A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA PERCEPÇÃO …. Impasses e... · São Luís – MA, 25 a 28...

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  • So Lus MA, 25 a 28 de agosto 2009

    A POLTICA DE ASSISTNCIA SOCIAL NA PERCEPO DE SEUS USURIOS: consideraes e expectativas

    Maria Raquel Lino de Freitas1

    RESUMO

    Neste trabalho discute-se a poltica de assistncia social com base nas falas de seus usurios. Os dados da anlise foram colhidos por meio da tcnica de grupo focal em cinco municpios da regio metropolitana de Belo Horizonte. Destacam-se as interpretaes sobre a melhor face da poltica de assistncia social e sobre as expectativas de melhoria na sua implementao. Adotam-se duas vertentes metodolgicas: a dialtica histrico-estrutural luz das teorias gramscianas de Estado Ampliado, e a metodologia da interpretao de Thompson denominada hermenutica de profundidade para o tratamento dos dados empricos. Conclui-se sobre diferentes expectativas quanto poltica de assistncia social. Palavras- Chave :Assistncia Social Poltica Social cidadania/tutela

    ABSTRACT

    In this article, social assistance policies are discussed taking as a basis the speeches of their users. The data in the analysis have been collected through focal group technique in five districts in the Metropolitan Area of Belo Horizonte. The interpretations about the best face of social assistance policies and about the expectations of improval in their implementation are highlighted. Two methodological views are adopted: structural-historical dialetics under the light of the Gramscian Theories of Widened State, and the methodology of interpretation by Thompson, the so-called in-depth-hermeneutics, for the treatment of the empirical data. The conclusion is about different expectations in what regards social assistance policy. Keywords: Social Assistance Social Politics - citizenship/guardianship

    1Doutora em Servio Social - Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.E-Mail: [email protected]

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    1 INTRODUO

    Com este trabalho pretende-se discutir os aspectos que constituem a melhor

    face da poltica de assistncia social, bem como as expectativas de sua melhoria, com

    base na percepo de usurios2. A coleta de dados para a anlise das falas foi

    possvel, a partir da realizao de 10 (dez) grupos focais em cinco municpios

    integrantes da Regio Metropolitana de Belo Horizonte no perodo de dezembro de

    2007 a abril de 2008 em Centros de Referncia da Assistncia Social (CRAS).

    No obstante o paradigma da cidadania explicitado na atual Constituio

    Brasileira, na Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS) e nas demais legislaes que

    oficializam o modelo de gesto democrtico, o assistencialismo ainda um padro

    marcante at os dias atuais, representando um tipo de combinao perversa entre a

    tutela e a assistncia social (FALEIROS, 2003, p.120) Considera-se que as diferentes

    formas de percepo dos usurios sobre a assistncia social, seja as que se definem

    na perspectiva da tutela, ou seja as que se definem na perspectiva da cidadania,

    condicionam os processos que materializam os esforos atuais de implementar a

    poltica de assistncia social de acordo com o marco legal e institucional delineado a

    partir da Constituio Federativa Brasileira de 1988. Acredita-se que esta pesquisa

    possa contribuir para enriquecer os debates sobre os processos de gesto da poltica

    de assistncia social com elementos subjetivos advindos de depoimentos de usurios,

    e tambm com a possibilidade de inseri-los na anlise terica da convivncia

    contraditria entre as formas tutelares e as formas de cidadania.

    2 AS DIMENSES ANALTICAS E METODOLGICAS DA PESQUISA

    Adota-se a concepo de assistncia social como uma forma de poltica

    pblica, com caractersticas identificadas ao padro de proteo social de

    2 As falas dos usurios apresentadas neste texto constituem parte da amostragem da pesquisa emprica de tese de doutorado defendida pela autora no Programa de Ps-Graduao em Poltica Social da Universidade de Braslia (UnB) no dia 21 de julho de 2008. Para a leitura completa da tese, pode-se acessar http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4331

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    enfrentamento s mltiplas manifestaes da questo social, definido na relao entre

    a sociedade e o Estado. O conjunto de aes que define o padro predominante da

    assistncia social em diferentes conjunturas histricas brasileiras pode ser

    compreendido levando em conta o modo de gesto e de financiamento, os critrios de

    distribuio e as garantias afianadas. Esse conjunto de aes, entretanto, no

    definido apenas na relao lgica entre as necessidades que configuram a carncia do

    bem-estar bsico dos cidados e o atendimento pblico, mas, sobretudo, na mediao

    das relaes de conflitos entre os interesses do capital e do trabalho que se manifestam

    no campo das polticas sociais, considerando, por um lado a influncia dos princpios do

    liberalismo econmico e, por outro, a influncia dos princpios da proteo social como

    direito, para as diferentes formas de tratamento da questo social.

