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A POLUIÇÃO VISUAL NAS EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS: O Caso de Chapecó - SC PAIM, ANA C. R. (1); 1. PUC - PR Rua Maestro Aldo Krieger, 166, apto 101, Córrego Grande, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil [email protected] RESUMO O presente trabalho pretende analisar a questão da comunicação visual nos monumentos históricos arquitetônicos, com ênfase nos edifícios de uso misto da avenida Getúlio Vargas em Chapecó, Santa Catarina. Tais edificações configuram-se por, principalmente, edifícios de até cinco pavimentos em alvenaria, com uso misto comercial e residencial, datadas da primeira metade do século XX, época do primeiro ciclo econômico do município (exploração da madeira) e da consolidação da avenida como principal via da cidade (PAIM, 2003). Por estarem na região central e em bom estado, muitas dessas edificações possuem o uso original de comércio no térreo e residência nos demais pavimentos, outras apresentam apenas o uso comercial e outras ainda foram adaptadas para serviços como escolas e agências bancárias. Seu uso, tão primordial para sua manutenção, (CHOAY, 2006), acaba por vezes fazendo com que as mesmas percam suas características originais, seja na escolha de cores e materiais não compatíveis com a edificação, seja com o uso de elementos publicitários demasiado grandes que acabam por ocultar as características das edificações. A metodologia utilizada será a de delimitação e levantamento da área de estudo, bem como estudos de caso semelhantes além de pesquisa referencial dentro dos temas da publicidade, da arquitetura e do patrimônio arquitetônico. Palavras-chave: Patrimônio Arquitetônico; edificações históricas; paisagem; avenida Getúlio Vargas; Chapecó

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A POLUIÇÃO VISUAL NAS EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS: O Caso de Chapecó - SC

PAIM, ANA C. R. (1);

1. PUC - PR

Rua Maestro Aldo Krieger, 166, apto 101, Córrego Grande, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil [email protected]

RESUMO O presente trabalho pretende analisar a questão da comunicação visual nos monumentos históricos arquitetônicos, com ênfase nos edifícios de uso misto da avenida Getúlio Vargas em Chapecó, Santa Catarina. Tais edificações configuram-se por, principalmente, edifícios de até cinco pavimentos em alvenaria, com uso misto comercial e residencial, datadas da primeira metade do século XX, época do primeiro ciclo econômico do município (exploração da madeira) e da consolidação da avenida como principal via da cidade (PAIM, 2003). Por estarem na região central e em bom estado, muitas dessas edificações possuem o uso original de comércio no térreo e residência nos demais pavimentos, outras apresentam apenas o uso comercial e outras ainda foram adaptadas para serviços como escolas e agências bancárias. Seu uso, tão primordial para sua manutenção, (CHOAY, 2006), acaba por vezes fazendo com que as mesmas percam suas características originais, seja na escolha de cores e materiais não compatíveis com a edificação, seja com o uso de elementos publicitários demasiado grandes que acabam por ocultar as características das edificações. A metodologia utilizada será a de delimitação e levantamento da área de estudo, bem como estudos de caso semelhantes além de pesquisa referencial dentro dos temas da publicidade, da arquitetura e do patrimônio arquitetônico.

Palavras-chave: Patrimônio Arquitetônico; edificações históricas; paisagem; avenida Getúlio Vargas; Chapecó

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Este artigo é fruto da monografia em desenvolvimento “A preservação das edificações de

caráter histórico da área central de Chapecó”, pesquisa esta que pretende analisar e a

questão da comunicação visual nos monumentos históricos arquitetônicos, com ênfase nos

edifícios de uso misto da avenida Getúlio Vargas na cidade de Chapecó, no estado Santa

Catarina, a ser apresentada como trabalho de conclusão de Especialização em Conservação

e Restauração de Monumentos Arquitetônicos da PUC Paraná.

As edificações em foco configuram-se por, principalmente, edifícios de até cinco pavimentos

em alvenaria, com uso misto comercial e residencial datadas da primeira metade do século

XX, época do primeiro ciclo econômico do município (exploração da madeira) e da

consolidação da avenida como principal via da cidade (PAIM, 2003). Por estarem na região

central e em bom estado, muitas possuem o uso original de comércio no térreo e residência

nos demais pavimentos, outras apresentam apenas o uso comercial e outras ainda foram

adaptadas para serviços.

