A Paisagem Urbana, Gordon Cullen

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61 ANALISANDO O CONCEITO DE PAISAGEM URBANA DE GORDON CULLEN ROBERTO SABATELLA ADAM Professor – Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal do Paraná/UFPR e Universidade Positivo/UP [email protected]

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ANALISANDO O CONCEITO DE PAISAGEM URBANA DE GORDON CULLEN

ROBERTO SABATELLA ADAMProfessor – Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal do Paraná/UFPR e

Universidade Positivo/[email protected]

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ANALISANDO O CONCEITO DE PAISAGEM URBANA DE GORDON CULLEN

RESUMO EsseartigoanalisaopotencialdoconceitodepaisagemurbanadeGordonCullen,comoinstrumentodeobservação,diagnósticoeprognósticoparaintervençõeseestudosdearquitetura,urbanismo,engenhariaemeioambiente.

Palavras-chave:Arquitetura,paisagemurbana,GordonCullen.

ABSTRACT Thisarticleanalysisthepotentialof GordonCullen’stownscapeconcept,likeaninstrumentof observation,diagnosisandprognosisforinterventionsandstudiesaboutar-chitecture,urbanism,engineeringandenvironment. Keywords:Architecture,townscape,GordonCullen.

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ROBERTO SABATELLA ADAM

ANALISANDO O CONCEITO DE PAISAGEM URBANA DE GORDON CULLEN1

Roberto Sabatella Adam

1 INTRODUÇÃO

Esse estudo foi estruturado em três partes: a primeira, apresenta o conceito depaisagemurbanadeGordonCullen;asegunda,avaliaesseinstrumentodeobservação,diag-nósticoeprognósticoparaintervençõeseestudosdearquitetura,urbanismo,engenhariaemeioambiente;eaterceiraparte,apresentaconclusões.

2 GORDON CULLEN E A PAISAGEM URBANA

OconceitodepaisagemurbanadeGordonCullen,porsuasimplicidadeeobje-tividade,éumadaspropostasmaisdifundidascomoinstrumentodeavaliaçãodosespaçosurbanosetalvezsejaumadasformasdecompreendereanalisaroespaço,intuitivamenteounão,maisusadasvulgarmenteouporespecialistas(CULLEN,1983). DeacordocomCullen,paisagemurbanaéaartedetornarcoerenteeorganizado,visualmente,oemaranhadodeedifícios,ruaseespaçosqueconstituemoambienteurbano.Esse conceito de paisagem, elaborado nos anos 1960, exerce forte influência em arquitetos e urbanistasexatamenteporquepossibilitaanálisesseqüenciaisedinâmicasdapaisagemapar-tirdepremissasestéticas,istoé,quandooselementosejogosurbanosprovocamimpactosdeordememocional. Cullendáalgunsexemplosdesseconceito,umaruaouavenidaemlinhareta,cujaperspectivavisual sejaassimilada rapidamente, torna-semonótonaouentãograndiosa.OautortambémcitaaexperiênciadeumateladeCorotnaqualumapaisagemmonocromáticaem verde possui uma minúscula figura vermelha, que, segundo ele, “é talvez a coisa mais vermelhaqueeujávi”(idem,p.14,1983). ParaestruturaresseconceitodepaisagemCullenrecorreatrêsaspectos.Oprimei-roéaótica,queéavisãoserialpropriamentedita,eéformadaporpercepçõessequenciaisdosespaçosurbanos,primeiroseavistaumarua,emseguidaseentraemumpátio,quesuge-reumnovopontodevistadeummonumentoeassimpordiante.Osegundofatoréolocal,

1GordonCullentrabalhouemempresasdearquiteturaemLondres,foiilustradorediretorartísticodeexposiçõesnaGrã-Bre-tanhaeÍndiasOcidentais,subchefederedaçãodoperiódicoTheArchitecturalReview,consultorpaisagistajuntoainstituiçõesbritânicascomoaFundaçãoFordeemprojetosdeurbanismoemNovaDélieCalcutá,etambémfoimembrohonoráriodoInstitutoRealdeArquitetosBritânicos.

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quedizrespeitoàsreaçõesdosujeitocomrelaçãoasuaposiçãonoespaço,vulgarmentedenominado sentido de localização, “estou aqui fora”, e posteriormente, “vou entrar em um novo espaço”, e finalmente, “estou cá, dentro”; esse aspecto refere-se às sensações provo-cadaspelosespaços;abertos,fechados,altos,baixosetc.Oterceiroaspectoéoconteúdo,queserelacionacomaconstruçãodacidade,cores,texturas,escalas,estilosquecaracterizamedifíciosesetoresdamalhaurbana. Combasenoconceitodepaisagemcomoelementoorganizador,Cullenapresentavários temas para as paisagens urbanas. A título de exemplificação, alguns temas são apre-sentadosaseguir,pormeiodeilustraçõeseconteúdosexplicativos.Estasomaentreimagenseteorconceitualéjustamenteoquecaracterizaapropostadoautoremanálise.

a) Recintos, pátios e pracetas–sãoespa-çosurbanos interiorescaracterizadospelosossegoe a tranquilidade, emqueovai evemdas ruasnãoé tãonotado, apraceta(ourecinto,oupátio)temescalahumanaegeralmenteéumespaçopontuadoporár-voresebancos,quepermitemdescansoecontatohumano.

