A Pericia Criminal Como Elemento Instrutorio Do Processo Penal

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REVISTA DO MINISTRIO PBLICO MILITAR

sumrioArtigosApresentao .......................................................................................... 5 Editorial ................................................................................................... 7 Ministrio Pblico e Estado Democrtico de DireitoMarisa Terezinha Cauduro da Silva ......................................................................................13

Reviso do Arquivamento de Inqurito no Ministrio Pblico MilitarEdmar Jorge de Almeida .....................................................................................................21

O Papel das Foras Armadas na Sociedade BrasileiraSrgio Xavier Ferolla ............................................................................................................33 Anexo - Programa Espacial ............................................................. 43

A Percia Criminal como Elemento Instrutrio do Processo PenalAntnio Pereira Duarte ........................................................................................................49

Proposta de uma Nova Poltica Criminal para o BrasilLuiz Flavio Borges DUrso ...................................................................................................71

Os Embargos Infringentes no Cdigo de Processo Penal MilitarCarlos Alberto Marques Soares ............................................................................................83

A Desero no Direito Militar AngolanoBeato Manuel Paulo .............................................................................................................93

Espasmo Cadavrico como Determinante da Causa Jurdica da MorteLevi Inim de Miranda .........................................................................................................97

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Atuao ProcessualDenncia no Inqurito n 1.482-6/140-MG (STF)Geraldo Brindeiro ................................................................................................................. 103 Anexo 1 - Promoo do Ministrio Pblico Federal ............................ 107 Anexo 2 - Recebimento de Denncia no STF ..................................... 111

Documentos HistricosIntroduo HistricaArilma Cunha da Silva ......................................................................................................... 119

Declarao de Guerra .............................................................................. 121 Denncia no Conselho de Guerra .......................................................... 123 Sentena do Conselho de Guerra e Acrdo do Conselho de Guerra ....... 125

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apresentaoA Revista do Ministrio Pblico Militar foi instituda em 1974, na administrao do Procurador-Geral Ruy de Lima Pessoa, hoje Ministro aposentado do Superior Tribunal Militar. Originalmente, recebeu o ttulo de Revista de Direito Militar. Como veculo de comunicao de rea especializada das cincias humanas, destina-se aos propsitos de divulgao cientfica e registro histrico do Ministrio Pblico Militar. Necessariamente, como ocorre com as publicaes do gnero, opinies e pronunciamentos expressos nos artigos so exclusivas manifestaes de seus autores. A circulao desta revista consagra um dos objetivos da poltica editorial do Ministrio Pblico Militar, concebida para esta gesto administrativa: divulgar assuntos de Direito Militar. Aps quatro anos da tiragem do ltimo nmero, renova importante meio de difuso e integrao. O Ministrio Pblico instituio democrtica na sua origem e finalidades. E como tal, deve proporcionar aos seus integrantes espao para expor idias, conceitos, teses, enfim, todas as modalidades de apresentao e debates de assuntos jurdicos.

Marisa Terezinha Cauduro da SilvaProcuradora-Geral da Justia Militar

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e ditorialO Conselho Editorial, conclui, atravs da edio e distribuio deste nmero da Revista do Ministrio Pblico Militar, a primeira etapa das incumbncias que lhe foram conferidas pela Portaria n 95/02, da Exma. Procuradora-Geral da Justia Militar.Conselho Editorial

atual, diferenciando-se das publicaes jurdicas mais austeras e conservadoras. Institumos trs sees editoriais: artigos doutrinrios, atuao processual e documentos histricos. Pretendemos, ainda, aperfeio-la, incluindo-se brevemente resenha de livros e conferncias interessantes.

Composto por quatro membros da carreira - um Subprocurador-Geral, um Procurador e dois Promotores da Justia Militar este Conselho adotou o modelo de reunies preparatrias e o debate democrtico, desde a definio do estilo tcnico at a seleo de matrias.

No rastro das publicaes anteriores busca a revista reafirmar o direcionamento das matrias legislao militar propriamente dita, elegendo-se instrumento hbil da propagao do direito militar. Desejamos a todos que o tempo e a

A nova revista apresenta designer moderno, formato dinmico e capa

ateno dedicados leitura desta revista sejam realmente proveitosos.

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M inistrio Pblico

e Estado Democrtico de DireitoMarisa Terezinha Cauduro da Silva Procuradora-Geral da Justia Militar

Autores mais rigorosos com a pesquisa histrica situam a mais remota origem da instituio ministerial h cerca de 4000 anos no Egito, onde funcionrios reais faziam investigaes de fatos de interesse do rei, e tambm protegiam, de modo geral, os cidados, os rfos e as vivas.

infindveis tribunais e jris para matrias de direito privado. Segundo Roberto Lyra, a funo de acusar foi desempenhada, desde a poca de Pricles (Sculo V a.C.), por brilhantes oradores atenienses que constituam a chamada magistratura voluntria. Joo Francisco Sauwen Filho1 , um

Na Antigidade Clssica, Roma no conheceu instituio similar ao Ministrio Pblico, pois a acusao no competia ao Estado; mas, precisamente, ao ofendido pelo delito ou pela pessoa de sua famlia. No entanto, muitos autores mencionam diversas instituies de direito romano como embries distantes do Ministrio Pblico; citam, por exemplo, os defensores das cidades, os oficiais de polcia, os presidentes de questes perptuas e os procuradores dos csares, estes, incumbidos de administrar os bens pblicos Na mesma poca, na Grcia, a justia era feita por particulares, e existiam1

dos mais respeitados especialistas na matria, fixou, seguramente, a data de 25 de maro de 1302 como marco inaugural do Ministrio Pblico como instituio. Assim considerou, em face de uma ordennance editada por Felipe, o Belo, na Frana, designando funcionrios reais e advogados para defenderem seus interesses em juzo, reunindo-os em nica corporao, e os denominando les gens du roi. Com o tempo, esses qualificados funcionrios do Palcio, que possuam incumbncias apenas privadas, passaram a defender tambm os interesses do Estado, exercendo, assim, o mister p-

Ministrio Pblico Brasileiro e o Estado Democrtico de Direito, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1999.

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blico. Cerca de um sculo depois, j se postavam nos estrados dos tribunais, chamados de parquet, marcando territrio diferenciado dos magistrados que julgavam. De acordo com o magistrio de Cappelletti e Jolowicz, o Parquet era um pequenino espao com assoalho de madeira, confinado por um balastre. Atravs dos sculos, a instituio foi alcanando configurao por meio de atos reais de 1335, 1493, 1498 e 1670. Ao advento da Revoluo Francesa, em 1789, o Ministrio Pblico surgiu desprestigiado perante outras instituies e intelectuais, especialmente porque suas atribuies de defesa do Estado se confundiam com a defesa dos governantes. Todavia, com viso revolucionria, os membros da Assemblia Nacional Constituinte da Frana optaram no por extingu-lo, mas reform-lo. Em 1790, concedeu-se vitaliciedade aos membros do Ministrio Pblico, que somente poderiam ser demitidos por comprovada corrupo. Nesse mesmo ano, criou-se o cargo de comissrio do rei - incumbido de fiscalizar a lei e promover sua execuo -, e se instituiu o cargo de acusador pblico - funcionrio encarregado de fazer a acusao criminal nos tribu2

nais. Fixou-se, nesta data, a dualidade de atribuies mantida at os dias de hoje: dominus litis e custos legis. Seguiram-se outras inmeras alteraes, algumas retrgradas, como o Decreto de 1792 que suprimiu as funes criminais dos chamados comissrios do rei, intitulando-os comissrios da Assemblia. Mas, poucos anos depois, foi novamente instituda a funo de Acusador Pblico junto aos Tribunais Criminais, com garantias de inamovibilidade e de independncia do Executivo. Contudo, a reorganizao mais perene da instituio ministerial ocorreu na fase do Imprio francs, por meio de lei editada em 1810, a qual prescrevia atribuies judiciais do membro do parquet perante os Tribunais. Nas palavras criteriosas de Joo Sauwen Filho, criado e desenvolvido na Frana, transformado pela evoluo da sociedade, o Parquet penetrou em quase todas as legislaes europias, inclusive na portuguesa e, por ela, atravs das Ordenaes, chegou at ns, onde alcanou plenitude com a Repblica.2 O Cdigo Criminal do Imprio, promulgado no Brasil em 29 de Novembro

Joo Francisco Sauwen Filho, ibidem.

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de 1832, previu pela primeira vez entre ns a figura do Promotor Pblico. Cerca de um sculo antes, no entanto, leis esparsas atribuam funes de Promotor de Justia a um dos desembargadores dos Tribunais da Relao da Bahia e de Pernambuco. Em Portugal, diploma do rei Afonso III, de 14 de janeiro de 1289, criava o cargo de procurador do rei. No reinado de3

pete velar pela execuo das leis, decretos e regulamentos que devem ser aplicados pela Justia Federal e promover a ao pblica onde ela convier. Com a formao da Justia Federal e do Supremo Tribunal Federal, deu-se natureza de instituio ao Ministrio Pblico brasileiro, denominando seu chefe o Procurador-Geral da Repblica, escolhido dentre um dos ministros do STF, estabelecendo a existncia, ainda, dos cargos de Procuradores da Repbli-

D. Joo I, editou-se o Regulamento da Casa da Suplicao, dando atribuies aos promotores da justia, tirados entre desembargadores do Pao. Funes prprias do Ministrio Pblico foram previstas nas Ordenaes Afonsinas e nas Ordenaes Manuelinas. At a proclamao da Repblica, o cargo de promotor pblico ficou isolado. Atribui-se a Campos Sales, ento Ministro da Justia do Governo Provisrio, a edio da primeira lei sobre o Ministrio Pblico no Brasil, o Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890. Declarava na Exposio de Motivos: O Ministrio Pblico uma instituio necessria em toda organizao democrtica e imposta pelas boas normas da Justia, qual com3

At a proclamao da Repblica o cargo de promotor ficou isolado.ca nos Estados da Federao. Refiro-me ao Decreto n. 1.030, de 14 de novembro de 1890. O perfil atual da Instituio comeou a ser definido no final da dcada de 1970, a partir de debates impulsionados pelas Associaes de Ministrios Pblicos, notadadamente a Associao Paulista, nos encontros promovidos pelos chamados grupos de estudos. Hugo Mazzilli conta que as primeiras teses de limitao do poder hierrquico do Chefe do Parquet surgiram em 1976, es-

Jos e Sarmento de Matos, Procuradoria-Geral da Repblica de Portugal, Palcio Parnelo, Imprensa Nacional Casa de Moedas, Lisboa, 1987.

