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Anais do V Congresso Linguística e Cognição p. 133-138 A perspectiva da compreensão: focalizando a aprendizagem no processo de ensino de leitura e escrita na Educação de Jovens e Adultos Natalia de Lima Nobre Marcos Antônio Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte O presente trabalho visa identificar, descrever e analisar que processos cognitivos precisam ser postos em funcionamento na execução e/ou resolução de atividades de leitura e interpretação textual elaboradas para a Educação de Jovens e Adultos 1 . Partindo da perspectiva da compreensão enquanto simulação e descompressão, tentarei discutir as implicações dos encaminhamentos dos enunciados/questões das atividades num processo de construção de significados para os textos 2 . Considerarei o processo de significação tendo como referência a Teoria da Mesclagem Conceptual (FAUCONNIER & TURNER, 2002) e a Teoria Neural da Metáfora (LAKOFF & JOHNSON, 1999). Com essa discussão, advogo que a assunção de uma perspectiva da compreensão no processo de ensino/aprendizagem pode levar a um ensino que se configure na esfera da mediação, da organização e da problematização do conhecimento, ampliando as possibilidades de inserção/ação do indivíduo na sociedade contemporânea. 1. Introdução Em termos simples, conhecer é um constante processo de categorização e recategorização das nossas experiências (manipulação de objetos e deslocamento no espaço, por exemplo) e dos intercâmbios socioculturais a que somos expostos. Através de sua ação sobre o mundo, o organismo 3 elabora e reelabora constantemente relações de conhecimento. E é exatamente essa capacidade de significação e ressignificação do mundo experienciado que parece ser despercebida pelos gestores e profissionais da educação ao elaborarem suas atividades e estratégias didático- pedagógicas, objetos do presente trabalho. Com tal atitude, os atores do contexto educacional parecem desperceber seu papel no processo de aprendizagem. Isso revela uma concepção de conhecimento ainda “como o acúmulo e processamento de informações de modo sistêmico” ( Leite, 2003, p. 218), quando, já há algum tempo, as pesquisas cognitivas têm situado o “conhecimento humano como produto social que ocorre através da ação compartilhada dos indivíduos” (Id. Ibid., p. 222). Durante muito tempo, as orientações didático-metodológicas do processo de ensino/aprendizagem levaram em consideração apenas o conhecimento que o professor tem, os melhores métodos de “transmissão” desse conhecimento, ou mesmo a relevância dos conteúdos a serem trabalhados nos contextos formais de educação, ou seja, o ensino. No entanto, recentes pesquisas de base cognitiva sociointeracional têm demonstrado que o ato educativo deve levar em consideração o processo de construção de conhecimento, como (re)significamos o mundo, ou seja, a aprendizagem . Segundo Costa e Duque (2010), “o foco de investigações se volta para as dinâmicas de construção do conhecimento e para os esquemas interpretativos, reconhecendo a organização da memória em termos de conhecimento experiencial”. Ainda segundo esses autores, O fato de a corporificação especificar um elo entre a cognição e a experiência ajuda a compreender o porquê de o conhecimento ser situado e sobre questões relativas à aprendizagem. [...] uma teoria do significado é também uma teoria sobre apreensão e aprendizagem. E não há apreensão e aprendizagem que não envolvam esquemas imagéticos e respectivas projeções metafórico- metonímicas. [...] Por isso, não é de surpreender que cognição e aprendizagem sejam situadas e estejam relacionados à emergência de esquemas imagéticos (Duque & Costa, no prelo). Adotar uma perspectiva da compreensão na análise de atividades de leitura/compreensão/produção de textos elaboradas para aulas de Língua Portuguesa dos 3º e 4º níveis da Educação de Jovens e Adultos (EJA) possibilita perceber que tipo de mecanismos cognitivos são exigidos do aluno para sua resolução. A escolha por certos 1 As atividades aqui analisadas fazem parte do corpus de minha pesquisa de mestrado ainda em andamento. 2 Entenda-se texto enquanto unidade significativa verbal ou não verbal, uma construção que resulta de um pareamento de forma e sentido indissociáveis. 3 Entenda-se organismo, segundo descreve Damásio (1998), enquanto corpo indissociável da mente/cérebro.

