A Partilha Dos Animais de Estimacao Na Dissolucao Da Sociedade Conjugal

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SOUZA, Camila Paiva Pinzon; BRÜNING, Rafael. A partilha dos animais de estimação na dissolução da sociedade conjugal. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 342-352, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 342 A PARTILHA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL Camila Paiva Pinzon de Souza 1 Rafael Brüning 2 SUMÁRIO Introdução; 1. Natureza jurídica dos animais de estimação; 2. Partilha dos animais de estimação em caso de dissolução da sociedade conjugal; 3. Impropriedade da atual forma de partilha dos animais de estimação; 4. Inovação legal para partilha de animais de estimação; Considerações Finais; Referência das fontes citadas. RESUMO O objetivo do presente artigo é analisar a viabilidade de mudança do tratamento jurídico dispensado a um animal de estimação na ocasião da partilha decorrente de dissolução da sociedade conjugal. Para tanto, primeiramente será levantada a atual natureza jurídica dos animais de estimação conforme o ordenamento legal vigente. Em seguida, tratar-se-á do procedimento de partilha numa dissolução de sociedade conjugal, da impropriedade da atual forma de partilha dos animais de estimação, bem como da inovação legal para partilha de animais de estimação. O método de pesquisa utilizado é a indução. São utilizadas as técnicas dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica, do fichamento, e da categoria. Palavras-chave: Bens. Animais de estimação. Separação conjugal. Partilha. INTRODUÇÃO É fato inegável que os animais de estimação estão adquirindo cada vez mais importância na sociedade brasileira. O crescente aumento do faturamento do mercado de itens para animais de estimação, bem como a proliferação de pet shops 3 demonstram uma conjuntura de maior cuidado, proteção e sentimento de afeto por cães, gatos, pássaros e diversos outros animais que tem a possibilidade de conviver com seres humanos. 1 Cursa o 9º Período de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú – SC. [email protected]. 2 Professor da UNIVALI. Juiz de Direito do Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Processual Civil. 3 Pet Shop: Estabelecimento especializado no comércio de animais de estimação, além de alimentos e acessórios, oferecendo ainda serviços de embelezamento como banho, tosa e perfumaria.

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  • SOUZA, Camila Paiva Pinzon; BRNING, Rafael. A partilha dos animais de estimao na dissoluo da sociedade conjugal. Revista Eletrnica de Iniciao Cientfica. Itaja, Centro de Cincias Sociais e Jurdicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 342-352, 2 Trimestre de 2013. Disponvel em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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    A PARTILHA DOS ANIMAIS DE ESTIMAO NA DISSOLUO DA SOCIEDADE CONJUGAL

    Camila Paiva Pinzon de Souza1 Rafael Brning2

    SUMRIO

    Introduo; 1. Natureza jurdica dos animais de estimao; 2. Partilha dos animais de estimao em caso de dissoluo da sociedade conjugal; 3. Impropriedade da atual forma de partilha dos animais de estimao; 4. Inovao legal para partilha de animais de estimao; Consideraes Finais; Referncia das fontes citadas.

    RESUMO

    O objetivo do presente artigo analisar a viabilidade de mudana do tratamento jurdico dispensado a um animal de estimao na ocasio da partilha decorrente de dissoluo da sociedade conjugal. Para tanto, primeiramente ser levantada a atual natureza jurdica dos animais de estimao conforme o ordenamento legal vigente. Em seguida, tratar-se- do procedimento de partilha numa dissoluo de sociedade conjugal, da impropriedade da atual forma de partilha dos animais de estimao, bem como da inovao legal para partilha de animais de estimao. O mtodo de pesquisa utilizado a induo. So utilizadas as tcnicas dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliogrfica, do fichamento, e da categoria.

    Palavras-chave: Bens. Animais de estimao. Separao conjugal. Partilha.

    INTRODUO

    fato inegvel que os animais de estimao esto adquirindo cada vez mais importncia na sociedade brasileira. O crescente aumento do faturamento do mercado de itens para animais de estimao, bem como a proliferao de pet shops3 demonstram uma conjuntura de maior cuidado, proteo e sentimento de afeto por ces, gatos, pssaros e diversos outros animais que tem a possibilidade de conviver com seres humanos.

