A Política Social de Combate ao Trabalho Infantil – notas … · das contribuições de Potyara...

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www.ts.ucr.ac.cr 1 A Política Social de Combate ao Trabalho Infantil – notas reflexivas para o debate sobre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI/PE Miriam Damasceno Padilha 1 [email protected] Neste trabalho, abordarei a questão do trabalho infantil a partir de uma reflexão acerca da política de proteção social da criança e adolescente pobre que é o alvo privilegiado das políticas sociais voltadas para a criança e o adolescente no Brasil. Meu envolvimento com a temática se deu a partir de uma pesquisa que realizo desde 1998 sobre a inserção precoce da criança e do adolescente no mercado de trabalho na cidade do Recife desembocando na elaboração do projeto que apresentei na seleção do curso de doutorado em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco. Nos estudos realizados na FUNDAC em Recife-PE, observei a partir da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA nos anos 90, que dos programas desenvolvidos uma grande parte deixava evidente a centralidade da questão do trabalho na ação formativa e educativa da FUNDAC. Estes programas procuram associar a educação ao trabalho adotando uma concepção presente no ECA, nomeada de Trabalho Educativo. Qual seja, uma atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo (ECA artigo 68). Do ponto de vista político observo que estes projetos têm o propósito de construir uma unidade entre os interesses e necessidades materiais e imediatas dos adolescentes e das suas famílias como também a expectativa da instituição previstas no próprio ECA. 1 Professora e doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco, pesquisadora do projeto integrado “ Reestruturação produtiva e a precarização da força de trabalho no Brasil ” com o apoio do CNPQ e da FACEP.

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A Política Social de Combate ao Trabalho Infantil – notas

reflexivas para o debate sobre o Programa de Erradicação

do Trabalho Infantil – PETI/PE Miriam Damasceno Padilha 1

[email protected]

Neste trabalho, abordarei a questão do trabalho infantil a partir de uma

reflexão acerca da política de proteção social da criança e adolescente pobre que

é o alvo privilegiado das políticas sociais voltadas para a criança e o adolescente

no Brasil.

Meu envolvimento com a temática se deu a partir de uma pesquisa que

realizo desde 1998 sobre a inserção precoce da criança e do adolescente no

mercado de trabalho na cidade do Recife desembocando na elaboração do projeto

que apresentei na seleção do curso de doutorado em Serviço Social da

Universidade Federal de Pernambuco.

Nos estudos realizados na FUNDAC em Recife-PE, observei a partir da

aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA nos anos 90, que dos

programas desenvolvidos uma grande parte deixava evidente a centralidade da

questão do trabalho na ação formativa e educativa da FUNDAC.

Estes programas procuram associar a educação ao trabalho adotando uma

concepção presente no ECA, nomeada de Trabalho Educativo. Qual seja, uma

atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento

pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo (ECA artigo

68).

Do ponto de vista político observo que estes projetos têm o propósito de

construir uma unidade entre os interesses e necessidades materiais e imediatas

dos adolescentes e das suas famílias como também a expectativa da instituição

previstas no próprio ECA.

1 Professora e doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco, pesquisadora do projeto integrado “ Reestruturação produtiva e a precarização da força de trabalho no Brasil ” com o apoio do CNPQ e da FACEP.

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Este dado me motivou a problematizar as dimensões objetivas e subjetivas

desta prática institucional, na medida em que observei uma tensão entre os meios

e as modalidades de atendimento tanto das necessidades materiais, como das

sociais, éticas e culturais das crianças e adolescentes e das famílias.

Sobre as primeiras, destaco que as crianças e adolescentes “protegidos”

pelas instituições são pobres, oriundos de classes subalternas vivenciam

situações de precariedade e abandono social, requerendo para sua sobrevivência

e das suas famílias estratégias de obtenção de renda.

As demais necessidades apontam para valores e práticas que incidem

sobre o direito de acesso de crianças e adolescente à educação, ao esporte, ao

lazer, à cultura e à formação de uma sociabilidade compatível com os níveis de

avanços civilizatórios da sociedade contemporânea. Assim, configura -se uma

possível disjunção entre as necessidades da esfera formativa e as de

sobrevivência das crianças e adolescentes, dando origem a um conjunto de

contradições que perpassam os programas sociais e institucionais,

particularmente aqueles que utilizam o trabalho como prática mediadora da

sociabilidade das crianças e dos adolescentes.

Participando atualmente de um trabalho de avaliação e acompanhamento

do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, constato que há também

um conjunto de contradições que perpassam este programa quando por um lado

se propõe erradicar o trabalho infantil de crianças e adolescentes, por outro lado

observa-se que nas entrelinhas está latente e explícita em algumas propostas

educacionais o incentivo as atividades voltadas para formação de habilidades e

ofícios que contribuem para enfatizar mais a cultura da educação para o trabalho.

Este fato me faz questionar: por que o PETI que se propõe erradicar o trabalho

infantil não consegue desvincular-se de uma cultura que reforça o trabalho

precoce?