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Anais do V Congresso Linguística e Cognição

p. 133-138

A perspectiva da compreensão:

focalizando a aprendizagem no processo de

ensino de leitura e escrita na Educação de Jovens e Adultos

Natalia de Lima Nobre

Marcos Antônio Costa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

O presente trabalho visa identificar, descrever e analisar que processos cognitivos

precisam ser postos em funcionamento na execução e/ou resolução de atividades de leitura

e interpretação textual elaboradas para a Educação de Jovens e Adultos1. Partindo da

perspectiva da compreensão enquanto simulação e descompressão, tentarei discutir as

implicações dos encaminhamentos dos enunciados/questões das atividades num processo

de construção de significados para os textos2. Considerarei o processo de significação

tendo como referência a Teoria da Mesclagem Conceptual (FAUCONNIER & TURNER,

2002) e a Teoria Neural da Metáfora (LAKOFF & JOHNSON, 1999). Com essa discussão,

advogo que a assunção de uma perspectiva da compreensão no processo de

ensino/aprendizagem pode levar a um ensino que se configure na esfera da mediação, da

organização e da problematização do conhecimento, ampliando as possibilidades de

inserção/ação do indivíduo na sociedade contemporânea.

1. Introdução

Em termos simples, conhecer é um constante processo de categorização e recategorização das nossas experiências

(manipulação de objetos e deslocamento no espaço, por exemplo) e dos intercâmbios socioculturais a que somos

expostos. Através de sua ação sobre o mundo, o organismo3 elabora e reelabora constantemente relações de

conhecimento. E é exatamente essa capacidade de significação e ressignificação do mundo experienciado que parece ser

despercebida pelos gestores e profissionais da educação ao elaborarem suas atividades e estratégias didático-

pedagógicas, objetos do presente trabalho. Com tal atitude, os atores do contexto educacional parecem desperceber seu

papel no processo de aprendizagem. Isso revela uma concepção de conhecimento ainda “como o acúmulo e

processamento de informações de modo sistêmico” (Leite, 2003, p. 218), quando, já há algum tempo, as pesquisas

cognitivas têm situado o “conhecimento humano como produto social que ocorre através da ação compartilhada dos

indivíduos” (Id. Ibid., p. 222).

Durante muito tempo, as orientações didático-metodológicas do processo de ensino/aprendizagem levaram em

consideração apenas o conhecimento que o professor tem, os melhores métodos de “transmissão” desse conhecimento,

ou mesmo a relevância dos conteúdos a serem trabalhados nos contextos formais de educação, ou seja, o ensino. No

entanto, recentes pesquisas de base cognitiva sociointeracional têm demonstrado que o ato educativo deve levar em

consideração o processo de construção de conhecimento, como (re)significamos o mundo, ou seja, a aprendizagem .

Segundo Costa e Duque (2010), “o foco de investigações se volta para as dinâmicas de construção do conhecimento e

para os esquemas interpretativos, reconhecendo a organização da memória em termos de conhecimento experiencial”.

Ainda segundo esses autores,

O fato de a corporificação especificar um elo entre a cognição e a experiência ajuda a compreender o

porquê de o conhecimento ser situado e sobre questões relativas à aprendizagem. [...] uma teoria do

significado é também uma teoria sobre apreensão e aprendizagem. E não há apreensão e

aprendizagem que não envolvam esquemas imagéticos e respectivas projeções metafórico-

metonímicas.

[...] Por isso, não é de surpreender que cognição e aprendizagem sejam situadas e estejam

relacionados à emergência de esquemas imagéticos (Duque & Costa, no prelo).

Adotar uma perspectiva da compreensão na análise de atividades de leitura/compreensão/produção de textos

elaboradas para aulas de Língua Portuguesa dos 3º e 4º níveis da Educação de Jovens e Adultos (EJA) possibilita

perceber que tipo de mecanismos cognitivos são exigidos do aluno para sua resolução. A escolha por certos

1 As atividades aqui analisadas fazem parte do corpus de minha pesquisa de mestrado ainda em andamento. 2 Entenda-se texto enquanto unidade significativa verbal ou não verbal, uma construção que resulta de um pareamento de forma e

sentido indissociáveis. 3 Entenda-se organismo, segundo descreve Damásio (1998), enquanto corpo indissociável da mente/cérebro.

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mecanismos, em detrimento de outros na elaboração das atividades, nos permite inferir concepções de língua,

conhecimento, processo de ensino/aprendizagem e de nível do desenvolvimento cognitivo do aluno, na visão do

professor. Analisar as respostas dos alunos a algumas dessas atividades sob a mesma ótica da compreensão possibilita

visualizar o processo de construção de conhecimento do aluno, se por meio dos mecanismos propostos/esperados pelo

professor ou outros, gerando sentidos não esperados ou, muitas vezes, considerados errados.

