A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERÍODO 1964-1979:...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO
FACULDADE DE HISTRIA, DIREITO E SERVIO SOCIAL
UNESP CAMPUS DE FRANCA
EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ
A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERODO 1964-1979: O
PAPEL DO ITAMARATY, DAS FORAS ARMADAS E DO
MINISTRIO DA FAZENDA
FRANCA
2009
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EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ
A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERODO 1964-1979: O PAPEL DO
ITAMARATY, DAS FORAS ARMADAS E DO MINISTRIO DA FAZENDA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Histria da Faculdade de Histria,
Direito e Servio Social, da Universidade Estadual
Paulista Jlio de Mesquita Filho, como pr-requisito
para obteno do Ttulo de Mestre em Histria. rea
de Concentrao: Histria e Cultura poltica
Orientadora: Prof Dr Suzeley Kalil Mathias
FRANCA
2009
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Cruz, Eduardo Lucas de Vasconcelos
A poltica externa brasileira no perodo 1964-1979: o papel do
Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da Fazenda / Eduardo
Lucas de Vasconcelos Cruz. Franca : UNESP, 2009.
Dissertao Mestrado Histria Faculdade de Histria,
Direito e Servio Social UNESP
1. Relaes internacionais Histria Brasil, 1964-1979. 2. Di-
tadura militar Poltica exterior. 3. Ministrio da Fazenda Regime
militar Poltica econmica.
CDD 327.0981
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EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ
A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERODO
1964-1979: O PAPEL DO ITAMARATY, DAS FORAS ARMADAS
E DO MINISTRIO DA FAZENDA
Dissertao apresentada ao Programa de Psgraduao em Histria da Faculdade de Histria,
Direito e Servio Social, da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, como pr-
requisito para obteno do Ttulo de Mestre em Histria. rea de Concentrao: Histria e
Cultura poltica
BANCA EXAMINADORA
Presidente: ___________________________________________
Prof Dr Suzeley Kalil Mathias
1 Examinadora: ______________________________________
2 Examinadora: ______________________________________
Franca, _____ de ___________________ de 2009
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AGRADECIMENTOS
Sempre tive, em toda a minha vida, determinada idia acerca do Brasil, idia que me
incutida tanto pelo sentimento como pela razo.1 O que h em mim de emotivo imagina o Brasil,
tal como os vares de Plutarco e heris de Gonalves Dias, votado a um destino eminente e
grandioso. Instintivamente, tenho a impresso de que Deus o criou para os mais retumbantes
xitos ou os mais rotundos malogros. Por isso, se acontece que a mediocridade marque seus atos
e procedimentos, tenho a sensao de uma absurda anomalia, imputvel aos erros dos brasileiros,
e no ao gnio da Ptria. Simultaneamente, o lado sereno de meu esprito convence-me de que o
Brasil s na primeira fila verdadeiramente o Brasil; que apenas os grandes empreendimentos
so capazes de compensar os fermentos de disperso peculiares ao seu povo; que o nosso Pas, tal
como , entre os outros, tais como so, deve, sob risco de cair em perigo mortal, bater-se pela sua
independncia e manter-se ntegro. Numa palavra: o Brasil no pode ser Brasil sem grandeza.
Portanto, movido pelo propsito de dissecar um dos perodos mais ativos da poltica
externa brasileira, empenhei-me na confeco deste modesto trabalho, cuja extenso no pude
prolongar em virtude do parco espao disponvel. Ainda assim, procurei revesti-lo da maior
qualidade possvel e, convicto de que pecaria pela vaidade se porventura me recusasse a
compartilhar os louros da vitria, dediquei esse espao aos tributos de gratido reclamados pelo
velho preceito romano: suum cuique tribuere.2
Agradeo a Deus Todo-Poderoso por dar-me a fibra moral e a determinao sem as quais
eu no lograria superar os supremos sacrifcios que me foram impostos nos ltimos sete anos.
Agradeo minha amada famlia e, em especial, a ti me, que foi, acima de tudo, a minha
Educadora: aos seus rigores devo os valores morais que me forjaram o carter. Meu pai, por sua
vez, ergue-se como o exemplo de abnegao e nobreza ao qual devoto a mais intensa admirao,
sobretudo quando o vejo vestir-se de branco para lutar contra a morte. Finalmente, eu jamais
esqueceria de mencionar minha av, cujo zelo cercou-me durante toda a infncia, meu irmo,
confidente que nunca me faltou.
1 Parafraseando De Gaulle.
2 A cada um o que lhe devido.
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Agradeo minha orientadora, Prof Dra. Suzeley Kalil Mathias, que foi meu fio de
Aridiane no labirinto das dvidas e escolhas acadmicas, mostrando-se extremamente solcita
em retificar meus escritos, inclusive sob as condies de sade mais adversas possveis.
Devo elencar quatro instituies no regao das quais forjei e continuo a aprimorar
minha formao. Portanto, agradeo:
Unesp-Franca, onde me foi dado adquirir conhecimentos e desenvolver minha vocao
para as Relaes Internacionais, tomando conscincia de quo imprescindvel a manuteno e
defesa da Universidade Pblica. Ao longo de dcadas, a Unesp tem consagrado seus esforos aos
mais genunos interesses nacionais, contribuindo para o progresso cientfico e tecnolgico do
Pas. Por isso, orgulho-me de freqentar as salas desta instituio, cujas muralhas resistem,
tradicionalmente, s restries oramentrias de que padece.
Ao Exrcito Brasileiro, em cujas fileiras tive a honra de marchar quando de meu ingresso
na maioridade. O Exrcito uma grande Escola (com E maisculo) de patriotismo, lealdade,
cavalheirismo e disciplina, pois no quartel, obedecendo que se aprende a comandar e
praticando que se aprende a fazer. Apesar das carncias materiais a que esto sujeitas, as Foras
Armadas prestam inestimveis servios segurana e ao desenvolvimento do Pas, seja na defesa
vigilante de nossas fronteiras, seja na assistncia social ao povo sofrido dos confins mais remotos
do territrio nacional.
Faculdade de Direito de Franca, bero ilustre de magistrados, promotores e advogados
reputados os mais doutos, condio que lhe permite ser alada todos os anos com justia pela
OAB seleta constelao que agasalha as melhores instituies de ensino do Brasil. Tal como a
Roma Antiga, a hoje cinqentenria FDF teve um humilde comeo e, tal como aquela cidade
latina, conquistou fama que ecoa muito alm dos vales que a cercam, o que se reflete na origem
regional crescentemente diversificada e longnqua de seus discentes, atrados que so dos confins
pelo seu renome.
Tambm devo fazer justia a numerosos amigos e amigas que, na alegria e na tristeza, na
sade e na doena, na tranqilidade e na adversidade, estiveram ao meu lado. Por todas essas
razes, agradeo:
Ao meu grande amigo do curso de Direito, Digenes, sem cujo amparo eu no teria
conseguido freqentar simultaneamente duas faculdades. No foram poucos os episdios em que
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tive o valioso auxlio de suas anotaes e explicaes. Marchando ombro a ombro comigo, tem
sido um verdadeiro companheiro de batalha nesses anos.
Ao meu amigo David, de cujo profcuo convvio fui privado quando de sua transferncia
para o curso de Relaes Internacionais da PUC-SP. Apesar de nossas freqentes e no raro
inflamadas discusses sobre economia e poltica externa, esse autntico puro-sangue da estirpe
liberal jamais hesitou em perfilar-se ao meu lado nos debates da Academia.
Ao meu amigo da ps-graduao em Histria, Anderson Dedo, com quem pude contar
em diversas ocasies de alegria e de tristeza. Com seu carter ponderado, prprio dos mineiros,
muitas vezes dissuadiu-me de gestos precipitados nos momentos de exasperao.
s minhas amigas Luciana, Roberta, Raquel, Carla, Vanessa, Paula, Melise, Ana Paula e
Lvia que com seus dotes de pianista encanta a todos. No fosse a companhia destas graciosas e
inteligentes mulheres, a minha existncia em Franca teria sido sobremaneira penosa.
Aos meus leais amigos Fernando Varginha, Jonas Argentino, Rafael Panda, Edson
Mex, Flvio Batata, Clber Lorde, Mrio Henrique Chacal, Gustavo Oliveira, Andr
Guzzi, Fernando Palmeira, Bachir Fayad e Rafael Deveras. Lembro, como se ontem fosse, dos
inmeros churrascos partilhados na boa e velha roda de homens, sobretudo na Repblica do
Feudo e na Saudosa Maloca, espao de congraamento e companheirismo.
Ao ilustre casal Eliseu-Bia, que, com seu notrio bom-humor, preencheu meus fins de
semana com sesses de cinema e longas conversas regadas a caf. Jamais esquecerei do dia em
que Eliseu, com os atributos de hacker que lhe so prprios, salvou meu PC de um pane iminente.
Meus compatriotas! As chagas da saudade se abatero com violento furor sobre ns no
alvorecer de 2008, mas felizmente sero cicatrizadas com o blsamo de nossa eterna amizade. A
todos vocs, a minha mais profunda gratido.