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boando-se o MP como defensor do regime democrtico.4 No obstante, em dezembro de 1981, editou-se a Lei Complementar n. 40 - Lei Orgnica Nacional do MP, a qual deixou de contemplar essa aspirao que havia nascido genuinamente dos integrantes do Ministrio Pblico. Houve frustrao generalizada na classe, produzindo sentimentos que geraram novos esforos para buscar a modificao idealizada. No ano seguinte, em diversas reunies de Promotores de Justia, debateuse a redefinio to almejada, qual seja, estabelecer novo conceito de Ministrio Pblico. Em 1985, foi promovido, em So Paulo, o 6 Congresso Nacional do MP, especialmente para se votar proposta do inovador MP nacional, o que foi afirmado um ano depois, na Capital paranaense, com a Carta de Curitiba, subscrita por todos os Procuradores-Gerais de Justia, pelo Procurador-Geral da Repblica e pelos presidentes de Associaes. Nessa ocasio, conciliou-se a redefinio extrada dos Encontros de So Paulo e Curitiba com a Proposta Pertence, que havia sido sugerida pelo ento Procurador-Geral da Repblica, Seplveda Pertence. A Carta de Curitiba ao lado do Anteprojeto Afonso Arinos - Comisso de4

Notveis formada pelo Governo Federal para oferecer subsdios Assemblia Nacional Constituinte - formam os documentos inspiradores do texto hoje vigente na Constituio da Repblica do pas. Por esse histrico, e decorrente do importante papel desempenhado pelas entidades de classe e da mobilizao de base dos promotores e procuradores de justia, consolidou-se a moderna configurao do Ministrio Pblico. Inseriu-o como funo essencial Justia, dando-lhe a moldura de instituio permanente, e incumbiu-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis. Reconheceu-lhe os princpios da unidade, da indivisibilidade e da independncia funcional, e assegurou-lhe autonomia funcional e administrativa, isto , o direito de se governar a si mesmo. O Estado de Direito o estado da lei, no qual o exerccio de suas atividades se subordina ao imprio do direito. Em contraposio, encontramos o estado absolutista, onde o poder pblico concentra funes e se coloca acima da ordem jurdica. Por Estado de Direito compreende-se todo aquele cujo regime jurdico autolimita o poder dos governantes ao cumprimento das

O Ministrio Pblico e a Defesa do Regime Democrtico, Revista de Informao Legislativa, p. 65, Senado Federal, n. 138, abril/jun 98.

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leis que a todos subordinam (...). Garante a supremacia da lei sobre todos governantes e governados. Apontam os estudiosos como suas principais caractersticas: o imprio da lei como expresso da vontade popular; submisso lei dos poderes pblicos; separao dos poderes; reconhecimento e garantia constitucional de direitos fundamentais e liberdades polticas bsicas. O Estado de Direito tambm regulado por lei sem arbtrio, livre de domnios despticos, assegurando a supremacia da lei geral e abstrata - refletindo a vontade da maioria no interesse do bem comum e a segurana jurdica.5 Joo Gaspar Rodrigues, na elogiosa monografia Abordagem sobre a estrutura do Ministrio Pblico no estado democrtico de direito , afirma6

viduais garantidos constitucionalmente, (...) ou seja, a transformao desses direitos em direitos juridicamente protegidos, seja atravs de instituies jurdicas encarregadas de defender e proteger tais direitos frente ao Estado. O estado de direito essencial para a existncia e manuteno do regime democrtico, sendo o Ministrio Pblico, por destinao constitucional, o garante desse regime, impondo-se com independncia para efetivar o real controle jurdico sobre os poderes pblicos. A Carta de Manaus - deliberao tomada pelos Procuradores da Repblica reunidos no 18 Encontro Nacional, em novembro de 2001 - alinhou como diretriz da instituio caber ao Ministrio Pblico realizar o ideal democrtico e as aspiraes da sociedade em prol da construo de uma sociedade livre, justa e solidria, por meios judiciais e extrajudiciais colocados sua disposio (Nota Oficial da Associao Nacional de Procuradores da Repblica, pgina da Web www.anpr.org.br/notcias). Alou-se o Ministrio Pblico relevante funo de verdadeiro fiscal da perpetuidade da federao, da separao dos

que: No estado de direito os indivduos esto sujeitos ordem jurdica, mas tambm, e principalmente, ao Estado so impostos limites e controles ao exerccio do poder. Seja atravs de direitos e garantias indi5

Edilson Santana Gonalves, O Ministrio Pblico no Estado Democrtico de Direito, Ed. Juru, Curitiba, 2000. 6 Revista Forense, dez. 1999, Vol. 348, p.137.

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poderes e do regime democrtico.7 interessante observar que h diferena entre estado de direito e estado democrtico de direito: enquanto no primeiro basta ser aplicador correto da lei, sem envolver a participao do povo, pois a norma pode ser imposta; no segundo, reflete-se a aspirao popular, promovendo-se os direitos humanos e as necessidades prementes da sociedade. Ainda no magistrio de Sauwen Filho: O Ministrio Pblico, num contexto democrtico social, no pode mais ser concebido como um simples rgo de colaborao do governo, com a finalidade de coadjuv-lo enquanto organizao poltica, ou mecanismo de defesa de seus interesses, mas se define cada vez mais como instrumento de tutela de direitos e interesses sociais e legtimas liberdades, para a idealizao dos ideais democrticos nos justos limites dos princpios consagrados nas modernas democracias sociais contemporneas.8

instituio, mas exige que todos os seus Membros se convenam da necessidade do dinamismo da sua atuao, instrumentalizando suas atividades e agindo no amplo espectro da universalidade constitucional.

Ministrio Pblico MilitarRamo especializado e congnere do Ministrio Pblico Federal, do Ministrio Pblico do Trabalho e do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios, o Parquet das Armas integra o Ministrio Pblico da Unio. Atua perante a Justia Militar Federal, com inmeras atribuies judiciais e extrajudiciais. Foi criado em outubro de 1920, mas, desde meados do Sculo XIX, ventilavam-se projetos de lei instituindo a figura do Promotor de Justia Criminal Militar. Atualmente, regido pela Lei Complementar n. 75, de maio de 1993. A carreira formada, em 1 instncia, pelos cargos de Promotor de Justia Militar e Procurador de Justia Militar - rgos de execuo, os quais oficiam nas Auditorias Militares - e os Subprocuradores-Gerais da Justia Militar, no 2 grau de jurisdio, que tm exerccio perante o Superior Tribunal Militar. So tambm rgos o Procura-

A nova identidade do Ministrio Pblico brasileiro ps-88 no permite, todavia, que se fossilize o redesenho da7 8

Alexandre Moraes, Ver. Justitia, 58, abr/jun 1996, p.89. Joo Francisco Sawen Filho, ibidem.

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dor-Geral, a Corregedoria-Geral, o Colgio de Procuradores do Ministrio Pblico Militar, o Conselho Superior e a Cmara de Coordenao e Reviso . As Procuradorias de Justia Militar so unidades regionais do Ministrio Pblico Militar, e correspondem s sedes de circunscries judicirias militares. Hoje existem 14 Procuradorias, proporcionando a efetividade de atuao em todos os Estados da Repblica. A Procuradoria em Braslia, com jurisdio no Distrito Federal e nos Estados de Gois e Tocantins, possui ainda atribuies decorrentes da extraterritorialidade da lei castrense, competindo-lhe agir nas hipteses de crime militar envolvendo membro das Foras Armadas em misso no exterior. O Ministrio Pblico Militar completou no ms de outubro de 2002, 82 anos de existncia. Possui organizao administrativa e institucional moderna, dispondo de Secretarias e qualificado corpo de servidores, desincumbindo-se de forma gil, constante e eficaz das atribuies

constitucionais que lhe foram conferidas pela Magna Carta, atuando nas condies de dominus litis e custos legis, sempre com exclusividade na jurisdio castrense, uma vez que a lei no admite, regularmente, a ao penal subsidiria. Ao longo das dcadas de sua existncia, registra-se a atuao corajosa e legalista de Promotores Militares na Revoltas de 1922 e de 1924, na Revoluo Paulista de 1932 e na Segunda Guerra Mundial, quando membros do Parquet foram mobilizados para o teatro de operaes de combate na Itlia, integrados nos rgos de Justia Militar. A histria relata, ainda, a participao de Promotores Militares na defesa dos direitos humanos, na proteo de prisioneiros de guerra e de populaes civis. De acordo com a lei, o Promotor da Justia Militar detm a funo especial resguardo das normas de hierarquia e disciplina militares, bases da organizao das Foras Armadas - Art. 55 do Cdigo de Processo Penal.

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R eviso do Arquivamento

de Inqurito no Ministrio Pblico MilitarEdmar Jorge de Almeida Vice-Procurador-Geral da Justia Militar

I - IntroduoH muito, percebemos que inmeras e importantes modificaes imps a Lei Complementar n.o 75/93 Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio s leis de organizao do MPU e s leis processuais ento vigentes, com reflexos no menos importantes para a atuao dos diversos ramos do MPU. Inequvoco fator de aprimoramento institucional quanto organizao administrativa, constituiu, pari passu, inovao revolucionria no campo da atividade fim, para a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis, finalidade e razo de existir da Instituio. Dispe a Lei Complementar n. 75/93o

arquivamento de inquritos era uma simples atividade burocrtica, reativa, em face de eventual apurao insuficiente ou ineficaz, produzida por policiais que aguardavam os chamados para as ocorrncias de crime. Nesse contexto o Arquivamento Implcito, produto da omisso e da inexistncia de motivao, ou at mesmo o malfadado Acautelamento de Investigaes nas prprias Delegacias Policiais eram tolerados com indiferena pelos operadores do direito. Na sociedade contempornea, apesar do desenvolvimento cientfico e tecnolgico, de par com as crises econmicas, polticas e sociais, houve incremento das aes ilcitas, em progressiva complexidade no uso, meios, modos e organizao; de forma continuada, transnacional, a ameaar sociedades, naes e Estados. Nessa conjuntura o MP h de primar pela iniciativa, presteza, probidade, denodo. O novo perfil do Ministrio Pblico, projetado pela CR/88 e pela LC 75/93, avulta a iniciativa. Suas funes, seus21

sobre a organizao, as atribuies e o estatuto do Ministrio Pblico da Unio. Grifei para enfatizar que verifico uma radical mudana da forma de atuar, em relao ao regime anterior, imprimindo atitude de vanguarda, pr ativa, aos seus Membros, que at ento adotavam uma atitude reativa. Em passado recente, o

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instrumentos de atuao, atribuies, garantias e prerrogativas o colocam como instituio agente, promotora, ator poltico fundamental nova ordem. Nesse contexto e por conseguinte, o arquivamento de inqurito deixou de ser atividade burocrtica para constituir uma exceo. Diante de um fato-delito, apenas e to-somente, quando no haja elementos para a propositura de ao penal estar legitimado o pedido de arquivamento. Ainda assim, h de ser precedido do indispensvel exaurimento da investigao em relao a todos os fatos delituosos e seus agentes, tudo constando da necessria e indispensvel fundamentao. A nova ordem constitucional, transfundida nessa parte pela Lei Complementar n.o 75/93, rejeita o arquivamento desmotivado, repele a omisso, condena a falta de zelo. Dentre as grandes e relevantes transformaes, estas considero fundamentais a promoo da ao penal e o arquivamento de IPM luz da LC 75/93 e especialmente sobre o arquivamento que se dedica o presente trabalho. Arquivamento de Inqurito Policial Militar, no segundo grau de jurisdio da Justia Militar Federal, esta a delimitao do objeto das reflexes, que mais1 2

no pretendem seno contribuir com algumas idias sobre o tema.

