a política pública da educação do campo em feira de santana

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ROSÂNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA A POLÍTICA PÚBLICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER Feira de Santana - BA 2014

Transcript of a política pública da educação do campo em feira de santana

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    ROSNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA

    A POLTICA PBLICA DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER

    Feira de Santana - BA 2014

  • ROSNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA

    A POLTICA PBLICA DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Estadual de Feira de Santana para obteno de grau de Mestre em Educao. Orientador: Luiz Antonio Ferraro Jnior

    Feira de Santana BA 2014

  • Ficha Catalogrfica Biblioteca Central Julieta Carteado

    Lima, Rosngelis Rodrigues Fernandes Lima

    L71p A poltica pblica da educao do campo em Feira de

    Santana : entre o dizer e o fazer / Rosngelis Rodrigues

    Fernandes Lima. Feira de Santana, 2014.

    174 f. : il.

    Orientador: Luiz Antonio Ferraro Jnior.

    Mestrado (dissertao) Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Ps-Graduao em Educao, 2014.

    1. Educao do campo Polticas pblicas Feira de Santana, BA. I. Ferraro Jnior, Luiz Antonio. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Ttulo.

    CDU: 37(814.22)(1-22)

  • ROSNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA

    A POLTICA PBLICA DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER

    Dissertao apresentada como requisito para obteno de grau de Mestre em Educao da Universidade Estadual de Feira de Santana, pela seguinte banca examinadora: __________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antonio Ferraro Jnior Orientador ___________________________________________________________ Prof Dr Silvana Lcia da Silva Lima - (UFRB) Primeira Examinadora

    ___________________________________________________________ Prof Dr Antonia Almeida Silva - (UEFS) Segunda Examinadora

    Feira de Santana, 26 de maro de 2014

    Resultado: ___________________________________

  • Dedico este trabalho a todos os

    trabalhadores e trabalhadoras do campo

    que vm lutando por uma Educao do

    Campo na perspectiva da emancipao

    humana. s professoras, diretora, e s

    lderes comunitrias do distrito da Matinha

    dos Pretos, bem como coordenadora da

    SME, que sempre me receberam de

    forma to acolhedora. minha famlia que

    a cada dia me desafiava a continuar

    nessa busca pelo conhecimento. E, por

    fim, a todos aqueles e aquelas que

    acreditaram que esta dissertao tem

    relevncia, principalmente o meu

    orientador, Luiz Antonio Ferraro Jnior.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao escrever as ltimas linhas desta dissertao, aproveito para agradecer,

    pois gratido para mim um sentimento fundamental nessa trajetria. Ento, meus

    sinceros agradecimentos ao meu Deus, o meu criador e mantenedor. Obrigada por

    me concederes foras para continuar a trilhar os caminhos deste estudo.

    Ao meu esposo Fbio, pelo cuidado, carinho e pelas idas e vindas Matinha

    dos Pretos. Voc, meu querido, tem sido um grande companheiro nesta jornada e se

    tornou partcipe deste trabalho. Obrigada por tudo! Um beijo de gratido no teu

    corao!

    minha filha, Milayne Lanayra, companheira de toda a vida e que j comea

    a enveredar pelas discusses no campo educacional. Mame s pode dizer

    obrigada pelas palavras de nimo, incentivo e por voc ter feito com tanto afinco a

    traduo e a correo do resumo em ingls.

    Aos meus pais, Paulo Cesar e Maria Valda, pelo incentivo e apoio e pela

    demonstrao de alegria em ver a sua filha construir e vencer mais uma etapa na

    vida. Suas oraes foram fundamentais nesse processo. Obrigada, queridos!

    Ao meu irmo Cezar, minha cunhada Mrcia e minha sobrinha Vanessa,

    obrigada pelo carinho e incentivo.

    Ao meu orientador, o Dr Luiz Antonio Ferraro Jnior, pelos dilogos ricos e

    pelas orientaes precisas durante esta pesquisa.

    s professoras, Dr Antonia Almeida Silva e Dr Silvana Lcia da Silva Lima,

    pelas consideraes crticas to relevantes para construo desta dissertao.

    minha amiga, Janeide Bispo, pelos dilogos e incentivos e, sobretudo, por

    viver e acreditar na Educao do Campo emancipatria. Amiga, sua vivncia,

    saberes e fazeres foram/so fundamentais para mim! Obrigada por tudo!

    A Juclia Bispo, companheira de tantas discusses. Suas palavras me

    contagiaram e agora estou terminando o meu mestrado.

    A Lais, da terceira turma do Mestrado, obrigada pelo apoio, por sempre me

    ouvir nos momentos difceis deste caminhar. Minhas sinceras estimas para que voc

    to logo conclua o seu mestrado.

    Aos professores, coordenao e funcionrios do PPGE/UEFS, sou grata

    pelas vivncias e aprendncias ao longo desses dois anos.

  • Aos meus colegas da turma de Mestrado 2012, s posso dizer obrigada pelos

    momentos vividos. Em especial, gostaria de destacar: Luciane, Urnia, Vanda,

    Manoel, Itamar e Edivan. Vocs so especiais!

    s queridas professoras e gestora da Escola Municipal Rosa Maria

    Esperidio Leite, s lderes comunitrias da Matinha dos Pretos, bem como

    coordenadora da SME, obrigada pela participao ativa em minha pesquisa.

    Obrigada pelo carinho e acolhimento!

    Aos colegas do grupo de elaborao da Proposta Curricular do Ensino

    Fundamental de Feira de Santana, muito obrigada pelas discusses to relevantes

    para minha formao.

    Faculdade Adventista da Bahia, nas pessoas de Selena e Gal, muito grata

    pelo apoio incondicional dado a mim nesta jornada.

    E, por fim, um sentimento de gratido a todos e todas que fazem parte do

    distrito da Matinha dos Pretos, pela acolhida e pelos ensinamentos.

  • (...) A superao da propriedade privada

    a emancipao plena de todos os

    sentidos e qualidades humanas; porm,

    esta emancipao, precisamente, porque

    todos estes sentidos e qualidades

    tornaram-se humanos, tanto no sentido

    objetivo quanto subjetivo (MARX;

    ENGELS, 1983, p. 34).

  • RESUMO

    Este texto dissertativo, resultado da pesquisa acadmica desenvolvida no mestrado em Educao do PPGE UEFS, analisa a questo da Educao do Campo, bem como o papel da poltica pblica nacional da Educao do Campo em Feira de Santana, numa escola municipal da comunidade da Matinha dos Pretos. No transcorrer da pesquisa, buscou-se responder questes referentes aos desdobramentos e significados produzidos pela poltica pblica nacional da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana. Buscou-se desvendar o significado do que se entende por educao enquanto processo de humanizao, de formao humana, para entender a Educao do Campo. Contudo, para compreend-la, no perodo histrico de 2002 a 2013, tornou-se necessrio investigar sua essncia a partir das lutas dos movimentos sociais pela terra e pela Reforma Agrria. Nas discusses entre os documentos e os contedos sobre Educao do Campo, buscou-se apresentar e entender as seguintes categorias: Estado, Polticas Pblicas, Movimentos Sociais, Trabalho, Educao, Formao Humana e Educao do Campo. Configura-se como uma pesquisa social com foco na abordagem qualitativa, utilizando os instrumentos de coleta de dados como a observao e a entrevista. Constitui-se como um trabalho de relevncia social, poltica e cientfica, pois trata da Educao do Campo, bem como da implementao da poltica pblica da Educao do Campo em Feira de Santana, mais especificamente no distrito da Matinha dos Pretos. Os escritos dialogam com autores que discutem a Educao do Campo e suas contradies e conflitos luz do materialismo histrico dialtico. Este texto apresenta em sua estrutura momentos distintos: a introduo, os captulos com seus subtpicos e as consideraes finais. A anlise dos dados indicou, atravs das vozes dos sujeitos participantes da pesquisa, que a Educao do Campo em Feira de Santana no atende as especificidades dos sujeitos do campo, bem como revelou que no existem explicitamente aes compreendidas pela poltica pblica nacional da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana-BA. Palavras-chave: Educao do Campo. Poltica Pblica da Educao do Campo. Trabalho. Emancipao.

  • ABSTRACT

    This current text, the result of an academic research developed in PPGE UEFS

    Masters in Education, analyzes the issue about Rural Education, as well as, how the

    national public policy for Rural Education has been developed in Feira de Santana, in

    a municipal school, located in the community of Matinha dos Pretos. During the

    study, the research sought to answer questions related to the developments and

    meanings of the national public policy for Rural Education of Feira de Santana.

    It also sought to reveal the meaning of what is meant by education as a process of

    humanization, and human development, to understand Rural Education. However, to

    comprehend the Rural Education in the historical period from 2002 to 2013, it

    became necessary to investigate its essence from the struggles of social movements

    and agrarian reform. In the discussions between the documents and the contents

    about Rural Education, it attempted to present and understand the following

    categories: State, Public Policy, Education, Social Movements, Labor, Education,

    Human Development and Rural Education. This text is configured as a social

    research focusing on the qualitative approach using the tools of data collecting such

    as observation and interviews. It can be placed as a social, political and scientific

    relevant work, because it discuss Rural Education as well as the public policy for

    Rural Education implementation, more specifically, in the district of Matinha dos

    Pretos. This text dialogues with authors who discuss Rural Education

    and its contradictions and conflicts based on Historical Dialectical Materialism. The

    data analysis indicated through the voices of the participating subjects of the

    research, showed that Feira de Santanas Rural Education doesn't obey the

    specificities of the people who live in the countryside, as well as, revealed that the

    actions made for the national public policy of Feira de Santana's Rural Education

    don't really happen in an explicit way.

