que fizeram uso

da importância internacional que o continente detinha para barganhar junto aos

governos dos dois blocos.

Além disso, várias mudanças na economia mundial tiveram impacto no

Terceiro Mundo, ocasionando ondas revolucionárias que ameaçavam a estabilidade

dos países. O novo contexto mundial apresentava uma crise do capitalismo mundial,

desencadeada pela desvinculação do dólar em relação ao ouro (1971), pela

reorganização da produção (com a nova divisão internacional do trabalho e

globalização financeira), os elevados preços do petróleo e a forte deterioração dos

preços dos produtos primários.

A expansão da população nos países africanos somou-se à crise econômica

que se alastrava pelo continente. Entre 1950 e 1980, a população da África

triplicou.14 O aumento foi sentido mais nas áreas rurais, onde a escassez de terras

14 Segundo consta no livro: MEREDITH, Martin. The State of Africa . Pág. 152. Em 1955, a população de Kinshasa era de 300.000 habitantes. No início da década de 80, Kinshasa já possuía em torno de 3 milhões de habitantes.

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provocou um êxodo rural sem precedentes. Milhões migraram para os grandes

centros, em busca de melhores condições de vida e oportunidades econômicas.

Nessa conjuntura, foi inevitável a recorrência a organismos financeiros

mundiais, como o FMI e o Banco Mundial, os quais impuseram receituários prontos15

para a grande maioria dos países africanos. O resultado disso foi a chamada década

perdida, na qual a economia africana regrediu aos padrões de trinta anos antes.

Na luta pela independência dos Estados africanos, os conflitos adquiriram

uma dimensão regional. Na região dos Grandes Lagos, onde a RDC se insere, havia

uma forte tendência pela ingerência de um país na política do outro.

Isto pode ser observado tanto nos casos do Congo, como de Angola. Nesta

última, a guerra contra os portugueses teve o envolvimento de grupos apoiados por

identidades políticas distintas: a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA),

apoiada pelo Zaire de Mobutu, EUA e China; o Movimento Popular para Libertação

de Angola (MPLA), apoiado pela África do Sul e China e Portugal; e, mais tarde, a

União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), apoiado pela URSS

e Cuba. Mais tarde, em resposta à ingerência congolesa, Angola e Cuba apóiam a

invasão de rebeldes na região de Shaba (também chamada de Katanga), em 1977 e

1978.

Somam-se a isso os conflitos mais recentes ocorridos em Ruanda e Burundi,

envolvendo tribos rivais Hutus e Tutsis, e que resultaram em ondas de refugiados

para a fronteira leste do Congo, desestabilizando o país por inteiro. Tais

desdobramentos serão aprofundados quando da análise do conflito no Congo nos

anos 90. Contudo, cabe ainda mencionar as conseqüências que o fim da Guerra Fria

trouxe para o continente.

Ao fim do conflito Leste x Oeste, o desmantelamento da URSS e a

subseqüente onda democratizante promoveram um novo ordenamento mundial, o

qual revelou uma perda de importância estratégia do continente africano. Conforme

atesta VIZENTINI (2003), o resultado disso foi a marginalização da África no sistema

internacional e a tribalização dos conflitos e da política regional.

15 Entre tais medidas, estavam a desvalorização das moedas nacionais, a redução de tarifas alfandegárias, corte de subsídios estatais, privatização de empresas públicas e reforma do setor agrícola (com o desmantelamento de cooperativas e fazendas estatais.(VIZENTINI, 1999).

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O novo momento das relações internacionais durante a década de 90 viu um

aprofundamento dos conflitos étnico-tribais e a recorrência de crises humanitárias de

grande proporção na África.

Segundo BERMAN (2003),

Os Estados africanos ainda sofrem dos legados do colonialismo. O fim da Guerra Fria criou um vácuo de poder que levou ao surgimento e alargamento da violência interna. (...) Em muitos casos, conflitos que começaram em nível nacional transbordaram para países vizinhos ou assumiram dimensões regionais16 (tradução nossa).

Ainda, em muitos casos pode ser observada a proliferação de armas,

principalmente pequenas e leves, que contribuem para a expansão e manutenção

do conflito armado. Na RDC, em especial, a questão da proliferação de armas

pequenas e leves e os efeitos das políticas de desarmamento e desmobilização de

ex-combatentes ocupam papel de extrema importância na resolução do conflito. Tais

políticas estão sendo implementadas por meio da ação da MONUC na RDC.

Um olhar mais direcionado para a atuação da ONU no pós-Guerra Fria revela

que a atuação deste organismo no continente africano, a partir dos anos 90,

assumiu nova direção, expandindo o número de suas operações para diversos

países: Angola, Moçambique, África do Sul, Libéria, Serra Leoa, Ruanda, Costa do

Marfim, Burundi, Somália e República Democrática do Congo, entre outros.

O clima de instabilidade e a própria condição do Estado africano pós-colonial

explicam o porquê da ONU visar primordialmente à África no tocante às missões de

paz. A descolonização e o fim do imperialismo, com o conseqüente vácuo de poder

criado dentro dos Estados africanos, implicaram na criação de um espaço

fragmentado e conflituoso, que demandou a atuação do órgão internacional naquela

região, a fim de se manter a estabilidade da ordem internacional.

A seguir, será contextualizado o caso da República Democrática do Congo,

partindo-se da análise da crise da independência e a presença da ONU no país

durante os anos da Guerra Fria.

16 Tradução livre feita pelo autor: “African states still suffer from the enduring legacy of colonialism. The end of the Cold War has created a power vacuum conducive of the rise and spread of internal violence. (…) In several instances, conflicts that started on a national level have spilled over into neighbouring countries or have assumed regional dimensions”

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2.2 As Raízes do Conflito – da crise de independênc ia à intervenção da ONU no

ano de 1960.

As origens do conflito congolês podem ser traçadas a partir dos fatos já

mencionados, quais seja, a fragilidade do Estado-nação, a falta de uma identidade

nacional homogênea, o grande número de tribos espalhadas pelo vasto país, a falta

de infra-estrutura e recursos administrativos, além da permanente desconfiança com

o exterior.

Nos quatro primeiros anos após conquistada a sua independência da Bélgica,

o país sofreu com uma grande instabilidade política provocada pela luta entre

diferentes grupos étnicos (movimentos de libertação nacional) pelo controle do país.

O Congo (ex-Zaire, atual República Democrática do Congo), sofreu ameaça de

desintegração territorial, o que acionou a ONU para que interviesse na região para

garantir a integridade territorial do país.

A erupção da guerra pela independência ocorreu em meio a um conflito

internacional que transformou a África e, mais especificamente, o Congo num novo

teatro de combate entre os EUA e a URSS. Além destes fatores, destacam-se

também os inúmeros interesses políticos e econômicos que estavam voltados para

este território.

O Congo foi incorporado oficialmente como colônia belga no ano de 1908. A

partir de então, a Bélgica passou a administrar o território e a explorar seus recursos

naturais, principalmente cobre, ouro e diamantes. A administração burocrática da

colônia dividiu-se por 6 províncias: Katanga (Elisabethville), Kasai (Luluaborg), Kivu

(Bukavu), Orientale (Stanleyville), Équateur (Coquilhatville) e Baixo Congo (com a

capital em Leopoldville, hoje Kinshasa). (LESLIE apud CLARK, pág. 35).

Cada uma destas províncias era administrada por um governador local.

Muitos destes como, por exemplo, Moisés Tshombe, em Katanga, tornar-se-iam

líderes de movimentos de libertação nacional, os quais tiveram papel importante nos

desdobramentos políticos do país.

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A administração belga tinha sua atenção voltada para a capital, Leopoldville, e

a província de Katanga (rica em minérios, a província mais rica do país). As

províncias de Katanga e Kasai desafiavam, desde o início, a administração do país

feita a partir de um aparato unitário. A província de Kivu também merece destaque

neste momento, uma vez que esta parte do território, durante a monarquia, foi

povoada pela tribo Tutsi, que mais tarde enfrentaria problemas com a tribo dos

Hutus pelo direito às terras da região leste do Congo. Estes desdobramentos,

envolvendo os países vizinhos de Ruanda e Burundi, serão mais tarde abordados,

quando examinarmos mais detalhadamente as conseqüências da crise em Ruanda,

em 1994, para o então Congo-Zaire. Entretanto, e para a melhor compreensão da

historia do Congo no período da independência, é importante que se saiba que Kivu

representou e ainda representa um elemento de grande instabilidade para a

República Democrática do Congo.

A administração belga não se preocupou com a criação de uma identidade

nacional que amalgamasse os diferentes povos espalhados pelo território congolês.

A estrutura administrativa baseava-se em um sistema legal indireto, que dividia o

país em duas estruturas legais, uma civil e outra étnica. Isto resultou num problema

de “dupla cidadania”, no qual somente o indivíduo que possuía cidadania étnica

tinha acesso a direitos sócio-econômicos, como a terra. Em outras palavras,

somente aqueles considerados indígenas poderiam ter acesso a terra.

A administração também não permitiu que os nativos participassem da

administração pública e o acesso à educação era também cerceado.17

Da mesma maneira que atesta CLAPHAM,

Apesar de estabelecer (após um período inicial de exploração sem precedentes), um modelo de domínio colonial paternalista, os belgas não fizeram nada para criar as condições políticas que conduzissem a uma transferência de poder. (2002, p. 38).18 (tradução nossa).

17 Segundo GORDON (1965), “pouquíssimos congoleses detinham posições dirigentes ou operacionais de responsabilidade. Em 1958, apenas dez mil, numa população de 13 milhões e meio de habitantes, freqüentavam escolas secundárias ou de treinamento vocacional. Até 1956 não existia Universidade no Congo e, em 1960, apenas dezessete pessoas haviam recebido educação universitária na Europa.”

18 Tradução livre do autor do trecho: “despite establishing (after an initial period of ruthless exploitation), a model of paternalist system of colonial rule, the Belgians did nothing to create the political conditions conductive to a transfer of power.”

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Contudo, a II Guerra Mundial representou uma janela de oportunidade para

muitos congoleses que buscavam uma mudança para o país. Após lutarem na

guerra, muitos permaneceram na Europa e adquiriram algum tipo de formação. Ao

retornarem, passaram a incorporar movimentos de luta pela independência,

reclamando direitos e exigindo reformas no governo e na condução da política no

país.19

Em 1957 foram possibilitadas as primeiras eleições municipais no país, as

quais viram o surgimento de uma série de partidos políticos de base étnica. Cabe

mencionar três movimentos políticos que tiveram papel importante nas eleições

nacionais, 3 anos mais tarde: o partido Abako, de Joseph Kasavubu; o partido

Conakat, de Moisés Tshombe; e o MNC, Mouvement Nacionale Congolais, de

Patrice Lumumba.