    1 Cursa o 9 Perodo de Direito da Universidade do Vale do Itaja, Balnerio Cambori SC.

    [email protected]. 2 Professor da UNIVALI. Juiz de Direito do Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Processual Civil.

    3 Pet Shop: Estabelecimento especializado no comrcio de animais de estimao, alm de alimentos e

    acessrios, oferecendo ainda servios de embelezamento como banho, tosa e perfumaria.

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    Igualmente notrio o crescente nmero de dissolues de sociedades conjugais. Mudanas de cunho social, bem como alteraes legais tornaram tal processo menos complicado e mais gil, fazendo com que muitos divrcios e dissolues de unio estvel tivessem menos discusses litigiosas. Contudo, h um ponto no qual nem sempre se chega facilmente a um consenso: com quem ficar o animal de estimao do casal?

    Parece descabido o tratamento dispensado pelo ordenamento jurdico ptrio aos aludidos seres, considerando-os como bens semoventes, sujeitos partilha, como qualquer outro bem relacionado no patrimnio dos cnjuges, principalmente levando-se em considerao o vnculo emocional que os cnjuges adquirem pelo animal de estimao. Alm disso, tem-se o fato de tais animais necessitarem de ateno e ambiente adequado, evitando-se, com isso, maus-tratos ou crueldade contra tais animais.

    Nesse sentido, faz-se importante analisar a viabilidade de mudana do tratamento jurdico dispensado a um animal de estimao na ocasio da partilha decorrente de dissoluo da sociedade conjugal, no sentido de possibilitar que decises pertinentes guarda do animal possam dirimir com mais facilidade os litgios matrimoniais, bem como atender melhor aos interesses de todos os envolvidos, inclusive do animal de estimao.

    1 NATUREZA JURDICA DOS ANIMAIS DE ESTIMAO

    Num primeiro momento, faz-se importante a identificao da natureza jurdica dos animais de estimao, sendo esta caracterizao necessria para a melhor compreenso da partilha decorrente da separao conjugal.

    Para Gonalves4, bem, em sentido filosfico, vem a ser tudo aquilo que satisfaz uma necessidade humana. Juridicamente, o conceito de coisas refere-se ao de bens, mas nem sempre h sincronia entre estas duas expresses.

    Bens so as coisas materiais ou imateriais que tm valor econmico e que podem vir a servir de objeto numa relao jurdica. S sero incorporadas ao

    4 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. v. 1. p.

    276.

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    patrimnio da pessoa fsica ou jurdica as coisas teis e raras que despertam disputas entre as pessoas, dando origem a um vnculo jurdico5.

    Ressalta Venosa6 que todos os bens so coisas, mas nem todas as coisas podem ser denominadas bens. O sol, o ar e a lua, como exemplos, so coisas, mas no podem ser considerados bens, uma vez que no h possibilidade de ser apropriados pelo homem. Contudo, o mesmo autor salienta que no h unanimidade entre os doutrinadores no que se refere conceituao de coisa e bem. H bens jurdicos que no podem ser nomeados como coisas, como o caso da honra, da liberdade, do nome.

    A classificao dos bens feita segundo critrios de importncia cientfica, pois a incluso de um bem em determinada categoria implica a aplicao automtica de regras prprias e especficas, visto que no se podem aplicar as mesmas regras a todos os bens7.

    Segundo Godinho8, os animais ostentam a condio de coisas, posio que encontra correspondncia no Cdigo Civil, mais precisamente no art. 82, que vem a qualificar os denominados semoventes. Dispe o Cdigo Civil9 em seu art. 82 que so mveis os bens suscetveis de movimento prprio, ou de remoo por fora alheia, sem alterao da substncia ou da destinao econmico-social.

    Entre os bens mveis, Diniz10 menciona ainda aqueles que so mveis por natureza, sendo as coisas corpreas que se deslocam por movimento prprio, ou por fora alheia sem que se altere a substncia ou a destinao socioeconmica deles. Os que se movem de um lugar para outro, por movimento prprio, so os semoventes, isto , os animais.