    A metodologia do trabalho foi construda na perspectiva da pesquisa

    qualitativa, tomando como referncia principal para as anlises das falas dos sujeitos

    da pesquisa, o eixo individuo/estrutura. A idia primeira que ilumina a perspectiva

    dialtica indivduo/estrutura a de que no h indivduo sem estrutura e nem estrutura

    sem indivduo. Assim, o foco de observao so as relaes sociais nas quais se

    inserem os indivduos na dinmica da estrutura social. So observadas formas tutelares

    nos depoimentos que vinculam as referncias ao indivduo a partir de uma viso de

    mundo imediata, desvinculada do contexto das relaes sociais. Formas de cidadania

    so observadas nos depoimentos que vinculam as referncias estrutura, realando

    uma viso de mundo que comporta elementos histricos no contexto das relaes

    sociais.

    Os municpios que constituram a amostragem da pesquisa foram Belo

    Horizonte, Contagem, Nova Lima, Outro Preto e Sabar. Os grupos focais foram

    constitudos de usurios inseridos em diferentes aes da assistncia social. Para a

    interpretao dos dados foi utilizado o procedimento proposto por Laurence Bardin

    (2003), que consistiu, primeiramente, numa pr-anlise das falas para a organizao do

    corpus da pesquisa. Dois sub corpus foram derivados desta fase, constituindo o

    material que permitiu a fase da interpretao/reinterpretao proposta por Thompson

    (1995). O lugar da fala do usurio da assistncia social o daquele que recebe, do

    beneficirio. O esforo de aproximar o conhecimento s diferentes interpretaes dos

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    usurios, destaca para o pesquisador, o desafio de problematizar, simultaneamente, a

    interpretao e a reinterpretao, sendo, pois, o objeto de investigao um territrio

    pr-interpretado por usurios da assistncia social.

    A identificao das falas feita com letras e nmeros, como GF1-1,

    correspondendo ao numero do grupo focal, seguido do numero atribudo quele

    participante naquele grupo. Para problematizar, as perguntas de referncia nos grupos

    focais foram: o que h de melhor na poltica de assistncia social prestada pelo

    governo? Por que melhor? e O que precisa melhorar na assistncia social? Se

    tivssemos a tarefa de interferir para a melhoria da assistncia social no pas, o que

    apontaramos como mudana de urgncia?

    3 INTERPRETAO/REINTERPRETAO DAS FALAS DOS USURIOS

    A nfase nas falas dos usurios sobre as melhores dimenses da assistncia

    tem como referncia o indivduo, realando a maneira como so tratados pelo

    assistente social, pois, com afeto e ateno, e tambm as atitudes do profissional ao

    realizar orientaes, visitas domiciliares e encaminhamentos. As duas citaes

    seguintes, exemplificam:

    Eu acho que ela explica a gente as coisa muito explicada, com muita ateno, que elas tem com a gente. (GF5-8). Tem muito carinho, so muito carinhosas. (GF5-6). Orienta as pessoas, ensina. (GF1-2)

    Os depoimentos acima demonstram a valorizao dos usurios quanto

    prtica de orientao da assistncia social. A dimenso positiva parece ser a da boa

    explicao e do afeto. Levando em conta que orientao, informao e

    encaminhamento constituem direito do assistido, as percepes deste usurios, se

    analisada sob a tica do princpio educativo gramsciano3, podem apontar para formas

    tutelares, bem como para formas de cidadania. A citao seguinte pode ilustrar:

    3 A assistncia social tem, em suas razes histricas, o princpio da coero descrito por Gramsci poca do Estado keynesianista/Fordista. De cunho educativo ressocializador (ABREU, 2002), a assistncia

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    Eu acho que a assistncia social j ta no nome da coisa, dar assistncia mesmo. As pessoas devem pelo menos encaminhar, no fazer nem dar, encaminhar, porque tem muita gente s vezes que no consegue a coisa porque no sabe onde que vai, sabe como? (GF1-4)

    H tambm o reconhecimento da assistncia social como prtica de

    intermediao, no sentido de ir comunidade buscar a informao sobre a necessidade

    de interagir com o prefeito. H uma percepo de assistncia social que valoriza o

    paternalismo e o personalismo, apontando para as formas tutelares, ao mesmo tempo

    em que valoriza o atendimento s necessidades da comunidade, demonstrando formas

    de cidadania, como segue o depoimento seguinte: Vai ver o que que a comunidade

    necessita pra poder interagir com o prefeito. (GF4-7).

    Ainda tomando como referncia interpretativa o indivduo, boa parte dos

    usurios identifica a melhor face da assistncia social com as formas tutelares, tais

    como o paternalismo e o personalismo no atendimento. O depoimento seguinte mostra

    a percepo de que as relaes de amizades e de apadrinhamentos so norteadoras

    no modo como o usurio tratado nas instituies de assistncia social:

    Eu at que no tenho o que reclamar no, porque eu conheo muita gente l dentro. Se voc conhecer muitas pessoas l dentro e fizer amizade, voc consegue, eu vou pra mim e vou pros outros tambm, entendeu? o peixe, tem que ter algum l. Voc faz uma amizade l, conhece o pessoal, que a, num instantinho eles te tratam bem, aquele negcio todo. (GF8-5)

    O depoimento acima exemplifica traos do clientelismo nas relaes por

    meio das quais a assistncia social se realiza at os dias atuais, reproduzindo as

    formas no democrticas que constituem o imaginrio social e que perpassa as

    relaes cotidianas e fazem parte da cultura poltica brasileira. No obstante, uma

    expresso de solidariedade ressaltada no depoimento acima, quando o usurio diz eu

    vou pra mim e vou pros outros tambm. Revela uma percepo de cultura de tutela e

    de clientelismo pelas prticas de apadrinhamento, combinada apropriao de um

    status de boas relaes, quando afirma: eu at que no tenho o que reclamar, porque

    social foi um importante mecanismo de controle social, acionado para obter a adeso e o consentimento das classes subalternas ao novo padro de acumulao.