As eleições de 1960 demonstraram perda da força dos partidos orientados

pelos belgas e revelaram expressivas conquistas dos nacionalistas extremados,

notadamente do MNC, de Patrice Lumumba. Os dois mais altos postos do país

seriam ocupados por líderes congoleses rivais, Joseph Kasavubu, eleito presidente,

e Patrice Lumumba, do Mouvement Nationale Congolaise, partido nacionalista, de

base esquerdista, eleito primeiro-ministro.

Moises Tshombe foi eleito presidente da província de Katanga (situada mais à

Leste), onde se encontrava a maior parte dos minerais do Congo, a grande riqueza

nacional. O tempo insuficiente – apenas seis meses – destinado ao planejamento e

preparação do país para a independência, aliado a uma infra-estrutura precária e

uma economia frágil, mergulhou o Congo numa crise marcada por conflitos tribais e

confrontação políticas.

As Forças Armadas congolesas - ANC (Armée Nationale Congolaise) –

iniciaram um motim e expulsaram os oficiais belgas de suas instalações. Ataques

amotinados a cidadãos belgas e outros europeus, incluindo casos de estupros e

outras atrocidades, levaram à evasão da maioria dos administradores e técnicos

belgas do território congolês, resultando no colapso da administração pública.

Com o objetivo declarado de restaurar a lei e a ordem e proteger os seus

nacionais, a Bélgica, contrariando as autoridades congolesas, ordenou, em 11 de

19 Contribuiu para isso O discurso do então Presidente francês Charles De Gaulle no país vizinho Congo, encorajando a independência da África francófona. Além disso, participação de líderes políticos em Congressos Africanos e em Seminário na Bélgica.

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Julho de 1960, uma incursão de suas tropas na ex-colônia, aumentando ainda mais

a tensão no país. Simultaneamente à incursão belga, Tshombe, numa tentativa

separatista, proclamou a independência da província de Katanga, o que

representava um forte golpe, especialmente do ponto de vista financeiro, para o

Congo.

A saída dos belgas do país africano representou mais um passo em direção à

depressão econômica e política que o país observava. Os belgas tinham uma

presença forte na agricultura e no comércio, e sua saída foi rapidamente sentida. De

acordo com LESLIE (2002), a população belga viu seu número ser reduzido de

80.000 à época da independência, para 20.000, em 1961. (LESLIE apud CLARK, p.

39).

A ação do governo belga - de enviar soldados sem o consentimento do

recém-eleito governo congolês - a fim de garantir a proteção de seus civis, seguido

da separação da província de Katanga, sob liderança de Moisés Tshombe, foram o

estopim para que o governo congolês solicitasse assistência militar ao Secretário-

Geral das Nações Unidas, afirmando que a presença da Bélgica no país se tratava

de agressão externa contra o recém-independente Congo. Estava, desse modo,

deflagrada a questão em nível internacional.

Ao ser chamada para intervir militarmente no Congo, a ONU – Opération des

Nations Unies au Congo – deu proporções globais à crise do país, trazendo para a

esfera do problema atores externos como a Bélgica, os EUA e a URSS.

A seguir, será analisada a primeira missão de paz da ONU no território do

Congo e de que maneira a comunidade internacional interveio para resolver a crise

generalizada que se instalou no país logo após sua independência.

2.3 A Atuação da ONUC na República do Congo e a Gue rra Fria

A rebelião que levou à independência colocou frente a frente um movimento

rebelde formado por jovens nacionalistas e a classe dos burocratas conservadores,

que se beneficiavam da situação de dependência da metrópole belga.

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O resultado de uma semana de conflitos foi a expulsão, pelo exército

congolês, de toda a burocracia belga e a secessão da província de Katanga. O

pedido de socorro feito pelo Presidente Kasavubu e por seu primeiro-ministro,

Patrice Lumumba, ao Secretário-Geral da ONU, Dag Hammarskjöld, foi prontamente

atendido pelo Conselho de Segurança.

Ante o pedido do governo congolês, o Secretário-Geral, utilizando pela

primeira vez a prerrogativa a ele conferida pelo art. 99 da Carta da ONU – o que o

autoriza a chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que

em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais

– solicitou, em caráter urgente, uma reunião daquele órgão para deliberar sobre a

situação do Congo. Nessa oportunidade, Hammarskjöld esboçou suas idéias sobre

as ações a serem todas em resposta à solicitação do governo congolês,

recomendando o estabelecimento de uma força sob o comando das Nações Unidas.

Dessa forma, uma missão de peacekeeping da ONU entrou em ação para

assegurar a integridade territorial do país, através da resolução n° 143 de 1960.

A ONU encontrou precedentes para esta missão na UNEF (United Nations

Emergency Force), que atuou de 1956-67 para “assegurar e supervisionar a

cessação das hostilidades, incluindo a retirada das forças armadas da França, Israel

e Reino Unido do território egípcio e, após isso, servir como uma zona “buffer” entre

Egito e Israel e prover supervisão imparcial para o cessar-fogo”20(ONU) (tradução

nossa).

No entanto, os dois casos se diferenciam na medida em que o Congo

enfrentava um motim dentro de suas forças armadas e isto ocasionou a intervenção

belga. Portanto, o mandato da ONUC deveria se estender para que, após a retirada

das tropas belgas, a Força das Nações Unidas no Congo continuasse a

desempenhar responsabilidades de natureza puramente interna – a manutenção da

lei e da ordem – até o momento em que as forças de segurança nacionais

pudessem arcar com esta missão.

Em 14 de Julho, o Conselho de Segurança passou a resolução n° 143/1960, a

qual demanda que a Bélgica retire suas tropas do território do país africano e

autoriza o Secretário-Geral a tomar as devidas ações, em consulta com o governo

20 Tradução livre do autor: Secure and supervise the cessation of hostilities, including the withdrawal of the armed forces of France, Israel and the United Kingdom from Egyptian territory and, after the withdrawal, to serve as a buffer between the Egyptian and Israeli forces and to provide impartial supervision of the ceasefire.

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da República do Congo, para prover ao governo a assistência militar necessária até

que, através da ajuda técnica da ONU, as forças nacionais possam cumprir

devidamente seu papel.

Esta resolução tinha validade e aplicação sobre todo o território da República

do Congo e, tendo isto em vista, aplicava-se também sobre a província separatista

de Katanga.

A primeira força de intervenção da ONU no país veio de Gana, a qual então

havia recentemente adquirido sua independência. A conclusão do comandante da

força da ONU foi de que o exército congolês deveria de ser imediatamente

desarmado (o que foi vetado pelo representante da ONU no país, pois a ONU estava

ali para ajudar o governo congolês e este não admitia tal ação).

Ao final de Julho do mesmo ano, os belgas haviam se retirado de todo o

território do Congo, exceto Katanga. Da mesma forma, na mesma época, a ONU se

fez presente em quase todas as províncias do país, exceto Katanga.

A força militar da ONU consistia em 8.396 capacetes-azuis, dos quais 2.340

vinham de Gana, 2.087 da Tunísia, 1.220 do Marrocos, 1.160 da Etiópia, 741 da

Guiné, 255 da Libéria e 623 da Suécia.

Já, através da Resolução 146/1960, o CS da ONU solicita ao Governo da

Bélgica que retire suas tropas imediatamente da província de Katanga, e que

colabore com a implementação das resoluções do Conselho. Da mesma forma,

declara que a entrada da Força das Nações Unidas na província é algo necessária

para a completa implementação da resolução.

Por outro lado, a ONU deixa claro o caráter de não-intervenção de sua missão

nos assuntos domésticos do país, ao reafirmar que a força, no Congo, não intervirá

ou servirá para influenciar qualquer conflito interno.

A ONUC trabalhou em cooperação com o primeiro-ministro congolês, Patrice

Lumumba, mas houve um período em que a ONU agiu deliberadamente para

garantir que, na invasão de Katanga, o conflito não escalasse. Assim, o secretário-

geral, agindo sob a resolução do CS, enviou as tropas para a província de Katanga,

provocando uma grave crise com o primeiro-ministro Lumumba. Este temia que,

dessa maneira, a ONU estivesse agindo em arbitrariamente, e criticou duramente a

organização e solicitando apoio da URSS para o conflito.

No dia 5 de Setembro de 1960, o Presidente Kasavubu demitiu Patrice

Lumuba, acusando-o de que sua ação no governo estava levando o país à guerra

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civil. O período que seguiu foi de extrema instabilidade, exacerbado pela indefinição

quanto à autoridade central no Congo. O presidente Kasavubu e seu ex-primeiro-

ministro acusavam-se e reclamavam cada um para si a legitimidade de governar o

país.

A partir daí, o conflito do Congo passa a demonstrar mais claramente o

impacto das políticas das duas potências durante a Guerra-Fria Para evitar a

movimentação de Lumumba e a entrada de seus aliados na capital do país, oficiais

da ONU bloquearam aeroportos e fecharam a estação de rádio da capital

(Léopoldville, hoje, Kinshasa) durante uma semana.

O Coronel Joseph Desiré Mobutu, até então uma figura pouco conhecida no

meio político congolês, apoiado pelos EUA, aproveitou-se do vácuo de poder

existente e, através de um golpe, toma para si o controle do governo congolês.

A partir disso, o novo chefe de estado passa a acusar o ex-primeiro-ministro,

Patrice Lumumba, de contribuir para o motim das forças armadas. Atrás disso

estavam as fortes implicações ideológicas da Guerra-Fria. Acreditava-se que

Lumumba estava sendo apoiado pela URSS e, por conta disso, passa a ser

perseguido por Mobutu.

Após ficar sob a guarda da ONU, Lumumba foge e é preso pelas forças de

Tshombe, que o matam.

Seguiu-se um período de perseguição a todos os seguidores de Lumumba,

enquanto que o resto do país sucumbia à anarquia. O governo soviético atacou a

situação com duras palavras e criticou a ação do secretário-geral Hammarskjöld. Os

russos e seus aliados demandaram sanções contra a Bélgica, a prisão de Mobutu e

Tshombe e a demissão do Secretário-Geral da ONU. Enquanto isso, Dag

Hammarskjöld estava concentrado em criar um governo central legítimo e trazer

Katanga para dentro da esfera política do Congo.

O conflito no Congo fez também vítima o próprio Secretário-Geral da ONU,

que morreu em viajem de avião ao tentar negociar uma etapa do processo de paz.