II - Leis Complementares 1. Conceito e ElementosAs Leis Complementares em nosso direito positivo art. 59, II, e 69 da CR distinguem-se dos demais atos normativos por seus elementos material e formal. espcie normativa infraconstitucional, destinada a desenvolver a normatividade de determinados preceitos constitucionais, dotada de matria prpria e sujeita a aprovao especial pelo Congresso Nacional.1 Sua distino dos demais atos normativos reside nos elementos que a qualificam: o elemento material, matria disciplinada expressamente na Magna Carta, que lhe confere mbito prprio de incidncia; e o elemento formal, o regime peculiar a que est subordinada para aprovao, maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas Legislativas. 2 No ser apenas a matria tratada na Lei Complementar, entretanto, que lhe conferir este status. Pode ocorrer que

MELLO FILHO, J. C. Constituio Federal Anotada. So Paulo: Saraiva, 1986, p. 204. BASTOS, C. R. Lei Complementar Teoria e Comentrios. So Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 50.

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extravase o respectivo campo de incidncia para disciplinar matrias que no lhe so prprias, sem contudo desfigurar-lhe a natureza, nada obsta que a lei complementar discipline matria prpria de outras normas, salvo a resoluo e o decreto-legislativo. Desde que se trate de matria de competncia do Congresso, nada impede que a lei complementar a reja. Mesmo porque, quem pode o mais, pode o menos.3

pargrafos inseridos no texto da lei complementar, os quais entretanto seriam, em rigor tcnico e para efeitos exegticos, lei ordinria dessa natureza dotados tais mandamentos, por fora do sistema. (...) excedendo a lei complementar a prpria esfera de competncia, nada mais do que lei ordinria passvel de trato jurdico idntico ao prprio desta espcie, integralmente.4 A Carta Magna no probe que a lei complementar regule matrias fora do seu mbito de incidncia. Quando versar sobre matria de lei ordinria, invadir rea de competncia normativa de outra espcie, no se estar diante de um caso de nulidade, apenas, nesse caso, deve se considerar a lei complementar como mera lei ordinria.5 Aprofunda essa anlise Souto Maior Borges ao discorrer: Se a lei complementar invadir o mbito material de validez da legislao ordinria da Unio, valer tanto quanto uma lei ordinria. Sobre

Nada obsta que a lei complementar discipline matria prpria de outras normas (...)

Ao tratar de matria prpria de outro campo de in-

cidncia, como o da lei ordinria, como lei ordinria dever ser tida, no havendo vedao constitucional para tal opo do legislador. Pode acontecer de a Lei Complementar, incidentalmente, ditar regra em matria no prpria e especfica do seu campo. Pode o legislador entender oportuno, conveniente ou necessrio complementar certas figuras, institutos ou mesmo a disciplina de certas situaes, com a edio de normas no prprias da lei complementar. Ento teramos alguns artigos ou3 4

Ibidem, p. 143-144. ATALIBA, G. Lei Complementar na Constituio. So Paulo: RT, 1971, p. 35-38. 5 BASTOS, C. R. Op. cit., p. 143-144.

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esse ponto, no h discrepncia na doutrina. A lei complementar fora do seu campo especfico, cujos limites esto fixados na Constituio, simples lei ordinria. Sem a congregao dos dois requisitos estabelecidos pelo art. 50 da Constituio, o quorum especial e qualificado (requisito de forma) e a matria constitucionalmente prevista como objeto de lei complementar (requisito de fundo) no h lei complementar. Contudo, se no ultrapassar a esfera de atribuies da Unio, o ato legislativo ser existente, vlido e eficaz.6

processo de elaborao legislativa, e mbito material de validade peculiar. o regime jurdico diverso e s ele que as distingue conceitualmente. A lei complementar a resultante de um procedimento legislativo vinculado a critrios constitucionais de direito formal (e.g. o quorum de votao) e de ordem material ou de direito substantivo (a matria correspondente a uma fatia do campo global distribudo rigidamente segundo esquemas constitucionais de competncia legislativa).7 Como j assinalado com Celso Bas-

2. Diferenas entre lei Complementar e Lei OrdinriaComo antes analisado, as diferenas essenciais entre as figuras normativas Lei Complementar e Lei Ordinria decorrem dos diferentes regimes jurdicos, a contemplar para cada um determinado processo de elaborao e peculiar mbito de incidncia e validade. ... o nico critrio, rigorosa e dogmaticamente jurdico para estabelecer uma distino vlida entre lei complementar e lei ordinria reside na diversidade do regime jurdico, decorrente de um especfico6 7

tos, quando a lei complementar extravasa o mbito de competncia que lhe reservado, para invadir rea de competncia de lei ordinria, nenhum outro efeito resultar, seno a de ter a norma respectiva a natureza de norma ordinria. No ser pois o estatuto que definir a natureza das normas que contm. H normas de ndole processual em cdigos penais, como as que tratam da ao penal, art. 121 e 122 do CPM, como podem tais normas integrar outras leis, como o caso do art. 136, IV, da LC n. 75/93, ... no a colocao dos institutos jurdicos em Cdigos Penais ou em Cdigos de Processo Penal

Eficcia e Hierarquia da Lei Complementar. So Paulo: RDP, n.o 25, Ano VI, p. 98. BORGES, S. M. Lei Complementar Tributria. So Paulo: RT, 1975, p. 72-73.

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que lhes atribui, em sua pureza, contedo material ou processual, porquanto os cdigos, de um modo geral, por seu carter eminentemente pragmtico, invadem constantemente a rea dos outros sem preocupao de ordem doutrinria por parte do legislador.8

Nas funes de defesa da ordem jurdica, do regime democrtico, dos interesses sociais e individuais indisponveis, o Ministrio Pblico Militar dispe de instrumentos de atuao que lhe permitem a interveno antes, durante e depois dos fatos ou dos processos para a distribuio de Justia, como funo essencial jurisdio. Nesse sentido, algumas disposies podem ser definidas como normas procedimentais de Direito Processual Penal, v.g., art. 136, IV, art. 62, IV, art. 171, IV e V, como as percebe JOS FREDERICO MARQUES, no estudo das normas administrativas que do forma e contedo aos procedimentos pr-processuais: Normas processuais tm por objeto regular o exerccio da jurisdio pelas vias processuais, a fim de se compor ou resolver um litgio. A norma processual penal regula, precipuamente, as atividades que se desenvolvem para a atuao do poder jurisdicional do Estado na esfera jurdico-penal. Todavia, esto intimamente entrelaadas ao exerccio da jurisdio outras normas destinadas a disciplinar o modo e a forma de se constiturem os rgos judicirios, seus servios auxiliares e os proce-

3. Natureza da norma estatuda no art. 136, IV, da Lei Complementar n.o 75/93Dispe a Lei Complementar n. 75/o

93 sobre a organizao, as atribuies e o estatuto do Ministrio Pblico da Unio, que compreende o Ministrio Pblico Federal, o Ministrio Pblico do Trabalho, o Ministrio Pblico Militar e o Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios. a Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio, em cujo mbito se acham as normas gerais de organizao, definio, princpios e funes institucionais. norma administrativa, de direito pblico, delimitando atribuies, prerrogativas, garantias, instrumentos de atuao e deveres. Ao faz-lo, no ser defeso estabelecer critrios que definam a atuao dos diversos rgos, a delimitao de competncia e aqueles aos quais caiba dirimir eventuais conflitos de atribuies.8

ROMEIRO, J. A. Curso de Direito Penal Militar. So Paulo: Saraiva, 1994, p. 245.

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dimentos preparatrios. Tais normas, a rigor, seriam de ordem administrativa, no entanto, pela estreita conexo que apresentam com as normas do processo, elas tambm se incluem entre estas. Abrange, assim, o Direito Processual Penal, tambm, normas de organizao judiciria, isto , as regras destinadas a regular a instituio, nomeao, atribuies e discriminaes dos rgos judicirios e seus auxiliares e todas as normas relativas Justia Penal. Normas, portanto, existem, no direito processual, que, embora regulem o modus operandi de rgos auxiliares do juzo e dos prprios rgos judicirios, no tm o carter de regras processuais, propriamente ditas, visto que no incidem sobre a atividade jurisdicional ou a esta se coordenam muito remotamente. Tais so as normas pertinentes atividade disciplinar dos rgos censrios da magistratura, aos procedimentos pr-processuais ou preparatrios, como, v.g., o inqurito policial. Essas normas podem ser denominadas normas procedimentais de Direito Processual Penal.9

Cumpre, pois, ao Direito Processual Penal, a sistematizao dos preceitos que disciplinam os rgos e funes da justia penal. Por essa razo, ele abrange, em seu estudo, no apenas o processo penal propriamente dito (o autntico processo penal), como tambm os procedimentos preparatrios que antecedem propositura da ao penal. De outra parte, as leis regras da organizao judiciria criminal, e aquelas sobre a estruturao dos rgos estatais no-judicirios que atuam em rea da administrao da justia em matria penal, abrangidas tambm esto no Direito Processual Penal. Observa e ensina J. Guasp, a respeito da incluso da organizao judiciria no Direito Processual: Forma parte, pues, del contenido del derecho procesal em rgimen jurdico de los sujetos que en el proceso intervienen. La regulacin de la organizacin jurisdicional concebido, a veces com cierta autonimia, com derecho orgnico o derecho judicial, es decir, derecho de los Jueces estritamente, es una parte del derecho

possvel concluir com o mestre, ao citar Guasp:9

MARQUES, J. F. Tratado de Direito Processual Penal. So Paulo: Saraiva, v. 1, 1980, p. 48-49.