    Key words: Rural Education; Rural Education's; Public Policy; Labor; Emancipation.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Mapa da localizao do municpio de Feira de Santana na Bahia 31

    Figura 2 Localizao dos distritos de Feira de Santana 32

    Figura 3 Etapas de desenvolvimento da pesquisa 39

    Figura 4 Fachada da Fbrica de fcula e farinha de mandioca 126

    Figura 5 Fachada da Minifbrica de doces e sequilhos 126

    Figura 6 Fachada da Unidade de Beneficiamento de Fruta 127

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Total das Escolas da Rede Municipal de Ensino Ano 2013 32

    Tabela 2 Estrutura Fundiria de Feira de Santana (2006) 111

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Contradies entre agronegcio e campesinato 89

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Lutas dos coletivos feirenses 113

  • LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

    ACOMA Associao Comunitria da Matinha

    CDA Coordenao de Desenvolvimento Agrrio

    CFRs Casas Familiares Rurais

    CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    CNBB Confederao Nacional dos Bispos do Brasil

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CPT Comisso Pastoral da Terra

    DIE Diviso de Informaes Educacionais

    DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos

    EBDA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrcola

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    EFAs Escolas-Famlia Agrcolas

    EMRMEL Escola Municipal Rosa Maria Esperidio Leite

    I ENERA I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria

    FETRAF-SUL Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar na Regio Sul

    FONEC Frum Nacional de Educao do Campo

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao - 9394/96

    LDO Lei de Diretrizes Oramentria

    MAB Movimentos dos Atingidos por Barragens

    MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    MASTER Movimento dos Agricultores Sem-Terra

    MEC Ministrio da Educao

    MMC Movimento das Mulheres Camponesas

    MOC Movimento de Organizao Comunitria

    MPA Movimento dos Pequenos Agricultores

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

    NEAD Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural

    ONGS Organizaes no governamentais

    PCA Paradigma do Capitalismo Agrrio

  • PEA Projeto Escola Ativa

    PME Plano Municipal de Educao

    PNE Plano Nacional de Educao

    PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    PQA Paradigma da Questo Agrria

    PROCAMPO Programa de Apoio formao Superior em Licenciatura em

    Educao do Campo

    PRONACAMPO Programa Nacional de Educao do Campo

    PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    RESAB Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro

    SME Secretaria Municipal de Educao

    STRFS Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana

    UFSCAR Universidade Federal de So Carlos

    UnB Universidade de Braslia

    ULTABs Ligas Camponesas, as Unies de Lavradores e Trabalhadores Agrcolas

    do Brasil

    UNESCO Organizao das Naes Unidas pra Educao, Cincia e Cultura

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

  • SUMRIO

    1 INTRODUO

    19

    1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA

    27

    1.2 OBJETIVOS DO TRABALHO

    27

    1.3 O MTODO E OS CAMINHOS METODOLGICOS 28

    2 EDUCAO E EMANCIPAO NO HORIZONTE PARA A FORMAO HUMANA

    42

    2.1 EDUCAO E FORMAO OMNILATERAL

    42

    2.2 A FINALIDADE DA EDUCAO NA FORMAO HUMANA

    48

    2.3 O TRABALHO COMO PRINCPIO EDUCATIVO

    56

    2.4 CONTEXTOS DE INFLUNCIA: OS FUNDAMENTOS HISTRICOS, POLTICOS E FILOSFICOS DA EDUCAO DO CAMPO

    64

    3 EDUCAO DO CAMPO: ESPAO DE DISPUTA DE PROJETOS SOCIETRIOS

    78

    3.1 PROJETOS SOCIETRIOS: SOCIALISMO X CAPITALISMO

    78

    3.2 A EDUCAO DO CAMPO NO PROJETO DO AGRONEGCIO: QUE EDUCAO ESTA?

    84

    3.3 A EDUCAO DO CAMPO NA VISO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA PELA TERRA

    93

    4 A POLTICA PBLICA NACIONAL DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA E AS CONTRADIES NO PROCESSO DE FORMAO HUMANA

    101

    4.1 A POLTICA PBLICA NACIONAL DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA NO CONTEXTO DE LUTA PELA TERRA

    101

    4.2 O DISTRITO DA MATINHA DOS PRETOS: ESPAO DE RESISTNCIA NA LUTA PELA TERRA

    121

    4.3 A DIMENSO PEDAGGICA NO TRATO COM A EDUCAO DO CAMPO NO COTIDIANO ESCOLAR

    136

  • 5 CONSIDERAES FINAIS

    151

    REFERNCIAS

    156

    APNDICES

    169

    ANEXOS

    173

  • 19

    1 INTRODUO

    Esta dissertao tem como objeto de estudo a poltica pblica nacional da

    Educao do Campo do municpio de Feira de Santana. Para realizao da

    pesquisa, tomou-se como referncia a possvel efetivao dessa poltica e suas

    contribuies para uma formao que garanta a emancipao dos sujeitos do

    campo. Foi desenvolvida em uma escola situada na zona rural do mencionado

    municpio. Este trabalho busca a compreenso das relaes entre a Educao do

    Campo, a questo da terra e a emancipao social.

    Assim, situa-se na problemtica da questo agrria no contexto de Modo de

    Produo Capitalista e seus rebatimentos em relao Educao do Campo, nos

    espaos escolares e no escolares dos grupos sociais. Para subsidiar o estudo,

    tomou-se como referncia a Legislao Brasileira, as Diretrizes Operacionais para o

    Campo, as documentaes da Secretaria Municipal de Educao e os saberes e

    fazeres da comunidade do Distrito da Matinha, no perodo de 2002 a 2013.

    Marx e Engels (1999) dizem que, para que haja a compreenso da histria,

    deve-se partir do real, do concreto, do empiricamente comprovvel, e isto acontece

    por meio de indivduos reais, com suas aes e condies materiais de vida. Assim,

    o lcus desta dissertao est representado por espaos aqui entendidos como

    histricos e no como sustentculo ou receptculo, mas como produto social

    planejado e resultante das funes ontolgicas que fazem do homem ser humano,

    uma vez que:

    Sociedade e espao so como as duas faces do espelho. Vendo-se uma, est se vendo a outra; no como uma relao reflexa, mas como uma que vem da outra, como produtos recprocos. A sociedade se produz, produzindo seu espao; e o espao se produz, produzindo a sociedade (...) (MOREIRA, 2009, p. 113).

    Os estudos sobre as polticas pblicas para a educao do/no campo no

    Brasil revelam a presena de diferentes tendncias, enfoques e temticas que

    mudaram ao longo do processo histrico da Educao do Campo. Ento, para fins

    desta dissertao, considera-se que:

  • 20

    Educao, cultura, produo, trabalho, infra-estrutura, organizao poltica, mercado etc. [...] So concomitantemente interativas e completivas. Elas no existem em separado. A educao no existe fora do territrio, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimenses. A anlise separada das relaes sociais e dos territrios uma forma de construir dicotomias. tambm uma forma de dominao [...]. As relaes sociais e os territrios devem ser analisados em suas competividades (FERNANDES, 2006, p. 29).

    Fernandes (2006) refora a ideia da interao, da totalidade e da

    complementaridade entre as diversas dimenses relacionadas educao e a

    necessidade de analisar as relaes sociais e os territrios de modo abrangente.

    Os avanos de explorao capitalista e a modernizao da agricultura no

    Brasil tm se caracterizado pela concentrao de propriedade da terra. Para Pires

    (2012, p. 22), que se baseou nos dados do DIEESE/MDA/NEAD, 2011 a estrutura

    fundiria extremamente concentrada tambm identificada pelo ndice Gini1, que ao

    longo dos anos tem se apresentado na mesma sequncia: em 1967 apresentava

    0,836 e em 2006 0,854.

    Para Pires (2012), as polticas de modernizao promovidas pelo Estado vm

    promovendo a capitalizao dos processos do trabalho rural, bem como uma

    mercantilizao crescente na produo de pequena escala. Para essa autora, este

    quadro praticamente permanece inalterado ao longo dos anos, pois desde as

    Capitanias Hereditrias at a atualidade com os latifndios modernos, a estrutura

    fundiria vem sendo mantida pelos mais altos ndices de concentrao, gerando

    desigualdades sociais, econmicas e histricas no campo brasileiro. Paga-se um

    preo muito alto com isso: destruio da agricultura familiar, diminuio vertiginosa

    do emprego para o trabalhador rural, condies de vida miserveis para a populao

    que vive no campo, degradao do meio ambiente e elevados ndices de

    analfabetismo. Pires (2012, p. 23) afirma que:

    23,2% da populao rural brasileira com 15 anos e mais analfabeta e 80% dos (as) trabalhadores (as) rurais no chegaram a concluir o ensino fundamental. Na faixa etria dos 9 aos 16 anos, a adequao idadesanos

    1 O ndice de Gini, criado pelo matemtico italiano Conrado Gini, um instrumento para medir o grau de concentrao de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferena entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situao de igualdade, ou seja, todos tm a mesma renda. O valor um (ou cem) est no extremo oposto, isto , uma s pessoa detm toda a riqueza. Na prtica, o ndice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23Acesso em 19/05/2013

    http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23

  • 21

    existe para 75% dos jovens do Brasil urbano e, apenas 56% dos jovens do Brasil rural. Os anos de escolaridade do Brasil rural (4,5 anos) a metade do Brasil urbano (7,8 anos).

    Essas desigualdades sociais, educativas e escolares trazem a percepo de

    que h uma dvida histrica/social quanto ao aporte/suporte de polticas pblicas

    para os povos do campo. Pode-se afirmar que o agronegcio tipo de latifndio

    que concentra a dominao na terra e tambm a tecnologia de produo o

    modelo contemporneo de desenvolvimento agropecurio capitalista, ele promove a

    excluso pela intensidade da produtividade, intensificando assim a explorao da

    terra e dos homens e mulheres do campo.

    A agricultura camponesa vive em conflito permanente com a agricultura

    capitalista, pois os agricultores so expropriados de sua terra, de sua produo e

    esto subordinados a uma renda capitalizada da terra, o que gera empobrecimento

    e misria das populaes do campo. Mas, contraditoriamente, se o agronegcio

    avana, a agricultura camponesa tambm o faz. Assim, os conflitos pelo poder da/na

    terra esto presentes atravs das lutas dos camponeses organizados em

    movimentos sociais do campo. Movimento social pode ser compreendido como:

    Movimento mudana de lugar. De um ponto de vista lgico, de uma ordem, qualquer que seja ela, o modo como os seres que a constituem esto dispostos uns em relao aos outros. Se algum se movimenta porque est querendo mudar a ordem; nesse sentido, o movimento social portador de mudana. E s se movimenta quem espera e, portanto, tem esperana: o espao contrrio do desespero (GONALVES, 2005, p.405).