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SUMRIO
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................................................... 11
RESUMO...................................................................................................................................... 17
INTRODUO........................................................................................................................... 19
CAPTULO I A POLTICA EXTERNA DO REGIME MILITAR: QUADRO GERAL,
RUPTURAS E CONTINUIDADES .......................................................................................... 24
1. As cises no Movimento Contra-Revolucionrio de 1964 ................................................... 24
2. O Governo Castelo Branco (1964-1967) ............................................................................... 26
3. O Governo Costa e Silva (1967-1969) ................................................................................... 54
4. O Governo Mdici (1969-1974) ............................................................................................. 92
5. O Governo Geisel (1974-1979) ............................................................................................. 155
CAPTULO II - O ITAMARATY E A SECRETARIA-GERAL DO CONSELHO DE
SEGURANA NACIONAL: A VERTENTE NACIONALISTA ........................................ 201
1. A Casa do Baro do Rio Branco: atribuies, estrutura, formulao e prtica de uma
doutrina no-escrita de poltica externa ................................................................................. 201
1.1. O Itamaraty e a poltica de desenvolvimento econmico: comrcio exterior, negociaes na
UNCTAD, transferncia de tecnologia, debates sobre meio ambiente e natalidade .................. 205
1.2. O Itamaraty e a poltica de segurana nacional: combate s guerrilhas, debates sobre
desarmamento, salvaguarda da independncia nacional e relaes interamericanas ................. 234
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2. A Secretaria-Geral do Conselho de Segurana Nacional: o canal de expresso das Foras
Armadas .................................................................................................................................... 274
2.1. Surgimento, formao, funes e competncias da SG/CSN (1934-1958): a progressiva tutela
militar........................................................................................................................................... 274
2.2. Geopoltica, DSN e poltica externa: independncia econmica, colonizao do territrio e
cenrios de guerra ....................................................................................................................... 284
2.3. A SG/CSN enquanto instncia decisria da poltica externa (1958-1979): o crivo do
Estabelecimento Militar .............................................................................................................. 334
CAPTULO III - O MINISTRIO DA FAZENDA: A NOTA DISSONANTE ................. 355
1. A Fazenda e a poltica externa em 1945-1964: origens do "feudo" institucional ........... 355
2. A Fazenda e a poltica externa em 1964-1979: da ortodoxia como condicionador decisrio
ao keynesianismo improvisador .............................................................................................. 366
3. Conflitos entre o Ministrio da Fazenda e o Itamaraty: endividamento externo,
negociaes comerciais e questo luso-africana ..................................................................... 383
4. Conflitos entre o Ministrio da Fazenda e os militares: papel das empresas estrangeiras,
integrao nacional e controle de natalidade ......................................................................... 400
4.1. Tecnocratas na mira dos jovens oficias: o vespeiro da caserna ....................................... 400
4.2. Ministrio da Fazenda vs. SG/CSN e EMFA: capital estrangeiro nos setores de minrios,
petrleo e telecomunicaes ....................................................................................................... 415
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4.3. Ministrio da Fazenda vs. militares da burocracia civil: patentes e tecnologia importada,
controle de natalidade, integrao nacional, capital estrangeiro na engenharia civil, nos
transportes martimos e areos, na agricultura e nas indstrias petroqumica, naval, aeronutica,
farmacutica e informtica ......................................................................................................... 448
CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 509
FONTES E BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 513
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABERT - Associao Brasileira de Emissoras de Rdio e Televiso
ABIFARMA - Associao Brasileira da Indstria Farmacutica
ABIN - Agncia Brasileira de Inteligncia
ABRAFET - Associao Brasileira dos Fabricantes de Equipamentos Telefnicos
ACBS - Associao Chileno-Brasileira de Solidariedade
ACFA - Alto Comando das Foras Armadas
ADESG - Associao de Diplomados da Escola Superior de Guerra
ADMs - Armas de Destruio Massiva
AERP - Assessoria Especial de Relaes Pblicas
AFL-CIO - American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations3
AIEA - Agncia Internacional de Energia Atmica
AIFLD - American Institute for Free Labour Development4
ALALC - Associao Latino-Americana de Livre Comrcio
ALN - Aliana Libertadora Nacional
AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras
AP - Ao Popular
ARENA - Aliana Renovadora Nacional
BB - Banco do Brasil
BC - Banco Central
BEFIEX - Programas Especiais de Exportao
BIC - Bussines International Corporation5
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
CACEX - Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil
CAN - Correio Areo Nacional
CAPRE - Coordenao das Atividades de Processamento Eletrnico
CBTN - Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear
CDE - Conselho de Desenvolvimento Econmico
CDI - Conselho de Desenvolvimento Industrial
CECLA - Comisso Especial de Coordenao Latino-Americana
CEE - Comunidade Econmica Europia
CEESI - Comisso Especial de Estudos do Sistema Interamericano
CEF - Caixa Econmica Federal
CEME - Central de Medicamentos
CEMPEX - Comisso de Emprstimos Externos
CEN - Conceito Estratgico Nacional
CENIMAR - Centro de Informaes da Marinha
CETI - Comisso de Estudos Tributrios Internacionais
CEXIM - Carteira de Exportao e Importao do Banco do Brasil
3 Federao Americana do Trabalho e Congresso de Organizaes Industriais
4 Instituto Americano para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre.
5 Corporao de Negcios Internacionais
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CIA - Central Intelligence Agency6
CIAP - Comisso Interamericana para a Aliana para o Progresso
CIC - Comit Intergovernamental Coordenador da Bacia do Prata
CID - Colgio Interamericano de Defesa
CIE - Centro de Informaes do Exrcito
CIECC - Conselho Interamericano de Educao, Cincia e Cultura
CIEFMAR - Comisso Interministerial sobre a Explorao e Utilizao do Fundo dos Mares
CIES - Conselho Interamericano Econmico e Social
CIEx - Centro de Informaes do Exterior
CIJ - Corte Internacional de Justia
CISA - Centro de Informaes e Segurana da Aeronutica
CJI - Comisso Jurdica Interamericana
CLC - Comisso Nacional para Assuntos da ALALC
CMG - Capito de Mar-e-Guerra
CMM - Comisso de Marinha Mercante
CMMBEU - Comisso Militar Mista Brasil-EUA
CMN - Conselho Monetrio Nacional
CNA - Confederao Nacional da Agricultura
CNC - Confederao Nacional do Comrcio
CNEN - Comisso Nacional de Energia Nuclear
CNI - Confederao Nacional da Indstria
CNMC - Comisso Nacional de Moral e Civismo
CNP - Conselho Nacional do Petrleo
CNPq - Conselho Nacional de Pesquisas7
CNPV - Conselho Nacional de Portos e Vias Navegveis
COBAP - Comisso Nacional da Bacia do Prata
COBRA - Computadores Brasileiros S/A
COFIE - Comisso de Fuso e Incorporao de Empresas
COLESTE - Comisso de Comrcio com a Europa Oriental
COLINA - Comando de Libertao Nacional
CONCEX - Conselho Nacional de Comrcio Exterior
CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicaes
COPREDAL - Comisso Preparatria para a Desnuclearizao da Amrica Latina
COTAP - Conselho de Cooperao Tcnica da Aliana para o Progresso
CPA - Conselho de Poltica Aduaneira
CPCFA - Comisso Permanente de Comunicaes das Foras Armadas
CPDOC - Centro de Pesquisas e Documentao da FGV
CPA - Central de Comutao Telefnica por Programa Armazenado
CPqD - Centro de Pesquisas e Desenvolvimento
CPI - Comisso Parlamentar de Inqurito
CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
CSN - Conselho de Segurana Nacional
CTA - Centro Tcnico Aeroespacial
6 Agncia Central de Inteligncia.
7 Renomeado como Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolgico pela Lei n 6.129 de 6 de
novembro de 1974.
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13
CTB - Companhia Telefnica Brasileira
CTN - Companhia Telefnica Nacional
CVRD - Companhia Vale do Rio Doce
DFSP - Departamento Federal de Segurana Pblica
DGI - Direccin General de Inteligencia8
DGP - Departamento Geral de Pessoal do Ministrio do Exrcito
DINA Direccin de Inteligencia Nacional9
DNPI - Departamento Nacional de Propriedade Industrial
DNPM - Departamento Nacional de Produo Mineral
DOI - Destacamento de Operaes Internas
DOPS - Departamento de Ordem Poltica e Social
DPC - Departamento de Promoo de Comercial do Itamaraty
DSG - Diretoria do Servio Geogrfico do Exrcito
DSI/MME - Diviso de Segurana e Informaes do Ministrio das Minas e Energia
DSI/MRE - Diviso de Segurana e Informaes do Ministrio das Relaes Exteriores
DSI/MTE - Diviso de Segurana e Informaes do Ministrio do Trabalho e Emprego
DSN - Doutrina de Segurana Nacional
EAMA - Estados Africanos e Madagascar Associados
ECEMAR - Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronutica
ECEME - Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito
EBD - Eletrnica Digital Brasileira
EGN - Escola de Guerra Naval
ELN - Ejrcito de Liberacin Nacional10
EMA - Estado-Maior da Armada
EMAER - Estado-Maior da Aeronutica
EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicaes
EME - Estado-Maior do Exrcito
EMFA - Estado-Maior das Foras Armadas
EMGEPRON - Empresa Gerencial de Projetos Navais
ERP - Ejrcito Revolucionrio del Pueblo11
ESAO - Escola de Aperfeioamento de Oficiais
ESG - Escola Superior de Guerra
ESNI - Escola Nacional de Informaes
FAB - Fora Area Brasileira
FAIBRAS - Destacamento Brasileiro da FIP
FBI - Frente Brasileira de Informaes
FEB - Fora Expedicionria Brasileira
FGV - Fundao Getlio Vargas
FIP - Fora Interamericana de Paz
FIRCE - Fiscalizao e Registro de Capitais Estrangeiros
FLN - Frente de Libertao Nacional
FMI - Fundo Monetrio Internacional
8 Direo Geral de Inteligncia (servio de inteligncia de Cuba)
9 Direo de Inteligncia Nacional (servio de inteligncia do Chile)
10 Exrcito de Libertao Nacional (guerrilha boliviana)
11 Exrcito Revolucionrio do Povo (guerrilha argentina)
-
14
FMM - Fundo da Marinha Mercante
FNDCT - Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
FNLA - Frente Nacional de Libertao de Angola
FUNAI - Fundao Nacional do ndio
GATT - General Agreement on Tariffs and Trade12
GDF - Guyana Defense Force13
