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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ana Terra Reis de Grammont A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na perspectiva da Educação Linguística Mestrado em Língua Portuguesa São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ana Terra Reis de Grammont

A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na perspectiva da Educação Linguística

Mestrado em Língua Portuguesa

São Paulo

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ana Terra Reis de Grammont

A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na perspectiva da Educação Linguística

Mestrado em Língua Portuguesa

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob orientação da Professora Doutora Dieli Vesaro Palma.

São Paulo

2012

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Banca examinadora

_____________________________________________

Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma

_____________________________________________

Profª. Drª. Nílvia Therezinha da Silva Pantaleoni

_____________________________________________

Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Junior.

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Aos meus pais,

Julio de Grammont [In memórian] e Leila Reis

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À minha mãe,

por ter acreditado em mim e pelo suporte

psicológico, emocional e material,

imprescindível para a finalização deste

trabalho.

Ao Vitor,

pelo amor, cumplicidade e muito

companheirismo. Pela paciência e conforto nos

momentos em que mais precisei.

À Lua, minha irmã,

pelo apoio, a amizade e pelo interesse que

demonstrou pelo trabalho.

À família e queridos amigos,

que tiveram muita paciência e compreensão

pela minha ausência.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma, quem eu escolhi para ser minha

orientadora por ter, em primeiro lugar, acreditado em meu trabalho, por ter me

orientado com valiosas sugestões e correções realizadas no decorrer do processo.

Pela paciência, apoio e carinho dedicados à minha pesquisa.

Ao Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Junior, que vem me acompanhando

desde a graduação, pelas preciosas contribuições na fase da qualificação e, em

especial, pelo incentivo para seguir com meus estudos e entrar no mestrado.

À Profª. Drª. Nílvia Pantaleoni, por quem também tenho muito carinho desde

a graduação e cujas contribuições melhoraram meu trabalho na qualificação e que

me ajudaram a chegar até aqui.

À minha eterna professora, a Profª Drª Valeuska França Cury Martins, que

me acompanha desde a graduação e sempre me acolheu nos momentos em que

mais precisei. Sem ela, sem dúvida, eu não teria chegado até aqui.

Agradeço imensamente à Vivian Aparecida Leite da Silva e ao Flávio Dreger

da Silva, por todo suporte que me deram no decorrer desse processo. Pela

paciência, lealdade carinho e disposição com que me ajudaram sempre que

precisei.

À Christiane Gally, por todo apoio que me deu desde que nos conhecemos,

na pós-graduação. Por ter se disposto a revisar este trabalho, mesmo com pouca

disponibilidade de tempo, e ter feito o possível e impossível para fazê-lo.

Ao Guilherme Xavier da Silveira Viana, meu amigo, que se dispôs a fazer a

tradução do resumo deste trabalho em cima da hora e, principalmente, pela

lealdade com que sempre me tratou.

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“Quem não lê não sabe o que está perdendo, pois a leitura dá um sentido

espiritual à vida, abre horizontes, dá uma visão melhor e mais ampla do mundo e da

sociedade em que vivemos, estimula a imaginação e o sonho, cria possibilidades

antes impensadas de reivindicar mudanças em nossa sociedade, corrigindo as injustiças

sociais e políticas que nos afligem.”

José Mindlin

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A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na perspectiva da Educação Linguística

Ana Terra Reis de Grammont

Resumo

“A pedagogia da leitura: análise de material didático na perspectiva da Educação Linguística” é o resultado de uma investigação realizada de 2009 a 2012, situada na linha de pesquisa “Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa” do Programa de Estudos de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi orientada pela Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma, líder do Grupo de Pesquisa em Educação Linguística para o Ensino de Português – GPEDLINP, da PUC-SP – da PUC-SP.

A presente pesquisa objetivou analisar, pela perspectiva da Educação Linguística, de que forma o livro didático trabalha a pedagogia da leitura, com a finalidade de responder às perguntas: 1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD? 2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos aprendentes?

Para a análise, fazemos uso da pesquisa interpretativista crítica, que está inserida no paradigma qualitativo de pesquisa, com o intuito de analisar os exercícios de compreensão e interpretação de texto, do livro didático de Língua Portuguesa, do 6º ano do Ensino Fundamental II, da coleção didática Português – Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.

Concluímos que as questões propostas fundamentam-se no modelo interativo de leitura, de base cognitiva, embora haja a predominância do modelo ascendente (bottom-up), em comparação ao descendente (top-down) (KLEIMAN, 2008 e KATO, 1990). Os autores tentam ativar os conhecimentos prévios dos leitores-aprendentes por meio das perguntas de interpretação, além de destinarem uma seção de cada unidade com esta finalidade.

Assim, consideramos ter atingido satisfatoriamente os nossos objetivos, a saber: 1. Constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD analisado. 2. Analisar de que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos aprendentes. Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa. Gênero textual. Pedagogia da Leitura.Educação Linguística. Livro Didático.

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Reading pedagogy: schoolbook analysis under the Linguistic Education perspective

Ana Terra Reis de Grammont

Abstract

Reading pedagogy: schoolbook analysis under the Linguistic Education perspective is the outcome of an investigation carried out from 2009 to 2012 following the “Portuguese language reading, writing and teaching” research track from the Portuguese Language Studies Program from the Pontific Catholic University of São Paulo, guided by Prof., Dr. Dieli Vesaro Palma, PUC-SP Linguistic Education for Portuguese Teaching research group leader – PUC-SP GREDLINP-. The following research has intended to analyze it under the Linguistic Education perspective in what way the schoolbook explores the reading pedagogy so the following questions can be answered: 1. What is the reading model which rests under the schoolbook? 2. How do the authors try to awake the learners´ previous knowledge? So the analysis is done we have used the critic interpretative research, which lies in the research qualitative paradigm, aiming for analyzing the Portuguese Language schoolbook text interpreting and comprehension exercises of the Fundamental School II 6th grade from school collection Portuguese – Languages, featuring William Roberto Cereja and Thereza Cochar Magalhães as authors. We conclude that the cognitive reading model awakened by the questions was interactive, although the majority is bottom-up, contrasting with the top-down (KLEIMAN, 2008 and KATO, 1990). The authors try to awake the readers-learners´ previous knowledge through the interpreting questions, besides saving a section in each unity for this purpose. Therefore, we consider achieving satisfactory our goal: 1. Discovering what reading model rests under the proposal of the analyzed LD. 2. Analyzing how the authors try to awake the learners´ previous knowledge.

Keywords: Portuguese Language Teaching. Text Gender. Reading Pedagogy. Linguistic Education. Schoolbook.

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Sumário Introdução ................................................................................................................... 12

Capítulo I. Educação Linguística................................................................................. 20

1.1. Perspectiva de Educação: prática da liberdade .................................... 20 1.2. Conceito de EL....................................................................................... 35

1.2.1. Dimensões Linguísticas............................................................... 41 1.2.1.1. Linguagem................................................................... 41 1.2.1.2. Língua, Norma e Uso (Variedade linguística)............. 42 1.2.1.3. Gêneros Textuais........................................................ 47 1.2.1.4. Texto........................................................................... 52

1.2.2. Dimensões pedagógicas............................................................. 54 1.2.2.1. Transposição Didática................................................. 54 1.2.2.2. Contrato Didático......................................................... 56 1.2.2.3. Situações Didáticas..................................................... 57 1.2.2.4. Obstáculo Epistemológico........................................... 61 1.2.2.5. Registros de Representação....................................... 64 1.2.2.6. Teoria dos Campos Conceituais................................. 65 1.2.2.7. Engenharia Didática.................................................... 67

Capítulo II. A Pedagogia da leitura.............................................................................. 71

2.1. O que é ler? Para que ler?..................................................................... 72 2.2. Paradigmas de leitura e suas respectivas abordagens.......................... 76

2.2.1.1. Paradigma Tradicional...................................................... 77 2.2.1.2. Abordagem Tradicional..................................................... 77

2.2.2. Paradigma Cognitivista................................................................ 80 2.2.2.1. Abordagem Cognitivista.................................................... 82

2.2.2.1.1. Modelo ascendente (Bottom-up) de leitura............ 86 2.2.2.1.2. Modelo descendente (Top-down) de leitura.......... 87 2.2.2.1.3. Modelo interativo de leitura.................................... 87 2.2.2.1.4. Estratégias de leitura.............................................. 89

2.2.2.2. Abordagem Interacional.................................................... 90 2.2.3. Paradigma Sociocultural.............................................................. 91

2.2.3.1. Abordagem da leitura como prática social........................ 92 2.2.3.2. Eventos e práticas sociais de leitura................................. 94 2.2.3.3. O Pensar Alto em Grupo (PAG)........................................ 95

2.3. A leitura no ambiente escolar: formação de leitores............................... 95 2.3.1. Gêneros Textuais na escola: sequências didáticas..................... 104

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2.3.2. O livro didático (LD)................................................................. 106

Capítulo III. Metodologia e Análise.......................................................................... 110

3.1. Contextualizando a pesquisa.............................................................. 110 3.2. O paradigma qualitativo  x paradigma quantitativo............................. 111

3.2.1. A pesquisa interpretativista crítica........................................... 115 3.2.2. Análise documental................................................................. 115

3.2.2.1. Contexto ............................................................................ 117 3.2.2.2. O autor ou os autores........................................................ 118 3.2.2.3. A autenticidade e a confiabilidade do texto....................... 118 3.2.2.4. A natureza do texto............................................................ 118 3.2.2.5. Os conceitos-chave e a lógica interna do texto................. 119 3.2.2.6. A análise............................................................................ 119

3.3. Análise do corpus............................................................................... 119 3.3.1. Análise preliminar.................................................................... 120

3.3.1.1. Contexto............................................................................. 120 3.3.1.2. Sobre os autores................................................................ 123 3.3.1.3. Natureza do LD.................................................................. 124

3.3.1.3.1. Descrição da coleção........................................ 124 3.3.1.3.2. Análise da apresentação da coleçãoPortuguês:

Linguagens – Ensino Fundamental.................. 133 3.3.1.3.3. Análise das questões sobre leitura................... 134

3.4. Discussão dos resultados................................................................... 151

Considerações finais................................................................................................ 152

Referências bibliográficas........................................................................................ 155

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INTRODUÇÃO

A pedagogia da leitura: análise de material didático na perspectiva da

Educação Linguística é o resultado de uma investigação realizada de 2009 a

2012, situada na linha de pesquisa “Leitura, escrita e ensino de língua

portuguesa” do Programa de Estudos de Língua Portuguesa da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, orientada pela Profª.Drª. Dieli Vesaro Palma,

líder do Grupo de pesquisa em Linguística Funcional – PUC-SP1, GPeLF, do qual

fazemos parte.

A pedagogia da leitura aqui é vista pela perspectiva da Educação

Linguística2, pois entende a Educação como um processo de ensino-

aprendizagem, onde a aprendizagem acontece por meio da troca entre os atores

envolvidos, que tanto ensinam como aprendem. Com o fim apenas didático, a EL

se divide em quatro pedagogias do ensino: a pedagogia do oral, da leitura, do

escrito e do léxico-gramatical, destacando que “esta divisão se presta

exclusivamente a um melhor detalhamento dos estudos, pois na prática de língua

não é possível separarmos o ouvir do ler ou o conhecimento do funcionamento da

língua do escrever”. (REGO, 2009: 23).

O nosso tema é a leitura do livro didático de língua portuguesa, destinado

a estudantes do 6º ano: Português: Linguagens, dos autores William Roberto

Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Queremos descobrir como os exercícios de

leitura são elaborados, pois, a partir deles, os professores desenvolvem as

atividades em sala de aula a fim de formar leitores. A partir dessa pesquisa,

levantamos questionamentos expressos pelas seguintes perguntas:

1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?

2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos

aprendentes?

                                                            1 O GPeLF existe desde 2006 e tem como membros doutores, mestres, mestrandos e estudantes de pós-graduação, que se reúnem mensalmente para discutir obras que dizem respeito ao Ensino de Língua Portuguesa e à Educação linguística em sala de aula. 2 Neste trabalho será referida por EL.

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Esta pesquisa surgiu do nosso incômodo com a Educação, primeiramente,

como sujeitos atuantes na sociedade e, em segundo lugar, como profissionais da

área.Esse incômodo nos persegue desde a época em que éramos secundaristas

e escolhíamos qual faculdade cursar. Quando decidimos ser professores,

sentíamos que era a profissão que nos permitiria fazer diferença, contribuir para a

transformação do outro e da sociedade. Ainda sem saber o que ensinaríamos,

demo-nos conta de que a base da transformação era a nossa língua.

Essa sensibilização veio de um episódio, que vou descrever para efeito

ilustrativo. Um dia, deparamo-nos com um senhor em frente a um caixa eletrônico

de um banco, que segurava, em suas mãos, um envelope com uma quantia de

dinheiro que tentava depositar sem conseguir, porque não sabia ler as instruções.

Embora o tivéssemos ajudado, pensamos no que poderia ter acontecido caso

aquele senhor tivesse cruzado em seu caminho com alguém que não tivesse

boas intenções.

O episódio nos fez refletir sobre o poder que o domínio da língua materna

nos dá e o que a falta dele, nos tira. A história, a nosso ver, pode ilustrar a

importância que o aprendizado de Língua Portuguesa tem em nossa sociedade

letrada.

O mais grave, e que nos preocupa, é saber que aquela situação não é

exclusiva àquele homem. O Brasil é marcado pelo alto índice de analfabetismo

funcional, aferido por diversos sistemas de avaliação. Crianças não sabem o que

deveriam saber na idade em que se encontram e, mesmo assim, formam-se no

Ensino Médio, sem o conhecimento mínimo para poder desenvolver-se

intelectualmente e ter as mesmas oportunidades que uma pessoa plenamente

alfabetizada.

Há de se ressalvar a queda no índice de analfabetismo funcional nos

últimos sete anos. “Esta evolução pode ser associada à crescente escolarização

da população brasileira, que aumentou significativamente nas últimas décadas. A

parcela de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos frequentando a escola, por

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exemplo, praticamente se universalizou, graças ao maior acesso e permanência

na escola.”3

Mas, mesmo assim, a situação é preocupante, pois, segundo a última

pesquisa do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), estudo realizado pelo

IBOPE com base na metodologia desenvolvida em parceria entre o Instituto Paulo

Montenegro – responsável pela atuação social do IBOPE – e a ONG Ação

Educativa, 25% da população brasileira é alfabetizada rudimentarmente, ou seja,

“corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos

e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais

e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de

pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica.Os

dados consolidados do período de 2001 a 2007 confirmam que quanto maior o

nível de escolaridade, maior a chance do indivíduo atingir bons níveis de

alfabetismo.”4

Essa percepção levou-nos a cursar a Faculdade de Letras. Ao iniciar nossa

experiência em sala de aula como professores, vimos que o desafio era maior do

que esperávamos: era necessário muito mais do que superar a falta de

experiência e a formação cheia de lacunas tanto na Educação Básica como no

Ensino Superior. O grande desafio era conseguir realizar um trabalho eficiente, no

qual acreditamos, apesar da instituição escolar, de caráter fortemente

conservador. A EL destaca o papel de um professor reflexivo, com uma formação

que lhe dê suporte para trabalhar de forma autônoma e fazer do livro didático

mais um instrumento para alcançar seu maior objetivo é educar.

Devemos oferecer atividades de ensino/aprendizagem que permitam aos

alunos se preparar para suas vidas – presente e futura – dentro de uma

sociedade com uma determinada forma de cultura. Em relação à língua como

forma de atuação social e/ou exercício de cidadania, permite-nos afirmar que ela

tem uma relação direta com a qualidade de vida de nossos alunos.

                                                            3http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por, acessado em 24 

de abril de 2012. 4http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por, acessado em 24 

de abril de 2012. 

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A EL seria o conjunto de atividades de ensino/aprendizagem, formais ou

informais, que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua

língua e a ser capaz de usar tais recursos de maneira adequada para produzir

textos a serem usados em situações específicas de interação comunicativa para

produzir efeito(s) de sentido pretendido(s).

Ela permite saber as condições linguísticas da significação e, portanto, da

comunicação, uma vez que só nos comunicamos, quando produzimos efeito de

sentido entre nós e nossos interlocutores. A EL deve, então, possibilitar o

desenvolvimento do que a Linguística tem chamado de competência

comunicativa, entendida aqui como a capacidade de utilizar o maior número

possível de recursos da língua de maneira adequada a cada situação de

interação comunicativa.

A EL, portanto, trata de ensinar os recursos da língua e as instruções de

sentido que cada tipo de recurso (e cada recurso em particular é capaz de por em

jogo na comunicação) se apresenta por meio de textos linguísticos.

Evidentemente, todos na sociedade, começando pela família e pela escola a

seguir, devem trabalhar a EL. O meio em que a criança vive e convive será o

responsável por seu aprendizado linguístico.

O fim essencial da EL deve ser a discussão de como cada tipo de recurso

da língua pode significar dentro de um texto. Ao mesmo tempo, deve utilizar,

neste contexto de ensino/aprendizagem, a metalinguagem e as teorias

linguísticas/ gramaticais. Do ponto de vista da comunicação, é preciso alertar as

pessoas para a questão da variedade linguística: os dialetos e registros que toda

língua possui. Mesmo sendo igualmente válidas, essas variedades são rotuladas

por uma sociedade que estabelece uma espécie de etiqueta social para o uso da

língua e valoriza mais ou menos certas formas linguísticas.

Quase sempre essa etiqueta social – norma de uso que configura o que se

tem chamado de gramática normativa – não é calcada em critérios linguísticos,

mas nas razões de prestígio social (econômico, político, cultural). Assim a EL

deve alertar para a existência das variedades linguísticas, suas características, e

quão adequado é o seu uso. A EL formal, ou seja, a aprendida na escola, é a

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responsável quase sempre pela aquisição da variedade escrita da língua, em

oposição à variedade falada.

A EL na escola deve começar na pré-escola e estender-se até a

Universidade, que tem como incumbências:

a. produzir o conhecimento linguístico necessário para subsidiar um bom

trabalho de educação linguística;

b. formar profissionais competentes que sejam responsáveis diretos

(professores de Português e de Literatura) ou indiretos (professores de

outras disciplinas) pela educação linguística;

c. desenvolver a competência comunicativa dos profissionais de qualquer

área que forme, tendo em vista que a competência comunicativa é

componente essencial à formação de bons profissionais em qualquer área;

d. ajudar a estabelecer na sociedade a consciênciada importância da

educação linguística, de tal forma que as pessoasentendam sua essencial

correlação com a possibilidade de ser cidadãos de primeira categoria, de

viver bem e com mobilidade dentro da sociedade. E que desejem e

busquem, como um direito seu, uma boa formação linguística.

A partir do que apresentamos e das perguntas elaboradas na

problematização deste trabalho, nosso objetivo é

1. constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD

analisado;

2. analisar de que forma os autores tentam acionar o conhecimento

prévio dos aprendentes.

Na fundamentação, buscamos apresentar, primeiramente, o que a EL

concebe como Educação. Para tanto, buscamos autores como Paulo Freire

(1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012), Roberto

Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009), pois esses educadores

acreditam na educação como prática da liberdade, ou seja, uma educação que,

em vez de servir à dominação e à preservação do sistema político-econômico

vigente e de inibir a criatividade das pessoas, seja transformadora. Uma

educação que favoreça o desenvolvimento de sujeitos, de pessoas críticas,

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capazes não só de interferir e de transformar a realidade em que vivem, mas

também que sejam capazes de lutar por uma vida autêntica, autônoma e

autorregulada, a fim de exercerem sua cidadania plena, com liberdade. Paulo

Freire (1989: 88) assegura que queremos “uma educação para decisão, para a

responsabilidade social e política.”

A Educação Linguística abrange duas dimensões: a linguística e a

pedagógica. Para fundamentá-las, partirmos da linguística textual, sociolinguística

e da análise do discurso para trazer definições e conceitos, como texto,

linguagem, variedades linguísticas e gêneros textuais, ancorados nos referenciais

teóricos contidos nas obras de Bechara (2006), Palma, Turazza & Nogueira Júnior

(2008),Lomas (2003), Travaglia (2008) e Antunes (2003 e 2009).

Em seguida, tratamos de conceitos, também utilizados na educação

matemática, como a transposição didática referente à adequação que

determinado saber a ser ensinado será submetido para que possa ser aprendido

da melhor forma pelo estudante. Focalizaremos também o contrato didático, que

deve ser articulado entre as partes diretamente relacionadas no processo de

ensino-aprendizagem para que ele seja possível. Depois, veremos as situações

didáticas que caracterizam a situação em que esse processo se dará e também

alertaremos o professor para tomar cuidado com os obstáculos epistemológicos

que poderá encontrar no caminho para, no lugar de ensinar, não confundir ainda

mais seus aprendentes. Finalmente, abordaremos os registros de representação,

as teorias dos campos conceituais e de engenharia didática.

Nossos referenciais teóricos da pedagogia da leitura, em que discutiremos

os paradigmas de leitura e as suas respectivas abordagens, fundamentaram-se

em Kleiman (2008),Solé (1998), Smith (1988 e 1999), Bloom (1983), Queiróz

(2009), Marcuschi (2007), Bezerra (2010), Antunes, (2003, 2009).

Este trabalho estrutura-se da seguinte maneira:

No primeiro capítulo, apresentaremos a Educação Linguística (EL) e sua

dupla dimensão: a Pedagógica – cuja fundamentação encontra-se nas obras de

Paulo Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012),

Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) – momento em que

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descreveremos como se dá o processo de aprendizagem, individual e

socialmente, entre o ensinante e o aprendente – lembrando do papel importante

da família e da escola no processo; e a Linguística.

No segundo capítulo, desenvolveremos o conceito de pedagogia da leitura

e apresentaremos uma reflexão sobre o que é ler. Em seguida, focalizaremos a

leitura na visão dos paradigmas tradicional, cognitivo e sociointeracional. Pelo

paradigma cognitivo da leitura, abordaremos os três modelos cognitivos e as suas

estratégias. Por fim, trataremos do desenvolvimento de leitura na escola e da

formação de leitores baseando-nos em Solé (1998), Smith (1988, 1999), Kleiman

(2008), Bloom (1983), Queiróz (2009), Marcuschi (2007), Bezerra (2010),

Antunes, (2003, 2009).

Por fim, apresentaremos a metodologia e análise do corpus. Analisaremos

o livro didático de língua portuguesa, destinado a estudantes do 6º ano:

Português: Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar

Magalhães. Na primeira parte, contextualizaremos a pesquisa, retomando as

perguntas deste trabalho e os seus objetivos. Em seguida, apresentaremos o

paradigma qualitativo e focaremos na pesquisa interpretativista, depois

esclareceremos os aspectos da análise documental.

Na segunda parte, realizaremos a análise do corpus, que consiste na

descrição da coleção de que o Livro Didático (LD) faz parte para, posteriormente,

analisarmos a apresentação da coleção e, por fim, fazemos a análise dos

exercícios voltados para a compreensão e a interpretação de leitura. Para

finalizar, discutiremos os resultados da análise.

Nas considerações finais, respondemos às perguntas elaboradas na

problematização. As questões propostas fundamentam-se no modelo interativo de

leitura, de base cognitiva, embora haja a predominância do modelo ascendente

(bottom-up), em comparação ao descendente (top-down) (KLEIMAN, 2008 e

KATO, 1990). Os autores tentam ativar os conhecimentos prévios dos leitores-

aprendentes por meio das perguntas de interpretação, além de destinarem uma

seção de cada unidade com esta finalidade.

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Acreditamos ter atingido nosso objetivo proposto para este trabalho, uma

vez que constatamos o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD analisado

e analisamos de que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos

aprendentes.

Nossa ambição, com este trabalho, é poder orientar o olhar dos

professores sobre os livros didáticos adotados e, desta forma, favorecer a sua

autonomia diante dos materiais didáticos usados em sala de aula.

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CAPÍTULO I EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

Neste capítulo, apresentaremos a Educação Linguística (EL) e sua dupla

dimensão: a Pedagógica – cuja fundamentação encontra-se nas obras de Paulo

Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012),

Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) – momento em que

descreveremos como se dá o processo de aprendizagem, individual e

socialmente, entre o ensinante e o aprendente – lembrando do papel importante

da família e da escola nesse processo; e a Linguística, ancorada nos referenciais

teóricos contidos nas obras de Bechara (2006), Palma, Turazza & Nogueira Júnior

(2008) e Lomas (2003).

1.1. Educação como prática da liberdade

Paulo Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e

2012), Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) acreditam na

educação como prática da liberdade, ou seja, uma educação que, em vez de

servir à dominação e à preservação do sistema político-econômico no qual

estamos inseridos e de inibir a criatividade das pessoas, seja transformadora.

Uma educação que favoreça o desenvolvimento de sujeitos, de pessoas críticas,

capazes não só de interferir e transformar a realidade em que vivem, como

também de lutar por uma vida autêntica, autônoma e autorregulada, a fim de

exercerem sua cidadania plena, com liberdade. “Uma educação para decisão,

para a responsabilidade social e política.” (FREIRE, 1989: 88).

Os autores, a partir de distintas atuações, cada um sob uma perspectiva –

a da educação, a da psicopedagogia, a da psicologia e a da filosofia

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respectivamente –, defendem uma ideia comum: a liberdade do ser humano, por

meio da autoria de pensamento e da criticidade.

Paulo Freire, pedagogo, que trabalhou por muitos anos com Educação de

Jovens e Adultos, dedicava-se à alfabetização, por meio dos círculos de leitura.

Francisco Weffort (1989:5) ressalta, na introdução do livro Educação como prática

da liberdade, de autoria de Paulo Freire, a importância da liberdade em sua

pedagogia:

A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos. É um dos princípios essenciais para a estruturação do círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola”, autoritária por estrutura e tradição.

Ele acreditava que nossa sociedade precisava aprender a viver em

democracia, após tantos anos de ditadura militar. Precisávamos aprender a lutar

pelos nossos direitos, a nos reconhecer sujeitos de nossa própria vida, a retomar

nossa liberdade. Essa transição, então, seria viabilizada por meio da educação.

Freire explica que,

assim, iríamos ajudando o homem brasileiro, no clima cultural da fase de transição, a aprender democracia, com a própria existência desta. Na verdade, se há saber que só se incorpora ao homem experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático. (FREIRE, 1989: 92).

Ele acreditava ainda que

a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da qual se substituíssem no brasileiro, antigos e culturológicos hábitos de passividade, por novos hábitos de participação e ingerência, de acordo com o novo clima da fase de transição. (FREIRE, 1989: 93).

Seu trabalho teve foco na alfabetização de adultos que, como ele mesmo

dizia, “transcendia a superação do analfabetismo e se situava na necessidade de

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superarmos também a nossa inexperiência democrática.” (FREIRE, 1989: 94).

Pensava em um “trabalho com que tentássemos a promoção da ingenuidade em

criticidade, ao mesmo tempo em que alfabetizássemos”. (FREIRE, 1989: 104).

Alicia Fernández é argentina, psicopedagoga, tem seu trabalho voltado ao

desenvolvimento da aprendizagem da criança e suas dificuldades no

aprendizado. É fundadora do Centro de aprendizagem do Hospital Nacional A.

Posadas, em Buenos Aires, Argentina, onde teve a experiência piloto

interdisciplinar e interinstitucional de prevenção e atendimento de problemas de

aprendizagem, com diferentes serviços do departamento materno-infantil.

Dedicou-se a populações carentes e ao atendimento de famílias com crianças e

adolescentes com problemas de aprendizagem.

Ela observa que a dificuldade de aprendizagem apresentada pelas crianças

está ligada ao não desenvolvimento da autoria de pensamento, de sua criticidade

e da autonomia, portanto, na sua falta de liberdade. Para a autora, “torna-se cada

vez mais necessário que dirijamos nossa ação para produzir condições

facilitadoras da autoria de pensamento.” (FERNÁNDEZ, 2001a: 93). Em outras

palavras, a autoria do pensamento possibilita a compreensão da própria

existência e da condição mais preciosa da humanidade: a liberdade. (cf.

FERNÁNDEZ, 2001a).

Roberto Freire atuou em diversas áreas culturais, como teatro, educação,

jornalismo, literatura, cinema e televisão. Foi terapeuta, tendo se dedicado à

psiquiatria e, posteriormente, à psicanálise. Como atuante político ativo, criou a

SOMA – uma terapia anarquista – que defendia a política do cotidiano e a

ideologia do prazer, nascida na década de 1960, no Brasil, como resistência às

forças autoritárias da ditadura militar. Também foi ele militante contra as relações

autoritárias ainda presentes na nossa sociedade no cotidiano das instituições,

como a família, a escola e o Estado democrático-capitalista.

Apesar de hoje não vivermos uma ditadura, vivemos uma

democracia neo-liberal, que impõe uma sutil forma de controle e se torna muito mais complexa em suas malhas de poder. A sutileza é sua grande arma: já não percebemos claramente onde navega o autoritarismo e

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notamos apenas seus efeitos. A escravidão negra ou as ditaduras foram substituídas por um processo de lenta e progressiva diminuição do poder crítico e da autonomia das pessoas, gerando seres dóceis e passivos. Essa domesticação do ser humano começa desde a infância, estendendo-se pela adolescência até atingir a vida adulta, criando homens e mulheres apáticos e acomodados, sem espírito de luta. Educadas por meio de uma pedagogia alienante, a maioria dos jovens torna-se obediente e submissa. (MATA, 2001: 35).

