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Opo Lacaniana online nova srie Ano 1 Nmero 3 Novembro 2010 ISSN 2177-2673
A operao reduo e o chiste 1
Sandra Viola
No primeiro captulo do livro do chiste 2, Freud se
preocupa em estudar a tcnica atravs da qual um chiste
produzido. Seu estilo se inclina para um exerccio
exaustivo ao elencar uma srie de tcnicas. O
Familionrio torna-se um exemplo princeps de condensao
em que uma pequena parte da palavra familiar comprimida
e desaparece, enquanto a outra se entrosa com a palavramilionrio. Uma condensao com um substituto, um
neologismo, quem sabe, que entra no cdigo, no campo do
Outro, pela primeira vez pela boca de Hirsh Hyacinth.
Lacan dir, mais tarde, que as diferentes tcnicas
levantadas por Freud, ao final das contas, podem ser
pensadas como produo de metfora e de metonmia, pois o
inconsciente estruturado como uma linguagem.
preciso ressaltar que, nesse momento, Freud lana
mo do significante reduo para se referir ao trabalho de
associao livre no chiste, pretendendo o sentido de
restituir alguma coisa a sua forma original. Familionrio
e os chistes seriam interpretados luz dos significantes
que lhes deram origem, nascendo da o recalcado. Hirsch
Hyacinth, criao autobiogrfica de Heinrich Heine, que se
achava muito pobre para ser tratado como milionrio por
Salomon Rotschild, este sim, um milionrio. Freud esclarece
que o surgimento do sentido recalcado se aproxima - mais ou
menos - ao ncleo das marcas de cada um. Esclarece tambm
que o prazer, experimentado pelo sujeito, se produz no
momento do chiste e que necessrio um Outro, um terceiro,
para que o chiste seja ratificado.
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Inicio assim meu trabalho porque penso que
Familionrio expe muito bem a operao de reduo tal como
teorizada por Miller.
A bela metfora lacaniana 3, o efeito de cristal da
lngua, nascida em 1970, refere-se tendncia da
linguagem que Miller chama de amplificao, uma inclinao
que poderia prolongar, sem limite, uma sesso de anlise e
fazer surgirem vrias significaes numa exploso em
mltiplas direes. Essa erupo vulcnica brota quando a
fala rodeia um ncleo, um ponto cego que atrai
significaes, a que Freud chamou, no incio do sculo XX,
de umbigo do sonho.
comum um analisante dizer: gostaria de retomar oassunto da ltima sesso para ir mais fundo, entretanto
tenho urgncia em falar do que me ocorreu hoje [...] no
sei que rumo tomar [...] como numa espiral o tema de hoje
chegou ao da ltima sesso. Ele prprio deduzindo que,
afinal, uma coisa teria levado outra. Que uma coisa
tivesse levado outra assinala ao analista o quanto esses
enunciados circundam seu ncleo sintomtico. Como dizMiller, quanto mais muda, mais se trata do mesmo.
Miller se encanta por um poema de Drummond 4 e o
comenta em seu seminrio O parceiro-sintoma 5 e no Osso
de uma anlise 6. Referindo-se ao verso No meio do caminho
tinha uma pedra... do poema, ele aponta que podemos
assistir a uma multiplicao de sintagmas idnticos, cuja
repetio enriquece a significao, numa operao de
amplificao. justamente no plano do sentido produzido
que podemos sempre nos alongar, perguntando o que isso quer
dizer e assim prosseguir na fala, como a gua que no
sacia.
Porm, no mesmo movimento em que vemos que a
amplificao se opera na linguagem outra operao acontece.
Miller a chama de reduo. No mais aquela reduo a que
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Freud se refere no chiste, que abre para a associao
livre e para a amplificao. Trata-se de seu avesso.
A operao de reduo proposta por Miller condensa os
elementos do relato do analisante, de seus pensamentos,
palavras e obras visando limitar a proliferao de sentido.
Miller a desdobra em trs tempos. De incio a repetio na
qual se deixa o analisante livre para falar de novo, falar
de novo da sesso passada para ir mais fundo, como bem
disse nosso hipottico analisante. Cada relato que parece
diferente contm, em seu cerne, uma fidelidade a um trao
que se repete nos objetos. E se a repetio se produz na
cadeia, como automaton , traz tambm a tiqu como resto do
simblico, ou seja, traz o impossvel de ser dito.Criemos uma hiptese clnica em que um significante,
por exemplo, comportado , seja um significante a servio de
situaes aparentemente diferentes que convergem,
aproximando-se do enunciado que remete ao tempo infantil:
um menino comportado que se livra, digamos, das exigncias
paternas. Pela repetio o sujeito levado convergncia
de alguns poucos enunciados que, em posio de S 1,determinaram suas escolhas. A convergncia , justamente, a
segunda operao de reduo. Miller nos faz lembrar que
Lacan chama isso de postos fixos no inconsciente, uma
funo proporcional onde no lugar de x se sucedem
diferentes personagens como variveis da mesma propriedade,
da mesma funo f.
Repetio e convergncia operam no campo do simblico,
enxugando, ou melhor, reduzindo a exploso vulcnica das
vrias e mltiplas significaes a formas mais elementares.
A terceira operao de reduo, que Miller chama de
evitao, vem se opor tanto repetio quanto
convergncia. Ela faz surgir a contingncia, o real do puro
acaso, justamente porque h elementos que no aparecem,
elementos cuja evitao se repete. Como operao lgica, a
evitao a contrapartida da repetio no que ela evita o
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ponto que coberto com significantes na repetio, o que
nos autoriza dizer que ela a operao mais importante de
uma anlise.