GEBAM - Grupo Executivo do Baixo Amazonas
GEICOM - Grupo Executivo Interministerial de Componentes e Materiais
GEIFAR - Grupo Executivo da Indstria Farmacutica
GEIQUIM - Grupo Executivo da Indstria Qumica
GEIPOT - Grupo Executivo de Integrao Poltica dos Transportes
GEMF - Grupo de Exportao de Minrio de Ferro
GEP - Grupo de Estudos e Planejamento
GETAM -Grupo Executivo de Telecomunicaes na Amaznia
GTE - Grupo Tcnico Especial
GTINAM - Grupo de Trabalho para a Integrao da Amaznia
G-2 2 Seccin del Estado-Mayor de las Fuerzas Armadas14
G-77 - Grupo dos 77 pases do Terceiro Mundo
IBC - Instituto Brasileiro do Caf
IFPCW - International Federation of Petroleum and Chemical Workers15
IMBEL - Indstria de Material Blico do Brasil
INPI - Instituto Brasileiro de Propriedade Industrial
IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IPD/CTA - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Tcnico Aeroespacial
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados
IR - Imposto de Renda
ITA - Instituto Tecnolgico da Aeronutica
JCR - Junta de Coordenao Revolucionria
JID - Junta Interamericana de Defesa
KGB - Komityet Gosudarstvennoy Bezopasnosty16
LIDER - Liga Democrtica Radical
MDB - Movimento Democrtico Brasileiro
MEC - Ministrio da Educao e Cultura
MECOR - Ministrio Extraordinrio de Coordenao dos Organismos Regionais
MIR - Movimiento Izquierda Revolucionaria17
MMDC - Movimento Militar Constitucionalista Democrtico
MME - Ministrio das Minas e Energia
MNC - Movimento Nacionalista dos Coronis
MOSSAD - Ha-Md le-Md`n -le-Tafqdm Meyhadm18
MPDR - Movimento Popular de Defesa da Revoluo
12
Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio. 13
Fora de Defesa da Guiana. 14
2 Seo do Estado-Maior das Foras Armadas do Paraguai (servio de inteligncia do Paraguai) 15
Federao Internacional dos Trabalhadores da Indstria Qumica e Petrolfera. 16
Comit de Segurana do Estado (servio de inteligncia da URSS) 17
Movimento Esquerda Revolucionria (guerrilha chilena) 18
Instituto para Inteligncia e Operaes Especiais (servio de inteligncia de Israel)
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15
MPLA - Movimento Popular de Libertao de Angola
MRA - Movimento Revolucionrio Autntico
MRE - Ministrio das Relaes Exteriores
MRT - Movimiento Revolucionario Tupamaro19
MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego
NBM - Nomenclatura Brasileira de Mercadorias
OEA - Organizao dos Estados Americanos
OIC - Organizao Internacional do Caf
OLAS - Organizao Latino-Americana de Solidariedade
OLP - Organizao para a Libertao da Palestina
ONP - Objetivos Nacionais Permanentes
ONU - Organizao das Naes Unidas
OPA - Operao Pan-Americana
OTAN - Organizao do Tratado do Atlntico Norte
PAEG - Plano de Ao Econmica do Governo
PBDCT - Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCBR - Partido Comunista Revolucionrio Brasileiro
PCdoB - Partido Comunista do Brasil
PDVSA - Petrleo da Venezuela S/A
PED - Plano Estratgico de Desenvolvimento
PEI - Poltica Externa Independente
PETROQUISA - Petrobrs Qumica S/A
PIB - Produto Interno Bruto
PF - Polcia Federal
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUD - Programa de Desenvolvimento da ONU
PQU - Petroqumica Unio S/A
PROCAP - Programa de Apoio Capitalizao da Empresa Privada Nacional
PVP - Partido por la Vitoria del Pueblo20
RCMRE - Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores dos Estados Americanos
RENAME - Relao Nacional de Medicamentos Essenciais
RFFSA - Rede Ferroviria Federal S/A
SELA - Sistema Econmico Latino-Americano
SERPRO - Servio de Propaganda e Expanso Comercial
SFICI - Servio Federal de Informaes e Contra-Informaes
SG/CSN - Secretaria-Geral do Conselho de Segurana Nacional
SGP - Sistema Geral de Preferncias Comerciais
SICIE - Servio de Informaes e Contra-Informaes do Exrcito
SICTEX - Sistema de Informao Cientfica e Tecnolgica do Exterior
SID - Servicio de Inteligencia de Defensa21
SIDE - Secretaria de Informaciones del Estado22
19
Movimento Revolucionrio Tupamaro (guerrilha uruguaia) 20
Partido pela Vitria do Povo (Uruguai) 21
Servio de Inteligncia de Defesa (servio de inteligncia do Uruguai) 22
Secretaria de Informaes do Estado (servio de inteligncia da Argentina)
-
16
SIE - Servicio de Inteligencia del Estado23
SITT - Secretaria de Informaes e Transferncia de Tecnologia do INPI
SNI - Servio Nacional de Informaes
SOBENA - Sociedade Brasileira de Navegao
SPI - Servio de Proteo ao ndio
SSN - Seo de Segurana Nacional
SSN/MJ - Seo de Segurana Nacional do Ministrio da Justia
SSN/MRE - Seo de Segurana Nacional do Ministrio das Relaes Exteriores
STASI - Ministerium fr Staatssicherheit24
SUBIN - Subsecretaria de Cooperao Econmica e Tcnica Internacional
SUDAM - Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUDENE - Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUNAB - Superintendncia Nacional do Abastecimento
SUNAMAM - Superintendncia de Marinha Mercante
SUMOC - Superintendncia da Moeda e do Crdito
TCA - Tratado de Cooperao Amaznica
TIAR - Tratado Interamericano de Assistncia Recproca
TNP - Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares
UAW - United Auto Workers25
UDN - Unio Democrtica Nacional
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFPB - Universidade Federal da Paraba
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development26
URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
USAID - United States Agency for International Development27
USP - Universidade de So Paulo
USTR - United States Trade Representative28
VAR-Palmares - Varguarda Armada Revolucionria Palmares
VPR - Vanguarda Popular Revolucionria
23
Servio de Inteligncia do Estado (servio de inteligncia da Bolvia) 24
Ministrio para a Segurana do Estado (servio de inteligncia da Alemanha Oriental) 25
Sindicato dos Trabalhadores da Indstria Automobilstica dos EUA 26
Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento. 27
Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. 28
Representao Comercial dos Estados Unidos.
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CRUZ, Eduardo Lucas de Vasconcelos. A poltica externa brasileira no perodo 1964-1979: o
papel do Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da Fazenda. 2009. 532 f.
Dissertao de mestrado apresentada Faculdade de Histria, Direito e Servio Social,
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Franca, 2009.
RESUMO
Este trabalho analisa o processo decisrio da poltica externa brasileira no transcorrer do
perodo 1964-1979, especificamente no tocante ao papel de trs instituies envolvidas na
confeco da estratgia de atuao internacional do Pas: o Itamaraty, as Foras Armadas e o
Ministrio da Fazenda. Para tanto, busca-se - mais do que descrever as atribuies de cada um
destes rgos envolvidos na elaborao da poltica externa - dissecar as instncias decisrias, as
formas extra-oficiais de interferncia e as concepes dos atores envolvidos, no intento de
determinar qual deles dispunha da ltima palavra na conduo das relaes exteriores do Pas. A
pesquisa utiliza fontes primrias oficiais e extra-oficiais. Dentre as primeiras, so examinadas
Exposies de Motivos, relatrios, memorandos e outros documentos da SG/CSN, do Itamaraty e
do Ministrio da Fazenda, bem como as leis e decretos que regulamentavam a competncia destas
instituies. Dentre as segundas, recai nfase nas entrevistas, memrias, depoimentos e obras
prescritivas deixados por lideranas do Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da
Fazenda, com a finalidade de analisar o processo de planejamento e execuo da poltica externa
brasileira durante o perodo examinado e decompor o peso relativo de cada um destes atores. Para
tanto, o Captulo I descreve a poltica externa adotada pelos governos de 1964-1979, com suas
sucessivas alteraes, ao passo que os captulos seguintes dissecam o papel desempenhado por
aquelas trs instituies, bem como os conflitos burocrticos que entre elas se sucederam.
Palavras-chave: diplomacia, geopoltica, estratgia, nacionalismo
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CRUZ, Eduardo Lucas de Vasconcelos. La poltica externa brasilea en el periodo 1964-1979:
el rol de Itamaraty, de las Fuerzas Armadas y del Ministerio de Hacienda. 2009. 532 f.
Dissertao de mestrado apresentada Faculdade de Histria, Direito e Servio Social,
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Franca, 2009
RESUMEN
Este trabajo analiza el proceso decisorio de la poltica externa brasilea en el transcurrir
del periodo 1964-1979, especficamente en el tocante al papel de tres instituciones envueltas en la
confeccin de la estrategia de actuacin internacional del Pas: el Itamaraty, las Fuerzas Armadas
y lo Ministerio de Hacienda. Para tanto, bsqueda-se - ms que describir las atribuciones de cada
uno de estos rganos envueltos en la elaboracin de la poltica externa - disecar las instancias
decisorias, las formas extraoficiales de interferencia y las concepciones de los actores envueltos,
en el intento de determinar cul de ellos dispona de la ltima palabra en la conduccin de las
relaciones exteriores del Pas. La investigacin utiliza fuentes primarias oficiales y extraoficiales.
De entre las primeras, son examinadas Exposiciones de Motivos, informes, memorandos y otros
documentos de la SG/CSN, de Itamaraty y del Ministerio de Hacienda, bien como las leyes y
decretos que reglamentaban la competencia de estas instituciones. De entre las segundas, recae
nfasis en las entrevistas, memorias, declaraciones y obras prescritivas dejadas por lideratos de
Itamaraty, de las Fuerzas Armadas y del Ministerio de Hacienda, con la finalidad de analizar el
proceso de planificacin y ejecucin de la poltica externa brasilea durante el periodo
examinado y descomponer el peso relativo de cada uno de estos actores. Para tanto, el Captulo I
describe la poltica externa adoptada por los gobiernos de 1964-1979, con sus sucesivas
alteraciones, a medida que los captulos siguientes disecan el papel desempeado por aquellas
tres instituciones, bien como los conflictos burocrticos que entre ellas se sucedieron.
Palabras-clave: diplomacia, geopoltica, estrategia, nacionalismo
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19
INTRODUO
O propsito deste tabalho consiste em analisar o processo decisrio da poltica externa
brasileira no transcorrer do perodo 1964-1979, averiguando o papel determinante ou
secundrio de trs instituies envolvidas na confeco da estratgia de atuao internacional
do Pas: o Itamaraty, as Foras Armadas e o Ministrio da Fazenda.
Dentre as facetas do Regime Militar, a sua poltica externa a menos estudada pela
historiografia nacional, que tradicionalmente volta-se com mais ateno para os aspectos
relativos poltica econmica e represso interna. Somente nos anos recentes a conduta
internacional dos governos autoritrios tem sido objeto de anlises mais isentas e aprofundadas,
conforme nos atestam as obras de Paulo Vizentini, Moniz Bandeira e Amado Luiz Cervo.
Todavia, em que pese essa evoluo no sentido de uma interpretao mais acurada dos fatos,
poucos estudos foram consagrados dissecao do processo decisrio, ou seja, pouco se
averiguou acerca da identidade e do poder real (no apenas formal) dos atores que determinavam
as aes tticas e estratgicas do Estado brasileiro no tocante s suas relaes exteriores.