Roberto Freire defende a pedagogia libertária, pois acredita que tanto a

“pedagogia doméstica, quanto a escolar, quando autoritárias, visam a reprimir nas

crianças e nos jovens o sentimento e a necessidade da liberdade como condição

fundamental da existência.” (FREIRE, 2006: 220). Ressaltando a importância da

instituição escolar como mantenedora ou libertadora do poder, acrescenta que

a manutenção do poder do Estado nas ditaduras ou nas democracias capitalistas é garantida não mais diretamente pelas armas e pelo dinheiro. Vem sendo garantida pela família e pela escola, por meio da pedagogia autoritária, apoiada e estimulada pelo Estado autoritário. (FREIRE, 2006: 220).

Sara Paín é uma psicóloga argentina, doutora em Filosofia pela

Universidade de Buenos Aires e em Psicologia pelo Instituto de Epistemologia

Genética de Genebra. Acredita em uma pedagogia em que o conhecimento e o

desejo sejam tratados integradamente, que seja levada em consideração a

subjetividade de cada aprendente e de cada ensinante1. Paín (2009: 17) afirma

que

na escola, ao mesmo tempo em que promovemos um conhecimento, promovemos também a emergência de sujeitos que se sentem mais seguros, capazes, felizes, à medida que dominam, ou que se apropriam do conhecimento transmitido. Permitir à criança apropriar-se de um conhecimento é lhe permitir fortificar seu ego, à medida que ela pode se constituir em uma personalidade mais segura, mais dominadora e mais responsável. Para o educador, esses dois aspectos aparecem ao mesmo tempo. Constatamos, entretanto, que, em decorrência de posturas dominadoras, a escola nem sempre desempenha um trabalho

                                                            1 Fernández (2001) traz em sua obra os termos aprendente e ensinante, os quais adotamos neste trabalho. Para a autora, os dois termos se interrelacionam, um depende do outro para existir. A criança aprende sozinha, por mais que a intenção do ser ensinante seja prioritária no processo de aprendizagem.

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competente. Ela domina, oferecendo menos elementos às crianças para pensar, pois seu domínio depende da manutenção da ignorância. É o colonialismo no nível de aula.

A função da educação escolar, além de transmitir conhecimentos, é a de

contribuir para a formação de sujeitos, inclusive porque, segundo Paín (2009: 15),

“o sujeito não é sujeito até que conheça. É sujeito porque conhece, e é sujeito a

esse conhecimento”. Sujeitos autônomos, criadores, capazes de pensar

autonomamente, que não se sujeitem à heterorregulação e que não sejam

acomodados, estes, Guilherme Castelo Branco (2004: 255) afirma serem,

segundo texto kantiano, “pacatas criaturas, tímidas, temerosas de pensar, decidir,

até de andar.”

A escola tem um papel cada vez mais importante no desenvolvimento de

sujeitos. Juntamente com a família, é a instituição em que as pessoas passam a

maior parte do tempo de suas vidas. Acácio Augusto lembra-nos da grande

presença que a escola ganhou nas nossas vidas hoje em dia:

a escola não é mais o lugar de uma etapa necessária ao desenvolvimento da criança e do adolescente, estabelecida pelo país, sob o controle do Estado, para uma educação de conhecimentos regulada por pedagogos e psicólogos. Ela perdeu o status de lugar especial, de etapa a ser cumprida ou um estágio a ser vencido para se atingir a vida adulta como um indivíduo preparado. Tornou-se um lugar familiar para toda a vida. Em seu interior se aprende conhecimentos e obediências, mas, também, é pra lá que se dirige a vida do bairro, das redondezas, da comunidade. A escola passou a ser um lugar de convívio onde se estuda, desfruta de lazer e se decidem coisas da vida entre os habitantes do local. (AUGUSTO, 2011: 117).

As quatro funções interdependentes da educação, constituída pela

dinâmica de transmissão da cultura, no processo de aprendizagem são, segundo

Paín (2008),

a. Mantenedora: responsável pela continuidade da espécie humana e pela

transmissão das aquisições culturais de uma civilização;

b. Socializadora: a utilização da linguagem transforma o indivíduo em

sujeito. O indivíduo transforma-se em sujeito social e se identifica com o

grupo, que com ele se submete ao mesmo conjunto de normas;

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c. Repressora: a garantia da sobrevivência específica do sistema que rege

uma sociedade, instrumento de controle e de reserva do cognoscível;

d. Transformadora: modalidades de militância transmitidas por meio de um

processo educativo que consiste não apenas na doutrinação e em

propaganda política, mas também nas formas peculiares de expressão

revolucionária.

Em resumo, “em função do caráter complexo da função educativa, a

aprendizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como

possibilidade libertadora.” (PAÍN, 2008: 12). O processo educativo compreende os

comportamentos dedicados à transmissão da cultura, seja pela instituição

específica, como a escola, seja pela família. Ambas as instituições servem,

paradoxalmente, tanto à conservação, como à transformação da sociedade.

A transmissão da cultura é sempre “ideológica, na medida em que é

seletiva e é própria da conservação de modos peculiares de operar, e, portanto,

serve à manutenção de estruturas definidas de poder”. (PAÍN, 2008: 18). Porém,

servem também às transformações, pois “é evidente que, se os sistemas

estabilizados precisam educar para conservar-se, os revolucionários necessitam

educar, com mais razão ainda, a fim de conscientizar e motivar a militância.”

(idem).

Uma educação libertária constrói-se desde os primeiros momentos de

aprendizagem da criança. Isso quer dizer que a família tem grande

responsabilidade nesse processo. “A pedagogia que vem depois, na fase escolar,

a pedagogia oficial, é padronizada. Trata-se de um complemento da doméstica.”

(FREIRE, 1988: 37). Roberto Freire ainda acrescenta:

é importante, sem dúvida, que a criança tenha condições de desenvolver a espontaneidade, criatividade e espírito crítico durante a primeira infância. Ao mesmo tempo, os pais não podem obstruir isso como geralmente fazem. Então queremos ‘explodir’ a estrutura familiar, também temos de tornar os pais acessíveis a uma pedagogia libertadora, profilática, em relação ao autoritarismo. (FREIRE, 1988: 39).

O desenvolvimento da criança começa no meio familiar. Sua família será

seu primeiro exemplo, primeira referência e, mais ainda: será por meio da troca,

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da intervenção da família que a criança aprenderá. Portanto, se constituirá como

sujeito também, pois o indivíduo “não é sujeito antes da aprendizagem, mas que

vai chegar a ser sujeito porque aprende.” (FERNÁNDEZ, 1991: 51).

“O problema de aprendizagem que apresenta, sofre, estrutura um sujeito,

se situa, entrelaça, sintomatiza e surge na trama vincular de seu grupo familiar,

sendo, às vezes, mantido pela instituição educativa.” (FERNÁNDEZ, 1991: 48)

Por isso, pode-se dizer que as características dos problemas de aprendizagem

diferenciam-se por suas causas ou origens, dividindo-se em dois grupos:

a. Os fatores internos ao grupo familiar e ao paciente (problema de aprendizagem-sintoma);

b. fatores de ordem educativa, relacionados com uma instituição educativa que rechace ou desconheça a capacidade intelectual e lúdica, a corporeidade, a criatividade, a linguagem e a liberdade do aprendente (problema de aprendizagem-reativo). (FERNÁNDEZ, 1991: 49).

Toda aprendizagem passa necessariamente pelo corpo. A apropriação do

aprendizado, quer dizer, o seu domínio, traz uma sensação corporal de prazer.

Fernández (1991: 59) diz que “a apropriação do conhecimento implica o domínio

do objeto, sua corporização prática em ações ou em imagens que

necessariamente resultam em prazer corporal.” Uma tarefa só poderá “ser

prazerosa se desenvolvida em um espaço de confiança e liberdade, com medida

e com possibilidades de apropriar-se do produto do seu trabalho” (idem:61).

O processo de aprendizagem perpassa quatro níveis do sujeito: o

organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. Os dois primeiros se diferem um do

outro por seus mecanismos, uma vez que o organismo trata de automatismos,

mecanismos involuntários e funcionamentos vitais corporizados do sujeito. O

corpo é o lugar onde o organismo funciona e é por meio da interação dele com o

meio que se aprende.

Embora organismo e corpo sejam tratados indiferentemente, para nós,

educadores, é necessário fazermos essa diferenciação. O organismo são todas

as nossas funções vitais e só nos damos conta dele quando alguma dessas

funções falha. São mecanismos involuntários, que não passam pela nossa

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consciência para funcionar. A suas falhas são emitidas por meio de sinais para

nossa consciência, em forma de dor, espirro, asfixia etc.

As nossas funções vitais, tais como nossos instintos, são automatismos,

que funcionam em e pelo nosso organismo. Eles são fundamentais para a

aprendizagem, pois

o organismo tem – dentro do que possa ser a aprendizagem – a possibilidade de inscrever os esquemas perceptivo-motores. O organismo é capaz de inscrever certo tipo de conhecimento de maneira que tenha o mesmo valor dos instintos, das respostas instintivas. Quer dizer que, no homem, coisas tão elaboradas como a escrita ou a palavra podem ser realizadas, num certo momento, como se fossem instintivas, tal como o canto dos pássaros. Isto porque a inscrição se faz no nível do organismo. (PAÍN, 2009: 64).

Sara Paín reforça a importância da automatização no processo da

aprendizagem: “a automatização permite que uma parte já não seja pensada –

que esteja inscrita –, para que o pensamento possa se preocupar em adquirir

novos conhecimentos.” (PAÍN, 2009: 64). A construção de novos conhecimentos

se dá a partir – ou sobre – o conhecimento já automatizado, portanto, apropriado

pelo aprendente.

O corpo, diferentemente de organismo, é o lugar onde acontecem as

coordenações perceptivo-motoras. É por meio dele, por sua interação com o meio

externo, no momento presente, que a aprendizagem ocorre. É, no organismo, que

fica armazenada a aprendizagem, quando apreendida. “O organismo,

transversalizado pela inteligência e o desejo, irá se mostrando em um corpo, e é

deste modo que intervém na aprendizagem, já corporizado” (FERNÁNDEZ, 1991:

62).

Entretanto, no corpo, não só é coordenada a percepção em todos os seus

níveis, com o movimento, como também são sentidos com o corpo “todos os

afetos (sentimentos e emoções). Tudo ressoa no corpo. Quer dizer que, em cada

movimento, ao mesmo tempo ressoa corporalmente um sentimento.” (PAÍN, 2009:

65).

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Tanto a inteligência quanto o desejo são estruturas que fabricam o

conhecimento nos níveis da objetividade e da subjetividade, respectivamente.

Elas se diferenciam pelas suas construções, ou seja, o modo como se dão os

seus mecanismos, suas operações e seus resultados. Enquanto a objetividade

instaura a realidade, a subjetividade se instaura na irregularidade. Tal realidade

se constitui por aquilo que está fora de nós, que não podemos modificar, é a

realidade do que é possível. Paín (2009: 19) diz que o subjetivo

se constitui na esfera do desejo e é o que nos diferencia como pessoa singular. O desejo é algo que falta; não existe na realidade. Para que haja desejo, tem que haver falta. Assim, o desejo se instaura em uma irrealidade.

Pensamos por meio da significação simbólica e pela nossa capacidade de

organização lógica – a primeira na esfera do desejo e segunda na esfera da

inteligência, simultaneamente. (cf. FERNÁNDEZ, 1991). Na ordem da inteligência,

“o pensamento é pensamento do que eu projeto como possível, dentro da

realidade. Na ordem do desejo, ao contrário, o que se pensa é o impossível.”

(PAÍN, 2009: 19). Entender o problema de aprendizagem é compreender como se

dá a relação que se estabelece entre a estrutura da inteligência, “de caráter

claramente genético, que vai se autoconstruindo, e uma arquitetura desejante,

que, ainda que não seja genética, vai entrelaçando um ser humano que tem uma

história” (FERNÁNDEZ, 1991: 67).

A inteligência é uma estrutura lógica, genética. O conhecimento se constrói

por meio de um trabalho lógico, a partir de ações, de experiências e intercâmbio

com a realidade, com o meio. Ela funciona por meio de mecanismos, definidos

por Sara Paín (2009: 25) como

determinadas reações de comunicação com o meio, que constroem os elementos sobre os quais o pensamento pode atuar. Os mecanismos vão captar as coisas exteriores e metabolizá-las para que possam ser digeríveis. Há uma série de mecanismos entre o que é matéria e o que é pensamento, para que possamos ter elementos de pensamento. Tenho primeiro que tornar os objetos cognoscíveis, antes de conhecê-los, porque eles não são imediatamente cognoscíveis. Tenho de transformá-

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los, para conhecê-los. Para passar da matéria ao pensamento, algo tem de se converter.

Segundo Piaget (1965, apud FERNÁNDEZ, 1991: 71), “todo conhecimento

é sempre assimilação de um dado exterior às estruturas do sujeito”. Piaget foi um

grande pesquisador do desenvolvimento da inteligência, especificamente da

criança. Dois mecanismos, trazidos por ele, são a assimilação e a acomodação.

“A assimilação seria a capacidade de o sujeito construir o mundo de acordo com

seus próprios esquemas. O mundo se converte naquilo que ele pode assimilar.”

(PAÍN, 2008: 25). Quando, porém, o mundo exigir transformações muito grandes,

nosso organismo se adapta, por meio da acomodação. “Ele se acomoda para

assimilar o que existe.” (PAÍN, 2008: 25).

São mecanismos inversos e complementares. Apenas após termos nos

apropriado do mundo, por meio dos nossos esquemas, é que poderemos

transformá-lo, isto é, apenas depois de tê-lo assimilado. Já a acomodação é o

processo de autoajustamento dos nossos próprios esquemas, com objetivo de

nos propiciar a assimilação, nos acomodarmos a um novo estímulo que nunca

experimentamos antes. Paín (2009: 27) explica que

todos os conhecimentos, todas as demandas de acomodação, exigem esquemas mínimos de assimilação. A acomodação vem da capacidade da criança de integrar todas as assimilações a um novo estímulo, que logo se converte em um esquema mais completo; e sucessivamente, cada vez conjuntos mais complexos vão passando a ser esquemas. Portanto, pela assimilação/ acomodação, se constroem os esquemas que servirão para aplicar as operações.

Outros dois mecanismos são a circularidade e inibição que, assim como os

anteriores, estão intrinsecamente ligados. A circularidade é a repetição contínua

de uma ação, como forma de automatizá-la. “Nós estamos sempre submetidos a

esse tipo de mecanismo, pois todo tipo de aprendizagem é repetida circularmente,

de modo a se automatizar.” (PAÍN, 2009: 27). A inibição é o processo de

identificar o domínio do próprio corpo, de modo a melhorar a ação que será

produzida por nós. “A inibição não é só a possibilidade de aprender, isto é, de

saber qual o movimento adequado para conseguir um fim, mas também a de

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alcançar um domínio do próprio corpo capaz de agir de maneira eficaz”. (PAÍN,

2009: 29).

Vemos a aprendizagem, necessariamente, como um processo, que se

realiza no momento da interação entre pessoas, que assumem explicitamente as

funções de ensinante e de aprendente.

Fernández (2001a) diferencia o saber do conhecer e os dois conceitos de

informação. Esclarece ainda que os primeiros são verbos, por carregarem a ideia

de ação, de processo. A informação é substantivo, por se tratar de dados

concluídos. Na aprendizagem, não se transmitem conhecimentos, mas sim sinais

de conhecimento – chamados de informações – que podem ser transformados e

reproduzidos. Por um lado, não se aprende com qualquer um – ao ensinante são

outorgados a confiança e o direito de ensinar; por outro lado, o aprendente

possui, em si, estruturas que lhe permitem converter os signos transmitidos em

conhecimento.

No entanto, conhecimento não é o mesmo que sabedoria, ou melhor,

conhecer não significa saber. Alicia Fernández (2001a: 63) explica essa diferença:

o conhecimento é objetivável, transmissível de forma indireta ou impessoal; pode ser adquirido através de livros ou máquinas; é factível de sistematização nas teorias; enuncia-se através de conceitos. (O conhecer tende a objetivar.) Em troca, o saber é transmissível só de modo direto, de pessoa a pessoa, experimentalmente; não se pode aprender através de um livro, nem de máquinas, não é sistematizável (não existem tratados de saber); só de pode ser enunciado através de metáforas, paradigmas, situações, histórias clínicas. O saber dá poder de uso, mas o conhecimento não..

Conhecer não significa poder colocar em prática certas informações. Saber

é a apropriação do conhecimento e, portanto, sua aplicação. “Poder e saber

relacionam-se. ‘Saber é saber fazer’, ‘saber e prática de saber estão intimamente

ligados’”. (FERNÁNDEZ, 2001a: 64). Segundo Bollas (1989, apud FERNÁNDEZ,

2001a: 65),

o saber não é instintivo, nem um bloco irremovível. Pelo contrário, esse saber, que embora careça de palavras conceituais para ser expresso,

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constrói-se pela experiência de vida na história do sujeito. O saber está sempre em construção.

A informação está fora do sujeito e só é transformada em conhecimento

quando o aprendente passa a conhecê-la. O aprendente precisa construir o

conhecimento e, para tanto, recorrerá ao seu próprio saber para dar sentido à

informação.

O mérito maior do ensinante não é mostrar apenas conteúdos de

conhecimento: “ser ensinante significa abrir espaço para aprender. Espaço

objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos simultâneos: a) construção

de conhecimentos; b) construção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante.”

(FERNÁNDEZ, 2001: 30). No processo de ensino e de aprendizagem,

entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde se situa o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para poder apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-lo de novo. É uma experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o ensinante. (FERNÁNDEZ, 2001: 29).

Muito importante no papel do ensinante é o desejo sincero de que o outro

aprenda. Esse desejo é percebido pelo aprendente, que sente em si o potencial

de aprender depositado nele pelo ensinante. Aí está o caráter da subjetividade,

que, muitas vezes, é esquecido no processo de ensino-aprendizagem. Nesse

sentido, o ensinante oferece ao aprendente a “autorização de um lugar de sujeito

pensante.” (FERNÁNDEZ, 2001: 29).

Assim como é essencial para a aprendizagem a crença do ensinante no

aprendente, o desejo do aprendente em saber também o é. Dominar certo

conteúdo, uma habilidade – como andar de bicicleta, tocar violão, falar uma língua

estrangeira, escrever – é mais do que o motor do aprender: é o terreno onde se

nutre a aprendizagem.

Em nossa sociedade, os ensinantes são os pais, parentes mais próximos e

também os professores e colegas de escola. “Embora os professores precisem

possuir informação, sua função principal não é transmiti-la, mas propiciar

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ferramentas e espaço adequado (lúdico) onde seja possível a construção do

conhecimento.” (FERNÁNDEZ, 2001: 31).

O ensinante cumpre exitosamente o seu papel quando o aprendente já não

precisa dele para realizar certa ação, pois se apropriou do conteúdo aprendido.

No processo de aprendizagem, em que haja prazer em aprender, a vontade de

aprender do aprendente deve preceder o ato de ensinar do ensinante. O ideal é

que as iniciativas de ensino-aprendizagem surjam do desejo de aprender em si,

de um processo subjetivo, e não devido a um objetivo final, tais como estudar

inglês para um exame de proficiência ou atingir uma meta para se ter promoção

no trabalho. Nessa situação, em que não há o prazer ou realização pessoal, não

se dá o processo da apropriação do objeto aprendido pelo aprendente.

O aprender é um pretexto para desfrutar de uma alegria compartilhada

entre aprendente e ensinante. Aprender, segundo Fernández (2001),

é apropriar-se da linguagem; é historiar-se, recordar o passado para despertar-se ao futuro; é deixar-se surpreender pelo já conhecido. Aprender é reconhecer-se, admitir-se. Crer e criar. Arriscar-se a fazer sonhos textos visíveis e possíveis. Só será possível que os professores possam gerar espaços de brincar-aprender para seus alunos quando eles simultaneamente os construíram para si mesmos. (FERNÁNDEZ, 2001: 36).

Um bom ensinante é um bom aprendente. Para ensinar, é preciso querer

aprender, pois o desejo de ensinar deve originar-se do desejo de aprender. A

grande prova de que o trabalho do ensinante foi bem feito é o fato de o

aprendente não precisar mais dele. O ensinante dá o protagonismo que leva o

aprendente a apropriar-se com alegria do que aprendeu e a desenvolver sua

autoria.

A interação entre aprendente e ensinante, no processo de aprendizagem,

começa pelo ensino do ensinante, porém termina na aprendizagem do

aprendente. E isso só é possível pelo desenvolvimento de autoria do aprendente

no processo, porque ele tem a oportunidade de praticar, tentar, arriscar-se e

apropriar-se do conhecimento no momento em que o ensinante lhe dá condições

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para tal, seja por meio de ferramentas, de orientação, mas, sobretudo pela

confiança depositada nele.

Essa sinergia só acontece quando o aprendente sente que o ensinante

está ao seu lado, compartilhando desafios e, ao mesmo tempo, a

responsabilidade. Dessa maneira, o aprendizado se torna de dupla autoria, de

uma parceria no qual ambos são os responsáveis pelo processo. As condições de

aprendizagem são as que caracterizam o conceito de autoria do aprendente. Essa

autoria só acontece porque o que o ensinante entrega ao aprendente não é o

conhecimento, mas os meios que lhe possibilitam se apropriar de tal

conhecimento. Como mencionado anteriormente, os meios são instrumentos

adequados ao aprendente, explicações acessíveis e, por fim, a cumplicidade para

acompanhá-lo durante o novo desafio.

Fernández (2001: 90) define autoria como o “processo e o ato de produção

de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante

de tal produção”. O reconhecimento é uma etapa essencial no processo de

desenvolvimento da autonomia. A autoria de pensamento inicia-se com o desejo,

quer dizer, quando o sujeito se reconhece um ser desejante de algo, portanto,

pode movimentar-se, produzir ações para alcançar o que deseja.

A autoria de pensamento é “condição para autonomia da pessoa e, por sua

vez, a autonomia favorece a autoria de pensar. À medida que alguém se torna

autor, poderá conseguir o mínimo de autonomia.” (FERNÁNDEZ, 2001: 91). O

pensamento não é autônomo, mas sim vinculado ao desejo, ao querer. Assim, a

autoria do pensamento possibilita a autonomia do sujeito.

A principal função do ensinante é a de ajudar o aprendente a desenvolver,

em si, a autonomia no pensar para que se torne autor de pensamento. Como a

autoria do pensamento possibilita a compreensão da própria existência, ela abre o

caminho para se alcançar a mais preciosa condição da humanidade: a liberdade.

O professor, capaz de fazer com que os estudantes descubram o quanto

eles pensam e de responsabilizá-los pelo pensado, abre caminho para a

liberdade. Um ensinante só é capaz de fazer pelo outro aquilo que faz por si

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mesmo – ele também deve reconhecer-se autor de pensamento e, portanto, livre

para pensar.

O autor é aquele que cria uma obra e, reciprocamente, se faz autor pela

obra. Conforme cria, dá-se conta de que é autor. De novo aprende com o que sua

própria obra lhe mostra, coisa que não conhecia antes de criá-la. A aprendizagem

que compreendemos aqui neste trabalho é o ato de produção, o processo

construtivo do autor e da obra. Neste momento, é que se desenvolve o conceito

de autoria: “em um entre, entre a obra e seu produtor (que, por sua vez, é

produzido como autor pela obra), pelo reconhecimento que o mesmo possa fazer

de si mesmo a partir do ato de encontrar-se em sua obra.” (FERNÁNDEZ, 2001:

97).

Os primeiros processos de aprendizagem de uma criança são essenciais

para que ela tenha boas ou más condições de se desenvolver autonomamente no

decorrer de sua vida. Desde pequenas, as crianças têm oportunidades de

desenvolver a sua autonomia e sua autoria. Pensar é fazer. Pensar é ação. Será

na interação com um adulto – que incorpora o papel ou função de ensinante – que

a criança poderá se reconhecer autora de pensamento, portanto, de ações, uma

vez que, como afirma Fernández (2001: 99), “para reconhecer-nos autor, torna-se

necessário que um outro nos acompanhe reconhecendo o sujeito como autor de

seu discurso.”

Vivemos uma época em que somos muito pouco estimulados a pensar,

pois isso não interessa à sociedade de consumo em que vivemos. “Quanto menos

pensam os consumidores, mais comprarão o lhes é oferecido.” (Fernández, 2001:

107). Ao nos oferecer tantas opções de consumo, a sociedade nos tira, inclusive,

a capacidade desejante. Temos de saber voltar para nós mesmos a fim de

resgatar esse desejo. Quando se perde a capacidade de desejar, perde-se

também a de pensar, portanto, a de aprender.

O próprio desejo de aprender é um desejo de autoria. A vontade de passar

por certa experiência é a vontade de obter o prazer de entrar em contato com a

construção, com a aprendizagem. Ao reprimir uma criança de viver experiências

lúdicas espontâneas, cerceia-se sua autoria de pensamento. Muitas das

dificuldades de aprendizagem apresentadas na escola são resultado da

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dificuldade de as crianças pensarem por conta própria, de não conseguirem

sentir-se capazes de pensar ou de ter sequer o interesse em conhecer, saber,

aprender o novo. Conforme aponta Fernández (2001: 106),

precisamos disseminar a ideia de pensar e entrelaçá-la com a experiência, a ação, a transformação. Pensar implica, necessariamente, transformar(se). Quando digo “Eu penso”, estou dizendo que estou construindo algo novo em relação ao que pensava antes.

A falta de contato com a experiência autoral, ou as más experiências, pode

fazer com que, como lembra a autora, nos momentos em que o estudante seja

solicitado a pensar por conta própria, tenha “sintomas individuais graves,

indicadores de angústia ou descontentamento, respostas reativas, psicoses e

problemas que a sociedade, em seu conjunto, não consegue encarar, como o

fracasso escolar, que é um processo da escola e não do aluno”. (FERNÁNDEZ,

2001: 107).

Após termos discorrido sobre o conceito que concebemos de educação,

vamos adentrar no conceito específico de Educação Linguística e suas duas

dimensões: a linguística e a pedagógica.

1.2. Conceito de Educação Linguística

A Educação Linguística (EL) é um processo de ensino-aprendizagem2, a

partir de uma relação horizontal entre ensinante e aprendente. A EL vê o

processo de aprendizagem como uma via de mão dupla – diferente da visão

tradicional do ensino de Língua Portuguesa, na qual o professor, como detentor

do saber, deposita no estudante seus conhecimentos sobre conteúdos

gramaticais e literários – em que o professor é visto como ensinante, e o aluno,                                                             2Esta é uma das perspectivas da EL, como área de pesquisa, como propõe o grupo da PUC-SP (PALMA, Dieli Vesaro et al, 2008).

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por sua vez, como aprendente. Esse aluno, porém, não tem o dever de acatar

tudo o que o professor lhe impõe como certo sobre o uso da língua.

Na EL, o professor funciona como mediador entre o saber a ser ensinado e

os aprendentes. Ele perde a posição autoritária sobre o aprendente e atua em um

ambiente de troca, no qual ambos constroem juntos o novo conhecimento sobre a

língua a ser abordado. Nessa nova perspectiva, a língua não é estudada a partir

da dicotomia do certo/errado, mas da adequação de suas diversas variantes

diante das situações de comunicação, incluindo a comunicação não verbal.

Portanto, na escola, estuda-se a linguagem.

O processo de ensino-aprendizagem da língua materna e a formação de

professores fazem parte dessa área de pesquisa em desenvolvimento da EL.

Esse fator tem sido objeto de grande preocupação, uma vez que os tempos

mudaram, obrigando o ensino, da educação básica ao nível universitário, a

adaptar-se às mudanças para cumprir sua missão.

Segundo Bechara (2006: 8), a EL “se constitui num promissor campo de

pesquisa e de resultados para a linguística e a educação”. Nas escolas de ensino

médio e nas universidades, onde tem sido sutil a influência científica dessas

pesquisas, na década de 1960, surgiu uma reação desastrosa ao chamado

tradicionalismo e à mudança (grifo do autor).

A EL defende a necessidade de se respeitar o saber linguístico que vem

com cada aprendente, mas não tira dele a possibilidade de ampliar e enriquecer

seu conhecimento inicial. É um erro quando se privilegia uma ou outra variante.

Todo falante deve ter domínio de diversas línguas funcionais para que possa se

comunicar e transitar em variadas esferas da sociedade. Para o autor, “o

indivíduo ‘dispõe’ dela [língua], para manifestar sua liberdade de expressão (...)

cada falante é um poliglota na sua própria língua” (idem: 13).

É dever do professor de língua portuguesa dar ao aprendente a liberdade

de se escolher a língua funcional3 que mais lhe convenha a cada momento de

produção linguística e de diferenciar as várias línguas que possam coexistir em

                                                            3 Línguas funcionais são as variantes linguísticas que serão faladas dependendo do objetivo do sujeito, no momento de interação verbal. A escolha da variante vai depender da função que ela terá. (Cf. BECHARA, 2006).

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determinadas situações de comunicação. Em síntese, a EL centra-se na

linguagem e não mais na língua. É dessa maneira que se obtêm os ricos recursos

da linguagem no ato de comunicar entre indivíduos de uma sociedade.

A EL, concebida por Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008), não se

restringe apenas ao ensino técnico da língua materna, mas sim à formação

integral do cidadão, de modo que ele tenha condições de exercer sua cidadania

plena. As linguísticas cognitivo-funcional e textual e trabalhos que priorizam o

discurso e a linguagem como ação estão na essência da EL.