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procesal. Lo mismo puede decirse de las normas referentes al Ministerio Fiscal. (Derecho procesal civil, 1968, v. 1. p. 39)10 Em que pese integrarem a Lei Orgnica do Ministrio Pblico, as normas citadas, dentre elas o art. 136, IV, da LC 73/95, tm contedo, sentido e finalidade de normas procedimentais prprocessuais, ao definir as atribuies dos rgos aos quais cabem decidir sobre o arquivamento de IPM, IP ou outras peas de informao. Por isso defendemos que o art. 397, 1o, ltima parte do CPPM, foi derrogado pelo art. 136, IV, da Lei n.o 75/93, no sentido de que a ltima palavra sobre o arquivamento de inqurito, ou outras peas de informao, no mbito do Ministrio Pblico Militar, da Cmara de Coordenao e Reviso. o que se depreende do cotejo: Art. 136: Compete Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Militar:

IV manifestar-se sobre o arquivamento de inqurito policial militar, exceto nos casos de competncia originria do Procurador-Geral; Art. 397, 1o do CPPM: Se o procurador, sem prejuzo da diligncia a que se refere o art. 26. I, entender que os autos do inqurito ou as peas de informao no ministram os elementos indispensveis ao oferecimento da denncia, requerer ao auditor que os mande arquivar. Se este concordar

... no mbito do Ministrio Pblico Militar, a ltima palavra sobre o arquivamento de inqurito da Cmara de Coordenao e Reviso.

com o pedido, determinar o arquivamento; se dele discordar, remeter os autos ao procuradorgeral. 1 o . Se o procurador-geral entender que h elementos para a ao penal, designar outro procurador, a fim de promov-la; em caso contrrio, mandar arquivar o processo.

10

Ibidem. p. 23.

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Abstrada a deficincia tcnica de redao da lei processual penal militar ao referir-se a processo, posto que processo no pode existir sem denncia recebida, parece-nos inequvoco que ao Procurador-Geral resta o poder revisional apenas para os casos em que entenda haver elementos para a propositura de ao penal e para as hipteses de aes de competncia originria do Superior Tribunal Militar. Em virtude da enunciada derrogao do art. 397, 1o, do CPPM, pelo art. 136, IV, da LC n. 75/o

teor do contido no art. 136, IV, da LC n.o 75/93. Dentre as razes para tal interpretao, podemos enumerar: 1a) Trata-se de norma procedimental de direito processual penal militar, delimitadora da atribuio de arquivar inquritos policiais militares, que o legislador decidiu outorgar a um colegiado, ao qual atribuiu poder de reviso. norma de direito processual penal, cuja natureza jurdica idntica as demais que estabelecem a forma e as atribuies nos procedimentos preparatrios que antecedem propositura da ao penal. Nessa parte, acompanhamos o pensamento de Cludio Fonteles, Subprocurador-Geral da Repblica, ao referir-se ao art. 58 e 62 da LC 75/93, in Atribuies Deciso Revisional sobre Concluso pelo Arquivamento do Inqurito Policial: 13. As competncias discriminadas s Cmaras nos vrios incisos do art. 62, ho de aperfeioar-se sua razo de ser, como definida no art. 58, e, se so Cmaras, rgos dotados de poder de rever, quem rev, no que rev, define: ou mantendo, o que se buscou rever; ou alterando o que foi revisto. 2a) No h sentido racional, lgico

93, apenas trs desfechos so admissveis: 1. A CCR/MPM delibera acerca do arquivamento. O Procurador-Geral concorda e homologa a deciso; 2. A CCR/MPM delibera sobre o arquivamento. O Procurador-Geral discorda e designa outro membro para oferecer a ao penal; 3. A CCP/MPM delibera sobre a promoo da ao penal . O PGJM designa outro membro para deflagrao do processo. Ainda que discorde da resoluo adotada pela CCR/MPM para a propositura da ao penal, no poder mandar arquiv-lo. Tal atribuio passou a ser exclusiva da Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Militar, a28

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ou teleolgico, cogitar que o legislador ao criar um rgo de cpula da estrutura da Instituio, art. 118, IV, da LC n.o 75/93, integrado por membros do ltimo grau da carreira, o fizesse apenas para emitirem opinio sobre arquivamentos. Opinio destituda de valor, utilidade ou finalidade, posto que sem conseqncia nem responsabilidade para quem a emite; 3a) O entendimento de que a Cmara rgo meramente opinativo reduz a norma inutilidade, amesquinhando ou tornando vs as funes do rgo deliberativo, em contraste com o princpio de que a lei no contm palavras suprfluas, de contedo vo, sem valia ou utilidade.11

dotado de relevantes funes para o sistema, no poder ser reduzido a mero apndice da Procuradoria-Geral, com atividade secundria e subalterna. 4a ) Ao dispor sobre a atribuio e excepcionar os casos de competncia originria do Procurador-Geral, reservou Cmara a atribuio exclusiva de deliberar sobre todos os demais casos de arquivamento de inqurito policial militar: Art. 136 Compete Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Militar: IV manifestar-se sobre o arquivamento de inquritos policial militar, exceto nos casos de competncia originria do ProcuradorGeral; Nem se diga que a dico do dispositivo encerra simples tarefa opinativa, em razo da expresso manifestar-se. Quando a lei delimita as atribuies do rgo relativas funo de reviso, o faz com o sentido de deliberar, resolver, decidir. o que se v nos incisos IV V e VI do art. 136: IV Manifestar-se sobre o arquivamento;

No se pode olvidar que a incumbncia de deliberar sobre a existncia de fato criminoso e indcios de autoria , no raro, tormentosa. Casos em que se agita o dissenso entre Promotor ou Procurador e Juiz, ou entre Promotor, Juiz e Tribunal; tarefa que, s por isso, estaria a exigir exame mais acurado de um rgo superior da administrao e com poder de reviso, para a necessria ampliao e aprofundamento da anlise, incompatvel com a idia de estar afeta a uma atividade de simples assessoria. Sendo rgo11

MAXIMILIANO, C. Hermenutica e Aplicao do Direito. Rio de Janeiro: Forense, p. 110.

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V - Resolver sobre a distribuio especial de inquritos e quaisquer outros feitos, quando a matria, por sua natureza ou relevncia, assim o exigir; VI - Decidir os conflitos de atribuio. As atividades relacionadas definio e finalidades da CCR/ MPM, art. 132 rgo de coordenao, de integrao e de reviso do exerccio funcional da instituio esto em relao de harmonia e complementariedade com os incisos do art. 136: I - Promover a integrao e coordenao dos rgos institucionais do Ministrio Pblico Militar, observado o princpio da independncia funcional. Promover com o sentido de dar causa. Quem promove leva a efeito, gera, fomenta, determina. Para promover integrao e coordenao, dever: II - manter intercmbio com rgos ou entidades que atuem em reas30

afins; III - encaminhar informaes tcnico-jurdicas co Militar; Defronte de questes vinculadas funo de reviso da atividade dos raos rgos institucionais do Ministrio Pbli-

rgo dotado de relevantes funes, a Cmara de Coordenao e Reviso no poder ser reduzida a apndice da Procuradoria-Geral

gos, ter a incumbncia: IV, V e VI, manifestar-se sobre arquivamento de inqurito, resolver sobre a distribuio especial de inquritos, decidir conflitos

de atribuio entre os rgos do Ministrio Pblico Militar, respectivamente. Manifestar-se, resolver e decidir em consonncia com a atribuio de rever. Poder de reviso que encerra a resoluo de uma questo controvertida. Quem rev, reexamina para optar por uma soluo, ao faz-lo, define: ou mantendo, o que se buscou rever; ou alterando o que foi revisto, como infere, com preciso, Cladio Fonteles, no trabalho antes citado. 5a ) luz do Elemento Histrico de

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exegese, confrontando as conjunturas poltico-jurdicas das quais os textos legais em comento advieram, indiscutvel se revela a derrogao apontada. Ao tempo do advento do CPP ou do CPPM, predominava um sistema autoritrio, centralizador, ditatorial, ao qual interessava outorgar ao Procurador-Geral a ltima palavra, levando em linha de conta a sua dependncia direta ao Poder Central. Em perfeita sintonia com a nova ordem constitucional, decidiu o legislador atenuar a ndole de centralizao, compartindo responsabilidades e atribuies com outros rgos. A propsito, vige no sistema ptrio, em toda extenso, o princpio do duplo grau de jurisdio, estendendo-se, portanto, administrao. Nenhuma deciso monocrtica poder prosperar, legitimamente, sem a possibilidade de reviso. Os recursos administrativos so o corolrio do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administrao. Inconcebvel a deciso administrativa nica e irrecorrvel, porque isto contraria a ndole democrtica de todo julgamento que possa ferir direitos individuais, e afronta o princpio constitucional da ampla defesa que pressupe o duplo grau de jurisdio.12

Deciso nica e irrecorrvel a consagrao do arbtrio, intolerado pelo nosso direito. 12 (grifo meu) Nessa vereda, de lege ferenda, aos Conselhos Superiores dever o legislador outorgar a atribuio de rever os atos dos Procuradores-Gerais at mesmo nas aes penais originrias. O poder-dever de decidir sobre a propositura de ao ou arquivar os feitos no , e no poderia ser em nenhuma hiptese, absoluto, sem malferir os princpios reitores do regime democrtico e do devido processo legal, entre esses a harmonia e independncia dos poderes constitudos, da obrigatoriedade da ao penal, do contraditrio, do duplo grau de jurisdio, da ampla defesa. Pior quando tisnada pelas idiossincrasias da personalidade, pela convenincia de grupos, em detrimento do interesse pblico, sem possibilidade de reviso.

III - Concluso1. O art. 136, IV, da Lei Complementar derrogou o art. 397 , 1 o, ltima parte do CPPM. Por isso, a ltima palavra sobre arquivamento de Inqurito Policial Militar ou peas de informao atribuio exclusiva da Cmara de Re-

MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1996, p. 571.

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viso e Coordenao, excetuadas as aes originrias; 2. O Procurador-Geral da Justia Militar no poder determinar o arquivamento de feito, em face de deliberao da CCR/MPM no sentido da propositura da ao penal; 3. Discordando o Procurador-Geral da deliberao da CCR/MPM, sobre o oferecimento da Denncia, poder solicitar a reconsiderao da deciso ao prprio Colegiado, ao qual caber por fim divergncia; 4. Discordando o Procurador-Geral, sobre a deliberao de arquivamento da CCR/MPM, poder designar outro membro para propor ao penal, fundamentando a deciso.

BASTOS, C. R. Lei Complementar Teoria e Comentrios. So Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. BORGES, S. M. Lei Complementar Tributria. So Paulo: RT, 1975. BRASIL. Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio: Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993. Dispe sobre a organizao, as atribuies e o estatuto do Ministrio Pblico da Unio. Braslia: Ministrio Pblico Federal, 1993. Eficcia e Hierarquia da Lei Complementar. So Paulo: RDP, n.o 25, Ano VI. MARQUES, J. F. Tratado de Direito Processual Penal. So Paulo: Saraiva, v. 1,1980. MAXIMILIANO, C. Hermenutica e Apli-

Referncias BibliogrficasATALIBA, G. Lei Complementar na Constituio. So Paulo: RT, 1971.

cao do Direito. Rio de Janeiro: Forense. MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1996.

