A PERMACULTURA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES

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A PERMACULTURA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES Beatriz Osório Stumpf Médica Veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Mestra em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Consultora em Educadora Ambiental Fundação Gaia [email protected] Rua Felipe Camarão, n° 140 / apt. 303. Bairro Rio Branco Porto Alegre / RS CEP: 90035-140 (51) 30135139 (51) 96440441

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A PERMACULTURA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES

Beatriz Osório Stumpf

Médica Veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Mestra em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Consultora em Educadora Ambiental

Fundação Gaia

[email protected] Felipe Camarão, n° 140 / apt. 303.

Bairro Rio BrancoPorto Alegre / RSCEP: 90035-140(51) 30135139(51) 96440441

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RESUMO: Este artigo apresenta uma pesquisa sobre o processo de inserção da Permacultura em escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME), como estratégia de revitalização dos pátios escolares e de Educação Ambiental (EA). A investigação teve como objetivo analisar as percepções de educadores(as) ambientais sobre esta atuação. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com coordenadoras da EA da RME, professores(as) responsáveis pela EA e educadores(as) do Programa Mais Educação Macrocampo Meio Ambiente. As questões centrais se referiram ao histórico do trabalho com a permacultura nas escolas, os potenciais desta estratégia e suas limitações. Nas análises foram identificadas palavras-chave, formando categorias por similaridade. Com relação às potencialidades foram encontrados os seguintes elementos: aprendizagem, mudança de comportamento, valorização ambiental, envolvimento comunitário, visão sistêmica e aproveitamento de recursos. Quanto às limitações destacaram-se: deficiência de recursos humanos e financeiros, dificuldade de engajamento, número elevado de alunos e escassez de formação de professores.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Permacultura, Pátios Escolares.

ABSTRACT: This paper presents a research on the process of insertion of Permaculture in schools in the Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME) as a strategy for revitalizing the schoolyards and for Environmental Education. The research aimed to examine the perceptions of educators on that environmental performance. Interviews were conducted with coordinators of the RME Environmental Education, teachers responsible for this activity and educators from Programa Mais Educação Macrocampo Meio Ambiente. The central issues were related to the history of working with permaculture in schools, the potential of this strategy and its limitations. In the analysis were highlighted keywords, forming categories by similarity. With respect to the potential were found the following elements: learning, behavior change, environmental enhancement, community involvement, systemic view and use of resources. The limitations included lack of human resources and financially, difficulty of engaging, high number of students and shortage of teacher training.Keywords: Environmental Education; Permaculture, Schoolyards.

1 INTRODUÇÃO... Daí que teremos que repensar energia, transporte,

agricultura, moradia, processos de produção e comportamento de consumo e, antes de mais nada, o sistema de educação - da família ao jardim de infância, primário, secundário, universitário e pós-graduação. LUTZENBERGER, J. A. (2009).

A Educação Ambiental (EA) é uma proposta que nasce no sentido de contribuir para pensamentos e práticas transformadores. Suas bases teóricas e metodológicas têm sido amplamente discutidas, proporcionando grande riqueza de reflexões e construções,

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no entanto, ainda são observados muitos obstáculos para a sua inserção efetiva no cotidiano das escolas. Com relação a algumas destas limitações, Chaves e Farias (2005) indicam a predominância, na percepção ambiental de professores de ensino fundamental, de uma visão antropocêntrica e utilitarista, que se manifesta em atividades desarticuladas, pontuais, de curto prazo e de caráter comemorativo. Carneiro (2001) acrescenta a falta de integração entre programas ambientais governamentais e o currículo escolar; e o entendimento fragmentário e estereotipado da EA por parte dos profissionais da educação escolar. A repetição de temas, muitas vezes de modo parcial e desconectado, formando ícones da EA, é abordada por Zanini et al (2010).

Todos estes problemas retratam uma grande dificuldade de mudança de padrões já consolidados, tanto em termos de pensamentos, como de estruturas, organizações, valores e hábitos. Os próprios discursos utilizados na EA revelam um distanciamento da efetivação de processos contínuos de transformações concretas, conforme mostra Tristão (2005), que chama a atenção para a ocorrência repetitiva de termos que, sem conexão com a prática, terminam soando vazios e vagos, gerando frustração e sensação de impotência. Esta autora aposta na criação de novas alternativas. Neste sentido, Silva (2010) sugere a busca de respostas e de soluções fora do conhecimento hegemônico e das práticas instituídas, propondo uma aproximação entre conhecimentos escolares, científicos e da tradição, junto a um engajamento efetivo para a solução de problemas.

Esta integração de saberes diversos, reunindo teoria e prática, tem sido indicada para contribuir em processos de organização coletiva de comunidades escolares direcionados para melhorias das condições sócio-ambientais locais, de forma conectada ao ensino de conteúdos curriculares. Em direção à busca de maior sustentabilidade dos estabelecimentos escolares e da formação de referências para as comunidades do entorno, Trajber e Sato (2010) apresentam o Projeto Escolas Sustentáveis, proposta que reúne três dimensões: espaço, currículo e gestão, estimulando um replanejamento da área da escola em conexão com o currículo, envolvendo toda a comunidade escolar.