Para os autores, a EL também é uma área de pesquisa em

desenvolvimento no que diz respeito ao ensino de língua materna,

cuja fundamentação teórica, do ponto de vista pedagógico, engloba conceitos como transposição didática, contrato didático, situações didáticas, a noção de obstáculo epistemológico, registros de representação, a teoria dos campos conceituais e engenharia didática. (PALMA, TURAZZA & NOGUEIRA JUNIOR, 2008: 221).

Pensando nessa concepção, não se pode desprezar o contexto político e

social em que o aprendente e o ensinante se encontram, pois tanto a escola

quanto o ensinante deverão adaptar-se aos seus tempos. Nos dias de hoje, o ato

educativo precisa ser visto na dicotomia ensino-aprendizagem. O eixo das aulas,

na escola contemporânea, não pode mais ser o ensinante, mas sim os

estudantes, aqueles que aprendem.

O processo de aprendizagem era considerado uma aquisição de

conhecimento, como lembra Paulo Freire (2005), em sua teoria sobre educação

bancária – na qual se “depositavam” conhecimentos nos alunos que, como caixas

eletrônicos, recebiam passivamente o que lhes era depositado. Hoje, o aprender

significa a produção de conhecimentos, com base nessa visão de ensino de

língua materna. Assim, a nova conjuntura exige transformações nos níveis

pedagógicos, técnicos e tecnológicos, para que a escola se adapte a seu tempo.

Nesse novo cenário, as ciências da linguagem passaram de uma linguística

do sistema (langue) para uma linguística do discurso. Isso fez com que o ensino

da língua também fosse repensado: passou-se a considerar o uso e não a

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homogeneidade da língua, priorizando a comunicação como tem proposto a

linguística cognitivo-funcional (cf. SILVA, 2004, apud PALMA, TURAZZA &

NOGUEIRA JUNIOR, 2008: 220).

Os autores reiteram a visão de Bechara (2006) sobre o papel da EL,

quando diz que a escola deve – ou deveria – tornar o estudante “um poliglota em

sua própria língua”, tendo condições de construir e desenvolver-se

linguisticamente em situações de comunicação. Para tanto, “além da competência

linguística, o falante deve ter ampliada sua competência textual, discursiva,

estratégica, estilística, entre outras.” (PALMA, TURAZZA & NOGUEIRA JUNIOR,

2008: 221).

Para ser coerente com a nova concepção de ensino da língua materna, a

EL substituiu termos para simbolizar os novos papéis assumidos. Ao substituir

aluno por aprendente, deixa mais explícito o processo pelo qual o indivíduo

deverá passar no seu aprendizado: ser sujeito, capaz de agir por meio do uso

adequado das formas linguísticas, ter uma postura ativa, produtiva, sem acatar

simplesmente o que lhe é ensinado. O papel do professor já não é o mesmo, mas

sim o de mediador “terminando com a hierarquia de poderes incutida nas antigas

designações professor/ aluno”. (GRAMMONT, 2011: 17).

O ensino da língua é visto como uma ação social, pois dá ao aprendente o

acesso à norma culta e às diversas variações que coexistem em uma

comunidade, manifestas nos mais diversos gêneros textuais que circulam na

sociedade. Ao fazer isso, a EL dá condições aos falantes de determinadas

comunidades linguísticas letradas de dominar um conjunto de conhecimentos

sócio-culturais.

Essa proposta pensa na formação do aprendente e do professor-ensinante.

Com foco no desenvolvimento da formação científica, a EL implica um novo perfil

de estudante: a de crítico-reflexivo. Muito diferente daquele que aplicava regras

ou estratégias sem compreender o porquê de seus usos, nem verificava seus

efeitos. Para que o ensinante garanta essa formação científica, ele também

deverá ter, em sua própria formação, essa mesma visão de ensino-aprendizagem,

tendo em conta que a graduação deverá ser apenas o começo de sua carreira

acadêmica.

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Os cursos de licenciatura devem, portanto, também garantir a formação de

professores poliglotas na sua própria língua, ou seja, que dominem

conhecimentos científicos e saberes a serem ensinados, interrelacionando a área

da linguística e a da pedagogia. Outro ponto importante que distingue a EL da

visão tradicional de ensino da Língua Portuguesa é a perspectiva da adequação e

da inadequação em função do seu uso, na diversidade de situações

comunicativas, que é visto ainda hoje, como erros e acertos gramaticais.

Para Lomas (2003: 14), o objetivo essencial da EL deve ser a melhoria da

competência comunicativa dos aprendentes, na sua dimensão expressiva e de

compreensão – o fazer com as palavras –, isto é, a

aquisição e o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e capacidades que permitem, nas nossas sociedades, um desempenho adequado e competente nas diversas situações e contextos comunicativos da vida quotidiana.

Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008), Lomas (2003) e Grammont

(2011) acreditam em uma visão de educação linguística que se opõe aos moldes

tradicionais de ensino da língua materna. Rechaçam o privilégio do conhecimento

técnico e dos aspectos estruturais da língua e valorizam o conhecimento dos

recursos comunicativos, ou seja, aqueles que dão condições aos falantes de

dominar os usos da linguagem não apenas como falantes, mas também como

ouvintes, leitores e escritores de textos de natureza e intenção diversas.

Gumperz e Hymes (1972: 7, apud LOMAS, 2003: 16) esclarecem que a

competência comunicativa refere-se à habilidade para agir e que

os analistas da competência comunicativa consideram os falantes enquanto membros de uma comunidade, como expoentes de funções sociais, e procuram explicar como eles usam a linguagem para se auto-identificarem e levarem a cabo as suas actividades.

Assim, fica claro qual deve ser o eixo da EL. Diferente do ensino de língua

estrangeira, em que o aprendente deve ser apresentado às estruturas básicas da

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nova língua a ser alcançada e a expressões diárias de comunicação (requisitos

que o falante nativo de uma língua domina), o ensino de língua materna deve

mostrar a adequação de uso da sua própria língua, tanto no aspecto formal como

no social. O usuário, em comunidade linguística, não aprende todos os recursos

de como e quando se devem usar determinadas expressões, nem as diversas

variações que sua língua apresenta.

É dever da escola, portanto, apresentar aos aprendentes as características

de situações de comunicação com as quais eles conviverão em sociedade para

se adequar melhor a elas, apontando suas características, tais como os

interlocutores, a finalidade, a formalidade e todos os canais: escrita, oral e formas

não verbais.

Segundo Michael Breen (1987, apud LOMAS, 2003), uma das

características mais significativas das perspectivas comunicativas sobre o ensino

da língua é fazer com que os aprendentes não só adquiram um saber linguístico,

mas também um saber fazer coisas com palavras.

Lomas (idem: 18) elenca as competências comunicativas que um falante

deverá dominar:

a. Competência linguística ou gramatical: (...) o conhecimento da gramática dessa língua e das suas variedades;

b. Competência sociolinguística: (...) o conhecimento das normas socioculturais, associada à capacidade de adequação das pessoas às características do contexto e da situação de comunicação;

c. Competência textual: (...) conhecimentos e habilidades para se compreender e produzir diversos tipos de textos com coesão e coerência;

d. Competência estratégica: (...) conjunto de recursos para solucionar problemas de comunicação, com finalidade de tornar possível a negociação do significado entre os interlocutores.

A aquisição da competência comunicativa só será bem sucedida, se for

trabalhada nas aulas de língua materna, na análise das estratégias verbais e não

verbais comuns em textos de circulação pública.

Lomas (op. cit.), ao se dirigir aos professores de língua materna, diz que o

bom resultado depende de uma mudança de postura em relação às suas aulas,

ou seja, eles devem refletir cotidianamente se suas ações têm contribuído, de

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fato, para o desenvolvimento da competência comunicativa de seus aprendentes.

Ele recomenda que o professor-mediador pense em que medida o conteúdo

linguístico selecionado e a forma como é abordado colabora para o aprendizado

das habilidades comunicativas do falar, escutar, ler, entender, escrever, no âmbito

não apenas escolar, mas social, do estudante.

Para ficar ainda mais clara a dimensão linguística da EL, como mencionado

anteriormente, apresentaremos, a seguir, alguns de seus elementos: linguagem,

língua, norma, variação linguística, gêneros textuais e texto.

1.2.1. Dimensão linguística Uma questão muito importante no ensino da língua materna são os temas

que guiam o professor em sua prática de sala de aula. Eles são a fundamentação

teórica que todos devem ter em sua formação e dominá-los para poder ensinar,

com propriedade, a língua materna e os ricos recursos que ela apresenta. Nesse

sentido, examinaremos as noções de linguagem, língua, norma, variedade

linguística, texto e gêneros textuais.

1.2.1.1. Linguagem O conceito de linguagem é tão importante quanto o que se deve ter sobre

educação, pois é ele que irá direcionar a prática docente nas aulas de língua

materna, no caso do Brasil, de Língua Portuguesa.

Existem três visões de linguagem: a primeira concebe-a como expressão

do pensamento – isso significa que o que se pensa é traduzido em fala. Se o

sujeito não se expressa “bem”, quer dizer que ele não pensa. Por essa

perspectiva, vê-se a enunciação como um ato independente das circunstâncias

que constituem a situação social e que depende apenas do que um indivíduo

traduz de seu pensamento.

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A segunda visão entende a linguagem como comunicação, portanto o que

está em jogo é a mensagem que se quer transmitir a outrem. A língua é vista

como estrutura – Saussure (2006) a chamaria de langue, vista de acordo com a

concepção estruturalista da língua, e Chomsky de competência, vista segundo a

concepção gerativo-transformacional.

Como lembra Carvalho (2010: 16), atualmente, parece que o ensino da

Língua Portuguesa, nas escolas brasileiras, tem-se baseado nessa concepção de

linguagem, pois “grande parte das aulas é dedicada ao ensino da gramática, mais

especificamente, de nomenclatura gramatical, ou seja, da língua como estrutura,

um código, sincrônico, homogêneo.”

Finalmente, a que vê a linguagem como forma ou processo de interação,

em que a realidade fundamental da língua é o diálogo, no lato sensu. A

enunciação depende das situações de comunicação, dos interlocutores e do

efeito de sentido que se quer conseguir. As linhas de pesquisas que trabalham

com essa perspectiva são todas as que, de alguma forma, estão ligadas à

Pragmática. É essa a perspectiva adotada pela EL, pois considera a linguagem

para além da estrutura da língua; a vê como uma construção, que se dá no

momento da interação.

1.2.1.2. Língua, norma e uso (variações linguísticas)

A língua, objeto de estudo da linguística, é um sistema composto por

palavras que formam frases que, por sua vez, podem formar textos. Dentro de

cada sistema, há uma possibilidade finita de usos, pois o princípio deles é o de

comunicação e compreensão mútua entre os integrantes de determinada

comunidade linguística.

Em uma visão estruturalista, estuda-se a língua apenas como um sistema

fechado de possibilidades entre seleções e combinações de palavras que foram

convencionadas, socialmente, para permitir o exercício da faculdade de

linguagem.

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Uma língua viva implica, necessariamente, a ideia de mudança e de

variação, isso porque, para que tenha esse status, ela precisa ser posta em uso

por seus usuários, e eles, enquanto estiverem vivos, estão suscetíveis às

mudanças sociais. Portanto, pode-se concluir que, conforme afirma Leite (2005:

183), “o uso propicia variações linguísticas”.

Há aqueles que relutam em aceitar a língua como uma entidade mutável.

Para eles, existe apenas uma forma de usá-la, e qualquer desvio é considerado

erro gravíssimo. Existem, porém, inúmeras possibilidades de uso, pois os

usuários de uma língua são variados e trazem, por meio da fala e da escrita,

muito de sua identidade.

Neste trabalho, consideramos a língua como um meio de comunicação

posto em uso por um grupo social que, com o fim de se fazer compreender

mutuamente por meio dele, constitui a comunidade linguística. (cf. Leite, 2005).

As variações linguísticas têm algumas origens: umas provindas do próprio

falante – referentes à sua origem geográfica e à sua classe social, categorizadas

de dialeto –, e outras, das circunstâncias em que são faladas, distinguidas pelo

grau de formalidade que elas exigem – chamadas por Halliday (cf. Leite, 2005) de

situação de comunicação em que o falante se encontra, categorizadas por

registros ou níveis de fala.

Se, por um lado, a língua é considerada um sistema de possibilidades de

realizações linguísticas, por outro lado, a norma, segundo Coseriu (apud LEITE,

2005: 186), é “um sistema de realizações obrigadas, de imposições sociais e

culturais, e varia segundo a comunidade”. As imposições são tacitamente

determinadas ou instituídas pelos próprios integrantes da comunidade linguística,

evidenciando a língua como uma instituição social.

Dentre tantas normas linguísticas coexistentes no Brasil – de acordo com

cada dialeto, de cada falante da língua portuguesa –, há uma denominada culta,

que é a linguagem padrão, que todos querem alcançar. O falante, no uso que faz

da língua, sofre duas pressões: a de falar como todos os integrantes da sua

comunidade e a de respeitar a norma materializada em manuais como gramáticas

prescritivas.

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É essa norma prescritiva, chamada culta, ensinada na escola, que possui

grande prestígio social e é considerada, hierarquicamente, superior às outras

normas. Se, por acaso, o falante desconhece a norma culta e faz um uso

inapropriado segundo a visão da comunidade, ele é repreendido, apesar das

variadas possibilidades de uso que a língua oferece.

No campo morfológico, por exemplo, a língua apresenta opções de

combinações entre bases nominais e sufixos, porém, nem todas são bem aceitas.

Iniciativas podem vir a ser aceitas, se passadas por importantes validações,

como, segundo Bechara (1990), a palavra de o léxico estar a serviço do texto,

seguindo as regras de formação e sua adequada expressividade de comunicação.

A Pragmática baseia-se no uso que se faz da língua na prática. Sua

perspectiva considera que há tantas normas quanto grupos sociais houver. (cf.

LEITE, p.193). A norma prescritiva, segundo a Pragmática, é o uso extraído da

língua literária (por isso, estagnada) que, por estar codificada e ser considerada

de maior prestígio social pela comunidade linguística, é a escolhida a ser

ensinada por meio da escola.

Leite (2005: 194) afirma também que a linguística antropológica parte do

princípio de que “a língua é um fato social, um veículo simbólico que, portanto,

não pode ser analisada fora do ambiente em que se atualiza”. Para Aléong (1983,

apud Leite, 2005: 180), autor dessa premissa, existe uma dicotomia na língua que

se classifica como normal/normativo, sendo que o primeiro refere-se à frequência

de comportamentos observados dentro de uma comunidade linguística, e o

segundo, ao que é imposto a essa comunidade por meio de um código rígido,

escrito. Existem, portanto, as normas implícitas – próprias de cada grupo social,

que se transformam, a partir do uso, de acordo com as atualizações dos falantes

próprias de cada interação – e as normas explícitas, codificadas e divulgadas,

sobretudo pela escola, gramáticas e dicionários. É necessário ressaltar que

ambas são consideradas e nenhuma é desprezada.

Embora a língua culta seja somente uma das muitas normas existentes em

uma comunidade, ela ganha um caráter que a difere das outras a partir do

momento em que ganha prestígio social e se torna parâmetro de maior, ou menor,

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conhecimento da língua. Quanto mais se domina essa norma, mais domínio se

tem dela.

É fundamental esclarecer que quem determina qual norma deverá ser

utilizada é a própria comunidade, dependendo da situação de interação. Como

lembra Bakhtin (2010: 262), “qualquer enunciado considerado isoladamente é,

claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos

relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do

discurso.” (grifos do autor). Consequentemente, se o gênero em que os falantes

estão atuando exigir a norma atualizada pela comunidade, os usuários deverão se

adequar à interação, assim como se ele exigir a língua culta, eles deverão

obedecer às regras da gramática prescritiva.

Sobre os termos dicotômicos norma culta X norma popular, há muitas

controvérsias, pois a própria conceituação dos termos é difícil de ser realizada.

Ficou, então, estabelecido que culta é a norma que mais se aproxima da tradição

da língua, da gramática prescritiva ou da norma explícita e, em oposição,

determinou-se que popular, ou menos culta, seria qualquer norma que se

diferenciasse da tradição.

A norma culta não tem os mesmos usos quando se trata da modalidade

oral. A partir das análises feitas pelo Projeto NURC/SP – Projeto de Estudo da

Norma Linguística Urbana Culta no Brasil, coordenado pelo Prof. Dr. Dino Preti,

notou-se que é falada uma linguagem comum, caracterizada por traços tanto da

norma culta quanto das normas populares.

As variações linguísticas, portanto, têm duas principais origens: o usuário

da língua, com suas características socioculturais, e o uso, que se diferencia por

seus registros formais e informais. Indissociáveis um do outro, devem estar em

acordo com o gênero discursivo, adequados à situação de interação.

Linguisticamente, a hierarquização se dá por quão profundamente se

conhecem os recursos linguísticos e, assim, com quanta facilidade um falante

pode transitar entre as normas coexistentes em uma língua, “sempre que a

interação exigir” (LEITE, 2005: 206). Os estudos linguísticos da variante culta

referentes à fala mostraram que, segundo Preti (1994, apud LEITE, 2005: 207),

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existe uma linguagem comum usada pelos falantes cultos que mistura tanto

características de usuários da língua tanto de baixa como de alta escolaridade.

A norma linguística de prestígio está fortemente associada aos valores

culturais mais do que aos de natureza ética, moral ou estética. A escolha pelo

português padrão como língua prestigiada, no caso do Brasil, é uma herança

colonial, que pode ser desmistificada. O uso que se faz da língua ilustra o status

social e cultural que determinado indivíduo possui ou ao qual pertence. O papel

da escola é ensinar a língua da cultura dominante e eliminar os seus desvios.

Pesquisas científicas da área da linguística apontam a relação direta entre

a padronização de uma língua e o nível de modernização de um Estado. O

problema de um código-padrão está no difícil acesso que a população tem a ele.

A escola deve levar em consideração as diferenças sociolinguísticas,

principalmente aquelas que são trazidas pelos próprios estudantes, sem

desrespeitá-los por não terem o domínio da língua padrão. O desafio é trazer o

estudante ao mundo letrado a partir do seu próprio mundo linguístico, valorizando-

o. Deve mostrar-lhe como dizer o que ele já sabe, porém de outras formas e

trabalhar a ideia de que ele terá, na verdade, que se adaptar às situações de

comunicação sempre que necessário.

A realidade linguística brasileira tem muitas peculiaridades que a difere das

de outros países. Por isso, existe a necessidade da busca por uma metodologia

mais apropriada para os estudos e análises dos usos linguísticos brasileiros. O

Brasil pode ser analisado sob duas perspectivas: por características de

sociedades tradicionais – em que há grande variação no repertório verbal e

acesso limitado à norma-padrão – e por marcas de sociedades modernas, como

uma maior permeabilidade de papéis sociais, permitindo a ascensão social e

maior fluidez nas variedades linguísticas.

Como no Brasil a língua padrão é associada diretamente ao prestígio

social, as diferenças contextuais e de situação de comunicação tornam-se

irrelevantes. É ainda mais complexa a tarefa da escola de agregar aos estudantes

uma nova variante – a padrão – sem detrimento das demais variantes,

conhecidas por eles. Esse quadro se intensifica quando se constata que “traços

fonológicos e morfossintáticos característicos de variedades populares fazem

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também parte dos estilos informais no repertório verbal dos falantes de língua-

padrão” (BORTONI-RICARDO, 2005: 29). Por isso, o desafio de uma política

educacional que, ao mesmo tempo, divulgue a língua-padrão e preserve as

variações populares, torna-se mais difícil de ser superado.

Propiciar o domínio das variantes linguísticas, para além da norma culta,

deveria ser a função da escola, segundo a EL, pois, assim, poderia formar

cidadãos poliglotas na sua própria língua, como propõe o Prof. Dr. Evanildo

Bechara (2006). Tanto as variantes linguísticas quanto os gêneros textuais são

linguagens que circulam em nossa sociedade, seja na modalidade oral, seja na

escrita.

1.2.1.3. Gêneros textuais

De acordo com Marcuschi (2008), anteriormente, o termo gênero era ligado

somente aos gêneros literários. Nos últimos anos, houve um grande número de

publicações em torno da questão dos gêneros textuais. Hoje, a noção se

expandiu não só aos estudos literários, mas a toda categoria de discurso. Essa é

a grande diferença dos estudos atuais.

No Brasil, existem várias tendências no tratamento dos gêneros textuais.

Dentre elas, podemos citar algumas das principais teorias: a sócio-histórica e

dialógica (Bakhtin); a comunicativa (Steger, Gulich, Bergmann, Berkenkotter);

sistêmico-funcional (Halliday); a sociorretórica, de caráter etnográfico voltada para

o ensino de segunda língua; a interacionista e a sociodiscursiva de caráter

psicolinguístico e atenção didática, voltada para a língua materna e a análise

crítica e sociorretórica, sócio-histórica e cultural. A perspectiva adotada para este

trabalho é aquela que surgiu a partir de Bakhtin e que hoje é desenvolvida por

autores como Marcuschi (2008), Bazerman (2009), Dolz e Schneuwly (2004).

Os gêneros textuais nascem da necessidade de se estabelecer novas

formas de interação dentro das esferas de atividade humana e têm o propósito de

atender a certa demanda. Além disso, servem como organizadores e

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“reguladores” das atividades executadas nessas esferas, já que, para facilitar a

comunicação, muitos deles mantêm algumas características bastante

semelhantes que são determinadas pelas esferas de atividade em que atuam,

funcionando como “espelhos”, pois refletem suas relações e suas formas de

organização.

Bakhtin (2010) afirma que é, por meio de enunciados concretos e únicos,

que a vida entra na língua, ou seja, os enunciados são unidades reais da

comunicação emanadas de um determinado indivíduo de uma determinada esfera

de atividade humana. Para esse autor, essas esferas são diversas e multiformes,

já que estão relacionadas com a vida e, consequentemente, com toda a sua

mudança histórica e social. Entretanto, toda vez que um indivíduo, integrante de

uma determinada esfera, se comunica, ele o faz por meio de enunciados que,

além de apresentar suas individualidades, mostram também características do

campo em que estão inseridos.

Nesses campos, constituem-se e atuam “tipos relativamente estáveis de

enunciados”, ou seja, os gêneros discursivos emergem com determinadas

condições e propósitos comunicativos a fim de facilitar a comunicação entre os

seus integrantes. Por isso, os gêneros só podem ser compreendidos dentro da

esfera da atividade humana em que se constituem e atuam, pois fora do seu

campo social, perdem seu caráter sócio-histórico, – aspecto fundamental para

entendê-los como atos sociais que “regulam” e organizam a vida social.

É importante destacar o caráter dialógico dos gêneros que, por serem

formas reguladoras de interação dos campos sociais ao qual estão vinculados,

não podem ser entendidos como modelos estanques e fechados a serem

seguidos. Dessa forma, o conceito de “regulador” precisa ser apreendido de forma

ampla.

Numa tentativa de conceituar os gêneros, Bakthin (idem) caracteriza-os por

seu conteúdo temático, sua construção composicional e por seu estilo. Ressalta

que o estilo está intrinsecamente ligado à natureza histórica dos gêneros, pois

eles refletem as mudanças sofridas ao longo do tempo pela esfera em que se

constituem e em que atuam.

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Bazerman (2009) também acata a mesma concepção, quando, ao

examinar o texto na sociedade, destaca que os gêneros textuais, por serem

categorias sócio-históricas, estão sempre em constante mudança e são o que as

pessoas reconhecem como gêneros em um determinado momento do tempo – ou

seja, estão intrinsecamente ligados à vida social e às transformações vividas em

sociedade. Esse autor observa que o homem, como ser social integrado a uma

determinada sociedade, deve agir colaborativamente, e os gêneros são formas

textuais típicas com finalidades específicas, utilizadas pelo ser humano em

determinadas situações com o objetivo de compartilhar significados, tendo em

vista propósitos práticos, ou seja, facilitar a comunicação no meio cultural a que

se encontra vinculado.

O autor destaca a origem dos gêneros que, na sua grande maioria, têm

como base a oralidade. Alguns deles são desmembramentos de gêneros

fundadores que vão se desenvolvendo num processo histórico-cultural interativo

dentro de instituições e atividades preexistentes. Nesse sentido, como Bakhtin

destaca, é importante trabalhar-se com a compreensão de seu funcionamento na

sociedade e na sua relação com indivíduos situados em uma determinada cultura

e suas instituições.

Partindo dessa observação, Bazerman (2009: 32) destaca os conjuntos de

gêneros – “coleção de espécies de textos que uma pessoa, num determinado

papel tende a produzir” – e sistemas de gêneros – “conjuntos de gêneros

utilizados por pessoas que trabalham juntas de forma organizada”. São esses

sistemas de gêneros que organizam a produção e a circulação de gêneros numa

dada instituição, pois, em geral, são extensões de outros preexistentes, embora

um esteja condicionado ao outro, formados por encadeamentos de uma série de

textos que se correlacionam. Mas, mesmo que os gêneros sejam bastante

tipificados, eles permitem mudanças porque os conhecimentos, tanto os

individuais quanto os partilhados, vivem renovando-se e adaptando-se aos novos

contextos.

Apesar de o conceito de gêneros textuais como fenômenos sócio-históricos

que se constituem como ações sobre o mundo ter se tornado muito conhecido, é

de extrema importância o aprofundamento do tema, com o objetivo de entendê-

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los no que se refere à sua funcionalidade, na prática educativa. Faz-se

necessário, neste momento, destacar a contribuição dos gêneros para ordenar e

estabilizar as atividades comunicativas cotidianas, pois, assim podemos

compreendê-los como formas indissociáveis de qualquer situação comunicativa,

já que surgem da necessidade de se facilitar a comunicação no meio cultural a

que se encontram vinculados, como postula Bazerman (2009).

Para Dolz & Schneuwly (2010), é, por meio dos gêneros textuais, que as

práticas de linguagem se materializam na escola e fornecem suporte para a

atividade nas situações de comunicação fora dela, constituindo-se numa

referência para os aprendentes. Comprova-se, dessa forma, a afirmação de

Schneuwly (idem) de que se aprende a escrever a partir da apropriação dos

utensílios da escrita.

Os gêneros como entidades culturais intermediárias, cuja finalidade é a de

consolidar os elementos formais e rituais das práticas da linguagem, têm papel

fundamental na aprendizagem, uma vez que podem funcionar como um mega-

instrumento para oferecer apoio para a atividade nos contextos de comunicações

e, ainda, uma referência aos alunos, conforme asseguram Dolz & Schneuwly

(1999). Entretanto, ao trabalhar com gêneros, a escola forçosamente produz

“...uma inversão em que a comunicação desaparece quase totalmente em prol da

objetivação e o gênero torna-se uma pura forma linguística cujo objetivo é o seu

domínio” (DOLZ & SCHNEUWLY,1999: p. 8).

Partindo dessas considerações e buscando realçar o papel central dos

gêneros como objetos e instrumento para o desenvolvimento da linguagem,

segundo Doz & Schneuwly(idem), é preciso levar em consideração os objetivos

da introdução de um determinado gênero na escola. Além disso, é preciso

considerar que eles sofrerão transformações, pois não estão mais no lugar social

em que foram originados. Assim, o gênero, no espaço escolar, perde sua função

e seu propósito comunicativo, tornando-se apenas modelos estanques a serem

seguidos ou instrumentos para a correção gramatical.

Estudar a língua por meio das práticas sociais de linguagem é deixar de

realizar, na escola, o ensino de língua como sistema de regras, como se tinha

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antes, como orientação. O que se quer hoje para a educação básica é o ensino

da língua materna, visando a formar cidadãos críticos e não teóricos linguistas.

Os gêneros caracterizam-se como eventos textuais muito flexíveis,

dinâmicos e plásticos; são praticados de acordo com as necessidades e

atividades socioculturais; e, são entidades sociodiscursivas e formas de ação

social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. (MARCUSCHI, 2004).

Guimarães (2005) afirma que, apesar de a escola trabalhar com gêneros,

seus ensinamentos ficaram sempre restritos aos aspectos estruturais ou formais

do texto que, dificilmente, são utilizados como objeto de ensino. Constata,

também, que a proposta pedagógica vigente, relativa aos gêneros textuais, ainda

não foi apropriada pelos docentes da escola brasileira.

Um ponto preocupante nessa nova perspectiva de ensino é que os gêneros

transformem-se em um modismo, como ressalta Biasi-Rodrigues (2002). O fato

de os estudos serem muito recentes, não houve tempo suficiente para que os

maiores interessados no assunto, os professores, pudessem se apropriar dos

conceitos e colocá-los em prática de maneira adequada. Portanto, há chance de

que continuem fazendo o que sempre fizeram, apenas passando a chamar essa

prática de gênero textual, uma vez que recebem “orientações pedagógicas”

impostas sem as devidas orientações.

Guimarães conclui que somente um sério trabalho de formação docente

poderá mudar essa realidade nacional. Ao ser implementado, esse trabalho

deverá possibilitar que o professor saia do papel de mero expectador da realidade

da sala de aula para se envolver no próprio processo de formação, permitindo que

os conhecimentos produzidos na academia integrem o universo escolar.

Os mais recentes estudos e pesquisas voltados para o ensino da língua

portuguesa mostram que o ensino, na perspectiva do gênero textual, pode ser um

recurso dos mais apropriados para o desenvolvimento da expressão oral e escrita

da língua materna.

