A polémica Mariana Mortágua: Essa nem é a linguagem do...

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Tiragem: 33068 País: Portugal Period.: Diária Âmbito: Informação Geral Pág: 2 Cores: Cor Área: 25,70 x 29,32 cm² Corte: 1 de 9 ID: 66338367 04-10-2016 ENTREVISTA A polémica Mariana Mortágua: “Essa nem é a linguagem do PS” A ntónio Costa não se revê no populismo e salienta que os quatro líderes da maioria parlamentar não têm discursos políticos idênticos. Sobre a eventual substituição de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP diz que gostará “sempre” dele “qualquer que seja a função” que venha a desempenhar na política. Recusa-se a falar sobre decisões que competem ao PCP, mas sublinha que o partido que apoia o seu executivo “será sempre um parceiro leal na execução do programa do Governo”. Concorda com Mariana Mortágua quando esta diz que, “do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”? Não. Sabe que essa nem é a linguagem do PS, nem é essa a ordem de prioridade que temos. Há uma preocupação comum, certamente subjacente a essas palavras e que partilhamos. É António Costa diz que não se reconhece em muitas partes do discurso do PCP e BE. Na segunda parte da entrevista ao PÚBLICO, o primeiro-ministro fala de diferenças “irrevogáveis” e de uma preocupação comum: o combate à desigualdade que é necessário uma maior justiça fiscal. Isso consta, aliás, do programa eleitoral do PS — em primeiro lugar haver uma maior redistribuição da carga fiscal. Nós temos uma carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho absolutamente desproporcionada em relação a sobre outras formas de rendimento. E para termos maior justiça fiscal não só quem ganha mais deve pagar mais do que quem ganha menos, também os rendimentos do trabalho podem ser aliviados em detrimento de outras fontes de rendimento. Estamos, por exemplo, a eliminar a sobretaxa do IRS, já eliminámos para a generalidade das famílias portuguesas em 2016, vamos completar em 2017 aliviando quem ganha mais. Agora, para podermos suportar esta redução da tributação sobre o trabalho (como suportar o aumento de rendimentos dos pensionistas e mantermos simultaneamente um bom equilíbrio das finanças públicas), temos de redistribuir estas fontes de tributação sem aumentar o conjunto da carga fiscal. É isso que se procura fazer. E, portanto, desde o cenário macroeconómico David Dinis e São José Almeida Texto Daniel Rocha Fotografia ao programa eleitoral do PS, a tributação do património consta expressamente como uma medida que tem de ser adoptada. Está a ser calibrada, está a ser devidamente ponderada de forma a assegurar o financiamento necessário — mas também a não ser um desincentivo ao mercado do arrendamento ou uma penalização dos proprietários nas suas casas de morada. Uma espécie de sobretaxa do IMI soft? Sobretaxa do IMI já existe. O Governo anterior introduziu um imposto de selo que era verdadeiramente uma espécie de sobretaxa estadual do IMI. Aquilo que estamos a procurar fazer é reformular esse sistema, que tem sido pouco eficaz na tributação, de forma a ser mais eficaz. Pelo que diz, será um imposto soft. Qualquer cêntimo para um contribuinte não é soft. Não vou dizer se é soft, se é hard. Vou dizer simplesmente o seguinte: será uma medida que contribua para termos uma maior justiça fiscal, para termos uma melhor redistribuição da base tributada e, simultaneamente, não comprometer nem o investimento Nem é a linguagem do PS, nem é essa a ordem de prioridades que temos António Costa Primeiro-ministro

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ENTREVISTA

A polémica Mariana Mortágua: “Essa nem é a linguagem do PS”

António Costa não se revê

no populismo e salienta

que os quatro líderes da

maioria parlamentar não

têm discursos políticos

idênticos. Sobre a

eventual substituição de Jerónimo

de Sousa como secretário-geral do

PCP diz que gostará “sempre” dele

“qualquer que seja a função” que

venha a desempenhar na política.

Recusa-se a falar sobre decisões

que competem ao PCP, mas

sublinha que o partido que apoia

o seu executivo “será sempre

um parceiro leal na execução do

programa do Governo”.

Concorda com Mariana Mortágua quando esta diz que, “do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”?Não. Sabe que essa nem é a

linguagem do PS, nem é essa a

ordem de prioridade que temos.

Há uma preocupação comum,

certamente subjacente a essas

palavras e que partilhamos. É

António Costa diz que não se reconhece em muitas partes do discurso do PCP e BE. Na segunda parte da entrevista ao PÚBLICO, o primeiro-ministro fala de diferenças “irrevogáveis” e de uma preocupação comum: o combate à desigualdade

que é necessário uma maior

justiça fi scal. Isso consta, aliás,

do programa eleitoral do PS — em

primeiro lugar haver uma maior

redistribuição da carga fi scal. Nós

temos uma carga fi scal que incide

sobre os rendimentos do trabalho

absolutamente desproporcionada

em relação a sobre outras formas

de rendimento. E para termos

maior justiça fi scal não só quem

ganha mais deve pagar mais

do que quem ganha menos,

também os rendimentos do

trabalho podem ser aliviados em

detrimento de outras fontes de

rendimento.

Estamos, por exemplo, a

eliminar a sobretaxa do IRS, já

eliminámos para a generalidade

das famílias portuguesas em

2016, vamos completar em 2017

aliviando quem ganha mais.

Agora, para podermos suportar

esta redução da tributação

sobre o trabalho (como suportar

o aumento de rendimentos

dos pensionistas e mantermos

simultaneamente um bom

equilíbrio das fi nanças públicas),

temos de redistribuir estas fontes

de tributação sem aumentar o

conjunto da carga fi scal. É isso

que se procura fazer. E, portanto,

desde o cenário macroeconómico

David Dinis e São José Almeida TextoDaniel Rocha Fotografia

ao programa eleitoral do PS, a

tributação do património consta

expressamente como uma

medida que tem de ser adoptada.

Está a ser calibrada, está a ser

devidamente ponderada de forma

a assegurar o fi nanciamento

necessário — mas também a não

ser um desincentivo ao mercado

do arrendamento ou uma

penalização dos proprietários nas

suas casas de morada.

Uma espécie de sobretaxa do IMI soft?Sobretaxa do IMI já existe. O

Governo anterior introduziu

um imposto de selo que era

verdadeiramente uma espécie de

sobretaxa estadual do IMI. Aquilo

que estamos a procurar fazer é

reformular esse sistema, que tem

sido pouco efi caz na tributação,

de forma a ser mais efi caz.