É pensando em construir algumas reflexões acerca desta problemática que

elaborei este ensaio.

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Inicialmente neste trabalho abordei o tema a partir de uma compreensão

sobre política social que sta no centro do embate econômico e político deste final

de século, como uma estratégia econômica e também política.

Em seguida tratei sobre a questão sócio-econômica e política do trabalho

precoce infanto-juvenil, e por último sobre o Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil em Pernambuco.

1- ABORDAGENS TEÓRICAS DA POLITICA SOCIAL

Política social é um tema complexo e muito discutido no âmbito das Ciências

Sociais, da Ciência Política e Economia Política. O serviço social no Brasil a partir

de meados dos anos 80 passou a se aprofundar sobre este assunto, a exemplo

das contribuições de Potyara A P Pereira, Vicente Faleiros, Maria Osanira da Silva

e Silva, Elaine Rossetti Behring e tantos outros.

Em geral, reconhece-se que a existência de políticas sociais é um

fenômeno associado à constituição da sociedade burguesa, ou seja, do específico

modo capitalista de produzir e reproduzir-se. Evidentemente que não desde os

seus primórdios, mas quando se tem um reconhecimento da questão social

inerente as relações sociais nesse modo de produção ao momento em que os

trabalhadores assumem o seu papel político no processo.

Há um consenso na literatura sobre este assunto em torno do final do

século XIX como período de criação das primeiras legislações e medidas de

proteção social com destaque para a Alemanha e Inglaterra, após um intenso e

polêmico debate entre liberais e reformadores sociais humanistas.

De acordo com Behring, a generalização de medidas de seguridade social no

capitalismo se dará no período da 2ª guerra mundial, no qual assiste-se a singular

experiência de construção do Welfare State em alguns paises da Europa

Ocidental acompanhados de diversos e variados padrões de proteção social tanto

no capitalismo central quanto na periferia especialmente nos países do capitalismo

central e com raras experiências nos países periféricos.

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No caso do Brasil não tivemos propriamente a experiência do Welfare State.

Tal variedade, quando a cobertura mais ou menos universal, padrão de

financiamento (redistributivo ou não, contributivo ou não), está relacionada às

relações entre as classes sociais e segmentos de classes, e condições

econômicas gerais que interferem nas opções políticas e econômicas dos

governos (Behring 2000 p.21).

A referida autora coloca que nos ‘‘primórdios do liberalismo no século XIX,

existia um claro componente transformador na maneira de pensar a economia e a

sociedade – tratava-se de romper com as amarras parasitárias das aristocracias e

do clero, do Estado absoluto com seu poder discricionário. O cenário de uma

burguesia já hegemônica do ponto de vista econômico, mas não consolidada

como classe politicamente dominante propicia o anti-estatismo radical presente no

pensamento de Adam Smith e sua ode ao mercado como mecanismo natural de

regulação das relações sociais, recuperados pelo neoliberalismo de hoje, num

contexto muito diferente “(Behring 2000 p.23).

Adam Smith dizia que “os indivíduos na busca de seu bem estar, no desejo

natural de melhorar as condições de sua existência tendem a maximizar o bem-

estar coletivo. Os indivíduos são conduzidos por uma mão invisível-mercado, a

promover um fim que não fazia parte de sua intenção inicial” (Behring 200 p.23).

Argumentava, que a loucura das leis humanas não pode interferir nas leis naturais

da economia donde o Estado deve apenas fornecer a base legal para que o

mercado livre possa maximizar os benefícios aos homens. Trata-se como coloca

Behring, da defesa de um Estado Mínimo, sob forte controle dos indivíduos que

compõem a sociedade civil.

Nesse raciocínio, havia nesta época a idéia que não devia despender

recursos com os pobres, dependentes, ou passivos, mas vigia-los e puni-los como

mostra o estudo de Foucault. Relações semelhantes se mantém com os

trabalhadores: não se deve regulamentar salários, sob pena de interferir no preço

natural do trabalho, definindo nos movimentos naturais e equilibrados da oferta e

da procura no âmbito do mercado. Trata-se da negação da política da interferência

do Estado na economia e, em conseqüência da política social.

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O enfraquecimento das bases materiais e subjetivas de sustentação dos

argumentos liberais ocorreu ao longo da segunda metade do século XIX e no

inicio do século XX, com resultado de alguns processos político-economicos dos

quais Behring destaca dois: o primeiro, foi o crescimento do movimento operário

que passou a ocupar espaços políticos importantes, obrigando a burguesia a

reconhecer direitos de cidadania política e social cada vez mais amplos para

esses segmentos; o segundo, foi a concentração e monopolização do capital,

demolindo a utopia liberal do individuo empreendedor orientado por sentimentos

morais. Cada vez mais, o mercado vai ser liderado por grandes monopólios e a

criação de empresas vai depender de um grande volume de investimentos,

dinheiro emprestado pelos bancos, numa verdadeira fusão entre capital financeiro

e o industrial. Diante deste fato as elites político-economicas começam a

reconhecer os limites do mercado.