Houve a inclusão desse aspecto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de

Língua Portuguesa, dos 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A

questão que também se vem discutindo é a aplicação das teorias nas práticas

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escolares. Isso, porém, não é um problema novo, pois já faz tempo que se

questiona a viabilidade de os professores colocarem em prática o que os

pesquisadores constatam em suas investigações acerca de educação e ensino de

língua. Há muitos avanços das teorias; no entanto, eles não têm interferido ou

influenciado em mudanças na dinâmica dentro das salas de aula.

Enquanto as pesquisas evoluem, o corpo docente continua alheio à

evolução e, com a formação inicial que chega às escolas, não tem condições de

atualizar o ensino. Como de praxe, os professores são deixados de lado nas

decisões e recebem prontas e fechadas novas metodologias baseadas nos mais

recentes estudos que não dominam. Por isso, lhes falta a competência devida

para a prática apropriada.

Preocupados com a adequada compreensão e assimilação dos gêneros

textuais pelos alunos, Dolz, Schneuwly e Noverraz (2010) elaboraram as

chamadas “sequências didáticas”, que são um conjunto de atividades escolares

organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral e

escrito. A EL elege o gênero textual como base do ensino de Língua Portuguesa,

pois é, por meio dele, que os aprendentes interagem e interagirão socialmente,

quando adultos.

1.2.1.4. Texto

Pelo fato de, em algumas línguas, os termos texto e discurso serem

empregados como sinônimos, houve uma preocupação em fazer a distinção entre

eles para assim esclarecer em qual acepção será tomado o texto.

Ele pode ser tomado no sentido amplo (lato) como toda e qualquer

manifestação da capacidade do ser humano de expressar-se, como uma música,

um filme, uma escultura, um poema etc. Em se tratando de linguagem verbal, há

o discurso – atividade comunicativa que engloba o conjunto de enunciados

produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos diálogos) e o

evento de sua enunciação. (cf. FÁVERO, 2009).

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Em sentido estrito, o discurso é manifestado, linguisticamente, por meio de

textos. Nesse caso, o texto consiste em qualquer passagem falada ou escrita que

forma um todo significativo, independente de sua extensão. Trata-se de um

contínuo comunicativo contextual caracterizado pelos princípios de textualidade.

(cf. KOCH & FÁVERO, 2007: 26). Quando concebido como resultado parcial de

nossa atividade comunicativa, o texto realiza-se por meio de processos,

operações estratégicas que têm lugar na mente humana e são postos em ação

em situações concretas de interação social. Koch & Vilela (2001) destacam que

a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e, portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades; trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade teológica que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal; é uma atividade interacional, orientada para os parceiros da comunicação, que, de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade de produção textual.

Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias (2008) afirmam, no livro Ler e

compreender os sentidos do texto, que o texto é

lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; que, por meio de ações linguísticas e sociocognitivas, constroem objetos-de-discurso e propostas de sentido, ao operarem escolhas significativas entre múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes põe a disposição.

Essa concepção implica que, em todo e qualquer tipo de texto, há

implícitos dos mais variados tipos a serem desvendados por meio da interação

entre autores e leitores, no momento da leitura. Essa é a visão que a EL tem de

texto.

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1.2.2. Dimensão pedagógica

Apresentada a dimensão linguística, nesta segunda parte do capítulo,

abordaremos a outra dimensão que compõe a EL: os seus aspectos pedagógicos.

Aqui, trataremos da transposição didática referente à adequação que determinado

saber a ser ensinado será submetido para que possa ser aprendido da melhor

forma, pelo estudante. Focalizaremos também o contrato didático, que deve ser

articulado entre as partes diretamente relacionadas no processo de ensino-

aprendizagem para que ele seja possível. Em seguida, veremos as situações

didáticas que caracterizam a situação em que esse processo se dará e também

sinalizaremos que o professor-mediador deverá tomar cuidado com os obstáculos

epistemológicos que poderá encontrar no caminho, para que, no lugar de ensinar,

não confunda ainda mais seus aprendentes. Finalmente, abordaremos os

registros de representação, as teorias dos campos conceituais e de engenharia

didática.

1.2.2.1. Transposição didática

A transposição didática descreve as transformações pelas quais passam os

saberes científicos a fim de se tornarem saberes a serem ensinados, “é o estudo

dos processos evolutivos pelos quais passa a formação do objeto de estudo”

(PAIS, 2010: 11). As noções de transposição e saber estão, essencialmente,

conectadas entre si – é comum que se remeta à transposição para que seja

possível a síntese de saberes.

Enquanto o saber é descontextualizado e relacionado a contextos

científicos histórico-social, o conhecimento se refere a contextos individuais e

subjetivos, podendo estar relacionado ao caráter empírico. Segundo Chevallard

(1991, apud PAIS, 2010: 15),

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um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar ente os objetos de ensino. O trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado transposição didática.

Existem verdadeiras criações didáticas – termo proposto por Chevallard –

que são agregadas à lista oficial dos conteúdos dados pela escola com o intuito

de tornar a aprendizagem mais fácil. São justamente elas que diferenciam o saber

científico do saber ensinado. A transposição didática pode ser analisada com

base em três saberes: o saber científico – diretamente associado à vida

acadêmica–, o saber a ensinar – ligado a uma forma didática, que serve para a

apresentação do saber ao estudante, comumente encontrado nos livros didáticos,

programas, outros materiais de apoio – e o saber ensinado – que coincide com a

intenção nos objetivos programados, registrados nos planos de aulas do

professor.

É natural que o saber científico não esteja diretamente vinculado ao ensino

médio e fundamental, porém ele deveria contribuir para o desenvolvimento crítico

do aprendente, dando preferência aos valores éticos da educação. Para que esse

saber seja ensinado a estudantes adolescentes, é necessária uma transformação

por meio de um trabalho didático efetivo para a prática educativa. Surge, assim,

uma metodologia pautada em uma proposta pedagógica.

O saber a ensinar exige a criação de um modelo teórico que ultrapassa as

fronteiras do saber técnico, específico. Nessa etapa, predomina uma teoria

didática voltada para a atividade do professor.

O saber ensinado é o conteúdo registrado no plano de aula do professor,

nem sempre coincidente com o saber a ensinar. Não se pode garantir que,

individualmente, o resultado de aprendizagem coincida com o conteúdo ensinado

e, por isso, é possível que o seu significado original (saber científico) praticamente

desapareça. Ele está sob o controle do contrato didático estabelecido na relação

professor-aluno. Portanto,

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a transposição didática significa uma maneira de expressar o verdadeiro espírito de vigilância intelectual na prática educativa. [grifo do autor] [...] No contexto educacional, interessa destacar o problema da transposição das práticas sociais para o contexto escolar. [...] Proporcionar uma educação mais próxima da realidade e minimizar os efeitos impositivos da uma “cultura escolar”, nem sempre legítima do ponto de vista social. (PAIS, 2010: 44).

O conteúdo escolar não deve se reduzido ao senso comum. É preciso que

ele se constitua no saber do aprendente. Atualmente, avaliações como SAEB e

ENEM mostram que saberes e competências, que deveriam ser aprendidos, não

o são.

A transposição didática é um modelo teórico que aponta para uma possível

perda de significado do saber, ao transformar o saber científico em saber a

ensinar. Ela envolve noções que, mesmo sendo necessárias à aprendizagem,

com muita frequência, não são ensinadas.

Da mesma forma que existe um estudo para quais saberes serão

ensinados e como realizar seu ensino, para que essa transposição de saberes

seja posta em prática, é necessário que se prepare o ambiente para isso. Esse

preparo direciona-se, então, para a relação dos agentes envolvidos no processo

de ensino-aprendizagem, por meio de um contrato didático, que rege a relação

didática construída.

1.2.2.2. Contrato didático

A relação didática professor-saber-estudante é regida por cláusulas, nem

sempre explicitadas, que constituem o chamado contrato didático. Essas

cláusulas referem-se ao comportamento do estudante esperado pelo professor e

vice-versa.

O contrato didático existe em função da aprendizagem do estudante. A

partir do momento em que o contrato didático permanece sem alteração por muito

tempo, atitudes e procedimentos de professores persistem os mesmos. Por essa

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razão, os estudantes estão acostumados a ser cobrados e a ter também

determinadas ações e reações específicas.

Apesar de a maior parte das regras ser implícita, elas não deixam de ser

coercitivas e cumpridas. Em alguns momentos, elas podem ser explicitadas, como

na apresentação de uma atividade específica, em que se fará necessário o

estabelecimento do que o professor espera do estudante para o trabalho e os

critérios utilizados para a correção. Essa definição de regras, inclusive, faz parte

da apresentação do curso aos educandos.

A ruptura do modelo antigo de contratos didáticos é bem-vinda para a

garantia do aprendizado dos estudantes. São valorizados os contratos com

aprendentes que possuem semelhança com a figura do pesquisador e com

atividades iniciadas por situações-problema em que os educandos resolvem

questões e, ao final, o professor sistematiza o conceito que se pretende construir.

Nesse contexto, o erro não é mais uma falha, mas, sim, uma contribuição para a

construção do conhecimento.

A estratégia adotada de ensino definirá o contrato didático a ser

estabelecido e, posteriormente, adaptado a diferentes contextos: escolhas

pedagógicas, tipo de atividades solicitadas aos estudantes, objetivos de formação

etc.

O item a seguir tratará da forma como os saberes, então selecionados e

adaptados ao ensino, serão apresentados aos estudantes. Essas formas são

chamadas de situações didáticas. São situações que favorecem a interação e a

construção conjunta entre professor-mediador e aprendentes, de um novo saber.

1.2.2.3. Situações didáticas

Segundo Brousseau (1986, apud FREITAS, 2010: 77), as situações

didáticas são as formas de apresentação de um saber a estudantes,

possibilitando uma melhor compreensão do fenômeno da aprendizagem. Esse

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autor vê a base do trabalho didático na problematização e tem como hipótese que

se “aprende por adaptação a um meio que produz contradições e desequilíbrios.”

(FREITAS, 2010: 78).

A situação didática representa uma referência para o aprendizado em sala

de aula, englobando o professor, o aprendente e o conhecimento. Esse

componente do processo de ensino e aprendizagem valoriza os conhecimentos

trazidos por estudantes, seu envolvimento na construção de novos saberes e

também o trabalho do professor, que consiste em criar condições suficientes para

que o aluno se aproprie de conteúdos específicos.

O meio é um dos elementos importantes da situação didática, pois é nele

que se provocam transformações – com o fim de desestabilizar o sistema didático

– e o aparecimento de conflitos, contradições e possibilidades de aprendizagem

de novos conhecimentos.

A situação didática será caracterizada por uma intenção do professor de

possibilitar a aprendizagem de um determinado conhecimento pelos estudantes.

Para Brousseau (1986: 8, apud FREITAS, 2010: 80),

uma situação didática é um conjunto de relações estabelecidas explicitamente e ou implicitamente entre um aluno e um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a estes alunos um saber constituído ou em vias de constituição (...) o trabalho do aluno deveria, pelo menos em parte, reproduzir características do trabalho científico propriamente dito, como garantia de uma construção efetiva de conhecimentos pertinentes.

Por essa perspectiva, o papel do professor é criar condições para que o

estudante aprenda, em menos tempo, noções que demorariam muito para serem

construídas. Sua função vai além da mera comunicação de conhecimentos, mas o

que Brousseau chama de devolução, uma transferência de responsabilidade. O

professor deve seduzir os educandos para o aprofundamento em determinado

conteúdo, de maneira que aprendam não apenas porque alguém quer, mas, sim,

porque eles têm interesse. Se esse interesse ocorre, começa então o processo de

aprendizagem.

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Outra característica essencial das situações didáticas é a independência

dos estudantes no processo de aprendizagem, sem o controle direto do professor

sobre o conteúdo ministrado. O mestre poderá passar aos aprendentes a

responsabilidade da pesquisa, criando condições para se apropriarem da

situação. Esta é, segundo Brousseau (idem), a chamada situação adidática,

associada à proposta construtivista no sentido de levar o aprendente à produção

de conhecimento, ou seja, a ser autor de novos conhecimentos por meio da

pesquisa. As situações adidáticas não podem ser confundidas com situações não-

didáticas, aquelas que não foram planejadas visando à aprendizagem.

Um tipo de aprendizagem apontada por Brousseau (cf. Freitas, 2010) é a

aprendizagem por adaptação – que se opõe à tradicional memorização e

automatização de conhecimentos –, pela qual o aprendente terá de se adaptar a

novos desafios, colocados para ele nas situações didáticas.

As situações didáticas, caracterizadas pelas situações adidáticas no seu

percurso, são a principal diferença entre o ensino tradicional – que implica a

transmissão de conhecimento pelos professores e meras técnicas de fixação

pelos estudantes – e a proposta da Educação Linguística. No percurso, deve

haver condições para que o aprendente chegue, por ele mesmo, a conclusões e

consiga desenvolver-se autonomamente. Para que esse trabalho autônomo dos

sujeitos aprendentes efetivamente aconteça, eles deverão ser continuamente

estimulados e motivados a pesquisar e superar suas dificuldades, obtendo

conquistas por seu próprio mérito, desenvolvendo seu próprio caminho de

superação. Em algum momento da situação didática, será necessário que o

professor sistematize o conteúdo em questão – vale lembrar que sempre haverá

um conteúdo em questão – e, nessa circunstância, a situação caracterizar-se-á

novamente pelo controle do ensinante.

Os desafios postos aos aprendentes deverão estar de acordo com o nível

de conhecimento, respeitando a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP),

conceito proposto por Vygotsky (2007), cujos limites variam de indivíduo para

indivíduo em relação a diferentes âmbitos de desenvolvimento, tarefas e

conteúdos. E a pessoa mais indicada para essa escolha é o professor da turma,

pois tem mais contato com ele e assim conhece melhor a sua realidade.

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Brousseau (op. cit.) categoriza algumas situações didáticas e adidáticas. A

situação adidática de ação implica, necessariamente, um aspecto empírico do

conhecimento, sem a preocupação de resultar em uma teoria que esclareça ou

justifique a validade de sua conclusão. Na situação adidática de formulação, o

estudante fará inferências no decorrer da sua interação com o problema proposto,

sem a obrigação nem a cobrança de validação. Já a situação adidática de

validação, indissociável da de formulação, é aquela em que os aprendentes

pretendem validar ou refutar proposições, no que se refere tanto ao

conhecimento, quanto às elaborações e declarações a propósito dele.

A situação de institucionalização é justamente a que, após ter apresentado

o problema e dadas as condições para que ocorram as situações adidáticas – nas

quais os estudantes são protagonistas de seu próprio aprendizado pesquisando e

indo a campo –, o professor volta à cena com a sistematização dos problemas

vividos, proposições formuladas e validadas a respeito deles e, em conjunto com

os estudantes, finaliza a situação didática do conteúdo em questão.

Como o objetivo da educação linguística não é apenas que o aprendente

saiba obedecer às regras da norma culta, mas transitar por quantas normas

linguísticas as interações o exigirem – adequando sempre a sua linguagem à

situação de comunicação –, as situações didáticas possibilitam uma melhor

apreensão desse saber escolar pelo aluno.

O essencial das situações adidáticas é a ideia de que o professor não

entrega aos estudantes as respostas, mas faça com que eles sejam autores do

conhecimento, tornando essa aprendizagem mais significativa e podendo

reproduzir essa mesma situação escolar em situações de vivências pessoais,

ainda que não seja com a finalidade educacional.

A situação adidática só é possível por meio do estabelecimento do diálogo

entre o ensinante e o aprendente. Assim, está nas mãos do ensinante oferecer

oportunidades de participação do aprendente no processo de aprendizagem.

Segundo o processo de aprendizagem da psicologia genética de Piaget (apud

Freitas, 2010), o aprendizado ocorre sempre por meio da adaptação a uma

situação de contradição e dificuldade, de maneira que o aprendente possa

reorganizar seu pensamento na construção do saber. Dessa forma, o aprendente

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assimilará o conteúdo ensinado. As situações didáticas e adidáticas propiciam o

desenvolvimento do pensamento autoral e a constituição de sujeitos, uns dos

objetivos da EL.

Em oposição a essa visão construtivista de aprendizagem, existe o método

tradicional de ensino, que se baseia no conteúdo, sustentando-se na

aprendizagem a partir de métodos de memorização. É verdade que, em alguns

momentos da aprendizagem, faz-se necessária a fixação e memorização de

certos conteúdos. Esse método parece ser muito benéfico, porém não se pode

basear-se inteiramente nele quando falamos em EL.

Como recurso para transformar um conteúdo científico em didático, ou

seja, mais fácil de ser aprendido, muitas vezes os professores criam espécies de

macetes, fórmulas, esquemas para ajudar aos alunos a entenderem aquele

conteúdo. O problema aparece quando o aluno fixa apenas o macete e não o

saber em si. Nesse caso, esse “recurso” pode se transformar em um obstáculo

epistemológico, que é justamente o que veremos a seguir.

1.2.2.4. Obstáculo epistemológico

Segundo Houaiss & Villar (2003: 204), a epistemologia tem dois possíveis

significados: o primeiro é o “estudo do conhecimento, especificamente o

conhecimento científico, sua natureza, seu processo de aquisição, seu alcance e

seus limites, e das relações entre o objeto do conhecimento e aquele que o

busca; a teoria do conhecimento”; o segundo é o “estudo sobre o conhecimento

científico, seus diferentes métodos, suas teorias e práticas, sua evolução na

história e no desenvolvimento das sociedades; teoria da ciência”.

Como o estudo do conhecimento científico, a epistemologia apresenta

muitas facetas: histórica, filosófica, social ou psicológica. A epistemologia clássica

considerava a ciência como “uma acumulação linear e contínua das descobertas

mais ou menos individuais” (IGLIORI, 2010: 118); em contrapartida, estudos

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contemporâneos afirmam que, ao longo do desenvolvimento do conhecimento

científico, produzem-se mudanças muito importantes e inesperadas.

Segundo Brousseau (1983 apud IGLIORI, 2010), a análise epistemológica

permite a um pesquisador, no campo da Educação Matemática, a identificação de

obstáculos entre as dificuldades encontradas no processo de aprendizagem.

Permite também ao didata medir as disparidades existentes entre o “saber sábio”

e o “saber a ser ensinado” [grifo nosso].

A noção de obstáculo epistemológico – por meio do qual se assenta o

conhecimento científico – apareceu, pela primeira vez, em Bachelard (1938, apud

IGLIORI, 2010: 120), no livro A formação do espírito científico. No ato do conhecer,

da aprendizagem, aparecem as perturbações e as lentidões, causa da inércia do

pensamento, chamadas, por ele, de obstáculos epistemológicos, que aderem ao

conhecimento não questionado.

No entanto, foi Brousseau (1983 apud IGLIORI, idem: 123) quem trouxe esse

conceito para a Educação Matemática, como meio de identificação de causas de

dificuldade de aprendizagem, constitutivo de um saber mal-adaptado e como

ferramenta de análise para erros recorrentes e, portanto, não aleatórios cometidos

por estudantes. A partir desses estudos, o erro passou a ser visto de outra forma:

o que antes era tomado como ignorância ou incerteza começou a ser considerado

“efeito de um conhecimento anterior, que tinha seus interesses, seus sucessos,

mas que agora se revela falso ou simplesmente mal adaptado”. (BROUSSEAU,

1998: 119 apud IGLIORI, 2010: 126).

Entre os três tipos de obstáculos, no sistema didático, considerados por

Brousseau, estão os de ordem epistemológica, de que não se pode nem se deve

escapar, pois se constituem no conhecimento visado. (cf. IGLIORI, 2010: 128).

Duroux (1982, apud IGLIORI, 2010: 128) reitera essa nova perspectiva sobre

os obstáculos epistemológicos, outrora considerados erros e sinais de ignorância,

afirmando que

um obstáculo é um conhecimento, uma concepção, não uma dificuldade, ou falta de conhecimentos. Esse conhecimento produz respostas

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adaptadas num certo contexto, frequentemente reencontrado. Mas ele engendra respostas falsas a esse contexto.

Como exemplo de obstáculos recorrentes na EL, podemos citar o caso do

uso das vírgulas que, desde as séries iniciais, os estudantes aprendem que nunca

se deve usá-las antes da conjunção aditiva ‘e’; elas servem apenas para separar

termos enumerados, ou que o seu uso é sempre obrigatório quando há uma

pausa/ respiração ao longo do texto. Mais adiante, esses alunos verão que o seu

emprego não se restringe a apenas esses casos, mas a outros tantos que podem,

inclusive, conflitar com essas primeiras regras apreendidas.

Outro caso recorrente no ensino de língua materna são os chamados

“macetes”, muitas vezes ensinados em cursinhos pré-vestibulares, quando os

aprendentes têm um curto prazo para rever muitos conteúdos. Esses “macetes”

são como fórmulas que os ajudariam a encontrar certos termos de orações, no

caso da análise morfossintática, por exemplo, ao identificar os objetos diretos ou

indiretos com termos que respondas às perguntas “o quê?” e “a quem?”. Dessa

forma, os professores estão estimulando os aprendentes a identificar, de forma

equivocada, um termo da oração e não a entendê-lo efetivamente, podendo, em

outro momento, não saber se adequar a variadas complexidades de análise a que

poderá estar exposto.

A EL preocupa-se com os obstáculos epistemológicos, na medida em que

impossibilitam a construção do conhecimento pelos aprendentes. Além disso, eles

podem trazer uma ideia equivocada do estudo da língua materna, pois uma vez

que são aprendidos macetes e não construídos conhecimentos, o que é feito em

sala de aula fica esvaziado de sentido. Dessa forma, os aprendentes não

entendem a função das aulas de língua, formando-se um bloqueio no

aprendizado.

Outro aspecto da dimensão pedagógica são as formas de representação

de um mesmo saber científico. Um dos objetivos didáticos no ensino da língua

portuguesa é que os estudantes possam interpretar diferentes textos e identificar

também se eles estão representando um mesmo conteúdo, ou não. Assim como

fazê-los produzir, sempre que haja necessidade, uma mesma ideia, por formas

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diferentes de representação. Esse tópico são os registros de representação

discutidos a seguir.

1.2.2.5. Registros de representação

Pesquisas no campo da educação matemática apontam grande

preocupação com a aquisição de conhecimentos, seu desenvolvimento e, mais

ainda, como se dão os seus registros de representação no processo de

aprendizagem. É importante, então, diferenciar o objeto de estudo e a sua

representação. Não se pode confundir um com outro, pois um mesmo objeto

(conceito) pode ter mais de uma representação, em mais de um registro.

Como vimos anteriormente, um professor tem por objetivo a socialização

do conhecimento científico por meio da transposição e das situações didáticas.

Para alcançá-la, dispõe de alguns registros de representação dos conceitos a

serem socializados. Um conceito só é apreendido, de fato, quando o aprendente

tem condições de fazer adaptações do conceito em registros diferentes de

representação, de saber aplicar o conceito em outras situações, não

necessariamente de finalidade didática.

São três aproximações da noção de representação as estabelecidas por

Duval (1993 apud DAMM, 2010: 171-3):

• Representação subjetiva e mental, que estuda as crenças, as explicações e as concepções das crianças diante dos fenômenos físicos e naturais. Por ela se estuda a conversão de representações. Quando transpomos isso para linguagem, podemos lembrar-nos do próprio pensamento da criança, como ela pensa o mundo, metaforicamente, e não necessariamente passa pela linguagem verbal, nas figuras de linguagem.

• Representações internas ou computacionais, que privilegiam o estudo do tratamento que se dá às representações. São internas e não conscientes do sujeito. Nesse ponto, nos referimos à própria linguagem verbal, que traduz o pensamento. Essa linguagem é incorporada por nós, na nossa infância, pela convivência com outras pessoas adultas na comunidade em que vivemos.

• Representações semióticas são externas e conscientes ao sujeito. Têm uma dualidade: forma (o representante) e conteúdo (o

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representado). “(...) são relativas a um sistema particular de signos, linguagem natural, língua formal, escrita algébrica ou gráficos cartesianos, figuras” (Duval, 1994: 3, apud Damm, 2010: 173). (...) Elas têm a função de comunicar as representações mentais, são essenciais para as atividades cognitivas do pensamento. (idem, Ibidem: 177) Essas representações conscientes do sujeito, são os recursos da língua que vamos adquirindo e aprendendo no decorrer da vida por meio de processos formais de aprendizagem, como na escola.

Segundo Duval (1995a: 2 apud DAMM, 2010: 172), “a representação é

então a Forma sob a qual uma informação pode ser descrita e levada em conta

em um sistema de tratamento”. [grifo do autor].

Converter uma representação é “mudar a forma pela qual um

conhecimento é representado” (DOUADY, 1984, apud DAMM, 2010: 173). É de

suma importância que o ensinante tenha claro qual o objetivo do seu curso, para

poder/saber usar o registro de representação de tal conteúdo mais adequado. O

mais relevante não é o registro em si, porém a forma como ele está sendo

tratado. A aprendizagem de qualquer área do conhecimento está,

intrinsecamente, ligada à compreensão de diferentes registros de representação.

(cf. DAMM, 2010).

Nas aulas de língua portuguesa, um mesmo conhecimento pode ser

representado de diversas maneiras, por exemplo, quando um ensinante pede a

um aprendente fazer uma ilustração, representando um texto escrito, ou por meio

de transposições de um gênero textual a outro.

1.2.2.6. Teoria dos campos conceituais

Ainda com o intuito de estudar a construção do conhecimento, Vergnaud

(1981:10 apud FRANCHI, 2010:211) desenvolveu a teoria dos campos

conceituais, acreditando que o conceito não consiste apenas de símbolos, “mas

também de conceitos e noções que refletem ao mesmo tempo o mundo material e

a atividade do sujeito no mundo material”.

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A teoria dos campos conceituais de Vergnaud (1990: 133 apud FRANCHI

(2010: 191), é definida como

uma teoria cognitivista que visa a fornecer um quadro coerente e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e de aprendizagem de competências complexas, notadamente das que revelam das ciências e das técnicas.

Nessa teoria, Vergnaud (1995 apud FRANCHI, 2010: 174), ainda explica

que os processos cognitivos são processos de longo prazo e são entendidos

como “aqueles que organizam a conduta, a representação e a percepção, assim

como o desenvolvimento de competências e de concepções de um sujeito”.

Gerard Vergnaud e Éric Plaisance (2003) explicam, no livro As ciências da

Educação, que a teoria dos campos conceituais é um quadro teórico que torna

possível a integração dos conceitos mencionados anteriormente, do ponto de

vista psicológico. Ao longo do processo de aprendizagem, da experiência ou

práxis, conforme traz Paulo Freire (1989), são desenvolvidos repertórios de

competências e de concepções. Sendo uma teoria pragmática, recorre às noções

de situações e das ações dos sujeitos.

Vergnaud e Plaisance (2003: 76) defendem a teoria dos campos

conceituais afirmando que:

Um argumento essencial a favor do estudo de campos conceituais, mais que de conceitos isolados, é que um conceito ganha sentido em situações de grande variedade; que não se analisa uma situação graças a um conceito único, mas graças a um conjunto deles; e que os mesmos aspectos do mesmo conceito não são adequados para tratar diferentes situações ou para diferentes procedimentos de tratamento.

As situações mencionadas nesse texto não devem se confundir com as

situações didáticas citadas por Brousseau (op. cit.). Nessa concepção, elas são

pensadas “como um dado complexo de objetos, propriedades e relações num

espaço e tempo determinados, envolvendo o sujeito e suas ações”. (FRANCHI,

2010: 193).

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Um conceito não se limita a uma simples definição dada por meio de um

texto, mas o que há subjacente às competências e permite que a ação do sujeito

seja, cognitivamente, operatória. Sua operacionalidade abrange diversas

situações, “manifestando-se sob uma variedade de ações e de esquemas”

(FRANCHI, 2010: 200) – formas estruturais da atividade, organizações invariantes

da atividade do sujeito sobre uma classe de situações dadas.

No contexto das aulas de Língua Portuguesa, imaginemos a produção de

um gênero textual, como uma receita culinária. Para o desenvolvimento dessa

atividade, os aprendentes devem ter compreendido o conceito de receita culinária,

entender, portanto, sua estrutura textual. Deverão saber que devem ser

selecionados, primeiramente, os ingredientes, para que depois se elabore o modo

de preparo. Além claro, dos aspectos linguísticos, como a escolha dos modos e

tempos verbais adequados, tanto do infinitivo, quanto do imperativo.

No próximo tópico, trataremos da engenharia didática, que tem por objetivo

sistematizar a pesquisa na prática docente, levando em consideração todos os

aspectos pedagógicos didáticos, mencionados anteriormente.

1.2.2.7. Engenharia didática

A engenharia didática é uma metodologia de pesquisa e recebe esse nome

por ter seu trabalho muito semelhante ao de um engenheiro, basicamente

empírica, que parte de um conhecimento científico de seu domínio e se limita ao

controle de tipo científico, porém tem de trabalhar com objetos mais complexos

que os científicos e enfrentar problemas não considerados pela ciência.

A engenharia didática pode ser vista tanto como uma metodologia de

pesquisa, como uma produção para o ensino, como explica Douady (1993 apud

MACHADO, 2010: 234): “uma sequência de aulas concebidas, organizadas e

articuladas no tempo, de forma coerente, por um professor-engenheiro, para

realizar um projeto aprendizagem para certa população de alunos”. O laboratório

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da pesquisa em didática varia, desde escritório de trabalho, sala de aula, escola,

sociedade, a própria história.