Para o professor, perceber essa dinâmica da construção do conhecimento permitiria uma ação mais efetiva no

processo de ensino/aprendizagem. Uma mediação que possibilitasse não só a (re)significação dos conteúdos escolares,

mas também um aprender a aprender, conforme defende Paulo Freire em toda sua bibliografia educacional.

2. Tecendo uma compreensão sobre a teoria

Em The Way We Think, Fauconnier e Turner (2002, p. 89) postulam que a construção de redes de integração

conceptual ou mesclagem4 é a base de todo processo de significação.

A integração conceptual é o coração da imaginação. Ela conecta espaços de entrada, projeta-os

seletivamente no espaço mescla, e desenvolve estruturas emergentes por meio de composição,

complementação e elaboração na mescla5.

Para esses autores a mesclagem ocorre com o objetivo de “dar-nos uma compreensão global, uma escala humana de

entendimento, e um novo significado”6. Ainda segundo eles (apud Duque & Costa, no prelo),

O uso da escala humana é o princípio a partir do qual podemos tornar ideias grandiosas e complexas,

fáceis de serem compreendidas e relembradas. Nesse processo de redução, a informação acaba sendo

comprimida, tornando-se menos detalhada. No entanto, quando o processo de blending é revertido, os

detalhes da compressão ficam visíveis novamente. Esse processo se assemelha ao zoom (+ ou -)

utilizado em câmeras fotográficas e filmadoras: quanto mais aumentamos o zoom, mais detalhes são

fornecidos.

Um dos principais procedimentos de alcance da escala humana através da mesclagem é a compressão das relações

conceptuais ou relações vitais. Há quinze relações vitais: mudança, identidade, tempo, espaço, causa-efeito, parte-todo,

representação, papel, analogia, desanalogia, propriedade, similaridade, categoria, intencionalidade e singularidade. As

relações vitais podem ser comprimidas nas projeções e combinações dos inputs ou mesmo dentro de outras relações

vitais.

Portanto, a atividade de compreensão/significação de um texto, um enunciado, uma ação ou qualquer dado no

mundo envolve projeções, combinações e mesclagens entre domínios conceptuais. A teoria dos Espaços Mentais, de

Fauconnier e Turner (2002), divide os domínios conceptuais em dois tipos: estáveis e locais (espaços mentais). Os

domínios estáveis correspondem a “nichos de sentido onde experiências corpóreo-afetivas ficam estocadas, desde a

infância” (Duque & Costa, no prelo), na forma de esquemas, frames e molduras comunicativas. Estes são estáveis,

porém não estáticos. Sua principal característica é a flexibilidade, uma vez que são “acessados” a todo o momento para

dar sentido a novas informações e por elas são retroalimentados. Já os domínios locais, segundo Fauconnier, são

pequenos conjuntos de memória de trabalho que construímos enquanto pensamos e falamos. Fazendo um paralelo com

uma interpretação neural desses processos cognitivos (Damásio, 1998), talvez possamos dizer que os espaços mentais

sejam conjuntos de neurônios ativados.

[...] o processo por meio do qual as representações neurais, que são modificações biológicas criadas

por aprendizagem num circuito de neurônios, se transformam em imagens nas nossas mentes

[ativação/indexação de espaços mentais]; os processos que permitem modificações microestruturais

invisíveis nos circuitos de neurônios se tornem uma representação neural [retroalimentação dos

domínios estáveis], a qual por sua vez se transforma numa imagem que cada um de nós experiência

como sendo sua [construção do significado] [meus comentários] (Damásio, 1998, p. 116).

Já os domínios estáveis, sob essa perspectiva neural, corresponderiam a um padrão de ativação neural com atividade

sincronizada em diversas regiões cerebrais.

[...] à medida que nosso conjunto de circuitos neurais vai sendo formatado pela experiência, emergem

tipos básicos desses circuitos. Assim, há circuitos neurais específicos caracterizando frames,

esquemas imagéticos, metáforas conceptuais, itens lexicais ou construções gramaticais (Pires, 2008,

p. 32)

4 Mesclagem é a tradução brasileira para blending, cunhada por Margarida Salomão (1998, apud MEDRADO, 2008). 5 “Conceptual integration is at the heart of imagination. It connects input spaces, projects selectively to a blended space, and

develops emergent structure through composition, completion, and elaboration in the blend”. 6 “[...] it gives us global insight, human-scale understanding, and new meaning.”