Quem assume no lugar de Dag Hammarskjöld é U Thant, que toma uma

postura mais pragmática, e levantando a questão do financiamento da Missão no

Congo, a qual havia se tornado mais longa que o previsto e, portanto, mais cara.

Após a morte de Hammarskjöld, foi acordado um cessar-fogo entre as partes

beligerantes. No entanto, este demonstrou ser muito frágil e logo perdeu sua força

com a resolução 169 de 24 de Novembro de 1961 (com o apoio dos EUA), onde o

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Conselho de Segurança condena veementemente toda ação armada contra o

governo da República do Congo. Também considera ilegal o movimenta separatista

em Katanga, reconhecendo que este é financiado por forças externas e

mercenários; demanda que todas as forças externas se retirem do país; e, solicita

que o Secretário-Geral tome todas as providências necessárias para prevenir a

entrada ou retorno de qualquer elemento que traga instabilidade ao país, inclusive

armas e equipamentos que apóiem estas atividades. No parágrafo 6 da mesma

resolução, solicita ainda que todos os Estados abdiquem de fornecer armas e outros

equipamentos usados para propósitos de guerra.

Fica claro, a partir das palavras de CARDOSO, os vários interesses das

potências estrangeiras no conflito do Congo.

Logo que o primeiro brilho da operação no Congo esvaneceu-se, praticamente todos – e não apenas os soviéticos – começaram a atacar as Nações Unidas. Os americanos, em favor de Mobutu e de Kasavubu; (...) os britânicos, belgas e franceses, com seu grande envolvimento financeiro em Katanga, opunham-se fortemente aos nossos esforços para pôr um fim à secessão do seu herói, Moisés Tshombe.(1998, p. 30).

Em 1963, a província de Katanga volta a pertencer ao Congo e o governo

central se estabelece em Elisabethville, culminando no fim da missão da ONU no

país. Uma nova Constituição foi adotada, a qual alterou o nome do país para

República Democrática do Congo.

A ONUC havia alcançado seus objetivos – preservou a integridade do novo

Estado e, da mesma forma, preveniu a abertura de um novo “front” durante a

Guerra-Fria.

Por outro lado, tais objetivos foram alcançados a um grande custo para as

Nações Unidas; Conforme atesta CARDOSO, a ressaca do Congo é apontada como

uma das razões para a redução observada nas atividades de operações de paz das

Nações Unidas do princípio dos anos 70 até 1988. (1998, p. 31.)

A ONUC foi uma das mais amargas experiências da organização com

operações de paz no período da Guerra Fria. A falta de apoio internacional e

doméstico não só gerou um saldo negativo para a ONU de 250 peacekeepers

mortos, incluindo o Secretário-Geral, Dag Hammarskjöld, mas também o descrédito

internacional com relação às Nações Unidas e ao seu novo mecanismo como

instrumento efetivo para a manutenção da paz e contenção de conflitos. Além disso,

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no plano doméstico, o Congo encontrava-se, ao final da missão, ainda mergulhado

numa situação caótica, sob praticamente todos os aspectos – econômico, cultural,

educacional e infra-estrutural. O efeito disso foi a relativa inatividade da ONU no

campo das operações de paz, entre os anos de 1967 e 1973, período em que

nenhuma nova missão foi estabelecida.

O próprio governo constitucional não perdurou muito tempo após a saída da

operação. Em novembro de 1965, Mobutu, o comandante das forças armadas

congolesas, tomou o poder e instaurou um governo totalitário, baseado no modelo

colonial. O novo presidente também alterou o nome do país para Zaire.

2.4 O Regime de Mobutu

A partir da instauração de Mobutu no poder, o Zaire foi refém de um governo

totalitário, apoiado fortemente pelo governo norte-americano, que via nele um

elemento de estabilidade para a região dos Grandes Lagos e que garantia ao

Congo, agora renomeado Zaire, que não se transformasse numa extensão do

domínio soviético na África.

Mobutu governou o Zaire durante 30 anos, os quais foram marcados pela

tentativa de se resolver o conflito étnico, pela nacionalização da economia zairiana,

personalização da política, grande inflação e pilhagem estatal.

Sustentou-se, principalmente, através de uma retórica anticomunista,

conseguindo manter apoio e patrocínio dos governos ocidentais, além de receber

amplos empréstimos de instituições financeiras internacionais.

Nesse sentido, Robert Flaten, ex-embaixador americano em Ruanda,

demonstra um mea culpa com relação à política americana para o Zaire.

Claro que uma das razões de termos continuado a apoiar Mobutu foi por causa de sua colaboração à nossa política na Angola. Mas nós decidimos muito mais cedo manter Mobutu no poder como uma das maneiras mais certas de manter os soviéticos fora do alcance de um dos Estados mais ricos da África Central. Nós dizíamos para nós mesmos que Mobutu era a única garantia de manter o Zaire unido, e de prevenir que o país se separasse em diversos mini-estados hostis, sujeitos à influência soviética. Então, nós assistimos enquanto Mobutu explorava um dos países mais ricos da África, tomava as recompensas como sua fortuna pessoal, e

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desperdiçava bilhões de dólares em ajuda estrangeira. Somente após 1991, depois do fim da Guerra Fria, nós começamos a insistir na reforma do Zaire. Agora, o Congo (Zaire) está em ruínas, sua infra-estrutura devastada, e sofrendo sua segunda guerra civil em 3 anos, com uma dúzia de exércitos de outros países africanos apoiando grupos ativos dentro do país, e sem esperança aparente para o futuro. Alguém poderia dizer que o Congo sempre teve seus problemas, mas muito do desastre atual pode ser atribuído ao nosso apoio ao explorador Mobutu. (FLATEN, 1999).21 (tradução nossa).

O discurso pró-Mobutu devia-se ao apoio que o ditador concedia ao

movimento UNITA, em Angola, que buscava uma mudança de regime no país

vizinho.

No entanto, ao mesmo tempo em que EUA apoiavam o regime ditatorial no

Zaire, houve uma mudança nos determinantes externos para a região, em especial

com relação à crise que afetou os preços dos produtos primários a partir da década

de 70. (o cobre, principal recurso natural explorado pelo país na época, foi

fortemente afetado.)

De acordo com MCCALPIN,

Apesar das riquezas dos recursos naturais do Zaire, as falhas no gerenciamento econômico e a exploração política haviam bloqueado o crescimento econômico. (...) a média da inflação entre 1980 e 1987 sendo 53.7 %. (...) ao regime de Mobutu também foram emprestados cerca de 10 bilhões de dólares de financiadores internacionais.22 (2002, p. 43). (tradução nossa).

O fim da Guerra Fria quebrou este cenário de corrupção e apoio externo ao

regime ditatorial no Zaire. O Ocidente passou, então, a pressionar Mobutu para que

implementasse reformas políticas e econômicas, enquanto que as instituições

21 Tradução livre feita pelo autor do trecho: Of course one of the reasons we continued to support Mobutu was for his support of our policy in Angola. But we decided much earlier to keep Mobutu in power as the surest means we could think of to keep the Soviets from gaining a foothold in the enormously rich major state of central Africa. We told ourselves that Mobutu was the only guarantee of holding Zaire together, of preventing it from splitting up into hostile mini-states subject to Soviet influence. So we watched as Mobutu raped one of the richest countries in Africa, took the rewards as his personal fortune, and squandered billions of dollars worth of foreign aid. Not until 1991, after the end of the Cold War, did we begin to insist that Zaire reform. Now Congo(Zaire) is in ruins, its infrastructure in shambles, and suffering from its second civil war in 3 years, with a dozen other African armies choosing up sides active within the country, and no apparent hope for the future. One can say that the Congo has always had its problems, but much of the current disaster can be attributed directly to our support for the rapacious Mobutu.

22 Tradução livre feita pelo autor do trecho: Despite the richness of Zaire´s mineral assets, economic mismanagement and political exploitation had completely stymied economic growth. (…) the average inflation rate between 1980 and 1987 being 53,7 percent.(…) the Mobutu regime also borrowed some US$ 10 billion from international lenders.

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financeiras internacionais terminavam seus programas de ajuda e financiamento

para o país.

Paulatinamente, Mobutu foi obrigado a ceder às pressões externas (da

França, Bélgica e EUA) e iniciou um processo em que vários governos de transição

foram constituídos, além de permitir a realização da Conferência Soberana Nacional,

em 1992, a qual exigiu mudanças na constituição.

Ao fim do período do ditador Mobutu, o Zaire encontrava-se em meio a uma

crise generalizada, similar àquela da independência. O regime de Mobutu, muitas

vezes apontado como uma “cleptocracia”, não conseguiu resgatar o país da

estagnação e subdesenvolvimento, nem encorajou a criação de um ambiente

político que propiciasse o desenvolvimento. Além disso, durante seu governo, o

exército recebera pífios recursos (isto porque Mobutu temia que um exército forte

pudesse tirá-lo do poder) e começava a se revoltar frente à falta de recursos e

pagamento dos salários dos soldados.

De acordo com MCCALPIN (2002), entre 1960 e 1990, o Zaire teve mais de

14 primeiros-ministros e somente 2 presidentes, incluindo Mobutu.

O regime viu seus últimos dias cercado por uma crise de refugiados, a qual

envolveu todos os Estados que faziam fronteira com Ruanda e Burundi, e onde o

ingrediente étnico foi o principal ator na guerra que se desencadeou pelo país.

A luta étnica tomou conta, principalmente, do leste do país. A partir de então,

foi evoluindo para tornar-se uma crise humanitária sem precedentes para a região,

que encontrou em movimentos nacionalistas rebeldes a sua forma mais politizada. É

dessa forma que Laurent Kabila, líder de um dos movimentos radicais, o ADFL -

Alliance des forces démocratiques pour la libération du Congo-Zaire, conseguiu

reunir forças e amalgamar apoio popular para dar um fim à ditadura de Mobutu.

A seguir, analisar-se-á, brevemente, os condicionantes da crise dos

refugiados de Ruanda para a instabilidade na região leste da RDC.

2.5 A Questão do Leste da RDC e a Instauração de La urent Kabila no Poder.

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As tensões no leste da RDC merecem atenção destacada neste estudo, uma

vez que esta região representa, até hoje, foco de grande tensão e desafio para a

solução do conflito na região dos Grandes Lagos. A região vive a interferência de

grupos armados e milícias, independentes ou financiadas por agentes externos

(como Estados vizinhos), que buscam, cada um a sua maneira, defender seus

interesses e onde a lógica da luta já se tornou uma razão por si só de perpetuação

do conflito.