A importância dessas três dimensões na EA escolar tem sido destacada por diferentes autores. A ressignificação dos espaços é abordada por Orr (2006), que além da integração entre pensamento e ação e da percepção das relações entre as disciplinas, menciona outra razão para a abordagem do lugar na educação: a ligação entre conhecimento local e conhecimento de quem se é. Esta importante relação entre identidade do lugar e identidade individual também é referida por Titman (1994), ao trazer o espaço como determinante de um senso de pertencimento, onde até pequenos elementos transmitem mensagens e provocam influências no comportamento dos estudantes. A pesquisa de Elali (2003) fortifica essa relevância dos ambientes escolares externos, identificando a forte presença da natureza nos desenhos infantis que representam a escola; e a citação de áreas livres como os locais mais apreciados, principalmente árvores e recantos escondidos.

No entanto, a preocupação com estas áreas ainda não é uma prioridade para a maioria das escolas brasileiras. Fedrizzi (2006) se refere ao fato de que muitos pátios não apresentam um projeto definido e são geralmente percebidos como local onde os alunos ficam quando não estão em sala de aula. As escolas costumam ser construídas a partir de modelos padronizados, com formatos rígidos, sem refletir as características ambientais e culturais locais, além de usar técnicas impactantes como o desmatamento e a terraplanagem. Bizarro (2010) reflete sobre o governamento que ocorre através desta

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arquitetura dos pátios escolares: um padrão que mantém a repetição de uma normalidade regulada por regras, evitando-se a abertura para o novo, o diferente.

A falta de prioridade para um olhar diferenciado com relação às áreas externas da escola, mantendo características de normalidade, governamento e distanciamento da natureza, reflete contradições entre a teoria e a prática em EA, como mencionado por Corbellini (2004) com relação à falta de valorização do contexto local e à escassez de ambientes para a realização de atividades pedagógicas fora da sala de aula. O autor também reflete sobre a relação entre este tipo de espaço escolar padronizado e o currículo, tendo sido ambos construídos através dos mesmos princípios culturais e históricos. A sugestão é de uma visão da EA escolar que contribua para a transformação destas estruturas, através de um processo prático participativo de intervenção na área da escola, de forma integrada a um currículo que problematize a realidade sócio-ambiental. A investigação de Titman (1994), ouvindo o depoimento de alunos de diversas escolas, comprova este tipo de pensamento, verificando que eles questionam a integridade dos conteúdos da EA quando as condições dos pátios não refletem o que está sendo abordado. As transformações mais positivas foram encontradas nas instituições em que estas áreas eram utilizadas para a aprendizagem de conteúdos curriculares, e crianças e adultos eram envolvidos na sua gestão e cuidado, de forma continuada.

Em uma trajetória de gestão coletiva e criativa dos espaços escolares, que inclui as potencialidades locais na aprendizagem curricular, possibilitando o aproveitamento de uma maior diversidade de elementos, existe uma alternativa ainda pouco pesquisada, a Permacultura (Cultura Permanente), a qual tem sido implementada em escolas de diversos países. Esta estratégia, proposta pelos australianos Mollison (1988) e Holmgren (2002), envolve o planejamento, a implantação e a manutenção de sistemas produtivos que supram as necessidades das populações humanas sem causar impactos ambientais e sociais negativos, através de um trabalho em conjunto com a natureza, integrando ideias das diversas áreas do conhecimento, das tradições e dos saberes populares, de forma adaptada a cada realidade. Este planejamento consciente conhecido como design permacultural, conforme Mars (2008), parte da observação detalhada da área e de profunda compreensão dos processos naturais, seguindo os princípios básicos que regem o funcionamento dos ecossistemas, como diversidade, interdependência e reciclagem. Desta forma, se busca o contínuo rejuvenescimento do sistema, através da integração entre os diversos elementos que o compõem, o máximo aproveitamento de materiais, água e energias locais, e a manutenção de ciclos regenerativos.

Legan (2009) tem utilizado a Permacultura como metodologia para a criação de escolas sustentáveis e oferece orientações para educadores interessados em iniciar este movimento. Alguns benefícios que podem ser trazidos pelo maior aproveitamento educativo do pátio escolar, através dos princípios e práticas permaculturais, são descritos por Legan (2007) incluído habilidades sociais, alimentação mais saudável, facilitação da aprendizagem, melhorias comportamentais e de frequência. No entanto não existem ainda pesquisas para a verificação destas contribuições em escolas ou estudos sobre as percepções dos participantes com relação aos efeitos destas atuações.

Este artigo apresenta uma pesquisa, desenvolvida na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME), sobre as percepções de educadores envolvidos na introdução da permacultura em escolas, com relação ao histórico deste processo, os potenciais e as limitações do uso desta estratégia para a educação ambiental e para a educação em

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geral. A composição das falas dos entrevistados sobre o histórico proporciona a visualização de um panorama, podendo constituir uma oportunidade de referência para reflexões metodológicas e de futuras contribuições para outras secretarias e escolas. As percepções quanto às potencialidades destas atuações promovem a identificação de resultados possíveis de serem atingidos, o que pode contribuir para planejamentos que incluam estas perspectivas. E o apontamento de limitações permite traçar as dificuldades que precisam ser enfrentadas, bem como a elaboração de estratégias que possam ajudar na resolução ou minimização destas questões.2 MÉTODO