    5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. 24. ed rev. e atual. de

    acordo com a Reforma do CPC. So Paulo: Saraiva, 2007. p. 319. 6 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2009. p. 292.

    7 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. p. 281.

    8 GODINHO, Adriano Marteleto. Natureza jurdica dos animais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2541, 16 jun.

    2010 . Disponvel em: . Acesso em: 18 set. 2012. 9 BRASIL. Cdigo Civil. Disponvel em .

    Acesso em 18 set. 2012. 10

    DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 29. ed. So Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 373.

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    Conforme corrobora Gonalves11, os bens semoventes recebem o mesmo tratamento jurdico aferido aos bens mveis propriamente ditos. Nesse sentido, h pouco ou nenhum interesse prtico em distingui-los.

    Pelo exposto, tem-se que os animais, mormente os de estimao, possuem valor econmico e so objetos de relaes jurdicas, bastando observar a grande oferta de filhotes de ces no mercado, por exemplo. Logo, animais so bens mveis, classificados como semoventes, por deslocarem-se por fora prpria.

    Ademais, os animais de estimao tambm podem ser considerados como infungveis, pois de acordo com Diniz12, so [...] infungveis os que, pela sua qualidade individual, tm um valor especial, no podendo, por isso, ser substitudos sem que isso acarrete uma alterao de seu contedo. Ora, inegvel que muitas pessoas possuem tanto apreo para com seus animais de estimao a ponto, inclusive, de trata-los como verdadeiros filhos, sendo, portanto, insubstituveis.

    2 PARTILHA DOS ANIMAIS DE ESTIMAO EM CASO DE DISSOLUO DE SOCIEDADE CONJUGAL

    Decretada a dissoluo da sociedade conjugal, faz-se necessrio o encerramento da situao econmica derivada da referida sociedade. Seja qual for a forma de dissoluo, consensual ou judicial, recomendvel que se proceda partilha caso o regime matrimonial seja de comunho. Na dissoluo consensual, a partilha como se fosse um contrato entre duas pessoas capazes. J na judicial, se no houver acordo, impor-se- a respectiva liquidao por artigos visando repartio dos bens liquidados13.

    Os bens do casal que est em processo de dissoluo da sociedade conjugal, segundo salientam Wald e Fonseca14, sero partilhados conforme acordo inter pars ou deciso judicial, observando-se o regime do casamento. Nesse sentido, se, por exemplo, o regime for o da separao total, cada cnjuge ficar com aquilo

    11 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. p. 290.

    12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. p. 375

    13 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de famlia. 38. ed. rev. e atual. Por Regina Beatriz Tavares da Silva de acordo com o novo Cdigo Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). So Paulo: Saraiva, 2007. v. 2.

    14 WALD, Arnoldo; FONSECA, Priscila M. P. Corra da. Direito civil: direito de famlia. 17. ed. reformulada. So Paulo: Saraiva, 2009. v. 5. p. 256-257.

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    que levou para o casamento e os bens que adquiriu na constncia da sociedade conjugal.

    Os mesmos autores salientam que, dependendo das circunstncias, pode no acontecer a diviso de bens entre os cnjuges. Os referidos bens ficam permanecendo em condomnio, passando a ser regido pelas regras da co-propriedade. Se o condomnio decorrente de indivisibilidade do bem, este pode ser judicialmente alienado.

    Conforme expe Venosa15, a partilha no requisito essencial para a homologao da separao. No entanto, faz-se necessrio que na petio estejam descritos os bens do casal, mveis e imveis, como um divisor de guas para o patrimnio futuro individual de cada cnjuge, podendo a partilha ser feita posteriormente. O Cdigo Civil disciplina em seu art. 1.575 que a separao judicial importa a separao de corpos e a partilha de bens, sendo que o pargrafo nico dispe que a partilha poder ser feita mediante proposta dos cnjuges e homologada pelo juiz. O divrcio tambm pode ser feito sem prvia partilha de bens, consoante art. 1.581, agilizando com isso o processo de divrcio, porm permanecer o vnculo patrimonial a atormentar os indivduos.