John Majnart Keynes considerava insuficiente a lei dos mercados, segundo

a qual a oferta cria a sua própria demanda impossibilitando uma crise geral de

superprodução; e, nesse sentido colocava em questão o conceito de equilíbrio

econômico, que afirma ser a economia capitalista auto-regulável (Behring 2000

p.25).

Para Keynes o Estado tem legitimidade para intervir por meio de um

conjunto de medidas econômicas e sociais, tendo em vista gerar demanda efetiva,

ou seja disponibilizar meios de pagamento e dar garantias ou investimentos,

inclusive contraindo déficit público, tendo em vista controlar as flutuações da

economia. Nessa intervenção do Estado cabe também o incremento das políticas

sociais. De acordo com Behring este foram os pilares teóricos do desenvolvimento

do capitalismo posterior à Segunda Guerra Mundial. Ao keynesianismo agregou-

se o pacto fordista e estes foram os elementos decisivos da possibilidade político-

economica e histórica do Welfare State.

Behring faz uma crítica à política do Welfare State explicitando sobre a

incompatibilidade entre a acumulação e a equidade e diz que mesmo nos paises

onde o Walfare State obteve maior êxito, esta política não consegue oferecer

igualdade de condições e enfatiza que o Estado no keynesianismo amplia suas

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funções, sob a hegemonia do capital, se apropria do valor socialmente criado e

realiza a regulação econômica e social, no entanto, isso não significa eliminar as

condições de produção e reprodução da desigualdade.

Behring também coloca que a política social ocupa certa posição político-

economica a partir do período do histórico fordista keynesiano. Observa que a

economia política se movimenta historicamente a partir de condições objetivas e

subjetivas e, portanto, o significado da política social não pode ser apanhado nem

exclusivamente pela sua inserção objetiva no mundo do capital nem apenas pela

luta de interesses dos sujeitos que se movem na definição de tal ou qual política,

mas, historicamente, na relação desses processos na totalidade. A autora

constata, que a política social que atende às necessidades do capital é, também

do trabalho, já que para muitos se trata de uma questão de sobrevivência,

configurando-se como um terreno importante da luta de classes. A continuidade

do sucesso da estratégia keynesiana encontrou limites estruturais no Brasil. As

despesas de manutenção da regulação do mercado colocam em crise também a

política social.

O historiador inglês Pery Anderson, cita que, no final dos anos 70 e 80

houve uma reação teórica e política ao keynesianismo e ao Walfare State por

parte dos neoliberais expraindo-se na década de 90 em todo o mundo.

Para Sonia Draibe o neoliberalismo viveu uma primeira fase de ataque ao

keynesianismo e ao Welfare State como cita Pery Anderson anteriormente. No

entanto, segundo a autora a uma segunda fase no que diz respeito aos programas

sociais no trinômio articulado da focalização, privatização e descentralização.

Assim, trata de desuniversalizar e assistencializar as ações cortando os gastos

sociais e contribuindo para o equilíbrio financeiro do setor publico: uma política

social residual que soluciona apenas o que não pode ser enfrentado pela via do

mercado. O carro chefe dessa proposição é a renda mínima, combinada a

solidariedade por meio das organizações na sociedade civil. A renda mínima não

pode ter um teto alto para não desestimular o trabalho, ou seja, há uma perversa

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reedição da ética do trabalho 1 num mundo sem trabalho para todos (Draibe: apud

Behring 2000).

De acordo com essa perspectiva o Governo Federal vem implementando no

Brasil políticas assistenciais desuniversalizadas como é o caso do Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. É uma política social de combate a

pobreza para atender crianças e adolescentes de 7 a 14 anos dando garantia de

renda mínima através de beneficio monetário mensal às famílias cujas crianças e

adolescentes estavam envolvidas em atividades penosas, degradantes, insalubres

e de auto-risco nas carvoarias, na zona de corte da cana, na colheita de sisal e

outras atividades que comprometem o desenvolvimento físico e social destas

crianças e adolescentes.

2 – A QUESTAO SÓCIO-ECONÔMICA E POLÍTICA DO TRABALHO

PRECOCE INFANTO-JUVENIL

Embora reconheça que a questão do trabalho de criança e adolescente não

se constitui numa particularidade brasileira, é possível dizer que no Brasil ocorreu

um tratamento institucional “tardio” sobre a questão do trabalho precoce. O

mesmo adquiriu visibilidade política a partir dos finais dos anos 80, com a luta pela

criação e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

No entanto, a questão do trabalho precoce não pode ser pensada apenas

sob a ótica da eficácia e abrangência de uma legislação protetora como o ECA.