Esta pesquisa qualitativa iniciou através da realização de entrevistas com a atual coordenadora da Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre - SMED e com a pessoa que era responsável por este setor no período em que foi desenvolvido o primeiro curso de permacultura envolvendo integrantes da RME, em 2000, a qual atuou nesta função até 2009. Nestes momentos foram obtidas indicações sobre as escolas que estão mais envolvidas no processo de implantação da permacultura e as pessoas responsáveis por este movimento em cada estabelecimento. Posteriormente estas escolas foram visitadas e estes profissionais foram entrevistados. Durante as visitas, os espaços escolares foram observados, bem como as situações, interações e falas da comunidade escolar que se referiam a este tipo de atuação ambiental.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, cujas questões centrais se referiram ao histórico do processo de revitalização permacultural do pátio da escola, às potencialidades da permacultura para a EA e para a educação em geral, e as limitações desta estratégia ou as dificuldades enfrentadas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas e analisadas, com a identificação de palavras-chave, agrupadas por similaridade de significado, formando categorias; e com a verificação de quais categorias mais se repetiam nas falas dos diferentes entrevistados. Dentro de cada categoria foram analisados diferentes enfoques abordados, buscando o diálogo com alguns referenciais teóricos e metodológicos da EA. Os dados não foram considerados como fatos isolados, e sim de forma conectada e relacionada com o contexto observado. Os históricos relatados por cada entrevistado foram reunidos em ordem cronológica, compondo um texto único que proporciona uma visão detalhada do processo.

Foram visitadas dez escolas: EMEF Afonso Guerreiro Lima, EMEF Grande Oriente do RGS, EMEF Rincão, EMEF Prof. Anísio Teixeira; EMEF Prof. Gilberto Jorge Gonçalves da Silva; EMEEF Prof. Luiz Francisco Lucena Borges, EMEF Moradas da Hípica, EMEF Vila Monte Cristo, EMEI Protásio Alves e EMEI Humaitá. Em dois casos foram entrevistadas duas professoras da mesma escola; e além dos(as) professores(as) e profissionais da SMED, também participaram das entrevistas dois educadores do Programa Mais Educação que estão atuando com a permacultura em algumas escolas, totalizando dezesseis pessoas entrevistadas.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO3.1 Histórico:

No ano 2000 foi desenvolvido, através da parceria entre Fundação Gaia, Earthcare Education Aotearoa, Secretaria Municipal de Educação de Viamão, Secretaria do Meio Ambiente do Estado (RS) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o curso "Educação para a Comunidade Sustentável", com a neozeolandeza Robina

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McCurdy, abordando o método SEED: School Environmental Education and Development (http://www.seed.org.za). Esta estratégia participativa contempla o envolvimento da comunidade escolar no levantamento das suas necessidades, no planejamento coletivo (design permacultural) e na execução de transformações na área da escola e do seu entorno, de forma integrada à abordagem dos conteúdos curriculares.

Teresinha Sá, então responsável pela educação ambiental na Secretaria Municipal da Educação - SMED, participou deste curso e visualizou a potencialidade de estender este tipo de atuação para a RME, de forma adaptada à realidade de cada escola, com o objetivo de buscar soluções sustentáveis a partir do lugar, de forma coletiva, analisando os problemas locais, aproveitando potenciais e estabelecendo parcerias.

Inicialmente foram desenvolvidos pela SMED, também em parceria com a Fundação Gaia, cursos deste tipo em duas escolas: a EMEF Chapéu do Sol e a EMEF Grande Oriente. Na escola Chapéu do Sol o evento contou com a participação da Dra. Beatriz Fedrizzi, especializada em paisagismo nos pátios escolares, e foi documentado em reportagem na revista Nova Escola (Zenti, 2002). Esta escola continuou atuando fortemente com este trabalho até 2007, mas com a mudança de direção e a saída de algumas pessoas, houve um direcionamento mais para outras prioridades. Atualmente, a direção está querendo retomar estas atividades, as quais têm sido muito solicitadas pelos alunos, de um modo integrado a programas como Escola Aberta, Mais Educação e LIAU (Laboratório de Inteligência Urbana).

Com relação à EMEF Grande Oriente, a iniciativa de realização do curso surgiu a partir de uma demanda relativa a problemas de violência e agressividade. A professora Loreci Zancanaro, atual responsável pela EA na escola, lembra que o curso movimentou a comunidade escolar em uma reflexão sobre suas necessidades e em muitas transformações coletivas, com parcerias importantes. Foi dada continuidade a este trabalho e o comportamento dos alunos melhorou muito. Atualmente são desenvolvidos dois ou três mutirões por ano, sempre buscando parcerias e envolvimento comunitário.

Posteriormente a SMED, também por iniciativa de Teresinha Sá, desenvolveu um curso envolvendo três escolas infantis: São Carlos, Maria Marques Fernandes e Jardim Bento. Outras atividades mais pontuais foram realizadas na EMEF Anísio Teixeira, EMEI Humaitá, e EMEI Protásio Alves. Dando continuidade a esta atuação, Teresinha organizou um programa de formação continuada, no qual os professores interessados formaram um grupo que se encontrava mensalmente para reflexões, estudos, trocas de experiências e de materiais, além da troca de informações e divulgação dos mutirões através de uma rede virtual. A partir de uma comissão do próprio grupo, era organizado um seminário anual com palestras e relatos de experiências das escolas. Foram também desenvolvidas outras atividades, como curso de permacultura no Rincão Gaia (Pantano Grande /RS), visitas ao Viveiro Municipal de Porto Alegre, e saídas de campo para os Caminhos Rurais de Porto Alegre. Através deste trabalho, alguns educadores foram concretizando e aprimorando iniciativas.