Pelo que diz, será um imposto soft.Qualquer cêntimo para um

contribuinte não é soft. Não vou

dizer se é soft, se é hard. Vou

dizer simplesmente o seguinte:

será uma medida que contribua

para termos uma maior justiça

fi scal, para termos uma melhor

redistribuição da base tributada

e, simultaneamente, não

comprometer nem o investimento

Nem é a linguagem do PS, nem é essa a ordem de prioridades que temos António CostaPrimeiro-ministro

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nem a dinamização do mercado

de arrendamento.

De todo o modo, ele irá existir e virá para o Orçamento?Irá existir e virá para o

Orçamento.

Como analisa os contornos populistas que o discurso do BE tem assumido? Nomeadamente neste episódio, mas também na defesa do referendo às sanções. Sente-se confortável com este discurso populista?Nós temos um acordo político

com o PEV, o BE e o PCP. Estamos

entendidos sobre o que fazer, mas

respeitamos a identidade de cada

um.

Mas não o incomoda o populismo?Como porventura em muitas

das coisas que alguns dos

outros partidos que apoiam

o Governo dizem, eu não me

reconheço, é provável que eles

não se reconheçam nas coisas

que eu digo. O Jerónimo de Sousa

costuma, aliás, dizer isso de uma

forma bastante clara: este não é o

nosso Governo, este é o Governo

do PS. E ninguém tem dúvidas

quando o Jerónimo de Sousa fala,

quando a Catarina Martins fala,

quando a Heloísa Apolónia fala ou

quando eu falo. Não falamos por

todos, cada um fala por si e pelo

seu próprio partido.

Admito que seja estranho,

sobretudo depois de quatro anos

em que tivemos uma coligação

que assentava no esmagamento

da diferença do outro e em

que a solidez da coligação

passava pelo CDS ter de revogar

sistematicamente aquilo que

considerava que era irrevogável.

Esta solução governativa não

exige a ninguém que revogue

o que é irrevogável. Cada um

pode estar confortável na sua

própria identidade, respeitando

as diferenças e sem ter de se

confundir com aquilo que é a

diferença dos outros. E acho que

isso é muito positivo e rico para a

nossa democracia.

O PCP vai ter congresso e apresentou as novas teses. Acha que o entendimento de governação mudou de alguma maneira o PCP e o BE?Todos os dias todos nós mudamos.

Esta é uma experiência nova,

obviamente, em que todos nós

O primeiro-ministro considera

que “seria uma grande

perda para o país” afastar

os secretários de Estado

viajaram com a Galp.

Por vezes, o Governo dá uma imagem de descoordenação, noutros parece que o primeiro-ministro centraliza tudo. Não teme ter a imagem de que toca mais instrumentos do que pode?O Governo tem dado boas provas

de articulação e funcionamento,

em que o primeiro-ministro tem

tido intervenção q.b.

Já pensou em acelerar uma remodelação governamental?Não há nenhuma razão para

qualquer tipo de remodelação. O

Governo tem estado a funcionar

bem. Tenho plena confi ança em

todos os membros.

Não sente no caso Galp nenhuma fragilidade?Não. Acho que houve uma

desconformidade entre a avaliação

que fi zeram e aquilo que era o

sentimento do país. Perante as

dúvidas, o Governo fez o que

institucionalmente tinha a fazer:

defi nir regras para que não

houvesse dúvidas. Cada um deles

fez o que nas circunstâncias era

ajustado, pagar a viagem. São três

pessoas que têm estado a fazer

um trabalho excelente, seria uma

grande perda para o país que não

o pudessem continuar a fazer. Foi

um episódio que passou e que não

deixará marcas no futuro.

Não deixou uma imagem de que os erros não têm sanção? Se houve erro, foi devidamente

reparado, porque todos eles

pagaram o valor da viagem

que tinham aceite. O Governo

defi niu um código de conduta

para que ninguém mais tenha de

ter dúvidas sobre quais os tipos

de convite ou de ofertas que

podem aceitar. Contribuiu até

positivamente, para nos ajudar a

densifi car as regras.

“Não há nenhuma razão para qualquer remodelação”

Esta é a solução que temos e perdurará enquanto der resultados positivosAntónio CostaPrimeiro-ministro

temos aprendido bem a trabalhar

uns com os outros — e temos

sobretudo aprendido rápido. A

melhor demonstração disso é que

há um ano ninguém acreditava

que a solução tivesse sido possível,

que resistisse ao primeiro

Orçamento, que resistisse depois

ao Programa de Estabilidade e

Crescimento, que resistisse às

diferentes provas a que foi sendo

submetida. E a verdade é que, ao

fi m de um ano, hoje, pouca gente

duvida da solidez desta solução

e da forma como asseguramos a

essência de estabilidade do país.

Gostaria de ver Jerónimo continuar à frente do PCP?Gosto do Jerónimo de Sousa

e gostarei do Jerónimo de

Sousa sempre qualquer

que seja a função. Aliás, é

dos líderes partidários que

mais generalizadamente

reúne simpatia na sociedade

portuguesa. Mas não me compete

a mim estar a pronunciar-

me sobre coisas que dizem

exclusivamente respeito ao PCP.

Sem prejuízo do contributo

essencial que o Jerónimo de

Sousa tem dado para o sucesso

deste processo de mudança em

Portugal e para esta solução

governativa, não tenho dúvidas

nenhumas de que o PCP,

independentemente de quem

esteja à frente da sua liderança,

será sempre um parceiro leal

na execução do programa do

Governo.

Vê que esta solução de governo seja possível numa segunda legislatura ou vê-a mais como uma solução transitória?É a solução que temos e é

a solução, certamente, que

perdurará enquanto der

resultados positivos e enquanto

sentirmos que todos juntos

podemos fazer mais e melhor

do que cada um em separado.

Tenho uma avaliação francamente

positiva desta solução, defendi-a

antes das eleições, defendi-a

depois das eleições, todos os dias

procuro contribuir para que ela

tenha sucesso. Portanto acho que

temos de ter uma perspectiva

aberta e positiva quanto ao futuro.

E o futuro o dirá.

[email protected]@publico.pt

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ENTREVISTA

“O que dá força a esta maioria é o pragmatismo”

Nem Cavaco Silva já duvida da legitimidade desta maioria, anota o primeiro-ministro. As contas certas são para manter

Um ano depois das eleições

“temos uma democracia

bastante mais inclusiva”,

diz António Costa. Quanto

ao PS, garante que este

partido “está hoje na

posição onde sempre esteve: “O

partido social-democrata que

existe em Portugal.”