Ela diz respeito à natureza das relações sociais historicamente vigentes na

sociedade capitalista. Numa citação feita por Frigotto (1999:8-9), Desttut de Tracy,

já no século XVIII, expôs o veredicto das crianças e dos adolescentes na

sociedade capitalista expressando assim os fundamentos da “cultura do trabalho”

baseada numa concepção de classe: “os homens de classe operaria tem desde

•1 Para Behring, a ética do trabalho como direção intelectual e moral predominou no século XIX que foi difundida pelos puritanos e perdura até hoje, apontando o trabalho em si como atividade edificante e benéfica, sendo seu fruto o progresso sem considerar as condições em que este trabalho se realiza (Behring 2000 p.24).

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cedo necessidade do trabalho de seus filhos. Estas crianças precisam

adquirir desde cedo o conhecimento e sobretudo o habito e a tradição do

trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo na

escola (..) os filhos de classe erudita, ao contrario podem dedicar-se estudar

por muito tempo; tem muita coisa a aprender para alcançar o que se espera

deles no futuro. Necessitam de um certo tipo de conhecimento que só

podem apreender quando o espírito amadurece e atinge determinado grau

de desenvolvimento” (Tracy, 1917 apud Frigotto)

Dado o caráter estrutural e de classes que a questão comporta merecem

ser pensadas as contradições que perpassam as ações do Estado, das suas

instituições, da sociedade civil e inclusive da família na reprodução da ordem

vigente.

A incorporação e naturalização do trabalho e da geração de renda

transformam-se em necessidades de crianças e adolescentes pobres, delas

derivam as políticas sociais que podem vir a consolidar valores e ações que

demarcam as inserções dessas crianças e adolescentes no mundo do trabalho e

da produção. Esta questão como interpreta Macedo (1999 p.8) discorrendo sobre

a concepção marxiana das necessidade humano-sociais recai sobre o modo de

satisfazer as necessidade de criança e adolescentes posto que, a existência

objetiva daquelas necessidades não se desgarram das condições de satisfazê-las

conformando o que a autora chama de um “produto social”, isto é, um modo de

atendimento das necessidades mediadas pelas condições culturais e pelo

contexto histórico de cada sociedade.

O artigo 68 do ECA no seu & 2º, ao legislar sobre o trabalho educativo e

afirmar que “a remuneração pelo trabalho efetuado ou a participação na venda de

seu trabalho não desfigura o trabalho educativo”, também partilha da produção

deste “produto social”.

Note-se que essa postulação ao tempo em que defende o trabalho

educativo legitima a capacidade produtiva da criança e do adolescente. Já no seu

& 1º define o trabalho educativo “como atividade laboral em que as exigências

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pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social dos educandos

prevalecem sobre o aspecto produtivo”.

Nestas definições observo não apenas a legitimação do trabalho como

parte da formação da criança e do adolescente, mas o fato de facultar um

exercício laboral através da implementação de atividades geradoras de rendas

imediatas ou em regime de assalariamento.

Esta definição contraditoriamente é referendada no Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, em alguns municípios, posto que vem

dando ênfase as atividades voltadas para a formação de habilidade e ofícios

específicos gerando profissionalizações precoces e reforçando a cultura da

educação para o trabalho.

A condição de criança e adolescente pobre é responsável pela criação de

um determinado tipo de trabalho e renda. A inserção da criança e do adolescente

no mundo do trabalho não é um ato voluntário e sim, socialmente determinado,

por outro lado, a sociedade e suas instituições vêm legitimando como um fato

quase que natural. Ou seja, através de um conjunto de junções de ordem sócio-

economicas e cultura is, a sociedade incorpora o trabalho da criança e do

adolescente e naturaliza a sua inserção precoce e precária no mundo do trabalho.

Nesta incorporação interferem fatores subjetivos, de ordem ideológica,

cultural e ético-moral, baseados na idéia de que as ocupações laborativas

remuneradas são instrumentos educativos; e outro de ordem objetiva, relacionada

com as condições econômicas que forçam a criança e o adolescente a buscar

trabalho precocemente, como única garantia de sobrevivência.

A questão da relação entre educação e trabalho das crianças e dos

adolescentes vem sendo discutida por diferentes campos do conhecimento. Não

estamos, diante de um embate novo, mais de questões e problemas que

assumem um conteúdo histórico e específico dentro das atuais formas de

sociabilidade capitalista.

A relação trabalho educação é uma questão que engendra um velho debate

travado não apenas no âmbito da economia clássica liberal e marxista, mas, no

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conjunto do pensamento que embasa o ideário da sociedade capitalista e

perspectivas que lhe são antagônicas (Frigotto 1995 p.29).

Por esta razão, a educação e o trabalho aparecem desvinculados da

dimensão antológica do trabalho e reduzidos a fatores de produção, regulados e

subordinados as leis do mercado; sua adaptabilidade e funcionalidade respondem

pelos interesses de manutenção da ordem capitalista.

Esta ótica economicista instrumentalista e pragmática parece ser a

dominante nas políticas sociais voltadas para a profissionalização de crianças e

adolescentes pobre no Brasil. Não é por acaso que a profissionalização precoce

consolida a direção política dos programas públicos de formação profissional.