Em 2009 foi executado, na escola EMEF Afonso Guerreiro Lima, um curso teórico-prático com o permacultor João Rockett, do Instituto de Permacultura dos Pampas (IPEP), no qual foi construído coletivamente, entre outros elementos, um sistema de tratamento de águas cinzas através de um círculo de bananeiras. Atualmente, por meio do Programa Mais Educação, macrocampo meio ambiente, educadores do

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grupo Camboim de Educação Ambiental, da ONG Ingá, estão trabalhando com a Permacultura nesta e em outras escolas, dando continuidade a estes tipos de ações.

No início de 2011, a atual responsável pela Educação Ambiental na SMED, Rosa Rosado, encaminhou o projeto "Construindo escolas sustentáveis no meio urbano", no qual está previsto outro curso teórico-prático de Permacultura, com 44 horas, a ser realizado na EMEF Rincão, com um enfoque mais direcionado para a construção. Além da continuidade dos encontros mensais da formação continuada em EA, também estão sendo realizados encontros bimensais específicos para a Educação Infantil: as "Redes de conversa da Educação Ambiental na Educação Infantil".

Algumas iniciativas com relação aos pátios escolares foram anteriores ou paralelas a esta trajetória, mas todas se enriqueceram de alguma forma com o processo de educação continuada, através da participação em alguns encontros, mutirões, cursos, seminários ou saídas de campo, com trocas de experiências e ideias e contato com materiais, como os livros da permacultora Lucia Legan, do Ecocentro IPEC - Instituto de Permacultura do Cerrado.

3.2 Potencialidades:A facilitação da aprendizagem foi citada como potencial da permacultura, de

diferentes formas, por nove entrevistados. Um enfoque se referiu à aposta na transformação do espaço escolar como estratégia de mudança da estrutura educativa, em uma visão de trazer o ensino mais para fora da sala de aula, com a criação de salas de aula ao ar livre e a realização de atividades mais práticas e dialógicas, com conteúdos mais significativos para o aluno, proporcionando o aumento do interesse.

A contribuição para o desenvolvimento de outros tipos de inteligências, não só a cognitiva, foi também uma abordagem destacada. Por exemplo, Luisa Hogetop e Juliana Kraetzig, responsáveis pela EA na EMEEF Lucena Borges, descrevem contribuições destas atividades para o aprimoramento da motricidade ampla e fina em alunos especiais. Esta declaração corrobora com a informação de Elali (2003), de que as áreas livres nas escolas, com ambientes variados e locais ensolarados e de sombra, são de grande importância para o desenvolvimento da psicomotricidade.

Outra reflexão bem presente nos depoimentos foi sobre o potencial da permacultura para o ensino de conteúdos curriculares, de forma transdisciplinar. Teresinha Sa, atualmente vice-diretora da EMEF Afonso Guerreiro Lima, salienta que todas as áreas do conhecimento estão presentes no pátio: "O pátio se oferece, tudo está ali, podendo ser aproveitado. O olhar é que muda, quebrando o paradigma do conteúdo fechado, separado". A contribuição destas atividades para alunos com problemas de alfabetização, leitura e escrita foi exposta pelas professoras Cynthia Tarrago, da EMEF Anísio Teixeira, e Beatriz Vergara, da EMEF Gilberto Jorge, respectivamente, através da realização de entrevistas para o conhecimento do entorno, e de ações de divulgação das "histórias do pátio". As professoras Aline da Rosa da EMEF Vila Monte Cristo e Cynthia Tarrago, da EMEF Anísio Teixeira, também reforçam o papel da EA como propulsora de idéias e de materiais para professores de várias áreas, além do desenvolvimento de projetos em conjunto.

Entretanto, ocorreram indicações sobre dificuldades neste aproveitamento do pátio para atividades curriculares. Na escola Gilberto Jorge, em que as iniciativas permaculturais estão sendo desenvolvidas através do Mais Educação, a professora

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responsável mostra preocupação com a desconexão entre este processo e o que está sendo abordado em sala de aula. E na EMEF Rincão, o professor Vinícius Machado declara que a tradição da responsabilidade do professor de ciências ainda é forte na EA, sendo estas atividades ainda incipientes por parte dos professores de outras disciplinas. Também na EMEF Grande Oriente foi relatado que são os conteúdos de ciências os mais abordados no pátio. Para Mateus da Silva, educador do Mais Educação, a permacultura possibilita uma visão de mundo mais ampla, permitindo abordar todas as disciplinas e tratar de assuntos esquecidos, mas se o professor reproduzir o mesmo tipo de aula da sala para o pátio, se o conteúdo continuar sendo transmitido de cima pra baixo e de forma fragmentada, só está mudando de lugar, sendo necessário trabalhar pela emancipação dos indivíduos, com muito diálogo, escuta e vivência.

A questão da transversalidade da EA, proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, tem sido um grande desafio para as escolas. González-Gaudiano (2005) identifica dificuldades que ainda ocorrem na inserção da interdisciplinaridade no cotidiano escolar e nas propostas curriculares. E Carvalho (2005) lança um questionamento sobre quais os caminhos possíveis para transcender a fragmentação disciplinar e ocupar o lugar da transversalidade, o qual é uma espécie de não-lugar.