    A questo agrria no deve ser desvinculada da questo social, uma vez que

    ponto de tenso entre duas estruturas sociais conflituosas: o campesinato2 e a

    agricultura capitalista (agronegcio/ latifndio). Para Fernandes (2008, p. 174),

    Conflitualidade um processo constante alimentado pelas contradies e desigualdades do capitalismo. O movimento da conflitualidade paradoxal ao promover concomitantemente, a territorializao desterritorializao reterritorializao de diferentes relaes sociais.

    Estes sistemas seguem lgicas diferentes, os interesses dos grupos sociais

    divergem, pois buscam projetos histricos e sociais diferentes. Nesse sentido, este

    antagonismo pode ser expresso por meio do Paradigma da Questo Agrria PQA

    e do Paradigma do Capitalismo Agrrio PCA. Fernandes (2005) aponta que a

    2 Entendido aqui como todos os grupos sociais que produzem suas atividades de existncia/subsistncia no campo.

  • 22

    diferena entre ambos a busca pela superao do capitalismo. Vale dizer que no

    PQA a questo agrria est intrinsecamente ligada ao desenvolvimento desigual e

    contraditrio do capitalismo. Para Fernandes O paradigma da questo agrria tem

    como eixo de discusso o processo de diferenciao, destruio e recriao do

    campesinato como consequncias do desenvolvimento desigual do capitalismo no

    campo (2005, p. 340). Assim, o caminho para uma educao do campo defendida

    pelos indivduos do campo a superao do capitalismo atravs de polticas que

    visem combater o capital e suas mazelas. No entanto, no PCA no existe uma

    questo agrria, uma vez que o capitalismo resolve seus problemas com o capital.

    Fernandes (2008, p. 45) ainda sinaliza que:

    Para o paradigma da questo agrria, a soluo est no enfrentamento com o capital e, por essa razo, o mercado amplamente renegado pelos estudiosos desse paradigma, que o compreendem, em sua maior parte, apenas como mercado capitalista. Para o paradigma do capitalismo agrrio, a soluo est na integrao com o capital e, por essa razo, o mercado capitalista venerado pelos estudiosos desse paradigma. Essas duas vises esto presentes nas teorias e nas polticas pblicas e se expressam na construo de diferentes realidades.

    Para efeito de uma melhor compreenso, esta dissertao baseia-se nos

    fundamentos do PQA, ao buscar entender/compreender que:

    A questo agrria nasceu da contradio estrutural do capitalismo que produz simultaneamente a concentrao da riqueza e a expanso da pobreza e da misria. Essa desigualdade resultado de um conjunto de fatores polticos e econmicos. Ela produzida pela diferenciao econmica dos agricultores, predominantemente do campesinato, por meio da sujeio da renda da terra ao capital (MARTINS, 1981, p. 175).

    Ao mesmo tempo, preciso considerar que o PCA, ao negar as questes

    presentes no cotidiano das pessoas do campo e no seu espao geogrfico, como a

    questo agrria, nega tambm a misria desenvolvida e sustentada pelo capitalista

    que concentra a terra e, consequentemente, tira o campons de seu territrio.

    A Educao do Campo surgiu das experincias de lutas pela questo agrria,

    pelo enfrentamento ao sistema vigente, pelo direito educao e por um projeto

    poltico pedaggico histrico de superao, voltado aos interesses dos trabalhadores

    e trabalhadoras do campo. Mas quem so estes trabalhadores? De acordo com o

    Decreto n. 7.352/2010, que dispe sobre a Poltica de Educao do Campo e o

  • 23

    Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA regulamenta em

    seu artigo 1, inciso I, que as populaes do campo so:

    Os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrria, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condies materiais de existncia a partir do trabalho no meio rural (BRASIL, 2010).

    A Educao do Campo, bem como a escola do campo, so fundamentadas

    em princpios terico-metodolgicos, nos quais o campons/camponesa possa

    entender/compreender o contexto social em que est inserido/inserida. No dizer de

    Caldart (2004, p. 17), preciso entender a educao do campo como processo de

    construo de um projeto de educao dos trabalhadores e das trabalhadoras do

    campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetria de luta de

    suas organizaes.

    A professora Celi Taffarel afirma que:

    Educao do Campo a luta organizada dos movimentos sociais que reivindicam e conquistam, passo-a-passo, escolarizao de qualidade socialmente referenciada, para as crianas, jovens e adultos do campo, como um direito fundamental de todos, para que se desenvolva em cada ser humano singular o que foi fruto do desenvolvimento da humanidade. Direito garantido no marco da sociedade burguesa capitalista, pelo dever do Estado, visto estar assegurado, como resultado da luta de classes, no marco da Constituio Federativa do Brasil. Tem suas bases assentadas na necessidade do desenvolvimento de uma consistente base terica materialista-histrica-dialtica, na conscincia da classe em si e para si, na formao poltica e, na organizao revolucionria dos trabalhadores (TAFFAREL, 2013, s/p, grifo do autor).

    Para Taffarel (2013), a Educao do Campo tem a sua gnese na luta

    histrica dos povos do campo que se opem ao sistema burgus capitalista. Nesses

    povos esto implcitos a propriedade privada dos meios de produo, o trabalho

    alienado, o Estado capitalista, o imperialismo e os valores da burguesia partilhados

    pela prpria classe trabalhadora, como dizem Marx e Engels em a Ideologia Alem.

    A Educao do Campo tem se localizado, ao longo de sua trajetria, dentro de um

    sistema de reivindicaes transitrias que lutam historicamente contra a imposio

    do trabalho ao capital, bem como lutam contra o atendimento do Estado aos

    interesses dos capitalistas. Para a Educao do Campo e para os trabalhadores do

    campo, a luta pela Reforma Agrria:

  • 24

    uma questo ttica para a classe trabalhadora no processo de trazer todos os seus segmentos para a difcil, mas necessria revoluo proletria e camponesa, para superar estrategicamente o projeto histrico capitalista rumo ao comunismo. Para tanto, necessrio um dado projeto de educao e so necessrios, tambm, excelentes professores, militantes culturais revolucionrios (TAFFAREL, 2013, s/p).

    A Educao do Campo teve como marco inicial o I Encontro Nacional de

    Educadoras e Educadores da Reforma Agrria - I ENERA3, em 1997. No ano

    seguinte, aconteceu em Luzinia-GO a I Conferncia Nacional Por Uma Educao

    Bsica do Campo, reafirmada nas lutas e em construo de sua(s) identidade(s),

    bem como na busca de ampliar diferentes aes que visassem contemplar maior

    nmero de movimentos e organizaes.

    Nas discusses do campo no h uniformidade, uma vez que existem

    diversos movimentos com suas concepes e formas de lutas, fundamentados no

    ideal poltico. Como exemplo pode-se citar que as formas de ocupao da terra pelo

    Movimento dos Trabalhadores sem Terra MST como luta poltica so contestadas

    por alguns movimentos sociais e pelo Estado. Destaca-se ainda o tensionamento do

    Estado para com alguns movimentos sociais ao no reconhecer os mesmos como

    sujeitos polticos. Nesse sentido, os movimentos vm criando saberes que os

    empoderam e o Estado assume a postura de regulador dessa emancipao.

    Os grupos excludos do sistema hegemnico tm se organizado

    historicamente em movimentos sociais como estratgia de enfrentamento na luta por

    direitos negados, eles lutam por condies materiais e simblicas (territrio, cultura e

    em todas as dimenses que constituem seu modo de vida) necessrias para a

    existncia da vida humana. Tais movimentos tm-se constitudo como espaos de

    denncias de condies desumanas a que muitos dos povos que vivem no campo

    esto submetidos historicamente em relao terra, ao trabalho, educao,

    sade, participao social e poltica, e at mesmo na proposio das polticas

    pblicas (PIRES, 2012).

    3 Nesta trajetria verifica-se: Diretrizes Operacionais da Educao Bsica para as Escolas do Campo

    (2002); II congresso de Educao do Campo; Seminrios de Pesquisa; O Procampo (2008); Diretrizes complementares, normas e princpios para o desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da Educao Bsica do Campo (2008); Criao do Frum e Articulao da Frente Parlamentar pela Educao do Campo (2010); Reunies de Fruns; Criao do Decreto 7.352 - sobre a Poltica de Educao do Campo e o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA (2010); e, Pronacampo (2012).

  • 25

    Os membros do Frum Nacional de Educao do Campo FONEC4 (2012, p.

    4), no que diz respeito aos movimentos sociais, sinalizam que:

    O eixo principal do contexto de surgimento desta nova prtica social foi a necessidade de lutas unitrias feitas pelos prprios trabalhadores e suas organizaes por uma poltica pblica de Educao do Campo que garantisse o direito das populaes do campo educao e que as experincias poltico-pedaggicas acumuladas por estes sujeitos fossem reconhecidas e legitimadas pelo sistema pblico nas suas esferas correspondentes. Mas exatamente pelos sujeitos envolvidos e a materialidade social que a institui, a marca de origem da Educao do Campo e de seu projeto educativo foi sendo constituda pela tomada de posio nos confrontos entre concepes de agricultura, de projetos de campo, de educao e de lgica de formulao das polticas pblicas. Costumamos dizer que a prpria existncia destes confrontos que essencialmente define o que a Educao do Campo e torna mais ntida sua configurao como fenmeno da realidade brasileira atual.

    Os movimentos sociais, atravs de seus sujeitos e suas mobilizaes em

    torno das lutas pela produo tanto material quanto simblica para existncia, tm

    se constitudo como pedaggicos, uma vez que so espaos/lugares onde se

    constroem situaes de humanizao. Segundo Grzyibowski (1991, p. 59),

    Enquanto espaos de socializao poltica, os movimentos permitem aos trabalhadores em primeiro lugar, o aprendizado prtico de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar, em segundo lugar, a elaborao da identidade social, a conscincia de seus interesses, direitos e reivindicaes; finalmente, a apreenso crtica de seu mundo, de suas prticas e representaes, sociais e culturais.