Continua a sentir-se confortável sendo primeiro-ministro sem que o PS ganhasse as eleições?A maioria parlamentar que existe

na Assembleia da República

provou ao longo deste ano

ser sufi cientemente sólida,

consistente, coerente para

ter viabilizado esta solução

governativa. Desse ponto de vista,

o balanço que podemos fazer

um ano depois é que sim, valeu a

pena e é claramente positiva. São

positivos os resultados.

Não teme ainda ser olhado como alguém que usurpou o poder? Convive bem com isso?É uma questão que está claramente

ultrapassada. Ninguém tem

dúvidas, desde o anterior

Presidente da República ao actual

Presidente da República, no

Parlamento, ninguém questiona

a legitimidade constitucional e

política desta solução, que os

resultados têm confi rmado ser

uma boa solução, porque permitiu

fazer aquilo que era a vontade clara

da maioria dos portugueses: virar a

página da austeridade conseguindo

cumprir os nossos compromissos

europeus.

Fez uma mudança estratégica no PS introduzindo uma nova

David Dinis e São José Almeida TextoDaniel Rocha Fotografia

política de alianças. Mas há quem o acuse de também puxar o perfi l programático do partido à esquerda. Isso é um dado adquirido para si?São duas questões. Primeiro, há

dois anos, quando concorri às

eleições primárias no PS, fui muito

claro sobre a minha visão sobre as

formas de governação. O objectivo

do PS naturalmente era ter maioria

absoluta, que era essencial. Não

havendo maioria absoluta, era

ter uma solução estável. E que

as soluções estáveis não podiam

estar confi nadas àquilo que tinham

sido os limites que tinham vindo a

ser impostos à democracia, como

haver um arco da governação que

pré-defi nia quais eram os partidos

que tinham direito a representar

os portugueses no Governo. Eu

disse claramente que não aceitava

esse conceito, explicitei-o quando

concorri às primárias, quando

apresentei a moção ao congresso,

na campanha eleitoral. Acho

que o balanço que o conjunto da

sociedade portuguesa hoje faz

é claramente positivo. Hoje os

portugueses têm ao seu dispor

mais respostas políticas e mais

respostas políticas do que aquelas

que tinham anteriormente. Temos

uma democracia bastante mais

inclusiva.

Respondendo à segunda

pergunta, o PS está hoje na posição

onde sempre esteve: o partido

social-democrata que existe em

Portugal e sintonizado com as

causas do seu tempo.

Portanto, o PS não virou à esquerda?Há muitos anos fi z um discurso

que na altura foi muito gozado,

creio que durante a liderança do

engenheiro Guterres, dizendo que

sempre achei incompreensível

esse debate do pisca-pisca — se

o PS vira à esquerda, se o PS vira

à direita, se o PS vira ao centro.

O PS tem uma identidade muito

clara e caldeada ao longo destes

quarenta anos de experiência. É

o partido campeão na liberdade

da defesa da democracia, da

integração europeia, mas também

da luta contra as desigualdades.

Temos estado sempre sintonizados

com aquilo que são as principais

causas de cada momento.

Quando a questão principal era a

consolidação da democracia, o PS

esteve na linha da frente; quando

era o processo de integração

europeia, o PS esteve na linha da

frente; quando era a modernização

do país, o PS esteve na linha

da frente; quando a questão é

o combate às desigualdades,

o PS também tem de estar na

linha da frente. Portanto, temos

estado sempre em cada um

dos momentos onde sempre

estivemos.

Como é possível ao PS comungar uma proposta e praticar soluções para o país com partidos cuja raiz ideológica é o marxismo-leninismo e em que no passado ou na origem desses partidos estão pessoas que defenderam projectos totalitários?A chave desta solução governativa

não está em qualquer dos quatro

partidos ter eliminado a identidade

ideológica que o caracteriza

e diferencia dos

restantes. Aquilo

que permitiu,

aquilo que permite

e dá força a esta

solução governativa

é o pragmatismo

Sigilo: “Não há uma batalha ideológica”

Costa não quer “diferença de critérios”O primeiro-ministro não

abriu o jogo sobre como

vai responder ao veto do

Presidente da República à

lei que introduzia a quebra

do sigilo bancário em contas

acima de 50 mil euros. Mas foi

claro a assumir: “Não há aqui

uma batalha ideológica.” Até

porque, argumentou, esta lei

teve como origem transpor

uma directiva comunitária e

um acordo assinado entre o

anterior Governo português e

o Governo dos Estados Unidos.

“Não creio que os EUA, mesmo

na Administração Obama, ou a

União Europeia

no seu conjunto

possam ser

entendidos

como

bastiões,

pontas-

de-lança do

radicalismo.”

Defendendo a sua

proposta, António Costa

argumenta: “Hoje temos de

ter instrumentos de combate

não só à fraude e evasão fi scal

como instrumentos efi cazes

também de combate ao

branqueamento de capitais.”

O primeiro-ministro alega

ainda que a decisão teve

como objectivo atingir a

“transparência das transacções

fi nanceiras a nível mundial”. E

explica que o opção de tornar

a lei extensível a todas as

contas acima de 50 mil euros

se deveu à “compreensão de

que não havia nenhuma razão

para que a mesma regra não

fosse aplicada também aos

residentes”. E insiste em dizer

que a lei respeitava as “regras

da privacidade” e “todas as

condições aprovadas pela

Comissão de Protecção de

Dados”. D.D. e S.J.A.

r dos quatro

o a identidade

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de

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António Guterres é a “pessoa mais qualificada” para a ONU

“Não considero que a segurança e a liberdade sejam conceitos contraditórios”

A aposta do Governo na

candidatura de António

Guterres a secretário-geral

da ONU é reafi rmada pelo

primeiro-ministro. “Nós

desejamos para as Nações

Unidas um secretário-geral que

seja a pessoa mais qualifi cada para

exercer [o cargo] e é nesse sentido

que apresentámos a candidatura do

engenheiro António Guterres.”

Amanhã, o nome de Guterres

volta a ser votado no Conselho de

Segurança da ONU, numa impor-

tante votação, já que, pela primeira

vez, se vai saber o sentido de voto

dos cinco membros permanentes

(China, EUA, França, Reino Unido e

Rússia) — o Conselho de Segurança

é constituído por 15 países.

