A PERCEPÇÃO DE PADRÕES NA PRÉ-ESCOLA · tanto assim que, se alguém lhe perguntasse, hoje, "o...

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A PERCEPÇÃO DE PADRÕES NA PRÉ-ESCOLA Verenice dos Santos Leite Ribeiro Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciênçias FUNBEC Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura IBECC A FUNBEC está iniciando um programa de materiais e textos para a pré-escola. O que temos, no momento, é um projeto que começa a ser avaliado. Trata-se de idéias em fase de elabora- ção, a exigir ainda bastante trabalho e reflexão. Mesmo assim, resolvemos começar, através da Revista, a pu- blicação dos primeiros textos. O que nos anima, nesta fase, é a esperança de receber de nossos leitores, especialmente daque- les que atuam em pré-escola, crfticas e sugestões que venham enriquecer nosso trabalho e adequá-Io à realidade do maior nú- mero possível de escolas: O grupo responsável pelo projeto utiliza o referencial téorico piagetiano, tendo como objetivo contribuir para o desenvolvi- mento das potencialidades próprias do perfodo em que se encontra a criança. AS PASTILHAS E UM PR~MIO NOBEL DE Neste primeiro artigo, sugerimos a utilização de pastilhas coloridas, por constituirem material barato, acessível e atraente e ainda pela riqueza de atividades que proporcionam às crianças, des- de a pré-escola. Embora seja um recurso bastan- te antigo, aparecendo com freqüência nas brinca- deiras de rua das cidades do interior, hoje as pas- tilhas precisam ser relembradas nas escolas, não só dentro do contexto das aulas de arte, mas também como instrumento para a aprendizagem da própria Matemática. As atividades que propo- mos podem contribuir para o desenvolvimento dos qonceitos de classificação e seríação. Em uma das suas palestras, Richard Feyn- man*, prêmio Nobel de Física de 1965, dá um * Feynman. Richard P. "What is Science", In The PhyslCS Teacher. set, '1969,313-20 2 FfslCA testemunho muito vivo da importância que os jogos com pastilhas tiveram para sua atual con- cepção da Matemática. Quando criança, incentivado pelo pai, brincava com pastilhas. Havia pastilhas brancas e azuis. Sua tarefa era colocar uma ao lado da outra na seqüência: uma branca, duas azuis, uma branca, duas azuis e assim por diante. Feynman trocava as cores, colocava uma branca no lugar de uma azul. Seu pai não desistia facilmente, mas, apesar de sua insistência, Feynman lembra-se de que tei- mava em colocar a pastilha azul no lugar da bran- ca. Sua mãe, pessoa bastante sensível, acon- selhava o marido a deixar o pequenino em paz: mais tarde ele aprenderia. O pai, embora não fos- se um cientista, interessava-se pela ciência, esta- va continuamente lendo alguma coisa sobre elô e a amava. Explicava, então, que era importante dar

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A PERCEPÇÃO DE PADRÕES NA PRÉ-ESCOLAVerenice dos Santos Leite Ribeiro

Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciênçias

FUNBEC

Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura

IBECC

A FUNBECestá iniciando um programa de materiais e textospara a pré-escola. O que temos, no momento, é um projeto quecomeça a ser avaliado. Trata-se de idéias em fase de elabora-ção, a exigir ainda bastante trabalho e reflexão.Mesmo assim, resolvemos começar, através da Revista, a pu-blicação dos primeiros textos. O que nos anima, nesta fase, é aesperança de receber de nossos leitores, especialmente daque-les que atuam em pré-escola, crfticas e sugestões que venhamenriquecer nosso trabalho e adequá-Io à realidade do maior nú-mero possível de escolas:O grupo responsável pelo projeto utiliza o referencial téoricopiagetiano, tendo como objetivo contribuir para o desenvolvi-mento das potencialidades próprias do perfodo em que seencontra a criança.

AS PASTILHAS E UM PR~MIO NOBEL DE

Neste primeiro artigo, sugerimos a utilizaçãode pastilhas coloridas, por constituirem materialbarato, acessível e atraente e ainda pela riquezade atividades que proporcionam às crianças, des-de a pré-escola. Embora seja um recurso bastan-te antigo, aparecendo com freqüência nas brinca-deiras de rua das cidades do interior, hoje as pas-tilhas precisam ser relembradas nas escolas, nãosó dentro do contexto das aulas de arte, mastambém como instrumento para a aprendizagemda própria Matemática. As atividades que propo-mos podem contribuir para o desenvolvimentodos qonceitos de classificação e seríação.

Em uma das suas palestras, Richard Feyn-man*, prêmio Nobel de Física de 1965, dá um

* Feynman. Richard P. "What is Science", In The PhyslCS Teacher.set, '1969,313-20

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FfslCA

testemunho muito vivo da importância que osjogos com pastilhas tiveram para sua atual con-cepção da Matemática.

Quando criança, incentivado pelo pai, brincavacom pastilhas. Havia pastilhas brancas e azuis.Sua tarefa era colocar uma ao lado da outra naseqüência: uma branca, duas azuis, uma branca,duas azuis e assim por diante. Feynman trocavaas cores, colocava uma branca no lugar de umaazul. Seu pai não desistia facilmente, mas, apesarde sua insistência, Feynman lembra-se de que tei-mava em colocar a pastilha azul no lugar da bran-ca. Sua mãe, pessoa bastante sensível, acon-selhava o marido a deixar o pequenino em paz:mais tarde ele aprenderia. O pai, embora não fos-se um cientista, interessava-se pela ciência, esta-va continuamente lendo alguma coisa sobre elô ea amava. Explicava, então, que era importante dar

a oportunidade ao menino de perceber padrões,pois era a única coisa de matemática que poderiaaprender naquela idade.