    Entrementes, ao longo dos anos se manteve a hegemonia do capital e o

    Estado facilitou este crescimento, apenas para citar uma ao, ao financiar

    empresas privadas com recursos pblicos. A hegemonia est presente nas esferas

    polticas e da sociedade civil organizada. Para os membros do FONEC (2012, p. 4 e

    5):

    Nesta ltima dcada e meia, avanou no campo brasileiro a hegemonia do capital, na forma conhecida como agronegcio, impulsionado por uma entrada ainda maior do grande capital financeiro internacional na agricultura. Esta hegemonia no se fez sem a forte participao do Estado, por meio da facilitao de financiamento com volume considervel de recursos pblicos. A hegemonia est na base econmica, mas se estende para ampla representao poltica no Congresso Nacional, estendendo seus

    4Os membros do FONEC 2012: Antonio Munarim, Eliene Novaes Rocha, Mnica Castagna Molina e

    Roseli Salete Caldart e o MST. Ver Frum Nacional de Educao do Campo FONEC - Notas para anlise do momento atual da Educao do Campo - Seminrio Nacional BSB, 15 a 17 de agosto 2012.

  • 26

    tentculos tambm para o Poder Judicirio e o conjunto da sociedade civil, com destaque para o papel hoje desempenhado pela grande mdia.

    A despeito disso, muitos trabalhadores e trabalhadoras no deixaram de lutar,

    resistir e buscar, atravs dos movimentos sociais organizados, condies para

    disputar a hegemonia. Na atual conjuntura, os trabalhadores do campo no

    deixaram de se inserir no PCA, pois, na viso de Fernandes (2008, p. 46),

    [...] no a participao do campons no mercado capitalista que o torna capitalista. Como tambm no o uso de novas tecnologias ou a venda para a indstria que o torna capitalista. a mudana de uma relao social organizada no trabalho familiar para uma relao social organizada na contratao do trabalho assalariado em condio que supere a fora de trabalho da famlia em determinadas condies espaciais e temporais.

    Assim, destaca-se o avano do agronegcio com largo e explcito apoio do

    Estado, pois O Estado tem papel ativo na sustentao dessa estratgia,

    subordinando-se cada vez mais s demandas das grandes empresas e do capital

    financeiro que comandam o processo de expanso do agronegcio. (FONEC, 2012,

    p. 6). O Estado brasileiro sempre esteve subordinado ao capital internacional, o

    prprio processo de formao do territrio se deu a partir desta relao. Nesse

    sentido, o Estado tem utilizado a mxima de que se est tirando a agricultura da

    esfera de produo de subsistncia e inserindo-a no modelo capitalista neoliberal.

    Vale dizer que neste cenrio atual, o agronegcio impede que terras sejam obtidas

    para a Reforma Agrria.

    por isso que os governos brasileiros se alinham hoje explicitamente ao modelo do agronegcio, e com muito mais vigor e convico do que fizeram os governos do final da dcada de 1990, poca em que comeamos a articulao por uma Educao do Campo, e em que exatamente essa estratgia se desenhava e comeava a ser implementada, retirando a agricultura do limbo em que se encontrava e inserindo-a no modelo capitalista neoliberal. No cenrio atual, este avano do agronegcio que protege as terras improdutivas para futura expanso dos negcios agrcolas, travando a obteno de terras para a Reforma Agrria (FONEC, 2012, p. 7).

    A perspectiva da luta dos camponeses por uma Educao do Campo, quando

    considerada dentro do PQA, deve se materializar de modo intrinsecamente

    associado luta pela terra, resistncia na terra, pelos territrios e atravs da

    conscincia de si e de classe. Essa luta deve acontecer no campo das polticas

    pblicas e dos movimentos sociais, que possibilitem aos povos do campo entender

  • 27

    as contradies sociais, histricas e culturais a que esto submetidos. Assim, a

    concepo de Educao do Campo pensada, e que tem sido construda pelos

    camponeses, busca romper com a ambiguidade do projeto de educao capitalista e

    universalizar a educao do campo para que esta seja mecanismo de formao

    humana emancipatria.

    1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA

    O problema central desta pesquisa parte da seguinte considerao: os

    processos educativos das escolas do campo do municpio de Feira de Santana

    devem tratar o conhecimento a partir de uma perspectiva terico-metodolgica que

    questione a racionalidade tcnica e possibilite aos indivduos compreender a

    questo agrria como uma realidade socialmente construda, possibilitando-lhes

    compreender os seus papis sociais, para que, consequentemente, se organizem

    politicamente na construo de territorialidades contra-hegemnicas; que

    considerem que os caminhos para o enfrentamento das questes agrrias sejam

    trilhados mediante a apropriao do conhecimento e na luta por um projeto histrico,

    cujo objetivo seja a emancipao para o campo brasileiro. Assim, a questo

    suscitada foi: Quais os desdobramentos e significados produzidos pela poltica

    pblica nacional da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana-BA?

    1.2 OBJETIVOS DO TRABALHO

    Tendo em vista a questo norteadora desta pesquisa, delimitou-se o seguinte

    objetivo geral: identificar possveis desdobramentos e analisar os significados

    produzidos pela poltica pblica nacional da Educao do Campo no municpio de

    Feira de Santana. Como desdobramento do objetivo geral, constituram-se os

    seguintes objetivos especficos: a) analisar historicamente os conceitos de

    Educao, Formao humana, Trabalho, Polticas Pblicas, Emancipao e

    Educao do Campo; b) compreender os processos de construo da Educao do

    Campo na perspectiva do materialismo histrico dialtico; c) analisar a concepo da

    Educao do Campo presente nos documentos oficiais e no Projeto Poltico

  • 28

    Pedaggico da escola investigada; d) identificar, na relao entre as vozes dos

    sujeitos da pesquisa (professoras, diretora escolar, coordenadora da SME e lderes

    comunitrias) e os documentos oficiais, como se efetiva a poltica pblica nacional

    da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana.

    1.3 O MTODO E OS CAMINHOS METODOLGICOS

    A escolha de um pressuposto terico-metodolgico de extrema relevncia

    nos caminhos percorridos para realizao e anlise deste objeto de estudo: A

    Poltica Pblica da Educao do Campo do municpio de Feira de Santana, pois,

    conforme Frigotto,

    (...) quando nos propomos ao debate terico, entendemos deva ser que as nossas escolhas tericas no se justificam nelas mesmas. Por trs das disputas tericas que se travam no espao acadmico, situa-se um embate mais fundamental, de carter tico-poltico, que diz respeito ao papel da teoria na compreenso e transformao do modo social mediante o qual os seres humanos produzem sua existncia, neste fim de sculo, ainda sob a gide de uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extrao combinada de mais-valia absoluta, relativa e extra. As escolhas tericas, neste sentido, no so nem neutras e nem arbitrrias - tenhamos ou no conscincia disto. Em nenhum plano, mormente o tico, se justifica teorizar por teorizar ou pesquisar por diletantismo (FRIGOTTO, 1998, p. 26).

    Um trabalho cientfico exige do pesquisador alguns posicionamentos, e dentre

    eles, destaca-se o mtodo. O mtodo base da interpretao do objeto e da teoria

    estudados, pois diz respeito concepo de mundo do pesquisador, sua viso da

    realidade, da cincia, do movimento, etc. a sistematizao das formas de ver o

    real. (MORAES; COSTA, 1999, p. 27). A metodologia refere-se aos procedimentos

    e encaminhamentos no fazer da pesquisa.

    Para compreender como a poltica pblica nacional poderia facilitar as

    condies para um carter emancipatrio da Educao do Campo, utilizou-se um

    mtodo de anlise que permitiu abordar os conflitos e as contradies relativas

    realidade complexa expressa nos saberes e fazeres dos sujeitos do campo.

    Do ponto de vista metodolgico, esta pesquisa utilizou como mtodo

    epistmico uma reflexo crtica a partir do materialismo histrico dialtico. Nesse

    sentido, o materialismo histrico dialtico um instrumento de anlise. Seu sistema

    de categorias visa compreender e transformar a realidade. (FREITAS, 1995, p.15).

  • 29

    Para este mtodo todo conhecimento, seja ele da agricultura, da filosofia, das letras,

    das artes ou das cincias, nasce da atividade prtica humana no sentido de produzir

    sua existncia, ele , portanto, produto histrico do trabalho humano.

    As categorias do materialismo histrico dialtico so constitudas a partir da

    matria, da conscincia e da prtica social. Nesta pesquisa, a prtica social foi

    determinante, haja vista que os sujeitos da pesquisa foram educadores e pessoas

    da comunidade.

    A prtica de pesquisa est ligada a intenes e valores. Assim, os

    questionamentos sistematizados buscaram valorizar a argumentao e a relao

    entre teoria e prtica social. Nesse sentido, uma pesquisa histrico-dialtica busca

    romper o carter apenas emprico e compreende a realidade concreta a partir dos

    elementos que constituem o processo.

    Ento, a investigao iniciou-se por uma pesquisa bibliogrfica, que ocorreu

    paralelamente ao cumprimento dos crditos no Programa de Mestrado em

    Educao. Assim, a questo norteadora foi: Qual o projeto histrico e societrio

    representado na poltica pblica nacional da Educao do Campo em Feira de

    Santana? Para tanto, optou-se pela literatura especializada escrita por autores que

    discutem educao e emancipao para a formao humana, Estado, Movimentos

    Sociais, Educao do Campo como espao de lutas, bem como a poltica pblica

    nacional da Educao do campo. Esta fase foi permeada por pesquisa documental,

    atravs da anlise de documentos existentes na escola e na Secretaria de Educao

    do Municpio de Feira de Santana.