Artigue (1988 apud MACHADO, 2010: 235) caracteriza a engenharia

didática como um “esquema experimental baseado sobre ’realizações didáticas’

em sala de aula, isto é, sobre a concepção, a realização, a observação e a

análise de sequências de ensino”. É dividida em dois níveis: micro e

macroengenharia, que se complementam. O primeiro estuda um determinado

assunto, considerando a complexidade dos fenômenos de sala de aula; o

segundo são pesquisas que permitem compor a complexidade da

microengenharia com a dos fenômenos ligados à duração nas relações ensino/

aprendizagem. (Cf. Machado, 2010).

A metodologia da engenharia didática de pesquisa/ensino compõe-se de

quatro fases, das quais a primeira é de análises preliminares – essenciais para o

embasamento da concepção da engenharia, por meio do conhecimento prévio

dos aprendentes, já adquirido sobre o tema abordado. Em seguida, é a vez da

concepção e da análise a priori das situações didáticas. A terceira fase é a da

experimentação, em que os aprendentes vivenciam o tema a ser estudado e, por

último, é feita, após os resultados da experiência, a análise a posteriori e, enfim, a

validação.

As análises preliminares funcionam como um diagnóstico dos aprendentes,

tantos dos conhecimentos prévios em relação ao conteúdo a ser estudado,

quanto ao quadro didático geral, por meio das análises (Cf. MACHADO, 2010):

I. Epistemológica dos conteúdos contemplados pelo ensino;

II. Do ensino atual e de seus efeitos;

III. Da concepção dos alunos, das dificuldades e dos obstáculos que

determinam sua evolução;

IV. Do campo dos entraves no qual vai situar a efetiva realização

didática.

A partir dos dados levantados nas análises preliminares, será possível

compor a concepção e a análise a priori da engenharia. A análise a priori tem

duas partes, descritiva e previsiva. Nela, deve-se:

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- descrever cada escolha local feita (eventualmente, relacionando-as às escolhas globais) e as características da situação adidática decorrentes de cada escolha; - analisar qual o desafio da situação para o aluno, decorrente das possibilidades de ação, de escolha, de decisão, de controle e de validação de que ele disporá durante a experimentação; - prever os comportamentos possíveis e mostrar no que a análise efetuada permite controlar o sentido desses comportamentos; além disso, deve-se assegurar que, se tais comportamentos ocorrem, resultarão do desenvolvimento do conhecimento visado pela aprendizagem. (MACHADO, 2010: 243).

O aprendente tem um papel de destaque nessa fase; o papel do ensinante

é recuperado, em partes, no contrato didático e nas situações de

institucionalização, que são aquelas em que o ensinante sistematiza o os

principais resultados obtidos na pesquisa.

A fase da experimentação é aquela em que uma gama de aprendentes

realiza a engenharia. Ela supõe:

- explicitação dos objetivos e condições de realização da pesquisa à população de alunos que participará da experimentação; - o estabelecimento do contrato didático; - aplicação dos instrumentos de pesquisa; - registro das observações feitas durante a experimentação (observação cuidadosa descrita em relatório, transcrição dos registros audiovisuais, etc.). (MACHADO, 2010: 244).

É importante que, durante a experimentação, seja respeitado o

planejamento que foi deliberado nas análises a priori, para que não prejudique as

confrontações feitas das análises a priori e a posteriori, no momento da validação,

na quarta fase. As análises a posteriori são o momento em que se dá o

tratamento dos dados obtidos durante a fase anterior, de experimentação

constante de observações realizadas em cada aula, assim como das produções

realizadas pelos aprendentes, dentro e fora da sala de aula. (cf. MACHADO,

2010).

No momento da validação, são validadas ou refutadas as hipóteses

levantadas no início da engenharia.

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Caracterizada a Educação Linguística, no próximo capítulo, trataremos da

pedagogia da leitura.

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CAPÍTULO II

PEDAGOGIA DA LEITURA

A pedagogia da língua não pode ser concebida como uma receita pronta e

acabada ou uma simples aplicação de instrumentos pedagógicos em aula.

Baseando-se na visão de língua plural e na importância da sua apropriação, em

situações adequadas de uso, Figueiredo (2004: 12) propõe uma pedagogia da

língua concebida “como um acto de construção da prática pedagógica sempre

renovada”.

Nessa perspectiva, Antunes (2003), Figueiredo (2004) e Rego (2009)

tratam das pedagogias da língua, abordando seus aspectos específicos, com o

fim de colaborar e dar suporte teórico-pedagógico aos professores para lograrem

boas práticas em sala de aula. Lembramos, ainda, que isso não significa que a

língua seja fragmentada. Com fins didáticos, separa-se o ensino de língua, em

pedagogia, do oral, do escrito, do léxico-gramatical e da leitura. Apesar de

separadas, estão, articuladamente, nas aulas de língua e, mais do que isso, no

dia-a-dia dos falantes.

Focalizamos, neste trabalho, a pedagogia da leitura, nosso objeto de

análise. Sua finalidade é reunir elementos para a análise do corpus, que será

construída no terceiro capítulo.

A leitura, apesar de ser essencial na formação do aprendente, não tem

recebido a importância merecida. É possível que isso aconteça também por certa

ignorância do que ela significa. Para alguns, talvez seja poder ler em voz alta o

que está escrito; para outros, a mera identificação das palavras, ou até a

compreensão do que se decodificou e, para uma minoria, a possibilidade de

reflexão sobre o que se percebeu escrito e, portanto, a realização de inferências e

relações com outros conhecimentos do leitor.

Para nós, a escola deverá ensinar, de forma significativa, a leitura, de

modo que o aprendente construa uma base sólida como leitor, tanto de textos

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literários como de não literários. Dessa maneira, o ensinante terá uma tarefa

muito importante: a de transmitir ao aprendente o desejo de ler. Dessa forma, ele

construirá sua autonomia, sendo cidadão capaz de continuar a desenvolver-se

social, intelectual e profissionalmente.

Os objetivos da pedagogia da leitura são, segundo Figueiredo (2004: 59),

fazer refletir sobre a leitura e o seu ensino através da história recente; compreender que os novos Programas de Ensino exigem outros modos de ler; fazer desenvolver no aluno, por meio da leitura, capacidades afectivas e intelectivas; saber pôr em prática modalidades de leitura de forma a ser o aluno a resolver os problemas; saber criar no aluno motivações para a leitura; fomentar no aluno autonomia e competência de leitor. [grifo da autora].

Conceituada a pedagogia da leitura, nas próximas seções, focalizaremos a

leitura na visão dos paradigmas tradicional, cognitivo e sociointeracional. Pelo

paradigma cognitivo da leitura, abordaremos os três modelos cognitivos e as suas

estratégias. Por fim, trataremos do desenvolvimento de leitura na escola e da

formação de leitores.

2.1. O que é ler? Por que ler?

A leitura tem muita importância, na sociedade letrada, em que vivemos.

Apesar de não ser tão necessária, quanto no passado, em que não havia

televisão e rádio, a mídia áudio-visual não substituiu a necessidade da leitura de

textos escritos. Adler & Doren (2010: 25) questionam os benefícios que a

tecnologia trouxe, para aquisição de conhecimento:

Muita gente, hoje em dia, acha que a leitura já não é tão necessária quanto foi no passado. O rádio e a televisão acabaram assumindo as funções que outrora pertenciam à mídia impressa, da mesma maneira que a fotografia assumiu as funções que outrora pertenciam à pintura e

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às artes gráficas. Temos de reconhecer – é verdade – que a televisão cumpre algumas dessas funções muito bem; a capacidade do rádio em transmitir informações enquanto estamos ocupados – dirigindo um carro, por exemplo – é algo extraordinário, além de nos poupar muito tempo. No entanto, é necessário questionar se as comunicações modernas realmente aumentam o conhecimento sobre o mundo à nossa volta.

Estamos vivendo, nos dias atuais, uma superexposição às informações de

âmbito mundial, propiciada, em grande parte, pelo desenvolvimento da tecnologia,

que acontece em rápidas proporções. O acesso aos fatos, que aparentemente é

algo bom para o entendimento e compreensão do mundo, pode ser desastroso,

pois “uma montanha de fatos pode provocar o efeito contrário, isto é, pode servir

de obstáculo ao entendimento.” (ADLER & DOREN, 2010: 25).

A mídia, grande responsável pela facilidade no acesso à informação,

é projetada para tornar o pensamento algo desnecessário – embora, é claro, isso seja apenas mera impressão. O ato de empacotar ideias e opiniões intelectuais é uma atividade à qual algumas das mentes mais brilhantes se dedicam com grande diligência. (ADLER & DOREN, 2010: 26).

A postura do telespectador, se comparada com a do leitor, é de

passividade diante das novas informações que chegam até ele, o que pode trazer

certo comodismo. Assim, o sujeito perde a visão crítica perante os novos fatos e

acontecimentos do mundo.

Neste contexto, estimular o hábito da leitura torna-se um desafio mais difícil

de ser superado. O comodismo afasta do sujeito a possibilidade de conhecer os

prazeres do mundo letrado. Segundo Bellenger (1979: 17), “ler revela a

capacidade que cada pessoa tem para gozar sua própria liberdade. Ler é tomar

uma iniciativa. É indício de vontade, prova de tenacidade.” Apesar de o hábito de

leitura ser reconhecidamente importante, a construção desse hábito não é fácil,

ainda mais quando compete com a tecnologia áudio-visual, como televisão, rádio,

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internet, vídeo-game etc... Para superar o desafio, apresentamos as motivações

para a leitura e o que a faz ser atraente aos leitores.

2.1.1. Motivações para a leitura

O que leva um sujeito a ser leitor não é a consciência da importância da

leitura, mas, sim, motivações e interesses que correspondem à personalidade de

cada um e seu desenvolvimento intelectual. (cf. BAMBERGER, 1991). Para

entender melhor, diferenciemos motivações de interesses.

Motivação está relacionada diretamente a “impulsos e intenções

logicamente determinados que orientam o comportamento”, enquanto interesse é

determinado por “atitudes e experiências emocionais”. (BAMBERGER, 1991: 32).

Distinto de uma mera preferência, caracterizada pela passividade, o interesse é

dinâmico e ativo. Não é uma simples escolha, mas um objetivo a ser alcançado,

no qual o sujeito faz um esforço para atingi-lo.

Com o intuito de explicar não só a importância da leitura em nossa

sociedade, mas também de aclarar o porquê de as pessoas leitoras lerem,

elencamos, a seguir, o resultado de uma pesquisa feita sobre os hábitos de

leitura, divulgada por Richard Bamberger (1991), no livro Como incentivar o hábito

de leitura:

1. a primeira motivação para ler é simplesmente a alegria de praticar

habilidades recém-adquiridas, o prazer da atividade intelectual recém-

descoberta e do domínio de uma habilidade mecânica;

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2. a leitura impulsiona o uso e treino de aptidões intelectuais e espirituais,

como a fantasia, o pensamento, a vontade, a simpatia, a capacidade de

identificar etc;

3. a leitura suscita a necessidade de familiarizar-se com o mundo, enriquecer

as próprias ideias e ter experiências intelectuais; portanto, formação de

uma filosofia da vida, compreensão do mundo que nos rodeia;

4. tais motivações e interesses íntimos, geralmente não percebidos

conscientemente pela criança, correspondem a concepções definidas de

sua experiência: prazer em encontrar coisas e pessoas familiares (histórias

ambientais) ou coisas novas e não-familiares (livros de aventuras), desejo

de fugir da realidade e viver num mundo de fantasia (contos de fadas,

histórias fantásticas, livros utópicos), necessidade de auto-afirmação,

busca de ideais (biografias), conselhos (não-ficção), entretenimento (livro

de esportes etc.).

O maior desafio dos ensinantes, sejam eles os familiares, sejam os

professores, é não só o de encontrar quais os impulsos e interesses dominantes

dos aprendentes em questão, mas também o de apresentar-lhes ao prazer da

leitura, o que, na grande parte das vezes, é ignorado no processo de

desenvolvimento da leitura. João Wanderley Geraldi (2006), no livro organizado

também por ele, O texto na sala de aula, lembra uma das formas de leitura que

permite essa relação com o ler:

com “leitura – fruição de texto” estou pretendendo recuperar de nossa experiência uma forma de interlocução praticamente ausente das aulas de língua portuguesa: o ler por ler, gratuitamente. E o gratuitamente aqui não quer dizer que tal leitura não tenha um resultado. O que define esse tipo de interlocução é o “desinteresse” pelo controle do resultado.” (GERALDI, 2006: 98). 

Antes, porém, de adentrar nos aspectos teóricos da leitura, cito a definição

de leitura de Bellenger (1979: 17), que traduz a discussão anterior e que

adotamos neste trabalho:

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Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes, trancar-se (no sentido próprio e figurado). É manter uma ligação através do tato, do olhar, até mesmo do ouvido (as palavras ressoam). As pessoas lêem com seus corpos. Ler é também ser transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma coisa. É sinal de vida, um apelo, uma ocasião de amar, sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece sob o prazer.

A leitura pode ser vista por meio de três paradigmas distintos, cujas

abordagens e a relação da leitura no ambiente escolar serão apresentadas no

próximo tópico.

2.2. Paradigmas de leitura e suas respectivas abordagens

Na história da linguística, existiram dois paradigmas, o estruturalismo de

Saussure e o gerativismo de Chomsky. O primeiro considerava a língua como um

sistema, uma estrutura, independente do homem e do seu contexto; o segundo,

concebia a língua vinculada ao homem, porém o considerava um falante ideal,

que possuía competência para usufruí-la. (Cf. SUGAYAMA, 2011).

Com os estudos interacionistas, na década de 1980, há um rompimento

desses paradigmas, surgindo outros que levavam o discurso em consideração.

São três os paradigmas de leitura analisados: o tradicional, o cognitivista e

o sociocultural. O primeiro leva em conta apenas a decodificação dos signos

como processo de leitura, sem considerar a subjetividade do sujeito, ignorando os

processos individuais – aqueles que o nosso cérebro realiza durante o processo

de leitura. O significado está no próprio texto e independe do leitor.

O segundo paradigma considera o aspecto cognitivo do sujeito envolvido

durante o processo de leitura, as estratégias que utilizamos enquanto lemos e

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também a interação entre leitor, texto e autor. Nesse paradigma, existe mais de

uma abordagem: as que veem a relação entre leitor e texto e as que veem a

relação entre leitor, texto e autor.

O terceiro vai além da visão cognitivista, pois não considera apenas as

estratégias a que recorremos enquanto lemos, como ocorre na interação entre

leitores ativos, o texto e o autor, mas o que se faz com o que se lê no momento

em que se compartilha a leitura. A leitura, no paradigma sociocultural, é e deve

ser um processo de construção coletiva.

2.2.1. Paradigma tradicional

O paradigma tradicional de leitura, presente em grande parte das escolas

até hoje, concebe o sentido do texto independente do leitor-sujeito e o seu

contexto. Nessa visão, o texto tem propriedades inerentes a ele e sua

compreensão é um processo de decodificação, o que leva a uma leitura única

(epistemologia). O professor transmite ao aluno uma versão autorizada pelo texto,

na forma de um monólogo, sem construção conjunta com o aluno. É uma prática

cristalizada pela tradição, ao longo dos tempos (metodologia). (Cf. SUGAYAMA,

2011).

2.2.1.1. Abordagem tradicional

Em uma abordagem tradicional de ensino-aprendizagem, as relações entre

os ensinantes e os aprendentes, que são verticais, implicam um sujeito (narrador)

e objetos pacientes, ouvintes (educandos). O saber não é experiência feita, mas

experiência narrada ou transmitida apenas. (cf. FREIRE, 2005).

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Apesar de as pesquisas acadêmicas apontarem a abordagem tradicional

como ultrapassada, a prática delas nas escolas ainda se mantém. Segundo Saveli

(2007: 107),

o que se constata, em observações de aulas de leitura, é que há uma enorme distância entre o discurso teórico e uma grande uniformidade das práticas de leitura na escola, girando em torno de uma só concepção: a estruturalista, em que a leitura é tomada como decodificação e “tradução oral do escrito”. Essa concepção estruturalista de leitura, que considera um texto em si e por si mesmo, é muito comum na escola. Em função dessa concepção, há, no espaço da escola, muita soletração e pouca leitura.

Na visão tradicional de ensino, o professor é o foco e a abordagem é

estruturalista, baseando-se apenas, ou prioritariamente, na decodificação: “as

aprendizagens tradicionais de leitura colocam poucas coisas no lugar e,

sobretudo, não têm quase nenhuma relação com a leitura e a escrita.” (SAVELI,

2007: 107). É a ideia de educação bancária trazida por Paulo Freire (1989, 1996,

2005), que diz ser uma educação baseada em relações, fundamentalmente,

narradoras ou dissertadoras.

A educação bancária caracteriza-se por servir à dominação, no sentido de

não proporcionar a autonomia ao aprendente, muito pelo contrário, estimula a

dependência entre o ensinante e o aprendente, pois o primeiro “aparece como

seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’

os educandos dos conteúdos de sua narração.” (FREIRE, 2005: 65). Ainda para

esse autor,

a narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixam docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. (FREIRE, 2005: 66).

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Ariane Mieco Sugayama (2011: 11), em sua dissertação de mestrado sobre

as práticas sociais de leitura de texto literários, afirma que

a prática tradicional de leitura parte do pressuposto de há apenas uma maneira de abordar o texto e uma única interpretação a ser validada, de forma que todos os sujeitos da interação – os alunos e, inclusive, o professor, que muitas vezes, apenas reproduz o que está escrito – alienam-se das suas subjetividades (ZANOTTO, 2008) e dos seus poderes de negociação de sentidos, constituindo um contexto de sala de aula autoritário e opressor.

O leitor não tem voz. O único que tem poder é o professor que, por sua

vez, é legitimado pelo livro didático, pois apenas reproduz o que ele aponta como

correto. “Nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há

transformação, não há saber.” (FREIRE, 2005: 67). Na visão “bancária da

educação,

o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais de ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. O educador, que aliena a ignorância, se mantém em oposições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca. (FREIRE, 2005: 67).

Paín (apud FERNÁNDEZ, 1991: 82), reforçando a ideia de que,

dependendo da estratégia de ensino, a educação pode agir de forma alienante,

complementando a visão alienante da metáfora educação bancária, criada por

Paulo Freire, para se referir à abordagem tradicional de ensino, afirma que

a função da educação pode ser alienante ou libertadora, dependendo de como for usada, quer dizer, a educação como tal não é culpada de uma coisa ou de outra, mas a forma como se instrumente esta educação pode ter efeito alienante ou libertador.

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Assim, como forma de contrapor o paradigma tradicional de ensino-

aprendizagem da leitura, surgem outros paradigmas, a partir de pesquisas

interacionistas, como o paradigma cognitivista de leitura que analisaremos na

seção a seguir.

2.2.2. Paradigma cognitivista

O paradigma cognitivista de leitura tem sua concepção no sentido do texto

construtivista, isto é, depende da interação do leitor com o texto, apoiada na

subjetividade e no seu contexto. De um lado, o leitor é o construtor, e o sentido é

indeterminado, podendo ter múltiplas leituras – a cognição independente do

social, baseando-se no letramento autônomo (epistemologia); de outro, o

professor deve assumir o papel de investigador, pesquisador, orientador,

coordenador, levando o estudante a trabalhar o mais independentemente possível

(metodologia).

Há mais de 20 anos, os estudos do pensamento e da linguagem tornaram-

se o grande foco de pesquisa para muitos educadores, seja por cientistas

cognitivos – que se voltavam para o desenvolvimento de “computadores

pensantes” –, seja por psicólogos cognitivistas – ainda que voltados ao

pensamento humano, almejavam testar suas teorias em computadores.

Hoje, sabe-se que os estudos sobre os processos cognitivos podem ser

muito úteis em situações de aprendizagem. Uma vez que a leitura não pode ser

separada do pensamento – pois é uma atividade carregada de pensamentos –,

ela pode ser definida como um pensamento que é estimulado e dirigido pela

linguagem escrita.

O pensamento – processo criativo e construtivo, nunca passivo e reativo –

cujo fluxo é impulsionado por nossas intenções e expectativas, é a operação

normal da teoria do mundo à medida que o cérebro realiza a tarefa de criar e

testar seletivamente possíveis mundos. (Cf. SMITH, 1988).

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Dentre seus aspectos, está o raciocínio – relações dentro de uma série de

afirmações ou estado de coisas –, a inferência, a solução de problemas – que

relaciona estados de coisas existentes a estados desejados –, a classificação, a

categorização e a formação de conceito – todos impõem e examinam relações

entre afirmações ou estado de coisas.

Para o estudo de desenvolvimento de leitura, passa a ser necessário

entender o funcionamento do cérebro durante o pensamento (Cf. SMITH, 1988)

que apresenta algumas particularidades utilizadas pelos leitores:

• no ato da leitura: a realização de inferências apropriadas a fim de

compreender, que envolvem relações entre afirmações ou estado de

coisas particulares e circunstâncias;

• consequência da leitura: uma possível reflexão subsequente.

Essas são, exatamente, as mesmas habilidades cognitivas que utilizamos

em outros aspectos da vida mental. O cérebro forma relações para compreender

e apreender o mundo à nossa volta. Existem três condições responsáveis pelo

pensamento dos indivíduos em situações particulares:

• o conhecimento prévio: é necessário saber o tema do que se fala ou

escreve de forma competente;

• a disposição: propensão para o pensamento crítico, seja ele para

que lado for;

• a autoridade: se faz necessário ter autoridade para se ter tal

pensamento crítico.

Nesse paradigma, concebe-se a leitura dentro da relação de interação

entre leitor, texto e autor. Portanto, analisam-se tanto elementos cognitivos, que

são os processamentos de leitura que ocorrem no cérebro do leitor no momento

da atividade leitora, quanto os elementos textuais, materiais que o próprio texto

traz e que permitem e autorizam certas interpretações, construídas pelo leitor.

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Nesse processo de pensamento, a elaboração de sentidos é resultado de uma colaboração singular entre o autor e o leitor, no qual o primeiro antecipa a atuação do segundo e dissemina indícios que precisam ser interpretados para adquirir sentido. O sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. (SAVELI, 2007: 125).

Aos processamentos de leitura, dá-se o nome de modelos cognitivos de

leitura. Apesar de esses modelos – o ascendente (bottom-up), o descendente (up-

down) e o interativo (considera a interação de ambos, concomitantemente) –

começarem a ser estudados separadamente, portanto considerados

individualmente, hoje não se pode pensar na realização de um modelo

independente de outro, no momento da produção de leitura. “Esses modelos

lidam com os aspectos cognitivos de leitura, isto é, aspectos ligados à relação

entre o sujeito leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem escrita e

compreensão, memória, inferência e pensamento.” (KLEIMAN, 2008: 31).

O estudo das estratégias de leitura, recursos cognitivos utilizados pelo

leitor durante sua interação com o texto, com o intuito de construir o seu sentido,

está dentro desse paradigma. As estratégias são maneiras de processar as

informações do texto e utiliza-se dos modelos de leitura.

2.2.2.1. Abordagem cognitivista de leitura

A abordagem cognitivista surgiu em contraposição à tradicional, em que se

acreditava na leitura como mera decifração do código escrito ou soletrações.

Porém, é importante ressaltar que essa abordagem não ignora a importância da

decodificação da palavra escrita no processo de leitura. Ela não nega que “a

incapacidade de dominar o código alfabético impede de ler, mas o seu domínio

não garante a leitura”. Ambos os processos se dão simultaneamente: “a criança

aprende a ler paralelamente a sua aprendizagem de decifração, e não graças a

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ela, porque ler o sentido e decifrar as letras correspondem as duas atividades

diversas, mesmo que se cruzem.” (SAVELI, 2007: 124).

A metacognição refere-se à consciência de que um indivíduo tem do

funcionamento do seu próprio pensamento, ou seja, das ações mentais que ele

realiza. No processo de letramento, isso se dá com a percepção do próprio

aprendizado. Os pesquisadores têm considerado que a metacognição também

deve ser aprendida, embora as crianças aprendam muitas coisas do mundo,

inclusive a alfabetização sem a consciência de estar aprendendo. Entender como

conhecemos ou apreendemos as coisas do mundo é de extrema importância para

nós, educadores. Assim, podemos melhorar nossas estratégias de ensino.

Ter consciência dessa abordagem, como nosso organismo funciona no

momento em que se lê pode ser muito importante para pensar e planejar a aula

de leitura. Kleiman (2008: 31) afirma que “o conhecimento do aspecto psicológico,

cognitivo da leitura é importante porque ele pode nos alertar de maneira segura

contra práticas pedagógicas que inibem o desenvolvimento de estratégias

adequadas para processar e compreender o texto.”

Toda leitura “modifica o seu objeto. O sentido do texto é, com efeito, uma

construção do leitor. Essa afirmação esclarece que a leitura de um texto oferece

uma pluralidade indefinida de significações” (SAVELI, 2007: 126) A leitura é uma

prática criadora e criativa do leitor no momento de sua interação com o texto ou

com o autor, por meio de seu texto. Os leitores são singulares e, portanto, irão ou

poderão fazer interpretações também singulares, possibilitando ao texto diversas

significações, sobre essa afirmação. Chartier (1996, apud SAVELI, 2007: 126-7)

diz que

todo texto pede ao leitor que o ajude a existir, a funcionar. Nesse sentido, como já foi afirmado anteriormente, a leitura é prática criadora, as leituras são sempre plurais, porquanto constroem de maneiras diferentes os sentidos de um texto, embora os textos inscrevam, no seu interior, o sentido desejariam ver a si atribuídos.

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A leitura, nesta abordagem, considera o leitor um sujeito complexo, com

muita relevância na construção de sentido do texto. Kleiman (2008: 23) aponta, no

livro Oficina de leitura – teoria e prática, a importância da experiência de vida do

leitor durante o processo:

São os elementos relevantes ou representativos os que contam, em função do significado do texto, a experiência do leitor é indispensável para construir o sentido, não há leituras autorizadas num sentido absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor.

A percepção do objeto se dá de forma individual, pessoal e particular. Não

há um padrão, pois a maneira como percebemos o que visualizamos é subjetiva.

O que há de comum entre os leitores é o mecanismo dos olhos para apreender o

objeto: “o movimento ocular durante a leitura é um movimento sacádico e não

linear.” (KLEIMAN, 2008: 33). Isso quer dizer que não lemos palavra por palavra,

mas por blocos, cuja distância de um a outro vai depender da dificuldade do que

está sendo lido. A cada bloco lido dá-se o nome de fixação.

Grande parte das palavras que lemos, portanto, é adivinhada, percebida

por uma visão periférica – nos intervalos sacádicos. Por isso, a leitura é

considerada um jogo de adivinhações: quanto mais palavras o leitor conhece,

maior a sua capacidade de adivinhação, pois ela só é possível por um

reconhecimento que fazemos a partir de pistas, sejam estruturais, sejam

semânticas. Kleiman (2011: 13) reforça essa ideia, destacando a relevância do

conhecimento prévio do leitor, favorecedor da construção de sentido:

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem em si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.

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Durante a leitura, ocorrem dois movimentos dos olhos: progressivo e

regressivo. O regressivo seria uma espécie de releitura que fazemos, antes de

avançarmos no texto – quanto mais fácil a leitura, menos movimento regressivo

se faz. Um leitor eficiente controla seu processo de compreensão e retrocede a

leitura cada vez que não a entende. “No início, a leitura será muito mais difícil

para o leitor e por isso fica quase que limitada à decodificação” (KLEIMAN, 2008:

35).

O material linguístico captado é levado à memória de trabalho. Nessa

etapa, as informações são organizadas em unidades sintáticas de acordo com a

nossa gramática implícita, que nos é nata, e a desenvolvemos conforme

crescemos e interagimos, socialmente, em uma comunidade linguística. Esse

processo é o que chamamos de fatiamento. Essa memória tem uma capacidade

limitada de armazenamento, equivalente a sete unidades de sentido – que variam

das mais simples, como letras, sílabas e palavras, às mais complexas, como os

sintagmas, orações e períodos.

A habilidade de um leitor de armazenar maior número de unidades por vez

dependerá de sua experiência em leitura, tanto do ponto de vista de quantidade

como de qualidade. Ela depende da prática que o indivíduo tem em ler e a forma

como foi introduzido ao mundo letrado, ou seja, o processo de sua alfabetização e

letramento.

O leitor proficiente realiza esses agrupamentos de maneira eficaz, utiliza

seus conhecimentos gramaticais internalizados a cada ocorrência realizável.

“Para tal agrupamento o leitor proficiente usa eficientemente o conhecimento de

gramática que ele tem internalizado, fazendo predições constantes sobre

ocorrências possíveis.” (KLEIMAN, 2008: 35). É por isso que, para o leitor

iniciante (em formação), esse processo será árduo, limitar-se-á à decodificação a

princípio, o que poderá comprometer a sua compreensão. Nessa fase inicial, o

papel do ensinante é transformar a leitura mudando o foco estrutural para o

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semântico, de forma comunicativa, interagindo com o aprendente por meio de

perguntas e fazendo comentários.

Para uma leitura eficaz, que atinja a compreensão do texto lido, o leitor

deverá estar consciente de seu processo, deverá entrar em um estágio

estratégico. Esse estado se caracteriza “pela necessidade de aprender, resolver

dúvidas e ambiguidades de forma planejada e deliberada” (SOLÉ, 1998: 71-2),

processo designado por Kleiman (2008) de alerta perceptual. A leitura é prática

criadora, “atividade produtora de sentidos não pretendidos e, portanto, singulares,

inusitados.” (SAVELI, 2007: 125).