Feynman considera que essas brincadeirascom o pai tiveram muita influência em sua vida,tanto assim que, se alguém lhe perguntasse,hoje, "o que é a Matemática?" ele responderia:"é a procura de padrões".

O relato de Feynmanfaz-nos pensar em outracoisa, além do valor das pastilhas. Na situação

descrita, vemos o pai apresentando ao filho ummaterial, insistindo na sua utilização construtiva ~desafiadora e, ao mesmo tempo, a mãe perce-bendo os limites do filho, tentando abrandar ainsistência do pai. Percebemos que essas duastendências que se equilibram são exatamente oque se espera do professor em sala de aula:insistir e desafiar seus alunos, mas, se perceberque a tarefa é muito difícil, esperar um pouco,tentar outras atividades e voltar à primeira depoIsde algum tempo.

ATIVIDADES

O roteiro que propomos a seguir não é rígido.Cada professor poderá adaptá-Ia em função daspastilhas que conseguir encontrar. Mesmo queencontre' só pastilhas de mesmo tamanho e de,pelo menos, duas cores diferentes, poderá reali-zar um trabalho proveitoso.

O importante é observar o comportamento dosalunos, estimulando-os através de desafios, masrespeitando o nível de desenvolvimento de cadaum, sem exigir que executem tarefas muito difí-ceis. O fracasso gera. quase sempre, dificuldadeselTltarefas posteriores. O professor perceberá, nodecorrer das atividades, que os alunos. esponta-neamente, lançarão desafios uns aos outros. Issoé muito bom e deve ser estimulado.

As atividades estão apresentadas em ordemcrescente de dificuldade. Observando o compor-tamento de seus alunos, cada professor saberáaté onde ir.

Foto 1

PRIMEIRA ATIVIDADE

Material:Aproximadamente 100 pastilhas de formas,

tamanhos e cores diferentes, para cada grupo decinco alunos.

ProcedimentoO professor distribui o material e deixa que as

crianças brinquem livremente, dando-Ihes oportu-nidades para explorarem e descobrirem sozinhas(ou com o auxílio de seus coleguinhas) algumascaracterísticas do material. As crianças utilizamespontaneamente as pastilhas para fazer estradase construções ou formar desenhos. É duranteessas brincadeiras que começam a discriminarsemelhanças e diferenças em cor, forma etamanho. Depois que as crianças já tiverem esgo-tado seus recursos, o professor poderá iniciaruma segunda atividade, com "brincadeiras" maissistemáticas.

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SEGUNDA ATIVIDADE

Material:Aproximadamente 20 pastilhas de mesma for-

ma e tamanho, mas de, pelo menos, duas coresdiferentes, para cada grupo.

ProcedimentoO professor chama a atenção das crianças

para o que há de igual e o que há de diferenteentre as pastilhas do conjunto. Em seguida, pedeaos alunos que coloquem. todas as pastilhasiguais juntas.

TERCEIRA ATIVIDADE

Material:Aproximadamente 20 pastilhas de mesma for-

ma e cor, mas de, pelo menos, dois tamanhosdiferentes, para cada grupo.

Procedimento:O mesmo da atividade anterior.

QUARTA ATIVIDADE

Material:Cerca de 20 pastilhas de mesma cor e

tamanhos aproximadamente iguais, mas de for-mas diferentes.

Procedimento:O mesmo das atividades anteriores.

Estas separações em conjuntos de iguais ediferentes são muito importantes para os alunosque ainda não percebem estas diferençassozinhos. Os que já conseguem fazer este tipo declassificação terminarão rapidamente estas ativi-dades e poderão passar para as seguintes.

QUINTA ATIVIDADE

Material:Todas as pastilhas (aproximadamente as 100

iniciais).

Procedimento:Depois que os alunos já tiverem discriminado,

com facilidade, as semelhanças e diferençasentre as pastilhas, o professor inicia uma novafase que consiste em formar seqüências.

Para isso, inicia, com cada grupo, uma seqüên-cia de pastilhas com um padrão repetitivo. Porexemplo: uma pastilha preta, uma branca, umapreta, uma branca e assim por diante. Em segui-da, pede aos alunos que continuem a seqüência,perguntando: E agora, qual é a pastilha?

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Foto 2

Este tipo de "jogo" deve ser estimulado tam-bém entre os alunos.

O trabalho pode ser iniciado com pastilhas demesma forma e tamanho mas de cores diferen-tes. Em seguida, o professor pode introduzir pas-tilhas com outros tamanhos e formas.

A figura 1 mostra exemplos de seqüências emordem crescente de complexidade.

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Se achar adequado, o professor poderá esti-mular os alunos a criar seus próprios padrões.

SEXTA ATIVIDADE

Material:Todas as pastilhas (aproximadamente as 100

iniciais).

Procedimento:Nesta atividade, o professor propõe aos alunos

a atividade de "Iadrilhagem". Ela consiste emcolocar as pastilhas como ladrilhos, isto é, cobrin-

do uma determinada área. Para que os alunosentendam bem, o professor inicia o processo compadrões repetitivos simples e pede aos alunosque continuem. A figura 2 mostra alguns

exemplos, em ordem crescente de dificuldade. Afoto 3 mostra o padrão tipo "xadrez" estendidopara área maior. A foto 4 mostra a "Iadrilhagem"com pastilhas hexagonais.

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Fig.2

Foto 3

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COLEGA, ATENÇÃO À pAGINA 63

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