A profissionalização precoce coaduna-se com as idéias defendidas pela

teoria do capital humano cujo argumento é o de que o investimento na educação

profissional nos países subdesenvolvidos garante melhores empregos, maior

produtividade e ascensão social dos educandos. Trata-se de uma ideologia que

deposita na capacidade individual de aprendizagem profissional a garantia de

competências e habilidades necessárias ao mercado de trabalho.

O engajamento no mercado de trabalho assalariado – seja ele formal ou

informal – transforma-se num meio de substituição das políticas públicas de

emprego e renda, vindo a materializar uma estratégia de alivio da pobreza pelos

corações, mentes e mãos das crianças e dos adolescentes.

Frigotto (1995 p.30) diz que esta ótica economicista e instrumentalista,

manifesta também uma visão “Pedagogista do Aprender-Fazendo” muito em voga

no Brasil para justificar os programas públicos e privados que se propõem a

formar jovens adolescentes para um mercado de trabalho, justificando que é

através de experiências concretas que o jovem se capacita para o trabalho.

Assim, o trabalho de crianças e adolescentes “socialmente assistidos” por

programas públicos, ao integrarem um “produto social”, também pode partilhar das

estratégias de manutenção da ordem burguesa, dentre elas, o ideário do trabalho

subalternizado e explorado.

No caso do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil o que parece

preocupante é o fato do programa se propor erradicar o trabalho infantil e

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contraditoriamente vem fortalecendo a cultura do trabalho precoce de crianças e

adolescentes em alguns municípios.

Esta verdadeira “mutação”, entre meios e fins, contudo, relaciona-se com a

dinâmica mais geral da sociedade capitalista na medida em que “naturaliza” a

inserção precoce de crianças e adolescentes pobres no mundo do trabalho como

uma questão afeta a pobreza e formadora de um ideário de trabalho junto aquelas

crianças e adolescentes trabalhadoras.

O Estado investe em programas de geração de renda baseando-se no

princípio de que crianças e adolescentes precisam ocupar seu tempo em

atividades/ocupações “dignificantes” e preventivas da vadiagem. Investe-se

igualmente no trabalho de crianças e adolescentes baseando-se no princípio de

que a renda obtida pelos pais não é suficiente para sobrevivência da família.

Na zona rural, aposta-se que a força de trabalho da criança e do

adolescente é imprescindível para a composição dos ganhos da família na medida

em que o trabalho provoca perversamente o rebaixamento dos salários no campo

por conseqüência os dos chefes de família. A própria família explorada acaba

incorporando o discurso do explorador.

É sabido que crianças e adolescentes produzem mais que os adultos da

família, já comprometidos na sua força de trabalho. Para os empresariados rurais,

a força do trabalho infanto-juvenil é igualmente importante porque é geradora de

maiores lucros como explicita um agenciador de trabalho infanto-juvenil na zona

rural: “criança não trabalhar é um crime: quanto menor, mais ágil... suas mãos

pequenas encaixam mais fácil para a colheita”. (Pereira 1994 p.26).

As possibilidades de incorporação efetiva ao trabalho estão vinculadas, por

um lado ao baixo custo e à docilidade reivindicativa e política desta mão-de-obra

peculiar e, por outro lado, as suas características biológicas que a tornam mais

apropriada para determinadas tarefas em contextos tecnológicos específicos.

A utilização da mão-de-obra infantil nas atividades produtivas da agricultura

não é um fenômeno novo. Nas unidades de produção familiar, tradicionalmente,

sempre se garantiu a reprodução do grupo doméstico com a participação de todos

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os seus membros, em diferentes etapas do processo de trabalho, na organização

da produção.

Brito coloca que enquanto fenômeno histórico, portanto a dinâmica da

participação de crianças no processo produtivo, de modo particular sua inserção

no trabalho assalariado só pode ser entendida a partir do próprio movimento mais

amplo que ocorre na totalidade social onde estão inseridos esses sujeitos, ou seja,

no próprio desenvolvimento capitalista do país especialmente o que vem

ocorrendo na agricultura. Conforme já mostrara E. P. Thompson (1982), na sua

obra “A Formação da Classe Operária Inglesa”, embora não tenha sido o

capitalismo o criador do trabalho infantil, foi sob esse sistema que se formaram as

condições para a transformação de crianças em mão-de-obra com características

semelhantes a dos adultos. Ou, relembrando observações feitas por Marx, quando

se referia às condições da expansão do capital: com a manufatura moderna “(...)

crianças dos dois sexos são empregadas a partir da idade de seis e mesmo de

quatro anos. Elas trabalham o mesmo número de horas dos adultos, ou mesmo

mais que isto. Sua lida é penosa e o calor do sol aumentando ainda mais o seu

esgotamento” (Marx 1977 p.329). Em lugar dos jogos e brincadeiras de infância

aparecem o sobretrabalho que deve ser realizado com vistas à obtenção de um

salário.