Seu uso, tão primordial para sua manutenção, (CHOAY, 2006), acaba por vezes fazendo com

as mesmas percam suas características originais, seja na escolha de cores e tintas não

compatíveis com a edificação, seja com o uso de elementos publicitários demasiado grandes

que acabam por ocultar as características das edificações.

Tendo as cidades brasileiras os principais monumentos arquitetônicos em seus centros, o uso

dos mesmas como edificações comerciais tende a ser majoritário. Esse uso implica em

propaganda dos seus produtos e estabelecimentos a fim de angariar mais clientes, o que é

benéfico para os usuários da edificação, mas por muitas vezes, não para a mesma, uma vez

que quando utilizada em excesso a publicidade acaba por descaracterizar visualmente os

monumentos. Sendo assim, pesquisou-se: como realizar essa publicidade, necessária ao uso

das edificações, sem descaracterizar as mesmas.

A cidade de Chapecó

Chapecó, localizada na região oeste de Santa Catarina, com aproximadamente 183 mil

habitantes (IBGE, 2013), possui um território de 624 km² e segundo PAIM (2003):

(...) está localizado no Oeste do estado de Santa Catarina, no Sul do Brasil, na microrregião da AMOSC (Associação dos Municípios do Oeste Catarinense). Limita-se ao norte com os municípios de Cordilheira Alta e Coronel Freitas; ao sul com o estado do Rio Grande do Sul; a leste com os municípios de Seara, Xaxim, Arvoredo e Itá e a oeste com os municípios de Planalto Alegre, Guatambú e Nova Itaberaba. (PAIM, 2003, p.11).

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Os primeiros indícios de povoação dessa porção de território datam de 5000 a. C., sendo a

região do rio Uruguai a primeira atingida do atual estado de Santa Catarina (BACK apud

SANTOS in ROSSETO, 1995). Posteriormente, há registros da ocupação Kaigang e Guarani

na região. Após a chegada do homem branco a América, o território foi disputado por Espanha

e Portugal, e posteriormente por Brasil e Argentina. No começo do século XX, as

colonizadoras – empresas responsáveis pela ocupação das glebas - passam a trazer colonos

vindos do Rio Grande do Sul descendentes ou imigrantes de países europeus, principalmente

Itália e Alemanha. As disputas pelo território perduraram então entre caboclos, indígenas,

empresas colonizadoras e imigrantes, conforme aponta WERLANG.

Os colonos vindos do Rio Grande do Sul, apesar de ser minoria, foram aos poucos dizimando

a população de Kaigangs e caboclos locais, tendo por fonte de renda a agricultura e a

extração da madeira. Em 1917, mesmo um município emancipado, o território de 14.071 km²

ainda era visto como “terra de ninguém” pelos moradores de Santa Catarina, especialmente

da região litorânea. O fluxo migratório se intensificou com a divulgação do local como fonte de

emprego fácil e terra barata, deixando a cidade de Chapecó marcada como uma terra de

oportunidades.

A área urbana da cidade fora desenhada em malha xadrez, partindo de um X no marco zero

da cidade, no cruzamento entre as avenidas Getúlio Vargas – principal via comercial do

município – e Marechal Floriano Peixoto – rua da Catedral Santo Antônio - e se distribuindo de

maneira ortogonal por sua extensão. O desenho foi feito pela colonizadora Bertaso nas

décadas subsequentes a emancipação e apesar de apresentar vias largas, passeio público na

região central e considerar as expansões futuras da área urbana, ignorava aspectos naturais

da sua área de inserção como o relevo, os pontos com extensa vegetação e os cursos d’água

que a permeavam.

A partir do final dos anos 1960, o município passou de uma economia baseada principalmente

na extração da madeira e na agricultura, para a agroindústria com a implantação de

frigoríficos de aves e suínos, aproveitando o amplo território e população rurais para a criação

dos animais. Essa nova fonte de renda provocou um aumento na população urbana e trouxe

destaque nacional para a região – o estadual chegara com a implantação da Secretaria de

Negócios do Oeste em 1963 (GABRIELLI, 2011) – que se desenvolveu rapidamente e

recebeu migrantes de várias partes do país.

Esse destaque e aumento populacional rápido fez com que na década seguinte Chapecó

fosse enquadrada no II Plano Nacional de Desenvolvimento Nacional, que visava, quanto ao

desenvolvimento urbano, adequar cidades brasileiras à nova configuração do mercado de

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trabalho e ao modo de vida urbano, por meio da adaptação dos princípios de mobilidade,

saneamento e desenho urbano. Em Chapecó isso acarretou na canalização dos riachos da

região central, regulamentação de lotes e traçado viário além de desenvolvimento do

paisagismo do centro por meio de arborização e ajardinamento dos canteiros e da praça

Coronel Ernersto Bertaso. (WOLLF, 2008).