Empreender um estudo desta natureza exigir, alm da mera descrio das atribuies de
cada um dos rgos envolvidos na elaborao da poltica externa, a dissecao das instncias
decisrias, das formas extra-oficiais de interferncia, das convices e interesses dos atores
envolvidos, dos grupos de presso alojados no aparelho de Estado, etc.
Cabe observar de antemo que, mesmo no perodo 1945-1964, afigurava-se marginal a
participao, ainda que indireta por meio do Congresso , da sociedade civil na arquitetura da
poltica externa, fenmeno que pode ser creditado tanto prioridade conferida aos embates
domsticos como s peculiaridades do Estado Brasileiro. A partir de 1964, com o advento do
regime de exceo, acentuou-se a entropia do processo decisrio, agora restrito ao Itamaraty, ao
Ministrio da Fazenda e s Foras Armadas, por intermdio da Secretaria-Geral do Conselho de
Segurana Nacional.
Faz-se necessrio justificar a escolha do ano de 1979 para delimitar a extenso
cronolgica abarcada pela pesquisa: h certo consenso entre os estudiosos do Regime Militar em
considerar a administrao do general Geisel como o perodo em que a poltica externa brasileira
atingiu seu mais elevado grau de autonomia. Em linhas gerais, a conduta internacional do Brasil
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20
transitou de uma postura de sintonia ttica com as diretrizes da Casa Branca, na gesto Castelo
Branco, para uma progressiva diversificao de parcerias polticas e comerciais, desembocando
no pragmatismo responsvel do penltimo governo militar. Portanto, importa investigar as
origens dessa evoluo dentro do aparelho de Estado, tarefa que se afigura desafiadora, tendo em
vista as peculiaridades de uma conjuntura marcada pela baixa transparncia para no dizer
obscuridade das lides relacionadas coisa pblica.
A pesquisa partiu da premissa de que a poltica externa brasileira era elaborada, em suas
linhas gerais, pelo Itamaraty, em consonncia com as teses do embaixador Joo Augusto de
Arajo Castro, para quem o objetivo fundamental da diplomacia seria romper o congelamento
internacional de poder, removendo quaisquer obstculos que se contraponham ao
fortalecimento e afirmao do nosso Poder Nacional.29
Em virtude da convergncia de vises
entre o Itamaraty e as Foras Armadas, estas fiadoras do Regime Militar, o corpo diplomtico
desfrutava daquilo que foi denominado autonomia institucional tacitamente concedida.
Todavia, as decises estratgicas sobretudo as relacionadas atuao do Brasil em sua
circunvizinhana sul-americana e sul-atlntica estavam sujeitas apreciao da SG/CSN, que
detinha a ltima palavra. Ademais, h fortes indcios de que o Ministrio da Fazenda, salientando
o imperativo de manter estvel o afluxo de capitais externos, atuava no sentido de refrear a
orientao nacionalista da burocracia diplomtico-militar e mantinha seus prprios canais de
interlocuo com governos e instituies estrangeiras.
Segundo Oliveiros Ferreira, as linhas mestras da conduta internacional brasileira foram
traadas desde 1958 pela SG/CSN, e no se alteraram at 1985, quando do advento dos governos
civis. Em palestra proferida nos primeiros meses da administrao Geisel, afirmou o cientista
social que:
A poltica externa brasileira , h anos, na sua linha estratgica, orientada pelo
Estabelecimento Militar, que ocupa a Secretaria-Geral do Conselho de
Segurana Nacional. Por ser fundada em consideraes estratgicas e inspirada
na Geopoltica, as diretrizes de longo prazo so sempre as mesmas, quaisquer
que sejam as inflexes tticas ditadas pelas personalidades dos chanceleres ou
chefes de governo, ou pelas variaes da poltica interna.30
29
CASTRO, Joo Augusto de Arajo. O congelamento do Poder Mundial. Revista Brasileira de Estudos Polticos,
no 33, janeiro/1972, p. 22.
30 FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 43.
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21
Oliveiros Ferreira atribui orientao da poltica externa adotada durante o Regime
Militar trs caractersticas centrais que lhe permitem embasar a hiptese da continuidade. A
primeira delas diz respeito ao papel predominante das Foras Armadas no processo de
formulao das diretrizes de atuao no perodo. Sob responsabilidade nica dos Estados-
Maiores, e com completa autonomia de deciso, a poltica externa desses anos refletiu
singularmente a compreenso que o estamento militar detinha da situao brasileira nas relaes
de poder. Essa leitura utilizava como interlocutor o paradigma geopoltico, que oferece contornos
definidos de objetivos a serem conquistados pela Grande Estratgia e de meios disponveis para
alcan-los.31
Reconhecendo o Estado como ator prevalecente no sistema internacional, a
perspectiva geopoltica considera as relaes interestatais determinantes; subjacente a estas
encontra-se a problemtica da guerra, que aparece como recurso ltimo na redistribuio de
perdas e ganhos.
Examinando o desenvolvimento das relaes exteriores nos 15 anos que se seguiram
Contra-Revoluo de 1964, constatamos fortes indcios que conferem credibilidade tese de
Ferreira, pois embora distintos segmentos polticos das Foras Armadas tenham governado o Pas
ao longo do perodo estudado, certas linhas de ao externa foram invariavelmente mantidas: (1)
recusa em subscrever quaisquer tratados que pudessem limitar a progresso da capacidade
nacional no tocante s tecnologias sensveis tais como o Tratado de No Proliferao de Armas
Nucleares e o Regime de Controle de Tecnologia Missilstica; (2) persistente conduta de
expresso terceiro-mundista nos foros internacionais, pleiteando, em coalizes com outros pases
subdesenvolvidos, melhores termos de troca no comrcio internacional; (3) manuteno e
ampliao das relaes comerciais com os pases da chamada Cortina de Ferro, respeitadas as
ressalvas impostas pela segurana nacional; (4) acmulo progressivo de condies destinadas a
viabilizar a conquista do status de potncia regional na Amrica do Sul, no sentido mais amplo do
31
Segundo Oliveiros Ferreira, toda Grande Estratgia deve ter em mente os reais interesses nacionais e a gradao
de sua importncia, isto , a clara definio de quais interesses obrigam ao emprego da fora, quais exigem a ameaa
de seu emprego e quais recomendam a negociao a partir de uma posio de fora, acrescentando que so
interesses nacionais: (a) a defesa das fronteiras nacionais, tenham sido demarcadas por guerras de conquista, acordos
internacionais, laudos arbitrais ou sentenas de tribunais internacionais; (b) a defesa do status quo territorial no
sistema regional em que o Estado se insere, nem que tal defesa se faa para mascarar sua eventual alterao em favor
do Estado em questo; (c) a defesa das rotas das quais depende o comrcio internacional do Pas preciso ter
presente que o grau de dependncia absoluta de um pas aumenta medida que maior a relao comrcio
exterior/PIB e a defesa do prprio comrcio internacional e do acesso do Estado s grandes correntes comerciais e
quelas de inovao tecnolgica; (d) a defesa dos interesses nacionais em outros Estados. Esses interesses so
privados ou so privados com repercusso estatal. (Cf. FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de
Janeiro: Revan, 2001, pp. 142-143).
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termo (econmico e militar), com emprego simultneo embora nem sempre dotado de unidade
de comando institucional da diplomacia, da dissuaso e de operaes encobertas para conter o
surgimento de coligaes hostis e regimes ideologicamente adversos na regio.
Outros autores, como Vizentini, desposam a tese de que a poltica externa do perodo tem
sua matriz no Itamaraty e sua concepo antecede aos governos militares. Ela consistiria,
sobretudo a partir da administrao Costa e Silva, na retomada dos postulados que nortearam a
Poltica Externa Independente nas administraes de Jnio Quadros e Joo Goulart. Tal
conduta visava libertar a diplomacia brasileira da camisa de fora ideolgica da Guerra Fria,
deslocando-a do eixo Leste/Oeste para uma perspectiva universalista das relaes internacionais,
acentuando a emergncia e importncia do eixo Norte/Sul. Como conseqncia, assistiu-se
multilateralizao das frentes de ao, seja no tocante aos principais temas constantes da agenda
(descolonizao, desarmamento, desenvolvimento e autodeterminao), seja pelos foros nos
quais estas questes passariam a ser enfrentadas (OEA e, especialmente, agncias da ONU).
Simultaneamente, consolidou-se uma nova percepo da articulao entre as demandas
econmicas internas e a atuao internacional do Pas, valorizado em sua dimenso latino-
americana e nas suas aspiraes de potncia. No processo de confeco e reciclagem desse
paradigma, certos membros do primeiro escalo da Chancelaria desempenharam papel
fundamental, tais como Francisco Clementino San Thiago Dantas, Joo Augusto de Arajo
Castro, Ramiro Elysio Saraiva Guerreiro e outros. O alto grau de institucionalizao,
enclausuramento e profissionalizao do Itamaraty teria contribudo para consolidar seu
progressivo monoplio sobre a formulao e a implementao da poltica externa, agora apartada
das disputas domsticas e guiada exclusivamente pelos interesses nacionais, dos quais os
diplomatas consideravam-se, naturalmente, os melhores intrpretes.
Independentemente da tese apoiada na controvrsia descrita, cumpre recordar a influncia
do Ministrio da Fazenda na forja da poltica externa, cabendo acrescentar que a referida pasta
no apenas atuava no sentido de orientar as aes diplomticas propriamente ditas, como tambm
reservava para si determinados canais de interlocuo com governos e organismos estrangeiros,
sobretudo instituies financeiras. Semelhante fenmeno, adiante-se, trouxe repercusses graves,
uma vez que os emprstimos externos eram contrados sob critrios puramente tcnicos e, por
conseguinte, no eram examinados em suas possveis conseqncias polticas, tarefa esta que
caberia ao Itamaraty. Posteriormente, com o advento da crise da dvida em 1982, o Pas teve
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sua margem de manobra seriamente comprometida pelo imperativo de equilibrar o balano de
pagamentos, atrelado que estava dependncia do Tesouro norte-americano e dos bancos
internacionais.32
Alm de desfrutar da aludida autonomia institucional quanto modelagem das
relaes econmicas com o exterior, a Fazenda procurava ora de maneira velada, ora ostensiva
alterar os contornos polticos da conduta internacional do Pas. Essa desenvoltura foi
particularmente visvel no governo Mdici, essencialmente delegativo.