    Feira de Santana possui 556.642 habitantes, segundo dados do censo de

    20105, com uma estimativa de 568.099 em 2012. Foi escolhida como cidade lcus

    desta pesquisa, porque, desde 2003, j existia na Secretaria Municipal de Educao

    SME um ncleo de Educao do Campo. Outros fatores tambm foram

    considerados importantes, como: trata-se de um municpio tipicamente urbano, pois

    sede da maior regio metropolitana do interior nordestino, concentrando cerca de

    914.650 habitantes; o principal centro urbano, poltico, educacional, tecnolgico,

    econmico, imobilirio, industrial, financeiro, administrativo, cultural e comercial do

    interior da Bahia; tem o comrcio como a sua principal atividade econmica. No

    entanto, do ponto de vista da organizao pedaggica da Secretaria Municipal de

    5 Disponvel em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 23 de maro de2013.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_metropolitanahttp://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1

  • 30

    Educao foi uma das primeiras a instituir um ncleo pedaggico voltado para a

    Educao do Campo. Tambm notvel considerar que pela sua posio

    geogrfica, situada no maior entroncamento rodovirio do norte-nordeste, atraiu

    historicamente um grande contingente de pessoas, sendo elas, em sua maioria,

    oriundas do campo.

    O municpio possui a Universidade Estadual de Feira de Santana, diversas

    faculdades particulares presenciais e a distncia, e est em processo de

    implantao da Universidade Federal do Recncavo da Bahia, alm da Educao

    Bsica, quer seja no mbito estadual, municipal ou da rede privada de ensino. Na

    Educao bsica, os dados do IBGE (2010)6, apontam que as matrculas por nvel

    foram: Pr-escolar: 14.050 alunos; Ensino Fundamental: 83. 202 alunos; e Ensino

    Mdio: 21.105 alunos.

    O municpio de Feira de Santana est situado no centro-norte da Bahia,

    conforme figura 1.

    6Disponvel em

    http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/educacao.php?lang=&codmun=291080&search=bahia|feira-de-santana|infograficos:-escolas-docentes-e-matriculas-por-nivel. Acesso em 20 de janeiro de 2014.

    http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/educacao.php?lang=&codmun=291080&search=bahia|feira-de-santana|infograficos:-escolas-docentes-e-matriculas-por-nivelhttp://www.cidades.ibge.gov.br/painel/educacao.php?lang=&codmun=291080&search=bahia|feira-de-santana|infograficos:-escolas-docentes-e-matriculas-por-nivel

  • 31

    Figura 1: Mapa da localizao do municpio de Feira de Santana na Bahia

    Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/11/Bahia_RM_FeiradeSantana_AreadeExpan

    sao.svg

    Feira de Santana possui oito distritos: Bonfim de Feira, Governador Joo

    Durval Carneiro, Humildes, Jaguara, Jaba, Maria Quitria, Matinha e Tiquaruu,

    conforme figura 2, destacando o distrito da Matinha.

  • 32

    Figura 2: Localizao dos Distritos de Feira de Santana

    Fonte: Elaborado por Arislena B. Godinho, 2014.

    No que diz respeito Rede Pblica Municipal de Ensino, segundo dados

    fornecidos pela SME, no ano letivo de 2013 existiam 207 escolas distribudas entre a

    sede, com suas cinco regies assim delimitadas e, os distritos:

    Tabela 1 - Total de Escolas da Rede Municipal de Ensino - Ano 2013

    Sede Quantidade de escolas Distrito - Quantidade de escolas

    Regio 01 17 Bonfim 07

    Regio 02 16 Humildes 16

    Regio 03 18 Governador Joo Durval Carneiro 09

    Regio 04 42 Jaquara 12

    Regio 05 21 Jaiba 11

    Maria Quitria 19

    Matinha 08

    Tiguaruu 11

    Total 114 Total 93 Fonte - Diviso de Informaes Educacionais (DIE) da SME.

  • 33

    Aps estas consideraes sobre a cidade lcus, preciso sinalizar que esta

    pesquisa, que se caracteriza pela anlise crtica acerca da Educao do Campo e

    da poltica pblica que a rege, fundamentalmente uma pesquisa social, com foco

    na abordagem qualitativa.

    A opo pela pesquisa qualitativa se deu porque esta abordagem busca

    entender um fenmeno especfico com profundidade, o que permite um trabalho com

    descries, comparaes e interpretaes. Alm disso, a pesquisa qualitativa um

    importante instrumento para a realizao de uma pesquisa consistente e

    significativa, uma vez que esta opera no patamar da realidade. Para Denzin &

    Lincoln (2008), ela possibilita verificar os pontos de vista individuais e, tambm,

    permite uma descrio mais rica do mundo social, bem como do campo

    estudado/pesquisado. Estes autores ainda sinalizam que:

    A pesquisa qualitativa uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de prticas materiais e interpretativas que do visibilidade ao mundo. Essas prticas transformam o mundo em uma srie de representaes, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravaes e os lembretes. Neste nvel, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenrios naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenmenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (DENZIN & LINCOLN, 2006, p. 17).

    Para Minayo (2007, p. 21), a pesquisa qualitativa responde a questes muito

    particulares, pois

    [...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspiraes, das crenas, dos valores e das atitudes. Este conjunto de fenmenos humanos entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue no s por agir, mas por pensar sobre o que fez e interpretar suas aes dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com os seus semelhantes.

    Esta abordagem busca identificar as ideias e pensamentos dos indivduos

    participantes da pesquisa, considerando seus valores, crenas e atitudes dentro da

    realidade social vivida por eles. Minayo (2007, p. 25) afirma que a abordagem

    qualitativa um

    trabalho artesanal que no prescinde da criatividade, realiza-se fundamentalmente por uma linguagem baseada em conceitos, proposies, hipteses, mtodos e tcnicas, linguagem esta que constri um ritmo prprio e particular.

  • 34

    A abordagem qualitativa referenda-se numa pesquisa no padronizada, que

    possui caractersticas prprias, uma vez que toma por base as experincias e

    prticas cotidianas vivenciadas pelos participantes (FLINCK, 2009).

    A escolha do lcus da pesquisa se deu a partir de uma macroanlise do

    municpio de Feira de Santana, perpassando pela totalidade das Escolas do Campo.

    Foram consideradas tambm as escolas factveis para a pesquisa de mestrado,

    levando-se em conta a questo do tempo e da distncia para se chegar ao distrito e

    escola escolhida. A Secretaria Municipal de Educao tambm se configurou como

    espao desta pesquisa.

    O ncleo da Educao do Campo da SME era composto7 por trs

    coordenadoras. Nos Planos de Ao propostos pelas mesmas, estavam, entre

    outras, as seguintes aes para a implementao do Projeto Escola Ativa PEA:

    Organizar e realizar a capacitao do Projeto Escola Ativa.

    Assegurar a capacitao dos professores em servio nas escolas da

    zona rural, da rede municipal.

    Ampliar o quadro de coordenadores para atuarem no Projeto.

    Assegurar a orientao e acompanhamento tcnico-pedaggico aos

    professores e alunos das escolas inseridas no Projeto.

    Assegurar a presena das Comunidades nas Assemblias e em vistas

    s escolas, para o xito do Projeto.

    Assegurar a disponibilidade de transporte para o bom andamento do

    Projeto, nas visitas e Assembleias.

    Assegurar a participao dos professores das classes multisseriadas

    na jornada pedaggica, referente ao Projeto.

    Formao continuada dos profissionais da Educao do Campo.

    Acompanhamento e apreciao das aes realizadas pela comunidade

    escolar, relativas ao PPP.

    Articulao a nvel municipal, Conselhos, Fruns, ONGs e outras

    organizaes representativas da sociedade.

    Planejar, promover e coordenar os Microcentros do PEA.

    7 Esse ncleo da Educao do Campo efetivou-se at o ano de 2012. Em 2013 com a formatao colocada pela nova Secretria de Educao do Municpio, as coordenadoras deste ncleo passaram a fazer parte do que a SEDUC chama de Projeto Mediao. Na atualidade uma delas coordenadora especfica da Educao do Campo no Grupo de Elaborao da Proposta Curricular do Ensino Fundamental.

  • 35

    Realizar visitas pedaggicas mensalmente s escolas envolvidas.

    Realizar encontros mensais com as comunidades envolvidas com o

    PEA. (Memorial elaborado pelas coordenadoras da educao do

    campo da SME 2012).

    Ao analisar as aes que foram transcritas em um memorial a partir dos

    planos de ao, pde-se perceber que as aes dessas coordenadoras estavam

    voltadas para implementao/acompanhamento do PEA, uma vez que os dados

    apresentados por elas apontam que, durante o perodo de 2004 a 2008, foram

    contempladas com este projeto 100 escolas do campo em Feira de Santana.

    Entretanto, no foi possvel identificar os resultados alcanados com dados ou em

    forma descritiva, pois os mesmos so apontados atravs da exposio de fotos de

    algumas aes realizadas e no h uma anlise escrita das aes efetuadas. No

    entanto, este foi o nico programa com relao Educao do Campo que

    funcionou at 2012 em Feira de Santana.

    Quanto aos distritos, fez-se um breve sondeio em trs deles: Maria Quitria,

    Matinha dos Pretos e Tiquaruu, a fim de se avaliar a comunidade geral e a

    comunidade escolar. Aps a realizao de tais visitas, optou-se pelo distrito da

    Matinha dos Pretos, pois o mesmo permitiu pesquisadora maior acessibilidade,

    mas tambm se considerou a relevncia social e lutas desta comunidade para o

    municpio.

    A escola escolhida como lcus da pesquisa foi a Escola Municipal Rosa Maria

    Esperidio Leite, que est localizada na avenida Anzio Pereira, S/N, sede do distrito

    da Matinha dos Pretos. A escola oferece o Ensino fundamental nos anos iniciais e

    finais a 5708 estudantes distribudos entre os turnos: matutino, com 10 turmas, num

    total de 277 alunos; no vespertino so 08 turmas com 188 alunos; e no noturno, 06

    turmas, num total de 105 alunos. A equipe gestora formada pela diretora, duas

    vices-diretoras e duas coordenadoras pedaggicas. Quanto ao corpo docente

    formado por 03 professores e 26 professoras, perfazendo um total de 29

    professores, que na sua formao possuem graduao e ps-graduao, alm de

    um estagirio e uma estagiria.

    A escola Rosa Maria Esperidio Leite considerada de grande porte e sua

    estrutura fsica composta por 10 salas de aulas, 01 diretoria, 01 secretaria, 01 sala

    8 Dados das Atas de Resultados Finais do ano de 2013.

  • 36

    de professores, 01 sala de leitura e de informtica, 01 cantina/cozinha, 01 biblioteca,

    01 almoxarifado, 12 banheiros, 01 ptio coberto e 01 rea descoberta na lateral da

    escola. Possui ainda 01 sala que ser transformada em Sala de Recursos.