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    eu conheo muita gente l dentro. Este depoimento se orienta pela referncia do

    indivduo e demonstra formas tutelares da assistncia social.

    No que se refere s expectativas de melhoria na poltica de assistncia

    social, observa-se a demanda por informao, como exemplificam os depoimentos

    seguintes:

    Convocar as pessoas no bairro, ter uma reunio com elas, n? A assistente social e o pessoal do bairro. E explicar pra eles, porque tem muita gente que no sabe que tem assistncia social. (GF1-3). Teria que ter uma assistente social que atendesse ns aqui na comunidade, entendeu? E a ento a divulgao. Falta o que? Comunicao. O que a assistente social? O que elas fazem? Que benefcio traz para a sua famlia? Porque, se for fazer uma avaliao, de cem pessoas, duas sabem. s vezes, um presidente e um vice-presidente de uma associao pode saber. (GF3-1)

    O depoimento do usurio seguinte aponta para a percepo de que h uma

    concentrao de esforos nos processos de formulao de leis e de criao de

    conselhos, em detrimento do atendimento comunidade, indicando a percepo da

    constituio de um hiato entre o legal, o formal e o real:

    Eu acho que deveria diminuir as leis e aumentar o atendimento, entendeu? Tem tanta lei... eu mesma fao parte do conselho da mulher, do conselho da criana e j vou concorrer agora ao de assistente social. Mas eu acho que se resumisse tudo e dissesse assim: vamos atender essa comunidade... (GF4-7)

    A demanda por melhores condies de autonomia por meio do trabalho,

    oportunidade de emprego, educao e informao, faz referncia formas de

    cidadania, como se pode observar:

    Eu no concordo com nada que o governo d. Ele tem que dar oportunidade. (GF1-4). Gerar emprego. (GF9-1). (...) Precisa s colocar uns cursos pra gente aprender (...) pras pessoas conseguir um servio pra elas... (GF9-7). Investir na educao. Por exemplo, trabalho e educao. Acho que por a. Tinha que comear por a. (GF2-2)

    As questes da informao, das oportunidades de trabalho e da educao

    so relevantes nas falas dos usurios, o que demonstra uma efetiva demanda por

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    direitos de proteo social. Estas falas referem-se s relaes sociais inscritas na

    estrutura da sociedade, na perspectiva da cidadania.

    4 CONCLUSO

    Observa-se nos depoimentos dos usurios da assistncia social, a

    convivncia das formas tutelares com as formas de cidadania. Sobre a melhor face da

    assistncia social, prevaleceu a referncia ao indivduo, relacionando a assistncia

    social pessoa do assistente social. Observou-se tambm traos de subalternizao ao

    poder institudo, como o caso da relao com a pessoa do gestor municipal, o

    prefeito, e com o saber do profissional, o assistente social que orienta e estabelece

    laos de afetividade. De outro modo, as expectativas de melhoria da poltica de

    assistncia social apontaram para uma significativa percepo dos direitos de

    cidadania, como o caso da demanda pela informao sobre a poltica e as formas de

    acesso, oportunidades de trabalho e de educao, na perspectiva da emancipao

    material.

    A articulao intersetorial entre educao, assistncia social e trabalho, luz

    do princpio educativo gramsciano, pode ser pensada na perspectiva da instaurao de

    uma nova sociabilidade, fruto da organizao de uma ordem de saberes originada das

    classes subalternas. Importa tambm pensar novas estratgias para a divulgao da

    assistncia social, com metodologias mais eficazes nas formas de possibilitar a

    apropriao da informao e do saber por parte dos usurios.

    REFERNCIAS

    ABREU, Marina Maciel. Servio Social e a organizao da cultura: perfis pedaggicos da prtica profissional. So Paulo: Cortez, 2002. BARDIN, Laurence. L`analyse de contenu et de la forme des comunications. In: MOSCOVICI, Senge; BUSCHINI, Fabrice. Les mthodes des sciences sociales. Paris: PUF, 2003.

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    FALEIROS, Vicente de Paula. Fome, pobreza e excluso social: desafios para o governo e sociedade. Ser Social, Braslia, Universidade de Braslia, jul./dez. n.13, 2003. GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em cincias humanas e sociais. Braslia: Lber Livros, 2005. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a poltica e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilizao brasileira, 1980. THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crtica na era dos meios de comunicao de massa. Petrpolis, RJ: Vozes, 1995.