As fontes primrias utilizadas so oficiais e extra-oficiais. Dentre as primeiras, figuram
Exposies de Motivos, relatrios, memorandos e outros documentos da SG/CSN, do Itamaraty e
do Ministrio da Fazenda, bem como as leis e decretos que regulamentavam a competncia destas
instituies. Dentre as segundas, recai nfase nas entrevistas, memrias, depoimentos e obras
prescritivas deixados por membros do Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da
Fazenda, com a finalidade de analisar o processo de planejamento e execuo da poltica externa
brasileira durante o perodo examinado e decompor o peso relativo de cada um destes atores. Para
tanto, o Captulo I ser destinado descrio da poltica externa adotada pelos governos de 1964-
1979, com suas sucessivas alteraes, ao passo que nos captulos seguintes procurar-se- dissecar
o papel desempenhado por aquelas trs instituies, bem como os conflitos burocrticos que entre
elas se sucederam.
32
A esse respeito Gilda Portugal Gouva nos fornece uma descrio detalhada em Burocracia e elites burocrtica no
Brasil (So Paulo, Ed. Paulicia, 1994), obra que analisa a atuao do Ministrio da Fazenda, do Banco do Brasil, do
BNDES e do Conselho Monetrio Nacional ao longo do perodo 1930-1985, com particular nfase para os dois
decnios posteriores a 1964.
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CAPTULO I - A POLTICA EXTERNA DO REGIME MILITAR: QUADRO
GERAL, RUPTURAS E CONTINUIDADES
1. AS CISES NO MOVIMENTO CONTRA-REVOLUCIONRIO DE 1964
Para compreender a evoluo da poltica externa brasileira entre 1964 e 1979,
necessrio salientar que o Pas encontrava-se sob regime de exceo, instaurado em virtude da
Contra-Revoluo de 1964, sob liderana das Foras Armadas. Estas, a partir de ento no poder,
se dividiam em grupos, cada qual com uma concepo diferente de projeto nacional. O formato
da poltica externa e a aplicao do modelo econmico variaram conforme este ou aquele setor
estivesse frente do governo; os fatores externos, decorrentes das mudanas na dinmica da
Guerra Fria, tambm tiveram seu peso. Assim como os militares, as elites empresariais
encontravam-se divididas quanto ao projeto nacional a ser implementado, embora tenham sido
unnimes em apoiar a deposio do governo Joo Goulart.
Em sua maioria, os estudos sobre o papel poltico das Foras Armadas no perodo
classificam os militares em duas categorias: os castelistas e a linha dura. Segundo Paulo
Fagundes Vizentini33
e Elizer Rizzo Oliveira,34
o grupo castelista constitua um setor mais
intelectualizado e minoritrio. Seus membros atribuam carter meramente provisrio ao Regime
Militar, cuja durao deveria ser limitada ao tempo necessrio para neutralizar a oposio
comunista e reformar o Estado Brasileiro em moldes liberais. No tocante economia, os
castelistas desposavam teorias ortodoxas, dando nfase iniciativa privada e aos investimentos
estrangeiros. Quanto poltica externa, defendiam a aproximao do Brasil com os EUA no
contexto da Guerra Fria, enfatizando o imperativo de manter unido o bloco ocidental. Por
conseguinte, tendiam a equiparar as fronteiras ideolgicas s fronteiras nacionais, asseverando
que nenhum pas americano seria capaz de defender-se sozinho contra o comunismo. Alguns
representantes desta ala militar eram Juarez de Tvora, Juracy Magalhes, Antonio Carlos
Muricy e o prprio Humberto de Alencar Castelo Branco.
33
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do Regime Militar Brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.
78. 34
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo. Conflitos militares e decises polticas sob a presidncia do General Geisel. In:
ROUQUI, Alain (Org.). Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1980, pp. 119-120.
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A linha-dura, por sua vez, constitua o segmento nacionalista e autoritrio das Foras
Armadas, posto que seus membros defendiam o prolongamento e o aprofundamento da
Revoluo no intento de levar a cabo o projeto Brasil Potncia, para o qual seriam
necessrios o fortalecimento do Estado e o endurecimento do regime. Nacionalistas, advogavam
o protecionismo como instrumento de viabilizao da indstria autctone e a estatizao dos
setores estratgicos da economia como meio de defesa da soberania nacional energia,
telecomunicaes, minerao, siderurgia, aviao, indstria blica, etc. Investimentos
estrangeiros eram bem-vindos, desde que feitos sob superviso do governo e oferecessem
contrapartidas. Conseqentemente, preconizavam uma poltica externa mais independente,
embora anticomunistas radicais e favorveis a mtodos mais violentos no combate s esquerdas.
Alguns expoentes dessa ala militar eram generais como Jayme Portella de Mello, Arthur da Costa
e Silva, Emlio Garrastazu Mdici, Joaquim Justino Alves Bastos, Newton Arajo de Oliveira e
Cruz, etc.
Em ltima anlise, salienta o socilogo Jos Murilo de Carvalho, a controvrsia entre
estes dois grupos no opunha esquerdistas e direitistas; era uma disputa entre a direita liberal e a
direita nacionalista no seio das Foras Armadas, que em 1964 uniram-se para depor Joo Goulart
e liquidar o projeto comuno-sindical.35
Essa dualidade perpassou o Regime Militar durante as
suas duas dcadas de durao, ressalta o cientista poltico Elizer Rizzo Oliveira:
Os governos militares foram marcados por um conflito permanente entre, de um
lado, a orientao poltica da ESG (abertura ao capital estrangeiro, alinhamento
com os EUA quanto poltica externa, manuteno do Poder Legislativo e dos
partidos polticos tradicionais), principal apoio da candidatura do Marechal
Castelo Branco Presidncia da Repblica em 1964, e, de outro lado, as
presses dos setores militares duros, partidrios da represso sistemtica aos
movimentos sociais em nome do combate ao comunismo e da adoo de uma
poltica econmica nacionalista, em particular no ramo das riquezas naturais.
Estas diferenas tticas apareceram imediatamente aps o golpe de Estado, para
o qual estas foras haviam estabelecido um acordo poltico precrio mas
condicionaram decisivamente o desenrolar o processo poltico e institucional do
Pas.36
Embora correta em linhas gerais, essa leitura dualista das cises no estamento fardado
peca pela excessiva generalizao, pois dentro da ala castelista havia uma significativa corrente
35
CARVALHO, Jos Murilo. Vargas e os militares. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo.
Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 344. 36
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo. Conflitos militares e decises polticas sob a presidncia do General Geisel. In:
ROUQUI, Alain (Org.). Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1980, pp. 119-120.
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26
nacionalista formada pelos generais Ernesto Geisel, Orlando Geisel, Aurlio de Lyra Tavares,
Carlos de Meira Mattos, Ayrton Pereira Tourinho, entre outros. O prprio Marechal Castelo
Branco, apesar de sua manifesta averso ao estatismo econmico, atribua parceria com os EUA
carter essencialmente instrumental e imediatista.37
Postura idntica era desposada pelo general
Golbery do Couto Silva embora o fato de ele haver presidido a americana Dow Chemical o
tenha transformado em alvo de repdio entre oficiais da linha dura.38
Esta ltima, observam
Moniz Bandeira39
e Joo Roberto Martins Filho,40
tambm no era monoltica, pois abrigava uma
dissidncia ultranacionalista abertamente refratria ao capital forasteiro, formada por militares
que em 1967 fundaram uma associao informal denominada Centelha Nativista,41
cujo vrtice
eram generais como Affonso Augusto de Albuquerque Lima, Hlio Duarte Pereira de Lemos,
Rodrigo Octvio Jordo Ramos, Antonio Carlos de Andrada Serpa, Hugo Abreu e Euler Bentes
Monteiro. Em sntese, a tradicional interpretao dualista acerca das divises polticas
existentes nas Foras Armadas, embora essencialmente correta, no esgota as contradies ento
existentes na instituio castrense.
2. O GOVERNO CASTELO BRANCO (1964-1967)
O primeiro governo militar teve o Marechal Humberto Alencar Castelo Branco sua
frente, sendo que sua base de apoio no meio civil era constituda pelos segmentos empresariais
associados ao capital estrangeiro e estratos mais liberais da UDN.
Por fora da situao em que assumiu a chefia do Estado inflao, dficit pblico,
reservas internacionais esgotadas e dbitos externos vencidos , o governo Castelo Branco fez do
saneamento econmico sua prioridade mais premente, opo que repercutiu na moldagem tanto
da poltica interna como da poltica externa. No tocante a esta ltima, buscou normalizar as
relaes com os EUA, de modo a obter apoio para a renegociao das dvidas do Pas junto ao
FMI e ao BIRD. O acesso do Brasil a estas fontes de financiamento nas quais Washington
detinha voto decisivo para a aprovao de qualquer emprstimo esteve bloqueado durante a
37
FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, p. 114. 38
MDICI, Roberto Nogueira. Mdici: o depoimento. Rio de Janeiro: Mauad, 1995, p. 22. 39
BANDEIRA, Moniz. O nacionalismo latino-americano no contexto da Guerra Fria. Revista Brasileira de
Poltica Internacional, no 2, julho-dezembro/1994, p. 67.
40 MARTINS FILHO, Joo Roberto. O Palcio e a Caserna: a dinmica militar das crises polticas na ditadura
(1964-1969). So Carlos: UFSCar, 1995, pp. 119-120. 41
KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. So Paulo: Contexto, 2001, p. 59.
