A POESIA TRABALHADA SOBRE UMA ÓTICA CRÍTICA … · Era nosso desejo que os alunos do 8º ano do...

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A POESIA TRABALHADA SOBRE UMA ÓTICA CRÍTICA CONSIDERANDO O MÉTODO RECEPCIONAL

Autora: Eva Brizzi Duim Rufato

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Orientador: Milton Hermes Rodrigues2

RESUMO

Este artigo apresenta resultados do projeto de intervenção pedagógica “A poesia

trabalhada sobre uma ótica crítica considerando o Método Recepcional”. O objetivo

de despertar no aluno o interesse pela poesia, o prazer de ler, ouvir e interpretar

alguns poemas, considerando seu horizonte de expectativa e na possível ampliação

do mesmo. Formar Leitores é um dos anseios que vem ao encontro das Diretrizes

Curriculares de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental e

Ensino Médio (2008). Com o apoio no método recepcional, criamos condições para

que o leitor jovem se aproximasse mais do texto poético, interpretando e

estabelecendo relações para melhor compreensão, lendo, ouvindo e interpretando

alguns poemas com prazer. Era nosso desejo que os alunos do 8º ano do Ensino

Fundamental passassem a ver a poesia como algo capaz de despertar sentimento,

emoção e o encantamento para que fosse promovida uma maior interação entre a

poesia e a música popular. De modo a fazê-lo descobrir novos conhecimentos por

meio da poesia. O projeto foi baseado no Método Recepcional, analisando músicas

populares e poesias, com os seguintes passos: 1- Sondagem de horizontes de

expectativas; 2- Atendimento ao horizonte de expectativas; 3- Ruptura de

expectativas; 4- Questionamento dos horizontes de expectativas.

PALAVRA-CHAVE: Poesia; música popular; método recepcional.

1 Graduada em letras pela FAFIU - em Pedagogia pela UNOESTE - pós-graduada em Metodologia de Ensino Superior- FIFASUL - Saúde para Professores

do Ensino Fundamental e Médio pela UFPR - Professora PDE 2010

2 graduação em Letras Anglo-Portuguesas pela Universidade Estadual de Maringá (1980), mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho (1989) e doutorado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Atualmente professor associado da

Universidade Estadual de Maringá

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1 INTRODUÇÃO

Minha experiência de sala de aula, em particular no ensino da literatura, na

análise de poesia, revela, da parte dos alunos, dificuldades de aprendizagem que

precisam de melhor delineamento e sistematização a fim de que possam ser

corrigidas a partir de atitudes e métodos que despertem ou aumentem o gosto e o

interesse pela leitura e fruição poéticas. De fato, essas dificuldades de leitura, de

interpretação e de composição são visíveis, tal é, por exemplo, a pluralidade de

significados que um poema pode apresentar, de acordo com o estilo, o contexto de

produção, o tema abordado, exigindo do aluno esforço para identificar os recursos

linguísticos e técnicos, as sugestões temáticas secundárias, fatores que, no caso da

composição, da criatividade, se transformam algumas vezes em força inibidora.

Diante dessa realidade constata-se que é possível questionar e levantar algumas

possibilidades para sugerir soluções para alguns problemas. O projeto, como um

todo, também oportuniza o que se costuma chamar de “reciclagem” do professor,

pois propicia a ele acesso a conhecimentos novos, além de reforçar os antigos.

Formar leitores é um dos anseios que vem ao encontro das Diretrizes

Curriculares de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental e

Ensino Médio (2008). Apoiado no método recepcional, aquele que, até na seleção

de textos, considera o horizonte de expectativa do aluno, podemos criar condições

para que o leitor jovem se aproxime mais do texto poético, interaja mais com ele,

estabeleça relações mais intensas (de compreensão melhor) com a linguagem e o

assunto, atitudes suscetíveis de levar esse aluno a vivenciar na leitura, dentre outras

coisas, circunstâncias também pessoais, que, ao final, o reconectam com os

semelhantes. Compete ao professor, nesse sentido, oferecer contribuição para uma

melhor leitura, desenvolver estratégias que levem o aluno a descobrir-se e/ou a

descobrir o próximo na leitura de um poema.

A poesia, trabalhada segundo orientações do método recepcional, leva em

conta, no caso deste projeto, a faixa etária do aluno, a série que cursa, e, por isso,

antevê no seu horizonte de expectativa, entre outras coisas, condições para aguçar

o mágico e o lúdico. Considerando a realidade desse aluno, supomos ser possível

desenvolver seu interesse pela leitura ao ponto de prepará-lo, no gosto, para

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aproximá-lo (ao menos), mais tarde, da leitura de textos “clássicos”, a maioria deles

com horizonte distanciado. Tornou-se oportuno, portanto, levar avante este projeto

que pode contribuir, até em termos metodológicos, para promover melhor o

interesse do aluno pela leitura de poesia, de qualquer tipo de poesia, usando para

isso referencial (expectativas psicoculturais, inclusive) desse aluno.

O projeto teve como objetivo despertar – ou manter – no aluno o interesse

pela poesia, o interesse identificado com simples prazer de ler, ouvir e interpretar

algumas músicas e poemas, considerando seu horizonte de expectativa e sua

possível expansão. Orientada pelo no método recepcional, adotei os seguintes

passos: 1) Sondagem de horizonte de expectativa; 2) Atendimento ao horizonte de

expectativa; 3) Ruptura do horizonte de expectativa; 4) Questionamento do horizonte

de expectativa.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A poesia nasceu, entre os primitivos, como uma necessidade social, fazendo

parte de rituais místicos e de manifestações lúdicas, como a música, a dança,

chegando às formas dramáticas rústicas. Os ritmos, com seu poder atrativo, foram

cantados ou articulados nas narrativas primitivas.

A poesia, termo identificado antigamente com o fazer “literário”, distinguiu-se,

com o tempo, da prosa, assumindo feições peculiares, às vezes problematizadas

pelo incessante movimento de tradição e ruptura que rege a vida estética.