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Os espaços mentais são “flexíveis, linguisticamente motivados e contextualmente configurados”, consoante afirma

Medrado (2008, p. 67). Isso significa que expressões linguísticas apresentam-se enquanto Indexadores de Espaços

Mentais, uma espécie de gatilho que ativaria padrões de circuitos neurais (frames, categorias, esquemas etc) enquanto

falamos e pensamos.

Uma rede de integração conceptual, ou processo de mesclagem, é composta por espaços de entrada (inputs) –

“domínios independentes que, parcialmente, se correspondem, possuindo os elementos que vão resultar no espaço

mental da mescla” (Medrado, 2008, p. 69) – interligados a um espaço genérico que fornece as estruturas abstratas

comuns aos inputs. As projeções e combinações das estruturas do espaço genérico pelos elementos homólogos nos

inputs resultam em um quarto espaço mental: mescla. Este, além de apresentar o resultado das combinações parciais dos

inputs, gera estruturas emergentes – construções novas e renovadas que não estavam contidas nos espaços de entrada.

Conforme mostra a Figura 1, esta seria a arquitetura básica de uma rede de integração conceptual, ou mesclagem.

Passemos agora a análise de alguns dados que viabilizaram as discussões acima citadas e que se desenrolarão ao

longo deste artigo.

Figura 1. Rede de Integração conceptual (adaptada de Fauconnier e Turner, 2002, p. 46 apud Duque & Costa, no prelo).

3. Tecendo uma compreensão sobre os dados

Para a construção do presente artigo, escolhi uma atividade de Língua Portuguesa correspondente ao segundo

bimestre do ano letivo. Os dados foram escolhidos por serem de um ciclo já completado da coleta de dados (no

momento da conclusão deste artigo, estava em andamento o terceiro bimestre).

A atividade é composta de um exercício de leitura, interpretação e escrita continuada de um texto cujo título é:

Estrelas em greve7; e outro exercício de busca de sinônimos no dicionário (Figura 2).

7 A atividade, incluindo o texto, encontra-se nos anexos do presente trabalho.

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Figura 2. Excerto da atividade analisada

A compreensão do texto apresentado na atividade analisada necessita da construção de uma mesclagem de escopo

simples, ou seja, uma rede em que os inputs são estruturados por frames diferentes e a mescla é estruturada pelo frame

de apenas um input. O frame comunicativo que estrutura a mescla, bem como a estrutura emergente, é o das relações

trabalhistas, que parece ser ativado por expressões do tipo “greve” e “protesto”, estes funcionam enquanto construtores

e indexadores de espaços mentais8. Vejamos como ficaria, então, a rede de integração da compreensão desse texto na

Figura 3.

Figura 3. Mesclagem do texto Estrelas em greve.

8 Segundo discussões do grupo de pesquisa Cognição & Práticas Discursivas – UFRN –, entendemos construtores de espaços

mentais enquanto expressões linguísticas que ativam seletivamente elementos de um domínio estável e construindo um espaço

mental. Já os indexadores de espaços mentais seriam expressões que manteriam esses espaços locais ativos.

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Nesse texto específico, pode-se perceber na rede de integração a compressão da relação vital de espaço exterior

(entre inputs) de ANALOGIA, que aparece comprimida na estrutura emergente (mescla) dentro das relações vitais de

espaço interior (dentro de um mesmo espaço mental) de SINGULARIDADE e IDENTIDADE. Somos capazes de

identificar as estrelas enquanto trabalhadores. Além disso, também comprimimos acontecimentos difusos pela relação

vital de CAUSA-CONSEQUÊNCIA e TEMPO. Isso faz com que eventos e situações que não necessariamente

precisariam ter relação entre si, como o fato de os homens dormirem no sofá, as mulheres verem novelas, as crianças

brincarem com o computador, sejam comprimidos numa única história, a da greve das estrelas.

Construir um final para essa história é acessar esquemas e frames comunicativos armazenados durante nossas vidas

acerca de nossas experiências com greves, com trabalho e com a natureza (estrelas, animais, marés etc.) e projetá-las

seletivamente sob a ótica da nova metáfora ESTRELAS SÃO TRABALHADORES. Tal exercício envolve processos

cognitivos complexos, como relações causais, generalizações, projeções futuras. Sendo assim, um aluno capaz de

realizar tal tarefa não poderia ser considerado cognitivamente inferior ou debilitado. Atividades com esse nível de

complexidade, se trabalhadas sob a mediação de um professor que percebe a ativação/construção desses processos

cognitivos no processo de significação, poderiam ajudar os alunos a desenvolverem cada vez mais processos cognitivos

complexos, os quais são a base dos conhecimentos sistematizados de uma comunidade escolarizada.