2.2.2.1.1. Modelo ascendente (Bottom-up) de leitura

O modelo ascendente (buttom up) é aquele em que o processo de leitura

se dá sequencialmente, das menores estruturas para as maiores, ou seja, das

palavras, passando pelas frases e por fim, entendendo o texto. A decodificação

ganha é de grande importância, pois depende-se dela para o entendimento do

texto.

Segundo Kato (1999: 50), “o processamento ascendente (bottom-up) faz

uso linear e indutivo das informações visuais, linguísticas, e sua abordagem é

composicional, isto é, constrói o significado através da análise e síntese do

significado das partes”. Nesse processamento, a construção de sentido depende

do texto e é a partir dele que começa o processo de compreensão.

O leitor que faz mais uso desse processamento em detrimento de outros

tende a ser vagaroso e pouco fluente, pois tem dificuldade de sintetizar as ideias

do texto, uma vez que pode não saber distinguir o que é mais relevante do que é

secundário, apenas ilustrativo ou redundante. (KATO, 1999).

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2.2.2.1.2. Modelo descendente (Top-down) de leitura

O modelo descendente (top-down) vê o processo de leitura de forma

oposta. Esse processamento dá ênfase ao leitor, e a leitura parte dos

conhecimentos de mundo e dos recursos cognitivos do leitor que, relacionados

com o texto, constroem o sentido. Ele estabelece antecipações ou previsões e

constantes verificações dos conteúdos dos textos. O que ganha grande

importância nesse modelo é o conhecimento global, que determinará o grau de

compreensão do texto lido.

Kato (1999: 50) diz que “o processamento descendente (top-down) é uma

abordagem não-linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações não-

visuais e cuja direção é da macro para a microestrutura e da função para a

forma.”

O leitor que faz mais uso desse modelo de leitura é, por um lado, aquele

que “apreende facilmente as ideias gerais e principais do texto, é fluente e veloz,

mas, por outro, lado faz excessos de adivinhações, sem procurar confirmá-las

com os dados do texto, através de uma leitura ascendente” (KATO, 1999: 50).

2.2.2.1.3. Modelo interativo de leitura

O processamento interativo corresponde a duas estratégias de leitura,

segundo as necessidades do leitor. A primeira chamada bottom-up e a segunda

up-down, descritos anteriormente.

Para o modelo interativo, durante a leitura, o leitor cria diferentes

expectativas em variados níveis (letras, palavras, texto...) e cada nova informação

captada pelo leitor se torna um input para o nível seguinte. Para ler, o individuo

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deve dominar tanto o processo de decodificação, como as estratégias de

compreensão de um texto.

“Essa interação se refere especificamente ao interrelacionamento, não

hierarquizado, de diversos níveis de conhecimento do sujeito (desde

conhecimento gráfico até o conhecimento de mundo) utilizados pelo leitor na

leitura. Nos modelos interativos, ambos os tipos de processamento se

interrelacionam no processo de acesso ao sentido” (KLEIMAN, 1989: 31 apud

SUGAYAMA, 2011: 14).

O leitor é, necessariamente, um agente ativo dentro do processo de leitura.

Ele deve constantemente fazer inferências e verificá-las em um processo contínuo

de compreensão e controle dessa compreensão. “É o leitor para quem a escolha

desses processos é já uma estratégia metacognitiva, isto é, é o leitor que tem um

controle consciente e ativo de seu comportamento.” (KATO, 1999: 51).

As relações instituídas neste processo são, ainda, entre leitor e texto. A

leitura é, necessariamente, a interação entre o leitor e o autor por meio do texto,

por isso a interação tem um papel ativo nessa atividade, que deve sempre ser

guiada por um objetivo. A interpretação que é feita deve-se a essa finalidade. Em

outras palavras, a compreensão que o leitor faz do texto escrito não é uma réplica

do significado que o autor quis lhe dar, mas uma construção que depende de

alguns elementos e de conhecimentos prévios, do texto e dos objetivos de leitura.

O texto também oferece diferentes possibilidades e limitações para a

transmissão da informação escrita. Essas possibilidades não se limitam apenas

aos conteúdos, mas, sim, às estruturas e/ou superestruturas que obrigam o leitor

a conhecê-las, mesmo que intuitivamente para ter a compreensão adequada.

O processo de leitura sempre envolve a compreensão do texto escrito. Sob

a perspectiva interativa, afirma-se que “a leitura é o processo mediante o qual se

compreende a linguagem escrita”. (SOLÉ, 1998: 23). Para ler, necessitamos,

simultaneamente,

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manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias; precisamos nos envolver em um processo de previsão e inferência contínua, que se apóia na informação proporcionada pelo texto e na nossa própria bagagem, e em um processo que permita encontrar evidência ou rejeitar as previsões e interferências antes mencionadas. (SOLÉ, 1998: 23).

2.2.2.1.4. Estratégias de leitura

Estratégia, segundo Houaiss & Villar (2003), significa planejamento de uma

ação para conseguir um resultado. Para Solé (1998: 69), estratégia envolve “a

supervisão e a avaliação do próprio comportamento em função dos objetivos que

o guiam e da possibilidade de modificá-lo em caso de necessidade”. Estratégias,

para a compreensão de leitura, são ações planejadas e coordenadas de forma

consciente, que permitem a consciência, a regulação, e o controle da

compreensão do que se lê.

Para Kleiman (2008), estratégias de leitura são “operações regulares para

abordar um texto. Elas podem ser inferidas a partir da compreensão do texto que,

por sua vez é inferida a partir do comportamento verbal e não verbal do leitor”,

isto é, da sua interação com o texto, reflexões, resumos, perguntas que possa

fazer. As estratégias são cognitivas ou metacognitivas.

Lê-se, então, por meio de estratégias que se dão, normalmente, de forma

inconsciente. Levantam-se hipóteses e verificam-nas no transcorrer das leituras.

Em trechos em que não há compreensão, o leitor percebe que a previsão

elaborada – uma das estratégias usadas no processo de leitura – não estava

correta.

A compreensão do que se lê se dá sob três condições: coerência e clareza

do texto, chamada significatividade lógica, grau de conhecimento prévio do leitor,

chamada significatividade psicológica e

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das estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão e a lembrança do que lê, assim como para detectar e compensar os possíveis erros ou falhas de compreensão. Essas estratégias são as responsáveis pela construção de uma interpretação para o texto e, pelo fato de o leitor ser consciente do que entende e do que não entende, para poder resolver o problema com o qual se depara. (SOLÉ, 1998: 71).

2.2.2.2 Abordagem interacional

Nesta abordagem, também cognitiva, o elemento novo é o autor, que

também é considerado no processo de leitura, por meio do texto. Concebe o leitor

e o autor como agentes, sujeitos sociais, inseridos em um processo,

necessariamente, dinâmico e mutável. Segundo Kleiman (2011: 65),

mediante a leitura, estabelece-se uma relação entre leitor e autor que tem sido definida como responsabilidade mútua, pois ambos têm a zelar para que os pontos de contato sejam mantidos, apesar das divergências possíveis em opiniões e objetivos.

Sobre as responsabilidades que ambos têm no processo de leitura,

Kleiman (2011: 66) nos lembra que cabe ao autor “deixar suficientes pistas no seu

texto a fim de possibilitar ao leitor a reconstrução do caminho que ele percorreu”,

e, ao leitor, cooperar com o autor, dando-lhe credibilidade, de que terá algo

relevante a dizer em seu texto, quando

obscuridades e inconsistências aparecem, o leitor deverá tentar resolvê-las, apelando ao seu conhecimento prévio de mundo, linguístico, textual, devido a essa convicção de que deve fazer parte da atividade de leitura que o conjunto de palavras discretas forma um texto coerente, isto é, tem uma unidade que faz com que as partes se encaixem umas nas outras para fazer um todo.

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91 

 

Quando autor e leitor trabalham em um mesmo objetivo, terão êxito caso

cooperem entre si. Adler & Doren (2010: 27) afirmam que

a relação entre escritor e leitor é parecida. O objetivo do escritor é ser apanhado, embora às vezes pareça ser exatamente isso que ele não quer. A comunicação eficaz ocorre quando aquilo que o escritor quer que seja recebido de fato o seja pelo leitor. A técnica do escritor e a técnica do leitor convergem para um objetivo comum.

O próximo paradigma vai além, pois considera não só os aspectos

cognitivistas, como também os aspectos sociais de leitura, situando a atividade

em seu contexto.

2.2.3. Paradigma sociocultural

A leitura é concebida como processo social. O sentido é construído

socialmente entre os participantes, em um contexto sociocultural do evento de

letramento. O sentido do texto é negociado entre os sujeitos em um contexto

comunicativo compartilhado, em que constroem e reconstroem as práticas de

leitura. Há a inclusão social da cognição e do letramento. (epistemologia).

A melhor forma de trabalhar com a leitura é vivenciar situações em grupo,

de modo que os leitores possam dialogar crítica e refletivamente sobre o texto. A

mediação como ação cultural, pensar alto em grupo e círculos de leitura

(metodologia) são alguns exemplos de práticas sociais de leitura.

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92 

 

2.2.3.1. Abordagem da leitura como prática social

Nos anos 80, a leitura era vista, normalmente, como um processo

exclusivamente cognitivo: o ato de decodificar textos escritos para obter um

significado. No entanto, nos anos 90, ela passou a ser vista como um processo

social. O foco passou a estar na relação entre as pessoas envolvidas no evento

social de leitura. Com base nessa visão, a leitura é uma atividade pela qual as

pessoas se direcionam a outras, comunicam ideias e emoções, controlam os

outros e a elas mesmas, obtêm status social, reconhecimento e privilégios, além

de se engajar em diversos tipos de interação social.

Os eventos de leitura podem também consistir em várias interações

pessoais do indivíduo em si e o texto, ao mesmo tempo. O primeiro objetivo nesta

visão estaria relacionado mais ao estabelecimento de relações sociais,

posicionamentos sociais e formações de grupos do que à busca pelo sentido que

o autor quer dar a tal texto. Os efeitos sociais da leitura também podem ser vistos

no nível da interação face-a-face.

Um aspecto importante da leitura como um processo social é a relação

entre a forma como os eventos de leitura são construídos e os processos

cognitivos que os participantes aprendem durante esses momentos. Esses

processos estão diretamente relacionados e dependem da natureza do evento em

si. Não existe uma forma pré-concebida de processos cognitivos a serem

desenvolvidos nas situações de interação, pois são momentos únicos. Os

processos cognitivos resultantes da leitura estão relacionados à natureza do

letramento praticado.

As construções teóricas que subsidiam a premissa de que a leitura é um

processo social são:

• os eventos de leitura são construídos por meio de um processo de interação social;

• o significado de leitura é construído durante a interação social; • o significado de leitura é ao mesmo tempo específico e geral.

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93 

 

A compreensão do que se lê é construída pelos participantes do evento no

momento em que ele ocorre. Os significados não são pré-estabelecidos; dão-se

no momento em que há troca, quando todos se ouvem, discutem, negociam e

chegam a um acordo consensual. O critério usado para tal acordo não está

relacionado com a ideologia, valores e visão de mundo apenas do professor, mas

do próprio grupo de estudantes.

A interação entre todos os agentes – estudantes, texto e professor – é

importante para a negociação. Os eventos comunicativos são vistos como uma

construção nas situações de interação face-a-face entre participantes (BLOOME

1983; GUMPERZ, 1976; HYMES, 1974; GUMPERZ & HYMES, 1972). Por isso,

são tidos como construtivistas, no sentido de que os indivíduos envolvidos

constroem o sentido que o texto terá, as formas de refletir sobre o que se diz,

como se dirigem uns aos outros, formas de se distribuir psicologicamente, social e

fisicamente os reconhecimentos que fazem e formas de pensar o mundo

associado à leitura.

Na visão construtivista, é no momento da interação social entre o texto e os

integrantes que o sentido do texto lido é determinado. É o momento em que

compartilham as inferências feitas individualmente, quando se faz a leitura em voz

baixa. Diferente da visão convencional, na qual o processo de leitura ocorre na

nossa cabeça (mentalmente) e, por isso, ele não está disponível para estudo, na

visão construtivista, esse processo ocorre na interação dos indivíduos em si e

entre o texto, de forma verbalizada. Logo, torna-se possível a coleta de dados

para estudos.

O material de estudo possível de ser coletado pode ser verbal, não-verbal,

prosódico ou manipulação de objetos. No entanto, não são essas pistas que dão

o sentido à leitura, mas a interpretação que se faz desses sinais. O contexto da

situação não está em ambientes, cenários, objetos presentes no ato da interação,

mas na construção dela – o que se fala e o que se faz durante o processo. Por

isso, ele é imprevisível, pois depende de uma gama de variantes.

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2.2.3.2. Eventos e práticas sociais de leitura

O paradigma sociocultural de leitura considera, além do modelo

interacional de leitura, as situações em que ocorrem os eventos de leitura, pois

acredita que a leitura tem uma função social. A partir dos eventos sociais de

leitura, é possível observar as funções sociais da leitura e da escrita, isto é, no

momento em que são realizadas. A partir das práticas sociais de leitura, é

possível observar os modelos que as pessoas têm em relação à leitura e à

escrita, quando estão engajadas em seus processos, isto é, como fazem seu uso

social e quais significados atribuem.

As práticas são caracterizadas por serem processos sociais, por estarem

inseridas em contextos comunicativos compartilhados e serem práticas situadas e

por conceberem o sentido do texto construído. Na verdade, são processos

sociais, pois, segundo Bloome (1993), a leitura não é apenas uma habilidade

separada, analisada em categorias puramente linguísticas e cognitivas. Ler é uma

atividade humana e complexa considerada no contexto de complexas relações

humanas.

As práticas estão inseridas em contextos comunicativos compartilhados,

pois o sentido do texto é construído por meio do modo como os sujeitos agem e

reagem em relação aos esforços comunicativos feitos pelos outros na interação

(cf. BLOOME 1986a, 1986b apud CASTENHEIRA, DIXON & GREEN, 2007). São

práticas situadas, pois ocorrem em uma dimensão do comportamento cultural

situado dentro de um grupo ou identidade sociocultural.

Uma das práticas de leitura usada como ferramenta pedagógica nas aulas

de língua portuguesa que apresentamos na próxima seção é a chamada Pensar

Alto em Grupo.

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2.2.3.2.1. Pensar alto em grupo (PAG)

No Brasil, discute-se a prática dessa teoria, chamada aqui de metodologia

do Pensar Alto em Grupo (Zanotto, 1995, 1998, 2007), que funciona tanto como

um instrumento pedagógico na construção coletiva de uma leitura (por meio do

compartilhamento de processos cognitivos verbalizados), quanto instrumento de

pesquisa utilizado para a coleta de materiais necessários para a composição de

um corpus de análise.

Na prática, o grupo de leitores recebe um texto, que deverá ser lido

individualmente (cada um para si) para, então, começar a compartilhar as

interpretações em voz alta. Na discussão, cada um poderá fazer livremente

comentários e observações do que entendeu do texto para o grupo. “Durante o

pensar alto, os participantes negociam sentidos, manifestam-se criticamente,

estabelecendo relações sociais” (BLOOME, 1983, apud QUEIRÓZ, 2009: 31).

Temos a chance também de aprender a conhecer o estudante, um ser

aprendente. “Se a maneira como nós dizemos aos outros as coisas é decorrência

de nossa atuação intersubjetiva sobre o mundo e da inserção sócio-cognitiva no

mundo em que vivemos” (MARCUSCHI, 2004a: 52), não podemos deixar de levar

em consideração, a realidade sociocultural em que os alunos estão inseridos. Os

aspectos culturais/sociais dos alunos podem ser percebidos por meio da sua

atuação e da maneira que eles se expressam.

2.3. A leitura no ambiente escolar: formação de leitores

A mediação do professor ensinante-aprendente1 tem a função de ativar o

alerta perceptual do leitor iniciante. Ele é o responsável por ajudar o estudante a

                                                            1 Termo utilizado para designar um professor que está em constante troca com os estudantes, também ensinantes-aprendentes, ao mesmo tempo em que ensinam, aprendem. Ver em Fernandez (2001).

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perceber as unidades de sentido, a fazer previsões sobre o texto, com atividades

prévias à leitura, destacando palavras-chave, contextualizando-o sobre o tema

discutido. Dessa forma, o leitor em formação terá condições de identificá-las,

algumas vezes até de imediato, facilitando o árduo processo inicial entre a

decodificação e a compreensão.

O professor deverá servir de exemplo, promovendo condições para que

seja imitado pelo aprendente. “A leitura silenciosa, tanto por parte do aluno como

do professor, e a leitura em voz alta pelo adulto cumprem os dois objetivos de

servir de modelo e de criar contextos de aprendizagem.” (KLEIMAN, 2008: 36).

Kleiman (2008) propõe uma nova forma de articulação entre os termos

leitura e aprendizagem, com a justificativa de que até então se têm

desastrosamente violentado o sentido de ambas as palavras, no cotidiano das

aulas de Língua Portuguesa. Sugere, por exemplo, a leitura na aprendizagem, a

aprendizagem da leitura ou a aprendizagem sobre a leitura. A leitura é o que

permite

“ao aprendiz a compreensão da palavra escrita, a fim de funcionar plenamente na sociedade que impõe a cada dia mais exigências de letramento, isto é, de contato e familiaridade com a escrita para a sobrevivência”. (KLEIMAN, 2008: 12)

Seu texto discute o processo de desenvolvimento de estratégias de leitura

eficientes para crianças já alfabetizadas. Ela diz que, para que esse processo seja

possível, o professor precisa definir tarefas cada vez mais complexas, no entanto,

viáveis de resolução, contanto que a criança tenha orientação de alguém mais

proficiente (professor ou um colega). Com o tempo, os suportes vão sendo

retirados para ela ir redefinindo suas tarefas, estando aí o seu aprendizado. Essa

mesma lógica está na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), conceito

proposto por Vygotsky (2007), cujos limites de aprendizado variam de indivíduo

para indivíduo em relação a diferentes âmbitos de desenvolvimento, tarefas e

conteúdos, conforme foi citado no primeiro capítulo deste trabalho,

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A compreensão da leitura não se dá, necessariamente, no seu ato, mas,

sim, no instante em que se realizam as atividades de reflexão sobre a leitura junto

do professor, momento este em que a criança retoma o texto. Essas tarefas

propiciarão a formação do leitor, de modo que ele construa seu próprio saber

sobre a leitura.

Vemos a leitura como uma atividade cognitivo-sociointeracional. Portanto,

em seu processo, utilizam-se estratégias fundamentadas em conhecimentos

prévios de diversas áreas: linguísticos, socioculturais e enciclopédicos.

Movimentam-se operações imperceptíveis ao mundo externo, como a inferência,

a evocação, a analogia, a síntese e a análise – por isso, a interação é vista como

algo muito importante no processo de aprendizagem da leitura. A interação do

mediador é fundamental para que a criança comunique-se e desenvolva suas

próprias estratégias.

Outro motivo pelo qual a interação é tão essencial nesse processo é o

contexto que será criado, que possibilitará a esperada compreensão da leitura

pela aprendente-ensinante. Esse contexto se dará tanto previamente ao momento

de ler, quanto na sua sequência, nas atividades provindas dele. Com base na

comunicação entre os estudantes e o professor-mediador é que se poderá ter

ideia dos valores, crenças e atitudes desses indivíduos que interagirão, portanto,

ter condições de fazer uma melhor abordagem do tema e fazê-lo ter mais

relevância e sentido para o interlocutor.

O grande problema entre os profissionais do ensino de língua materna hoje

é o fato de os estudantes não lerem. Para tentar esclarecer essa questão, faz-se

necessário levantar qual a realidade das salas de aula, quais os aspectos

relacionados ao funcionamento que podem colaborar para o problema. Um

primeiro dado que merece destaque é o perfil dos professores que atuam como

mediadores de leitura. Pesquisas mostram que a grande maioria deles não tem o

hábito de ler – e como lembra Kleiman, (2008: 15) “para formar leitores, devemos

ter paixão pela leitura”.

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A ação de decifração de palavras, que a escola chama de leitura, passa

longe da definição de leitura dada por Bellenger (1978)2. Também não

acreditamos que a mera decifração seja leitura, mesmo que autenticada pela

tradição escolar. Várias atividades escolares em torno da leitura servem de

desestímulo para a formação de leitores. Na sociedade, há muitos eventos sociais

que envolvem leitura e escrita, como concursos para cargos públicos, colégios,

universidades, que exigem dos candidatos conhecimentos fragmentados, apenas

estruturais da língua e raramente a abordagem global, baseada no uso da língua.

Por essas ações negativas que vêm acontecendo nas aulas de Português,

acreditamos na formação teórica de professores na área de leitura. Vejamos

algumas práticas, desastrosamente, feitas em aula:

• o uso do texto como pretexto para praticar exercícios gramaticais,

como se a língua existisse meramente como um conjunto de classes

e funções gramaticais, para o ensino de regras sintáticas, deixando

de trabalhar a interpretação do que se está sendo dito;

• o texto visto como repositório de informações faz com que o leitor

tenha uma postura passiva em relação a ele, pois ao tentar tirar um

significado dele e não conseguir, pode se acomodar, aceitando a

contradição e a incoerência. Nesse caso, o docente deveria

conscientizar o estudante da intencionalidade do autor, baseando-

nos na seleção das palavras;

• a visão da leitura como mera decodificação de signos não

transcende o texto, não transforma o leitor, não modifica a visão do

aprendente; faz algumas leituras simplesmente dispensáveis. Na

verdade,dispensa a compreensão do que se decifrou, ignorando a

voz do autor, o que para nós, não é leitura;

• a visão de leitura apenas como mais uma forma de avaliação, sendo

cobrados resumos, resenhas, relatórios, preenchimentos de fichas é

                                                            2 Ver seção O que é ler? Por que ler?, deste trabalho.

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uma visão redutora, pois não faz o estudante ir além do texto, mas,

sim, reduzir a leitura, provocando o desinteresse em ler, associando-

o ao dever e não ao prazer;

• a visão autoritária de leitura,na qual se considera apenas uma forma

de interpretação. Normalmente, essa voz é a do professor ou a do

livro didático. Nesse sentido, o leitor em formação é desvalorizado e,

mais uma vez, desestimulado a gostar da leitura.

Após o levantamento das concepções escolares sobre a leitura, não nos

surpreende o insucesso das aulas de língua. A prática de aula não propicia a

interação entre professor e estudante. Pesquisas recentes mostram a importância

de um leitor inexperiente conversar sobre os aspectos relevantes do texto, pois é

na interação que ele passa a compreendê-lo, e não na leitura silenciosa.

A conversa sobre o texto deve ser iniciada previamente à leitura

propriamente dita do texto. São as trocas feitas nesse momento que propiciarão o

melhor entendimento do leitor do que for lido. Os critérios de escolha da leitura a

ser feita com a sala deverão ser a legibilidade, a relevância e o interesse dos

estudantes pelo tema – tanto na tentativa de seduzi-los à atividade, quanto por

objetivos acadêmicos, podendo expandir o seu universo temático. “O tema é o fio

que permite a percepção e produção da linguagem e o desenvolvimento de um

novo sistema simbólico, o da linguagem escrita”. (KLEIMAN, 2008: 26).

Como alternativa a essas práticas fracassadas de leitura, propomos que o

professor-mediador sirva como modelo ao leitor em formação, fornecendo

exemplos de estratégias específicas de leitura ao fazer predições, perguntas ou

comentários. Ler com o aprendente, discutir o texto com ele de maneira a

questioná-lo e fazê-lo refletir sobre o que está lendo, poderá fazer com que aquilo

que se lê faça mais sentido.

Alguns acordos são importantes para a compreensão de certos aspectos

textuais particulares. Em caráter de exemplificação, podemos citar, no texto

jornalístico, as funções das aspas, o grau de formalidade que se pode esperar

desse gênero, inclusive levantar com o estudante, antes de tudo, qual a

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relevância do texto jornalístico na sociedade. Qual a sua veracidade? Porque

antes de tudo, ele deve ser aceito como fonte de informações e novidades,

fazendo as funções que normalmente em culturas pouco letradas, são praticadas

oralmente por membros da família e pela comunidade imediata.

Os diversos elementos particulares de cada texto, porém, só podem ser

analisados nos próprios textos, sendo assim um processo significativo. A leitura é

uma atividade individual e o que determina a leitura que se faz são os seus

objetivos. Para abordagens como essas, provamos que só seria viável se feitas

com um professor de conhecimento específico da área, diferente do que se tem

sido propagado e legitimado nas práticas escolares.

A função do educador não é somente “passar conteúdos curriculares”,

tampouco, disciplinar os alunos. O educador é um mediador, ele é portador de

intencionalidade, situado entre o organismo do indivíduo mediatizado e os

estímulos. Ele utiliza estratégias interativas para produzir significado além das

necessidades imediatas da situação. Pais e professores têm de trabalhar em

conjunto nesse sentido, ou seja, o trabalho feito na escola deve ter continuidade

em casa e vice-versa. (Cf. FONSECA, 2007).

A linguagem não é um espelho da realidade, do mundo. Eles – a

linguagem e o mundo – não são estáveis. A estabilização deve ocorrer de um

trabalho dos indivíduos que interagem linguisticamente, por isso a importância da

mediação do professor no aprendizado do estudante, no que se refere,

principalmente, às aulas de língua portuguesa.

O sujeito mediatizado deve interagir nas situações de forma dinâmica,

valorizando suas estruturas cognitivas. Pais e professores que adotam práticas

baixas em afetividade e em disciplina tendem a provocar na criança e no jovem

baixa autoestima. As interações têm que ser mais centradas em reciprocidade

emocional. (Cf. FONSECA, 2007).

Um grande problema evidente são as reais condições de trabalho/estudo

nas escolas públicas, em que, na maioria das situações, há uma superlotação das

salas de aula e muito desinteresse por parte dos alunos. Como conseguir então

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dar atenção devida a cada aluno, conhecê-los como deveríamos e fazer uma

análise cognitiva e lograr um resultado eficiente de aprendizado de leitura?

“Apesar de seu foco mental, a linguística cognitiva pode, sim, ser descrita como

social cultural e contextual”. (LANGACKER, 1997: 240, apud MARCUSCHI,

2004a: 54). Nesse ponto, o estudo da linguística cognitiva tem um papel muito

importante na melhoria da nossa educação básica.

Para ter em conta o desenvolvimento individual de cada aluno, devemos,

como educadores linguísticos, conceber a língua “como forma de ação interativa,

social, cognitiva e situada” (MARCUSCHI, 2004a: 64). Davidson (1974 apud

MARCUSCHI, 2004a), diz que a interpretação das palavras e dos enunciados se

dá na suposição de elementos comuns em relação a crenças coerentes entre os

interlocutores, o que permite invocar não apenas o partilhamento, mas a

possibilidade de negociação e uma comunidade de mentes sociais construindo as

significações publicamente.

Um princípio básico de que todo professor deveria ter em sua atividade

profissional é o da construção de um vínculo – que consiste na sedução dos

aprendentes para a aula – com os aprendentes. Ele é o elo que permitirá a

realização de seu trabalho. O professor que planeja a aula, que sabe do que está

falando e, sobretudo, que gosta do que ensina, já tem quase tudo o que precisa

para começar a construir essa relação. (Cf. FONSECA, 2007).

A partir desse vínculo, está preparado o terreno para o ensino de

qualidade. O professor, nessas condições, tem de aproveitar a oportunidade para

ser o mediador do conhecimento. Ele estimula os processos cognitivos nos

aprendentes por meio de atividades sedutoras e intrigantes sobre determinados

assuntos, pré-estabelecidos. O professor deve permitir-se compartilhar

experiências com os estudantes, deixando que sejam autores de novos

conhecimentos, para que eles deem outra importância ao aprendizado e

ressignifiquem o conteúdo aprendido.

Esse processo da construção do próprio aprendizado traz ao aprendente

certa confiança, que só estimula mais ainda o crescimento da sua autoestima,

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favorecendo o seu desenvolvimento cognitivo, deixando-o apto a obter sua

autonomia quando se trata de aprendizado. A aquisição ou desenvolvimento da

leitura depende da interação explicitamente dirigida, comumente proporcionada

pelo professor, que deve manter esse processo ao longo de toda a escolaridade,

não apenas nas séries iniciais, como tem sido feito nos dias atuais.

A escola tem se distanciado cada vez mais da realidade no ensino de

leitura. Em primeiro lugar, tem dado a responsabilidade dessa tarefa apenas ao

professor de língua materna, quando deveria ser de todas as disciplinas, sendo

que nem o professor de língua materna tem conseguido chegar perto do que

consideramos ser ensino de leitura. As atividades interdisciplinares colaboram

para o alcance desse objetivo. O que não quer dizer que os professores de

Língua Portuguesa devam ensinar também conteúdos ou temas de outras

disciplinas. No entanto, os professores de outras disciplinas, sim, deveriam tornar-

se ou comportar-se também como professor de leitura.

O professor de Língua Portuguesa tem se atido à aula de gramática,

ensinando regras fora de qualquer contexto de interação. Essa prática traz sérias

consequências aos estudantes, fazendo-os acreditar que não sabem Português, a

odiar a disciplina e, por fim, a não aprender leitura nenhuma. Há uma sensação,

no meio escolar, de que a leitura faz atrasar o curso.

Sabemos que ensinar a decodificação de signos gráficos é apenas o start

para que a criança entre no mundo dos livros e desenvolva o seu letramento,

tendo a possibilidade de convivência com a língua escrita. O ensino de língua tem

funções individuais e sociais. A partir do desenvolvimento das competências em

leitura e escrita, os aprendentes têm condições de aprender qualquer outra

disciplina do currículo escolar, além de continuar se desenvolvendo com

autonomia para o resto de suas vidas.