Ao PÚBLICO António Costa frisa

que “o pressuposto” da candidatu-

Preocupado com a ameaça do

terrorismo, António Costa

defende que não confunde

“o reforço da segurança com

a violação da liberdade” e

afi rma: “Não considero que

a segurança e a liberdade sejam

conceitos contraditórios.” É por isso

que sublinha que “fechar fronteiras

não é reforçar a segurança, é violar

uma regra fundamental da liberdade

da União Europeia”. E contrapõe

que o reforço da segurança passa

por opções como “melhorar a

cooperação policial, judiciária,

entre os serviços de informações e

as forças policiais”, bem como ter

“uma guarda costeira e de fronteiras

efectiva, reforçar a capacidade de

vigiar as fronteiras [nacionais]”.

Falando sobre outra questão cen-

tral na Europa, António Costa frisa

o reconhecimento do “estatuto de

refugiado é um dever que a Europa

ra de António Guterres “não é ele

ser português, é ele ser a melhor

pessoa para exercer as funções

como secretário-geral das Nações

Unidas”.

O primeiro-ministro sublinha a

importância do consenso que Gu-

terres tem obtido: “Vemos com

muita satisfação que, depois de um

longo processo de debate público

e de audições públicas, em cinco

votações consecutivas, sistemati-

camente António Guterres fi cou

destacado em primeiro lugar, sen-

tem na sociedade internacional”.

E lembra que “a Europa é, aliás, o

berço da sociedade mundial orga-

nizada de acordo com o princípio

da lei internacional e quem carece

de protecção internacional”, pelo

que “a Europa não pode fechar as

portas” aos refugiados. Pelo contrá-

rio, tem de as abrir “de um modo

solidário”. No que diz respeito a

Portugal, explica que tem insistido

na solidariedade portuguesa, mas

que esta não tem sido disponibili-

zada em abstracto. “Aumentámos a

oferta, tendo avaliado previamente

sectores onde temos não só capaci-

dade como até necessidade de atrair

recursos humanos.”

Quando o Parlamento Europeu

debate a eventualidade de aplica-

ção de cortes de fundos estruturais

a Portugal, o primeiro-ministro

sustenta que esta medida não faz

sentido. “Serei talvez das pessoas

do reconhecido como a pessoa em

melhores condições para exercer as

funções de secretário-geral das Na-

ções Unidas.” E mostra-se convicto

da eleição: “Estamos certos que,

se for esse o critério de escolha, o

engenheiro António Guterres dedi-

cará os próximos anos da sua vida

a prosseguir o trabalho a favor da

humanidade como secretário-geral

das Nações Unidas.”

Assumindo que o Governo tem

apostado a cem por cento nesta

eleição, confessa que tem defen-

dido esta candidatura “com todos

os outros líderes europeus ou não

europeus” com quem tem falado e

que “obviamente faz parte da che-

ck-list das missões diplomáticas de

qualquer agente político português

a promoção dessa candidatura”.

D.D.e S.J.A.

mais insuspeitas no país de fazer

uma avaliação positiva sobre a ac-

ção do anterior Governo”, garante.

E destaca o que para si é uma evi-

dência: “Vir agora multar o país ou

suspender a aplicação de fundos

por concluir essa coisa absurda de

que o Governo não teve uma acção

efectiva na execução do programa

da troika é uma coisa que ninguém

compreende.”

Adverte mesmo que tal decisão

“seria altamente contraproducente

num ano em que, mais décima, me-

nos décima, já há hoje um consenso

com as instituições europeias de que

Portugal fi cará, pela primeira vez,

com um défi ce abaixo dos 3%”. “Nós

acrescentamos: fi cará mesmo abai-

xo dos 2,7% que a Comissão ainda

prevê e até abaixo dos 2,5% que a

Comissão nos impôs como meta.” E

conclui: “É uma coisa de elementar

bom senso.” D.D. e S.J.A.

Costa admite que Guterres tem sido tema de conversa com Merkel e com Juncker, líder da Comissão

Leia a entrevista de António Costa e veja os vídeos emwww.publico.pt

Costa defende que o PS é “o partido social-democrata que existe em Portugal e sintonizado com as causas do seu tempo”

com que todos assumiram

a necessidade de responder

com resultados àquilo que era

reclamado pelos cidadãos.

Portanto, os quatro partidos

têm identidades bem fi rmadas

e distintas, que ninguém tem

preocupação de esbater. Pelo

contrário, todos as afi rmamos

com total naturalidade. Mas

tivemos todos o pragmatismo de

compreender que, identidades

à parte, há coisas que podemos

fazer em comum. É por isso, aliás,

que conseguimos ter algo, que

não posso deixar de sublinhar

quando estamos a fazer quase

um ano de governo: é que, com

o Governo que teve o apoio

parlamentar mais à esquerda da

nossa democracia, que teve uma

política mais determinada de virar

a página da austeridade, vamos ter

os melhores resultados em matéria

de consolidação das fi nanças

públicas. O que só demonstra

este equilíbrio e que cumprirmos

o compromisso que tínhamos

assumido com os portugueses,

com a União Europeia.

[email protected]@publico.pt

Sempre achei incompreensível esse debate do pisca-pisca. Se o PS vira à esquerda, se vira à direita, se o PS vira ao centro

António CostaPrimeiro-ministro

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POLÍTICA

Os nove desafi os

Crescimento económico

1 É o desafi o mais importan-

te deste ano e do próximo.

Sem crescimento económi-

co que se veja, a política do

actual Governo será, no mí-

nimo, mais difícil de man-

ter. A conjuntura internacional não

ajuda e a devolução de rendimentos

tarda em acelerar a força do motor

interno da economia. Nos primeiros

meses de 2016, o Governo teve de

rever as previsões para este ano. Em

vez dos 1,8% iniciais, António Costa já

diz que não crê que o PIB possa cres-

cer “muito cima” de 1%. Oposição,

Governo e partidos que o apoiam es-

tão preocupados com o fraco cresci-

mento do investimento, sobretudo o

público. O executivo diz que a culpa é

do anterior governo que não deixou

projectos preparados. Passa-culpas à

parte, fi cam os avisos do Presidente

da República: “Fomentar exporta-

ções e atrair investimento é essencial

para evitar os problemas das contas

externas. Controlar o défi ce no Orça-

mento do Estado é fundamental para

evitar os contratempos das contas

internas.”

Europa: alternativa dos mediterrânicos?