O pátio da escola, ao ser revitalizado e considerado como "sala de aula ao ar livre" ou "laboratório de aprendizagem" pode, na visão de alguns autores e na percepção de grande parte dos entrevistados nesta pesquisa, oferecer estímulos e subsídios para uma maior integração entre os conhecimentos disciplinares, constituindo um "lugar de transversalidade". Este potencial é realçado por Nuttal (1999), na visão permacultural, que apresenta o processo de construção e de utilização de uma agrofloresta na escola como um ótimo instrumento de integração entre as áreas do currículo, com potencial para o planejamento de grande variedade de atividades. Ainda nessa direção, Bilimore et al (1990), propõe atividades que podem ser desenvolvidas no pátio, contemplando a abordagem de diversas disciplinas e complementando o trabalho da sala de aula.

A mudança de comportamento foi também indicada em nove entrevistas. Uma visão bastante presente nesta categoria, principalmente em referência aos mutirões, foi com relação ao incentivo a valores humanos como a cooperação e a solidariedade, o fortalecimento da noção do coletivo, a diluição de conflitos e a transformação das relações de poder na escola. Também foi ressaltada a noção de cuidado com si próprio e com os outros, inclusive quanto a mudanças comportamentais de alunos agressivos e usuários de drogas. A calma proporcionada através do contato com a terra foi enfatizada principalmente nas escolas infantis; e também na de alunos especiais, onde foi citado que estas ações ajudam a conter impulsos, a trabalhar as emoções e os limites, canalizando a energia de forma não agressiva. Outra contribuição relatada foi na inclusão de alunos socialmente excluídos ou que costumam ser rotulados como de difícil aprendizagem e com problemas comportamentais, por estes se destacarem nessas ações e se sentirem mais valorizados. A escola como um espaço de cura é proposta por Mateus, educador do Mais Educação, que vê através da permacultura a possibilidade de um ambiente com mais alegria, leveza e liberdade.

O caráter humanista tem sido bastante ressaltado nas reflexões sobre a EA, no sentido de uma contribuição para o resgate e a formação de valores humanos, principalmente relativos à cooperação e solidariedade Na prática, este é um desafio bastante complexo, pois envolve diversas questões sociais, de crianças que já vivem

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impregnadas por uma cultura de violência, muitas vezes sofrendo rejeições e maus tratos familiares. A potencialidade de contribuição da permacultura para esta perspectiva humanista foi fortemente encontrada na percepção dos educadores entrevistados, com relação à integração de esforços, idéias e habilidades na melhoria de um espaço que é para todos. Cada indívíduo é valorizado e envolvido neste processo, contribuindo de alguma forma para o coletivo, expressando sua energia de modo construtivo, podendo melhorar sua auto-estima e confiança. Ruivo (2008), pesquisando duas escolas rurais que passaram por um processo participativo de elaboração e implementação de um design permacultural no pátio escolar, tendo como base o método SEED, observa melhorias comportamentais nas crianças, com mais cooperação, interação e respeito; e menos agitação, correria e conflitos.

A noção de cuidado também foi trazida junto a uma outra abordagem, a de valorização do ambiente, enfatizada por oito entrevistados. Uma oportunidade bastante destacada foi a de um novo olhar sobre o espaço, buscando alternativas que o tornem mais agradável ao convívio, em uma relação de pertencimento e de identidade local, na ótica do cuidado, responsabilidade e amor pelo lugar. Patrícia de Freitas, diretora da EMEI Humaitá, expande este pensamento, abrangendo a noção mais ampla de cuidado para com o planeta, além de traçar a ligação desta outra forma de olhar o entorno com a qualidade de vida das pessoas. E buscando uma maior qualidade do convívio social através de melhorias do espaço, Paula Pagot, coordenadora cultural da EMEF Moradas da Hípica, manifesta a intenção de formar um local interessante para os jovens se encontrarem. Este tipo de iniciativa de cuidado e valorização do ambiente é de grande importância, conforme destacado por Titman (1994), pois os alunos percebem a diferença entre os locais que são valorizados pelos adultos e os que não são, e como compreendem o pátio como algo deles, isto significa se eles próprios são valorizados.

A dimensão do cuidado é apresentada como base filosófica da EA por Unger (2006), trazendo como referência a visão de Martin Heidegger, através de uma ética que parte da origem da palavra grega ethos, significando a morada autêntica e o cuidado em um sentido ativo, positivo. Do mesmo modo, Boff (2003), refletindo sobre o cuidado como fonte de um novo paradigma ético, se refere ao pensamento de Heidegger, em que o cuidado é visto como a real essência do ser humano. Esta dimensão é trazida como base ética da permacultura, a qual fundamenta todas as suas ações. Segundo Morrow (1993) esta ética se baseia no cuidado com o planeta, enfatizando também o cuidado com as pessoas, a questão social. Para que isto seja possível, são considerados dois outros princípios éticos: a distribuição de excedentes e o limite ao consumo.

Junto a referências quanto à maior valorização e admiração pela escola, em um contexto escolar mais prazeroso, a perspectiva estética foi colocada por alguns entrevistados, que relatam afirmações dos alunos, do tipo: "a nossa escola é bonita", além da utilização do pátio para trabalhos artísticos, com a observação do belo na natureza. A presença da dimensão estética na relação entre o ser humano e o ambiente em que vive é abordada por Marin e Kasper (2009), ao considerar o lugar vivido como um aspecto revelador da existência humana. Estes autores manifestam preocupação com relação aos espaços construídos, onde a alteração de paisagens é comandada por uma racionalidade desenvolvimentista, podendo ser causa do embrutecimento dos sentidos, do desencantamento do mundo e do desenraizamento do humano. A ressignificação da vida através da vivência estética é vista como um dos desafios da EA, junto a um

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planejamento de espaços habitados mais significativos e criativos, onde seja possível o prazer da experiência estética com a natureza. De acordo com Mollison e Slay (1998), como a permacultura se fundamenta na observação e na aprendizagem com a natureza, os padrões naturais são seguidos para a confecção de "jardins produtivos", onde esta vivência da estética natural é ligada à produção de alimentos ou de plantas medicinais.