A aplicação do plano na cidade impulsionou ainda mais o crescimento da mesma, visando o

progresso e o desenvolvimento comercial, sempre na perspectiva de exaltar o belo, limpo e

rico e ocultar o feio, sujo e pobre. Esse crescimento atraiu ainda mais pessoas, principalmente

após a mecanização da agricultura que inviabilizava a vida no campo, tornando então o êxodo

rural um problema para o município, já que o mesmo provocava a ocupação desordenada do

espaço, algo impensável para a população “ordeira e trabalhadora” local.

Boa parte dessa população instalou-se no centro e nos bairros a ele adjacentes – hoje

considerados áreas nobres – dando a essa parte da cidade um caráter residencial e uma

paisagem predominante de edificações de pouca altura, em alvenaria. Nas proximidades da

avenida Getúlio Vargas, elas seriam, em sua maioria, multifamiliares e com uso comercial no

térreo. Nos bairros, eram predominantes casas de madeira com telha de barro, tal qual as da

zona rural e dos demais municípios da região oeste catarinense, locais de origem desses

migrantes (uma característica que permanece até o presente). Esse contraste visual validava

Chapecó como polo regional, não apenas no quesito econômico e político, mas também

social, sendo vista então como local de progresso e modernidade.

Essa imagem de centro de desenvolvimento regional e terra das oportunidades perdura até a

contemporaneidade, tendo sido validada por diversos órgãos de pesquisas, incluindo a revista

Exame, que no ano 2000 apontou Chapecó como uma das melhores cidades do Brasil para

investir e trabalhar. Unido a outros fatores como a instalação de usinas hidrelétricas na região

oeste e a vinda de grandes empresas, o município teve um crescimento populacional de 30%

na última década e meia.

Para além dos frigoríficos, que ainda possuem parcela importante na economia do município,

esta também é mantida pelo comércio e serviços, que inclui grandes instituições de ensino

superior como as particulares Unochapecó (Universidade Comunitária da Região de

Chapecó) e UNOESC (Universidade do Oeste de Santa Catarina) e campi das públicas

UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) e UFFS (Universidade Federal da

Fronteira Sul). Essas instituições configuram um atrativo municipal e geram um fluxo de

pessoas bastante grande que acaba por movimentar a economia local e impulsionar

principalmente o desenvolvimento dos setores imobiliário, de comércio e de serviços.

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O comércio está concentrado principalmente no centro da cidade e atrai clientes não apenas

dos demais bairros como das cidades vizinhas. Tal qual no início da cidade, as lojas estão

concentradas principalmente ao longo da principal avenida da cidade, nas quadras

subsequentes a praça central, onde estão locadas a catedral Santo Antônio e a antiga

prefeitura, em um esquema comum a várias cidades brasileiras.

Imagem 01: área de estudo na região central de Chapecó, onde é possível observar a malha xadrez, o traçado partindo do “X” central e as vias. Fonte: Google Earth. Edição: Ana C. R. Paim.

A paisagem da Avenida Getúlio Dorneles Vargas

Conforme indicado anteriormente, as edificações que compõe a paisagem da avenida Getúlio

Vargas na área de estudo são em alvenaria, majoritariamente com até cinco pavimentos,

datadas das décadas de 1950,1960 e 1970. Em uma análise didática, elas poderiam ser

indicadas como edificações ecléticas com influência Art Deco, que fica evidente nos traços

retilíneos dos frisos usados para marcar as esquadrias e a horizontalidade, nos chanfros e

boleamentos nas esquinas e, em alguns casos, na identificação do uso do edifício com grafias

da época. Algumas, principalmente as mais altas, mantém as linhas retas, mas sem detalhes

arquitetônicos, usando revestimentos característicos do período – pastilhas de vidro e

cerâmicas, cobogós e panos amplos de vidro.

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Apesar de, em uma análise temporal, as edificações serem recentes (muitas não tem meio

século de existência) e, de em uma análise artístico arquitetônica não possuírem em seu

conjunto, algo extremamente valoroso e único que possa vir a ser considerado um

monumento no sentido apontado pelo dicionário e pelo senso comum de uma obra notável,

algo digno de ser preservado para a posteridade, sendo estas edificações as mais antigas da

cidade, seu valor há de ser considerado.