Distanciou-se, portanto, da remota concepção clássica, quando o ato de imitar

(mimese) pressupunha as atitudes “poéticas” dramáticas, épica e lírica. Sabemos

hoje que a poesia, além de especificada por demandas formais (recursos sonoros,

figuração, técnicas...), se caracteriza por sua essencialidade, por um modo de ser

ligado mais à sensibilidade, à intuição. Ela é um “conteúdo” que pode fazer parte de

um “continente”, de uma “embalagem”, ou seja, pode morar num poema ou num

trecho de prosa. Suas técnicas foram se diversificando, as categorias aumentaram:

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a elegia, a ode, a lira, o rondó, a balada, a canção, o soneto, o madrigal. A norma,

hoje, é a liberdade, uma liberdade capaz de aproveitar até as formas tradicionais...

O estudo da poesia, de sua natureza, de suas particularidades formais,

costuma aparecer no quadro dos estudos dos gêneros literários, nos manuais de

teoria literária, em capítulos específicos, lições normalmente reproduzidas nos livros

didáticos destinados ao ensino fundamental e médio. Lembremos aqui, além das

obras citadas na bibliografia final, as Teorias literárias de Antônio Soares Amora e

de Hênio Tavares. Alguns estudos, mais monográficos, carregam certo didatismo

bastante útil ao iniciante na poesia, como O que é poesia, de Fernando Paixão (São

Paulo: Brasiliense), e Versos, sons e ritmos, de Norma Goldstein (São Paulo: Ática).

Nessas obras encontramos, por exemplo, a definição das formas literárias, as

disposições métricas, rímicas e rítmicas, a figuração, as reviravoltas formais,

algumas noções sobre a natureza dessa categoria literária. Algumas vezes nos

informam sobre o andamento histórico do gênero, como, por exemplo, a força da

poesia trovadoresca medieval, o entrelaçamento entre letra e música (canto), a força

e permanência do padrão clássico, as revoluções modernistas.

O trabalho da poesia em sala de aula se sujeita a uma didática cujo método

pode definir a eficiência ou o fracasso da relação ensino/aprendizagem. Com certa

freqüência, os exercícios e atividades ofertados pelos livros didáticos que

apresentam este gênero discursivo se apresentam como pretexto para levar os

alunos a discutirem conteúdos ortográficos e gramaticais, deixando de lado o valor

literário que, prioritariamente, tais textos possuem. A problematização dessa

postura, crescendo, levou a constantes revisões do ensino da literatura, às vezes

tomado como “letramento”, de modo que o assunto conta hoje com boa bibliografia,

desde obras mais antigas, como a de Nelly Novaes Coelho, a outras mais

atualizadas, incorporando já alguns mandamentos da chamada “Estética da

recepção”, que privilegia, na “concretização” do texto literário, a figura do leitor,

considerando, entre outros fatores, o jogo entre o horizonte textual e o horizonte do

leitor atualizado, situado em determinados contextos sócio-ideológicos.

A opção de trabalhar poesia com adolescentes supõe uma necessidade ou

uma expectativa etária, o que permite, generalizando bastante, vincularem a esse

período algumas constantes psicoemocionais, como incertezas, inseguranças,

interesses sexuais, gosto do aventuresco, paixão pela glória, sonhos com fama e

fortuna, características que pulsam na arte, do cinema à literatura, da internet à

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poesia, embora nesta última tais reações pareçam vivenciadas com dificuldades, já

que exige do leitor um compromisso, um pacto, um esforço nem sempre aceito. É

nessa fase da vida que ocorrem as adversidades emocionais, que se manifesta a

“avidez por conhecer e entender” (PIKUMAS, 1979.p.253), para o que deve também

contribuir a poesia. Para Erikson (1978), os adolescentes não só se ajudam uns aos

outros, mas também testam, insistentemente, as capacidades mútuas para

lealdades constantes, no conflito de valores. O adolescente constrói idéias abstratas

e é capaz de formular hipóteses e testá-las. Costuma pensar além do real e do

presente, investigando sua própria identidade.

Essa investigação se processa no adolescente como um projeto de inserção

social, de aprendizagem social, movimentos intelectivos para cujo desenvolvimento

muito tem a ajudar a leitura da poesia. A escola deve valorizar o trabalho com o

texto. Desse modo, a leitura, a produção de texto, práticas literárias, enfim, poderão

ganhar sentido sem que se caia em situações voltadas exclusivamente para a

avaliação e correção.

Não se trata, portanto, de que a escola assuma a responsabilidade de se “refazer poetas”, mas de desenvolver no aluno (leitor) sua habilidade para sentir a poesia, apreciar o texto literário, sensibilizar-se para a comunicação através do poético e usufruir da poesia como uma forma de comunicação com o mundo. (MAIA, 2001.p.16.).

No Ensino Fundamental a poesia é às vezes incluída entre as “atividades

lúdicas”, sendo abordadas como “não sérias”. Provavelmente esta é uma das razões

pela qual os alunos estudam a poesia interessados mais na técnica, negligenciando

as atividades cognitivas, aquela que expressam conhecimento do mundo e do ser,

uma das funções da literatura, segundo conhecido estudo de Antonio Candido, ainda

que ler e fazer poesia supõem também orientar os olhos para a realidade do mundo

sob uma ótica nem sempre objetiva. “Fazer poesia é fazer peraltice com as

palavras”, ou seja, promover determinados efeitos em quem lê. A poesia é a arte das

palavras que busca a expressão e produz comunicação.