2 É certamente o desafi o

mais abrangente e de-

fi nidor da política que

António Costa pode

fazer por cá. E aquele

que pouco ou nada de-

pende do primeiro-ministro. Costa

foi o homem que garantiu que terá

outra voz na Europa, quando com-

parado com o anterior Governo, e,

mais que não seja pelo calendário,

terá no próximo ano um desafi o a

cumprir: Portugal será o anfi trião da

II Cimeira dos Países do Sul na União

Europeia. “A última crise [sanções]

conseguiu geri-la relativamente

bem, mas António Costa tem uma

capacidade limitada. Se Itália resol-

O próximo ano de mandato vai ser cheio de armadilhas para o primeiro-ministro, internas e externas. E de equilíbrios difíceis de manter, que vão da gestão dos equilíbrios entre o PCP e o BE até à estabilização do sistema fi nanceiro

BalançoLiliana Valente

ver ter uma atitude mais interven-

tiva, poderá ser melhor para nós”,

diz Daniel Oliveira. O comentador e

ex-dirigente do BE sintetiza a missão

do primeiro-ministro: “Passa por ge-

rir a fl exibilidade ou a falta dela da

Europa.” Até agora, Costa fez passar

em Bruxelas o esboço do OE para es-

te ano e o Programa de Estabilidade,

evitou as sanções por incumprimen-

to do défi ce de 2015 e está agora a

braços com eventual suspensão de

fundos europeus.

Este desafio tem também uma

vertente interna: “Gerir o pequeno

intervalo entre a Europa e o PCP e o

BE. Como conseguirá ele gerir um

caminho que pode ser cada vez mais

estreito?”, questiona Daniel Olivei-

ra, para quem o Bloco tem feito uma

“gestão mais mediática” da camisa

de forças e que os “sinais mais preo-

cupantes” são do lado do PCP.

Gerir o “Brexit”

3 Além da gestão da po-

lítica europeia, Costa

vai deparar-se com ou-

tro debate: o que fazer

em relação ao “Brexit”?

“Acredito que não vai

haver unanimidade em Portugal.

Temos uma aliança de muitos sé-

culos com o Reino Unido, país do

qual sempre fomos muito próximos

na esfera europeia, eles saem e nós

vamos continuar como se nada se

passasse?”, questiona Pedro Adão

e Silva, lembrando que o país terá

de defi nir os “alinhamentos inter-

nacionais” que têm sido mais com

o Reino Unido e “não serão conver-

gentes com o resto da Europa”. Um

debate que será, defende, mais na

sociedade, e essa “poderá não estar

toda do mesmo lado”.

Estabilizar o sistema financeiro

4 O primeiro-ministro

acredita que a parte

de leão dos problemas

da banca fi ca encerrada

este ano: já tem acordo

prévio para a recapita-

lização da Caixa Geral de Depósitos,

em cerca de cinco mil milhões de

euros, e garante, em entrevista ao

PÚBLICO, que até ao fi nal deste ano

fi cará fechada uma solução para o

crédito malparado de todos os ban-

cos. Mas há mais nós para desatar no

que à banca diz respeito. A semana

passada, o Governo deu mais tempo

aos bancos para devolverem os

empréstimos ao Fundo de

Resolução. Nas mãos do

fundo está um dos maio-

res imbróglios que Cos-

ta tem para resolver no

próximo ano: a venda do

Novo Banco. Além disso,

tem ainda de operacio-

nalizar a solução para os

lesados do BES.

Autárquicas: o teste dos dois anos

5 M a i s d o

que um tes-

te eleitoral,

é um teste

político à

solidez do

Governo do PS com o

apoio de dois dos parti-

dos à sua esquerda. E o

peso é maior para o PCP.

“Para a ‘geringonça’, o

ideal é que fi que tudo co-

mo está”, diz Daniel Olivei-

ra. Ou seja, que o PCP não

“perca peso” nas autarquias e

o PS não ganhe demasiado.

Ultrapassar as eleições autár-

quicas é também fechar a barreira

dos dois anos de Governo (meio

mandato legislativo) e três orça-

mentos. Mas, para isso, é preciso

que se mantenha o equilíbrio en-

tre PCP e PS. A nível das cúpulas,

o PS vai tentar, “não vai compe-

tir com o PCP nas câmaras que

disputam”, diz Pedro Adão e

Silva. Apesar disso, defende o

comentador, as disputas lo-

cais existem e as estruturas

terão difi culdade em aceitar

um “pacto de não agressão”

s para o primeiro-ministro, que vão da gestão

oo sistema fi nanceiro

al de Depósitos,

mil milhões de

m entrevista ao

fi nal deste ano

solução para o

e todos os ban-

para desatar no

eito. A semana

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de Costapleno congresso do partido disse

que ele era “tímido”. Costa tem se-

gurado a sua equipa mesmo quando

esta esteve debaixo de fogo. Foi o

caso do ministro da Educação, Tiago

Brandão Rodrigues, ou do ministro

das Finanças, Mário Centeno. Aliás,

a pouca propensão de Costa para

mexer no executivo foi evidente

quando, apesar de toda a polémica,

não deixou cair os três secretários

de Estado que foram ver jogos do

Euro a convite da Galp.

Há ainda outro aspecto a ter em

conta. Neste primeiro ano, António

Costa tem centralizado a resposta po-

lítica. Apesar de ter no seu núcleo

duro alguns ministros com poder de

fogo, não tem dado lugar de destaque

a um “número dois” evidente, como

era Paulo Portas para Passos Coelho

ou Pedro Silva Pereira para José Só-

crates. Ao longo do próximo ano, po-

derá ser preciso reforçar a área da

coordenação política com BE, PCP e

PEV, que deverão começar a colocar

mais pressão, e estão agora a ser ge-

ridos ou pelo primeiro-ministro ou,

no Parlamento, pelo secretário de

Estado dos Assuntos Parlamentares,

Pedro Nuno Santos.

Dançar o tango com Marcelo

7 Marcelo, é sabido, olha

para as funções presi-

denciais de uma forma

interventiva. A face mais

visível tem sido na rela-

ção com os portugueses,

mas não o tem sido menos na relação

política. Já deu recados, fez avalia-

ções jurídicas, tomou posições mais

assertivas antes de uma legislação

lhe chegar às mãos e até fez uso do

veto político a uma lei do Governo: a

que permitia ao fi sco saber, uma vez

por ano, o saldo de quem tem contas

acima de 50 mil euros.

A reboque da popularidade, o

Presidente ganha poder. E têm sido

sonoras as exigências ao executivo:

sobretudo a necessidade de cresci-

mento visível: “2016 e 2017 não são

e nunca poderão ser 2011.” A pressão

por resultados económicos aumen-

tará e Costa vai ter de ir gerindo a

relação com o chefe de Estado. E se

lhes vale a boa relação pessoal, essa

será também um jogo de poder pú-

blico. Marcelo já disse que não quer

ser factor de instabilidade no “ciclo

que vai até às autárquicas”.