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O Papel das Foras Armadasna sociedade brasileiraTen.-Brig.-do-Ar Srgio Xavier Ferolla Ministro do Superior Tribunal Militar

As Constituies brasileiras consagram como fundamento do Estado, os princpios da soberania e da autodeterminao nacional, sem os quais no podem existir a cidadania e a nacionalidade. So esses fundamentos que orientam as estratgias do Estado-nao, entendido como categoria histrica e instituio poltica, econmica e social. Contudo, o princpio da soberania acompanha a evoluo histrica, j no se limitando questo geogrfica dos limites territoriais que, no passado, produziram as denominadas polticas de fronteiras, militares ou diplomticas. Tem-se atualmente como certo que a soberania implica uma viso scioeconmica, cientfica e tecnolgica, poltica e cultural, que tenha como ponto de partida o interesse nacional e como objetivo a permanente consolidao do pas e sua continuidade histrica.

seguindo essas premissas que devemos analisar o papel das Foras Armadas na sociedade brasileira, buscando enfocar os diferentes aspectos da presena do estamento militar ao longo da evoluo histrica do pas; a participao do segmento poltico e a implantao do Ministrio da Defesa; bem como a busca de uma capacitao nacional nos setores cientfico, tecnolgico e industrial, com vistas a possveis aes de mobilizao. No caso presente, evitaremos a abordagem das questes puramente militares e inerentes defesa nacional, por serem objeto de anlise, nesse Seminrio, por renomados especialistas e, em especial, pelos Comandantes da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica. As organizaes militares tiveram presena marcante na consolidao territorial da nao brasileira e os historiadores civis e militares nos legaram pginas primorosas descrevendo atos

Palestra proferida no Seminrio Poltica de Defesa para o Sculo XXI, realizado na Cmara dos Deputados (Braslia), no dia 21 de agosto de 2002.

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O PAPEL DAS FORAS ARMADAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

de herosmo e abnegao. Com a Repblica e a conseqente evoluo poltica do pas, novos atores comearam a despontar no cenrio nacional, principalmente os jovens tenentes da dcada de 20, impulsionados pelos arroubos da juventude e a conscincia democrtica, que repudiava o predomnio das poderosas oligarquias. Os jovens dessa dcada marcante da histria ptria, civis e militares, irmanados de um mesmo sentimento renovador, tornaram-se personagens de realce nas dcadas seguintes, de 30 e 40, no s liderando correntes polticas como, em muitos casos, ocupando cargos importantes na administrao do pas. A Segunda Guerra Mundial maximizou a influncia militar no direcionamento das questes nacionais e, com o surgimento do mundo bipolar, a preocupao obcecada com o comunismo internacional e a influncia doutrinria dos interesses geopolticos dos Estados Unidos, conduziu ao surgimento de posies radicalizadas e sentimentos antagnicos, que acabaram por provocar a grande ciso da famlia brasileira, com o movimento de 1964. A perniciosa influncia da geopoltica norte-americana prosseguiu com seus34

efeitos danosos, visando inviabilizao de um slido Estado industrializado ao sul do Equador, para tal fazendo confundir os sentimentos nacionalistas em efervescncia, com os interesses do comunismo internacional e como smbolo de eras pr-histricas e do atraso. Sua ao nos dias atuais, prossegue de forma mais sutil, usando como instrumento as agncias internacionais que manipulam, bem como, cooptando destacados tcnicos, veculos de comunicao, burocratas e influentes lideranas polticas que ascenderam ao poder com o fim do regime militar. Boa parte desses lderes de ocasio, cumprindo o papel submisso que lhes foi imposto, conduziram o pas deprimente dependncia do capital internacional e alienao espoliativa de grande parte do estratgico patrimnio, arduamente edificado pelo povo brasileiro. Associado aos malefcios dessa geopoltica regional, interesses econmicos aliengenas, sob o signo diablico do neoliberalismo, buscam argumentos para eliminar o pouco que resta do conceito de soberania nos pases perifricos, apregoando para os Estados j enfraquecidos, como o Brasil, o fim das fronteiras geogrficas, a ideologia do Estado mnimo e a submisso passiva aos interesses do mercado.

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Para mais facilmente alcanar seus interesses de dominao, usam artifcios para abalar o sentimento nacional, religioso e familiar, bem como, ardilosamente, reduzir a capacidade de atuao das Foras Armadas, bice ainda persistente, pois alicerado na formao de quadros com origem em todos os estratos tnicos e culturais da multirracial populao brasileira e sob o compromisso solene de defender a ptria, com o sacrifcio da prpria vida. Para minar esse slido embasamento, valem-se de tcnicas subliminares, que iludem os menos avisados e desinformados, fomentando a desconfiana e rememorando fatos dolorosos que dilaceraram o tecido social, atingindo vitoriosos e perdedores, e de cujos resultados certamente se valeram, em pocas muito recentes. Assim que, de forma sistemtica, setores diversos da sociedade, capitaneados por boa parte da mdia cooptada, sempre que se referem s Foras Armadas, recuperam de seus arquivos episdios isolados e reprovveis ocorridos no perodo dos governos militares, sem uma anlise imparcial do cenrio nacional e internacional naquela ocasio e invariavelmente esten-

dem a atuao desses poucos atores a todo o efetivo das mais variadas corporaes militares, ofuscando assim novos e atuais eventos positivos, que os rgos de comunicao teriam por funo e obrigao da boa imprensa, de corretamente informar populao. Tambm como forma rotineira de conspurcar a imagem do estamento militar, valem-se de fatos envolvendo as polcias estaduais, realando em suas manchetes a represso militar contra cidados indefesos, criando a falsa impresso de atuarem os componentes das Foras Armadas nacionais como responsveis pela ao de policiais estaduais fardados.

Como forma rotineira de conspurcar a imagem do estamento militar, valemse de fatos envolvendo as polcias estaduais, realando em suas manchetes a represso militar.O resultado danoso dessa forma irracional de percepo e abordagem, a criao de uma atmosfera de desconfiana no papel constitucional atribudo s Foras Armadas, h anos sendo fragilizadas pela crescente escassez de recursos oramentrios, bem como pela presso doutrinria de conhecidos seg35

O PAPEL DAS FORAS ARMADAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

mentos do poder hegemnico internacional, interessados em reduzi-las a simples guarda nacional, para a vigilncia policial das fronteiras e o combate ao crime organizado, j que as potncias militares que dominam o atual cenrio mundial se colocam disponveis para atuar em nosso territrio, no caso da ecloso de uma ameaa externa. Reabrindo constantemente uma ferida que j deveria estar cicatrizada, prestam, conscientemente ou no, um desservio ao pas, retardando e dificultando a unio da famlia brasileira, composta de cidados fardados e a paisana, bem como abrindo brechas perigosas no sentimento de nacionalidade, por onde mais facilmente penetraro as variadas e bem disfaradas ameaas aliengenas desse complexo cenrio que o mundo assiste no limiar do Sculo XXI.

o presente Seminrio um marco significativo dessa nova forma de interpretao e anlise da participao da expresso militar do Poder Nacional, interagindo com a sociedade e, sob a orientao de seus representantes legtimos no Congresso Nacional, definindo formas de atuao nos variados segmentos de interesse da defesa nacional. A criao do Ministrio da Defesa, em que pese ter surgido mais por imposio externa do que por uma deciso poltica amadurecida no mbito da sociedade, poder evoluir para a real coordenao e otimizao das aes de interesse comum das Foras Singulares, respeitadas porm, as peculiaridades profissionais e operacionais das trs Foras, com suas formas especficas de atuao num Teatro de Operaes. A participao de um Ministro de

Graas ao esprito patritico e crescente conscientizao de uma Nao que preza sua soberania, reaes ainda discretas, mas de profundo significado psicossocial em busca do correto entendimento da questo nacional, comeam a se manifestar, com debates pblicos, artigos bem fundamentados em veculos de comunicao de organizaes e partidos polticos progressistas 1, sendo1

Estado com vinculao poltico-partidria na direo superior dos Comandantes militares dever ser, prioritariamente, voltada para o equacionamento das questes de interesse das Foras Singulares e para um constante dilogo de esclarecimentos com o Congresso e a sociedade, consolidando a Poltica de Defesa Nacional e seu enfoque particular na gesto do governo para o qual foi

Por exemplo: Revista Argumento do PSDB, n 4, pag. 13 e Revista Sem Terra do MST, n15, pg.14

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designado. Cautelas muito especiais devem ser guardadas, para que os efetivos militares se mantenham afastados das disputas partidrias, j que devem se situar aqum das alternncias de poder, para que a hierarquia e a disciplina, pilares bsicos do estamento militar, no sejam abalados. No contexto amplo de uma Poltica de Defesa e como misso complementar para as Foras Armadas em tempo de paz, visando, principalmente, elevao do sentimento de cidadania, parte do oramento para a ao social do governo deveria ser reservada, em rubrica especial, para que os Comandos militares realizassem uma efetiva atuao cvico-social e de defesa civil. Essa forma de aproximao com as comunidades carentes sempre foi executada, mesmo sacrificando parte dos parcos recursos alocados para o prestamento operacional, mas a reduo continuada dos oramentos tem comprometido essa forma cidad de atendimento aos modestos anseios da populao de baixa renda, de onde, majoritariamente, se originam nossos soldados. Com recursos extra-oramentrios, especificamente definidos, poderiam as Organizaes militares, fazendo uso da infra-estrutura organizacional e material de que dispem, reforar os laos da

integrao nacional e a assistncia s regies atingidas por diversas calamidades, bem como nas comunidades carentes onde o Estado no se faz regularmente presente. Nesse contexto gostaramos de realar os benefcios do Servio Militar para os jovens oriundos das camadas mais pobres, concedendo-lhes uma oportunidade de ascenso social, com aprendizado tcnico, noes de higiene, assistncia mdica, alimentao adequada e tantos outros modestos itens que despertam no jovem cidado a conscincia de uma vida mais digna, que lhes vinha sendo omitida. Quando se lanam argumentos em defesa de efetivos militares profissionalizados, de real interesse das Foras, mas geralmente abordados como simples forma de eliminar a incorporao obrigatria dos jovens recrutas, certamente no se atenta para as assimetrias sociais do nosso pas, em que famlias de baixa renda imploram pela disputa das poucas vagas existentes, buscando uma alternativa para que seus filhos recebam um pequeno salrio, tenham o que vestir e o que comer e no sejam facilmente envolvidos pela marginalidade. O mais correto, certamente, seria um estudo para aperfeioamento do processo de convocao como, por exemplo, pre37