Figura1–EsquemasíntesedavisãoserialFonte:AdaptadoporAdam(2007)deCullen(1983).

Figura2–RecintosepracetasFonte:AdaptadoporAdam(2007)deCullen(1983).

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b) Ponto focal – é um símbolode conver-gência, que define a situação urbana. Cullen reforçaestaideiaedizqueemgeralaspessoasdiante de um ponto focal afirmam: “É aqui”, “Pare”. É um elemento de força que se mate-rializadeformaisoladaeporvezesmarcapelaverticalidade.

Figura3–PontofocalFonte:AdaptadoporAdam(2007)deCullen(1983).

Figura4–PerspectivagrandiosaFonte:AdaptadoporAdam(2007)deCullen(1983).

c) Perspectiva grandiosa – éumdescortí-nio imediato entre o “aqui e o além”, como aperspectiva visual dos eixosmonumentais,dosgrandesbulevares.Essapaisagemfundeo primeiro plano ao longínquo, produzindosensaçãode imensidão,grandiosidadeeoni-presença.

Figura5–AnimismoFonte:AdaptadoporAdam(2007)deStroeter(1986).

d) Animismo – é uma configuração poética em que “isto é aquilo”, ou seja, a sugestão de queaportaéumrosto,oudequeafachadatemumafacenaqualaportaéaboca,asjane-lasosolhos,etc.Asmanifestaçõesdeanimis-motransmitemsensaçãodeestranhezaeatéirritação. É um artifício por vezes usado no expressionismo.

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CaberessaltarqueapropostadeCullennãoésomentedecrônicaimagética,comoem geral ocorre em registros fotográficos, pictóricos, entre outros, mas se revela como um registrointerativoentrepercepçãohumana,teoriadaarquiteturaeurbanismoeosespaçosurbanosconstruídos.

3 ANÁLISE DO CONCEITO

Apesar de Cullen observar muitos temas para suas paisagens urbanas, a poten-cialidadedeseuconceito,especialmenteparaaquelesquetêmporincumbênciaavaliaçõesurbanas,éinegável,porquefacultasentimento,criatividade,racionalidadeeliberdadeseinte-grarememummesmomeiodeobservação. Esseconceitodepaisagemurbana,nestecompreendidocomoferramentadeaná-liseeobservação,érecursobastanteversátilparacoletadedados,informaçõesereferências,especialmentepelainteraçãoquepromoveentreserhumanoeambienteurbanoaguçandoedespertandoapercepçãoeaconsciênciaàpaisagempeloatodeatençãoaoespaçourbanoeàsprópriasemoçõesdosindivíduos. EntreasvirtudesdosistemapropostoporCullenparaanálise,estudoeinterven-ção,podemcitar-se:

a)aarticulaçãonaobservaçãotantodeprincípiosorganizadoresdeordemgeral,quantodeprincípiosparticularesdeordenação(versequênciadequadros—-Figura1); b)arapidezdeprocessamentonapercepçãodapaisagem,pelafacilidadedeintera-çãoentresujeitoeobjeto,interaçãoessaquesetornaatraenteporqueenvolveossentimentose as emoções com que o sujeito deflagra a paisagem e isso desperta o espírito de flâneur,pormeiodoqualo indivíduopercorreacidadecomcaminhareolharpoéticosderenovadosmatizes; c)comosuportefacultaelaboraremumalinguagemsíntesevárioselementos,da-dosereferenciaishistóricos,socioculturaiseespaciaisdascidadespormeiodenotas,fotos,documentos,croquis,imagens,desenhoseconteúdosteóricos.

Como reflexão acerca, não do conceito proposto por Cullen, mas do uso da in-terfaceentrediversas linguagens,cabesalientarquea ideiadapaisagemurbanaporvezesfocalizada,fragmentadaefortementeembasadanainterfaceentrepercurso,faculdadevisualeemoções,temsidointensa,eporvezes,perversamenteexploradanocity marketingdeváriascidades,comopaisagemurbanaidealizada,eaindacomopaisagemmentalmanipulada. Comocrítica a sistematização serialdapaisagem,nota-sequeesse fortevínculocomo sentidodavisãonão estimula a capturade certos fenômenospaisagísticos comamenteeosoutrossentidos,comosons,vibrações,ritmos,crenças,odores,discursos,mundovivido,etc.Ouseja,avisãoserialcomométodo,carecedeprocedimentoscomplementares,taisquais,passeios,entrevistas(CALVINO,1990),questionários,desejosdecenáriosfuturos,

2Ocity marketing vincula,demodonemsempreético,acidaderealeacidademental,vistoqueseintrojetamimagensescolhidassegundointeressesediscursospolítico-administrativos,comoseessasimagenseideiasmentaisquepenetramcotidianamentenoimagináriodocidadãofossemcondizentescomarealidadeurbana(GARCIA,1996).