Participação e envolvimento comunitário foram fatores levantados por sete pessoas. Um aspecto mencionado foi a Permacultura como possibilidade de maior envolvimento da comunidade do entorno, e de mais interação da escola com a realidade local, resgatando saberes populares. Este potencial foi ilustrado por vários relatos sobre as contribuições dos pais e professores com materiais, idéias, conhecimentos e habilidades. A identificação do estabelecimento escolar como uma referência para a comunidade também foi evidenciada em algumas entrevistas. E foi abordado o reflexo dessa atuação na família, com a citação de casos de alunos que fizeram espirais de ervas em suas casas, e de crianças que levaram para seus prédios a visão do ciclo do lixo.

Outras citações importantes ocorreram com relação ao planejamento coletivo e à participação de alunos, pais e professores na tomada de decisões com relação às transformações do espaço escolar. A participação é uma perspectiva que tem sido citada como fundamental na EA. Tristão (2005) coloca a participação como exemplo de uma característica ambicionada pelos educadores ambientais, mas que ainda enfrenta dificuldades e falta de estratégias para a sua consolidação, geralmente ocorrendo uma dissociação entre o discurso participativo e as práticas cotidianas. Algumas contribuições da gestão participativa dos espaços escolares têm sido citadas por autores como Bilimore et al (1990), com relação à expressão da identidade comunitária; Isaia (2007) sobre melhorias das competências sociais das crianças; e Titman (1994), quanto a noções de pertencimento, responsabilidade e confiança.

A visão sistêmica foi indicada por cinco entrevistados. Uma dimensão bem presente foi a de reconexão com a vida, através do exercício de observação dos ciclos da natureza, da influência solar, do desenvolvimento das plantas, da diversidade e das relações de interdependência entre elementos naturais. Jaqueline Farias, professora da EMEI Protásio Alves, resume esta visão: "A permacultura permite ver que fazemos parte de uma grande teia e que tudo está interligado". E Julia Kinoshita, professora responsável pelo Complemento de Horta e Jardim Escolar na EMEF Vila Monte Cristo, exalta a profunda conexão e respeito pela vida, com toda sua diversidade, complexidade e exuberância, sendo seu conhecimento e cuidado o primeiro passo para esta vivência.

Este tipo de pensamento é bastante presente nos discursos ambientalistas e de educadores ambientais. Lutzenberger (2001) considera a evolução como um processo sinfônico, no qual todas as espécies evoluem conjuntamente, de forma orquestrada, sendo que cada organismo só pode ser compreendido como parte integrante desta maravilhosa sinfonia da evolução orgânica. Esta abordagem é trazida como ponto de partida para a criação de comunidades sustentáveis por Capra (2006), através da aprendizagem com os princípios de organização dos ecossistemas. A permacultura coloca em prática esta visão, traduzindo estes padrões fundamentais da natureza em princípios de design para sistemas humanos. Nuttal (1999) aborda a permacultura na escola como este fator de conexão dos alunos com os fatos básicos que guiam a vida e expõe a questão de que na atualidade as crianças possuem menos possibilidades de

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contato com a natureza, o que provoca uma dificuldade de compreensão dos ritmos, ciclos e leis naturais, com conseqüente diminuição do senso de responsabilidade.

Para Fernanda Poletto, educadora do Mais Educação, a estratégia permacultural tem importância como impulsionadora de uma mudança paradigmática, em um momento em há necessidade desse movimento de transformar estruturas que não servem mais, significando um novo caminho pra enxergar a educação como algo mais sistêmico, através da observação do meio e de si mesmo, junto a ações transformadoras. Esta mudança paradigmática tem sido bastante pensada nas bases teóricas da EA. É nesta direção que Avanzi (2004) se refere a mudanças culturais que possibilitem uma nova leitura da realidade, fundamentada em uma visão de mundo sistêmica, que abrange a complexidade, a interdependência, a flexibilidade, o dinamismo, em contraponto ao modelo de sociedade linear, estratificado, hierárquico, sequencial.

No entanto, Loureiro (2005) desenvolve uma problematização com relação ao pensamento sistêmico e holístico, considerando que este tipo de visão dilui os aspectos políticos, culturais e sociais que são inerentes à complexidade das questões ambientais, dissolvendo a cultura e estabelecendo uma unidade abstrata entre sociedade e natureza. Mas a permacultura, de acordo com a visão dos seus propositores e conforme percepções apresentadas pelos educadores entrevistados nesta pesquisa, possibilita a prática da integração entre uma visão sistêmica de mundo, aprendida no funcionamento dos ecossitemas naturais, e a cultura dos povos (incluindo resgates da ancestralidade), o engajamento político, a participação, a conquista da autonomia.