Devemos frisar também que não é e nem deve ser papel exclusivo da

escola o de ensinar e fomentar a leitura para a criança, pois a família tem grande

responsabilidade nessa empreitada. Escola e família precisam trabalhar em

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conjunto. Anteriormente à escola, existem “as situações de convívio com

materiais escritos, vividas no ambiente familiar.” (ANTUNES, 2009: 188).

A função da escola seria a de ampliar as competências dos estudantes,

desenvolvê-las ainda mais e acrescentar outras desconhecidas, pois as crianças

não chegam a ela vazias. As competências são definidas aqui como a capacidade

dos sujeitos de conectarem os saberes adquiridos ao longo da vida às situações

de experiência, envolvendo também uma relação com a execução de atividades e

com a resolubilidade das dificuldades enfrentadas. Podemos concluir, então, que

os saberes acumulados são condição para o exercício das competências.

Saberes dinâmicos, em processo constante. (Cf. ANTUNES, 2009).

A palavra escrita “permeia hoje quase todas as práticas sociais dos povos

em que penetrou.” (MARCUSCHI, 2007: 19). A escrita e a leitura são diferentes

facetas que se complementam. Quem escreve, escreve para um possível leitor.

Para se escrever bem, dizem, é necessário que se leia bastante, porque, para

que se desenvolvam bons textos, precisa-se ter informações relevantes sobre

determinados temas. Vale lembrar que a competência escrita não se desenvolve

apenas com a da leitura, é necessária muita prática.

Ter o domínio da leitura é ter acesso a repertórios de informação, a bens

culturais já produzidos ou em vias de produção, nas sociedades letradas, ou não.

“Dá-nos o poder de enxergar e perceber o que nos circunda”. (ANTUNES, idem:

193). Como desenvolver a competência leitora dos estudantes na escola? Em

primeiro lugar, percebendo que somente ouvir não faz ninguém se transformar em

leitor, ler e escrever só se aprende lendo e escrevendo. Eles devem ser inseridos

em uma diversidade de práticas letradas.

Outro aspecto, tão ou mais importante de se ter domínio da leitura, é a

possibilidade de adentrar em mundos das artes, de entrar em

contato com a arte da palavra, com o prazer estético da criação artística, com a beleza gratuita da ficção, da fantasia e do sonho, expressos por um jeito de falar tão singular, tão carregado de originalidade e beleza.” (ANTUNES, ibidem: 200).

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2.3.1. Gêneros textuais no ambiente escolar: sequências didáticas

Conforme já citado no Capítulo I, Dolz & Schneuwly (2010) explicam que é

por meio dos gêneros textuais que as práticas de linguagem se materializam na

escola e fornecem um suporte para a atividade nas situações de comunicação

fora dela, constituindo-se numa referência para os aprendentes, comprovando,

dessa forma, a afirmação de Dolz & Schneuwly, de que se aprende a ler e

escrever a partir da apropriação dos utensílios da escrita.

Estudar a língua, por meio das práticas sociais de linguagem, é deixar de

realizar, na escola, um ensino de língua como sistema de regras, como se tinha

antes, como orientação. O que se quer hoje para a educação básica é o ensino

da língua materna, visando à formação de cidadãos críticos e não teóricos

linguistas.

Dolz e Schneuwly (1999) defendem a importância da criação de contextos

precisos e da multiplicidade e variação de exercícios para que o aprendente se

aproprie das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao

desenvolvimento de suas capacidades, seja de expressão oral, seja escrita.

Preocupados com a adequada compreensão e assimilação dos gêneros textuais

pelos alunos, Dolz, Schneuwly e Noverraz (2010: 82) elaboraram as chamadas

sequências didáticas que são “um conjunto de atividades escolares organizadas,

de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral e escrito”.

É papel da escola e responsabilidade do professor garantir esse espaço de

ensino-aprendizagem para que o aprendente possa se desenvolver por meio do

trabalho efetuado no ambiente escolar. Por meio da sequência didática, o

estudante se apropriará dessas técnicas e instrumentos. É importante lembrarmos

que a sequência didática é aqui entendida como um conjunto de atividades

escolares organizadas em torno de um gênero textual.

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Assim, uma sequência didática tem, precisamente, a finalidade de ajudar o

aprendente a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe escrever ou

falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação.

Portanto, são responsáveis por permitir que os aprendentes tenham acesso às

práticas de linguagem novas ou de difícil apropriação.

As sequências didáticas consistem em algumas etapas: a primeira é a

“apresentação da situação”, em que o professor mediador faz a primeira

apresentação aos aprendentes do gênero desejado a trabalhar. Nesse primeiro

contato, tudo deve ser muito bem explicado, para que não haja dúvidas em

relação a definições e funcionalidade do gênero em questão.

A segunda etapa consiste no que chamamos de “produção inicial” em que

os alunos escrevem um primeiro texto, oral ou escrito, correspondente ao gênero

trabalhado. É nesse produto inicial que o professor terá uma noção das

qualidades e dificuldades dos aprendentes em relação ao gênero, servindo de

diagnóstico.

A partir daí, o professor terá condições de preparar/planejar as aulas da

etapa seguinte: os módulos. Os módulos são aulas focadas exclusivamente nas

dificuldades demonstradas pelos estudantes e dão a eles instrumentos

necessários para superá-las.

Ao final, após a exploração de diversos problemas apresentados no

momento introdutório, chega a hora de se assegurarem de que o corpo discente

tenha, de fato, se apropriado dos instrumentos oferecidos a ele, para superação

das deficiências na produção de determinado gênero, no que chamamos

“produção final”.

Nessa produção, é corrigida a escrita, pois o texto, durante todos os

procedimentos, é provisório. São conferidas a ortografia e estruturas relacionadas

à sintaxe, à coesão, à coerência e se os aspectos característicos ao gênero foram

respeitados devidamente.

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106 

 

Ora, como essa é uma proposta de metodologia elaborada, inicialmente,

por professores-pesquisadores da Universidade de Genebra, Suíça, motivados a

descobrir novas formas de sanar as dificuldades dos aprendentes na aquisição da

língua materna, há de se ter muito cuidado, para que não se torne, no Brasil, mais

uma teoria/metodologia pronta, fechada e imposta.

Ao ser tomada como a mais nova solução aos problemas do ensino de

Língua Portuguesa, pode tornar-se um problema quando, os professores, mais

uma vez, poderão recebê-la como uma receita a ser seguida, deixando de

construir com os aprendentes novos conhecimentos, deixando de transformar o

atual ensino de língua.

É valido lembrar que a sequência didática é um procedimento que inclui a

possibilidade de avaliação formativa, visando a transformar o modo de falar, ler e

de escrever dos estudantes, no sentido de uma consciência mais ampla de seu

comportamento de linguagem. Sua finalidade primordial consiste em preparar o

aprendente para dominar sua língua nas situações mais diversas da vida

cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos, imediatamente eficazes, a fim

de que melhore suas capacidades de escrita e fala em todas as situações.

As sequências didáticas apresentam uma grande variedade de atividades

que devem ser selecionadas pelo professor, mas jamais tidas como manuais a

serem seguidos. É responsabilidade do professor fazer suas próprias escolhas,

para a sala de aula.

2.3.2. O Livro didático (LD)

Fazer um breve panorama da história do ensino de língua portuguesa no

Brasil, sua relação com o LD e os PCNs é o objetivo deste item.

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107 

 

Marcuschi (2004: 259) comenta que nunca se pensou, discutiu e investigou

tanto o ensino da Língua Portuguesa como agora. Bezerra (2010: 40) diz que

muitas teorias têm influenciado a metodologia do ensino da língua materna, umas

com mais destaque do que outras. As mais relevantes, segundo Marcuschi, são

as mais atuais

a teoria sociointeracionista vygotskyana de aprendizagem, as de letramento e as de texto/discurso, que possibilitam considerar aspectos cognitivos, sociopolíticos, enunciativos e linguísticos envolvidos no processo de ensino/ aprendizagem da língua.

Essas contribuições para a reflexão sobre o ensino da língua começaram

há cerca de três décadas, portanto elas são bem recentes.

Foi a partir de meados do século XVIII, entretanto, que a disciplina de

Língua Portuguesa passou a ser obrigatória tanto em Portugal como no Brasil. A

obrigatoriedade fez com que as escolas começassem a desenvolver as aulas de

Português, baseando-se na metodologia de ensino do latim, priorizando a

identificação e análise de regras gramaticais da língua.

Convém frisar que, à época, a escola tinha um perfil diferente e seu

alunado também era outro. Os estudantes vinham de famílias abastadas e com

um nível de letramento muito avançado. Isso quer dizer que os estudantes

tinham, de berço, práticas de leitura e escrita bem desenvolvidas. O corpo

docente, usuário da norma culta, tinha condições intelectuais e materiais para

preparar aulas (cf. Bezerra, 2010: 44), gozava de autonomia para a escolha e

elaboração de exercícios e atividades.

Nos anos 50, o estudo do Português era baseado em compêndios

gramaticais e em antologias ou florilégios de autores de textos clássicos. Segundo

Soares (2007), “as gramáticas não tinham caráter didático, eram apenas

exposição de uma gramática normativa, sem comentários pedagógicos”.

A pressão popular pelo direito à alfabetização e escolarização da maioria

desembocou no processo de democratização do ensino brasileiro naquela época.

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108 

 

A abertura da escola para atender às classes populares – não dominadoras da

língua de prestígio – deveria ter transformado o perfil das aulas, mas não foi o que

aconteceu.

No cenário que se formou, passaram a figurar professores menos letrados

e menos autônomos e alunos sem condições intelectuais para acompanhar

aquelas aulas construídas no padrão anterior. O fato é que, mesmo com todas as

mudanças sociais, o ensino de Língua Portuguesa não evoluiu. Continuou-se a

insistir na análise gramatical com as regras de funcionamento da língua de

prestígio, aquela que o professor e os alunos haviam deixado de dominar.

Nesse contexto é que o livro didático (LD) ganha importância como

facilitador – para o professor de formação precária que chegava ao mercado de

trabalho –, ao mesmo tempo em que a profissão do educador era desprestigiada.

A realidade é que o autor do livro didático acabou assumindo a tarefa de eleger e

elaborar exercícios e atividades didáticas, tirando toda a autonomia do professor.

Em 1990, o Ministério da Educação (MEC) produziu os Parâmetros

Curriculares Nacionais – os PCNs, com a finalidade de trazer orientações

pedagógicas às escolas e, sobretudo, aos professores. Sintonizados com as

novas tendências teórico-metodológicas, os PCNs mudaram, significativamente,

as instruções oficiais anteriores. O documento do MEC afirma que

o objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendizado, nesta perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem acontecem (grifo nosso) e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino. (Brasil, 1998: 22)

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109 

 

Os parâmetros, que seguem as atuais tendências teórico-educacionais,

dão respaldo ao professor que queira se adaptar às novas pesquisas no campo

do ensino da Língua Portuguesa e mudar a sua didática, baseando-se nas

práticas sociais de linguagem. Dessa forma, a EL está sintonizada hoje com

mudanças educacionais e propõe uma nova forma de se ensinar a língua

materna, além de abrir um novo campo de pesquisa.

No próximo capítulo, explicaremos a metodologia de pesquisa utilizada

nesta dissertação, a pesquisa qualitativa interpretativista, escolhida para analisar

a maneira pela qual o livro didático selecionado para o corpus propôs as

atividades de leitura, por meio de seus exercícios.

 

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CAPÍTULO 3

METODOLOGIA E ANÁLISE

Neste capítulo, tratamos da metodologia de pesquisa e da análise do

corpus. Na primeira parte, contextualizamos a pesquisa, retomando as

perguntas deste trabalho e os seus objetivos. A seguir, apresentamos o

paradigma qualitativo e focamos na pesquisa interpretativista, depois

esclarecemos os aspectos da análise documental.

Na segunda parte, realizamos a análise do corpus, que consiste,

primeiramente, na descrição da coleção de que o Livro Didático (LD) faz parte,

posteriormente, analisamos a apresentação da coleção e, por fim, fazemos a

análise dos exercícios voltados para a compreensão e a interpretação de

leitura. Para finalizar, discutimos os resultados da análise.

3.1. Contextualizando a pesquisa

Neste momento, parece-nos importante fazer uma retomada das

perguntas de pesquisa que nortearam esta dissertação, tais quais os nossos

objetivos, a fim de justificar a escolha da metodologia e do material desta

investigação.

Neste trabalho, fazemos uso da pesquisa interpretativista crítica, que

está inserida no paradigma qualitativo de pesquisa, com o intuito de analisar os

exercícios de compreensão e interpretação de texto, do LD de Língua

Portuguesa, do 6º ano do Ensino Fundamental II, da coleção didática

Português – linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar

Magalhães.

As nossas perguntas de pesquisa são:

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1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?

2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento

prévio dos aprendentes?

Portanto, os nossos objetivos ao desenvolvermos este trabalho são:

1. Constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do

LD analisado.

2. Analisar de que forma os autores tentam acionar o

conhecimento prévio dos aprendentes.

3.2. Paradigma qualitativo x paradigma quantitativo

Os modelos de investigação científica em ciências humanas e sociais

estão em dois paradigmas: o quantitativo e o qualitativo. Antônio Chizzotti

(2011: 27) diz que

a pesquisa atual em ciências humanas e sociais segue duas orientações básicas a partir dos fundamentos e práticas de pesquisa, com pressupostos teóricos, modos de abordar a realidade e meios de colher informações diferentes, genericamente designadas de pesquisas quantitativas ou qualitativas.

A primeira deriva do paradigma positivista e é caracterizada pela

tradição lógico-empirista. “O positivismo começou a ser empregado nas

ciências exatas e foi depois importado pelas ciências sociais, a partir do início

do século XX, desfrutando desde então de grande prestígio.” (BORTONI-

RICARDO, 2008: 10) Era o método exemplar na construção de conhecimento,

pois seguia um padrão uniforme e determinado, que constava de observação,

formulação da hipótese, verificação, predição e explicação científica.

A pesquisa positivista estruturou-se a partir de Auguste Comte (1787-

1857), no século XIX e, desde então, exerceu grande influência nas atividades

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científicas e culturais. Stella Maris Bortoni-Ricardo (2008) aponta que “desde

meados do século XIX, a teoria da ciência começou a confundir-se com a

própria teoria do conhecimento, de tal forma que todo conhecimento

considerado legítimo passou a ter sua fundamentação na pesquisa científica.”

Outros grandes precursores intelectuais da tradição cientificista, como lembra

Chizzotti (2011), são Francis Bacon (1561-1621), René Descartes (1596-1650),

Galileu Galilei (1564-1642), Hobbes (1588-1678), Isaac Newton (1642-1727),

John Locke (1632-1704), Berkley (1685-1753), David Hume (1711-1776) e

John Stuart-Mill (1806-1873).

Para finalizar a apresentação das ideias positivistas de pesquisa,

acrescentamos que,

de acordo com o paradigma positivista, a realidadeé apreendida por meio da observação empírica. As descobertas se dão pela via da intuição, que é o processo de chegar a regras e leis gerais pela observação das regularidades. Pode-se também trabalhar nesse paradigma pelo processo hipotético-dedutivo, que concilia a interpretação empírica com as certezas da lógica dedutiva. (BORTONI-RICARDO, 2008: 14)

Em oposição ao positivismo, surgiram as pesquisas qualitativas que,

diferentemente, “não têm um padrão único porque admitem que a realidade é

fluente e contraditória e os processos de investigação dependem também do

pesquisador – sua concepção, seus valores, seus objetivos.” (CHIZZOTTI,

2011: 26) Foram ganhando destaque a partir dos anos de 1970, se

caracterizavam-se por questionarem as certezas e as normas dos métodos das

pesquisas puramente experimentais “ocorrendo uma perda de confiança nas

teorias que os fundamentavam, de modo que uma nova maneira de conceber o

conhecimento começou a surgir, com a adoção de novos instrumentos e de

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novos olhares teórico-metodológicos para com a realidade” (Sugayama, 2011:

66).

Chizzotti (2011: 48) faz uma descrição histórica das pesquisas em

ciências humanas e sociais e explica que a evolução das pesquisas qualitativas

“está marcada por rupturas mais que progressão cumulativa, abriga tensões

teóricas subjacentes, cada vez mais inovadoras que a distanciam de teorias,

práticas e estratégias únicas de pesquisa”.

O paradigma qualitativo é plural, não pertence a nenhuma disciplina, é

um campo de investigação que não possui nenhum conjunto de métodos ou

práticas que sejam inteiramente seu. “Os pesquisadores qualitativos utilizam

análise semiótica, a análise da narrativa, do conteúdo, do discurso, de

arquivos, e a fonêmica e até mesmo as estatísticas, as tabelas, os gráficos e os

números.” (Denzin & Lincoln, 2006: 20) Todas essas práticas trazem distintas e

importantes contribuições à pesquisa qualitativa, portanto não se pode

privilegiar nenhuma em detrimento de outras.

Influenciada por tantas ofertas de conhecimentos, torna-se uma difícil

tarefa encontrar uma única definição do campo. Nelson e colaboradores (1992:

4, apud Denzin & Lincoln, 2006: 21) tentam defini-lo:

A pesquisa qualitativa é um campo interdisciplinar, transdisciplinar e às vezes, contradisciplinar, que atravessa as humanidades, as ciências sociais e as ciências físicas. A pesquisa qualitativa é muitas coisas ao mesmo tempo. Tem um foco multiparadigmático. Seus praticantes são suscetíveis ao valor da abordagem de múltiplos métodos, tendo um compromisso com a perspectiva naturalista e a compreensão interpretativa da experiência humana. Ao mesmo tempo, trata-se de um campo inerentemente político e influenciado por múltiplas posturas éticas e políticas. A pesquisa qualitativa adota duas tensões ao mesmo tempo. Por um lado, é atraída a uma sensibilidade geral, interpretativa, pós-experimental, pós-moderna, feminista e crítica. Por outro lado, é atraída a concepções da experiência humana e de sua análise mais restritas à definição positivista, pós-positivista, humanista e naturalista. Além disso, essas tensões podem ser combinadas ao mesmo projeto, com a aplicação tanto das perspectivas pós-moderna e naturalista quanto das perspectivas crítica e humanista.

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Dentre tantas posturas epistemológicas que a pesquisa qualitativa

acolhe, Thomas A. Schwandt (2006) escolhe três delas – o interpretativismo, a

hermenêutica e o construcionismo social – e aprofunda-se em um exame

descritivo e comparativo. Schwandt (2006: 195) diz que

o interpretativismo, a hermenêutica e o construcionismo social seguem diferentes perspectivas quanto ao objetivo e à prática da compreensão da ação humana, de diferentes compromissos éticos e de diferentes posturas em relação a questões metodológicas e epistemológicas que envolvam a representação, a validação a objetividade, e assim por diante.

Delas, pode-se afirmar que o interpretativismo e a hermenêutica

nasceram no final do século XIX e início do século XX, como reações à, então

dominante, filosofia do positivismo. Seus defensores justificavam-nas

declarando que as ciências humanas tinham diferenças fundamentais em

relação às ciências naturais. O interpretativismo afirmava que o objetivo das

ciências humanas era compreender a ação humana, em contrapartida, o

positivismo afirmava que a finalidade de qualquer ciência é explicar causas de

fenômenos sociais, comportamentais e físicos (cf. Schwandt, 2006).

Neste trabalho, optamos pela filosofia interpretativista de pesquisa

qualitativa, pois pretendemos compreender como os autores do livro didático

veem o processo de leitura e como estimulam ou influenciam professores e

estudantes a desenvolvê-la em sala de aula, por meio de exercícios propostos,

além de assinalarmos ser a nossa visão apenas uma das possíveis análises

que poderiam ser realizadas desse corpus.

Na próxima seção, focalizamos a pesquisa interpretativista.

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3.2.1. Pesquisa interpretativista crítica

Do ponto de vista interpretativista crítica, o que diferencia a ação (social)

humana do movimento dos objetos físicos é o fato de a primeira ser

inerentemente significativa, ou seja, é dizer que ela possui certo conteúdo

intencional que indica seu tipo de ação e/ou que o significado de uma ação

pode ser compreendido apenas como um sistema de significados ao qual ele

pertence (cf. Fay, 1996; Outhwaite, 1975, apud Schwandt, 2006).

O interpretativismo é visto como uma forma alternativa de trabalhar com

o conhecimento, porque, diferentemente da objetividade marcada do

positivismo, nele leva-se em conta a subjetividade do pesquisador. Bortoni-

Ricardo (2008: 33-4) define o interpretativismo como um conjunto de métodos e

práticas que abarcam diversas pesquisas qualitativas, como a

pesquisa etnográfica, observação participante, estudo de caso, interacionismo simbólico, pesquisa fenomenológica e pesquisa construtivista, entre outros. Interpretativismo é uma boa denominação geral porque todos esses métodos têm em comum um compromisso com a interpretação das ações sociais e com o significado que as pessoas conferem a essas ações na vida social. (cf. Erickson, 1990)

A pesquisa de análise documental é uma das possíveis pesquisas

interpretativistas do paradigma qualitativo. Em nosso trabalho, fazemos uso

dessa pesquisa, a qual apresentamos na próxima seção.

3.2.2. Análise documental

Nesta seção, após começarmos fazendo uma breve descrição do

documento escrito, explicamos quais são os procedimentos metodológicos da

análise documental: a análise preliminar e a análise propriamente dita.

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Definir o que é documento não é fácil, porém torna-se muito importante,

por constituir a história de todas as ciências sociais. André Cellard (2010: 296-

7), na tentativa de definir o que é documento, afirma que

tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento ou “fonte”, como é mais comum dizer, atualmente. Pode tratar-se de textos escritos, mas também de documentos de natureza iconográfica e cinematográfica, ou de qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos do cotidiano, elementos folclóricos, etc.

No entanto, o documento discutido neste trabalho é o escrito, por isso,

nos atemos a ele. Oriundos de diversas naturezas, os documentos escritos

podem ser de domínio privado, privados ou pessoais, ou de domínio público,

arquivados ou não arquivados.

O documento escrito possibilitou o avanço no desenvolvimento das

sociedades letradas, no sentido de registrar conhecimentos, fatos e possibilitar

a reconstrução. Portanto, constituiu uma fonte muito rica ao pesquisador das

ciências humanas e sociais. O documento permite ao pesquisador reconstituir

tempos passados. Não é por acaso que quase a totalidade dos vestígios das

atividades humanas de determinadas épocas foi representada por ele. (cf.

CELLARD, 2010)

Hoje, pode-se fazer análise de documentos atuais, como o livro didático,

pois ele mostra uma forma de se conceber o ensino e a aprendizagem de uma

determinada área de conhecimento. A historiografia linguística, “o modo de

refletir sobre o saber linguístico produzido, tendo como objetivo

descrever/explicar como se desenvolveu tal saber em determinado contexto”

(BASTOS & PALMA, 2008: 14), considera objetos de estudo contemporâneo os

produzidos a partir da segunda metade do século XX. A partir dessa época viu-

se a necessidade de esclarecer os acontecimentos presentes.

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Bastos e Palma (2008: 15) afirmam que “o historiógrafo do tempo

presente deve definir com rigor seu campo de investigação, seu método, as

fontes disponíveis e as posições que assume frente à história da qual foi

participante”, pois dessa forma, traz mais objetividade ao estudo, uma vez que

o pesquisador está inserido no tempo, no contexto que se analisa.

No plano metodológico, a análise documental apresenta algumas

vantagens e desvantagens. Por um lado, esse tipo de análise é menos

subjetiva, porque o pesquisador não exerce nenhum tipo de influência sobre o

material, no momento da coleta, podendo alterá-lo. Diferentemente de outras

pesquisas qualitativas em que há a interação do pesquisador com o objeto

pesquisado, quando se trata de pessoas. Por outro lado, por ser um documento

escrito, o pesquisador disporá apenas das informações contidas nele, “a

informação, aqui, circula em sentido único; pois, embora tagarela, o documento

permanece surdo, e o pesquisador não pode dele exigir precisões

suplementares” (CELLARD, 2010: 295-6).

Caracterizado o documento, passamos agora para a descrição da

análise documental. O primeiro passo antes da análise é o que chamamos de

análise preliminar, que consiste em cinco dimensões: o contexto, o autor ou os

autores, a autenticidade e a confiabilidade do texto, a natureza do texto e os

conceitos-chave e a lógica interna do texto. Por fim, a análise.

3.2.2.1. O contexto

O contexto da análise documental de um documento escrito é

importante, pois ele dá ao pesquisador informações necessárias nas diversas

etapas da análise, como na elaboração de um problema ou no próprio

momento da análise. Referimo-nos por contexto “a conjuntura política,

econômica, social, cultural, que propiciou a produção de um documento

determinado” (CELLARD, 2010: 299).

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3.2.2.2. O autor ou os autores

O reconhecimento da origem social, da ideologia ou dos interesses

particulares do autor ou dos autores de um documento possibilita a

compreensão mais precisa dos elementos do documento. Em uma análise

documental, é imprescindível que o pesquisador tenha uma boa ideia da

identidade de quem “se expressa, de seus interesses e dos motivos que o

levaram a escrever” (CELLARD, 2010: 300).

Por fim, André Cellard (2010: 300) complementa afirmando que

elucidar a identidade do autor possibilita, portanto, avaliar melhor a credibilidade de um texto, a interpretação que é dada de alguns fatos, a tomada de posição que transparece de uma descrição, as deformações que puderam sobrevir na reconstituição de um acontecimento.

3.2.2.3. A autenticidade e a confiabilidade do texto

Essencial também é a qualidade das informações obtidas por meio de

um documento, saber qual a relação entre os autores e o que eles escrevem. O

pesquisador deve certificar-se da autenticidade e da confiabilidade do texto,

além da sua procedência.

3.2.2.4. A natureza do texto

Levando em conta que quem escreve algo, escreve para ser lido por

alguém, ou seja, escreve pensando em um leitor ideal, é importante que se

saiba qual a natureza do texto, para quem o texto é dirigido. A natureza do

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texto orientará a forma como o autor se exprimirá. “Efetivamente, a abertura do

autor, os subentendidos, a estrutura de um texto podem variar enormemente,

conforme o contexto no qual ele é redigido” (CELLARD, 2010: 302).

3.2.2.5. Os conceitos-chave e a lógica interna do texto

Esse aspecto diz respeito ao entendimento ou compreensão dos termos

empregados pelo autor do documento. Principalmente quando se trata de

documentos antigos, em que as palavras eram empregadas com diferentes

significados em relação ao que se usa hoje. Por nossa análise se tratar de uma

análise documental do tempo presente, esta etapa não será utilizada.

3.2.2.6. A análise

Após o trabalho da análise preliminar concluído, é o momento de juntar

todas as etapas anteriores para que o pesquisador possa, assim, ter uma

interpretação coerente, considerando a temática e o questionamento inicial.

Cellard (2010: 303) diz que a abordagem permanece tanto indutiva quanto

dedutiva. Assim,

a escolha de pistas documentais apresentadas no leque que é oferecido ao pesquisador, deve ser feita à luz do questionamento inicial. Porém, as descobertas e as surpresas que o aguardam à vezes obrigam-no a modificar ou a enriquecer o referido questionamento.

3.1. Análise do corpus

Nesta seção, fazemos a análise do corpus. O corpus escolhido para esta

dissertação é o livro didático (LD) de Língua Portuguesa do 6º ano do Ensino

Fundamental II. Este LD pertence à coleção Português: Linguagens – Ensino

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Fundamental, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar

Magalhães.

3.1.1. Análise preliminar

A análise preliminar, neste trabalho, consiste em três etapas: o contexto,

em que são analisados os parâmetros curriculares nacionais dos terceiro e

quarto ciclos do Ensino Fundamental, de Língua Portuguesa, no que

corresponde ao ensino leitura. Na segunda etapa, são apresentados os autores

e atestados a sua autenticidade e confiabilidade e, na terceira etapa, é

apresentada a natureza do LD.

3.1.1.1. Contexto

Para entender “a conjuntura política, econômica, social, cultural, que

propiciou a produção de um documento determinado” (CELLARD, 2010: 299),

buscamos os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua

Portuguesa, no que se refere à leitura, porque eles foram

elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de se construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. (Souza, 1998: 5)

Dentre os objetivos gerais de ensino de Língua Portuguesa, para o

Ensino Fundamental, aquele que se refere à leitura é habilitar os aprendentes a

(BRASIL, 1998: 33):

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Analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação de textos:

Contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes opiniões;

Inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto; Identificando referências intertextuais presentes no texto; Percebendo os processos de convencimento utilizados para

atuar sobre o interlocutor/leitor; Identificando e repensando juízos de valor tanto

socioideológicos (preconceituosos ou não) quanto histórico-culturais (inclusive estéticos) associados à linguagem e à língua;

Reafirmando sua identidade pessoal e social.