Se a conceituação usada de monumento for a de “tudo que for edificado por uma comunidade

de indivíduos para rememorar ou fazer com que outras gerações de pessoas rememorem

acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças” conforme aponta CHOAY (2006, p.17), e for

considerada uma conotação afetiva de memória, as edificações objeto dessa pesquisa são o

que remanesce das origens da cidade Chapecó. Caso elas não venham a ser preservadas,

conservadas ou ao menos respeitadas pelos seus usuários, corre-se o risco de que elas não

atinjam idade suficiente para ser consideradas patrimônio da cidade.

Em se tratando de uma cidade voltada desde a fundação para o progresso, com a população

aspirando e cultivando a necessidade cada vez maior do novo, do “moderno”, das grandes

torres envidraçadas e demais sinais de status e poder, o descaso para com as poucas

edificações históricas é perigoso, pois há o risco de se apagar um pedaço importante da

história e da memória local, algo que inevitavelmente será motivo de arrependimento

posterior.

Essa memória visual do crescimento e do passado do município espalhada pela avenida

Getúlio Vargas na forma de detalhes arquitetônicos, artísticos e construtivos, inclusive relevos

na antiga rodoviária da cidade, localizada na área de estudo, foram ao longo do tempo sendo

removidos, substituídos por materiais mais tecnológicos ou encobertos por aparatos

publicitários, a fim de modernizar os estabelecimentos comerciais e torná-los mais atraentes

aos clientes. Quando não foi a edificação toda removida para dar lugar a salas apenas com

uso comercial em traços limpos e contemporâneos.

No caso dessas novas edificações, algumas, apesar de ser visualmente contrastantes com as

demais devido ao uso de materiais como ACM e vidro espelhado, mantém a mesma imagem

na paisagem por se utilizarem do mesmo gabarito, enquanto outras fogem totalmente do

padrão visual causando grande impacto, como é o caso da loja de departamentos Havan, na

esquina com a rua Benjamin Constant.

Não se intenta com essa pesquisa barrar o progresso ou pregar um saudosismo

desnecessário do passado, impedindo que a cidade de Chapecó expresse sua

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contemporaneidade em seu ponto turístico1 mais conhecido, mas sim apontar que essa

necessidade exacerbada de modernização dos espaços e da paisagem acaba por ocultar –

ou até mesmo destruir - uma parte importante da história da cidade em nome de um

crescimento (ou imagem de um) exagerado.

Em alguns casos, os aparatos publicitários usados para divulgação dos estabelecimentos

comerciais ou das promoções dos mesmo, são compostos por painéis de matéria plástica em

formato de caixa, acabam por colocar em risco a estabilidade estrutural de partes da

edificação como marquises e projeções sobre o passeio público. Ao ocultar esses elementos,

cria-se um espaço propício para o acúmulo de água pluvial em sua superfície, o que leva

desde a deterioração do ferro do concreto armado destes e por fim o desprendimento do

concreto, que pode cair nos passantes à criação de goteiras, deixando as edificações com

aspecto sujo e descuidado – exatamente o oposto do intentado inicialmente.

Além desses aspectos individuais de cada edificação, essa utilização delas como outdoor do

seu uso, unida ao fator de que há vários estabelecimentos com produtos semelhantes

próximos uns dos outros e não haver legislação municipal para regulamentar tamanho, tipo ou

distribuição dessa publicidade, ela é apresentada em variadas formas, direções e

posicionamentos, transformando a paisagem da região central do município em um

emaranhado de imagens e cores, bombardeando os passantes – pedestres ou motoristas –

com informações.

Ineficiente em seu propósito, ocultadora dos edifícios que a abrigam e desregulamentada,

essa publicidade excessiva acaba por ser um desserviço aos próprios estabelecimentos que

as ostentam. E a paisagem da avenida Getúlio Vargas, que desde sua concepção fora sempre

ampla, arborizada e permitira visibilidade de passagem, tanto para usuários dos amplos

passeios públicos quanto para os motoristas e demais usuários das pistas de rolagem, se

torna então poluída visualmente e descaracterizada. Um aglomerado de imagens e luzes que,

unidos aos sons e cheiros típicos de um centro urbano confundem os sentidos e desorientam

os passantes.