O PAPEL DAS FORAS ARMADAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

enchendo inicialmente vagas por voluntariado, com a opo de possvel reengajamento e conseqente permanncia por novos perodos na condio de soldados. Esses jovens, estudando e desenvolvendo uma melhor capacitao intelectual, tornar-se-o aptos para disputarem vagas em concursos que lhes assegurem formao profissional estvel. Para as vagas ainda disponveis e em funo de necessidades conjunturais, poderiam ser convocados, compulsoriamente, alguns restantes conscritos,

ca de uma auto-suficincia nacional tanto para a manuteno do material e dos armamentos como para a fabricao de partes e peas de interesse das Foras. Para tal necessitam contar com instalaes logsticas adequadas e, principalmente, com um parque industrial no sujeito aos mecanismos de controle e bloqueios do exterior, uma vez que somente empresas de capital nacional podero ser consideradas mobilizveis para fins de defesa, quando da

O Planejamento estratgico prope a autosuficincia nacional do material e armamento das Foras Armadas

para perodo de permanncia na tropa mais reduzido, limitado ao cumprimento dos exerccios e obrigaes para com o Servio Militar. Se a preocupao com os equipamentos e a qualificao profissional dos efetivos militares condio essencial para o sucesso nas operaes militares, a dependncia de armamentos e acessrios produzidos no exterior pode inviabilizar a ao continuada das Foras Armadas, em conflitos de prolongada durao. Por essa razo, em especi ,os Coal m andos m iiaressem pre is r r m em lt neia seus pl anej m entosestratgicosabusa

possibilidade de ocorrncia de conflitos militares. Alm dessa condio primordial, deve ser-lhes assegurada uma continuada capacitao tecnolgica e produtiva, para que possam fazer frente aos constantes aperfeioamentos, mantendo a garantia da qualidade dos produtos, em suas reas de especializao. Uma aquisio programada, mesmo de pequenos lotes, devido rotineira carncia de recursos oramentrios, os quais chamaramos lotes educativos, uma das formas eficazes de viabilizar a permanente mobilizao dessas estratgicas e diversificadas empresas.

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Essas so premissas importantes, que deveriam constar como diretrizes do governo, para a poltica e programas de defesa. Dentro de suas limitadas possibilidades, as Foras Singulares h muito desenvolvem esforos em busca da capacitao nacional nos campos cientfico, tecnolgico e industrial. Marinha, Exrcito e Aeronutica, com seus Centros de Pesquisas e Parques Logsticos tm gerado tecnologias e desenvolvido produtos que so transferidos s indstrias nacionais, para a produo em srie. No bastasse a carncia de recursos materiais e humanos, surge, rotineiramente, o difcil bice da superao dos bloqueios tecnolgicos, impostos pelas potncias hegemnicas, os quais retardam e oneram os projetos de concepo local, obrigando o desdobramento dos desenvolvimentos a nvel de materiais, componentes e dispositivos especiais. Como conseqncia, a reao dos setores operacionais , algumas vezes, de impacincia e descrdito na engenharia domstica, pugnando pela simples compra imediata no exterior. O resultado dessa soluo simplista , no s a criao de uma dependncia de fornecedores pouco confiveis, mas principalmente o enfraquecimento do parque industrial domstico, agravando a evaso

de divisas e a perda de preciosos e qualificados postos de trabalho. A sociedade brasileira, em unssono e em oposio falida cantilena do modelo neoliberal, precisa bradar com nfase que o desenvolvimento de uma nao no se mede to-somente pelas variveis comuns das estatsticas econmicas, mas principalmente pela existncia de um clima de igualdade de oportunidades para todos os cidados, bem como pela capacidade de atendimento s necessidades de alimentao, trabalho, sade, educao e segurana do seu povo. Esses parmetros tambm devem ser realados em uma Poltica de Defesa, pois no podem existir Foras Armadas capazes de dissuadir aventureiros alm fronteiras, se internamente nos permitimos conviver com uma populao majoritariamente fragilizada, sob os aspectos mnimos e essenciais para a vida em sociedade. Caminha o Ministrio da Defesa para a realizao, em setembro prximo, do III Simpsio de Mobilizao Industrial, em conseqncia do qual se espera resultarem diretrizes que balizem o trabalho at agora solitrio das Foras Singulares, alm de um formal compromisso de apoio dos Organismos governamentais de fomento produo indus39

O PAPEL DAS FORAS ARMADAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

trial, especialmente do BNDES. Pelo esforo e pela perseverana de muitos empresrios patriotas e abnegados, confiantes na pujana do pas e lutando contra os desvarios das antipolticas que se alternam aleatoriamente, ainda nos restam segmentos passveis de otimizao e estmulo, para fins de mobilizao industrial. Com uma viso de mais longo prazo, alm das necessidades rotineiras dos produtos de interesse da defesa, resta-nos, tambm, priorizar aqueles setores ainda sob controle nacional e buscar investir em segmentos estratgicos, que de forma direta e ou indireta geraro subsdios para a participao da tecnologia e da empresa brasileira em produtos mais elaborados e, como decorrncia, estaremos capacitando nossas empresas para competirem no complexo e seletivo mercado que a nova realidade internacional tem proporcionado, assim como para a produo complementar dos itens mais sofisticados de interesse para aplicaes militares.

necessidade da fixao de objetivos estratgicos de mdio e longo prazos, que servissem de estmulo a um desenvolvimento regional auto-sustentado. Hoje, os resultados podem ser avaliados, com a moderna indstria europia ofertando, por exemplo, seus avies Airbus e seus foguetes Ariane, incorporando novos materiais, sofisticada eletrnica e tantos outros produtos de elevado contedo tecnolgico, alm de avanados equipamentos e sistemas de interesse militar. Os programas de sucesso da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica, que j surtiram resultados concretos, segundo o modelo descrito, atestam sua validade e no outro o caminho ainda seguido pelos pases industrializados, em plena era do propalado modelo neoliberal, da no participao do Estado na economia e da livre iniciativa como a responsvel pelos investimentos em tecnologia e na indstria. Na OCDE, a mdia da participao

Esse modelo foi aplicado na Europa, na dcada dos 60, quando os pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), na poca, analisando a defasagem do seu parque industrial, frente, particularmente, aos Estados Unidos, concluram pela40

estatal em pesquisa e desenvolvimento est em 35%, variando de 25% a 65% e, diferentemente dos demais membros, os Estados Unidos apresentam um gritante predomnio de gastos pblicos ligados ao complexo industrial-militar, constando para a rea

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de defesa 53,7% do oramento de P&D, contra 18,2% na Unio Europia e 5,8% do Japo. Os ainda modestos gastos do Brasil no podem ser colocados como termo de comparao com as potncias industriais, mas os resultados j obtidos propiciaram especial significado em nosso parque industrial. Em anexo damos um exemplo dos benefcios auferidos somente com o Programa Espacial, para no falar da EMBRAER, da fabricao de navios e submarinos, da indstria eletrnica profissional, produzindo radares e demais equipamentos de comunicaes e proteo ao vo; do desenvolvimento do motor a lcool; dos armamentos convencionais e msseis com tecnologia 100% domstica, alm do

domnio da tecnologia nuclear pela Marinha, que assegurou ao nosso pas o domnio do ciclo de produo do urnio enriquecido para os reatores Angra I e II; entre muitos outros. So conquistas que, se corretamente divulgadas e submetidas ao crivo imparcial da sociedade, mostrariam a capacidade de realizao da gente brasileira e que enchem de orgulho os annimos cientistas, engenheiros e tcnicos, civis e militares, guerreiros que, com as armas da inteligncia e da dedicao, superaram dificuldades materiais e bloqueios absurdos, somando esforos com os combatentes de terra, mar e ar, a fim de assegurar, com a misso que lhes foi atribuda, a liberdade, o progresso e a soberania da nao brasileira.

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AnexoPrograma EspacialTecnologias j repassadas ao Parque Industrial Brasileiro, como resultado do desenvolvimento de foquetes e do Veculo Lanador de Satlite (VLS)Ten.-Brig.-do-Ar Srgio Xavier Ferolla Ministro do Superior Tribunal Militar

Apesar de pequeno, relativamente a outros pases de PIB semelhante, o programa de pesquisa e desenvolvimento de foguetes de sondagem, conduzido pela Aeronutica no seu Instituto de Aeronutica e Espao do CTA, j incorporou grandes benefcios ao patrimnio nacional, retornando com lucro para o Brasil tudo o que foi despendido no Centro. Em 1965, iniciou-se no CTA o desenvolvimento do primeiro foguete de sondagem meteorolgica, o SONDA I, criando a necessidade de tubos sem costura de solda em ligas de alumnio de alta resistncia, at ento no produzidos no Brasil. Com a participao do CTA, a indstria Termomecnica So Paulo S/A desenvolveu este insumo e comeou a produzi-lo a partir de 1968, atendendo a demanda domstica e exportando guias de vlvulas de motores com aquela tecnologia. Os retornos desse desenvolvimento feito pelo CTA no SONDA I foram, por exemplo:

a eliminao da importao do insumo para o atendimento das necessidades do parque industrial nacional, possibilitando uma economia de divisas, na ocasio, j superior a um milho de dlares mensais. Mais de 225 foguetes de sondagem SONDA I foram lanados pelo CTA, a partir do CLBI (Centro de Lanamentos de Foguetes da Barreira do Inferno) em Natal-RN, em apoio a um programa internacional de meteorologia. Os foguetes desenvolvidos logo aps o SONDA I foram o SONDA II, em 1966, e o SONDA III com dois estgios, em 1969 (que aproveitou o SONDA II como 2 estgio e introduziu as tecnologias de separao de vo), ambos utilizados para pesquisas atmosfricas e ionosfricas. Por se tratarem de foguetes de maiores dimenses, a fabricao das estruturas dos SONDA II e III demandou a utilizao de laminados de ao de alta resistncia (SAE 4130, 4140 e 4340), e

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O PAPEL DAS FORAS ARMADAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA - ANEXO

tambm no produzidos no pas at ento. Desenvolvida a tecnologia de produo na indstria com a participao tcnica do CTA, este insumo foi includo nas linhas normais da ACESITA. Dessa fase, so contabilizados os seguintes retornos em benefcio da indstria nacional: eliminada a dependncia externa na produo de envelopes de motores para a nascente indstria espacial brasileira; minoradas as dificuldades de atendimento das necessidades de materiais metlicos de alta resistncia, aos vrios setores do parque industrial brasileiro, em especial para o setor da calderaria e ferramental. Cerca de 61 SONDA II e de 29 SONDA III foram lanados com sucesso pelo CTA, a partir do CLBI, em Natal, e do CLA (Centro de Lanamentos de Alcntara), no Maranho. Mais um passo avanado com a pesquisa e o desenvolvimento de foguetes surgiu em 1974, com o SONDA IV, este j com um metro de dimetro, pesando cerca de 8 toneladas. Foi o primeiro foguete autopilotado da famlia SONDA. O dimetro e as altas presses inter44

nas de funcionamento do motor do 1 estgio do SONDA IV exigiram a utilizao de ligas metlicas de ultra-altaresistncia. Para possibilitar a fabricao do envelope-motor, o Centro Tcnico Aeroespacial selecionou, especificou e desenvolveu, junto indstria nacional, uma moderna liga de ao conhecida como 300M, cuja resistncia chega a atingir 210 kgf/mm2, utilizando, para isto, uma tcnica especial de fuso (eletro-slag). Esse desenvolvimento conduzido pelo MAer/CTA trouxe de retorno para o Pas: produo, pela ELETROMETAL, utilizando modernas tcnicas metalrgicas (eletro-slag), de lingotes de ao 300M da mais alta pureza; estabelecimento dos parmetros de laminao da liga, pela USIMINAS; produo, em escala industrial, pela ACESITA, de laminados do 300M para o parque industrial nacional; disponibilidade nacional de matriaprima para a produo de peas metlicas estruturais que exijam alta resistncia e alto grau de confiabilidade e durabilidade, tais como para prensas, grandes eixos, ferramentas de corte e de estampagem etc.; e