A partir dessas trs operaes, Miller nos prope uma
inverso de perspectiva terica que far, claro,
ressonncia na clnica.
Retomando a hiptese clnica, porque comportado do
Outro? Porque este e no aquele significante marca, por
excelncia, meu corpo? Que encontro esse, sobre o qual s
podemos inferir e jamais deduzir? Essas perguntas se
encontram num plano diferente daquele quando perguntamos
mquina significante no plano em que alguma coisa foi
encontrada, quando poderia ter sido outra, mas foi essa,foi assim.
Freud falou sobre um quantum , um x que, nas
histricas, se derramava sobre o corpo fazendo-as
paralticas, sonolentas, bissexuais, no se veste e se
desveste da moa do armazm. Esse quantum era a libido,
energia que sobrava das ideias que no podiam ser
expressas. Freud distinguia, ento, a estruturasignificante e a libido.
Tambm Lacan assim o fez. Em certo momento de seu
ensino formalizou a fantasia, em que dois elementos
heterogneos se conjugam: $ , efeito da mortificao do
significante, e a, o objeto, a libido. O final da anlise
seria possvel quando o sujeito do significante
desinvestisse o objeto da fantasia. Vemos aqui uma
disjuno entre significante, gozo e libido.
A experincia clnica vai mostrar, porm, que
repetio e convergncia no modificam o gozo fixado ao
significante. Miller assim comenta: Ficamos na ideia de
que o corpo mortificado pelo significante deixa lugar para
excees, restos suplementares que escapam mortificao e
que so os objetos a .
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Ento, se o significante mata o gozo, ele tambm o
produz. Por isso, numa mudana de perspectiva, Lacan
levado a deduzir que a incidncia do significante sobre o
corpo o vivifica como sintoma, e nessa perspectiva o
sintoma inclui a fantasia e tambm o gozo, parte
inapreensvel pelo significante. O Outro se torna seu
parceiro sexual posto que se ele o lugar do significante,
tambm, ele prprio, meio de gozo.
Ento, por que afinal, na vida de um sujeito,
determinado enunciado foi mais investido que outros?
Justamente o foi para responder a esta questo que Miller
props: a operao evitao como uma reduo ao real. Nela
o que opera a lgica da contingncia que no obedece lgica do necessrio do sintoma, nem do impossvel de se
representar. A contingncia no se configura como uma forma
simblica, no sendo sujeita, portanto, ao no cessa de
no se escrever, porque o gozo como efeito do significante
se marca no puro acaso, na pura contingncia do encontro de
alguma coisa. Essa a hora do encontro fortuito com o
objeto e com o gozo, o fator quantitativo de Freud. Aevitao como repetio de pura ausncia do que no pode
ser programado: Ora, no que diz respeito ao gozo, no h
programao.
Lacan nos avisa que o Passe, assim como o Witz no
um simples caso de desinvestimento libidinal, porque sempre
restar - sem que se possa jamais impedir - o modo de
gozar. No se elimina, nem se reduz o gozo, o que de melhor
se pode fazer melhor distribu-lo.
Familionrio uma metfora que acrescenta um sentido
novo, mas condensa, reduz o que se quer dizer no que se
deseja dizer e no se dizia. Com Familionrio, Hyacinth diz
o que no podia ser dito e fica mais prximo a algum dos
seus enunciados essenciais, de seus de segredos. E num
instante fugaz, tanto a sequncia de familiar quanto a de
milionrio e o sentido a implicado so surpreendidos pelo
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esbarro, pelo encontro contingente com o que pura
ausncia. Por meio da aluso, ou da colocao em cena de um
elemento novo, o chiste desnuda e revela alguma coisa do
corpo daquele que o produz, trazendo satisfao e, muitas
vezes, vergonha. O encontro com o objeto a expe uma
verdade que se sabe no toda, uma verdade, porm, que no
se pode negar. Momento em que se fulguram o sujeito e seu
gozo.
Hyacinth tropeou no acaso, naquilo que no estava
programado em familiar nem em milionrio. Familionrio,
como Trimetilamina, aparece como reduo, como borda do
real; instante fulgurante no qual h sujeito e seu gozo.
Hyacinth ficou mais prximo do osso de seu sintoma, de seusegredo. No temos ideia do que ele tenha feito com isso. O
que sabemos que, operaes realizadas, um analisante
chega mais perto do ncleo de seu sintoma, e, no tropeo,
pode inventar seu chiste.
1 Trabalho apresentado nas Jornadas de Cartis. (2010). Rio de Janeiro:Seo Rio da Escola Brasileira de Psicanlise.2 Freud, S. (1972[1905]). Os chistes e sua relao com oinconsciente. In Edio Standard Brasileira das obras psicolgicas deSigmund Freud , vol. VIII. Rio de Janeiro: Imago Editora.3 Lacan, J. (2003[1970]). Radiofonia. In Outros Escritos . Rio deJaneiro: Jorge Zahar Ed.4 Drummond, C. (1962). Tentativa de explorao e de interpretao doestar-no-mundo Antologia potica . So Paulo: Ed. Record.5 Miller, J.-A. (2008[1986]). El partenaire-sntoma . Buenos Aires:Paids.6 Idem. (1998). O osso de uma anlise . Salvador: Biblioteca agente.Seminrio indito.