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27
administrao de Joo Goulart em virtude dos contenciosos Washington-Braslia (1961-1964) e,
tambm, pela perspectiva cada vez mais provvel de um calote, haja vista o agravamento da crise
econmica. Diante dessa situao, o governo de 1964-1967 abrandou as restries legais s
remessas de lucros para readquirir a confiana dos investidores estrangeiros e implementou uma
severa poltica anti-inflacionria, mediante conteno dos gastos pblicos, com o fito de
recuperar a credibilidade do Pas perante os bancos multilaterais, com o que seria possvel
renegociar os dbitos pendentes e obter novos financiamentos. Essa linha de ao foi gestada
pelos Ministrios da Fazenda e do Planejamento, encabeados pelos economistas Otvio Gouveia
Bulhes e Roberto Campos, elementos de ntida orientao liberal. O programa de reformas foi
consubstanciado no PAEG, cujas linhas gerais so descritas pelo economista Andr Lara Resende
nos seguintes termos:
Tratava-se de um programa que acentuava a importncia da manuteno, ou da
recuperao, das taxas de crescimento da economia. O combate inflao
estava sempre qualificado no sentido de no ameaar o ritmo da atividade
produtiva. A restrio do balano de pagamentos era diagnosticada como sria
limitao ao crescimento. Para super-la, o PAEG propunha uma poltica de
incentivos exportao, uma opo pela internacionalizao da economia,
abrindo-a ao capital estrangeiro, promovendo a integrao com os centros
financeiros internacionais e o explcito alinhamento com o sistema norte-
americano da Aliana para o Progresso. A manuteno, ou a promoo, da
capacidade de poupana da economia associada em todos os nveis ao sucesso
na luta contra a inflao.42
Alm do combate ao dficit pblico, reduzido de 4,2% para 1,1% do PIB em 1964-1966,
figuravam como principais medidas anti-inflacionrias a conteno dos reajustes salariais e a
centralizao da arrecadao tributria. De fato, o governo logrou reduzir a taxa anual de inflao
de 103% para 38% em 1964-1966, mas com significativos custos, gerando impactos recessivos
sobre a produo, particularmente nos setores de alimentos, vesturio e construo civil,
dependentes que eram do mercado interno. Nestas condies, em que a retrao do consumo
reduzia o espao disponvel, atrair investimentos de fora e estimular a competio concedendo
tratamento idntico a empresas nacionais e estrangeiras equivalia a favorecer estas ltimas.
Durante o binio 1965-1966, diversas companhias autctones sucumbiram concorrncia,
vendendo total ou parcialmente seus acervos acionrios a similares forneas. Esse processo de
42
RESENDE, Andr Lara. Estabilizao e reforma. In ABREU, Marcelo Paiva (Org.). A ordem do progresso: cem
anos de poltica econmica republicana. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 215.
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28
desnacionalizao ganhou as pginas dos jornais,43
tornou-se objeto de uma CPI44
e de
reclamaes pblicas de entidades patronais,45
s quais se somaram militares da linha-dura e
inclusive alguns generais e almirantes do prprio gabinete governamental, como Peri Constant
Bevilaqua,46
Chefe do EMFA, Ernesto Geisel, Secretrio-Geral do CSN,47
e Ernesto de Mello
Baptista,48
Ministro da Marinha. voz deles somou-se a de Paulo Egydio Martins, Ministro da
Indstria e Comrcio, que no se pronunciou publicamente, mas manifestou sua apreenso
durante a 37 Sesso do Conselho de Segurana Nacional, realizada a 10 de maio de 1966,
quando advertiu o Presidente de que o problema da desnacionalizao das empresas brasileiras
se apresenta como sumamente crtico.49
A linha-dura se agrupou progressivamente em torno do
Ministro da Guerra, Marechal Arthur da Costa e Silva, que tornou-se porta-voz das demandas por
uma conduta internacional mais autnoma, por uma poltica econmica mais desenvolvimentista
e nacionalista em oposio ortodoxia liberal da dupla Campos-Bulhes e, tambm, por um
combate mais violento s esquerdas.
Apoiado nos radicais, o Marechal Costa e Silva emparedou o Presidente em outubro de
1965, impondo-se como seu sucessor, episdio que no cabe aqui dissecar. O aspecto a sublinhar
reside no papel subsidirio que Castelo Branco, seus tecnocratas e alguns dos militares prximos
a ele como Juarez Tvora e Juracy Magalhes atribuam ao Estado no processo de
desenvolvimento do Pas. Sem chegar a propor um livre mercado puro, Castelo Branco
propugnava que o Estado deveria agir como indutor e no promotor do crescimento
econmico, garantindo a segurana jurdica e a estabilidade poltica. No mximo, investiria em
infra-estrutura para viabilizar a atividade privada, sem fazer quaisquer discriminaes. Neste
ltimo ponto o Marechal era particularmente avesso s demandas de empresrios brasileiros que,
incapazes de competir com os estrangeiros, reclamavam proteo e privilgios do governo.
Em dezembro de 1966, durante palestra em Manaus, o Presidente defendeu-se das acusaes
43
PEREIRA, Osny Duarte. Multinacionais no Brasil: aspectos sociais e polticos. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1974, p. 66. 44
GALEANO, Eduardo. Veias abertas da Amrica Latina. So Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 237. 45
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do Regime Militar Brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.
78. 46
LEMOS, Renato. Justia fardada. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004, p. 23. 47
Para um exame detido da atuao do general Geisel como Secretrio-Geral do Conselho de Segurana Nacional
em 1964-1967, ver Seo desta dissertao intitulada: Conflitos entre o Ministrio da Fazenda e os militares. 48
CONTREIRAS, Helio. Militares: confisses. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p. 33. 49
ALBERTI, Verena, FARIAS, Ignez Cordeiro & ROCHA, Dora (Org.). Paulo Egydio conta. So Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de So Paulo, 2007, p. 288.
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29
levantadas pela oposio civil e militar. A citao, embora extensa, mostra-se de grande valia ao
dar exata noo dos critrios que orientavam suas decises sobre o tema:
Dos empresrios temos exigido maior fidelidade no pagamento de tributos,
maior esforo de produtividade, maior disciplina no acesso ao crdito, maior
aceitao da concorrncia como instrumento de defesa do consumidor. Muitos
tm encontrado dificuldade de adaptao a um mercado mais exigente, menos
aodado. Outros perderam fontes ilegtimas de capital de giro, antes
encontradas na evaso ou postergamento de tributos, no crdito subvencionado
em benefcio de grupos privilegiados, nas tarifas irrealistas de energia e
transportes (...). Mas, ao alinharem suas queixas, esquecem-se alguns
empresrios das inmeras medidas de fortalecimento empresarial adotadas pelo
governo. A modernizao do sistema fiscal ora completada com os recentes
decretos-leis sobre os impostos de renda, consumo e importao, e com a
implantao do novo Cdigo Tributrio, d outro alento ao empreendedor,
extingue a tributao sobre lucros fictcios e sobre a manuteno do capital de
giro, encoraja a subscrio de aes, substitui o obsoleto imposto do selo por
uma tributao moderada sobre operaes financeiras e, finalmente, elimina a
incidncia em cascata dos impostos estaduais e municipais. A reconstruo do
crdito internacional do Pas permite ao empresrio brasileiro, pela primeira vez
em anos, obter emprstimos externos em condies razoveis (...). O
empresrio no mais trabalha sob permanente ameaa de confisco, pode
calcular seus custos salariais e no enfrenta a perspectiva de contnuas greves
de inspirao poltica (...). Nesta oportunidade h outro tema que quero tratar.
Refiro-me aos falsos nacionalistas, que querem consumir e no poupar (...), que
defendem intransigentemente privilgios e recusam tenazmente deveres, que
deblateram contra o capital estrangeiro mas no oferecem nenhuma receita para
aumentar a poupana nacional. Fala-se irresponsavelmente em
desnacionalizao de empresas, citando-se exemplos pouco numerosos e s
vezes falsos. Esquece-se, porm, que em setores fundamentais como
eletricidade, telecomunicaes e minrios, foram nacionalizados, nos ltimos
dois anos, acervos no valor de meio trilho de cruzeiros e que, continuamente,
empresas estrangeiras se abrem participao acionria nacional, premidas pela
legislao tributria que discrimina em favor das companhias de capital aberto.
Exemplo verdadeiro de nacionalismo o planejamento austero das despesas de
governo, que nos permitiu, em pouco mais de dois anos, dobrar a percentagem
votada a investimentos na infra-estrutura econmica e social do Pas,
comparativamente s despesas de custeio (...). Exemplo verdadeiro de
nacionalismo a recuperao de vrias empresas estatais que, de ninhos de
corrupo e empreguismo, passaram a ser eficientemente geridas. Exemplo
verdadeiro de nacionalismo a restaurao cambial do Pas, que nos dispensa
da humilhao de mendigar emprstimos e nos permite negociar com
independncia e altivez (...). Num pas de dimenses continentais como o
Brasil, de regies j altamente desenvolvidas, o receio de colonialismo
econmico revela injustificvel complexo de inferioridade e subestimao do
nosso prprio valor. Podemos e devemos atrair a colaborao do capital
estrangeiro, sem dar-lhe privilgios e exigindo-lhe o cumprimento de nossas
leis, mas tambm sem ressentimentos e sem medo, pois a nossa histria revela
que So Paulo, regio do Brasil que mais absorveu capital estrangeiro, longe de
se desnacionalizar, transformou-se em fator de poupana nacional e hoje
-
30
exporta investidores e tecnologia para o Nordeste e a Amaznia (...). O sadio
nacionalismo, que convm aos empresrios, que convm ao governo, que
convm ao Pas, aquele que busca a racionalidade e eficcia dos
investimentos, quer internos, quer externos.50
Evidentemente, essa postura destoava daquela desposada por amplos setores das Foras
Armadas, onde predominava a percepo de que o governo deveria impulsionar ativamente o
desenvolvimento do Pas, sem se limitar criao de um ambiente fiscal e monetrio propcio
ampliao dos investimentos privados. Tambm era quase consenso nos quartis que o Estado
deveria restringir a presena do capital estrangeiro na economia, fosse mediante estatizaes,
fosse mediante reservas de mercado para firmas brasileiras, fosse atravs de privilgios
creditcios e tributrios s empresas nacionais, fosse ainda por meio de limitaes legais de
qualquer ordem. Esse foi um dos fatores que contriburam isolar o grupo castelista mais
precisamente sua corrente liberal , impedindo-o de conduzir o processo de sucesso
presidencial, na medida em que o Ministro da Guerra capitalizou o descontentamento do
empresariado e dos militares com a poltica econmica, erigindo-se em porta-voz do
nacionalismo. Tambm pesaram em favor da derrota do Presidente as demandas da linha-dura
por uma represso mais intensa aos comunistas e pelo prolongamento do Regime, reivindicaes
estas que igualmente foram endossadas pelo Marechal Costa e Silva. Por fim, outro flanco que
exps o governo aos ataques da oposio civil e militar residiu na poltica externa.