A literatura é contra o efêmero, o escritor e critico italiano Umberto Eco nos fala, com outras palavras, o mesmo que a poesia de Manoel de Barros. Ao

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buscar respostas à pergunta sobre a importância da literatura, explicando que esta não é uma questão tão simples e que o sentido de gratuidade das obras literárias faz com que elas se encaixem na esfera dos “bens imateriais”, se alinhando a outros valores úteis, mas não no sentido pratico funcional. Pontuando as muitas funções da literatura, o critico ressalta o papel que ela desempenha na manutenção da língua como patrimônio coletivo e na apresentação de uma organização ética da linguagem que, extrapolando finalidades meramente informativas, convida o leitor ao exercício da imaginação e da recriação de significados. Nesta perspectiva, a poesia, assim como toda a literatura, oferece-nos a possibilidade de contato com nossa tradição literária e cultural, permitindo ao mesmo tempo o resgate de nossas condições de criação, uma vez que nos convida a imaginar, a produzir sentidos e a estabelecer relações entre a palavra e o mundo. (CAMPOS 2006. p38)

Segundo Campos, o método recepcional proposto pelas Diretrizes

Curriculares de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental e

Ensino Médio (2008), embasado na Estética da Recepção, é um caminho a

percorrer para tornar as aulas de literatura mais práticas e agradáveis, pois a

Estética da Recepção tem como um de seus pressupostos a leitura como prazer.

O método recepcional é contrário às tradicionais teorias dominantes uma vez que o ponto de vista do leitor é fator imprescindível, e defende a idéia do relativismo histórico e cultural, que se apóia na mutabilidade do objeto, assim como da obra literária dentro de um processo histórico. Trata-se, portanto, de um método eminentemente social, pois há uma constante interação das pessoas envolvidas, consideradas sujeitos da História. A obra literária é uma estrutura lingüístico-imaginária, constituída por pontos de indeterminação e de esquemas de impressões sensórias, que - no ato da criação ou leitura - serão preenchidos e atualizados, transformando o trabalho artístico do criador em objeto do leitor. Estamos diante, portanto, de um ato de comunicação entre escritor-obra-leitor. (CAMPOS, 2006: P. 42)

O método recepcional pode corresponder a uma boa contribuição para a relação

ensino-aprendizagem ligada aos estudos literários, pois ele enfatiza a relação entre

o próximo e o distante, entre o familiar e o novo. Sempre partindo do resgate do que

o aluno já conhece ou tem melhor compreensão, até atingir o mais complexo

envolvendo o leitor num processo de desenvolvimento de suas leituras, a fim de

levar a compreensão de poesias de diferentes níveis de profundidade.

A interação entre o leitor e o texto viabiliza a quebra da “monotonia” na

confirmação das expectativas para o crescimento e o desenvolvimento. O horizonte

de expectativas é a resposta sobre as expectativas desse aluno; a expansão do

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horizonte de expectativa desbloqueia os limites de conhecimento já existente para

sua ampliação: é o momento de questionamento por parte do aluno em face do novo

que lhe é apresentado.

Nesse processo, o aluno torna-se agente da aprendizagem com visão mais

critica de sua própria atuação, inteirando-se com o objeto de estudo e a vida num

imutável enriquecimento social e cultural. Quanto mais leituras o aluno acumular

maior será o seu conhecimento, sua capacidade de romper, ampliar e modificar seus

horizontes.

O resultado satisfatório da adoção do método recepcional depende em grande

parte do desempenho do educador, que deve envolver-se desde o primeiro

momento com a sondagem do horizonte de expectativa dos alunos. Só depois de

feita essa sondagem ocorreu o trabalho textual. A determinação desse horizonte

pode ser realizada de diversas formas: conversa com os alunos, questionários

escritos e orais, observação direta... Este parece ser um dos pontos básicos do

método recepcional, e deles nos utilizarmos sistematicamente, considerando ainda

que:

Um horizonte de expectativa pode ser fruto do condicionamento intero ou externo condicionamento, resultantes de variações motivadoras: grau de sensibilidade, nível mental, cultural, formação ideológica, filosófica, adoção de estilos-de-época, doutrinação, grau de informação, propaganda, etc. (PIRES, 1985 pag. 262).

Jauss considera o horizonte de expectativa como um dos importantes

fundamentos teóricos da estética recepcional. É ponto de partida metodológico.

Todo leitor possui um horizonte de vida e de mundo, antes de entrar em contato com

a obra. Diante da obra literária, no processo de leitura, esse horizonte pode ou não

passar por alterações:

(...) o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte, em termos das expectativas do leitor, que o recebe e julga por tudo o que já conhece e aceita. O texto, quanto mais se distancia do que o leitor espera dele por hábito, mais altera os limites desses horizontes de expectativas, ampliando-os. Isso ocorre porque novas possibilidades de viver e de se expressar foram aceitas e acrescentadas às possibilidades de experiência do sujeito. Se a obra se distancia tanto do que é familiar que se torna irreconhecível,

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não se dá a aceitação e o horizonte permanece imóvel. (AGUIAR E BORDINI 1993, p.87).

Haverá uma valorização do texto quando for alterado ou expandido o horizonte

de expectativa do leitor, então diante de um texto que desafia sua compreensão.

Contudo, deve ficar claro que essa expansão pelo texto se realiza somente com a

“autorização” do leitor, que sente seu universo abalado. A estética da recepção se

interessa, assim, também pela “obra difícil”, pois ela tem o poder de transformação

dos esquemas de ideias abstratas investindo na qualificação do leitor pela interação

ativa dele com o texto e com a sociedade.

Na prática docente cabe ao professor partir do horizonte de expectativa do

grande grupo, provocar questionamentos desse horizonte com a intenção de

expandi-lo através de diferentes leituras. Contudo o horizonte do docente também

sofrerá alterações – por meio de dialogo, relato de experiências e debates. Para que

haja uma transformação de horizonte é necessário que o professor leve em

consideração e “conduza” a expectativa da sala, pois assim saberá que estratégias

utilizar para tenta ir além, para promover sua expansão com textos e atividades que

“abalem” os costumes e certezas do educando.