    Em seu Projeto Poltico Pedaggico consta que a escola surgiu da

    necessidade de atender a demanda do crescimento do nmero de alunos no distrito

    da Matinha dos Pretos. Sendo assim, apresenta como misso:

    Construir suas aes, processos que contribuam para a formao de cidados com senso crtico-reflexivo e consciente de seus direitos e deveres, garantindo assim um exerccio pleno de sua cidadania em sociedade, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de suas vidas. Essa cidadania perpassa pelo processo de identificao enquanto pessoas do campo com ancestralidade afrodescendente (PPP, EMRMEL, 2011. p. 39).

    Ainda no PPP consta que a viso da escola que seja uma instituio de

    excelncia e que possa crescer e se desenvolver atendendo as necessidades da

    comunidade, levando em considerao as reais necessidades do lugar em que est

    inserida (PPP, EMRMEL, 2011. p. 39).

    A Escola Municipal Rosa Maria Esperidio apresenta sua misso, viso e

    outros elementos de maneira contextualizada, no sentido de reconhecer as

    diversidades da comunidade na qual a escola est inserida. No decorrer do

    documento, possvel verificar que existem referncias histria, cultura e

    identidade do lugar e dos sujeitos que vivem ali. Pode-se verificar que na misso da

    escola foi feita uma breve meno s pessoas do campo.

    O PPP desta escola est amparado na legislao educacional vigente:

    Constituio Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB

    9394/96, no Plano Nacional de Educao PNE 2001 e no Estatuto da Criana e do

    Adolescente ECA. Vale destacar, entretanto, que no texto no aparecem

    referncias s Diretrizes Operacionais da Educao Bsica para as Escolas do

    Campo (2002), bem como as Diretrizes complementares, normas e princpios para o

    desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da Educao Bsica do

    Campo (2008). Esse um dado a ser considerado na retomada e na avaliao

    desse PPP, pois a escola citada localiza-se na zona rural do municpio.

    Quanto aos instrumentos de coleta de dados, estes so fundamentais, no

    momento de coletar (in loco) o fenmeno estudado. Assim, o instrumento utilizado

    para a coleta de dados foi a entrevista, que, segundo Minayo (2007), possibilita

  • 37

    conhecer a realidade estudada atravs da fala de interlocutores no momento da

    realizao do trabalho de campo.

    Antes da realizao da entrevista propriamente dita, os momentos de

    observao in loco foram de extrema importncia para a conduo desta pesquisa.

    Utilizou-se como porta de entrada para tais observaes o Rapport (a escuta), na

    qual a pesquisadora buscava os primeiros dilogos com as possveis pessoas que

    seriam entrevistadas com questes do tipo: fale um pouco de voc, das suas

    atribuies, entre outras.

    A entrevista uma das formas de interao social entre os indivduos, uma

    vez que busca saber as opinies, posicionamentos, ideologias de cada um. Permite

    tambm o dilogo sobre os fatos estudados. Assim:

    A entrevista , portanto, uma forma de interao social. Mais especificamente, uma forma de dilogo assimtrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informao. (GIL, 2008, p. 109).

    Trata-se de uma conversa a dois, que conta com a iniciativa do entrevistador,

    ela tem o objetivo de construir informaes pertinentes para um objeto de pesquisa,

    e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este

    objetivo. (MINAYO, 2007, p. 64).

    Ento, nesses espaos escolhidos como lcus da pesquisa, foram

    entrevistadas: uma diretora da escola, quatro professoras, duas lderes comunitrias

    e uma coordenadora da Educao do Campo da SME. Foram aplicadas entrevistas

    semiestruturadas individuais, fundamentadas no seguinte roteiro:

    QUESTES NUCLEARES

    1- O que voc pensa da implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo em Feira de Santana e na sua escola? 2- A Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo tem contribudo para os movimentos de lutas da comunidade de Feira de Santana-BA? 3- Quais desafios e o que deve ser feito para melhorar/aprimorar a implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo? 4- Quais as dificuldades para a implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo em sua comunidade?

  • 38

    QUESTES COMPLEMENTARES 1- Como a Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo tem contribudo para a crtica da sociedade, da educao, do posicionamento em relao ao campo-cidade? 2- Que aes, articulaes, atitudes, engajamentos emergem ou deveriam emergir em funo da implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo? 3- A Educao do Campo tem contribudo para constituio do sujeito do campo, para formao humana na perspectiva da emancipao? De que forma? 4- Como voc avalia a trajetria da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo em Feira de Santana?

    A realizao das entrevistas possibilitou aos indivduos envolvidos nesse

    processo a liberdade de expressar suas ideias, bem como a certeza de que os

    dados coletados foram tratados com respeito e sigilo. Assim sendo, o papel desta

    entrevistadora foi de uma conversa amistosa, tranquila, sem assumir posies

    tendenciosas, estando atenta ao discurso das entrevistadas e registrando todas as

    impresses.

    O processo de investigao desta pesquisa se deu em trs fases ou etapas,

    conforme pontuado por Ldke e Andr (2001): a) fase aberta ou exploratria; b)

    pesquisa de campo; c) anlise dos dados e elaborao do documento final,

    conforme a figura abaixo:

  • 39

    Figura 3 Etapas do desenvolvimento da pesquisa

    Fonte: Elaborada pela autora.

    Na primeira fase aberta ou exploratria, na 1 etapa, foi feito um plano de

    trabalho, que objetivou especificar melhor o objeto de estudo, o problema da

    pesquisa, os objetivos, bem como a composio do quadro terico como resultado

    da pesquisa bibliogrfica na 2 etapa. Foram identificadas possveis fontes de

    pesquisa, tais como: literatura disponvel em bibliotecas e livrarias, banco de dados

    fornecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico -

    CNPq - teses e peridicos de Universidades Federais e Estaduais e atravs de

    buscas na internet atravs em sites como o Scielo Brasil.

    2 ETAPA:

    Elaborao de

    referencial

    terico

    2 ETAPA:

    Elaborao

    do texto final

    da pesquisa

    1 ETAPA:

    Anlise dos

    dados

    1 ETAPA:

    Pesquisa

    bibliogrfica/

    documental

    2 ETAPA:

    Observao

    in loco

    3 ETAPA:

    Aplicao dos

    instrumentos de

    coleta de dados

    1 ETAPA:

    Elaborao de

    plano de

    trabalho

    Etapas do desenvolvimento da pesquisa

    2 FASE:

    Pesquisa

    de campo

    1 FASE:

    Aberta ou

    Exploratria

    3 FASE: Anlise

    e elaborao do

    texto (relatrio)

    final

  • 40

    Na segunda fase aconteceu a pesquisa de campo em consonncia com a

    pesquisa bibliogrfica e documental, as observaes in loco e as entrevistas. Os

    meses de maio e junho foram reservados para as primeiras observaes; porm,

    devido a algumas paralisaes das aulas na Rede Municipal de Ensino, esse

    processo comeou em meados de maio com o sondeio j dito anteriormente. No

    incio do ms de maio, obteve-se acesso a alguns documentos com respeito

    Educao do Campo produzidos pela SME. Nos meses de setembro a novembro de

    2013 foram realizadas as entrevistas.

    Quanto a terceira e ltima fase, a anlise dos dados, aconteceu medida que

    os dados coletados foram analisados e, concomitante a isto, o processo de redao

    final do texto da dissertao foi sendo desenvolvido.

    Para atender aos desafios e possibilidades colocados pela Poltica Pblica da

    Educao do Campo, frente s aes/reivindicaes dos sujeitos que vivem do/no

    campo e sua realidade histrica e social, bem como dos movimentos sociais, os

    princpios e leis da dialtica foram fundamentais para este estudo e para sua

    metodologia.

    Os contedos apontados neste trabalho so compreendidos como questes

    sociais formadas e oriundas das lutas por uma Educao do Campo. No decorrer do

    estudo bibliogrfico, documental e de pesquisa de campo foram se definindo as

    principais questes e categoriais para exposio desta dissertao. Esses

    contedos foram caracterizados em captulos.

    A introduo apresenta o campo terico, bem como os elementos essenciais

    do problema, dos objetivos, do mtodo e metodologia da pesquisa.

    O primeiro captulo aborda o conceito de educao omnilateral, como fator

    elementar para Educao do Campo, uma vez que a omnilateralidade se refere

    formao humana; identifica elementos sobre a finalidade da educao na formao

    humana, a luz da pedagogia freireana, aponta o trabalho como princpio educativo,

    pois este uma atividade especificamente humana e, por fim, faz um levantamento

    sobre os fundamentos histricos, polticos e filosficos da Educao do Campo, pois

    esta tem centrado suas reflexes sobre uma educao para alm das foras

    hegemnicas.

    O segundo captulo apresenta uma discusso sobre a Educao do Campo

    como espao de lutas e de disputa de projetos societrios, uma vez que a Educao

    do Campo emerge em um contexto histrico, social e econmico de conflito. Aborda

  • 41

    a Educao do Campo no projeto do agronegcio fazendo referncia aos

    paradigmas da Questo Agrria e do Capitalismo Agrrio, bem como traz os

    Movimentos Sociais e suas reivindicaes atravs das lutas pela terra e por uma

    Educao do Campo.

    O terceiro captulo traz uma discusso sobre a poltica pblica nacional da

    Educao do Campo em Feira de Santana, destacando a concepo de Estado e o

    contexto de lutas pela terra. Aborda como referenciais histricos as lutas e

    resistncias dos povos do distrito da Matinha dos Pretos pela terra. Aponta a

    dimenso pedaggica da Educao do Campo no cotidiano de uma escola municipal

    do referido distrito. Ainda neste captulo visualiza-se o entrecruzamento das vozes e

    dos saberes e fazeres dos sujeitos participantes desta pesquisa.

    As consideraes finais deste estudo apresentam aspectos da Educao do

    Campo, bem como sobre a poltica pblica nacional da Educao do Campo e suas

    demandas no referido municpio, o que possibilitou um olhar mais abrangente sobre

    tal temtica.