    Nessa partilha, devero ser obedecidos, em sntese, os mesmos princpios da partilha causa mortis. Os quinhes de cada cnjuge devem ser perfeitamente descritos e individualizados, com atribuio de valores, inclusive para fins tributrios, porque se a diviso for desigual, sero devidos impostos de transmisso imobiliria no tocante aos bens imveis. Na descrio patrimonial devem constar os bens e as dvidas. Para complemento da partilha, mister que os cnjuges descrevam tambm a quem ficar o encargo das dvidas16.

    A partilha de bens, consoante Diniz17, pode ser feita mediante proposta dos cnjuges, homologada pelo juiz (consensual) ou por ele deliberada (litigiosa), observando-se as seguintes normas: se o regime for o da separao de bens, no h o que se falar em partilha; se for regime de comunho universal, no importando o motivo da separao judicial, o patrimnio comum do casal ser dividido ao meio; se for regime da comunho parcial, partilhado apenas os bens adquiridos na

    15 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia. 7. ed. So Paulo: Atlas, 2007. p. 170-171.

    16 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia. p. 171.

    17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famlia. 24. ed. reformulada. So Paulo: Saraiva, 2009. v. 5. p. 314-315.

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    ocasio do matrimnio, ficando cada parte com a metade, retirando-se o que cada qual trouxe para o casamento. Se o regime for o da participao final dos aquestos, o cnjuge ter direito metade dos bens adquiridos durante o matrimnio, apurando-se o montante dos aquestos.

    De acordo com Wald e Fonseca18, na hiptese de um cnjuge que estiver na posse de bem conferido ao outro pela partilha e se recuse a entreg-lo, comete esbulho possessrio. Na referida situao, o referido pode ser instado judicialmente a devolv-lo.

    Desta feita, tendo-se em considerao que o animal de estimao foi adquirido durante o matrimnio, ele ser includo na partilha, podendo vir a ser objeto de discusso caso no haja acordo entre os cnjuges sobre com quem ficar o referido bem semovente. Pelas regras atuais, caber ao juiz atribuir a propriedade do animal de estimao a somente um dos cnjuges, levando-se em conta, to somente, o valor patrimonial do referido animal, para o fim de dividir-se cada quinho equitativamente, isto , 50% do patrimnio comum para cada cnjuge.

    3 IMPROPRIEDADE DA ATUAL FORMA DE PARTILHA DOS ANIMAIS DE ESTIMAO

    Tendo em vista a natureza jurdica apresentada, bem como o procedimento de partilha numa dissoluo de sociedade conjugal, cabe fazer a seguinte indagao: ser que um animal de estimao, ser este que pode trazer muitas alegrias famlia com a qual convive, tendo os integrantes desta um apego emocional bastante grande para com o animal, merece ser tratado, numa separao, meramente como um bem?

    Antes de mais nada, destaca-se que existem diversas espcies de animais, servindo para as mais diversas utilidades: seja como fora motriz, para procriao, e tambm para companhia. So os animais domesticveis, que tem condies de conviver com seres humanos. Um cachorro, por exemplo, pode servir de co de guarda sendo um bem mvel usado especificamente para oferecer segurana, ou pode servir como mascote de um casal, ligado afetivamente a eles.

    18 WALD, Arnoldo; FONSECA, Priscila M. P. Corra da. Direito civil: direito de famlia. p. 257.

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    cedio que os animais de estimao esto cada vez mais presentes na sociedade, sendo tratados de forma bastante afetiva. No exagero dizer que muitos so considerados parte da famlia. Tem-se igualmente crescente o nmero de casamentos, bem como de dissolues de sociedades conjugais muitas vezes no amigveis. Nesse sentido, observa-se que o animal de estimao no raras vezes encontra-se no cerne do litgio e, sendo bem mvel adquirido na constncia da unio, dependendo do regime de bens, seria considerado patrimnio comum, cabendo ao magistrado atribuir a propriedade do animal a somente um dos cnjuges aps o trmino da sociedade conjugal.