Conforme Zilberman (1989), Jauss entende que o horizonte de expectativa,

aquilo que o leitor traz ao iniciar a leitura, se transforma ao interagir com a obra. O

texto responde a novas perguntas formuladas pelo leitor, transformando a relação

entre ele e a obra. Obras, embora escritas em períodos diferentes daqueles dos

leitores, são vistas como “atuais” e correlatas umas às outras.

(...) é fundamental, o conhecimento que o leitor possui sobre a vida, sobre os relacionamentos humanos, sobre os sentimentos humanos, sobre a sociedade em geral etc. Compreendida dessa forma, a leitura de um poema configura uma atividade bem mais complexa do que a simples decodificação gráfica das palavras com finalidade recitativa ou declamatória, pratica de leitura utilizada durante mais de um século na escola brasileira. (ZAPPONE. M 2005, p.190).

O que se observa é que a leitura do texto literário, principalmente da poesia, é

realizada por uma minoria de leitores, em se tratando principalmente de atividade

escolar-educativa. E parece que esse desinteresse, inclusive pelo estudo da poesia,

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está diretamente relacionado à maneira pela qual ela é abordada em sala. A

literatura, de modo geral, inclusa aí a poesia, costuma representar o mundo e os

indivíduos de maneira especial, com um tanto de criação, de ficção. “O texto literário

é um evento linguístico que projeta um mundo ficcional que inclui falantes, atores,

acontecimentos” (CULLER, 1999 p.35.). Em uma de suas particularidades, a poesia

é a valorização da forma, da linguagem, que solicita alguma singularidade, mesmo

quando se apresenta aparentemente opaca, ou denotativa. O leitor repara, com

frequência, pelo menos na poética tradicional, o aporte sonoro envolvendo as

palavras, um atributo normalmente ausente nos textos comuns. Culler, refletindo

sobre a sonoridade, observa:

Assim, não é que as relações entre diferentes níveis de linguagem sejam relevantes apenas na literatura, mas que, na literatura, é mais provável que procuremos e exploremos as relações entre forma e sentido ou tema e gramática e, tentando entender a contribuição que cada elemento traz para o efeito do todo, encontraremos integração, harmonia, tensão ou dissonância. (CULLER, 1999.p.37).

Portanto, nos textos literários percebe-se uma “organização da linguagem”

diferente da usual. Por isso o leitor, diante do texto poético tradicional, sente atração

imediata pela sonoridade (ritmo, rima, por exemplo), normalmente capaz de

relacionar as manifestações isoladas ao todo significativo do poema. Em função

dessas características, ler poesia implica dois movimentos: no primeiro, a cognição

destaca a linguagem, seu tratamento especial. Ela revela ao leitor, no seu âmbito,

uma experiência representativa do mundo. O segundo movimento tem a ver com o

impulso, a partir da mensagem textual, para sentir, fruir, ver o mundo com um olhar

ainda “incógnito”. A poesia passa, então, neste sentido, como uma experiência

especial, onde a compreensão de mundo do leitor é colocada em relação à

proposição textual, com sua proposição, sua “percepção” de mundo, da vida e das

criaturas apresentados pelo poeta. Por essas razões, por propiciar uma experiência

profunda sobre o mundo e o ser, o estudo e a leitura da poesia na escola carregam

forte valor, o que professor, pais e alunos não podem dispensar, embora seja

aconselhável resistir à leitura como apenas exercícios “mecânicos de decodificação”

que dificulta ler, perceber e avançar além das palavras, em relação ao que os olhos

não veem.

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A poesia como quaisquer outros textos, pode ocupar esse espaço, mas não só. O texto poético oferece ao leitor possibilidade para pensar a língua e sua carga expressiva. Ou seja, todo bom texto traz para o leitor uma carga de informação e, ao mesmo tempo, o conduz a uma reflexão mais ampla que envolve desde questões existenciais até o posicionamento do sujeito-leitor no seu grupo social (MICHELETTI. 2000 p.24.).

O processo de coesão e de coerência de um texto poético nos aproxima da

“estrutura subjacente” e “construtiva” do mesmo. É nesse uso da linguagem que ele

age como intermediador do mundo, revelando-o de certo modo. Sendo assim é

preciso trabalhar a poesia para poder oportunizar a leitura prazerosa da mesma;

auxiliando e oportunizando na formação de um “repertório de leitura” que inclua

também autores consagrados na literatura.

3. PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

Buscamos familiarizar o aluno com escritores, livros, poemas e música

poética, a fim de fazê-lo descobrir, sentir, que a leitura de poesia pode ser prazerosa

e não apenas obrigação. Partindo da realidade dos alunos de seu horizonte de

expectativa, a poesia foi abordada considerando o aventuresco, o mágico, o

sentimental, o lúdico, levando o leitor a construir um sentido de leitura que perceba

na poesia o mundo, a vida, a projeção e o desvendamento da individualidade (o “eu

lírico”), além do reconhecimento de aspectos formais (métrica rima ritmo...). Assim, o

ensino da poesia pressupõe a compreensão de um sistema criativo capaz de ser

explorado por qualquer de nós, ou seja, não é atributo apenas de grandes escritores.

Manusear livros, ler poemas, ouvir, cantar, pesquisar, é, sem duvida, uma forma

apropriada para apreciar e aprender a ler. Atitudes que contribuem para o

desenvolvimento da consciência crítica ensinam a fugir da manipulação, a saber,

posicionar-se diante dos problemas sociais. Nesses termos, o desenvolvimento do

trabalho com a poesia na escola fundamenta-se nos pressupostos de uma teoria

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pedagógica crítica, orientada pelo compromisso de diminuir o problema de leitura,

interpretação e produção de textos.

Em termos metodológicos, o trabalho com a poesia, segundo a proposta

recepcional, e para o que aqui interessa, pressupõe os seguintes passos:

1. Sondagem de horizonte de expectativa;

2. Atendimento ao horizonte de expectativa;

3. Ruptura do horizonte de expectativa;

4. Questionamento do horizonte de expectativa;

5. Ampliação do horizonte de expectativa.

A unidade didática produzida e trabalhada abrangeu alunos da oitava série do

período matutino, com 35 alunos em média, do colégio Estadual Vicente Tomazini –

Ensino Fundamental e Médio, do Município de Francisco Alves (PR).

