A parábola do fermento.pdf

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A parábola do fermento: o contágio celestial "Disse-lhes outra parábola: O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado" (Mateus 13:33; veja também Lucas 20:21). De todas as parábolas que Jesus ensinou ao lado do Mar da Galiléia, esta é a mais breve. Ela termina quase tão rapidamente como começa, deixando que nos agarremos com esta mensagem rápida e cortante. Tanto Mateus como Lucas registram esta parábola em associação imediata com a parábola da semente de mostarda, o que deixa a clara impressão de que ela, também, tem a ver com o modo como o reino se expande, ainda que seu impulso pareça mais para dentro do que para fora. "O reino do céu é como o fermento..." Na lei de Moisés, o fermento era, com poucas exceções, proibido em oferendas, e durante a Páscoa todo fermento tinha que ser removido da casa (Êxodo 13:3; Levítico 2:11; Amós 4:5). Em todos os outros casos no Novo Testamento onde o fermento é usado como uma figura, ele é usado como uma má influência (Lucas 12:1; 1 Coríntios 5:7; Gálatas 5:9). Por esta razão alguns concluíram que o fermento nesta parábola simboliza uma força malévola, a sub-reptícia chegada da apostasia (J. N. Darby, Brief Exposition of Matthew, 1845, 40). Mas na parábola do fermento, como todas as outras da série junto ao mar, é explicitamente dito que ela pinta o reino do céu, e não o domínio de Satanás (Mateus 13:33; Lucas 13:20-21). Não há problema real aqui, uma vez que toda influência espiritual, tanto má como boa, trabalha do mesmo modo, e o uso diferente da mesma metáfora não é desconhecido nas Escrituras. Tanto Satanás como Cristo são comparados a um leão (1 Pedro 5:8; Apocalipse 5:5); mas no diabo é vista a ferocidade do leão negaceando sua presa, e em Jesus sua força e coragem. A pomba, em um lugar, é usada para ilustrar a tolice (Oséias 7:11) e em outro, a inofensiva simplicidade (Mateus 10:16). "Que uma mulher escondeu em três medidas de farinha..." Como Buttrick observou, "Esta parábola sofreu muitas ofensas nas mãos dos alegoristas". Houve quem visse na mulher a igreja ou o Espírito Santo quando nada mais parece querer dizer além de que este é o tipo de trabalho feito costumeiramente pelas mulheres. Para Agostinho as três medidas de farinha representavam toda a raça humana nos três filhos de Noé; para Jerônimo e Ambrósio elas significavam a santificação do espírito, alma e corpo. Ainda que estas idéias possam em geral não estar muito longe do significado da farinha, as três medidas com toda probabilidade sugerem simplesmente nada mais do que a quantidade costumeira de massa usada no mundo antigo para assar pão (isto é, cerca de um alqueire, pouco mais do que 35 litros - Gênesis 18:6; Juízes 16:19; 1 Samuel 1:24). A parábola do fermento parece falar da serena transformação que o reino de Deus opera no espírito humano e do modo sem ostentação pelo qual ele passa de coração a coração. Assim, o fermento, como a luz e o sal (Mateus 5:13-14), é um agente mudo mas poderoso. Justamente desse modo Jesus trabalhou entre os homens: "Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir sua voz na praça" (Isaías 42:2-3; Mateus 12:17-21). Contudo, seu trabalho nunca foi secreto nem furtivo: "Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tanto nas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em oculto" (João 18:20). A obra do fermento também é interna e invisível. Esta parábola é uma declaração poderosa de natureza espiritual do reino. Foi este mesmo ponto que Jesus uma vez apresentou aos fariseus: "Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está!