    A dissoluo da sociedade conjugal um momento delicado, incluindo, entre outros aspectos, decises importantes no tocante diviso de bens, guarda de filhos e at mesmo sobre a guarda de animais de estimao. Estes tambm entram na partilha e podem ter sua posse definida em acordos judiciais e contratos pr-nupciais. Atualmente comum que casais, mormente os mais jovens, que criam animais de estimao quase como filhos e, na ocasio da dissoluo, enfrentam alguns problemas. Contudo, tal questo pode ser resolvida com um acordo19.

    A legislao ptria, segundo Filomena20, considera o animal como objeto. Nesse sentido, no h como acordar visitas no curso de uma disputa judicial. Ou o animal de estimao fica com um dono ou com outro; portanto, faz-se altamente recomendvel um acordo amigvel. Ressalta-se ainda que, se o aludido animal pertencer a um dos cnjuges antes da unio, sua posse pode ser pr-definida em pacto antenupcial.

    Tentar qualificar os animais como pessoas inadmissvel, conforme salienta Godinho21. Para o autor, no se pode confundir tutela legal com direito subjetivo. Muito embora a lei venha a conferir proteo aos animais, vedando-se entre outras condutas a caa indiscriminada ou os tratamentos cruis, isso no significa que os mesmos tenham direitos.

    19 FILOMENA, Mnica. Separao Unio Estvel Pergunta que no quer calar: quem o dono do animal de estimao? 01 mai 2009. Disponvel em Acesso em 19 set. 2012.

    20 FILOMENA, Mnica. Separao Unio Estvel Pergunta que no quer calar: quem o dono do animal de estimao? 01 mai 2009. Disponvel em Acesso em 20 set. 2012.

    21 GODINHO, Adriano Marteleto. Natureza jurdica dos animais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2541, 16 jun. 2010 . Disponvel em: . Acesso em: 19 set. 2012.

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    O mesmo autor menciona ainda as inexplicveis situaes que o reconhecimento da personalidade dos animais poderia gerar, como por exemplo a propriedade, alienao, sacrifcio e at mesmo o consumo de animais designados como pessoas.

    Em que pese tais consideraes, verifica-se uma movimentao social inclusive do poder legislativo no sentido de criar normas especficas no tocante guarda do animal de estimao na ocasio de uma dissoluo da sociedade conjugal. Tendo em vista a atual legislao, trat-lo meramente como um bem parece discrepar de muitas situaes nas quais o referido animal objeto de intensa afeio humana, tratado inclusive como um ser integrante da famlia.

    4 INOVAO LEGAL PARA PARTILHA DE ANIMAIS DE ESTIMAO

    Com o intuito de se adaptar as normas legais concernentes aos animais de estimao quando da partilha decorrente de dissoluo da sociedade conjugal, surgiram propostas do legislador. Nesse sentido, destaca-se o Projeto de Lei n 1058/2011 do deputado Marco Aurlio Ubiali (PSB-SP), aprovado pela Comisso de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel na forma de substitutivo apresentado pelo relator, deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP).

    O referido projeto dispe sobre a guarda dos animais de estimao nos casos de dissoluo litigiosa da sociedade e do vnculo conjugal entre seus possuidores, e d outras providncias22, justamente para tentar alterar o tratamento dispensado aos pets23, sendo meros objetos, o que inviabiliza qualquer acordo no tocante s visitas num acordo judicial.

    Com relao guarda do animal de estimao, o projeto, em seu art. 424, apresenta duas possibilidades de ela ser concedida: unilateral, quando concedida a

    22 CMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 1058/11. Autor: Dr. Ubiali - PSB/SP. Apresentao: 13/04/2011. Disponvel em: . Acesso em: 24 set. 2012. 23

    Pet: animal de estimao. 24

    Art. 4 A guarda dos animais de estimao classifica-se em: I Unilateral: quando concedida a uma s das partes, a qual dever provar ser seu legtimo proprietrio, por meio

    de documento de registro idneo onde conste o seu nome; II - Compartilhada, quando o exerccio da posse responsvel for concedido a ambas as partes.