1) para darmos início às atividades era preciso sondar os horizontes de

expectativas, ou seja, conhecermos o que os alunos da turma já sabiam ou

conheciam sobre poesia, quais eram suas expectativas diante do assunto. Também

aferimos gostos e preferências na satisfação daquela necessidade da ficção e

fantasia.

Na primeira atividade, demos início à sondagem dos horizontes de

expectativas. Foi um questionário com questões abertas onde o aluno pudesse

expor com liberdade sua opinião. As questões apresentadas foram: a) Você se

lembra de alguma obra poética que leu no período de escola de 3ª a 4ª séries?; O

que mais marcou para você nessa(s) obra(s)?; b) Você leu algum poema?; c) Se já

leu, lembra-se de algum?; Comente. d) Gosta de música?; Que tipo: romântica, pop,

rock, samba, sertaneja... ou outras?; e) Ultimamente, em suas leituras, tem lido

algum poema?; Gostou?; f) Em sua opinião, qual é o local mais propício para

leitura?; Na escola, em casa ou outro local?; Por quê?; h) Em sua casa, alguém da

família costuma ler?;

Vários alunos questionaram se iriam escrever poesia. Tiveram muita

dificuldade em responder, pois temiam não ter uma resposta que fosse agradar a

professora. A análise do questionário nos levou a conhecer o conceito que eles têm

sobre poesia por meio do horizonte de expectativa, e chegarmos a conclusões

importantes para que o trabalho pudesse prosseguir.

Grande parte dos alunos vê a poesia geralmente como um “texto solto” que fala

de amor, magia, paixão, mas poucos reconhecem que há também outras poesias

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que falam de violência, amizade, vida, real, sofrimento, drogas, tragédia. A maioria

dos meninos acha que poesia é coisa de mulher, o que pode estar condicionado à

nossa cultura machista. O homem é macho, não chora, não mostra sentimentos.

Quando questionados se eles gostavam de música todos afirmaram ouvir e gostar, a

maioria, de música sertaneja, e, quanto ao local, preferem ouvir com os amigos ou

em casa. Em relação à leitura na família, somente dois alunos disseram que os pais

leem em casa revistas e jornais.

Podemos concluir, após analisados os questionamentos, que a poesia é algo

que interessa muito a eles, mas é preciso que o professor busque como despertar e

aguçar o prazer pela leitura de poesia, pela busca de maior conhecimento.

Tomamos como primeiro texto a ser trabalhado “Borboletas”, que apresenta

sentimentos profundos explorando o lado poético da letra, nos propondo ouvir e

discutir.

Com essas informações iniciais passamos para o atendimento dos

horizontes de expectativas. Partindo dos conhecimentos que eles têm de poesia e

o que esperam da leitura dela, procuramos atender os seus anseios, numa

linguagem clara e ao gosto deles. “Borboletas”, cantadas por de Vitor e Leo, não

trata apenas da descrição de um amor no passado, que após um tempo voltou,

deixando a mente e a vida confusas. O autor usou as “borboletas” justamente por

elas virem de uma metamorfose na natureza. O trabalho de sala, no primeiro

momento, implicou que eles ouvissem e cantassem. Foram explorados alguns

pontos importantes, inclusive por meio de questionário: Se você apenas tivesse visto

a letra da música você diria que ela é uma poesia?; Por quê?; O título da música

“Borboletas” está condizente com a letra da música?; Por quê?; O que o autor

compara com as “Borboletas”?; Qual era a esperança do personagem?;

O autor usou “borboletas” porque elas vêm de uma “metamorfose da

natureza”. Foi dito aos alunos que nós também passamos na vida por constantes

metamorfoses, principalmente sentimentais. “Borboletas sempre voltam, e o seu

jardim sou eu”: O autor faz a comparação: o mais distante que fique uma pessoa de

outra, se elas estiverem identificadas sentimentalmente, de alguma forma haverá a

reaproximação, tal como as borboletas voltam ao jardim. Segundo os cantores Victor

e Leo, a inspiração para o nome da música é por sentirmos que a metamorfose é

saudável e necessária. Mudar para melhor, sempre. Somente assim conseguimos

realizar nossos sonhos, “Borboletas” representam o “novo”, a “evolução”, a

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“mudança”. Os alunos também entenderam, opinando, que há metamorfose não só

no amor, mas também nas nossas vidas: na família, no trabalho, na escola, nos

amigos... É preciso que saibamos aceitar as mudanças e torná-las como experiência

para a vida, sem interrupção do que há em cada um de nós, de maneira natural,

para que possamos ver a beleza da vida sem interrupção. Isso foi passado aos

alunos.

Houve um aprofundamento informativo sobre borboletas, os alunos puderam

conhecer, por meio de um vídeo (disponível em (http://www.youtube.com/watch?),

como ocorre a transformação da crisálida, frequentemente feia e bizarra, em uma

borboleta. É realmente um dos milagres executados pela natureza. Também foram

transmitidas a eles informações sobre a carreira de Victor e Leo. Perceberam que os

cantores, para chegarem ao “topo do sucesso”, viveram algumas metamorfoses,

passaram por grandes dificuldades, mas venceram.