Isso demonstra, que não são recentes os mecanismos de degradação das

relações de trabalho que vem atingindo o contingente infantil da força de trabalho

nas sociedades capitalistas. De há muito o capital utiliza-se deste contingente

juvenil para ser traduzidas em toda sorte de exploração. No caso da agricultura,

no apelo à mão-de-obra infantil para o assalariamento está embutida a idéia de

que a particularidade de ser criança favorece de modo especial, sua inserção em

atividades que geram empregos sasonais e informais como é o caso do corte da

cana de açúcar. Neste caso, o exercício de uma atividade assalariada, a

individualidade da criança fica, não raro, diluída nas diferentes modalidades que

assume como trabalhador sobretudo quando esta criança é reforço da capacidade

física do pai e quando inexiste uma legislação trabalhista que regulamente os

direitos destas crianças e adolescentes face ao trabalho.

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A partir destas referencias entende-se, que nos processos sociais agrários,

em nosso país, a modernização da agricultura constitui-se contraditoriamente, no

mecanismo que tem favorecido, dentre outros efeitos, a precarização do trabalho.

Nos estudos do Censo Demográfico desde 1980 à agricultura familiar vem

perdendo importância, e crescendo o contingente de assalariados volantes ou

bóias-frias.

A partir destas evidências percebe-se que longe de possibilitar melhorias

nas condições de vida da população do campo, o aumento do contingente de

assalariados dá-se através de sua participação em empregos de curta duração,

precários em empreitadas. A característica básica das condições de vida desses

trabalhadores é a alternância entre atividades de curta duração entremeada por

períodos de desempregos como é o caso da agroindústria canavieira. Os dados

de pesquisa do IBGE de 1995 indicam que as crianças do setor rural continuam a

ostentar uma taxa de atividade econômica mais intensa que a observada para

aquelas das áreas urbanas. Cerca de quase quatro milhões e meio de crianças de

5 a 14 anos trabalhavam nas atividades agrícolas do país. Segundo Brito, esses

dados demonstram que é na agricultura que o apelo à participação infantil se

apresenta mais veemente frente às necessidades de reprodução social das

famílias. O referido autor conclui, que alguns estudos já revelaram que o

empobrecimento da população do campo vem crescendo ao longo de décadas no

Brasil. O aumento da mão-de-obra infantil não tem contribuído para diminuir as

carências materiais das famílias mais pobres, mas sem paradoxos tem contribuído

para perpetuá-la (Brito 1997).

3. O PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL EM

PERNAMBUCO.

Na atual conjuntura brasileira observa-se um intenso movimento amparado

por pressões nacionais e internacionais no sentido de erradicar o trabalho infantil.

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Trata-se de um posicionamento político assumido pelo Governo Brasileiro

frente à problemática do trabalho precoce da criança e do adolescente. Evidente

que não se pode negar o papel que os movimentos sociais tiveram na deflagração

desse processo desde a década de 80, transformando o trabalho infanto-juvenil

numa questão social e exigindo medidas urgentes para tratar esta situação.

O que se configura é que o trabalho precoce vem se tornando objeto de

uma política de direitos humanos instituída para o enfrentamento da questão do

trabalho infantil pela via da ação política.

Desde a década de 90, o Brasil subscreveu a Convenção Internacional dos

Direitos da Criança. Integra a rede de 25 países atingidos pelo Programa

Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil – IPEC da Organização

Internacional do Trabalho – OIT, no “sentido de apoiar os países a restringir

progressivamente o trabalho infantil e regulamenta-lo com vistas a sua eliminação

definitiva” (Campos 1999 p.50).

Nesta mesma década, a questão social do trabalho infanto-juvenil na

cultura da cana-de-açucar na Zona da Mata em Pernambuco, foi denunciada pelo

Centro de Estudos Josué de Castro através da pesquisa “os trabalhadores

invisíveis - crianças e adolescentes dos canaviais de Pernambuco”. Esta pesquisa

constituiu marco importante para a instalação do movimento de erradicação do

trabalho infantil no Estado.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicilio –

PNAD de 1995 o número de crianças na faixa etária de 5 a 14 anos inseridas no

mercado de trabalho atinge 3,8 milhões. Dentre as regiões brasileiras, a maior

incidência de trabalho precoce, encontra-se na região nordeste (46,2%) e a

agricultura é o setor que mais emprega essa mão-de-obra (55,1%).

Em Pernambuco, a produção da cana-de-açucar, apoiada tradicionalmente

na grande propriedade e na lavoura, constitui a base da economia local, em torno

da qual se agregou depois o setor agroindustrial composto de usinas e destilarias.

A Zona da Mata Pernambucana já foi pólo econômico fundamental desta cultura

ao “ocupar 92% da área total cultivada na região” (Campos 1999 p.50). Hoje

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passa por um processo de forte decadência, sofrendo com fechamento de muitas

agroindústrias.