Ir além do défice e fazer reformas

8 “Emprego, emprego,

emprego.” Quem seguiu

com atenção a campa-

nha do socialista ouviu

esta repetição como o

primeiro e (quase) úni-

co objectivo de Costa. A economia

até podia estar no centro das suas pa-

lavras, mas nestes primeiros meses

de governação houve uma espécie

de troca de papéis e o primeiro-mi-

nistro tem melhores números para

o défi ce do que para a economia e

isso é explicado em parte porque

há investimento que não está a ser

feito e isso... ajuda as contas públi-

cas. Aliás, foi o próprio ministro do

Planeamento, que tem em mãos os

fundos estruturais que admitiu, em

entrevista à Visão, que, “se for ne-

cessário tomar medidas a nível de

tesouraria”, o Governo fará uso das

“dotações para 2017”.

Para ir além do défi ce, o Governo

promete aproveitar os fundos es-

truturais para fazer reformas. Ora,

é neste jogo de escolhas que o pró-

ximo ano se vai desenrolar, até por-

que a justifi cação para que os fundos

não estejam com uma boa execução

tem sido a de que o Governo anterior

não tinha deixado projectos prepa-

rados.

Linha aberta para o Canadá e Frankfurt

9 Mais um equilíbrio

externo e interno, ou

seja, entre os merca-

dos e o PCP e o BE.

Costa sabe que tem

de manter Portugal

fora do radar negativo dos merca-

dos fi nanceiros e para isso agarra-

se à bóia de salvação em que se

transformou a agência canadiana

de rating, DBRS, a qual garante o

fi nanciamento do BCE. Esta agência

é a única que mantém a avaliação

acima de “lixo”, essencial para que

o BCE aceite comprar ou receber co-

mo garantia activos que tenham um

rating acima de lixo.

Esta difi culdade casa com a tensão

interna, com o PCP e o BE a defen-

derem uma renegociação da dívida,

para aliviar os constrangimentos a

algumas políticas e o primeiro-mi-

nistro a remeter para a Europa uma

solução.

em prol de um bem maior: o da esta-

bilidade do executivo. Neste ponto,

a tensão será mesmo entre PS e PCP,

“o BE vai fazer um discurso de desva-

lorização das autárquicas”.

Remodelar ou não remodelar?

6 A um ano das eleições

(ainda falta um pouco

mais de um mês para

ser um ano de Go-

verno), Costa viu-se

obrigado a remode-

lar o Governo por causa de uma

polémica com João Soares, então

ministro da Cultura, mas até agora

não sentiu necessidade de reforçar

a equipa em mais nenhuma área.

Manuel Caldeira Cabral, ministro da

Economia, tem sido apontado co-

mo o elo mais fraco do Governo — o

próprio primeiro-ministro chegou a

fragilizá-lo em público quando em

Ao longo do próximo ano, poderá ser preciso reforçar a área da coordenação política com o BE, PCP e PEV

Na véspera de cumprir um ano de

mandato, o primeiro-ministro teve

mais duas provas de que Bruxelas

não vai aliviar a pressão sobre Por-

tugal. Dentro de portas, foi o comis-

sário europeu da Economia e das

Sociedades Digitais que mencionou

a possibilidade de novo resgate e,

poucas horas depois, em Estrasbur-

go, outros dois comissários lembra-

vam que a trajectória de redução do

défi ce é para levar a sério.

De manhã, ao afi rmar que a pro-

babilidade de Portugal precisar de

um resgate “é maior do que 0%”, o

comissário europeu Günther Oet-

tinger fez soar as campainhas. O

Governo apressou-se a pôr água na

fervura, com o ministro dos Negócios

Estrangeiros, Augusto Santos Silva,

a pedir “máximo cuidado e sentido

de responsabilidade” aos comissá-

rios; sobretudo porque “Portugal

vive hoje uma situação orçamental

absolutamente tranquila”, afi rmou

à Lusa, argumentando que “não há

nenhum indicador que permita ter

uma atitude pessimista face à evolu-

ção da economia portuguesa e das

suas fi nanças públicas”.

Mais tarde, foi o próprio comissário

a rectifi car o que disse. “Penso que

não é necessário um segundo resgate,

isso só [aconteceria] no pior cenário.

Temos de fazer o que pudermos para

evitar tal desenvolvimento”, referiu.

O fantasma de um novo resgate

ecoou no mesmo dia em que, em

Estrasburgo, os comissários Jyrki Ka-

tainen e Corina Cretu se preparavam

para debater com os eurodeputados

a eventual suspensão de fundos es-

truturais a Portugal e Espanha. Por

ora, nada está decidido e, mesmo

que a penalização avance, Bruxelas

admite levantá-la, se os dois países

cumprirem os planos de redução do

défi ce, garantiram os comissários,

rejeitando que a suspensão seja si-

nónimo de sanção efectiva.

Em Estrasburgo, os dois responsá-

veis procuraram contrariar a ideia de

Bruxelas mantém pressãocom a suspensão de fundos

que a suspensão de fundos é uma op-

ção política, alegando estarem ape-

nas a cumprir as regras europeias.

E colocaram nas mãos dos governos

português e espanhol pressão para

cumprirem a trajectória de redução

do défi ce, porque, se assim for, di-

zem, pode ser levantada a eventual

suspensão dos fundos.

Apesar do cancelamento das mul-

tas a Portugal e Espanha pelo incum-

primento do défi ce de 2015, o execu-

tivo comunitário ainda pode propor

ao Conselho a suspensão parcial das

autorizações dos fundos europeus

aos dois países para 2017. Ao longo

do debate de ontem, fi caram à vista

as tensões, regionais e políticas, entre

quem defende que não há saída, por-

que é preciso cumprir a aplicação do

regulamento dos fundos europeus,

e quem considera que a Comissão

tem o poder de não avançar com esta

medida, por ser contrária ao próprio

princípio da coesão que os fundos

europeus pretendem potenciar.

O vice-presidente com a pasta do

Investimento e Competitividade,

Jyrki Katainen, defendeu que a sus-

pensão “não é uma sanção” e justifi -

cou-se com a “obrigação jurídica de

propor uma suspensão parcial”. Por-

tugal e Espanha terão de apresentar a

Bruxelas um esboço orçamental para

o próximo ano até 15 de Outubro e,

em função disso, a Comissão fará um

ponto da situação. “Se houver uma

decisão de suspensão, e se os dois

países cumprirem aquilo com que

se comprometeram, levantaremos

as suspensões que eventualmente

houver; pode haver uma suspensão

e daí a algumas semanas ela ser le-

vantada”, admitiu Katainen.