Na terceira atividade foi proposto aos alunos que ouvissem a música

“Fazenda São Francisco”, de Victor e Leo. Nesse momento seguimos para o passo

de atendimento aos horizontes de expectativas. Eles receberam copia da letra da

música que também foi apresentada em vídeo (disponível em

(http://www.youtube.com/watch?). Foi feito uma análise da letra com os seguintes

questionamentos: Se você só tivesse a letra da música e não soubesse que era uma

música, você diria que ela é um poema, que tem poesia?; Por quê?;Qual era a

relação do poeta com a fazenda São Francisco?; O poeta se encanta com a filha do

fazendeiro. Foi por amor ou por beleza?; O poeta narra a vida de um peão

boiadeiro?; Este fato é real em nosso dia a dia, no campo?; O poeta fala da vida de

peão boiadeiro, você já assistiu a algum rodeio? Como o peão boiadeiro agiu na

arena?; Você já sonhou com alguém e ao acordar tudo não passou de um sonho?;

Você acredita em sonhos?; Por quê?; A história da música está bem contada?; O

que aconteceria se o boiadeiro ficasse apaixonado?;

Esta atividade levou os alunos a reconhecerem algumas características de

um poema, a rima e o ritmo. Na composição poética, a musicalidade é uma das

características marcantes. A “musicalidade da linguagem”, sendo a responsável pelo

ritmo dos meios melodiosos da língua, tanto a rima como a musicalidade podem

oportunizar o processo de leitura e escrita desafiando a compreensão do poema.

Como previa o projeto, na quarta atividade pudemos trabalhar com a expansão

dos horizontes de expectativa. Foi apresentada a música “garota de Ipanema”, de

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Vinicius de Moraes e Tom Jobim, no vídeo (disponível em:

(http://letras.terra.com.br/tom-jobim/20018). E logo em seguida fizemos uma análise

da mesma com os seguintes questionamentos: No poema o autor explora a beleza

da mulher. Quais versos do poema justifica essa resposta?; Como é a garota (moça)

de Ipanema?; Por que ela tem o corpo dourado?; Que outras expressões são

utilizadas para se referir à “Garota de Ipanema” Que qualidades da garota o poeta

ressalta?; Por que o mundo fica mais lindo quando a garota passa?; Na terceira

estrofe, três motivos entristecem o “eu” poético, isto é, o poeta que canta. Quais são

eles?; Quais são os versos do poema que indicam movimento físico?; A que ele é

comparado?; Nos versos: “Ah, porque estou tão sozinho” / “Ah, porque tudo é tão

triste” / “Ah, a beleza que existe” O termo “Ah” é uma interjeição. O que ela exprime

no poema?; A “Garota de Ipanema” é bonita, sua presença enche o mundo de

alegria. Por que então o poeta que faz parte desse mundo se sente triste?; O poeta

opinou sobre a beleza da mulher dizendo: “me perdoem as feias, mas beleza é

fundamental”. Você concorda com a afirmação do poeta?; Justifique. Comparando a

garota de Ipanema com a garota atual, o que há em comum entre elas?; E sobre o

comportamento dos homens, quando veem uma mulher passar, reagem do mesmo

jeito?; Como pudemos observar, os autores da música exaltam todas as mulheres, a

partir do retrato de uma em especial, a “garota de Ipanema”. O poema sugere um

interlocutor – uma pessoa a quem os poetas e prosadores se dirigem. Quem seria o

interlocutor desse poema?

Diante dos empasses os alunos questionaram como mudou a maneira de ser da

mulher dos anos sessenta em relação às do século XXI. Se Vinicius, em sua plena

juventude, compusesse hoje a “garota de Ipanema” seria bem diferente, o

comportamento de ambas as partes seria diferente, ele iria direto à garota, pediria

para que sentasse ao seu lado, e ela iria atendê-lo e até tomar uma “cervejinha”.

No plano formal, mostramos, exercitando, que o texto é um poema, é

composto de versos (cada linha do poema), os quais são agrupados em estrofes.

Apresenta, portanto, 19 versos e 04 (estrofes). Rimas são sons idênticos que

embelezam os poemas. Geralmente aparecem nas finais dos versos. A ruptura dos

horizontes, sua ampliação ocorre no momento em que foi exposto aos alunos o

entendimento de: verso, estrofe, rima. Apresentamos uma breve biografia dos

autores, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, contando um pouco da história e criação

da letra da música e de sua própria vida. Aprimorando seus conhecimentos com

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atividades de metrificação e, em termos de conteúdo, desenvolvemos um diálogo

acrescentando novas informações sobre o comportamento humano em certas

circunstâncias. .

Na quinta atividade prevista, a de aprofundamento da abertura do horizonte

de expectativa, foi feito um estudo mais profundo sobre versificação, e avançamos

na exposição sobre o que é poesia/ poema/ o que são versos/ o que é estrofe /ritmo/

rima/ refrão/ métrica. Esta atividade trouxe para o educando um conhecimento novo

não só sobre poesia, mas sobre aventuras e desempenhos do escritor.

É importante observar que o poema não precisa, necessariamente, apresentar-se em versos. Há poema em prosa ou prosa poética. O poema, então, é a forma de dispor as palavras, as quais podem vir em versos ou mais livremente. Há autores que organizam seus textos em prosa, mas, ao ler, constata-se que há mais sugestão e emoção do que ideias lógicas; há musicalidade e palavras com muitos sentidos, permitindo várias leituras. Isso é prosa poética. (ELIAS JOSÉ, 2003, p.25).

Elias observa que a poesia independente das regras da versificação. Ela

procura, com freqüência, explorar as emoções e as sensações, realizando uma

fusão entre o eu e o mundo.