Os países vizinhos, mais precisamente Ruanda, Burundi, Uganda e Angola,

tiveram participação destacada na crise etno-política que tomou conta da RDC a

partir de 1997. A região do leste da RDC funcionou, desse modo, como base para

diversos grupos armados reabastecerem seus movimentos de insurgência (em

muitos casos, eles utilizam a base na RDC para reunir forças e atacar os regimes

em seus países de origem).

Este era o caso de Ruanda, onde os rebeldes Tutsis foram perseguidos pelo

exército de Ruanda e pela milícia Interahamwe, após a morte do presidente Juvenal

Habyarimana (Hutu),

Nas palavras de DUNN (2002),

Isto propiciou o estopim para meses de lutas e mortes, agora comumente referido como o genocídio de Ruanda, em 1994. Os 100-dias da onda de mortes resultaram no assassinato de cerca de 800,000 ruandeses, a destituição do governo de Ruanda pela Frente Patriótica Ruandesa de Paul Kagame e o êxodo de mais de 2 milhões de refugiados para os campos dentro do Zaire. 23 (tradução nossa).

O regime Hutu, na capital ruandesa Kigali fora, então, deposto pela RPF

(Frente Patriótica Ruandesa, na sigla em inglês), constituída de rebeldes tutsis. Isto

resultou numa onda de refugiados para os campos do leste do Zaire. Estes

refugiados eram, em sua maioria, civis, Interahamwes (a milícia responsável pelo

genocídio em Ruanda), e membros da FAR (Forças Armadas Ruandesas).

De acordo com BREYTENBACH (1999), mais de 2 milhões de hutus, todos

temendo vingança e alguns deles assassinos no recente genocídio fugiram para o

23 Tradução livre feita pelo autor do trecho: This provided the spark for several months of killing and fighting, now commonly referred to as the 1994 Rwandan genocide. The hundred-day killing spree resulted in the murder of around 800,000 Rwandans, the overthrow of the Rwandan government by Paul Kagame´s Rwandan Patriotic Font (RPF), and the exodus of over 2 million Rwandans to refugee camps inside Zaire.

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leste do Zaire, onde muitos se juntaram à força Interahamwe que estava ali antes.24

(tradução nossa).

Os Hutus basearam-se no leste do Zaire e reagruparam suas forças para

atacar o regime Tutsi do RPF em Ruanda. O leste do Zaire também serviu de base

para rebeldes de Burundi, também em sua maioria Hutus, que tinham como objetivo

a queda do regime Tutsi em Bujumbura. Ruanda temia isto e passou, a partir daí, a

apoiar o regime Tutsi em Burundi.

Já Uganda teve sua participação no conflito entre-fronteiras devido ao

envolvimento do Sudão em sua política interna, através do apoio a grupos rebeldes,

em sua maioria rebeldes pró-Mobutu. Estes, a partir de suas bases na região de

Kivu (leste do Zaire), provocaram uma série de lutas na fronteira com Uganda.

Em 1994, Museveni, presidente de Uganda, auxiliou os Tutsis a tomar o poder

em Ruanda e Burundi. Os tutsis também foram importantes atores na região de Kivu

e passaram a apoiar o movimento de Kabila para a ascensão ao poder.

Cabe mencionar, rapidamente, o relatório do Grupo de Experts da ONU

encarregado de analisar a ligação entre a atuação destes grupos armados e a

exploração de recursos naturais na RDC.

O Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, referiu-se a essa questão numa

carta25 ao Conselho de Segurança, onde trata sobre os resultados do Painel de

Experts sobre a exploração ilegal de recursos naturais e outras formas de riqueza.

O Painel encontrou conexões entre a exploração de recursos naturais na

RDC e a continuação do conflito. Ele demonstra que a crise na RDC acontece em 3

níveis: a) forças do governo e seus aliados contra os rebeldes e seus aliados de

Ruanda, Uganda e Burundi; b) RCD-GOMA e seus aliados de Ruanda x MLC e

RCD-ML e Uganda e Burundi; c) movimentos rebeldes e seus aliados (Ruanda ou

Uganda) x milícia Interahamwe, Mayi-Mayi e outros grupos dissidentes.

O relatório cita a ocorrência de enfrentamentos entre estes grupos

principalmente em regiões ricas em recursos naturais (ou seja, principalmente no

leste do país). O documento ainda afirma que tanto Ruanda, quanto Uganda e o

próprio governo da RDC se beneficiam do tráfico e exploração de recursos minerais 24 Tradução livre feita pelo autor do trecho: More than two million Hutus, all of them fearing revenge killings and some of them killers in the recent genocide, fled to eastern Zaire where many joined forces with the Interahamwe who were there before. 25 Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança, em 17 de Fevereiro de 2006, sobre a exploração ilegal de recursos naturais na RDC. Disponível em: http://disarmament.un.org/cab/docs/SG%20Report%202006.pdf. Acesso em: Outubro de 2006.

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para patrocinar seus grupos rebeldes e adquirir armamentos. Em muitos casos, os

minérios (diamantes, cobalto, etc.) são trocados diretamente por armas e demais

suprimentos para a Guerra. Outros, como Uganda, exploram ilegalmente os recursos

naturais na RDC e os levam de volta aos seus países para praticarem uma re-

exportação dos recursos, sob marca de origem própria do país.

Uma vez tendo estas questões definidas, a seguir será retomado o assunto a

partir a luta entre os rebeldes e o governo de Mobutu, o que resultaria na sua

expulsão da RDC.

Isto começa a ocorrer quando Mobutu, na Conferência Soberana Nacional,

em 1992, cedeu às pressões de líderes tribais das províncias, promulgando uma lei

que acabava com os direitos civis e de propriedade para tutsis e hutus. Isto,

somando à crise étnica e de identidade social que havia na região, provocou a crise

que levaria à queda de Mobutu no poder.

Os movimentos rebeldes formaram uma aliança chamada ADFL (Alliance des

forces démocratiques pour la libération du Congo-Zaire),26 com amplo apoio de

Ruanda, Uganda e Angola27, além de contar, em sua base, com um grande número

de Tutsis, os quais realizaram ataques a refugiados Hutus.

De acordo com DUNN (2002),

Em uma entrevista incrivelmente franca para o Washington Post, Kagame afirmou que o governo de Ruanda havia decidido, em 1996, que a ameaça dos campos de refugiados no Zaire deveria ser eliminada. O governo de Ruanda procurou grupos oposicionistas ao Zaire, como o PRP, para ajudar na luta contra Mobutu e dar uma máscara zairiana para as operações.28 (tradução nossa).

A “máscara” zairiana para o movimento foi encontrada em Laurent Desiré

Kabila, que tornou-se o líder do ADFL.

26 O ADFL foi uma aliança de 4 partidos: o PRP (Parti de la Révolution Populaire) ; o CRD (Conseil de La Résistance pour la Démocratie); o MRLZ (Mouvement Révolutionnaire pour la Libération du Zaire); e, a ADP (Alliance Démocratique des Peuples).

27 Angola não via com bons olhos o apoio de Mobutu ao grupo rebelde UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).

28 Tradução livre realizada pelo autor do trechi: In a surprisingly frank interview with the Washington Post, Kagame stated that the Rwandan government had decided in 1996 that the threat from the refugee camps in Zaire had to be eliminated. The Rwandan government sought out Zairian opposition groups such as the PRP to help fight against Mobutu and provide a Zairian cover to the operations.

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Em abril de 1997, os rebeldes, liderados por Kabila e seus aliados ruandeses,

e apoiados por Angola, ganharam controle das províncias de Kasai e Shaba (ricas

em minérios), acabando com o financiamento do regime de Mobutu. O falido exército

do Zaire não conseguiu conter a onda de insurgência e Mobutu fugiu, procurando

exílio no Marrocos. Em Maio de 1997, Kabila proclamou-se como novo presidente e

renomeou o nome do país para República Democrática do Congo.

A instauração de Kabila no poder veio acompanhada de uma esperança, por

grande parte da população, que após anos sob um regime opressor, o qual somente

roubou os congoleses, ansiava por um líder que trouxesse desenvolvimento e

melhores condições de vida.

Kabila, contudo, não era esse líder. Após tomar o poder, ele assumiu uma

postura muito parecida com a de Mobutu, deixando claro suas intenções de garantir

o poder para si.

Aliado a isso, estava o fato de que Kabila não possuía nenhuma experiência

política, e não conseguia se comunicar com as massas, uma vez que não falava a

língua Lingala, falada na capital Kinshasa e usada também pelo exército. Kabila era

visto pela população como uma marionete de Ruanda e dos tutsis na RDC,

constituindo uma imagem de que o presidente havia vendido o país para interesses

externos. Isto estava claro, uma vez que Kabila dependeu do apoio destes países

para chegar ao poder.

Os Estados Unidos apoiavam Kabila, sobretudo, por três motivos: pretendiam

explorar os recursos naturais do país, queriam conter o fundamentalismo islâmico na

África, e buscavam estender sua influência na África Central. A influência americana

na região ocorreu em detrimento da francófona. Até 1990, Paris detinha grande

influência na região, mas esta cedeu lugar aos interesses americanos após a Guerra

Fria. No que se refere à região dos Grandes Lagos, a vitória da RPF em Ruanda e

da ADFL no Congo trouxe consigo uma elevação da influência dos EUA na região.

Kabila passou a governar o país apoiando-se nos seus vizinhos (Ruanda e

Burundi) e constituindo um governo pró-tutsi, nomeando diversos ministros desta

tribo para o governo.

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Contudo, tais movimentos não concediam prestígio popular a Kabila, que era

cada vez mais visto como aquele que havia vendido o Congo para os interesses

externos.29

Após os primeiros 12 meses no governo, Kabila realizou uma mudança em

sua forma de governar, passando a ignorar seus principais aliados, os regimes de

Ruanda e Uganda, a fim de angariar maior legitimidade interna. Dessa maneira,

Kabila foi adquirindo uma animosidade com seus vizinhos, a qual tornou-se ainda

mais crítica quando o presidente mostrou que não resolveria o principal problema

que o trouxera ao poder – a questão da marginalização dos tutsis e a cidadania para

a tribo Bayamulenge – perpetuando a atuação de grupos rebeldes na fronteira leste.

Além disso, o presidente havia solicitado que Ruanda e Uganda removessem suas

tropas do país.

Isto ia de encontro às expectativas e desejos dos governos que patrocinaram

a subida de Kabila ao poder e não demorou muito para que eles ensaiassem uma

forma de tirá-lo do poder na RDC. Assim, num curto espaço de tempo, os

apoiadores do governo na RDC tornaram-se seu principal inimigo, orquestrando uma

operação militar que resultaria na morte de milhares de civis e que chamaria a

atenção da comunidade internacional.