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    uma s das partes; e compartilhada, quando o exerccio da posse responsvel for concedido a ambas as partes.

    Ademais, o texto normativo em comento trata ainda dos critrios a serem observados pelas partes que pleiteiam a guarda do animal, no sentido de se decidir a melhor opo para o pet, dispostos no art. 525:

    Art. 5 Para o deferimento da guarda do animal de estimao, o juiz observar as seguintes condies, incumbindo parte oferecer: a) ambiente adequado para a morada do animal; b) disponibilidade de tempo, condies de trato, de zelo e de sustento; c) o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte; d) demais condies que o juiz considerar imprescindveis para a manuteno da sobrevivncia do animal, de acordo com suas caractersticas.

    Outras disposies tratadas pelo projeto dizem respeito ao perodo de convivncia com o animal, cruzamento, alienao, filhotes, bem como a transferncia da guarda para uma terceira pessoa.

    A necessidade de se permitir aos magistrados que decidam a guarda do animal de estimao vem a ser suprida pelo projeto, uma vez que, em sua prpria justificativa, afirma que os animais no podem ser mais tratados como objetos em caso de separao conjugal, na medida em que so tutelados pelo Estado26. No razovel que a outra parte, to apegada emocionalmente ao animal de estimao, seja privada da convivncia com o mesmo, apenas por no ser o proprietrio.

    CONSIDERAES FINAIS

    Consoante os aspectos analisados no decorrer deste artigo, percebe-se que h uma discrepncia entre o tratamento dispensado pelo ordenamento jurdico ptrio aos animais de estimao e o valor social que os referidos pets vem adquirindo, sendo tratados como verdadeiros integrantes de uma famlia.

    25 CMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 1058/11. Autor: Dr. Ubiali - PSB/SP. Apresentao: 13/04/2011. Disponvel em: . Acesso em: 24 set. 2012. 26

    CMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 1058/11. Autor: Dr. Ubiali - PSB/SP. Apresentao: 13/04/2011. Disponvel em: . Acesso em: 24 set. 2012.

  • SOUZA, Camila Paiva Pinzon; BRNING, Rafael. A partilha dos animais de estimao na dissoluo da sociedade conjugal. Revista Eletrnica de Iniciao Cientfica. Itaja, Centro de Cincias Sociais e Jurdicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 342-352, 2 Trimestre de 2013. Disponvel em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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    Como j ressaltado, numa dissoluo de sociedade conjugal, qualquer animal tido como um bem, e por isso, nesta situao, caso o bem seja patrimnio comum, dever ser partilhado, atribuindo-se a propriedade a apenas um dos cnjuges, acaso no haja acordo. cedio que tal valorao cria embates jurdicos e problemas inclusive de ordem emocional, visto que um dos cnjuges pode, de repente, perder o direito de convivncia com o animal de estimao a qual era to apegado.

    Nesse sentido, h uma movimentao do legislador, propondo projeto para possibilitar a guarda compartilhada dos aludidos animais, vindo a dirimir conflitos que surgem entre os cnjuges quando esta questo vem tona. preciso se destacar que no se trata de se alterar a natureza jurdica de todos os animais, mas sim dispensar um tratamento mais adequado a um grupo restrito destes animais, quando da dissoluo de uma sociedade conjugal, atendendo-se a uma importante demanda da sociedade.

    REFERNCIA DAS FONTES CITADAS

    BRASIL. Cdigo Civil. Disponvel em . Acesso em 18 set. 2012.

    CMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 1058/11. Autor: Dr. Ubiali - PSB/SP. Apresentao: 13/04/2011. Disponvel em: . Acesso em: 24 set. 2012.

    DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. 24 ed rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. So Paulo: Saraiva, 2007.

    DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famlia. 24. ed. reformulada. So Paulo: Saraiva, 2009. v. 5.

    DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 29. ed. So Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.

    FILOMENA, Mnica. Separao Unio Estvel Pergunta que no quer calar: quem o dono do animal de estimao? 01 mai 2009. Disponvel em Acesso em 19 set. 2012.

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