Na sexta atividade, continuamos insistindo no aprofundamento do horizonte

de expectativa dos alunos, propondo um estudo sobre o poema “Retrato” de Cecilia

Meireles (vídeo disponível em

(http://www.youtube.com/watch?v=dPJUCdhTSNQ&feature=related). Em seguida, foi

feita uma análise, na qual aprofundamos o estudo, com o auxílio inicial de um

questionário: Que tipo de pessoa (gramatical) fala no poema?; O que a autora

descreve em seu poema?; Qual é a temática?; No verso “Eu Não tinha este rosto de

hoje”, a autora transmite uma mudança. Qual?; A repetição do “assim”, no verso

“assim calmo, assim triste, assim magro”, ressalta o quê?; O que significa a

referência “as mãos” na sequência “Eu não tinha estas mãos sem força/ tão paradas

e frias e mortas”?; A partir do 3º verso da estrofe, o eu lírico refere-se ao seu

coração, “eu não tinha este coração / que nem se mostra”. O que a autora quis

transmitir nestes versos?; Quais são as palavras de que a autora faz uso nas

imagens visuais?; O poema “Retrato” aborda o tempo. Sobre isso, que reflexão nos

é proposta?;

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Pode-se perceber que o tema do poema faz um retrato do eu lírico, de si

próprio, constatando mudanças físicas e psicológicas no percurso de vida, com uma

comparação entre as situações do passado e do presente. Foi destacado que

Cecilia Meireles, no poema, traz a precariedade da vida e da existência humana, a

fuga do tempo, dos bens materiais, o sonho, a solidão, a perda a que o ser está

condicionado, Seu melancolismo sereno jamais toca o desespero. Sua poesia

parece ansiar por atingir um mundo atemporal e imaterial, em que a relatividade não

existe e tudo é absoluto; daí o desprezo pela matéria como algo que impede a

perfeição e a ascese espiritual, ou seja, a plenitude da alma. São temas que

expressam um retrato que o eu poemático faz de si mesmo, mostrando o antes e o

depois do passar do tempo. Assim, mostra a fugacidade do tempo e da vida, e como

menciona é uma mudança “tão simples, tão certa, tão fácil...”, tão rápida que,

quando abrimos os olhos, percebemos que não somos mais crianças, adolescente,

jovens, adultos, idosos, não existimos mais. Tudo isso é retratado em tom

melancólico, mas, como já mencionamos uma melancolia que não atinge o

desespero.

Ao iniciarmos a leitura do poema “Retrato”, notamos que se inicia na primeira

pessoa, o “eu” lírico descrevendo sua própria face, e ao decorrer do poema a autora

transcreve a “transitoriedade da vida” indicando mudanças ocorridas pelo tempo de

uma forma tranquila, mesmo com experiências amargas e sofridas, mas quase

imperceptível. Eles perceberam que a vida tem suas etapas infância, adolescência,

maturidade e velhice e que todos têm seu processo de aceitação, mas a velhice é

uma das mais difíceis para o ser humano, por muitas vezes se encontrar sozinho e

abandonado, período para qual não estamos preparados.

Foi nesee momento que mostramos aos alunos que suas certezas podem ser

abaladas, pois há um aprofundamento de conhecimentos, fazendo com que o

educando se distancie do senso comum e busque ampliar seu conhecimento, seu de

expectativa, criando com isso condições para “confirmar ou perturbar esse horizonte,

em termos das expectativas do leitor, que o percebe, o julga por tudo que já conhece

e aceita” (BORDINI e AGUIAR, 1993, p.87). O poeta faz um jogo com as palavras

distribuindo-as em três estrofes, todas rimadas. Também podemos observar o jogo

das palavras, as “impressões sensoriais” atribuídas no poema, principalmente a

imagem visual imposta pelas palavras “triste”, “face”, “espelho”, “mãos”, “rosto”,

“lábio”, “calmo”, “olhos”, “magro,” “morta”, “fria”, “parada”, “força”, forçando a idéia de

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que ser humano demonstra abatimento pela “passagem” desta vida terrena para o

“desconhecido”.

O título do poema, “Retrato”, está adequado ao poema: simboliza algo

parado, estático, e que o “eu” lírico almejava se imortalizar, porém o tempo não

permitiu e, por isso, ao finalizar o poema ele indaga a sua juventude e imobiliza-a

eternizando, como aparece nos fotos de família.

Nas atividades sétima e oitava ocorrem o questionamento do horizonte de

expectativa adquirido. Realizamos um estudo da música “Domingo no parque”, de

Gilberto Gil (disponível em (http://www.youtube.com/watch?v=pW9OD57dDwU), e

do poema “José”

(http://www.youtube.com/watch?v=R_4NS50okUc&feature=related). Sobre a

abordagem deste último, começamos com um questionário levantando os seguintes

aspectos: O poema esta dividido em estrofes. Quantas estrofes formam o poema?

Há ritmo poético?; José pertence a qual pessoa do discurso, à 1ª; 2ª ou à 3ª

pessoa?; No poema fica evidente a ideia de que José é um anônimo. Identifique qual

verso comprova o anonimato de José. Na 2ª estrofe, 11º verso (“não veio à utopia”),

o que o poeta quis dizer?; No verso: “... cuspir já não pode”. O que representa o ato

de cuspir, no poema?; Na 4ª e 5ª estrofe há possibilidades sugeridas para José

alterar o seu destino. Qual a mais extrema?; Na 6ª estrofe o poeta destaca a palavra

“teogonia”. O que o poeta quis dizer?; No poema pode se observar que José é um

homem que perdeu o seu rumo. Qual verso pode comprovar essa afirmação?; Na

última estrofe constatamos José, a solidão e o abandono. Você já se sentiu alguma

vez como José?; Como você reagiria se fosse você o solitário e abandonado?;

Neste momento os alunos já perceberam a essência do poema, pois ao

serem questionados eles concluíram que José era um homem só, não tinha amores

e se sentia sem rumo diante da vida. Fizeram uma comparação com o “José” de

hoje e concluíram que mesmo passando quase um século o homem tem as mesmas

angústias dos “José” de ontem e que é preciso que seja firme para enfrentar as

perdas, os abandonos, a solidão e traumas que a vida acarreta em cada um de nós.