O aproveitamento de recursos e a geração de produtos foram fatores mencionados por quatro educadores, através de aspectos como conservação do solo, coleta de água da chuva, vegetação como sombreamento, merenda escolar mais saudável, uso de plantas medicinais e uso de materiais locais, incluindo lixo seco e orgânico. Com relação à questão do lixo, Layrargues (2002) chama a atenção para algumas abordagens reducionistas que têm sido desenvolvidas em EA, sem questionamentos mais profundos sobre o modelo de produção e consumo da nossa sociedade. A permacultura pode oferecer oportunidades para estes questionamentos, junto à prática de aproveitamento de materiais locais e de religação da matéria orgânica ao ciclo da vida, sendo a visão da redução do consumo uma das suas bases éticas.

4.3 Limitações Com relação às limitações da permacultura, a falta de recursos humanos foi

um fator levantado em oito entrevistas, incluindo déficit de pessoal, excesso de demandas, pequena carga horária destinada à EA, dificuldade de manutenção (principalmente durante as férias), e limitação física, por serem principalmente mulheres atuando na educação, por serem as crianças pequenas as que mais querem participar deste tipo de atividade e pela grande rotatividade dos alunos participantes. Outra referência foi sobre a tendência a ficar centrado na figura de uma só pessoa.

Este último fator se relaciona também com outro tipo de limitação: a dificuldade de engajamento por parte de professores, funcionários e/ou gestão educacional, citada em seis entrevistas. Este obstáculo foi colocado de forma relacionada com diferentes fatores, como a resistência em acreditar em uma nova proposta (por ser algo novo e alternativo), a forma muito enraizada, inflexível de educar, a tendência repetir padrões e o fechamento dos professores nas suas funções e

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áreas de conhecimento. Também foram abordados problemas relativos à situação do professor, com sobrecarga de tarefas, tensão, cansaço, stress e ansiedade. Além disso, a pressão pelos resultados da aprendizagem, relativa às metas de qualidade da educação nacional, medidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Este panorama complexo foi apresentado como limite para a visão da permacultura como potencial de evolução, emancipação, conexão e encontro de sentidos, de modo que seja considerada possível uma mudança do sistema de trabalho, incluindo ações permaculturais e permitindo um processo interno de transformação pessoal. Para o enfrentamento destas dificuldades, em direção à escola como um todo pensando o meio ambiente, Jaqueline Farias, professora da EMEI Protasio Alves, destaca a importância de que exista um responsável pela EA atuando como motivador, envolvendo e articulando a comunidade escolar, mas sem centralizar as ações.

A falta de recursos financeiros e materiais foi lembrada por quatro entrevistados. No entanto, a busca de alternativas foi relatada por vários professores, como produções em festas comemorativas, parcerias com instituições e empresas; além do aproveitamento de materiais locais. Também foi citada a falta de valorização deste tipo de conhecimento no Mais Educação, por disponibilizar somente ajuda de custo.

O número elevado de alunos foi problematizado por duas pessoas, tanto com relação ao máximo de lotação da escola, havendo muitos alunos para pouco espaço; como no que se refere ao Mais Educação, sobre a dificuldade de tratar algo de extrema sensibilidade e profundidade com turmas grandes.

A falta de formação de professores foi indicada em apenas uma escola, no entanto, foi observado, de modo geral, interesse por mais aprofundamento do tema e dificuldades na manutenção de elementos do pátio, por falta de conhecimento. Janaina Neuls, vice-diretora da EMEI Humaitá se refere à necessidade de haver pelo menos uma pessoa com conhecimento técnico e experiência, para dar andamento a este trabalho.

Apesar das limitações expostas, houve declarações como a de Rosa Rosado, de que "As possibilidades são bem maiores do que os limites, a sensação de ver acontecendo supera qualquer dificuldade"; e a de Jaqueline Farias: "Eu não vejo limitações. Quando se quer alguma coisa, se arregaça as mangas e faz."

5 CONSIDERAÇÕES FINAISAtravés desta pesquisa foi possível observar que as percepções dos(as)

educadores(as) relativas às potencialidades da permacultura e da revitalização de pátios escolares revelam aspectos semelhantes aos apontados por autores como Legan (2007) e Titman (1994). Além disso, foram identificadas nessas percepções, as três dimensões analisadas por Tristão (2005) como presentes nos discursos da EA, mas geralmente abordadas de forma padronizada ou distanciada da prática: a ética (solidariedade), a política (participação) e a estética (reencantamento). Também ficaram evidentes as três perspectivas trabalhadas por Trajber e Sato (2010) com relação a escolas sustentáveis: espaço, currículo e gestão. Outros potenciais importantes, trazidos pelos entrevistados e/ou observados nas escolas, incluíram contribuições para diversas questões que têm sido abordadas em reflexões atuais sobre a educação brasileira, como inclusão social, problemas de comportamento, dificuldades de aprendizagem, educação integral, desenvolvimento e inclusão de alunos especiais. Estes resultados mostram a importância

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de outras investigações sobre a permacultura, aprofundando estas especificidades e incluindo pesquisas que envolvam a escuta de alunos, pais e funcionários.

No entanto, alguns dos potenciais presentes no imaginário dos(as) educadores(as) ainda não foram plenamente alcançados na prática, principalmente com relação à efetiva integração deste processo ao ensino dos conteúdos curriculares. Uma das limitações bastante apontadas para a inserção da permacultura na escola, de modo integrado ao currículo, se refere à dificuldade no engajamento de todos os professores, principalmente devido a uma resistência para mudar padrões e estruturas já enraizadas. Algumas questões citadas nas reflexões dos entrevistados como limites a esta transformação, como o excesso de atividades, a rígida delimitação de funções, o quadro defasado de professores, o número elevado de alunos e a pressão por resultados, são fatores que implicam em mudanças mais amplas, dependentes de políticas públicas, muitas vezes relacionadas com a proporção de recursos destinados à educação e com a definição de prioridades, o que faz parte do pensamento econômico e de desenvolvimento predominantes na nossa sociedade.