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A parbola do fermento: o contgio celestial"Disse-lhes outra parbola: O reino dos cus semelhante ao fermento que uma mulhertomou e escondeu em trs medidas de farinha, at ficar tudo levedado" (Mateus 13:33; vejatambm Lucas 20:21).De todas as parbolas que Jesus ensinou ao lado do Mar da Galilia, esta a mais breve.Ela termina quase to rapidamente como comea, deixando que nos agarremos com estamensagem rpida e cortante. Tanto Mateus como Lucas registram esta parbola emassociao imediata com a parbola da semente de mostarda, o que deixa a clara impressode que ela, tambm, tem a ver com o modo como o reino se expande, ainda que seu impulsoparea mais para dentro do que para fora."O reino do cu como o fermento..." Na lei de Moiss, o fermento era, com poucasexcees, proibido em oferendas, e durante a Pscoa todo fermento tinha que ser removidoda casa (xodo 13:3; Levtico 2:11; Ams 4:5). Em todos os outros casos no NovoTestamento onde o fermento usado como uma figura, ele usado como uma m influncia(Lucas 12:1; 1 Corntios 5:7; Glatas 5:9). Por esta razo alguns concluram que o fermentonesta parbola simboliza uma fora malvola, a sub-reptcia chegada da apostasia (J. N.Darby, Brief Exposition of Matthew, 1845, 40). Mas na parbola do fermento, como todas asoutras da srie junto ao mar, explicitamente dito que ela pinta o reino do cu, e no odomnio de Satans (Mateus 13:33; Lucas 13:20-21). No h problema real aqui, uma vezque toda influncia espiritual, tanto m como boa, trabalha do mesmo modo, e o usodiferente da mesma metfora no desconhecido nas Escrituras. Tanto Satans comoCristo so comparados a um leo (1 Pedro 5:8; Apocalipse 5:5); mas no diabo vista aferocidade do leo negaceando sua presa, e em Jesus sua fora e coragem. A pomba, emum lugar, usada para ilustrar a tolice (Osias 7:11) e em outro, a inofensiva simplicidade(Mateus 10:16)."Que uma mulher escondeu em trs medidas de farinha..." Como Buttrick observou, "Estaparbola sofreu muitas ofensas nas mos dos alegoristas". Houve quem visse na mulher aigreja ou o Esprito Santo quando nada mais parece querer dizer alm de que este o tipode trabalho feito costumeiramente pelas mulheres. Para Agostinho as trs medidas defarinha representavam toda a raa humana nos trs filhos de No; para Jernimo e Ambrsioelas significavam a santificao do esprito, alma e corpo. Ainda que estas idias possam emgeral no estar muito longe do significado da farinha, as trs medidas com toda probabilidadesugerem simplesmente nada mais do que a quantidade costumeira de massa usada nomundo antigo para assar po (isto , cerca de um alqueire, pouco mais do que 35 litros -Gnesis 18:6; Juzes 16:19; 1 Samuel 1:24).A parbola do fermento parece falar da serena transformao que o reino de Deus opera noesprito humano e do modo sem ostentao pelo qual ele passa de corao a corao.Assim, o fermento, como a luz e o sal (Mateus 5:13-14), um agente mudo mas poderoso.Justamente desse modo Jesus trabalhou entre os homens: "No clamar, nem gritar, nemfar ouvir sua voz na praa" (Isaas 42:2-3; Mateus 12:17-21). Contudo, seu trabalho nuncafoi secreto nem furtivo: "Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tantonas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se renem, e nada disse em oculto"(Joo 18:20).A obra do fermento tambm interna e invisvel. Esta parbola uma declarao poderosade natureza espiritual do reino. Foi este mesmo ponto que Jesus uma vez apresentou aosfariseus: "No vem o reino de Deus com visvel aparncia. Nem diro: Ei-lo aqui! Ou: L est!Porque o reino de Deus est dentro de vs" (Lucas 17:20-21). A revoluo radical do reinode Cristo (diferente dos reinos dos homens, Joo 8:36) iria explodir silenciosamente dentro,operando uma completa transformao do corao. O fermento precisa portanto simbolizar oevangelho como opera invisvel no esprito individual (1 Pedro 1:22-23) e ento passasilenciosamente de um corao para outro (Atos 8:4).A palavra de Deus a semente em germinao da qual vem a nova vida de Deus, masaqueles que foram tocados por ela tambm se tornam luz, sal e fermento no mundo (Mateus5:13-14; Filipenses 2:15). Sua humildade de esprito e piedade de vida ornam "em todas ascoisas, a doutrina de Deus" (Tito 2:10) e inevitavelmente atraem e ento contaminam outroscom o mesmo poderoso contgio celestial que mudou suas prprias vidas. O movimento deuma to profunda fora espiritual no ruidoso nem clamoroso como um exrcito emmarcha, mas firme, quieto e inexorvel como uma planta tenra que primeiro penetra e depoistrinca, e finalmente rompe a mais empedernida das rochas."At que toda ficou fermentada..." Se temos que entender a massa como o corao de umanica alma, ento certo tomar o "toda" como um absoluto, porque em Cristo tudo renovado (2 Corntios 5:17); O todo da personalidade penetrado. Mas se a massasimboliza o mundo, a parbola precisa ser entendida como falando da fermentao de todocorao honesto e bom e no de salvao universal (Mateus 7:13-14), ou alguma influnciasocial universal