1 Por ser a maior cidade da região oeste, é comum a vinda de turistas de cidades próximas para compras nas lojas

da avenida, principalmente nos fins de semana e próximo a datas comerciais comemorativas.

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Imagem 02: área de estudo na região central de Chapecó na década de 1960, tendo por ponto de vista a torre da Catedral Santo Antônio. Essa tipologia de edificações de pouca altura, via larga e canteiro central arborizado ainda permanece na avenida Getúlio Vargas. Fonte: CEOM. Autor desconhecido

A necessidade de publicidade versus a visibilidade da paisagem

Ao revisar as soluções e projetos apresentados para o embate entre poluição visual e

necessidade de publicidade dos estabelecimentos comerciais pelas prefeituras brasileiras é

possível polariza-los em abolição total de aparatos publicitários e regulamentação dos

existentes.

O caso brasileiro mais comum do primeiro polo é o da cidade de São Paulo que, em 2006,

instaurou a lei 14.223, a chamada “Lei Cidade Limpa”, a qual proibiu todos os tipos de

anúncios em empenas, fachadas, toldos, marquises, postes, mobiliário urbano e demais

pontos em que viesse a obstruir a visibilidade. O texto da lei intenta:

(...) “a melhoria da qualidade de vida urbana, assegurando, dentre outros, os seguintes: I- o bem estar estético, cultural e ambiental da população; II- a segurança das edificações e da população; III- a valorização do ambiente natural e construído; IV- a segurança, a fluidez e o conforto nos deslocamentos de veículos e pedestres V- a percepção e a compreensão dos elementos referenciais da paisagem; VI- a preservação da memória cultural;

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VII- a preservação e a visualização da características peculiares dos logradouros e das fachadas; VIII- a preservação e a visualização dos elementos naturais tomados em seu conjunto e suas peculiaridades ambientais nativas; IX- o fácil acesso e utilização das funções e serviços de interesse coletivo nas vias e logradouros; X- o fácil acesso aos serviços de emergência, tais como bombeiros, ambulâncias e polícia; XI- o equilíbrio de interesses dos diversos agentes atuantes na cidade para a promoção da melhoria da paisagem do Município.”(SÃO PAULO, 2006, p.2)

A lei prevê multas e remoção dos anúncios no caso do descumprimento da mesma. Há no

corpo da lei, além da proibição, uma relação das exceções como sinalizações de nome de

edifícios residenciais e hotéis e previstas por normas do corpo de bombeiros e normas nas

instâncias federais, estaduais e municipais – placas de saídas de emergência e da lei

antifumo, por exemplo. Ainda dentro das permissões, a lei prevê aprovação de aparatos

publicitários pela prefeitura e dimensões adequadas para estas que estão proibidas de:

I- oblitere, mesmo que parcialmente, a visibilidade de bens tombados; II- prejudique a edificação em que estiver instalado ou as edificações vizinhas; III- prejudique, por qualquer forma, a insolação ou a aeração da edificação em que estiver instalado ou ados imóveis vizinhos; IV- apresente conjunto de formas e cores que se confundam com as convencionadas internacionalmente para as diferentes categoria de sinalização de trânsito; V- apresente conjunto de formas e cores que se confundam com as consagradas pelas normas de segurança para a prevenção e o combate a incêndios.” (SÃO PAULO, 2006, p.2)

Outras cidades brasileiras, como Curitiba e Belo Horizonte, também apresentam legislação

quanto à inserção da publicidade na paisagem urbana. Embora a legislação não seja tão

rígida quanto à paulistana, ambas preveem aplicação de multas e remoção dos anúncios no

caso do descumprimento da lei.

No caso de Belo horizonte, a legislação regulamentadora da publicidade está inserida na lei

9.845, de 2010, o código de posturas do município. Preocupa-se com a manutenção e bem

estar do logradouro público e versa não apenas quanto à questão publicitária, mas também

das demais disposições no meio ambiente urbano que possam vir a desorganizar a cidade.

No que tange ao uso de aparatos publicitários, é mais permissiva que a legislação paulistana,

com várias exceções e tipologias passíveis de negociação, bem como uma área de exposição

para essa publicidade maior. Diferem também quanto aos métodos punitivos no caso de

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descumprimento da lei, já que em Belo Horizonte adota-se uma política educativa, na qual, no

caso de infração há a orientação e conscientização e, apenas no caso de reincidência há a

punição por meio de multa, gradativa conforme o número de repetições.