Pedro Crisóstomoe Liliana Valente

[email protected]@publico.pt

Comissário Jyrki Katainen vinca que a suspensão é uma obrigação jurídica que pode não ter consequências

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POLÍTICA

Quando a minha amiga São José

Almeida e o meu amigo David Dinis

me convidaram para escrever

este depoimento, o balanço de

um governo a cuja formação me

opus, ponderei declinar. Aceitei,

mas terei de fazê-lo à minha

maneira. Não me enredarei nos

dados disponíveis respeitantes ao

desempenho da economia para me

defender numa falsa objectividade.

O tempo não tardará a pôr

ordem na cacofonia de análises

concorrentes. Proponho um texto

impregnado de subjectividade. Se

está a ter a boa vontade de ler estas

linhas, é porque o David e a São

José o publicaram.

Mário Soares é o que de mais

parecido encontrei na vida com

um príncipe do Renascimento.

O espanto é geral com o golpe

militar inédito que derrubou uma

ditadura, abrindo caminho para

a democracia e para a restituição

das Liberdades. Curiosamente,

a ninguém impressiona que o

campeão da democracia tenha sido

um príncipe do Renascimento.

Mais culto, sofi sticado e sagaz

do que a esmagadora maioria

daqueles entre os quais trabalhou,

Soares nunca traiu a sua fé

democrática e soube persuadir um

país com indicadores do terceiro

mundo de que a solução estava

no modelo ocidental, numa época

em que todos os deserdados da

terra se viravam para o Leste. Não

só os deserdados, mas também

um contingente avassalador de

intelectuais, alguns dos quais dos

maiores espíritos do século.

Optimista, perdia a paciência

com o meu pessimismo, às

vezes paralisante. O optimismo

é racional — dizia-me. As coisas

mudaram de maneira inimaginável

para um homem do meu tempo, eu

nasci num mundo brutal. O PS era

o seu Stradivarius. O instrumento

da mudança e do progresso

requeria violinistas à altura, não

podia ser comprometido, era

indispensável a Portugal, pertencia

a Portugal. Era parte fundamental

da sua obra, do seu legado

duradouro. Tem sido essa uma

constante da vida de Mário Soares:

um olho em Portugal, outro no seu

Stradivarius.

A minha vida fi cou moldada pelo

poderoso exemplo. Conciliar em

permanência o país, o Stradivarius

e os violinistas do momento.

Mas, sem o génio de Soares, o

que é difícil torna-se, por vezes,

impossível.

O nosso Governo é inédito a dois

títulos. Primeiro, porque resulta

de uma maioria formada com o

propósito de excluir do poder o

partido que venceu as eleições.

Segundo, porque essa maioria uniu

partidos que, desde a fundação

do regime, podendo convergir

no “acessório”, divergiram

radicalmente no essencial: o

modelo de sociedade, a Europa,

a NATO. Ou seja, inconciliáveis na

sua mundividência e nas escolhas

fundamentais sobre o destino no

longo prazo de uma nação antiga,

devolvida ao espaço exíguo que

foi o seu até 1415, e que então se

julgou insufi ciente para garantir

a sobrevivência nacional. Não

pretende esta síntese amesquinhar

a maternidade de substituição

ou outras matérias em que a

actual coligação de governo gerou

entendimentos operativos. A

política de rendimentos, com o

desmantelamento das medidas

de ruína e confi sco do anterior

Governo, são a merecida coroa

de glória da actual maioria. O fi m

da sobretaxa no IRS e a reposição

do subsídio de Natal vão fechar

um ciclo em que, dispondo de

condições francamente adversas,

o Governo de António Costa

cumpriu um compromisso

eleitoral, coisa de que estávamos

já desabituados e que produzirá

um efeito positivo duradouro,

espero, no regime. Outro feito,

com impacto duradouro, é a co-

responsabilização da extrema-

esquerda pelos resultados

governativos. As direcções do

BE e do PCP são mais infl uentes

que — já não direi a bancada

parlamentar do PS, porque isso

é dolorosamente patente — mas

que a maior parte, senão todos,

os ministros. A deputada Catarina

Martins, fazedora de governos,

merece tanto o epíteto como Lord

Warwick, hoje lembrado como

Warwick the Kingmaker.

As implicações de um novo

BE, agora ungido pelo poder, no

sistema partidário, não vêm aqui

a propósito. Mas o baptismo de

fogo de uma força vociferante de

protesto, que faz o seu tirocínio de

poder partilhando o pesado fardo

da governação — terá, seguramente,

alguns efeitos positivos.

No entanto, o feito mais

extraordinário do primeiro-

ministro, quanto a mim, é outro:

trata-se de ter conseguido concitar

o apoio da extrema-esquerda

para uma política essencialmente

subordinada ao equilíbrio

orçamental. É como se Mário

Soares, no ajustamento de 1983-

85, tivesse aplicado em coligação

com o PCP a receita prescrita

pelo FMI, sem necessidade de

Bloco Central. Aqueles que

amesquinham o talento político

do primeiro-ministro são livres de

tentar igualá-lo.

Infelizmente, a necessidade é

má conselheira. Não há-de ser

fácil conjugar a necessidade de

aumentar a receita (na ausência

de crescimento assinalável da

economia), ponderar os impactos

das decisões no país e segurar, ao

mesmo tempo, o indispensável

apoio de partidos com culturas

políticas muito distintas, alguns

dos quais viciados na ponderação

do belo efeito do que dizem na

respectiva plateia.

A Europa e a NATO

permanecem incólumes, como

eixos fundamentais e linhas

de continuidade da política

portuguesa, independentemente

dos governos, das reais

divergências e dos dramáticos

enfrentamentos encenados

para a galeria. Que assim

continuem. E que a ninguém

ocorra fazer transacções ditadas

por conveniências de curto

prazo, indiferentes aos interesses

permanentes do nosso país. Um

dia, Mário Soares participava numa

reunião da Internacional Socialista

Debate Um ano de ent

presidida por Willy Brandt,

por volta de 1980. O Partido

Trabalhista, dilacerado pelas

divisões internas e pelo sectarismo,

preparava-se para enfrentar

Margaret Thatcher. Não sei se Foot

ou Kinnock anunciaram na reunião

que, caso vencessem as eleições,

mandariam tirar de solo britânico

os mísseis estratégicos, adoptando

uma política de desarmamento

nuclear unilateral. Soares, que via

os pacifi stas todos de um lado e

os mísseis do outro, respondeu

aos seus camaradas, numa época

em que a palavra “camarada”

encerrava um profundo signifi cado

internacionalista: “Se é assim, só

posso desejar que percam.”