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mapeamentosmentais(LYNCH,1982),observaçãocomportamentalincorporada(VARE-LA,THOMPSONEROSCH,2003);procedimentosestesque,alémdeincorporaremmúl-tiplasinteligências(GARDNER,1985),podemampliaropaineldeinformaçõesdispondodediversossuportes,porexemplo,vídeo,áudio,diário,entreoutros. OsujeitoparaCullenépassivo,oautortrataosujeitocomoumobservadorqueconstróielevantadadosnainteraçãocomacidade,masnãointerfere,nãoéumagenteeparticipante ativo diante das ocorrências urbanas. É antes um fruidor, que um agente trans-formadorprofundoobservadordesuaprópriaconsciência. Ouseja,esseconceitopassivodepaisagem,aomesmotempoquepromoveumtipodeaproximaçãoentresujeitoepaisagem,promoveumafastamentodatotalidadedarealidadeambiental, porquanto o sujeito pode ficar restrito a certos padrões perceptivos que reorgani-zameordenamaspaisagensexternas,masnemsemprepermitemosujeitoobservar-secomoparte da paisagem, percebendo o que organiza as suas “paisagens internas”, podendo a partir dassuaspaisagensinternastransformararealidadeexterna. Estadistânciaentreaspaisagensmentaiseurbanasestádiretamente ligadaàca-rênciade estudos ambientais, arquitetônicos epaisagísticosque incluamopertencimentoambiente-serhumanoemsuatotalidadeemultidimensionalidade,semissoacomplexidadeambiental fica restrita aos instrumentos e conceitos que capturam parcialmente a paisagem e assimefetuamreducionismosdamesma;esãoexatamenteessaslimitaçõesasresponsáveispelasatuaisdegradaçõesambientaisedapaisagem(LEFF,2001). Aoconsiderarmosopanoramaatualdeurgênciasambientaisurbanas,observa-sequeométododeCullen,precisaserconjugadoaumpainelsistêmicoemaisamplodeinfor-maçõesecológicas,humanas,sociais,perceptivas,culturais,antropológicas,econômicas,etc.,paraentãocomporemconjuntoumcenáriodedados,apartirdosquaissepodemorganizardiagnósticos,propostasequaisqueraçõesambientaisdedimensõessistêmicas(FRANCO,2001).

4 CONCLUSÕES

Asutilidadesdoexpedienteserialpropostosãoinúmeras,podemseradaptadasàsmudançasdesuportecomovídeo,cinemaetc.,oumesmoconjugadasavisõessistêmicasdediagnósticosepropostas. OquehádemaispreciosonapropostadeCullenéoestímuloquepromoveàper-cepçãodacidade,poisestejaosujeitonoespaçoqueforeemqualquervelocidadedeapre-ciação,podefruirpoéticasurbanasnemsemprevasloradas.Avisãoserialcomoinstrumentofazsurgirumnovoobservadormaisatentoàssuasemoçõeseaosespaçosurbanos,contudonãoconcitaesteobservador,aserumsujeitointegral,pleno,ativoetransformador,queseconstróiaomesmotempoemqueagenomundo. Mesmocomopassardotempo,apropostaserialdeapreciaçãodapaisagemper-manece significativa e estimulante, especialmente por sua exaltação estética às emoções e à afetividade,oqueensejaumaconstanteredescobertadaspoéticasurbanas;porisso,sempreseenxergaalgumfragmentodaspaisagensdeCullen,nocinema,naliteratura,napintura,nodesign, na escultura, enfim nas artes em geral.

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REFERÊNCIAS

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FRANCO,M.A.Planejamento ambiental para a cidade sustentável.SãoPaulo:Fapesp,2001.

GARDNER,H. Inteligências Múltiplas:ateorianaprática.PortoAlegre:ArtesMédicas,1995.

GARCIA,F.S.OcitymarketingdeCuritiba:culturaecomunicaçãonaconstruçãodaima-gemurbana.In:DELRIO,V.&OLIVEIRA,L.(Org.).Percepção ambiental:aexperiên-ciabrasileira.SãoPaulo:StudioNobel;SãoCarlos,UniversidadedeSãoCarlos,1996.

LEFF,E.Saber ambiental:sustentabilidade,racionalidade,complexidade,poder.Petrópo-lis:Vozes,2001.

LYNCH,K.A Imagem da Cidade.SãoPaulo:MartinsFontes,1982.

STROETER,J.R. Arquitetura e teorias.SãoPaulo:Nobel,1986.

TUAN,Y.Topofilia: umestudodapercepção, atitudesevaloresdomeioambiente.SãoPaulo:Difel,1980.

______. Espaço e lugar:aperspectivadaexperiência.SãoPaulo:Difel,1983.

VARELA,F.;THOMPSON,E.;ROSCH,E.A Mente Incorporada.PortoAlegre,Art-Med,2003.