Nesse momento foi oferecido ao aluno leituras do gênero poesia propriamente dita

(isto é, feita para ser apenas lida), com o fim de aprofundar a abertura do horizonte

de expectativa. Com isso, entendemos que o aluno experimentaria, e experimentou,

neste momento, uma ampliação de seu horizonte, uma evolução, no plano da

leitura, cuja responsabilidade parecer ser mais da escola, muitas vezes a única a

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criar oportunidade de leitura. As Diretrizes Curriculares da Língua Portuguesa, para

o Estado do Paraná, assim se posiciona a respeito da leitura de textos poéticos,

segundo uma de suas interpretações:

Destaca-se que as Diretrizes Curriculares da Língua Portuguesa do Estado do Paraná, documento que norteia as práticas pedagógicas [...] a literatura é um excelente meio de contato com a pluralidade de significações que a língua assume em seu grau máximo de efeito estético. (DCE, 2008, p. 20).

Segundo esse modo de ver, a leitura de poesia torna o leitor responsável pela

atribuição de significados ao que lê, conforme seus conhecimentos prévios da língua

e do mundo. E percebemos ainda que o esforço para preencher os vazios levou-o

também, com o auxílio da escola, a ampliar seus conhecimentos, seu horizonte. A

leitura de poesias propõe um trabalho, em parte lúdico e inter-relacionado, em que o

leitor funciona como protagonista de seu próprio aprendizado, o que pressupõe, em

relação ao texto poético, o mergulho no imaginário, a construção de um mundo

fantasioso facilmente confundido com satisfação e contentamento.

Esta etapa serviu como fechamento das atividades proposta no projeto.

Supomos ter aberto portas, no geral das atividades, para que o aluno possa fazer

sua própria escolha e ler obras de grandes poetas, talvez até o ponto de perceber,

ainda que com mais tempo, que o mundo da poesia é vasto e rico em diversidade de

conteúdo; que a poesia, as palavras poéticas, muitas vezes falam mais do que

supomos.

Tive de inicio muita dificuldade por parte de alguns alunos por trabalhar com a

poesia, mas à medida que foi se avançando o trabalho da poesia amparada no

método recepcional pude perceber êxito e o interesse por poesia por parte dos

alunos. O objetivo do projeto foi alcançado com sucesso, os alunos passaram a ler a

entender o que o autor quer falar, a mensagem que o inspira.

4.CONSIDERAÇOES FINAIS

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Proporcionar ao aluno as atividades proposta no projeto “A poesia trabalhada

sobre uma ótica crítica considerando o método recepcional” foi um caminho para

conhecer melhor a poesia e algumas estratégias sobre como transformá-la em

objeto de estudo na escola. Partindo do método recepcional, pude definir, para

facilitar, as maneiras de trabalharmos com os alunos.

Observei também que a poesia não deve ser usada como pretexto, mas sim

compreendida como fruição estética, “símbolo da liberdade”, música que exalta o

espírito, elevando o crescimento do individuo. O intuito do projeto foi o de

oportunizar ao aluno um trabalho de interação com a poesia e a música,

redescobrindo por meio da poesia os sentimentos do autor em forma de versos; e

também aumentar o conhecimento próprio.

Durante as atividades percebi que a poesia é uma fonte inesgotável de

conhecimentos, prazer, experiências e emoções, cabendo ao educador abrir portais

desse mundo fantástico e encantador, aguçando seus alunos entusiasmados,

apaixonados, ansiosos, ávidos e sedentos por novas leituras. Por todos esses

motivos e por tantos outros cabe ao professor trabalhar a poesia em sala de aula,

cabendo ao educador abrir portas do mundo da poesia, da sensibilidade, do

conhecimento.

Trabalhar a música e a poesia foi um grande avanço, portanto a

musicalidade também foi um dos recursos encontrado na poesia, confirmando a

rima, o ritmo, a métrica, a aliteração e a assonância. Segundo Cereja e Magalhães:

O poema é um gênero textual que se constrói não apenas com ideias e sentimentos, mas também por meio do emprego de versos e de seus recursos musicais- a sonoridade e o ritmo das palavras e de palavras com sentimentos figurados, conotativos. (CEREJA e MAGALHAES, 2008).

Vale lembrar que a poesia, além de formadora de leitores, lida com emoções,

estados da alma, sentimentos. Portanto, os alunos tiveram a oportunidade de ler

poesia e fazer reflexão sobre metáforas e imagens para descobrir o que está

implícito nas palavras do poeta.

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Com a implementação do projeto, alguns alunos passaram a produzir

poemas, ler poesias e entender o que o poeta diz em suas palavras, portanto a

metodologia utilizada trouxe uma nova visão sobre a prática pedagógica, fazendo do

professor um mediador do conhecimento no processo ensino/aprendizagem. Como

diz Martins (2006, p.81), “o homem lê como em geral vive, num processo

permanente de interação entre sensações, emoções e pensamentos”. Ficou

evidente a participação e o entusiasmo dos alunos nas atividades, inclusive na

produção de poemas, facilitando futuramente a compreensão dos clássicos.

O trabalho com o projeto do PDE de 2010 foi um desafio, uma experiência

gratificante e única, reforçando a importância do educador como interventor no

processo ensino/aprendizagem. Passou como um desafio que incluía necessária

fundamentação teórica, pesquisa e busca de novos caminhos, de alternativas, de

inovações pedagógicas. Resulta do processo a sensação de dever cumprido, de

contribuição para o aprimoramento pessoal e profissional, para o ensino na rede

púbica paranaense por meio do PDE.

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REFERÊNCIAS

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PAIXÃO, Fernando. O que é poesia. 3ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. PARANÁ/SEED. Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa. SEED: Curitiba, 2008 PIKUNAS, J. Desenvolvimento humano: uma ciência emergente. Trad. Auriphebo B. Simões. São Paulo: McGraw – Hill do Brasil, 1979. PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Técnica Literária. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Presença, 1985. TAVARES, Hênio. Teoria da literatura. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002. VITOR. LEO. Borboletas. Letra e música, disponível em: http://www.youtube.com/watch ZAPPONE. M. A leitura de poesia na escola. Cadernos de Educação à distância. N. 19. Maringá: Eduem, 2005. ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 1989. Série Fundamentos 41.