O movimento rebelde, patrocinado por Ruanda, tomou as províncias do leste

e varreu o país a partir de Agosto de 1998. A fim de defender-se, Laurent Kabila

utilizou-se de retórica étnica, incitando a violência contra tutsis e alegando que

Uganda e Ruanda estavam interferindo na soberania do país. Kabila pediu apoio de

tropas a Zimbábue, Angola e Namíbia, a fim de apoiar o regime de Kinshasa.

De acordo com a ONG International Crisis Group (2006), entre 1998 e 2004

(anos em que o conflito assumia sua face mais violenta), estimados 4 milhões de

pessoas haviam morrido como causa direta da violência entre as partes. As

dificuldades relacionadas com a cessação das hostilidades entre as partes

envolvidas no conflito possuem diversos motivos e muitos destes serão abordados a

partir do próximo capítulo.

É importante destacar que, embora este autor considere que o conflito tenha

raízes múltiplas, que concorreram para o desencadeamento da guerra na RDC,

29

Ruanda apoiara Kabila, na esperança de que ele resolveria o problema das ações militares na região da fronteira, as quais prejudicavam a estabilidade do país.

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entre elas as tensões étnicas, a ingerência dos países vizinhos e os anos de baixo

(senão nulo) desenvolvimento econômico, este trabalho enfocará, essencialmente,

os problemas em torno da circulação de armas na região dos Grandes Lagos e de

que maneira a MONUC, juntamente com o governo da RDC, buscou fazer face à

estes desafios. Pode-se afirmar, desde já, que a proliferação de armas na região é,

sim, fator de considerável desestabilização para a RDC e seus vizinhos, e sua

solução é imprescindível para o fim dos conflitos.

O próximo capítulo abordará o conflito mais recente na RDC, a partir de 1998,

lançando luz sobre os diversos acordos firmados em nível regional para a solução

do conflito. Também partirá do estudo das diversas resoluções que o Conselho de

Segurança da ONU emitiu para a operação da MONUC em solo congolês.

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3 A AÇÃO DA MONUC NO CONGO (1999-2006)

Neste capítulo será analisada a atuação da Operação da ONU na RDC, mais

conhecida como MONUC, a partir de sua instauração, com a assinatura do Acordo

de Lusaka, em 1999, até o ano de 2006, quando ocorreram as primeiras eleições

livres no país após a independência.

A passagem para um regime “democrático”, com a ascensão de Kabila ao

poder, representou uma vaga esperança para a solução da crise no país. No

entanto, tais votos logo se esvaneceram, na medida em que o novo presidente

demonstrou uma forma de governo similar com a de seu antecessor, impondo seu

caráter autoritário e egoísta no poder.

O recrudescimento do conflito na RDC chamou a atenção, primeiramente, dos

países africanos, que se reuniram em 1998, em Pretoria, África do Sul, para trazer

uma solução para a crise. Nessa reunião, os líderes dos países da SADC

(Comunidade para o Desenvolvimento do Sul da África, na sigla em inglês),

reconheceram a legitimidade do governo da RDC e pediram que a cessação

imediata das hostilidades fosse seguida por um diálogo político para uma solução

pacífica da crise.

A reunião, com a presidência de Nelson Mandela, os países da SADC

requisitaram que fosse organizado um cessar-fogo, em consulta com o Secretário-

Geral da Organização da União Africana (OUA).

Assim, a ação da SADC imprimiu nova dinâmica para as conversações em

torno da solução da crise. Em Novembro de 1998, Paul Kagame, vice-presidente de

Ruanda, admitiu que tropas de seu país estavam ajudando os rebeldes na RDC,

mas justificou a intervenção em termos de segurança nacional.

A reunião dos líderes da SADC, embora não tenha trazido resultados

concretos para o fim das hostilidades, propiciou um debate em torno do assunto que

culminou na celebração do Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka.

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3.1 O Acordo de Lusaka e a Instauração da MONUC

O Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka trouxe para a mesa de negociação as 6

partes envolvidas no conflito (RDC, Ruanda, Uganda, Angola, Namíbia e Zimbábue)

em 10 de Julho de 1999. Estas se comprometeram com a cessação das

hostilidades. O Acordo de Lusaka determinou, também, a criação de uma Joint

Military Commision (Comissão Militar Conjunta), a qual administraria o cessar-fogo

até que uma missão de paz da ONU pudesse ser operacionalizada.

O Acordo comporta as condições relativas à normalização da situação ao

longo da fronteira da RCD; ao controle do tráfico ilegal de armas e de infiltração de

grupos armados; à abertura de um diálogo nacional; à necessidade de regular as

questões de segurança; à formatação de um mecanismo que vise ao desarmamento

das milícias e grupos armados; além da autorização para o estabelecimento da

MONUC.

No preâmbulo, consta a reafirmação que todos os grupos étnicos e

nacionalidades que constituem o que se tornou o Congo (agora RDC) na

independência devem usufruir de direitos iguais e proteção da lei como cidadãos.

Além disso, é enfatizada a necessidade de garantir que os princípios de boa

vizinhança e não-interferência nos assuntos internos dos outros estados sejam

respeitados. O respeito às convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos

adicionais, bem como a convenção sobre genocídio, de 1948 também são

mencionadas.

No texto, observa-se também o reconhecimento de que a questão da

proliferação das armas é um dos fatores que contribui para a continuidade das

hostilidades. No artigo I, consta que o cessar-fogo deve compreender a cessação do

fornecimento de munição e armas e outros materiais relacionados para o território.

Consta também a solicitação às Nações Unidas para que, atuando sob o capítulo VII

da Carta e em colaboração com a OUA, constituam uma força de peacekeeping

apropriada para a RDC, para que assegure a implementação do Acordo.

A Comissão Militar Conjunta – JMC – ficaria baseada em Lusaka, Zâmbia, e

seria composta por 2 membros de cada uma das partes beligerantes, incluindo o

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MLC e o RCD, bem como observadores neutros da Zâmbia e representantes da

ONU e da OUA.

Esta Comissão teria como principais funções: investigar as violações de

cessar-fogo; criar mecanismos para identificar e desarmar milícias e monitorar a

retirada de tropas estrangeiras, de acordo com o calendário estipulado; coordenar o

estabelecimento de uma missão da ONU, com o mandato sob o capítulo VII, com a

tarefa de desarmar os grupos armados, coletar armas dos civis e prover assistência

humanitária e proteção às populações vulneráveis; e, iniciar um diálogo interno que

levaria à formação de uma nova identidade política na RDC.

Com relação ao desarmamento dos grupos armados, o documento afirma que

a JMC, com a assistência da ONU / OUA, deverá criar mecanismos para localizar,

desarmar e documentar todos os grupos armados na RDC, incluindo as ex-FAR,

ADF, LRA, UNRF II, Interahamwe, FUNA, FDD, WNBF, UNITA30 e instituindo

medidas para: a) entregar ao tribunal internacional da ONU e cortes nacionais,

assassinos em massa e perpetradores de crimes contra a humanidade; b)

tratamento de outros criminosos de guerra.

A partir da análise deste documento, entende-se que as Nações Unidas são

efetivamente chamadas para atuar no conflito e que a o desarmamento dos grupos

armados estrangeiros operando no território do país se constitui um dos seus

principais aspectos.

De acordo com o artigo 22 de Lusaka:

Deve haver um mecanismo para desarmar as milícias e grupos armados, incluindo as forças que realizam genocídio (...) todas as partes se comprometem com o processo de localização, identificação, desarmamento e reunião de todos os membros dos grupos armados, [e] se comprometem em tomar todas as medidas necessárias para facilitar a sua repatriação.31 (tradução nossa).

30 O Secretário-Geral da ONU, em seu relatório para o Conselho de Segurança, em 15 de Juho de 1999, destacou que os grupos armados identificados eram: as ex-forças do governo de Ruanda (ex-FAR) e milícia Interahamwe, a ADF (Forças Democráticas Aliadas), a LRA (Exército de Resistência dos Lordes), as FDD (Forças para a Defesa da Democracia de Burundi), o ex-exército nacional de Uganda (FUNA), a UNRF (Frente Nacional para o Resgate de Uganda II), WNBF (Frente do Oeste do Nilo) e UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola). 31 Tradução livre feita pelo autor do trecho: “There shall be a mechanism for disarming militias and armed groups, including the genocidal forces (…) all Parties commit themselves to the process of locating, identifying, disarming and assembling all members of the armed groups, [and] commit themselves to taking all the necessary measures to facilitate their repatriation”.

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Em Agosto de 1999, o líder do MLC (Mouvement por La Libération Du

Congo), Jean-Pierre Bemba foi o primeiro dos rebeldes congoleses a assinar o

Acordo. O RCD também o fez, 1 mês mais tarde.

No entanto, ficou claro que um Acordo não traria automaticamente paz para a

região, fazendo-se necessária uma Missão de Paz da ONU para observar o

comprometimento das partes com o Acordo e garantir o fim das hostilidades.

Dessa maneira, o CS das Nações Unidas, na resolução 1258, de Agosto de

1999, expressou sua aprovação com relação à assinatura do Acordo de Lusaka e

também reconheceu como positivo a assinatura do referido acordo pelo MLC. Por

outro lado, condenou os demais grupos rebeldes por não aderirem ao cessar-fogo.

Na mesma resolução, o CS autorizou o estabelecimento de pessoal da ONU

(militar, civil, político, humanitário e administrativo) para as capitais dos países

signatários do Acordo, por um período de 3 meses e com o mandato de: estabelecer

contatos com a JMC e todas as partes do Acordo; auxiliar a JMC e as partes no

desenvolvimento de modalidades para a implementação do Acordo; fornecer

assistência técnica, conforme requerido pela JMC; fornecer informação para o

Secretário-Geral com relação à situação no terreno e auxiliar na definição de um

conceito de operações para um possível aumento na participação das Nações

Unidas na implementação do acordo uma vez assinado por todas as partes; e,

garantir que as partes cooperem e demonstrem certezas quanto ao estabelecimento

de observadores militares em seus países.

Infere-se, portanto, que o papel das Nações Unidas, naquele momento,

correspondia mais a um papel coadjuvante no conflito, estabelecendo uma missão

principalmente de observação, que somente verificaria a implementação do Acordo

de Lusaka.