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instalao pelo CTA na ELETROMETAL do maior forno do hemisfrio sul para tratamento trmico de metais em atmosfera controlada. (Esse trabalho, feito at ento no exterior, foi motivo de apreenso e bloqueio pelo governo norte-americano, na dcada dos 90, gerando srio incidente diplomtico entre os dois pases.) A atividade espacial, ao longo do seu desenvolvimento no Brasil, vem permitindo significativo avano em vrias reas do conhecimento, como qumica, eletrnica e materiais, entre outros. A economia nacional vem se beneficiando do esforo de nacionalizao dos insumos para a fabricao de foguetes de sondagem e do Veculo Lanador de Satlite (VLS), tais como: materiais para fabricao de propelentes (combustveis, oxidantes, redutores etc.) ou de tecnologias derivadas (cido perclrico, por exemplo); isolantes trmicos elsticos e resistentes a elevadas temperaturas; materiais ablativos; estruturas ultra-leves e resistentes em filament- winding; tcnicas de controle por

infravermelho e laser; instrumentao e controle de cargas teis suborbitais; dispositivos de recuperao de cargas teis suborbitais; novos processos de soldagem; estruturas compostas de fios no metlicos, bobinados resistentes a altas presses (Kevlar, Poliamida e Carbono); produo de cascas finas estruturais, calculadas por elementos finitos; ligas de titnio, materiais cermicos e carbonosos; modelamentos matemticos e simulaes complexas; etc. Do desenvolvimento desses foguetes e do VLS, cabe, ainda, destacar os seguintes retornos: O propelente utilizado em nossos foguetes do tipo slido, cujos principais componentes so um elastmero lquido (polibutadieno), um oxidante (perclorato de amnio) e alumnio em p. Todos esses produtos estratgicos constavam da pauta de importao brasileira. Hoje, graas 45

O PAPEL DAS FORAS ARMADAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA - ANEXO

pesquisa e ao desenvolvimento do CTA, eles esto sendo produzidos no Brasil em escala industrial, inclusive suprindo o mercado nacional com matria-prima em geral para a fabricao de colas, tintas, borrachas para solado de calado, juntas de dilatao, espumas etc. A fabricao de pra-quedas e de bias de flutuao para recuperao de carga til dos foguetes de sondagem exigiu fios e tcnicas especiais de tecelagem, materiais e tcnicas de impregnao de tecidos, cordas e fitas de alta resistncia O desenvolvimento desses componentes, com a participao do CTA e de diversas indstrias, resultou nos seguintes benefcios: tecnologia e produo no Pas de fios de nylon de alta tenacidade; tecnologia da impregnao de tecidos com neoprene; produo de tecidos com porosidade controlada; produo nacional de cordas e fitas de alta resistncia. Esses produtos, alm de atenderem aos propsitos do Programa Espacial46

Brasileiro, atendem s necessidades de pra-quedas, inclusive pra-quedas de freagem de avies, filtros para a indstria em geral, coletes prova de bala etc. As pesquisas e os desenvolvimentos levados a efeito pelo CTA na rea de materiais compostos no metlicos, visando obteno de estruturas de foguetes de fibras e resinas especiais, contriburam para o desenvolvimento, por exemplo, de partes de avies. A EMBRAER por algum tempo foi a nica fornecedora para a BOEING-DOUGLAS dos flaps, feitos com material composto, das enormes asas do avio MD-11. O elenco completo de benefcios para a sociedade nacional, das pesquisas e desenvolvimentos aeronuticos e espaciais conduzidos pelo CTA, imenso. Aqui, foram citados apenas alguns e apenas do setor espacial. Somente esses benefcios, sob o aspecto financeiro, so dezenas de vezes maiores do que tudo que j foi despendido nos projetos exemplificados. De uma forma resumida, podem-se destacar os seguintes ganhos para o Brasil propiciados pelo trabalho diuturno do CTA, em So Jos dos Campos: a implantao de um parque in-

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dustrial aeronutico, que permitiu condies tcnicas para que o Pas se pudesse lanar na fabricao e na exportao de aeronaves de alta tecnologia, gerando bilhes de dlares e mais de dez mil empregos; a formao, anualmente, no Instituto Tecnolgico de Aeronutica ITA, de uma centena de engenheiros, bem como a formao de Especialistas, Mestres e Doutores, altamente qualificados; o estmulo para o surgimento de empresas nacionais de menor porte, voltadas para o setor aeroespacial, com a conseqente criao de grande quantidade de empregos especializados e a melhoria do nvel de qualificao da mo-de-obra nacional;

a realizao no CTA de estudos e ensaios em apoio indstria nacional, aproveitando os laboratrios e a competncia existentes naquele Centro. Deste modo, evitou-se a contratao desses servios no exterior ou a aquisio pelas empresas nacionais de dispendiosa infra-estrutura que, para elas, teria espordica utilizao; o desenvolvimento e o fornecimento de aeronaves, armamentos e equipamentos de elevado contedo tecnolgico, para o reequipamento da Fora Area e demais Foras Singulares; e a significativa contribuio para a balana comercial do Pas, com a grande exportao de produtos aeroespaciais.

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A Percia Criminal como

elemento instrutrio do Processo PenalAntnio Pereira Duarte Procurador da Justia Militar

No contemporneo Estado Democrtico de Direito, exsurge como preceito-garantia de ndole individual, o denominado Devido Processo Legal, insculpido no art. 5, LIV da atual Carta Fundamental. Imbricado a este princpio diretivo, encontra-se materializado no mesmo regramento referido, no inciso LVII, outra norma de carter tutelar, que preserva o indivduo de determinadas arbitrariedades ou abusos, decorrentes do fato de que, no se pode impor qualquer juzo preliberativo de culpa, enquanto no operado o trnsito em julgado da sentena penal condenatria, resguardando-se, a seu turno, conforme o mandamento do inciso LV do art. 5, todo o direito ampla prova. O Devido Processo Legal exatamente isto: de um lado, dota o acusado de todas as possibilidades de prova; de ou1

tro, faz com que as provas produzidas e trasladadas para os autos, o sejam em estrita observncia dos ditames constitucionais, sobretudo quanto ao aspecto da licitude das mesmas. Sem dvida que o processo penal um caminho em busca de uma verdade tanto quanto possvel prxima da real ou substancial. Para tanto, a prova deve ser buscada com meticulosidade e com resguardo dos princpios e normas constitucionais e legais vigentes, a fim de que no se deflua para a produo de provas ilcitas e imorais, em claro prejuzo para o desate processual.1 Como o nus da prova incumbe a quem alega, e, dado o fato de que o Ministrio Pblico detm o monoplio da ao penal pblica, no palco do processo penal, a ele que compete provar a acusao e, neste caso, tam-

Veja-se, mais adiante, exposio acerca da questo da obteno de provas por meios ilcitos e suas implicaes no processo penal, asseverando-se, desde j, que novas tendncias exegticas passaram a admitir, em determinadas situaes e em consonncia com os princpios insertos na Carta Constitucional, mxime os da razoabilidade e proporcionalidade, a utilizao de tais provas, como, por exemplo, para beneficiar o ru, em situaes em que a prova, ainda que obtida por meios ilcitos, contribua para inocent-lo. a adoo de premissas que j se concretizam no direito alemo.

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A PERCIA CRIMINAL COMO ELEMENTO INSTRUTRIO DO PROCESSO PENAL

bm lhe cabe, por expressa reserva constitucional, o controle da atividade de polcia investigatria, devendo zelar para que aos autos sejam aportadas provas constitucionalmente ldimas e aptas ao esclarecimento do real encadeamento dos fatos. Provas existem vrias, cada qual com o seu especfico valor na cena processual. A prova a alma do processo, como aludido por Moscardo ou o ponto luminoso e a alma que informa todo o processo judicial; a pedra angular sobre a qual se apia a justia punitiva, nas palavras de Carmingnani.2 H a prova testemunhal de extremado valor, especialmente quando se trata de testemunha ocular ou de visu do fato descrito como delituoso. H a prova documental que pode contribuir, sobremaneira, para o deslinde do fato criminal. E, com inegvel valor para a perscrutao da verdade substancial, aflora a prova pericial, com tipologia variada e com modus faciendi singular em cada situao ftica apresentada, tornando-se, atualmente, face aos avanos tecnolgicos e cientficos, instrumento fabuloso para a investigao, especialmente quando existe aparato suficientemente desenvolvido para utilizao das modernas tcnicas investigativas. Neste2

passo, registre-se a relevncia de uma Polcia Judiciria bem capacitada para absorver os novos mecanismos, extraindo destes os seus recursos, fazendo os cotejos adequados, para, ao final, rumar na direo do desbaratamento do fato objeto de perquirio. To importante a prova pericial, que o juiz somente poder a ela se opor, se constatada a sua inteira desnecessidade elucidao da verdade.

Crimes contra a liberdade sexual.Negao de autoria. Exame de DNA. Indeferimento. Cerceamento de defesa.Consubstancia desrespeito ao princpio constitucional da ampla defesa o indeferimento de pedido de realizao de exame de DNA, formulado por ru denunciado por crimes contra a liberdade sexual, considerada como prova essencial para a negao de autoria. Habeascorpus concedido. (HC n 6.326/SP, 6 Turma, rel. min. Vicente Leal, j. 24.11.97, v.u., DJU 19.12.97, p.67.534). No amplo universo das provas, destaca-se, desassombradamente, a prova

Conforme aportes de Ronaldo Batista Pinto, in Prova Penal Segundo a Jurisprudncia, p. 2.