Uma nota fi nal sobre política

externa: muito tem sido sacrifi cado

a uma afi rmação empertigada

do interesse nacional. Faço um

voto singelo: que a nova pose

signifi que um contraste com o

passado recente dos últimos anos,

mas não com 30 anos de política

portuguesa na Europa.

Deputado do PS

O nosso Governo é inédito a dois títulos. Primeiro, porque resulta de uma maioria formada com o propósito de excluir do poder o partido que venceu as eleições. Segundo, porque essa maioria uniu partidos que, desde a fundação do regime, podendo convergir no “acessório”, divergiram radicalmente no essencial: o modelo de sociedade, a Europa, a NATO

Sérgio Sousa Pinto

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Há exactamente um ano, os

portugueses exprimiram-se nas

urnas e uma grande maioria

dos eleitores “chumbou”

inelutavelmente a política

seguida pelo governo da direita

na legislatura anterior, traduzida

orgulhosamente na máxima “ir

além da troika”. É verdade que

poucos terão acreditado — há

mesmo quem, ainda hoje, não

acredite — que essa clara maioria

de rejeição se pudesse transformar

numa maioria de governação, no

respeito escrupuloso das regras

constitucionais e democráticas,

traduzindo dessa forma a

mensagem que os portugueses

quiseram expressar nesse 4 de

Outubro de 2015.

Esse é um primeiro mérito

— que merece, de verdade,

o epíteto de “histórico” — a

tributar a António Costa, ao

Partido Socialista, ao Bloco de

Esquerda, ao Partido Comunista

Português e ao Partido Ecologista

“Os Verdes”, que souberam

ultrapassar as suas inegáveis

diferenças programáticas,

históricas e práticas, em nome do

interesse maior de Portugal e dos

portugueses, em nome de uma

política alternativa à que a direita

seguiu.

Um ano depois, a primeira

conclusão que se pode já tirar é

que valeu a pena. Este primeiro

ano de governação do PS, com

apoio parlamentar dos partidos à

sua esquerda, correspondeu a um

verdadeiro regresso à normalidade

na vida dos portugueses.

Convém recordar, até porque

alguns pretendem apagar do seu

curriculum e da nossa memória,

que o Portugal 2011-2015 era um

país sobressaltado (o que por vezes

se confundia mesmo com um

país sobre assaltado...), em que as

famílias portuguesas nunca sabiam

com o que contar no mês seguinte,

porque havia sempre um corte

escondido à nossa espera. Um país

crispado, em que o Governo da

direita procurava dividir em vez de

unir, cultivando o ressentimento

entre jovens e idosos, entre

trabalhadores no activo e

reformados, entre trabalhadores

do sector privado e funcionários

públicos. Um país submisso e sem

voz própria na Europa, incapaz

de levantar a voz para defender os

seus interesses, com um Governo

incapaz de perceber que a auto-

estima de um povo deve ser

cultivada como um valor em si

próprio.

Um ano depois — apesar de o

XXI Governo Constitucional só

ter tomado posse no dia 26 de

Novembro de 2015 —, e apesar

de todos os condicionalismos

que a situação fi nanceira do país

e o cumprimento dos nossos

compromissos internacionais

(desde sempre um ponto de

honra para o PS) implicam,

pode dizer-se que está feita a

demonstração que, ao contrário

do que alguns fi zeram questão

de dizer, há um outro caminho

para Portugal, um caminho onde

o rigor e o bom senso se aliam à

sensibilidade social. Foi possível

iniciar um trajecto de recuperação

dos rendimentos das famílias

portuguesas, foi possível eliminar

muitas das injustiças e dos factores

de agravamento das desigualdades

fomentados pelo Governo da

direita e que deixaram um terrível

rasto na sociedade portuguesa,

traduzido nos brutais números de

aumento da pobreza registados

nesse período.

É verdade que este é um

percurso que está longe de ser

fácil, que exige uma atenção

e um esforço permanente de

entendimento e concertação,

não apenas entre partidos,

mas também entre os mais

diversos sectores da sociedade

portuguesa. A prática quotidiana

da política como “a arte do

possível”, de que nos falava

Pavese. Um esforço em que

não se pode deixar de lamentar

a (auto)exclusão de alguns,

provavelmente ainda sob o efeito

do ressentimento e toldados pelo

seu radicalismo ideológico.

Há ainda muito caminho pela

frente, muito mesmo, mas hoje

Portugal é um país diferente e,

apesar de tudo, um país mais

justo do que era há um ano.

Com o desemprego a diminuir,

com reposição de rendimentos

das famílias e, imagine-se (!), a

cumprir os seus compromissos

internacionais e a preparar-se para

chegar ao fi m do ano com o défi ce

mais baixo da década.

Mas, obviamente, que não

podemos estar satisfeitos e há

que prosseguir um caminho que

é reconhecidamente difícil e que

permita continuar a trajectória

descendente do desemprego,

a criação de riqueza e o

crescimento económico, onde

continuamos aquém do desejável,

numa conjuntura internacional

dominada pela incerteza e por

fatores de perturbação. Um

caminho que passa pela aposta na

qualifi cação dos portugueses, na

Educação, na Ciência e na Cultura.

Este é, pois, o caminho.

É esse o caminho do Governo

onde o PS se revê, um PS que

se orgulha da sua história e

do seu património político,

indissociavelmente associado à

defesa dos valores da liberdade

e da democracia e aos grandes

avanços civilizacionais registados

na sociedade portuguesa nas

últimas quatro décadas.

Secretária-geral adjunta do PS

endimento à esquerda

Há ainda muito caminho pela frente, muito mesmo, mas hoje Portugal é um país diferente e, apesar de tudo, um país mais justo do que era há um ano. Com o desemprego a diminuir, com reposição de rendimentos das famílias e, imagine-se (!), a cumprir os seus compromissos internacionais e a preparar-se para chegar ao fi m do ano com o défi ce mais baixo da década

Ana Catarina Mendes

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Entrevista António CostaÉ o “pragmatismo” que faz a diferença à esquerda • O ano de “geringonça” visto por Sérgio Sousa Pinto e Ana Catarina Mendes p2 a 9

Costa responde a Mariana Mortágua: “Essa nem é a linguagem do PS”

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