No relatório que Kofi Annan enviou ao CS, em Julho de 1999, ele delineou a

forma com que a MONUC deveria de lidar com o conflito. De acordo com o relatório,

a ação da MONUC seria estabelecida em três fases: a primeira, seria o

estabelecimento do pessoal militar nas capitais dos países signatários do Acordo e,

se a segurança permitisse, para a retaguarda dos quartéis dos grupos rebeldes; a

segunda fase começaria com a chegada de 500 observadores militares na RDC; e,

na terceira fase, seria estabelecida uma peacekeeping force.

Estas foram as bases para a discussão do planejamento para o emprego de

pessoal militar e civil na operação da MONUC, dividida nas fases I, II e III.

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3.2 A Fase I da MONUC

Na resolução 1279, de Novembro do mesmo ano, as Nações Unidas

decidiram que o pessoal autorizando a operar na RDC na resolução 1258 viria a se

constituir na MONUC – Mission de Observation des Nations Unies au Congo.

De acordo com este documento, o CS reafirma que o Acordo de Lusaka é o

dispositivo legal ideal para a resolução do conflito e pede que todas as partes

abdiquem do uso da força e utilizem a JMC como foro para discutir questões

militares. Também decide que o pessoal autorizado sob as resoluções 1258 (1999) e

1273 (1999) viriam a constituir a Missão de Organização das Nações Unidas na

República Democrática do Congo. Seu mandato incluiria as seguintes tarefas: a)

estabelecer contatos com os signatários do Acordo de Cessar-fogo em seus

quartéis-generais, bem como nas suas capitais; b) juntar-se à JMC e fornecer

assistência técnica na implementação de suas funções, incluindo a investigação de

violações do cessar-fogo; c) fornecer informações sobre condições de segurança em

todas as áreas da operação, com ênfase em condições locais que poderão afetar

futuras decisões sobre a introdução de pessoal da ONU; d) planejar a observação

do cessar-fogo e desmantelamento das forças; e) manter contato com todas as

partes do Acordo de Cessar-fogo a fim de facilitar a assistência humanitária para

pessoas desabrigadas, refugiados, crianças, e outras pessoas afetadas, e ajudar na

proteção dos direitos humanos, incluindo os direitos das crianças.

Através desta resolução, o mandato da MONUC teria validade até Março de

2000, e compreenderia um pessoal já autorizado pelas resoluções anteriores 1258 e

1273, que dariam suporte às atividades da JMC e observariam o cumprimento das

partes ao Acordo.

Com a resolução 1279, as principais tarefas da MONUC seria observar o

cessar-fogo, ajudar a JMC na investigação de violações ao cessar-fogo, fazer

avaliações de segurança. Além disso, deveria de mapear as posições dos

combatentes, com vista a estabelecer frentes de batalha no território.

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A MONUC demonstrou claramente que não estava preparada para cumprir

com tal mandato, uma vez que não possuía recursos necessários para executar

todas as funções de forma adequada e com segurança.

Além disso, os países-membros da ONU não atenderam prontamente o

pedido do CS para ceder tropas para a formação da MONUC. Isto está mais claro no

relatório do Secretário-Geral, Kofi Annan, para o Conselho de Segurança, em

Janeiro de 2000, onde constata que o conflito continua a se deteriorar e que a força

das Nações Unidas, constituída na época de somente 79 observadores militares

(grifo nosso), não será o suficiente para que se obtenha a cessação das hostilidades

na região.

De acordo com o parágrafo 53 do relatório, “as Nações Unidas podem ter um

papel potencialmente mais importante se elas receberem o necessário mandato e

recursos. Sob tais condições, será certamente necessário prever uma operação de

peacekeeping das Nações Unidas em larga escala. Seus principais objetivos seriam:

assistir aos beligerantes no completo desarmamento e retirada de suas forças em

condições razoáveis de segurança; fornecer segurança para o pessoal militar das

Nações Unidas; e, contribuir para o eventual desarmamento, desmobilização e

reintegração (DDR) de ex-combatentes, incluindo grupos armados identificados no

Acordo de Lusaka.

Da mesma forma, no § 80, Kofi Annan diz que o estabelecimento de pessoal

militar adicional deverá contribuir para a restauração e manutenção do clima

favorável para a implementação do Acordo de Lusaka.

3.3 A Fase II das Operações

O Conselho de Segurança, através de relatório do seu Presidente, afirmou

sua consideração a respeito da proposta de Kofi Annan para uma expansão da

missão das Nações Unidas na RDC e também expressou sua preocupação com a

atuação, na RDC, de grupos armados que não aderiram ao cessar-fogo e que ainda

precisam ser desmobilizados. Chama ainda atenção para o processo de DDRR,

onde diz que “O Conselho reconhece que o desarmamento, desmobilização,

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reintegração e reinserção estão entre os objetivos fundamentais do Acordo de

Lusaka. (...) um plano crível de DDRR deverá se basear num conjunto de princípios

compreensíveis e acordados pelas partes” (tradução nossa). Ainda, o CS demonstra

preocupação com a entrada de armas na região e chama as partes responsáveis

para acabar com este movimento.

Através da Resolução 1291 de Fevereiro de 2000, o CS autorizou a expansão

da missão no Congo, que passaria a compreender um total de 5, 537 militares e 500

observadores, ou mais, caso o Secretário-Geral (SG) julgue necessário, além de

pessoal civil para coordenar atividades humanitárias, de informação pública,

proteção às crianças, suporte médico e administrativo, além de funções políticas.

Através desta resolução a MONUC passou a ter um mandato que englobava

8 objetivos que deveria de ser alcançados em colaboração com a JMC. Dentre

estes, pode-se citar: a) monitorar a implementação do Acordo de Cessar-fogo e

investigar violações do mesmo; b) estabelecer a manter contínuo contato com os

quartéis-generais de todas as forças militares das partes; c) desenvolver, dentro de

45 dias da adoção da resolução, um plano de ação para a implementação completa

do Acordo de Lusaka por todos, com ênfase particular no cumprimento dos objetivos

de coleta e verificação de informações militares sobre as forças das partes, a

manutenção da cessação das hostilidades, a retirada das forças, e a implantação de

um compreensivo processo de DDR de todos os membros de todos os grupos

armados referidos no Anexo A do Acordo de Lusaka, e a retirada completa de todas

as forças estrangeiras;

Além destes, deveria ainda se encarregar de libertar prisioneiros de guerra,

supervisionar o desmantelamento das forças e cuidar para a interrupção do

fornecimento de armamentos para os grupos armados, além de facilitar a ajuda

humanitária.

No entanto, os esforços para acabar com o conflito foram dificultados pela

contínua atuação dos grupos armados e a não-observância do cessar-fogo. Além

disso, armamentos continuavam a adentrar a região.

Isto pode ser melhor observado na resolução 1304 de 2000, que expressa

indignação e ressentimento com a onda de luta entre as forças de Uganda e Ruanda

na região de Kisangani, leste da RDC, que impactou na morte de vários civis e na

destruição de propriedades na região. O texto ainda reafirma a soberania da RDC

com relação aos seus recursos naturais e mostra preocupação com as alegações de

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exploração ilegal dos recursos naturais do país e o potencial que estas ações têm

sobre as condições de segurança e a continuidade das hostilidades. O CS ainda

critica o governo congolês pela falta de cooperação. Valendo-se do capítulo VII da

Carta da ONU, o CS solicita que todas as partes cessem as hostilidades no território

da RDC e cumpram com suas obrigações acordadas em Lusaka; também condena

a luta entre as forças de Ruanda e Uganda na região de Kisangani, as quais

ameaçam a soberania e integridade territorial do país e pede que essas forças

desistam da luta armada.

O SG também acompanhou a deterioração do conflito através de seu

relatório, em Dezembro de 2000, assinalando a situação volátil, sobretudo na região

leste do país. A parte leste estava em meio à luta de grupos armados pró-governo,

os quais não haviam firmado o acordo de cessar-fogo, e que continuavam a receber

treinamento e armamentos. Além disso, o SG expressou sua indignação com a

intransigência do governo da RDC com relação à liberdade de movimento dada à

MONUC.

A fragilidade do cessar-fogo acordado em Lusaka e a contínua luta no leste

do país, a qual desestabilizava não somente a RDC, mas também os países

vizinhos vieram a somar-se a mais um fator político complicador. Este estaria

relacionado ao assassinato do presidente Laurent Kabila, em Janeiro de 2001, por

um de seus guarda-costas.

Quem assumiria, a partir de então o governo da RDC seria o seu filho, Joseph

Kabila, de 31 anos. O jovem Kabila assumiu uma postura mais conciliadora no

tratamento do conflito, gerando uma janela de oportunidade para a MONUC

proceder com a fase II das suas operações.

O novo presidente, no entanto, continuou a exigir a saída das forças

estrangeiras do território congolês, referindo-se claramente à Ruanda e Uganda.

As resoluções da ONU acompanharam este discurso, invocando as partes

para abdicar do uso da força, especialmente de Ruanda e Uganda e pede que as

partes envolvidas no conflito no leste do país cessem suas atividades. O CS ainda

solicita ao governo da RDC que pare de apoiar as atividades dos grupos rebeldes

Ex-far e Interahamwe, que realizam ataques contra as demais partes constantes do

Acordo de Lusaka.

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Durante visita do Departamento de Operações de Paz da ONU (DPKO),

realizada entre 8 e 19 de Janeiro de 2001, foi reavaliada a situação frágil do país,

levando-se em conta o tamanho do território e as dificuldades de acesso às maiores

cidades. O relatório propôs um aumento gradual na capacidade operacional da

MONUC, caso as forças beligerantes se desfaçam e contribuam para um ambiente

seguro para a atuação da MONUC. Assim, o DPKO estaria vislumbrando a

subseqüente expansão da missão para o leste do país.

Em Julho de 2001, o CS aprovou a resolução n° 1355 , que, entre outras

disposições, aprofundava o processo de DDRR, solicitando às partes que forneçam

informações sobre seus combatentes, e um plano de ação para o desmantelamento

de suas forças, de modo a se realizar a fase III das operações da MONUC.

3.4 A Terceira Fase das Operações da MONUC e o Apro fundamento do

Processo de Paz.

O foco das fases I e II da MONUC era baseado, primordialmente, na

cessação das hostilidades e a retirada das forças armadas das partes na RDC. Esta

tarefa havia sido desenvolvida com a ajuda de cerca 450 observadores militares.

É importante ressaltar que a falta de comprometimento dos Estados-membros

da ONU em ceder contingentes para a MONUC constitui-se em um dos maiores

impedimentos para a resolução do conflito. Em Março de 2001, de acordo com o

sétimo relatório do SG para o Conselho de Segurança, a MONUC compreendia um

total de 367 pessoas, entre pessoal administrativo (90) e militar (277). Um ano mais

tarde, a força da MONUC compreendia apenas 3, 800 capacetes azuis32, um

considerável aumento, mas ainda insuficiente para dar continuidade ao processo de

desarmamento proposto na fase III das operações.