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pericial como inequvoco elemento instrutrio do processo, balizando-se como fator fundamental busca da verdade real e, sobremais, como mecanismo de efetivao da garantia do devido processo penal, com a liberdade inerente que decorre da ampla defesa.

taminando-se e, por derivao, no possuindo tambm nenhum valor. 4 Induvidosamente, numa vertente distinta, a doutrina vem caminhando rumo a uma postura exegtica mais consentnea com a prpria ordem constitucional vigente, valendo-se, para tanto, da interpretao dos princpios constitucionais, estabelecendo-se o confronto dos bens objeto de proteo da Lex Legum, sopesando-os em consonncia com os primados da razoabilidade e proporcionalidade5 , para, ao final, aquilatar quanto a prestabilidade da prova produzida, ainda que, aparentemente em desconformidade com a expressa vedao remarcada no art. 5, LVI, Vicente Greco Filho pontifica que o texto constitucional que no admite, em qualquer hiptese, a prova ilicitamente obtida, deve ser interpretado com cautela, asseverando no ser absoluta tal regra, visto que nenhuma regra constitucional absoluta, uma vez que tem que conviver com outras regras ou princpios tambm constitucionais. Assim, continuar a ser necessrio o

I - Aspectos Constitucionais e Infraconstitucionais da prova no contexto do processo penalMuito discutido, hodiernamente, tem sido a questo das provas ilcitas no arcabouo constitucional vigente. que no art. 5, inciso LVI, o Constituinte Ptrio, no campo das garantias fundamentais, tambm estabeleceu diretrizes preservadoras do direito privacidade e intimidade, qualificando de ilcitas ou antijurdicas as provas produzidas em desacordo com os princpios constitucionais, no lhe emprestando qualquer valor para o processo3 e fazendo com que todas as demais provas derivadas dessa atividade no amparada pelo direito, sofram o reflexo daquela ilicitude, con3

Sobre o tema, veja-se o seguinte decisrio: Admitem-se, em juzo, todos os meios de prova, salvo as obtidas por meio ilcito (Constituio, art. 5, LVI). As provas ilcitas, porque proibidas, no podem ser consideradas. Cumpre desentranh-las dos autos.(RMS n 8.559/SC, 6 Turma, rel. min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 12.06.98, DJU 03.08.98, p. 328). 4 Neste sentido, o 1 do art. 506 do CPPM, expressamente prediz que a nulidade de um ato, uma vez declarado, envolver a dos atos subseqentes. 5 A Smula 50 das Mesas de Processo Penal da Faculdade de Direito da USP chancela a tese da admissibilidade da prova obtida ilicitamente ds que empregada em benefcio do acusado.

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confronto ou peso entre os bens jurdicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou no, a prova obtida por meio ilcito.6 A prova pericial, de igual maneira, tem de ser produzida com respeito aos parmetros constitucionais, pena de ser tisnada pela eiva da nulidade, gerando conseqncias desastrosas e irremediveis para o processo. As provas obtidas de forma ilcita ocasionam nulidade absoluta e contaminam as que delas derivarem. Aqui aplica-se a chamada teoria dos frutos da rvore envenenada.7 A validade da percia decorrer, pois, da observncia das regras e dos limites impostos atividade probatria.

irrestrio ou da verdade real, sendo admissvel toda e qualquer espcie de prova no considerada ilcita ou que atente contra a moral, a sade ou a segurana individual ou coletiva e, no caso do processo penal militar, ds que no afronte os princpios da hierarquia e da disciplina. Ponto que merece enfoque diz respeito ao nmero legal de peritos na realizao do exame. Dessarte, na dico do art. 318/CPPM, in litteris: As percias sero, sempre que possvel, feitas por dois peritos, especializados no assunto ou com habilitao tcnica, observado o disposto no art. 48. Sobre o assunto, o STF sumulou o se-

Afora tais ressalvas, de relevante significado, a prova pericial pode e deve ser produzida em todas as situaes em que vestgios materiais deixados pelo crime ou pelas pessoas e coisas, possam conduzir ao esclarecimento da verdade. No se pode olvidar que, em matria de prova, vigora o primado da6

guinte entendimento:Verbete 361. No processo penal, nulo o exame realizado por um s perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligncia de apreenso. No obstante, mitigando-se o rigor da Smula, passou-se, em sede

Citado por Ronaldo Batista Pinto, em sua obra Prova Penal Segundo a Jurisprudncia, p. 8/9. No mesmo livro, o propalado autor, fls. 9, tambm manifestar posio no sentido de que o princpio constitucional da inadmissibilidade da prova ilcita seja adotado com reservas, dependendo do fato concreto, sendo que tal reserva no dever ser aplicada apenas em prol do ru, podendo em hipteses excepcionais ser adotado pro societate. Menciona a posio de Fernando Capez, segundo o qual dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o juiz poder admitir uma prova ilcita ou sua derivao, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenao injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posio antagnica precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado (Curso de processo penal, p. 33). Na mesma linha de considerao, Marcelo Mendroni, em seu festejado Curso de Investigao Criminal, editora Juarez de Oliveira, 2002. 7 Trata-se da conhecida doutrina americana denominada fruits of the pisonous tree (fruit doctrine).

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pretoriana, a considerar vlido o exame pericial levado a cabo por um s perito oficial. O preceito sumular, portanto, seria aplicvel somente em se tratando de peritos leigos. TOURINHO discrepa de tal posio, entendendo que h a exigncia de dois peritos oficiais. Espnola Filho, por sua vez, considera necessrio o exame subscrito por dois peritos, sejam ou no oficiais.8 Tambm h de ser destacado, no contexto da chamada prova emprestada, que a percia realizada em outro processo sobre fato que interesse ao deslinde de ao penal em trmite no mesmo Juzo ou noutro, h de passar, necessariamente, para ter validade, pelo crivo do contraditrio e da ampla defesa. Caso contrrio, ser considerada ilcita por menoscabo aos princpios constitucionais. De qualquer sorte, embora vlida, no tem a prova emprestada o mesmo valor da colhida no processo originrio. Sobre o tema, VICENTE CERNICCHIARO, citado por TOURINHO FILHO, esclarece que a prova emprestada um fato, apenas um fato, suscetvel de ser objeto de prova e, como toda prova, urge passar pelo contraditrio.8

II - A percia e sua repercusso no conjunto probatrio Sistema de avaliao da prova pericial.TOURINHO FILHO, sobre a prova pericial, assim se expressa:entende-se por percia o exame procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos tcnicos, cientficos, artsticos ou prticos acerca de fatos, circunstncias ou condies pessoais inerentes ao fato punvel, a fim de comprov-los.10 No mesmo sentido, a acepo oportuna de MITTERMAIER a respeito da realizao da percia: Tem lugar o exame de peritos sempre que se apresentarem na causa principal questes importantes, cuja soluo, para poder convencer o juiz exija o exame de homens, que tenham conhecimentos e aptido tcnicos e especiais.11 Mais adiante, o ilustre tratadista considera ser necessria a prova pericial, nas seguintes situaes: 1. Quando se trata de verificar a existncia de certos fatos, e que essa verificao, para ser bem feita, exige indispensavelmente os conhecimen-

9

Consoante apontamentos extrados do Processo Penal de Fernando da Costa Tourinho Filho, vol. 3, 18 ed., p. 250. 9 Op. Cit., p. 225. 10 Op. Cit., p. 244. 11 In Tratado da Prova em Matria Criminal ou Exposio Comparada, p. 151, 3 ed., BOOKSELLER, 1996.

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tos tcnicos, (...): suponhamos o caso em que o exame tenha por objeto os sinais de virgindade ou a existncia de veneno em um corpo; 2. Quando se trata de decidir qual a natureza e quais as qualidades de certos fatos; 3. Quando sobretudo a sentena deve ter base a admissibilidade de um fato como possvel ou provvel, tal seria o caso em que uma testemunha, por exemplo, afirmasse certos fatos, certas relaes entre fatos, e o em que o acusado alegasse a existncia de certas circunstncias acessrias do crime, cuja demonstrao, somente, poderia estabelecer a sinceridade de sua confisso; 4. Quando se trata de tirar dos fatos as suas conseqncias, o que s pode fazer o homem da arte.12

ocorre hoje, na moderna doutrina da prova.13 O Juiz pode, de fato, assentar a sentena na resposta do perito sobre dada questo prejudicial, assim como tambm pode no consider-la to slida e certa. Normalmente, o juiz se fundar na lealdade do perito acerca das observaes que lhe so pedidas, bem como na sinceridade de suas concluses, razo pela qual, gozam os peritos da confiana dos juzes, nos limites de sua arte e de suas declaraes cientficas, na exata medida dos conhecimentos especiais exigidos do apuro tcnico, indispensveis ao emprego do meios cientficos mais aptos manifestao da verdade. Espera-se que o perito, do alto da santidade de seu juramento, realize um exame consciencioso e sincero, sabendo-se que suas concluses podero ditar o julgamento.As concluses do perito inspiram confiana tanto maior, quanto mais poderosos forem os motivos principais, e mais bem esclarecida a sua mtua relao, nisso v o juiz o sinal de um exame bem feito de todas as circunstncias , e da natureza e solidez das observaes (MITTERMAIER, Op. Cit., p. 155). Qual a importncia da percia no processo penal? to somente meio de prova ou o perito exerce o relevante

Outrora, lembra MITTERMAIER, os peritos eram vistos como verdadeiros rbitros, decidindo questes prvias e prejudiciais, para as quais competentes seriam somente os homens da arte, sendo que o juiz, com base neste julgamento preparatrio, apenas tinha a misso de aplic-lo ao fato principal, tal no12 13

Op. Cit. p. 151/152. Op. Cit. p. 154.

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papel de auxiliar do Juiz. HELIO TORNAGHI, citado por TOURINHO, assim tem o seguinte entendimento:O perito est investido do mnus pblico de assessorar tecnicamente o Juiz. A percia no prova; ilumina a prova. 14 TOURINHO concorda que a percia mais do que um meio de prova e que o perito no mero sujeito de prova, mas auxiliar do Juiz. um apreciador tcnico da prova, assessorando o Juiz.15 Na sistemtica

MITTERMAIER, in litteris: quando quiser o juiz apreciar os resultados de um exame por peritos, tem que indagar primeiro, se os fatos, que esse exame verifica, devem ser tidos como verdadeiros; e depois, se as concluses deduzidas destes mesmos fatos podem produzir convico. 16 JOS FREDERICO MARQUES, a seu turno, com a agudeza de seu raciocnio

O CPPM adota o princpio da livre apreciao de provas pelo juiz, inclusive da prova pericial...jurdico, ensina:o exame pericial realizado na fase preparatria do inqurito policial no constitui, por isso, simples pea de investigao, embora sirva para integrar a informatio delitcti. A percia, realizada em qualquer fase do procedimento penal, sempre ato instrutrio emanado do rgo auxiliar da Justia para a descoberta da verdade. Seu valor o mesmo, quer se trate de percia realizada em juzo, quer se cuide de exame pericial efetuado durante a fase preparatria do inqurito. A sua fora probante deriva da capacidade tcnica de quem elabora o laudo e do prprio contedo deste.17

jusprocessualualista ptria, prepondera o princ