Quando se trata dos objetivos de ensino, especificamente, do terceiro e

do quarto ciclo (6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental,

no processo de leitura de textos escritos, espera-se que o aluno:

Saiba selecionar textos segundo seu interesse e necessidade;

Leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha construído familiaridade:

o Selecionando procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, e a características do gênero e suporte;

o Desenvolvendo sua capacidade de construir um conjunto de expectativas (pressuposições antecipadoras dos sentidos, da forma e da função do texto), apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero, suporte e universo temático, bem como saliências textuais – recursos gráficos, imagens, dados da própria obra (índice, prefácio, etc.);

o Confirmando antecipações e inferências realizadas antes e durante a leitura;

o Articulando o maior número possíveis de índices textuais e contextuais na construção do sentido do texto, de modo a:

a. Utilizar inferências pragmáticas para dar sentido a expressões que não pertençam a seu repertório linguístico ou estejam empregadas de forma não usual em sua linguagem;

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b. Extrair informações não explicitadas, apoiando-se em deduções;

c. Estabelecer a progressão temática; d. Integrar e sintetizar informações,

expressando-as em linguagem própria, oralmente ou por escrito;

e. Interpretar recursos figurativos tais como: metáforas, metonímias, eufemismos, hipérboles etc.;

o Delimitando um problema levantado durante a leitura e localizando as fontes de informação pertinentes para resolvê-lo;

Seja receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em marcas formais do próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor;

Troque impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos, posicionando-se diante da crítica, tanto a partir do próprio texto como de sua prática enquanto leitor;

Compreenda a leitura em suas diferentes dimensões – o dever de ler, a necessidade de ler e o prazer de ler;

Seja capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que reconheça nos textos que lê.

(BRASIL, 1998: 49-51)

Quanto aos conteúdos trabalhados nos dois últimos ciclos do Ensino

Fundamental, para o desenvolvimento de leitura de textos escritos, estão

(BRASIL, 1998: 55-7):

Explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo do texto em função das características do gênero, do suporte, do autor, etc.;

Seleção de procedimentos de leitura em função dos diferentes objetivos e interesses do sujeito (estudo, formação pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das características do gênero e suporte:

o Leitura integral: fazer a leitura sequenciada e extensiva de um texto;

o Leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de textos para leitura posterior;

o Leitura tópica: identificar e corrigir, num texto dado, determinadas inadequações em relação a um padrão estabelecido;

o Leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo comandos que pressupõem uma ordenação necessária;

Emprego de estratégias não-lineares durante o processamento de leitura:

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o Formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto, antes ou durante a leitura;

o Validar ou reformular as hipóteses levantadas a partir das novas informações obtidas durante o processo da leitura;

o Avançar ou retroceder durante a leitura em busca de informações esclarecedoras;

o Construir sínteses parciais de partes do texto para poder prosseguir na leitura;

o Inferir o sentido de palavras a partir do contexto; o Consultar outras fontes em busca de informações

complementares (dicionários, enciclopédias, outro leitor);

Articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as que dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto, para dar conta de ambiguidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e valores implícitos, bom como as intenções do autor;

Estabelecimento de ralações entre os diversos segmentos do próprio texto, entre o texto e outros textos diretamente implicados pelo primeiro, a partir de informações adicionais oferecidas pelo professor ou consequentes da história de leitura do sujeito;

Articulação dos enunciados estabelecendo a progressão temática, em função das características das sequências predominantes (narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior do gênero;

Estabelecimento da progressão temática em função das marcas de segmentação textual, tais como: mudança de capítulo ou de parágrafo, títulos e subtítulos, para textos em prosa; colocação em estrofes e versos, para textos em versos;

Estabelecimento das relações necessárias entre o texto e outros textos e recursos de natureza suplementar que o acompanham (gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes) no processo de compreensão e interpretação do texto;

Levantamento e análise de indicadores linguísticos e extralingüísticos presentes no texto para identificar as várias vozes do discurso e o ponto de vista que determina o tratamento dado ao conteúdo, com a finalidade de:

o Confrontá-lo com o de outros textos; o Confrontá-lo com outras opiniões; o Posicionar-se criticamente diante dele;

Reconhecimento dos diferentes recursos expressivos utilizados na produção de um texto e seu papel no estabelecimento do estilo do próprio texto ou de seu autor.

3.1.1.2. Sobre os autores

William Roberto Cereja é professor da rede particular de ensino em São

Paulo, capital, graduado em Português e Linguística e licenciado em Português

pela Universidade de São Paulo. Cereja também é mestre em Teoria Literária

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pela Universidade de São Paulo, doutor em Linguística Aplicada e Análise do

Discurso na PUC-SP.

Magalhães é professora da rede pública de ensino em Araraquara, SP,

graduada em Português e Francês e licenciada pela FFCL de Araraquara, SP.

Mestra em Estudos Literários pela Unesp de Araraquara, SP.

Apresentados os autores, explicamos em quais etapas consiste a

análise do corpus. Em primeiro lugar, fazemos uma descrição da coleção de

LD proposta pelos autores, qual a estrutura das seções presentes nos livros.

Em segundo lugar, analisamos a apresentação da coleção, levantando o que

os autores dizem pretender com a coleção. Em terceiro lugar, fazemos a

análise das questões que abordam a compreensão e interpretação dos textos.

Por último, discutimos os resultados da analise desenvolvida.

3.1.1.3. Natureza do LD

O documento analisado trata-se de um livro didático, portanto, um

material didático, voltado a auxiliar o professor a conduzir as aulas de Língua

Portuguesa. Para que se caracterizemos mais profundamente a natureza

desse livro, adiante descrevemos a coleção de que ele faz parte e em seguida

analisamos a apresentação feita pelos próprios autores do LD.

3.1.1.3.1. Descrição da coleção

A coleção de LD Português: Linguagens – Ensino Fundamental, de

William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, voltada para ensino

fundamental II (do 6º ao 9º ano), é composta de quatro livros, cada um é

destinado a uma série. Cada um dos volumes é composto por quatro

unidades, e cada unidade por quatro capítulos. O último chama-se

Intervalo, diferencia-se dos outros, por apresentar um projeto que

envolva toda a classe. Toda unidade é precedida de uma seção

introdutória, na qual são apresentados os temas abordados na unidade.

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As páginas de abertura se destinam ao aquecimento do tema da

unidade no que diz respeito ao gênero discursivo, que será abordado no

decorrer das demais páginas. Com alguma imagem e textos curtos, a abertura

tem também a seção Fique ligado! Pesquise!, que sugere atividades,

pesquisas possíveis de serem realizadas em classe ou extraclasse. Por

exemplo, assistir a filmes, ler livros, pesquisas na internet, ouvir músicas etc.

Assim, podendo ampliar o conhecimento prévio dos aprendentes sobre

determinado gênero.

Na segunda parte da abertura, há a seção De olho na imagem,

que se destina à leitura sistematizada de linguagens não verbais ou

transverbais, ainda com a possibilidade de ampliar o conhecimento

prévio dos aprendentes.

Como último capítulo das unidades, Intervalo procura retomar e

aprofundar de diferentes maneiras o gênero ou tema trabalhado. São

momentos em que os estudantes criam situações de uso dos gêneros textuais/

discursivos de maneira que os gêneros possam parecer menos artificiais, uma

vez que, como são trabalhados na escola, são descaracterizados do ambiente

real e podem perder o sentido.

Sobre os capítulos, todos os livros da coleção possuem a mesma

estrutura. Cada capítulo possui cinco seções essenciais: Estudo do texto, Produção de texto, Para escrever com adequação/ coerência/ coesão/ expressividade, A língua em foco e De olho na escrita.

Estudo do texto: É uma seção que pretende trabalhar

competência leitora dos aprendentes, selecionam textos que

circulam socialmente, tais como o ficcional, o poético, o

jornalístico, o autobiográfico, o publicitário, a entrevista, o de

iniciação científica, o cartum, a charge, a pintura, a fotografia, etc.

Esta seção está organizada em 6 partes, em que algumas são

facultativas: Compreensão e interpretação, A linguagem do texto, Leitura expressiva do texto, cruzando linguagens,

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trocando ideias e ler é um prazer/ emoção/ descoberta/ diversão/ reflexão;

Produção de texto: Trata de trabalhar com diversos gêneros do

discurso de ampla circulação social, essa seção mantém o

diálogo com o tema da unidade e com os textos estudados no

capítulo. É dividida em duas partes: a primeira em que são

caracterizadas as características do gênero e a segunda em que

os aprendentes deverão produzir seu próprio texto, de acordo

com o gênero determinado, denominada de Agora é a sua vez;

Para escrever/ falar com adequação/ expressividade/ coerência e coesão: É uma seção que varia o nome, de acordo

com que é pedido. Trata de exercitar aspectos específicos da

língua como vocabulário, grau de informatividade, ambiguidades,

discursos citados, valores estilísticos de pontuação etc.

A língua em foco: Nessa seção, são estudados os aspectos

linguísticos da Língua Portuguesa. Neste momento, os

aprendentes realizam exercícios gramaticais, porém desde

outra perspectiva, espera-se que o aprendente deixe de

apenas descrever a língua, conforme a variedade culta e

passe a operar a língua como um todo, isto é, aproprie-se de

seus recursos de expressão, orais e escritos, e utilizá-los de

forma consciente. Ela apresenta os tópicos: Construindo o conceito, conceituando, A categoria gramatical estudada na construção do texto e Semântica e discurso.

De olho na escrita: Essa seção trabalha os aspectos

notacionais da língua, como a ortografia e a acentuação.

Está presente em dois ou mais capítulos de cada unidade.

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3.1.1.3.2. Análise da apresentação da coleção Português:

Linguagens – Ensino Fundamental

O objetivo desta seção é o de analisar como os autores do LD

apresentam o volume, como eles se dizem trabalhar e apresentar a sua

proposta de ensino da língua, para que mais adiante, possamos conferir como

essa teoria se dá na prática dos exercícios.

A apresentação do livro está situada na introdução do manual do professor, anexado ao final do livro do professor. Por ser a terceira edição,

sendo a primeira lançada em 1998, os autores explicam quais as diferenças

entre ela e a última.

Confirmam e aprofundam características das edições anteriores, como,

por exemplo, a proposta de um trabalho consistente de leitura, com uma seleção criteriosa de textos – que vão dos clássicos da literatura universal aos autores da literatura contemporânea brasileira –, comprometida com a formação de leitores competentes de todos os tipos de textos e gêneros em circulação social; uma abordagem de gramática normativa, essenciais ao exercício de um mínimo de metalinguagem – como substantivo, verbo, pronome, complementos, adjuntos –, alarga o horizonte dos estudos da linguagem, apoiando-se nos recentes avanços da linguística textual; e o interesse em explorar (seja na condição de receptor, seja na de produtor) outras linguagens, além da verbal, como a pintura, a fotografia, o cinema, o cartum, o anúncio publicitário, etc. (CEREJA & MAGALHÃES, 2006: 2)

Os autores afirmam ter uma mudança de postura em relação à língua,

deixando a noção de erro e assumindo a de adequação, dando lugar à

variedades linguísticas. No decorrer do livro, criam situações concretas de

interação discursiva, há o desenvolvimento de projetos como forma de garantir

“a participação efetiva do aluno-sujeito no processo de construção do

conhecimento” (CEREJA & MAGALHÃES, 2006: 2).

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Cereja & Magalhães (2006: 2) propõe um material didático de ensino de

língua, que a veja “como um instrumento de comunicação, de ação e de

interação social”, que dê um novo um novo tratamento aos conteúdos, agora

vistos a partir da “semântica, da estilística, da linguística e da análise do

discurso”. Pensam um trabalho integrado entre produção de leitura, de textos e

reflexão sobre a língua.

3.1.2. Análise das questões sobre leitura

Terminada a análise preliminar, analisaremos agora as questões sobre

leitura, do capítulo I, da primeira unidade do LD. Essas questões correspondem

à seção introdutória da unidade, em que se apresenta o tema estudado na

unidade e à seção Compreensão e interpretação, inserida na seção Estudo do texto, em que se estuda o texto apresentado na abertura do capítulo.

A unidade 1, No mundo da fantasia, apresenta na seção introdutória o

tema que será estudado, por meio das linguagens verbais e não-verbais. Nesta

introdução, ao mesmo tempo em que os autores disponibilizam materiais para

serem expostos e discutidos com os aprendentes, dão espaço para que o

ensinante realize o trabalho de ativação dos conhecimentos prévios da forma

que parecer mais adequada à sua turma de estudantes.

Na primeira parte há o poema O caminho da floresta, de Rudyard Kipling

ao lado de seis imagens que fazem alusão a figuras (animais, objetos e

ambientes) típicas de histórias fantásticas. Os autores trazem informações

adicionais, que não estão no livro do aluno, aos professores, para que

comentem com os aprendentes, como quem foi o poeta Rudyard Kipling, autor

do poema.

Na segunda parte, na seção Fique ligado! Pesquise!, o aprendente

encontrará sugestões de livros, vídeos, websites com o mesmo tema: contos

de fada.

Na terceira parte, há a seção De olho na imagem, é apresentada uma

pintura, pela qual os autores dizem pretender levar os aprendentes a

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desenvolver habilidades de leitura de textos não verbais, tais como observar,

comparar, levantar hipóteses, inferir, identificar, explicar, estabelecer relações

de causa e conseqüência.

No entanto, o quadro The land of enchantment, de Norman Rockwell,

apresentado, não parece poder ajudar a desenvolver tais habilidades, uma vez

que mal podemos identificar o que está sendo representado. Por isso, a

linguagem não verbal escolhida nos parece ser inadequada à proposta.

Sigamos para a análise das perguntas:

1. Há, na pintura, dois planos: no primeiro vemos um menino e uma menina e, no segundo, de fundo, vemos vários elementos. Observe o primeiro plano.

a. O que o menino e a menina estão fazendo? Estão lendo. b. Que idade você imagina que eles tenham? Provavelmente

entre 8 e 11 anos. c. Pelas roupas, é possível dizer que esses meninos são do

nosso tempo ou de uma época passada? Por quê? São de

uma época passada, pois as crianças de hoje se vestem de outra maneira.

O vestido da menina e os sapatos dos dois são bem diferentes com os de

hoje. 2. Abaixo das crianças, há uma inscrição em inglês, cuja tradução

é o próprio nome do quadro: A terra do encantamento. Observe que, no plano de fundo da pintura, há várias personagens.

a. Em que lugar elas estão? Numa floresta.

b. Quem são elas? Espera-se que o aluno perceba que são personagens

de algumas histórias conhecidas.

c. Que relação há entre elas e os livros que as crianças estão lendo? As personagens pertencem às histórias que as crianças

estão lendo, fazem parte da “terra do encantamento” que aparece nos

livros.

As duas primeiras questões induzem o aprendente a identificar no

quadro as personagens do primeiro plano e o as personagens e o ambiente em

que estão no segundo plano, a fim de que ele possa se situar, por meio da

observação e identificação da linguagem não-verbal. Na segunda questão,

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tenta-se induzir os aprendentes a ativar o seu conhecimento prévio acerca das

histórias fantásticas, em que aparecem os personagens do plano de fundo, no

entanto, essa tarefa parece estar prejudicada uma vez que a imagem não está

clara.

3. Na “terra do encantamento”, vivem personagens que povoam a fantasia de crianças e adultos de todo o mundo. Tente descobrir as histórias a que elas pertencem. Sem resposta.

A terceira pergunta é uma forma de reforçar o que já foi suscitado na

questão anterior, a identificação das personagens do plano de fundo, porém,

desta vez, situando-as em suas histórias de origem.

4. Observe as crianças lendo e os objetos que estão do lado delas. Na sua opinião, elas gostam de ler? Por quê? Professor: estimule os

alunos a observar a postura e a expressão facial das personagens, bem como a

quantidade de livros que elas têm do lado. Tudo isso sugere que elas adoram ler.

Dessa vez, o aprendente é estimulado a opinar sobre a imagem, embora

não tenha material suficiente para fazê-lo, primeiro por não haver clareza ou

nitidez na imagem, segundo, por ser uma resposta muito subjetiva, pois os

elementos trazidos não são precisos. Pode-se verificar isso, pela sugestão que

os autores dão ao professor, pois sem ela, nem o professor teria condições de

tal inferência.

5. Quando lemos, nos transportamos para um mundo em que tudo pode acontecer: animais falam, piratas perigosos nos ameaçam com mão de gancho, sapos nojentos viram lindos príncipes, monstros horríveis transformam-se em pessoas bonitas por dentro e por fora... Essa é a “terra do encantamento” ou o mundo da fantasia que está à nossa espera nos livros?

a. Quais das histórias do mundo da fantasia você já leu? b. De qual você gostou mais? Por quê? c. Para você, o que é a leitura?

Respostas pessoais. Professor: O objetivo da questão é favorecer a troca

de experiências sobre leitura de contos maravilhosos, fábulas e outros

gêneros. Essa troca é importante tanto para a formação de novos leitores,

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quanto para ativar o conhecimento prévio dos alunos, antes que eles

iniciem o capítulo 1, o estudo sistematizado dos contos maravilhosos.

Portanto, estimule os alunos a relatar suas impressões e experiências com

a leitura.

A quinta e última questão, como os próprios autores explicam, tem o

objetivo de suscitar a discussão entre os aprendentes sobre o tema que será

estudado na Unidade 1: os contos maravilhosos, fábulas, etc. Retoma as

questões feitas na segunda e terceira pergunta, pois se supõe que se eles

conhecem a história, ela provavelmente já a tenha lido.

Importante comentar que esta seção, De olho na imagem, propõe-se a

estimular discussões orais sobre determinado tema, a fim de fazer com que os

aprendentes ativem o conhecimento que já possuem acerca dos textos que

seguirão.

Confira a seguir, as páginas de abertura da Unidade 1:

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1. O texto “O ganso de ouro” conta uma história. O texto que conta uma história chama-se texto narrativo. Todo texto narrativo apresenta fatos em sequência: um fato, que dá origem a outro fato, e assim por diante. No conto em estudo, por exemplo, João Bocó divide seu lanche com um homem velho.

a. Que efeito esse fato causa no destino de João? João recebe um

ganso de ouro por recompensa e sai pelo mundo em busca de aventuras. b. Por que o conto “O ganso de ouro” e outros contos

semelhantes a esse são conhecidos como contos

maravilhosos? Dê sua opinião. Resposta pessoal. Espera-se que o

aluno responda que contos desse tipo têm em comum o mágico, o

sobrenatural, o insólito, isto é, situações que não podem ser explicadas à luz

da razão. Professor: O conto em estudo e tantos outros são denominados

contos de fada (tendo ou não fadas em suas narrativas) ou contos

maravilhosos. Como a presença de elementos mágicos é comum em inúmeras

narrativas, no mundo todo, optamos por adotar a denominação mais genérica:

conto maravilhoso. O termo maravilhoso vem do latim mirabilia, que significa

“notável, assombroso, encantador; aquilo que se pode admirar com os olhos”. c. Em “O ganso de ouro”, que fatos podem ser considerados

fora do comum, espantosos? Cite dois exemplos. O velho ter

transformado o pão em bolo e a água em vinho; o velho ter dado um ganso de

ouro a João Bocó; as pessoas ficarem presas nas penas do ganso; um homem

comer uma montanha de pão; um navio navegar na terra, etc.

A primeira questão começa a apresentar ao aprendente as

características do gênero lido: o conto maravilhoso, como a estrutura narrativa

e o elemento fantástico. No item A, o que se exige do aprendente é a

interpretação, pois o que se pede é a identificação de uma informação no texto.

Logo no segundo item, no item B, ainda sem material levantados

suficientes, pede-se que o aprendente opine por que os contos são

caracterizados como maravilhosos.

No item C, os autores voltam a pedir que se interprete, identificando

novas informações no texto lido.

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2. Uma história pode ser vivida por pessoas, animais e, às vezes, até por objetos. Quem vive uma história, chama-se personagem. Leia o boxe ao lado e responda:

a. No conto “O ganso de ouro”, quem é o protagonista? João

Bocó. b. Nesse conto, não há um vilão cruel ou maldoso. Entretanto,

quem se opõe à vontade de João Bocó? O rei. c. Nos contos maravilhosos que você conhece, como são

normalmente os heróis? Resposta pessoal. Espera-se que o aluno

responda que os heróis geralmente são inteligentes, corajosos, espertos,

bonitos, etc. d. O protagonista do conto “O ganso de ouro” assemelha-se

aos heróis que você conhece? Justifique sua resposta. Resposta pessoal. Espera-se que o aluno responda que não, pois todos

consideravam o João Bocó um bobalhão e desastrado; daí seu apelido. e. Apesar disso, que qualidades fazem de João Bocó um herói?

A generosidade, a persistência, a inteligência e a esperteza.

Nos dois primeiros itens da segunda questão, com a ajuda de

informações extra textuais (contidas no boxe), o aprendente é levado a fazer

interpretação, por meio da identificação das personagens, o protagonista e o

antagonista.

Os dois últimos itens estão ligados entre si, pois perguntam sobre a

mesma personagem: a protagonista. No item C, o estudante é levado a

recorrer ao seu conhecimento prévio (heróis que já conhece), para poder

comparar com o conhecimento novo (o novo herói, João Bocó). No último item,

ele volta a fazer uma interpretação, e identificar as características do João

Bocó, que estão presentes no livro.

3. Depois de ganhar o presente do velho grisalho, João Bocó sai em busca de aventuras.

a. Por que ele resolveu partir? Porque em sua casa ele não era muito

querido.

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b. Compare o modo como o pai e a mãe de João Bocó o tratam e como eles tratam os outros filhos. Há alguma diferença nessa forma de tratamento? Justifique sua resposta com elementos do texto. Sim; o pai acha os dois irmãos espertos e

inteligentes e considera João um bobo; a mãe prepara um lanche com bolo e

vinho para os filhos mais velhos e um lanche com pão e água para o João.

Nessa questão, há uma mistura de compreensão com interpretação.

Sendo que, no item A, o aprendente poderá fazer uma inferência, a partir das

atitudes que ele perceberá na história. No segundo item, o que se pede é a

identificação de informações contidas no conto, a fim de justificar a inferência

feita na primeira parte.

4. Ao chegar à cidade, João Bocó dirige-se ao palácio para tentar fazer a princesa rir e, assim, casar-se com ela. Na sua opinião, João tinha a intenção de usar o ganso de ouro para isso? Provavelmente

não. Professor: Não há pistas no texto sobre isso; talvez por achar-se bobalhão e

desastrado, o herói estivesse convencido de que pudesse fazer a princesa rir.

Por se tratar de uma pergunta, cuja resposta não se pode extrair do

texto, exige do aprendente uma compreensão do que se leu. O aprendente terá

de opinar, a partir de uma informação que não está no conto.

5. Apesar de João Bocó ter feito a princesa rir, o rei não cumpriu sua palavra e submeteu o herói a duas provas que estavam além da capacidade dele.

a. Que tipo de ajuda o João teve para vencê-las? Nas duas provas,

João Bocó teve a ajuda do velho mágico. Na primeira, o velho mágico

provavelmente se transformou em no homem faminto e, na segunda, deixou

em seu lugar o barco.

b. João Bocó era realmente um bobalhão como as pessoas achavam? Não, ele era inteligente e esperto.

Na quinta questão, ambos os itens pedem a interpretação do

aprendente, pois, mais uma vez, solicita informações que estão inseridas no

texto, explicitadas.

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6. Que outro título você daria para esse conto? Resposta pessoal.

Essa pergunta, apesar de ser pessoal, mostrará o que o aprendente

compreendeu do que leu. Dependendo da resposta, se justificada pelas pistas

presentes no conto, pode-se afirmar que houve uma leitura significativa.

7. Os contos maravilhosos quase sempre procuram transmitir ensinamentos relacionados a comportamentos dos seres humanos. Que ensinamentos a respeito das pessoas o conto “O ganso de ouro” transmite? Não devemos julgar as pessoas pela aparência.

Nessa questão, é exigido do aprendente que ele compreenda o texto

que leu, uma vez que tenha que fazer relações com conhecimentos que já

possuía.

Confira a seguir as perguntas analisadas do LD:

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3.2. Discussão dos resultados

Há nas questões sobre leitura, tanto na seção De olho na imagem,

como na seção Compreensão e interpretação, perguntas que exigem a

inferência do leitor, quanto aquelas que pedem a mera identificação de

informações no texto. Notamos também as perguntas em que o leitor deve

emitir opinião, porém, muitas, senão quase todas, pareceram-nos

descontextualizadas.

Em ambas as partes, na introdutória e no Capítulo 1, não há uma

progressão crescente nos tipos de perguntas. Não seguem a linha:

interpretação > compreensão > opinião. Por isso, algumas estão

descontextualizadas, por faltar informações necessárias para serem

respondidas, pois poderiam ter sido construídas a partir da resposta de outras

perguntas.

Pela apresentação que os autores fazem tanto da coleção quanto do

volume, estão alinhados com as demandas atuais, nas quais podemos conferir

pelo contexto, da análise preliminar, que nos traz os Parâmetros Curriculares

Nacionais.

Com relação aos textos selecionados, na seção De olho na imagem,

diferente do que se anuncia, o texto não-verbal, nesse caso uma pintura, não

colabora para a leitura. Na seção Compreensão e interpretação, o texto

selecionado é de qualidade, um conto clássico da literatura universal.

Conforme orientado pelos parâmetros e apresentado pelos autores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela perspectiva da Educação Linguística, que vê a Educação como uma

prática libertadora e acredita ser o ensino da língua materna fundamental para

constituição de um sujeito ativo em sociedade, entramos no mundo da leitura e

vimos sua complexidade. A fim de descobrir como essa complexidade é vista,

trabalhada e administrada, nas aulas de Língua Portuguesa, escolhemos o livro

didático para análise. A escolha se deu, principalmente, por assumirmos que ele

é, atualmente, o material norteador dos professores em sala de aula.

Com a análise, pudemos perceber qual a concepção de leitura que os

autores adotam e de que forma eles propõem o seu estudo. Agora, com base na

análise do corpus realizada no capítulo anterior, respondemos às perguntas que

nortearam a nossa investigação. Para tanto, baseamo-nos nos dados que

pudemos levantar a partir dos exercícios do LD e também na fundamentação

teórica sobre leitura que discutimos no capítulo II, deste trabalho.

As perguntas são estas:

1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?

2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos

aprendentes?

Em relação à primeira pergunta, voltamo-nos aos dados obtidos na análise,

para afirmar que grande parte das perguntas observadas é de interpretação de

texto, portanto, as estratégias de leitura ativadas são as ascendentes (bottom-up),

pois, para que se chegue às respostas, parte-se do texto, da estrutura. São

perguntas de localização de informações no texto, por isso não levam os alunos a

buscarem informações extratextuais, como o seu conhecimento de mundo.

Há também algumas perguntas de compreensão textual, quedemandam do

leitor o modelo descendente (top-down) de leitura. São perguntas que solicitam do

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leitor informações que não estão no texto, dependem do seu conhecimento

enciclopédico. Elas requisitam do leitor reflexão e estabelecimento de relações

entre o novo (o que ele está lendo) e o velho (informações já adquiridas em outras

leituras de mundo ou textuais).

As perguntas opinativas pareceram-nos despropositadas, uma vez que

perguntavam a opinião do leitor-aprendente, sem antes tê-lo preparado para fazer

tal avaliação, ou seja, como não se havia adentrado no tema questionado, por

meio de perguntas interpretativas ou reflexivas anteriores, induz-se, então, o

aprendente a qualquer resposta sem fundamento. Portanto, podemos considerar

que o modelo de leitura subjacente às questões analisadas é o interativo, pois usa

ambos os processamentos da informação, embora haja predominância do

ascendente.

É importante salientar que o leitor que faz mais uso desse processamento

em detrimento do outro tende a ser vagaroso e pouco fluente, pois tem dificuldade

de sintetizar as ideias do texto, uma vez que pode não saber distinguir o que é

mais relevante do que é secundário, considerando apenas o ilustrativo ou o

redundante. (KATO, 1999).

Quanto à segunda pergunta, verificamos que o acionamento dos

conhecimentos prévios do leitor-aprendente é assegurado de variadas maneiras,

tanto na seção De olho na imagem, como na Compreensão e interpretação.

A seção De olho na imagem, que faz parte da abertura da unidade 1, é

uma seção exclusiva para essa ativação. Por meio de diversas linguagens,

verbais e não-verbais, os autores tentam estimular a discussão entre os

aprendentes sobre determinado tema, normalmente o gênero literário que será

estudado no decorrer da unidade.

No caso da unidade estudada houve um esforço para que os aprendentes

pudessem recordar de todos os contos maravilhosos com que haviam tido

contato, seja na sua forma literária, seja na linguagem cinematográfica. Pouco a

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pouco, por meio de poemas, imagens, e indicações de livros e filmes sobre a

temática, foram sendo reunidos aspectos e características do gênero.

Essas seções oferecem materiais muito interessantes, a fim de, além de

despertar o que já lhes é conhecido, aumentar o repertório linguístico e literário

dos estudantes.

Além das aberturas de unidade, a própria proposta dos exercícios

relacionados ao texto apresentado tenta ir construindo a noção do gênero literário

por meio das perguntas. Ao mesmo tempo em que elas ativam o que os leitores-

aprendentes já sabem sobre o gênero, são uma forma também de os estudantes

sistematizarem o que compreendem de novo sobre ele.

Assim, consideramos ter atingido os nossos objetivos, pois pudemos

investigar como se constituem as atividades de leitura do LD e constatado a

importância que as perguntas têm para desenvolvimento dos processamentos

cognitivos de leitura, principalmente, quando se trata de leitores em formação. Por

isso, considero ter realizado um trabalho de difusão entre professores, que se

preocupem em melhorar sua atuação em sala de aula, que tenham um olhar mais

crítico com relação aos LD adotados, pois nem sempre são eles quem o

escolhem e tenham a autonomia para criar e desenvolver atividades pertinentes

às suas turmas.

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