Contudo, em Outubro de 2001, o CS ouviu as recomendações do SG e

autorizou a fase III da MONUC na RDC. O Conselho também se mostrou

32 Termo usado para fazer menção ao equipamento usado pelos soldados que lutam sob a égide da

ONU.

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preocupado com os contínuos ataques dos rebeldes na zona leste do país, e

principalmente com a deterioração da situação humanitária nessa região.

De acordo com o SG, os principais pontos objetivados na fase III das

operações seriam a retirada total das forças estrangeiras e o desarmamento e

desmobilização dos grupos armados. Isto seria feito através do programa de DDRR,

que encorajaria os combatentes e suas famílias a entregarem, de forma voluntária,

suas armas, em troca de proteção e benefícios para que pudessem se sustentar.

O SG da ONU ainda afirmou, na reunião para a aprovação da fase II, que

if MONUC [is] to succeed in phase III of its deployment, the fighting in the east of the country must stop. No one should support the armed groups that continued to fight in the east and no one should take any further aggressive action against them. At the same time, everything must be done to create conditions that would encourage former combatants to return voluntarily to their homes and enable them to be safely settled.33 (tradução nossa).

A terceira fase da MONUC corresponderia, assim, ao desarmamento,

desmobilização, repatriação e reintegração de todos os grupos armados na RDC; a

entrega de assassinos em massa e perpetradores de crimes contra a humanidade

para as autoridades competentes; e, o desarmamento de civis congoleses

ilegalmente armados. Para isso, a MONUC contou com um aumento em seu

contingente, através da resolução n° 1445/2002, pas sando a compreender um total

de 8, 700 militares. Estes deveriam de continuar a desenvolver suas atividades de

acordo com as provisões do Acordo de Lusaka, e administrar o processo de DDRR

de rebeldes Hutus de Ruanda no território da RDC.34

Cabe mencionar que o desarmamento não-voluntário, ou seja, levado a cabo

pela MONUC, em conjunto com o Governo congolês, somente seria possível uma

vez tendo se constituído um exército nacional. Dessa forma, no período inicial, a

MONUC trabalhou com o caráter voluntário do programa de DDR, o qual enfrentou

diversos percalços, como falta de subsídios para o apoio às famílias desmobilizadas, 33 Sétimo relatório do SG para o CS, Março de 2001. Tradução livre do autor: “para o sucesso da MONUC na sua fase III, a luta no leste do país deve parar. Ninguém deve apoiar os grupos armados que continuam a lutar na região leste do país e ninguém deve cometer qualquer ação agressiva contra eles. Ao mesmo tempo, tudo deve ser feito para se criar condições que encorajem estes ex-combatentes a retornar voluntariamente para suas casas e que permitam que sejam assentados com segurança. 34Testemunho do Assistente para Assuntos Africanos da Secretaria de Estado dos EUA, Charles Snyder, perante a Câmara do Comite de Relações Internacionais do Departamento de Estado dos EUA. Disponível em: http://www.state.gov/p/af/rls/rm/20245.htm. Acesso em Novembro de 2007.

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e um programa que permitisse a aos ex-combatentes voltar à vida em sociedade,

por meio de treinamento, estudo e oportunidades de emprego.

A assinatura de dois acordos também contribuiria para o aprofundamento do

processo de paz. Em Julho de 2002, os chefes de Estado da República Democrática

do Congo e Ruanda acordaram a retirada das tropas de Ruanda do território

congolês e o desmantelamento das forças da EX-FAR e Interwahamwe, com a ajuda

do governo da RDC.

O programa para o desmantelamento das forças rebeldes compreendia um

período de 90 dias, incluindo o estabelecimento de uma terceira parte, que estaria

encarregada de verificar a adesão ao acordo. O programa incluiria, entre outros: a

localização exata dos grupos rebeldes, o seu desarmamento e desmantelamento e a

saída completa das forças de Ruanda do território da RDC.

O Secretário-Geral, em seu relatório de setembro de 2002, faz menção ao

acordo e cita que “a assinatura do Acordo de Pretoria foi caracterizado pelas partes

como um esforço para se vencer os principais obstáculos da implementação do

Acordo de Lusaka” (tradução nossa).

O segundo acordo que contribuiu para o estabelecimento da paz foi o Acordo

firmado entre o governo da RDC e de Uganda, na cidade de Luanda, em Setembro

de 2002. Este acordo previa a retirada das tropas de Uganda da RDC e a

cooperação e normalização das relações entre os dois países. O Acordo estabelecia

parâmetros para a desmilitarização da zona leste da RDC, que constituía uma região

de extrema volatilidade.

Dessa forma, Pretoria e Luanda deram apoio aos princípios celebrados em

Lusaka e garantiram uma nova oportunidade para se avançar o processe de

desarmamento, desmobilização, repatriação e reassentamento dos grupos armados

e a retirada das forças de Ruanda e Uganda.

Ainda houve, em 2002, mais um avanço para a estabilização da região, com a

assinatura do Acordo Global e Inclusivo (Global and All-Inclusive Agreement) sobre

a Transição Democrática na República Democrática do Congo, assinado em

dezembro daquele ano. Este acordo foi assinado pelas partes envolvidas no Diálogo

de Reconciliação Nacional e traçou as primeiras linhas para a constituição de um

programa de restauração da paz e da soberania nacional durante um período de

transição de dois anos, que culminaria na realização de eleições. Por meio desse

acordo, foi estipulado que o poder político, militar e econômico seria divido entre o

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governo e os ex-combatentes, a sociedade civil e a oposição política. Joseph Kabila

continuaria no poder, tendo que dividi-lo com mais 4 vice-presidentes representantes

das outras partes na sociedade congolesa.

Em maio de 2003 houve uma incursão por parte da França com uma força

armada para ajudar no controle da região leste do país. Este força, chamada de

operação Artemis, permaneceria até Setembro do mesmo ano, quando foi

substituída por um contingente da ONU de 3800 homens, vindos principalmente de

países da Ásia e também da África do Sul.

Em julho de 2003, o CS aprovou uma nova extensão do mandato da MONUC,

com aumento do contingente para 10,800 homens. Através da resolução n° 1493, o

mandato da MONUC foi autorizado sob o capítulo VII da Carta da ONU, que autoriza

o uso da força, se necessário, para a defesa do mandato. Assim, as tarefas da

MONUC seriam monitorar o cessar-fogo e verificar o desmantelamento das forças,

facilitar a ajuda humanitária e acompanhar o desarmamento e desmobilização dos

combatentes.

O mesmo documento declarou um embargo no fornecimento de armas e

outros meios militares para grupos armados (da RDC e estrangeiros) operando na

região nordeste do país (províncias de Kivu e Ituri). É importante notar que este

embargo não tinha validade sobre as forças armadas do Congo e a polícia.

Em Junho de 2004, o presidente Joseph Kabila promulgou uma lei que abriria

caminho para a instalação de uma Comissão Eleitoral Independente, a qual adotaria

uma agenda para a operacionalização das eleições no país. Em julho, um painel de

experts da ONU, instaurado para analisar a questão do embargo de armas na RDC,

encontrou indícios de apoio de Ruanda, Uganda e do próprio governo da RDC a

grupos rebeldes dentro do território congolês. O Banco mundial também aprovou, na

mesma época, uma doação de 100 milhões para apoiar o programa nacional de

desmobilização e reintegração.

O terceiro relatório especial do SG sobre as operações da MONUC tem

grande importância para a análise da operação na RDC. Neste documento, o SG

responde às alegações de abuso sexual perpetrados pelo pessoal da ONU no país.

Além disso, o indica que a atmosfera de desconfiança entre as partes e a falta de

vontade política de algumas ainda demonstra ser um grande problema na

implementação da agenda de transição na RDC. O SG ainda alega que o Presidente

Kabila não está se comprometendo com o desarmamento da milícia Interhamwe no

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leste do país e relata que forças da Ruanda ainda estão ativas dentro do território do

Congo. O relatório também nota que a ausência de infra-estrutura básica e

segurança são impedimentos para a condução de eleições livres no país. Ainda é

constatado que a ausência de controle e motivação dentro das forças armadas da

RDC, devido à falta de pagamentos e os baixos salários contribuem para crise no

país.

Já em Agosto de 2004, havia estimados 10,715 homens uniformizados sob a

égide da ONU. Em outubro do mesmo ano, as Nações Unidas aumentaram a força

da MONUC com mais 5,900 homens, apesar do pedido do SG Kofi Annan de ter um

incremento de 13,100 homens, que resultaria numa força total da MONUC de 23,900

homens.35 No mesmo documento, ele justifica uma ação mais robusta da MONUC a

fim de fazer frente aos desafios crescentes na proteção do processo de transição

que ocorria na RDC. Na mesma resolução, o mandato da MONUC incluiria a frase

“autoriza a MONUC a utilizar todos os meios necessários para”, entre outros, apoiar

as Forças Armadas da RDC no desarmamento de combatentes estrangeiros e

ajudar na repatriação voluntária de combatentes desarmados e seus dependentes;

coletar armamentos espalhados pelo território do país; colaborar no treinamento da

polícia; e, contribuir para um ambiente seguro e livre para o sucesso do processo

eleitoral estipulado no Acordo Inclusivo, assinando entre as partes em dezembro de

2002.

Ao fim daquele ano, uma lei permitiu a unificação das forças militares

presentes na RDC num só órgão nacional - o exército. A lei de organização da

defesa (Loi portant organisation générale de la défense et des forces armées),

aglutinou vários grupos, entre elas, é importante destacar o antigo exército,

chamado de FAC (Forces Armées Congolaises); os grupos armados RCD (incluindo

o RCD-Goma), o MLC, o RDC/ML, além da milícia Mayi-Mayi e as forças do governo

do ex-presidente Mobutu. (AMNESTY, 2007).

Na resolução 1592 de Março de 2005, o CS relembrou que o “link” entre a

exploração ilícita e comércio de recursos naturais em certas regiões continua a

abastecer os conflitos armados em certas regiões do país e pede que o governo

tome medidas para acabar com estas atividades ilegais. Também, pede que a União

35 Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança, em Agosto de 2004.

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Africana trabalhe em conjunto com a MONUC na solução dos impedimentos à paz

na região.

Esta resolução demanda ainda aos governos de Ruanda e Uganda que

cessem seu apoio às violações do embargo de armas imposto em Julho de 2003 e

pede que todos os países vizinhos contribuam para este objetivo.