ou uma humanidade no convertida. inconcebvel que aquele que veio"buscar e salvar o que estava perdido" jamais se preocupasse com o mero impacto social doevangelho. Com Jesus e seu reino era redeno pessoal ou nada (Joo 3:3-5).Renovadas todas as coisasA parbola do fermento nos relembra que Deus enviou seu Filho ao mundo no somente paraperdoar, mas para transformar. Uma coisa to imensa como a cruz nunca foi destinada meramente aprovidenciar misericrdia para nosso passado pecaminoso, deixando-nos os mesmos orgulhosos,egostas e concupiscentes que ramos antes. Temos que ser mudados, e sobre essa transformaoesta pequena parbola nos diz muito.Antes de tudo, uma transformao que precisa vir de fora. Arquimedes, o grego que descobriu oprincpio da alavanca, certa vez observou, "Dem-me um ponto de apoio e moverei o mundo". Este o problema. O "mundo" precisa desesperadamente ser movido, mas no temos ponto de apoio foradele. O fermento da renovao est alm do poder humano e todos os sistemas de auto-ajuda estocondenados, por definio. Somos to incapazes de reformular nossas vidas sozinhos conforme ajustia de Deus como somos de escapar ao justo julgamento de Deus pelos nossos pecados.Somente o fogo do cu suficientemente poderoso para efetuar uma mudana to radical. Pelagraa de Deus fomos perdoados, e por sua graa e poder que finalmente seremos totalmenterenovados (Efsios 2:8-10; 3:14,21).Em segundo lugar, uma transformao que precisa ser operada por dentro. Muito pensamentopoltico moderno, e mesmo religioso, apia-se freqentemente no mito que o homem moldado peloseu ambiente e que mudar suas circunstncias mudar seu corao. A verdade est na direototalmente oposta. "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o corao," adverte Salomo,"porque dele procedem as fontes da vida" (Provrbio 4:23). A vida, seja boa ou m, emana damente, e vida nova pode vir somente de um corao que foi voltado para novas direes. Portanto,como fermento na maa do po, o reino do cu dirige seu ataque para dentro, sobre o corao.Mudana externa feita sem a revoluo interna mera acomodao (Romanos 12:2), e suasuperficialidade tira-lhe a estabilidade. Ela se evaporar diante da menor inconvenincia. Emcontraste, a mudana externa efetuada por um corao mudado uma verdadeira transformao esua profundidade d-lhe uma imutabilidade obstinada (1 Corntios 15:58). Este tipo de converso nosomente resiste ao domnio externo, mas exerce uma profunda e positiva influncia nos outros. Ocorao decisivo. Numa parbola intitulada "O Holocausto", Nathaniel Hawthorne pinta umafogueira onde os homens esto queimando todas as coisas ms do mundo. Satans, observando,fica a princpio atemorizado, mas ento ele se reanima e observa, "Ainda no estou desfeito. Eles seesqueceram de jogar o corao humano". Esta a razo porque religiosidade herdada, de segundamo, ainda que verdadeira em forma, sempre faltar realidade e fora (2 Timteo 3:5). A massanunca ser fermentada. A vida nunca ser verdadeiramente transformada.Em terceiro lugar, uma transformao que precisa tocar o todo de nossas vidas. Nem o menorsegmento pode ser excludo, porque nessa lasca fininha se esconder nossa vontade e nosso modode ser. Nunca foi diferente. Deus sempre exigiu que os homens o amem e o sirvam na inteireza deseus coraes (Deuteronmio 6:4; 11:13; 13:3; Jeremias 29:13).Em ltima anlise, Cristo quem o fermento. Cristo crucificado, sim, e verdadeiramente o Cristodas Escrituras. Mas ainda Cristo, a pessoa entrando pessoalmente por influncia de seu notvelcarter e vontade em cada recesso de nossos coraes. Paulo definiu as riquezas e glria do mistriodo evangelho quando ele disse que ele "Cristo em vs, a esperana da glria" (Colossenses1:27). O fermento do Filho de Deus entra em nossas vidas quando aceitarmos, no somente seuamor e perdo, mas tambm seu domnio. H enorme poder pessoal ao sabermos que ele no teminteno de nos deixar.Nossas vidas so mudadas olhando atentamente a glria que h em Jesus (2 Corntios 3:18). Hduas coisas que veremos olhando na face de Cristo. Primeiro de tudo, o que no somos. Nunca defato os homens sabem quo profunda sua impiedade tem sido enquanto no olham com honestidadena face de absoluta santidade e justia, que no viveu em isolamento celestial mas na suja realidadeda carne humana. uma experincia atemorizadora, mas absolutamente necessria para nossatransformao. Como jamais poderemos ser diferentes enquanto no soubermos quodesesperadamente precisamos s-lo?A segunda coisa que veremos na face de Jesus o que podemos ser. Seja quanto for que suasantidade nos fez ver em nossa impureza, seu amor nos encher ao mesmo tempo com uma visodo que sua graa e poder podem fazer-nos. Temos que ser "transformados, de glria em glria, nasua prpria imagem, como pelo Senhor, o Esprito" (2 Corntios 3:18).E finalmente, precisamos ser no mundo o que Cristo tem sido em ns como o fermento daeternidade, sempre crescendo, expandindo, mudando-nos. As pessoas podero ver o que podeacontecer com elas observando o que aconteceu conosco (Mateus 5:13-16).