Além disso, segundo Gerhardt et. al. (2009, p. 77), estudos metacognitivos têm buscado “compreender de que forma

as pessoas podem apropriar-se dos próprios mecanismos cognitivos”. Esses estudos tem procurado mostrar como tal

apropriação auxilia numa boa leitura. Dessarte, perceber como fazemos inferências, selecionamos informações mais ou

menos importantes do texto, ou levantamos e checamos predições sobre o texto a ser lido é mais do que conhecer o

conteúdo de um texto, é, antes de tudo, conscientizar-nos de nossas próprias estratégias de aprendizado. É aprender a

aprender. Para os professores, portanto, conhecer e dar atenção a esses mecanismos cognitivos na elaboração de suas

atividades e estratégias para a sala de aula faz-se essencial.

O que se percebe, porém, é um encaminhamento bem diferente. Ao analisar o restante dos dados nota-se nitidamente

uma recorrência de atividades que se utilizam da estratégia da localização/identificação e reprodução de informações. O

próprio exercício 2 da atividade analisada é um exemplo disso.

A questão pede o seguinte: “Procure no dicionário o significado das palavras abaixo”. Em seguida traz a seguinte

lista de palavras: Plateia; Cessar; Greve; Ignorar; Indeterminado; Semear; Solidária; Desorientar; Protesta; Sumiço;

Aderir; Astrônomo; Fuzuê; Mandinga; Desânimo; Deriva; Feiticeira.

Ora, o uso do dicionário é um ótimo recurso para se discutir a estabilização e/ou variação dos sentidos em uma dada

comunidade, como a comunidade local, a científica a escolar etc. Também pode ser útil para ajudar os alunos a

construir as relações de sinonímia, que não são simétricas, nem perfeitas. Mas não é isso que acontece. O texto parece

ter sido usado como pretexto para ir ao dicionário. O dicionário, por sua vez, é o pretexto para se falar em sinônimo e

antônimo, assuntos das próximas atividades, que recorrem às mesmas estratégias cognitivas de localização/identificação

e reprodução de informações.

Assim sendo, vê-se uma discrepância entre os processos cognitivos exigidos para a resolução das atividades. Essa

revela, por um lado, uma não consciência, por parte da professora, do nível de complexidade das atividades cognitivas

envolvidas no processo de construção de significados. E, por outro lado, revela uma concepção ilusória de um alunado

cognitivamente limitado, uma vez que há uma predominância de atividades simplistas de mero reconhecimento e

reprodução.

4. (In)Conclusões

Diante do que aqui foi posto, tento defender uma formação do professor na qual tenha lugar uma teoria acerca dos

processos de construção de sentido. Como conhecemos? Que estruturas cognitivas/processos cognitivos são postos em

operação diante de novas informações? Como reformulamos ou relacionamos o conhecimento já armazenado em nossa

memória com novos conhecimentos? Advogo que os professores deem atenção a como processamos novas

informações, como construímos conhecimento, como categorizamos e damos coerência ao mundo que nós mesmos

criamos.

Referências

Costa & Duque (2010). Palestra – Me explica, me ensina: o que é lingüística cognitiva? 28/05/10. UFRN – disponível

em https://sites.google.com/site/cogpradis.

Damázio, A. R. (1998). O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras [pp. 109-141].

Duque, P. H. & Costa, M. No prelo. A. Linguística Cognitiva: em busca de uma arquitetura de linguagem compatível

com modelos de armazenamento e categorização de experiências.

Fauconnier, G. & Turner, M. (2002). The Way We Think. New York: Basic Books.

Gerhardt, A. F. L. M., Albuquerque, C. F., & Silva, I. S. (2009). A cognição situada e o conhecimento prévio em leitura

e ensino. Ciências & Cognição, 14(2), 74-91.

Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge to Western thought.

New York: Basic Books.

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Natalia de Lima Nobre, Marcos Antônio Costa

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Leite, Jan Edson Rodrigues. (2003). A natureza social da cognição: questões sobre a construção do conhecimento.

Veredas – Revista de Estudos da Linguagem, 7(1/2), 217-232.

Medrado, B. P. (2008). Espelho, Espelho Meu: Um Estudo Sóciocognitivo sobre a conceptualização do Fazer

Pedagógico em Narrativas de Professoras. EDUFPE.

Anexo

Atividade analisada