O processo produtivo da cana-de-açucar, caracte rizado por trabalho braçal

com sobrecarga excessivas, altas taxas de acidentes e doenças, leva a definir tal

atividade como insalubre, penosa e perigosa para o trabalhador de qualquer faixa

etária. Como vimos anteriormente, sempre foi expressivo entre a população

trabalhadora, o emprego da mão-de-obra infantil.

A relação de produção estabelecida baseada no pagamento por montante

produzido forçou a introdução do sistema do trabalho familiar incluindo

conseqüentemente a mão-de-obra infanto-juvenil. Crianças e adolescentes

passaram a participar como mão-de-obra clandestina embutida no aluguel da

força de trabalho do pai.

Segundo Campos, as crianças e os adolescentes além de serem

submetidas a trabalho comprovadamente perigoso e insalubre, com quase total

ausência de medidas de proteção laboral, até para o próprio adulto, apurou-se que

as crianças e os adolescentes são submetidos a jornadas estafantes acima de 40

horas semanais (Campos 1999 p.51).

Por conta desta situação de exploração da mão-de-obra infantil, o PETI foi

implantado em Pernambuco em caráter experimental em três municípios – Xexéu,

Joaquim Nabuco e Palmares e logo após três meses estendeu-se para mais dez

municípios atingindo então, oito mil crianças. Tem como objetivo a erradicação do

trabalho infantil e a garantia de acesso da criança e do adolescente à escola.

Dado que o trabalho precoce relaciona-se com as necessidades de sobrevivência

das famílias em situação de risco, o programa fornece um subsídio financeiro

(bolsa) para substituir os ganhos do trabalho de crianças e adolescentes e

estimula a obtenção de outras formas de renda familiar. Nestes termos, a

substituição dos ganhos do trabalho infantil, o estímulo à formação e educação

integral das crianças e adolescentes e a busca de outros meios de obtenção de

renda familiar, constituem as principais estratégias de combate ao trabalho

precoce.

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Os municípios escolhidos enquadraram-se nos critérios nacionais de

municípios com maior concentração de mão-de-obra infantil nas atividades de

risco e piores indicadores sociais o que revela o caráter de seletividade e não de

universalidade do programa. Os critérios de escolha foram estabelecidos

Secretaria de Estado de Trabalho e Ação Social (SETRAS), com a concordância

dos prefeitos e sem interferência formalizada da sociedade civil. Quanto as

crianças e os adolescentes foram incluídos aqueles pertencentes às famílias

trabalhadoras na cana de açúcar residentes na área rural. Em Pernambuco, o

programa ampliou o atendimento com caráter preventivo, tentando evitar a

contínua entrada precoce de crianças e adolescentes no trabalho de corte da

cana, para todas as crianças trabalhadoras ou não, moradoras na área rural como

também residentes na zona urbana. A ampliação do raio de ação deveu-se à

situação encontrada pelos sindicatos encarregados de acompanhar o

cadastramento das crianças e adolescentes que relataram ao Ministério Público

que nos municípios de Palmares, Água Preta e Xexéu 60% das crianças residiam

na periferia da cidade, 50% nos municípios de Jaqueira e Cabo e 40% no

município de São Benedito do Sul (Campos 1990 p.52).

O processo de implantação do PETI em Pernambuco foi calcado por muitos

conflitos e embate entre as diferentes forças políticas do Estado. Este processo

ganhou corpo contagiado pelo movimento nacional que se dava no país contra a

erradicação do trabalho infantil.

No aspecto político, os grandes protagonistas da articulação foram o

Ministério do Trabalho, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do

Trabalho Infantil e a UNICEF, que tentaram envolver as forças antagonizadas pela

questão – organismos defensores da erradicação e os empregadores da mão-de-

obra infantil. Deu-se, então, uma articulação complexa e diversificada que,

enfrentando resistências culturais e interesses econômicos e políticos,

apresentaram avanços e recuos na construção de um pacto político.

As propostas trazidas pelo Sindaçúcar (Sindicato que reúne os produtores

de açúcar) e pela Federação de Trabalhadores do Açúcar de Pernambuco –

FETAP, iriam se confrontar em dois pontos polêmicos: a destinação do Plano de

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Assistência – PAS, para as atividades de erradicação do trabalho infantil e a

proteção do trabalho do adolescente na cana.2

Foi criado o Pacto Social chamado “Pacto Paulo Freire” contando com a

adesão de 75 signatários de diversos setores do governo e da sociedade civil,

definindo competências e selando os compromissos de cada uma das partes com

o plano de erradicação do trabalho Infantil.

A resistência do setor patronal à adesão a um pacto em favor da

erradicação do trabalho infantil ficou expresso publicamente.

Em 1998 o programa foi avaliado ampliando seu raio de ação para 56

municípios atingindo os demais municípios da Mata Sul, os da Mata Norte, os do

Agreste que fazem fronteiras com a Zona da Mata e são produtores de cana de

açúcar e os da Área Metropolitana do Recife (Campos 1999 p.77).