Conforme visto, a necessidade urgente de sanear a economia levou o governo de 1964-
1967 a reaproximar o Brasil dos EUA, de modo a reunir com mais facilidade as condies
indispensveis ao equilbrio do balano de pagamentos, sem o que jamais seria possvel sair da
moratria que inviabilizava qualquer horizonte mais ambicioso de crescimento econmico. Essa
reaproximao atravs da qual se obteve a renegociao dos dbitos junto aos bancos
multilaterais, assim como novos emprstimos destes ltimos e da USAID no era gratuita, na
medida em que o Brasil pagou um preo pelo apoio da Casa Branca. No campo econmico, esse
pedgio foi consubstanciado nas concesses do governo s empresas estrangeiras, notadamente
as norte-americanas, haja vista o Acordo Bilateral de Garantia de Investimentos firmado em
1965. No campo poltico, residiu no atenuamento da postura contestadora e terceiro-mundista que
marcara a atuao dos governos de 1961-1964 no mbito da OEA e da ONU, bem como na
50
CONFEDERAO NACIONAL DA INDSTRIA. A indstria brasileira e a Amaznia. Rio de Janeiro:
Edio do Servio Social da Indstria Departamento Nacional, 1969, pp. 36-38.
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adeso parcial s teses norte-americanas sobre a segurana do Hemisfrio. Nesse sentido,
quando exps ao Itamaraty, em 31 de julho de 1964, as diretrizes que norteariam sua poltica
externa, Castelo Branco asseverou que:
No presente contexto de uma confrontao de poder bipolar, com radical
divrcio poltico-ideolgico entre os dois centros, a preservao da
independncia pressupe a aceitao de um certo grau de interdependncia,
quer no campo militar, quer no econmico, quer no poltico (...). A poltica
externa no pode esquecer que fizemos uma opo bsica, da qual decorre a
fidelidade cultural e poltica ao sistema democrtico ocidental.51
Esse excerto do pronunciamento presidencial, somado s caractersticas do PAEG e
escolha do diplomata Vasco Leito da Cunha para o cargo de Chanceler, levou muitos a
interpretarem todos os traos de anticomunismo da poltica externa castelista como sintomas do
alinhamento automtico com os EUA. Nessa linha de anlise, teriam sido inspirado pela Casa
Branca o rompimento de relaes diplomticas com a China e Cuba, em 1964. Tambm atribui-
se presso americana as decises de fornecer tropas Fora Interamericana de Paz que ocupou
a Repblica Dominicana e defender a transformao da FIP em instrumento permanente e no
apenas temporrio, restrito ao caso dominicano da OEA, destinado a intervir em outros pases
americanos ameaados pelo comunismo. Todavia, um exame mais detido demonstra que a
ruptura com Pequim e Havana foi ditada por razes prprias, internas. Apenas o envio de
contingentes Repblica Dominicana e a defesa da institucionalizao da FIP podem ser
imputadas ao esforo de reaproximao Brasil-EUA, ainda assim com ressalvas.
O rompimento com a China em 1964 decorreu da priso, sob acusao de espionagem, da
misso comercial que viera ao Brasil em abril daquele ano, numa operao policial que sequer
fora iniciativa da administrao federal, e sim do governador Carlos Lacerda. Sensvel ao clima
de anticomunismo exacerbado que marcou os meses posteriores Contra-Revoluo, a Justia
Militar endossou a tese de Lacerda e sentenciou os emissrios chineses a 10 anos de priso.
Todavia, note-se, eles no chegaram a cumprir pena, pois foram indultados pelo Presidente e
deportados em fevereiro de 1965,52
deciso esta embasada em critrios de longo prazo, segundo
Oliveiros Ferreira: A priso e condenao dos membros da misso chinesa foram variaes
tticas da poltica externa, ditadas pela presso da situao poltica interna, mas a soltura deles,
51
FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 111. 52
VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do Regime Militar Brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.
78.
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um ano depois, foi um ato que obedeceu conduta estratgica, e que rendeu frutos nove anos
depois53
[o reatamento das relaes diplomticas, em 1974].
A ruptura com Cuba, em 13 de maio de 1964, tampouco parece ter sido inspirada por
Washington. Ao esclarecer a deciso, o Chanceler Vasco Leito da Cunha apontou a interferncia
de Havana nos assuntos internos do Pas mediante assistncia a grupos marxistas brasileiros
fato incontroverso desde 1962 e citou as concluses a que havia chegado uma comisso
investigadora da OEA, convocada pela Venezuela quando foras cubanas desembarcaram armas
clandestinamente no seu litoral, em auxlio aos guerrilheiros locais.54
Anos depois, a abertura de
alguns arquivos revelou que o governo cogitara tomar medidas mais drsticas durante a reunio
do Conselho de Segurana Nacional convocada para discutir o assunto, durante a qual o Chefe do
Estado-Maior da Armada, almirante Levy Penna Aaro Reis, advogou o envio de uma fora-
tarefa da Marinha Brasileira para participar de um cerco a Cuba, em virtude da possvel
utilizao da ilha para lanamento de msseis de longo alcance contra nosso Pas. A sugesto foi
rejeitada pelos demais membros do Conselho ali presentes: o Presidente Castelo Branco, o
Ministro da Guerra, Marechal Arthur da Costa e Silva, o Ministro dos Transportes, Marechal
Juarez Tvora, e o Secretrio-Geral do CSN, general Ernesto Geisel.55
Decidiu-se que bastaria
romper relaes com Havana, que desde o 31 de maro recusava-se a reconhecer o novo governo
brasileiro. Ademais, com exceo da Venezuela, seria difcil obter apoio militar dos pases latino-
americanos para a aventura naval proposta por Aaro Reis os EUA no entravam na equao,
pois era-lhes proibido atacar Cuba por fora do acordo Kennedy-Kruschev, que encerrou a Crise
dos Msseis de 1962.
Por outro lado, a exportao da revoluo, antes clandestina, tornou-se poltica oficial
do regime cubano com a realizao da Conferncia Tricontinental de Havana, entre 3 e 16 de
janeiro de 1966. Do evento participaram organizaes de 82 pases, sendo a delegao brasileira
composta por Alusio Palhano e Excelso Ridean Barcelos, enviados pelo ex-governador gacho
Leonel Brizola (exilado no Uruguai), Ivan Ribeiro e Jos Bastos, enviados pelo PCB, Vincius
Caldeira Brandt, enviado pela AP, e Flix Atade, assessor do ex-governador pernambucano
Miguel Arraes, tambm exilado. Ao trmino da Conferncia, as 27 delegaes latino-americanas
53
FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 44. 54
Revista Brasileira de Poltica Internacional, n 27, setembro-dezembro/1964, pp. 591-598: Entrevista do
Chanceler Vasco Leito da Cunha sobre poltica exterior brasileira. 55
Folha de S. Paulo, 5 de maio de 2009, p. A-7: Brasil cogitou mandar barcos para fazer cerco a Cuba na Guerra
Fria.
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fundaram a OLAS, sediada em Havana e encarregada de coordenar a luta revolucionria.56
Seus primeiros frutos amadureceram no Brasil semanas depois, durante as festas do 2
aniversrio da Contra-Revoluo, em 31 de maro de 1966, no Recife (PE), quando uma bomba
explodiu na residncia do Comandante do IV Exrcito, general Francisco Damasceno Portugal.57
No houve feridos. A segunda exploso ocorreu em 25 de julho, no Aeroporto de Recife, e tinha
como alvo o Marechal Costa e Silva, recm-indicado pela ARENA para a Presidncia da
Repblica. Como o artefato explodiu antes da hora, matou dois membros da comitiva de
recepo, o almirante Nelson Passos Fernandes e o jornalista Edson Rgis de Carvalho. O mentor
dos ataques, Alpio de Freitas, militante da AP que acabara de regressar de seu treinamento em
Cuba, admitiu ter recrutado cinco estudantes para auxili-lo.58
Dcadas depois, justificou-se:
Morreu gente, ns lamentamos, mas era uma guerra, tinha que haver vtimas.59
A percepo de
guerra no era s dele, conforme se nota no Relatrio Anual do Estado-Maior do Exrcito de
1966, que dedicou extenso captulo OLAS.60
Inserem-se no contexto da reaproximao Brasil-EUA, de fato, duas decises do governo
Castelo Branco em matria de poltica externa: o fornecimento de tropas FIP formada para
intervir na Repblica Dominicana em 1965 e a adeso proposta de se institucionalizar aquela
Fora, dando-lhe carter permanente, para liquidar outras crises revolucionrias que porventura
surgissem no continente. Os dois episdios merecem comentrio detido, porquanto se inscrevem
no quadro mais amplo dos debates que conduziram reforma da Carta da OEA em 1967.
A crise na Repblica Dominicana se arrastava desde 1961, quando do assassinato do
general Rafael Trujillo, que governara o pas por trs dcadas. Em dezembro de 1962, as eleies
deram vitria ao escritor reformista Juan Bosch, empossado em fevereiro de 1963. Alegando
infiltrao comunista no governo, os militares o depuseram em setembro do mesmo ano,
substituindo-o pelo general Donald Reid Cabral. Este, por sua vez, foi deposto por coronis
esquerdistas em abril de 1965, desencadeando uma guerra civil entre os contingentes dos dois
autoproclamados governos, um sob liderana do coronel Francisco Caamao (pr-Bosch),
outro pelo coronel Pedro Bartolome Benoit (anti-Bosch), ambos reivindicando reconhecimento
56
Essa nfase na estratgia guerrilheira viria a provocar o surgimento da ALN, formada pelos radicais do PCB que,
sob liderana de Carlos Marighella, romperam com a direo do Partido, por discordarem de seu mtodo pacfico e
gradualista de luta pelo socialismo. 57
DEL NERO, Augusto Aguinaldo. A grande mentira. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001, p. 182. 58
Jornal do Commercio, 23 de junho de 1995: Atentado a bomba no Guararapes tem nova verso 29 anos depois. 59
Jornal do Commercio, 26 de julho de 1995: Bomba dos Guararapes foi ato de guerra. 60
ESTEVES, Diniz. Documentos histricos do Estado-Maior do Exrcito. Braslia: Edio do EME, 1996, p. 406.
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internacional. No terceiro dia de combate, em 28 de abril, o governo de Bernoit informou ao
embaixador dos EUA, Tapley Bennet, que suas foras no teriam condies de garantir a
integridade fsica dos 40.000 cidados norte-americanos ali residentes, diante do que a Casa
Branca determinou o desembarque de 23.000 fuzileiros navais no pas latino, em 1 de maio.