A EA, como visão educacional propulsora de mudanças na sociedade, de certa forma, fica na dependência destas mesmas transformações para a sua consolidação efetiva, de modo transdisciplinar, prático e participativo nas escolas. Esta reflexão é importante, pois gera a necessidade de um reconhecimento de que a EA está trazendo à tona problemáticas da educação brasileira que muitas vezes já são consideradas normalizadas, podendo se constituir mais efetivamente com um papel de mexer com estas estruturas já consolidadas, propondo alternativas inovadoras, desconhecidas, ou ainda pouco conhecidas, no meio educacional. Para tanto, as reflexões sobre a EA escolar precisam estar cada vez mais associadas a discussões mais amplas da educação.

Os relatos e observações desta pesquisa mostraram que esta dificuldade de envolvimento ocorre não tanto por falta de interesse, mas por este "emaranhamento" dos professores em suas rotinas, com divisões de tarefas e de papéis, excesso de atividades, pressões e exigências burocráticas. Foi observado grande interesse nesta atuação, por parte de professores, bem como muita admiração na forma como eram apresentadas as transformações conquistadas no ambiente escolar, mostrando a forte sensação de que a mudança vale à pena. É admirável o esforço realizado pelos(as) educadores(as), apesar das dificuldades, na busca de parcerias, no envolvimento da comunidade e no aproveitamento de oportunidades.

Algumas saídas encontradas para desenvolver este trabalho foram os programas já estabelecidos, como Mais Educação e Escola Aberta, mas a limitação neste caso continua sendo a dificuldade de integração entre estas atividades em turno inverso e o ensino de conteúdos curriculares. É preciso estar atento ao risco da EA ficar sendo exercida somente como uma atividade extra, de menor importância, concorrendo com vários outros tipos de atividades, só para os alunos mais interessados e quando os pais permitem, implicando em uma alta rotatividade dos participantes e na dificuldade de realização de um trabalho mais aprofundado.

Ficou evidente, em muitos casos, uma EA bastante pulverizada, dividida em projetos, e muitas vezes aproveitando pouco as potencialidades de conexão entre estas diferentes propostas. Por exemplo, existe uma visível possibilidade de maior entrelaçamento entre a Permacultura e o Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano - LIAU, outra estratégia utilizada pela RME, que trabalha com a produção de

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saberes a partir do próprio local, proporcionando um novo olhar sobre a região, integrando a comunidade e resgatando a responsabilidade pelo ambiente. Estas duas atuações poderiam trabalhar mais juntas, visando propósitos comuns: observação e análise local para proposição de ações transformadoras. Além da atuação nos pátios escolares, a permacultura pode proporcionar planejamentos sócio-ambientais para o entorno escolar, de forma interativa com a comunidade e com outras escolas, a partir de uma compreensão sistêmica do meio, e com maior aproveitamento dos potenciais locais. Uma das visões da permacultura é o bioregionalismo: atuação que busca soluções a partir de áreas geográficas definidas, com características próprias (clima, geologia, flora, fauna, solos, hidrografia, culturas humanas). O conhecimento da região que está sendo proporcionado através do LIAU pode contribuir muito nesta direção.

Também foi nítida a contribuição de uma carga horária específica de alguns professores para a atuação em EA. De certa forma isto pode resgatar uma discussão antiga e importante da Educação Ambiental, sobre se esta deveria ou não ser uma disciplina, a qual gerou a definição de que seria um tema transversal. Mas esta dificuldade de inserir de forma efetiva a EA no cotidiano escolar, de modo que seja abordada por todos os professores e envolva toda a escola, mostra a importância de se ter uma ou mais pessoas com carga horária específica, junto a grupos de alunos interessados, para se dedicar a um trabalho de organização, articulação e mobilização da comunidade escolar para este movimento, podendo contribuir para a integração de projetos. No entanto, é fundamental que se trabalhe com a clareza na definição deste papel como articulador, e não como centralizador de responsabilidades.

Estas iniciativas desenvolvidas pela RME mostram grande empenho e efetivos resultados, apesar das limitações. Mas é importante que este movimento seja visto como um processo ainda em andamento, com tendência a aprofundar e expandir mais. A EA ainda possui uma longa trajetória a percorrer em direção a uma visão de educação inteiramente ambiental, uma escola vista como comunidade de aprendizagem, que possa servir como referência ecológica para moradores do entorno, em que o pátio ofereça subsídios, realmente aproveitados pelos educadores, para a vivência e a observação dos princípios da vida, integrando diversas áreas do conhecimento, em uma ética de cuidado para consigo mesmo, com os outros e com o ambiente como um todo. A maior inserção da permacultura em processos de formação de educadores pode contribuir neste sentido, sendo esta estratégia possível de ser visualizada como potencial de contribuições para a EA e para a educação em geral, não como instrumento único ou principal, mas como uma abordagem que merece ser mais pesquisada, experimentada, explorada e difundida, em conexão com outras estratégias e visões educativas e ambientais.

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