O PETI em Pernambuco hoje abrange 65 municípios distribuídos por nove

microregiões do Estado. Além destes, o PETI também atende quinze áreas de

“lixão” localizadas em diversos municípios da área urbana e rural, perfazendo um

total de 75.109 beneficiários do programa. Deste número, 52% está na Zona da

Mata Sul, seguindo-se 16% na Mata Norte e igual percentual na Região

Metropolitana do Recife, concentrando naquelas 84% do número de crianças e

adolescentes (termo de referencia – PETI 2000).

A dimensão e importância do programa que envolve um conjunto de

instituições governamentais nos níveis Federal, Estadual e Municipal, além de

outras organizações da sociedade civil, requerem um acurado acompanhamento e

avaliação das ações desenvolvidas e das metas propostas. No momento, o PETI-

PE está sendo avaliado e acompanhado 3 pela Secretaria de Planejamento e

Desenvolvimento Social – SEPLANDES nas Zonas da Mata Sul (24 municípios),

na Zona da Mata Norte (18 municípios) e Região Metropolitana do Recife (8

municípios) perfazendo um total de 50 municípios. No critério da definição das três

2 A portaria nº 199 do Ministério da Industria, do Comércio e do Turismo de 06/09/1996, pela qual se estabelece que, dos recursos arrecadados do imposto à atividade sucro-alcooleira, destinados aos Planos de Assistência Social (PAS), uma parte seja canalizada para ações concretas de combate ao trabalho infantil e a proteção aos adolescentes nas áreas canavieiras. 3 O acompanhamento e a avaliação do PETI está sendo realizado por uma equipe de professores do Departamento de Serviço Social da UFPE coordenado pela Professora Ana Elizabete Mota.

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áreas levou-se em conta a concentração da população – alvo. A avaliação e o

acompanhamento deverão permitir a identificação dos entraves que interferem na

consecução das metas propostas pelo PETI-PE, de modo a propor alternativas de

ação para sua superação e otimizar o seu desenvolvimento.

A avaliação geral das condições de funcionamento do PETI nas três

regiões, já apresentou resultados que vem ratificar as análises realizadas

anteriormente no trabalho sobre o caráter estrutural e de classes que a questão do

trabalho infantil comporta e as contradições que perpassam as ações do Estado,

das suas instituições inclusive da família na reprodução social.

Observou-se que o PETI vem conseguindo retirar todas as crianças

cadastradas das atividades laborativas no campo. No entanto, a “suspensão” do

trabalho infantil nas regiões visitadas não garante a sua erradicação haja vista os

aspectos culturais e macro-estruturais de ordem econômica que a questão

envolve. Como dizemos, a inserção precoce da criança e do adolescente é um ato

socialmente e culturalmente determinado pela sociedade capitalista. Ou seja,

interferem fatores objetivos relacionados com as condições econômicas de

pobreza que forçam as crianças e adolescentes a buscar o trabalho

precocemente, e interferem fatores subjetivos de ordem cultural, ideológico e

ético-moral baseados na idéia de que as ocupações laborativas remuneradas são

instrumentos educativos.

Contraditoriamente, o PETI vem dando ênfase às atividades voltadas para a

formação de habilidades e ofícios, gerando profissionalizações precoces e

reforçando a cultura da educação para o trabalho em detrimento de um ensino

crítico, criativo e propiciador do desenvolvimento integral das crianças e

adolescentes. Alguns municípios explicitam este propósito enquanto parte da sua

proposta educacional. Identifica-se ainda, em alguns casos, o estímulo a

comercialização dos produtos das atividades realizadas pelas crianças durante a

jornada ampliada (artesanato) como alternativas de renda para as famílias.

Mesmo havendo referências à necessidade de realizar atividades junto às

famílias, são raros os municípios que fazem de forma sistemática, seja através de

ações sócio-educativas seja das voltadas para emprego e renda. Com rara

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exceção, o programa não está contemplando a família como um dos sujeitos

ativos da erradicação do trabalho infantil. Ao contrário, a família é vista como

responsável direta no estimulo da criança a continuar no trabalho e como

negligente diante desta situação.

Não resta dúvida que o programa opera impactos relevantes na melhoria

das condições de vida das crianças e adolescentes dos municípios. Os dados

obtidos indicam que em todos os municípios visitados houve melhoria no

rendimento escolar, aumento da auto -estima dos alunos, diminuição do índice de

evasão, aumento de freqüência escolar e redução do índice de repetência.

Todavia, a problemática do trabalho infantil fica secundarizada em relação a

preocupação com a manutenção do PETI. Falta uma politização nas discussões

dos gestores sobre o programa e o seu papel como política assistencial de

combate a pobreza implantado para atender crianças e adolescentes pobres que

trabalham na zona rural.

É uma questão instigante que pretendo aprofundar para contribuir na

discussão deste tema de tão relevância para pensarmos a realidade

contemporânea e os desafios postos ao enfrentamento da questão social.

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