Chile, Mxico, Colmbia e Venezuela condenaram publicamente a interveno. A pedido do
Chile, a OEA convocou a X Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores dos
Estados Americanos RCMRE, que na sua 1 sesso plenria, a 1 de maio de 1965, determinou
ao Secretrio-Geral da OEA, Jos Mora, que fosse Repblica Dominicana para persuadir os
contendores a assinar um cessar-fogo. Cumprida essa misso, a X RCMRE aprovou uma nova
resoluo, em sua 3 sesso plenria, a 6 de maio de 1965, por 14 votos a 3. Nela, determinou a
formao de uma FIP, com tropas a serem fornecidas pelos governos dos pases americanos que
desejem e estejam em condies de faz-lo. Seis naes se prontificaram: EUA, Brasil, Costa
Rica, Honduras, Nicargua e Paraguai. A FIP, segundo o texto da mesma resoluo, funcionar
sob autoridade desta RCMRE, com o objetivo de:
Colaborar na reestruturao da normalidade democrtica na Repblica
Dominicana, na garantia da segurana de seus habitantes, na inviolabilidade dos
direitos humanos e no estabelecimento de um clima de paz e conciliao que
permita o funcionamento das instituies democrticas.61
A resoluo tambm disps que a dissoluo da FIP ocorreria quando a X RCMRE
determinasse. Dada a necessidade de um comando militar unificado, a Secretaria-Geral da OEA
solicitou que o Brasil e os EUA fornecessem oficiais para exercer a chefia do contingente. O
general brasileiro Hugo Panasco Alvim, veterano da FEB, foi designado Comandante da FIP, e o
general norte-americano Bruce Palmer Junior, Subcomandante. Os marines j presentes na
Repblica Dominicana foram absorvidos na FIP. J o destacamento brasileiro da FIP, com 1.500
homens, recebeu a sigla FAIBRAS e seu comando foi atribudo ao coronel Carlos de Meira
Mattos, tambm veterano da FEB, que acumulou o cargo de Chefe do Estado-Maior da FIP. Os
outros quatro pases forneceram contingentes menores. Assim, a interveno unilateral na
Repblica Dominicana se tornava multilateral e remendava uma situao que, a princpio, feria os
princpios contidos na Carta da OEA, conforme notou em suas memrias o general Tcito
61
MATTOS, Carlos de Meira. A experincia do FAIBRAS na Repblica Dominicana. Rio de Janeiro: Fundao
IBGE, 1967, p. 13.
-
35
Tephilo Gaspar de Oliveira, veterano da FEB62
que chefiou a Seo de Operaes do Estado-
Maior da FIP:
O desembarque dos norte-americanos ferira frontalmente a proibio de
qualquer Estado interferir nos assuntos internos de outro. Mas uma vez criada a
FIP, a tropa desembarcada a ela se incorporava e deixava de ser de um pas para
ser da OEA. Uma maneira diplomtica de contornar um fato consumado.63
Assim equacionada a faceta militar emergencial do problema, a X RCMRE voltou-se
para os aspectos polticos propriamente ditos e aprovou, na sesso plenria de 2 de junho, a
criao de uma Comisso de Paz formada por trs diplomatas Ilmar Penna Marinho (Brasil),
Ellsworth Bunker (EUA) e Ramn Clairmont Dantas (El Salvador) , incumbindo-a de mediar o
dilogo entre os dois partidos contendores e estabelecer um roteiro para a normalizao da
situao poltica no pas. Aps demoradas negociaes, em 3 de setembro a Comisso logrou
costurar um acordo: (1) formao de um governo provisrio sob presidncia do deputado Garcia
Godoy; (2) regresso dos lderes exilados; (3) entrega de todas as armas OEA; (4) volta dos
militares aos quartis; (5) realizao de eleies em junho de 1966. Tanto a Comisso de Paz
(brao poltico) como o Comando da FIP (brao militar) prestavam contas RCMRE, mas nem
sempre agiram de forma harmnica, pois, segundo o Chanceler Vasco Leito da Cunha, o
general Hugo Panasco Alvim estava alucinado, dizia que o delegado americano da Comisso de
Paz, Ellsworth Bunker, era comunista porque no fazia o que ele queria.64
Outro ponto de atrito
dizia respeito ao prazo de permanncia da FIP na Repblica Dominicana, segundo relata o
general Tcito Tephilo Gaspar de Oliveira:
Durante sua estada em Washington, em julho de 1965, Ellsworth Bunker
conferenciara com o Presidente Lindon Johnson, que estava mais preocupado
com a Guerra do Vietn do que com o caso dominicano. Na sua viso poltica
global, no havia urgncia em solucionar o problema, contanto que a FIP
permanecesse na ilha. Era como se dissesse vamos deixar para ver como fica,
na linguagem popular. Tal orientao no interessava ao Brasil, que desejava ver
a questo solucionada o mais breve possvel, por razes bvias.65
62
A expressiva presena de veteranos da FEB em diversos cargos polticos e militares do Regime chamou bastante a
ateno durante esta pesquisa e teria que ser objeto de um mapeamento mais amplo. De antemo, deve-se ressaltar
que um tanto frgil a tese que faz uma ligao entre a corrente liberal do castelismo e os febianos, pois estes
ltimos tambm estavam presentes na linha-dura, sobretudo entre os ultranacionalistas da Centelha, podendo-se citar
Hugo Abreu, Affonso Augusto de Albuquerque Lima, Antonio Carlos de Andrada Serpa, Amerino Raposo, Helio
Duarte Pereira de Lemos, etc. 63
OLIVEIRA, Tcito Tephilo Gaspar. Rasgando papis: reminiscncias. Fortaleza: UFC, 1998, p. 92. 64
CUNHA, Vasco Leito. Diplomacia em alto-mar. Rio de Janeiro: FGV, 1994, p. 289. 65
OLIVEIRA, Tcito Tephilo Gaspar. Rasgando papis: reminiscncias. Fortaleza: UFC, 1998, p. 96.
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36
A questo veio a ser suscitada em 22 de abril de 1966, quando o Presidente Garcia Godoy
afirmou que o Exrcito dominicano j estava em condies de substituir a FIP. Em 24 de maio,
declarou que, caso as eleies transcorressem num clima de tranqilidade, seu governo
oficializaria junto OEA o pedido de retirada da fora multinacional. Realizado o pleito em 1 de
junho, as urnas deram vitria a Joaquim Balaguer, e no dia 24 do mesmo ms a RCMRE aprovou
por unanimidade uma resoluo determinando FIP que deixasse o pas caribenho.66
Os
contingentes norte-americanos e brasileiros foram os ltimos a sair, tendo o FAIBRAS sido
extinto pelo Decreto n 59.276 de 23 de setembro de 1966. Embora muito se especule acerca de
quanto pesou a influncia americana na deciso de enviar as tropas, um testemunho de primeira
mo permite avali-la. Formalmente, o pedido veio da OEA, informalmente, foi feito pelo
coronel Vernon Walters, adido militar da Embaixada dos EUA, e Averell Harriman,
Subsecretrio de Estado dos EUA, dois dias aps a aprovao da resoluo de 6 de maio de 1965
na RCMRE.67
Relata Vernon Walters que:
Segui para Braslia e consegui uma audincia com o Presidente Castelo Branco.
Ele me ouviu atentamente e se mostrou favorvel idia, perguntando-me qual o
efetivo do contingente previsto para o Brasil. Eu no recebera de Washington
informaes acerca desses detalhes, mas o Presidente insistiu para que eu desse
minha opinio. Respondi-lhe que imaginava ser da ordem de milhares de
homens. Ele disse que enviaria mensagem ao Congresso, solicitando autorizao
para que o Brasil participasse da FIP. Depois, olhou-me bem de frente e
esclareceu: Walters, quero deixar uma coisa bem clara. Se concordei com isso,
no foi para agradar os Estados Unidos, mas to somente porque uma nao-
irm americana est ameaada de perder sua liberdade, assim como ns
estivemos, no faz muito tempo. exclusivamente por essa razo que pedirei ao
Congresso autorizao para enviar tropa brasileira Repblica Dominicana. No
fim desse mesmo dia fui ao aeroporto de Braslia receber Averell Harriman,
encarregado de percorrer os pases americanos em busca de contribuio para a
FIP. Entreguei-lhe um bilhete: No force a barra. O caminho est aberto. Com
autorizao do Congresso, o Brasil enviou um contingente de quase 1.500
homens, todos transportados em avies da FAB.68
A presena da FIP na Repblica Dominicana ensejou um debate mais amplo sobre as
relaes hemisfricas, que teve lugar na II Conferncia Interamericana Extraordinria, convocada
para discutir uma possvel reforma da Carta da OEA. Durante o evento, realizado no Rio de
66
MATTOS, Carlos de Meira. A experincia do FAIBRAS na Repblica Dominicana. Rio de Janeiro: Fundao
IBGE, 1967, pp. 58-61. 67
CARDOSO, Ney Eichler. O desentulho de Gri. Niteri: Edio do Autor, 2002, p. 111. 68
WALTERS, Vernon. Misses silenciosas. Rio de Janeiro: Bibliex, 1978, p. 362.
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Janeiro, em novembro de 1965, o Chanceler Vasco Leito da Cunha e o Subsecretrio de Estado
Averell Harriman sugeriram que, aps cumprir sua misso na Repblica Dominicana, a FIP
poderia adquirir carter permanente, ficando disponvel para ser acionada quando novas crises
eclodissem no continente. Na ocasio, o Ministro brasileiro explicou que:
A OEA deve estar aparelhada para uma cooperao mais estreita, na defesa
externa e interna, diante dos novos processos de infiltrao e subverso (...) No
se trata de nos afastarmos do princpio de no-interveno, pilar do sistema
interamericano. O que se tem em vista , se for necessrio, usar a ao coletiva
que um dos nossos muitos colegas mostrou ser perfeitamente compatvel com a
no-interveno, para restabelecer a plena vigncia deste, quando solapado por
processos de infiltrao e subverso.69
A idia foi rejeitada por vrios governos Chile, Mxico e Venezuela, por exemplo ,
que encaravam a posio brasileira como legitimadora e legalizadora do intervencionismo norte-
americano no continente, mas a diplomacia castelista fazia uma leitura distinta: uma vez que o
acionamento da FIP estaria sujeito aprovao da OEA e portanto de ao menos dois teros dos
Estados membros , ele jamais ocorreria apenas com base nos critrios da Casa Branca. A FIP, ao
disciplinar juridicamente o recurso interveno armada nas relaes interamericanas, reduziria a
margem de manobra dos EUA para empreender aes militares unilaterais, aumentando o custo