A partir de 2005, o país passa a enfrentar desafios de milícias interessadas

em desestabilizar o país e ameaçar o processo transitório que culminaria nas

eleições. Assim, a MONUC recebeu apoio do CS para aumentar seu contingente e

tomar uma ação mais robusta para eliminar tais ameaças.

Observou-se, nas resoluções do ano de 2005, uma ação mais forte com

relação ao embargo de armas, além da autorização para incremento (temporário) de

mais 300 (res. 1635) e 841 (res. 1621), para compor a MONUC e reforçar sua

operação durante a época das eleições.

Ainda cabe mencionar dados do relatório do Secretário-Geral, de Maio de

2005, onde foi confirmado o desarmamento de 15, 607 combatentes de várias

milícias, incluindo 4, 395 crianças, bem como a coleta de 6,200 armas. É também

pedido ao governo e às partes envolvidas que continuem trabalhando para o

completo processo de DDR no país. Além disso, o relatório ainda documenta o

aumento de violações aos direitos humanos associados às eleições futuras.

A União européia atendeu aos pedidos da ONU e, em abril de 2006, enviou

uma força especial para reforçar a segurança do país para as eleições de outubro

daquele ano. A missão, chamada de EUFOR, ficaria baseada na capital Kinshasa e

apoiaria a força policial na RDC na proteção dos civis, além de garantir liberdade de

movimento e segurar as áreas de importância logística (como aeroportos) para a

consecução das eleições.

Naquele momento, a força da MONUC já contava com quase 17,000 tropas,

apoiando a estabilização do país para a realização das eleições.

Nas eleições de Julho de 2006, os ingredientes da tensão prolongada no país

se fizeram presentes mais uma vez, com diversos casos de abusos aos direitos

humanos (violência sexual, ataque a escolas e morte de crianças) e crimes levados

a cabo pelas milícias rebeldes e também pelo próprio exército nacional, contribuindo

para um clima de insegurança no país. (de acordo com relatório do SG em Junho de

2006). Isto também se deve, em parte, ao fato de alguns grupos rebeldes ainda não

terem sido desmobilizados e integrados ao processo de DDR. O SG, no relatório

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acima mencionado, também cita a mídia como fonte de instabilidade interna, ao

disseminar informações que levam ao desentendimento e ódio entre grupos étnicos

no país.

No entanto, a despeito de todos esses fatores, o processo eleitoral ocorreu

em Julho de 2006, com a participação de 32 candidatos (incluindo Joseph Kabila)

disputando os votos de 25,6 milhões eleitores. Contudo, os dois principais

candidatos, Joseph Kabila e Jean-Pierre Bemba, não obtiveram maioria absoluta,

tendo que disputar um segundo turno.

Este período entre os dois turnos das eleições foi marcado por diversos

protestos e crimes perpetrados por grupos apoiados pelos dois candidatos.

Ao final de 2006, Joseph Kabila despontou como vencedor das eleições,

coroando um novo momento na política congolesa.

Esta importante etapa unificou um país dividido e consolidou a autoridade

nacional sobre o país. Com a ajuda da MONUC, os seis principais grupos armados

foram integrados no exército nacional e tropas estrangeiras se retiraram do país. As

relações com os países vizinhos, em especial com Ruanda, melhoraram

consideravelmente.

Apesar disso, o processo de paz está longe de concluído e a força das

Nações Unidas permanece no país. De acordo com a ONG International Crisis

Group (2007), após as eleições de 2006, as relações entre o governo central e a

oposição se deterioraram, acompanhando um aumento de choques entre milícias e

o exército na parte leste do país, e resultando em problemas para a população que

se vê desabrigada, com fome e exposta à doenças.

Ainda de acordo com AMNESTY 2007, o exército se tornou um dos maiores

violadores dos direitos humanos, perpetrando crimes nas regiões mais frágeis do

leste do país.

A MONUC continua sua operação na RDC, após mais de 25 resoluções

aprovadas pelo Conselho de Segurança, 20 relatórios do Secretário-Geral e mais de

5 acordos internacionais a respeito da crise no país desde 1999. Tal operação

encontra-se fortemente apoiada no trabalho de cerca de 20,000 pessoas, entre

militares, civis e voluntários, de mais de 100 Estados-membros da ONU. 36

36

Dados do site da operação MONUC, acessado em Novembro de 2007.

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CONCLUSÃO

A análise dos condicionantes do conflito na República Democrática do Congo

demonstra que a crise nesse país possui diversas facetas, envolvendo mais de 6

nações, além de diversas milícias e grupos armados, os quais ameaçam o potencial

de desenvolvimento desse país.

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As origens do conflito congolês remontam à crise do Estado em 1960 e sua

fragilidade institucional, que não conseguiram produzir uma identidade nacional

homogênea. Além destes, o grande número de tribos espalhadas pelo vasto país e a

falta de infra-estrutura e recursos administrativos contribuíram para que o país

vivesse mais de 45 anos de guerra.

A República Democrática do Congo, de fato, representou e, ainda hoje,

representa um grande desafio para a Organização das Nações Unidas. Este

organismo teve de lidar com a ameaça de desintegração territorial do Congo em

meio ao clima extremamente desfavorável e tenso da Guerra Fria. Após uma

intervenção que mostrou as falhas do organismo contaminado pela divergência

política entre as potências dominantes da época, a ONU teve de se reinventar para

fazer frente aos desafios que a nova ordem mundial trazia consigo no início da

última década do século XX.

A redefinição dos objetos das ameaças nos conflitos, com foco nas questões

humanitárias e no atendimento às questões ligadas ao desenvolvimento ampliaram

a forma de participação da ONU no mundo, através de suas operações de paz

multidisciplinares.

Na volta ao regime “democrático” no Congo, com a ascensão de Laurent

Kabila ao poder, houve uma vaga esperança de que o país conseguisse se libertar

da corrente de pobreza e crise que permeava o país desde sua origem. No entanto,

tais votos logo se esvaneceram, na medida em que o novo presidente demonstrou

uma forma de governo similar com a de seu antecessor, impondo seu caráter

clientelista e autoritário no poder.

O recrudescimento do conflito na RDC nos anos 90 chamou a atenção,

primeiramente, dos países africanos, que buscaram dar uma solução “africana” para

a crise. Logo viram-se obrigados a solicitar ajuda da ONU para que as partes

envolvidas nos confrontos cessassem suas hostilidades. O Acordo de Lusaka, que

reuniu os países envolvidos no conflito, cedeu as bases para a atuação da nova

Operação de Paz da ONU no país.

A MONUC é a operação de paz mais custosa que a ONU já patrocinou na sua

história. Ela conta com um aporte de recursos no valor de aproximadamente 1 bilhão

de dólares por ano, que garantem a continuidade do processo de paz na RDC.

Esta operação teve de lidar, nos primeiros anos, com a fraca contribuição

internacional e um cenário de crescentes desafios impostos pela atuação de forças

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rebeldes apoiadas por países estrangeiros. A atuação desses grupos também se

baseou fortemente na exploração de recursos naturais da própria RDC.

Enquanto que as causas do conflito podem ser identificadas pela ganância

pelos recursos naturais, rivalidades étnicas, má governança e agressão externa, fica

claro que a proliferação de armas na região dos Grandes Lagos forneceu os meios

para que a luta acontecesse.

A partir disso, a MONUC ensejou atividades de desarmamento,

desmobilização e reintegração dos combatentes do conflito, de modo a promover um

ambiente mais seguro no país. Ao mesmo tempo, contribuiu para a construção de

instituições nacionais que pudessem, com o tempo, gerenciar por si só a crise. Estas

atividades foram auxiliadas por um forte embargo ao fluxo de armas no país e à

repressão do comércio ilegal de armamentos.

As eleições de 2006 ocorreram em meio a um clima de tumulto e de

contínuos crimes contra os direitos humanos. Contudo, e apesar disso, a

consecução das eleições, com a vitória do presidente Joseph Kabila e a formação

de uma identidade política mais legítima, completaram um capítulo da história da

República Democrática do Congo.

Muitos desafios ainda estão à frente, e a ONU continua presente no país,

prestando assistência na continuidade do processo de DDR, principalmente no

quadrante leste, e apoiando as forças armadas, na reintegração de ex-combatentes

para dentro da sociedade congolesa.

De acordo com o vigésimo terceiro relatório do SG sobre a MONUC, em 20

de Março de 2007, o foco principal do período de transição (que culminou nas

eleições presidenciais) foi construir a capacidade do exército nacional, através da

integração das forças beligerantes. Tal propósito só pode ser alcançado com um

processo efetivo de DDR, o qual, segundo Ban Ki-Moon (o novo Secretário-Geral da

ONU, a partir de 2007), desmobilizou em torno de 96 mil combatentes, dos quais 50

mil foram integrados às forças armadas. Enquanto que o desarmamento de outros

44 mil ex-combatentes também já foi completado, a MONUC, juntamente com o

novo governo da RDC, precisa desenvolver novos mecanismos para integrar mais,

aproximadamente 35 mil elementos nas forças armadas. O relatório ainda aponta

que o desarmamento, desmobilização e integração de um restante estimado em

70.000 ex-combatentes estão ameaçados pela falta de ajuda financeira.

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O que se pode depreender destes resultados é que a Missão da ONU na

República Democrática do Congo foi fundamental para a estabilização do país e a

transição para um regime democrático, mas ainda é imprescindível para a

manutenção desta situação no país. Um dos pontos nevrálgicos da atuação da

MONUC após as eleições é a estabilização da parte leste do país, que ainda está

tomada por conflitos entre milícias armadas.

Em que se pese o aporte de recursos destinados para tal operação, é preciso,

no entanto, refletir acerca dos custos da paz e o montante de recursos que tanto o

organismo internacional em questão, bem como doadores internacionais,

despejaram no país, a fim de acabar com o conflito. A missão da ONU na RDC foi,

sem dúvida, fundamental para atrair a atenção internacional para a região e exigir

que se acabasse com este ciclo de morte e exploração que perpetuam a história

daquele país desde sua independência. Contudo, sozinha, a ONU não conseguirá

implementar uma solução duradoura para o país. É premente que se estabeleça um

“modus vivendi” entre os principais atores políticos dentro da RDC, como condição

imprescindível para que o Estado conquiste maior legitimidade e seja o único

detentor do uso legítimo da força.

A República Democrática do Congo possui, com efeito, todos os pré-

requisitos para ser um motor para o desenvolvimento da África. Este potencial, para

não ser desperdiçado, deve ser usado, portanto, em função da construção de um

Estado próspero e que crie condições para o desenvolvimento da população.

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