    Acredita-se que os resultados apresentados nesta pesquisa daro

    embasamento compreenso de questes que se referem Educao do Campo,

    favorecendo o debate para a implementao, de fato, da poltica pblica nacional da

    Educao do Campo em Feira de Santana.

  • 42

    2 EDUCAO E EMANCIPAO NO HORIZONTE PARA A FORMAO HUMANA

    Este captulo aborda o conceito de educao omnilateral, como fator

    relevante para Educao do Campo, uma vez que a emancipao humana s se

    efetiva na perspectiva da omnilateralidade. Identifica elementos sobre a finalidade da

    educao na formao humana, com foco na pedagogia de Paulo Freire, bem como

    aponta o trabalho como princpio educativo, pois este se configura como uma

    atividade estritamente do homem e, por fim, faz consideraes sobre os

    fundamentos histricos, polticos e filosficos da Educao do Campo, pois esta tem

    configurado suas reflexes sobre uma educao para alm das foras hegemnicas

    do modo de produo do capital.

    2.1 EDUCAO E FORMAO OMNILATERAL

    Frigotto (2012, p. 265) afirma que Omnilateral um termo que vem do latim e

    cuja traduo literal significa todos os lados ou dimenses. Este autor ainda pontua

    que educao omnilateral significa a concepo de educao ou de formao

    humana que busca levar em conta todas as dimenses que constituem a

    especificidade do ser humano e as condies objetivas e subjetivas reais para seu

    pleno desenvolvimento histrico. Assim, a educao omnilateral abrange a

    educao e a emancipao humana em todos os sentidos da vida humana.

    O conceito de omnilateralidade se refere a uma formao humana que busca

    uma ruptura radical com a sociedade capitalista, o que o torna relevante para as

    reflexes em torno da Educao do Campo. A emancipao humana s se constri

    na perspectiva do homem omnilateral.

    Ao discorrer sobre a categoria de formao omnilateral com base em Marx,

    deve-se considerar a centralidade do trabalho como princpio educativo, mas levar

    em conta a forma contraditria na qual o trabalho em sua dimenso histrica tem se

    apresentado na sociedade capitalista.

    A categoria de formao omnilateral destaca o papel de formao do trabalho

    quando ligado instruo, pois nesta categoria procura-se no analisar apenas a

  • 43

    ontologia do trabalho na vida do homem enquanto ser social. Por isso, possvel

    afirmar que a formao omnilateral traz elementos de articulao entre o trabalho e a

    formao humana como processo de luta para superao da diviso de classes,

    referendando o princpio educativo do trabalho.

    Torna-se necessrio fazer uma breve retomada dessa categoria de formao

    omnilateral, uma vez que a abordagem feita por Marx possibilita uma leitura crtica

    sobre a sociedade atual e as diferentes possibilidades que tm revestido as polticas

    pblicas, que em alguns momentos adotam categorias que se aproximam das lutas

    dos movimentos sociais e em outros momentos afastam-se destas.

    Esta compreenso do ser humano evidentemente se contrape concepo

    burguesa que o visualiza como um ser sem histria, individualista e competitivo.

    Frigotto (2012, p. 266), ao falar sobre o trabalho, afirma que sendo o trabalho a

    atividade vital e criadora mediante a qual o ser humano produz e reproduz a si

    mesmo, a educao omnilateral o tem como parte constituinte. Assim, na viso de

    Marx, para superar a sociedade capitalista, o trabalho deve acontecer na sua

    dimenso de valor de uso, como princpio educativo.

    Os fundamentos filosficos e histricos do desenvolvimento omnilateral do

    indivduo, da educao e da formao humana, segundo Frigotto (2012), so

    encontrados em Marx, Engels e, em especial, em Gramsci e Lukcs. Em Marx

    (1989b, p. 197),

    O trabalho como manifestao humana, como atividade no alienada/estranhada o fundamento para que se estabelea uma relao positiva entre o homem e a natureza em que se torna possvel naturalizao do homem e a humanizao da natureza. [...] O homem apropria-se do seu ser omnilateral de uma maneira onicompreensiva, portanto como homem total. Todas as relaes humanas com o mundo viso, audio, olfato, gosto, percepo, pensamento, observao, sensao, vontade, atividade, amor em suma, todos os rgos de sua individualidade, como tambm os rgo que so diretamente comunais na forma, so a apropriao da realidade humana.

    Ento, a omnilateralidade9 est estritamente ligada formao humana,

    entretanto depende de um rompimento com a sociedade burguesa, bem como com a

    9 Para Souza Junior (2010, p. 90 e 91) a omnilateralidade proclamada por Marx no encontra par na

    sociedade burguesa, nem muito menos num estgio inferior a esta, digamos, num estgio embrionrio de sociedade burguesa como o caso do contexto histrico vivido por John Bellers. O homem onilateral construo da sociabilidade nova, emancipada, portanto, impossvel a existncia desse homem onilateral no seio de um intercmbio social estranhado. O homem onilateral expresso de uma totalidade de determinaes no estranhadas, construdas no cotidiano da nova

  • 44

    diviso social do trabalho, com a alienao/estranhamento, com o fetichismo e

    antagonismo social e de classes.

    A formao omnilateral depende de relaes no alienadas entre o homem/

    natureza/ trabalho. Souza Junior (2010, p 86-87) enfatiza A absoluta inviabilidade

    da onilateralidade no mbito da sociabilidade burguesa, porque a omnilateralidade

    no diz respeito apenas a uma capacidade maior do indivduo de realizar atividade

    complexas e diversas. Pode-se dizer que a omnilateralidade busca romper com os

    nveis da moral, da tica, da prtica, da teoria, do afetivo, representa uma profunda

    ruptura com os modos de subjetividade, individualidade e vida social estranhadas.

    (SOUZA JUNIOR, 2010, p. 87).

    Marx apresenta a categoria de formao omnilateral em contraposio

    unilateralidade dos homens na sociedade capitalista que conduzida por uma prtica

    social e uma formao unilateral separa a atividade material da intelectual.

    Segundo Marx e Engels (2004), a formao do homem deve superar a

    oposio entre a formao intelectual e a formao tcnica, uma vez que a atividade

    prtica possibilita a aquisio de experincia, bem como saber terico. Em outras

    palavras, os saberes prticos e os saberes tericos so indispensveis para a

    formao omnilateral do indivduo. Dessa forma, a concepo marxiana destaca tais

    saberes como forma de criticar a sociedade alienante e capitalista.

    As possibilidades do desenvolvimento do homem omnilateral e da educao

    omnilateral esto pautadas na construo de um novo projeto de sociedade que,

    segundo Frigotto (2012, p. 267), Liberte o trabalho, o conhecimento, a cincia, a

    tecnologia, a cultura, as relaes humanas em seu conjunto dos grilhes da

    sociedade capitalista, pois, ainda de acordo com Frigotto (2012, p. 270 e 271):

    A tarefa do desenvolvimento humano omnilateral e dos processos educativos que a ele se articulam direciona-se num sentido antagnico ao iderio neoliberal. O desafio , pois, a partir das desigualdades que so dadas pela realidade social, desenvolver processos pedaggicos que garantam, ao final do processo educativo, o acesso efetivamente democrtico ao conhecimento na sua mais elevada universalidade. No se trata de tarefa fcil e nem que se realize plenamente no interior das relaes sociais capitalistas. Esta, todavia, a tarefa para aqueles que buscam abolir estas relaes sociais.

    A omnilateralidade pressupe outro projeto de sociedade como j fora

    afirmado aqui anteriormente que resgate a integralidade da formao humana, uma

    vida social, cujo fundamento o trabalho social livre, o planejamento e a execuo coletiva do trabalho, bem como a repartio justa dos produtos do trabalho.

  • 45

    vez que a mesma um elemento para superao da formao unilateral do homem.

    Vale dizer que a categoria de formao omnilateral busca a unio entre ensino e

    trabalho na perspectiva da emancipao humana, no qual o trabalho enquanto

    princpio educativo se efetive como atividade realizadora do homem e como

    atividade de superao de classes.

    Assim sendo, ao fazer essas breves consideraes sobre a categoria de

    formao omnilateral com base nos pressupostos marxistas, faz-se mister destacar

    a importncia de uma leitura crtica das polticas educacionais brasileiras, sobretudo

    no que diz respeito poltica pblica nacional da Educao do Campo, que visa a

    construo de uma nova sociedade, a formao para a emancipao humana, a fim

    de que o homem esteja livre da explorao do prprio homem.

    A espcie humana s pode ser considerada como tal medida que se efetiva

    em sociedade, no se humano fora de um tecido social. O conhecimento, a

    cultura, o trabalho e a educao pressupem um solo de relaes sociais. Para

    Freire (1996), Saviani (1980a), Severino (2006), um dos desafios da sociedade

    brasileira na atualidade a constituio de um sistema educacional democrtico,

    descentralizado e acessvel, que fomente, difunda e preserve a produo social,

    histrica e cultural, a prtica social. Um sistema educacional que respeite e valorize

    a ampla diversidade, a construo de identidades e seja capaz de promover a

    incluso dos mais diferentes setores da populao brasileira.

    No se pode perder de vista que a educao no deve ser compreendida

    como desenvolvimento das faculdades mentais e morais, como disciplinamento,

    instruo, ato de ensinar, ajustamento ao meio social, a fim de atender classe

    dominante (SEVERINO, 2006). Tais definies, que so inculcadas/alardeadas ao

    longo dos processos educativos/histricos, tm se perpetuado na vida e na

    conscincia dos indivduos. Educao no um processo de

    acumulao/ajustamento de informaes; vai alm da transmisso de

    conhecimentos tcnicos acumulados pela humanidade. Educar deve ser uma ao

    humanizadora e, segundo Freire (1969, p. 128), uma educao verdadeiramente

    humanista se [...] esfora-se no sentido da desocultao da realidade. Desocultao

    na qual o homem existencialize sua real vocao: a de transformar a realidade.

    relevante para a sociedade que os sujeitos envolvidos no processo educativo tomem

    para si o papel poltico de desvelar a realidade escondida pelas ideologias que

  • 46

    mascaram, marginalizam e oprimem, no sentido de superar a miopia que impede a

    percepo daquilo que cerca o indivduo.

    Para Severino (2006, p. 309):

    educao cabe, como prtica intencionalizada, investir nas foras emancipatrias dessas mediaes num procedimento contnuo e simultneo de denncia, desmascaramento e superao de sua inrcia de entropia, bem de anncio e instaurao de formas solidrias de ao histrica, buscando contribuir com base na sua prpria especificidade, para a construo de uma humanidade.

    Segundo este autor, a educao se configura como um processo de formao

    humana na dimenso da relao pedaggica pessoal, bem como na dimenso das

    relaes sociais coletivas. Severino afirma que (2006, p. 310),

    Cabe educao, no plano da intencionalidade da conscincia, desvendar os mascaramentos ideolgicos de sua prpria atividade, evitando assim que ela se instaure como mera fora de reproduo social e torne fora de transformao da sociedade, contribuindo para extirpar do tecido todos os focos de alienao.

    Pensar, falar ou refletir sobre a educao requer pensar na intencionalidade,

    nos processos histricos10, no desvendar das ideologias dominantes e na prpria

    humanizao dos sujeitos que so seres de relaes e transcendem a si prprios,

    pois como tais so seres inacabados, em constante processo de construo. Para

    Freire (1996, p. 50) O inacabamento do ser ou sua inconcluso prprio da

    experincia vital. Onde h vida, h inacabamento.

    Na legislao educacional brasileira11, o conceito de educao est

    estritamente relacionado escola, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao Nacional LDB 9.394/96 no artigo 1, 1, 2

    Art. 1 A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais.

    10No livro Pedagogia da Esperana, Freire (1992) afirma que no possvel entender os homens e as mulheres, a no ser mais do que simplesmente vivendo histrica, cultural e socialmente existindo como seres fazedores de seu caminho que ao faz-lo, se expem ou se entregam ao caminho que esto fazendo e que assim os refaz tambm. 11

    Para compreender o sentido/razo do atual sistema educacional brasileiro sugere-se ver as reflexes tecidas por Saviani (2008) que aponta o avano da Lei de Diretrizes e bases da Educacional Nacional 9.394/96 em relao as anteriores, mas, tambm, evidencia que a mesma continua a legitimar uma educao voltada para as elites.

  • 47

    1 Esta Lei disciplina a educao escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituies prprias. 2 A educao escolar dever vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social.

    O Art. 1 da LDB 9394/96 traz uma definio de educao abrangente, pois

    flexibiliza a carga semntica da educao, o que, para Saviani (2008, p. 201 e 202),

    um aspecto positivo, uma vez que constitui um ponto de partida para se corrigir a

    fragmentao, assim como os unilateralismos que tm marcado a situao

    educacional em nosso pas. Outro ponto de destaque que o pargrafo 1

    especificou e definiu a educao escolar, que, segundo Saviani (2008, p. 202)

    parece procedente [...], a educao escolar emergiu na modernidade como a forma

    principal e dominante da educao, erigindo-se em ponto de referncia e critrio

    para se aferir as demais formas de educar. Ao passo que o segundo pargrafo

    preconiza que a educao escolar deve se vincular ao mundo do trabalho e prtica

    social. Retorna-se a Saviani (2008, p. 202) que: adverte que o significado real

    desse enunciado depender do entendimento que se tem de mundo do trabalho e

    prtica social.

    Pode-se corroborar com as ideias de Saviani (1980, p. 129) quando este

    conceitua educao como uma atividade mediadora no seio da prtica social.

    Partindo da prtica social, torna-se possvel perceber a educao como mediao,

    como meio para emancipao humana, pois ela uma prtica social como as outras

    questes da vida humana: sade, moradia, comunicao, religio, cultura, entre

    outras. A educao como prtica social busca desenvolver na pessoa humana os

    saberes e fazeres pertinentes para sua formao enquanto sujeito social. A

    educao como prtica social atua sobre a vida do indivduo, bem como sobre a

    sociedade.

    A atividade educativa faz parte do contexto histrico, pois se configura como

    um processo de mediao/emancipao entre o indivduo e a sociedade. A

    emancipao tem que ser dos e pelos trabalhadores e trabalhadoras. Para Marx e

    Engels (2003, p. 107):

    A emancipao das classes trabalhadoras dever ser conquistada pelas prprias classes trabalhadoras; que a luta pela emancipao das classes trabalhadoras no significa uma luta por privilgios e monoplios de classe, e sim uma luta por direitos e deveres iguais, bem como pela abolio de todo domnio de classe.

  • 48

    Verifica-se, portanto, a necessidade de lidar com o conhecimento a partir da

    realidade, para alm da viso neoliberal, uma vez que o foco deve ser o projeto

    formativo da classe trabalhadora numa perspectiva de luta social e identidade de

    classe.

    Em acordo com o conceito de omnilateralidade, a Educao do/no Campo,

    pensada para formao da conscincia poltica em vista da libertao da classe

    trabalhadora, na perspectiva da emancipao social, que busque a superao do

    capitalismo. Para chegar emancipao realmente, com base em Marx e Engels

    (2003), busca-se a superao do capital e do Estado, uma vez que a emancipao

    humana seria contrria ao Estado burgus. Para construir uma sociedade na

    perspectiva emancipatria, necessria a luta, a resistncia e a criao de um

    projeto histrico que traga contribuies para formao de conscincias e

    identidades que se materializam nas aes concretas. Afinal, no Modo de Produo

    Capitalista, a grande maioria da populao, a que despossuda dos bens materiais

    e detentora da fora de trabalho, se tornou executora de tarefas e aes pensadas

    pela classe dominante. Tal fato desdobrou-se em uma srie de questes de ordem

    social, poltica e econmica. Essas questes so materializadas na disposio desta

    sociedade no espao, mas tambm, na forma de pensar e agir sobre o espao.

    A formao omnilateral vista como uma possibilidade de formao dos

    sujeitos sociais excludos para tensionar a ordem hegemnica em prol de um projeto

    societrio que traga menos danos ao prprio homem. Mas, qual a finalidade da

    educao na formao humana? Tal ponto ser discutido a seguir.

    2.2 A FINALIDADE DA EDUCAO NA FORMAO HUMANA

    A educao existe em todas as esferas da vida humana, em cada povo, raa,

    tribo. Brando (2006, p.11) afirma que:

    A educao , como outras, uma frao do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenes de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educao que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber atravessa as palavras da tribo, os cdigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou religio, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, atravs de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas existem dentro do mundo social onde a prpria educao

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    habita, e desde onde ajuda a explicar s vezes a ocultar, s vezes a inculcar de gerao a gerao, a necessidade da existncia de sua ordem.

    A educao existe onde no h escola, est em todo lugar e presente nas

    mais diversas formas de saberes. No existe um nico modelo de educao, nem

    tampouco a escola o nico lugar para aprendizagens ou o professor o nico a

    ensin-las. Existem inmeras educaes com suas mais variadas formas de atender

    as demandas da sociedade, dentre elas a dimenso da formao humana.

    Coube a Karl Marx e outros pensadores, fundamentar uma concepo de

    formao humana nos seguintes princpios: articulao entre esprito e matria,

    subjetividade e objetividade, inferioridade e exterioridade. Para Marx, o ser no se

    define pelo esprito e sim pela prxis. Ento, pode-se afirmar com base em Marx e

    Engels (1999) que o trabalho uma atividade fundamental no desenvolvimento do

    ser humano, bem como a educao mediadora do processo de formao do

    indivduo.

    Ao longo da histria da humanidade, a atividade educativa se desenvolveu

    assumindo formas e contedos diversos de acordo com as condies de produo e

    reproduo da vida, pois,

    o primeiro pressuposto de toda a histria humana naturalmente a existncia de indivduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar , pois, a organizao corporal destes indivduos e, por meio disto, sua relao dada com o resto da natureza [...] Toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificao no curso da histria pela ao dos homens (MARX & ENGELS,1999, p. 29).

    O fato que considerar as caractersticas genricas do ser humano ao longo

    da histria em seu processo de formao garantir sua prpria ao. Esta ao do

    indivduo o que Marx e Engels (1999) consideram como trabalho, atividade vital

    para a humanidade, pois por meio deste, o homem se apropria dos elementos da

    natureza e transforma-os para produo de sua existncia. Estes autores veem o

    homem constituindo-se historicamente e socialmente por meio do agir prtico

    coletivo, em busca da emancipao humana.

    Marx reivindicava a necessidade de uma formao que contribusse para a

    emancipao humana, uma formao que possibilitasse ao indivduo desenvolver

    todas as suas relaes humanas com o mundo viso, audio, olfato, gosto,

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    percepo. Pensamento, observao, sensao, vontade, atividade, amor em

    sntese, todos os rgos da sua individualidade (2003, p. 141). Mas isto s seria

    possvel com a supresso da propriedade privada, que significava para ele:

    [...] a emancipao total de todos os sentidos e qualidades humanas. Mas s essa emancipao porque os referidos sentidos e propriedades se tornaram humanos, tanto do ponto de vista subjetivo como objetivo. O olho tornou-se um olho humano, no momento em que seu objeto transformou-se em objeto humano, social, criado pelo homem para o homem. Por conseqncia, os sentidos tornaram- se diretamente tericos na sua prtica. Relacionam-se coisa por ela mesma, mas a prpria coisa j constitui uma relao humana objetiva a si mesma e ao homem, e vice-versa. A necessidade ou o prazer perderam, portanto, o carter egosta e a natureza perdeu a sua mera utilidade, na medida em que sua utilizao se tornou utilizao humana (MARX, 2003, p. 142).

    Sabe-se que a diviso do trabalho contribuiu historicamente e socialmente

    para o desenvolvimento das foras produtivas colocando-as num contexto mais

    amplo ao estabelecer ponte com as outras dimenses da vida e da educao, mas

    tambm contribuiu para o desenvolvimento do processo de alienao dos indivduos.

    Para Marx,

    A alienao no se revela apenas no fato de que os meus meios de vida pertencem a outro, de que os meus desejos so a posse inatingvel de outro, mas de que tudo algo diferente de