Outra diferença é que em Belo Horizonte a metragem quadrada de fachada na qual é

permitida a exposição publicitária é maior, mas há a imposição de sentido ortogonal ou

perpendicular a mesma. Há também a permissão de publicidade em mobiliário urbano

específico e aparatos independentes da edificação como totens e outdoors mediante a

aprovação municipal.

Em um meio termo entre a legislação paulistana e a belo-horizontina está a curitibana, que,

por meio da lei 8.471/94 e do decreto n° 88 de 2012, estabelece, dentre regulamentações

quanto a tipologia do aparato publicitário2, os parâmetros pra obtenção de aprovação da

prefeitura para instalação dos mesmos.

Difere de ambas as anteriores por apresentar áreas de ocupação das fachadas maiores,

porém, apresenta métodos punitivos mais severos proporcionalmente. Tal qual a legislação

belo-horizontina, prevê a utilização de mobiliário urbano e de aparatos no passeio público

mediante aprovação municipal, ainda que indique que os mesmos não devem obliterar a visão

da edificação e nem o trânsito, como prevê a paulistana.

Estes estudos de caso foram escolhidos por se tratarem de cidades notórias pelo seu

tamanho, sua característica de polos regionais e nacionais – por se tratarem de capitais de

estado – e por apresentarem legislação específica quanto à publicidade no espaço público. O

mote que as une é a melhoria deste, a criação de cidades com melhor qualidade de vida para

seus habitantes e, por que não, para suas edificações.

O município de Chapecó não apresenta em seu conjunto de leis nada que regulamente ou

indique um melhor uso dos aparatos publicitários em logradouros públicos, sua Lei Orgânica

indica em seu décimo artigo, no parágrafo XIII, item f, a regulamentação, execução, fixação,

licenciamento, concessão, autorização ou permissão d’ “a fixação de cartazes e anúncios,

bem como a utilização de quaisquer outros meios de publicidade e propaganda nos locais

sujeitos ao poder de polícia municipal” (CHAPECÓ, 1990).

Sabe-se que a existência das leis não significa necessariamente que elas serão cumpridas,

bem como que a existência de punição pecuniária não as faz menos ou mais severas e

2 A prefeitura estabelece dois tipos: letreiros e anúncios, subdivididos em 2 categorias daquele, de fachada e no

recuo frontal, quanto a fixação e 3 tipos deste, quanto a dimensão.

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ameaçadoras aos proprietários das edificações nas quais os aparatos publicitários possam vir

a ser afixados.

Nos casos estudados, não há, salvo por estabelecimento de dimensões máximas,

determinações precisas quanto a materiais e cores – exceto no caso paulistano onde há a

proibição do uso de cores simbólicas de trânsito e legislações de segurança por motivos

óbvios – isso é vantajoso, pois não tolhe a liberdade de criação dos profissionais envolvidos

no desenvolvimento e instalação dos elementos publicitários.

Porém, no caso de Chapecó por não haver essa legislação ocorre o relatado anteriormente:

excesso de elementos, materiais incoerentes com a linguagem da edificação, aparatos

superdimensionados e danificação dos edifícios e da paisagem urbana. Ainda no que tange

aos materiais, o não estabelecimento de tipos possíveis ou não de utilização – e aqui se

referindo não apenas ao caso de Chapecó – pode trazer malefícios a “saúde” da edificação a

qual se propõe utilizar com comercial.

Um dos problemas em se tratando do uso de edificações históricas na contemporaneidade se

dá justamente nas opções de revestimentos a serem utilizados para fazer com que as

superfícies arquitetônicas dessas edificações satisfaçam as necessidades sentidas por seus

proprietários e usuários. No caso dessa pesquisa, a questão da poluição visual causada pelos

aparatos publicitários, as necessidades são essencialmente de promover seu produto e/ou

estabelecimento.

Nesse intento, é possível observar em vários centros urbanos brasileiros – inclusive em

Chapecó (vide imagem 03) – edificações inteiras que quando restauradas ou até mesmo

reformadas recebem por revestimentos as cores do estabelecimento que abrigam. Isso, além

de ser controverso patrimonialmente falando, pois tenta “rejuvenescer” a edificação e não

preservar suas características, senão originais, as que a tornaram marcante e digna de

reconhecimento ao longo de sua existência (OLIVEIRA apud KUHL, 2004), ainda pode trazer

problemas mais graves para a edificação em si, como nos casos em que são utilizadas tintas

com base plástica (acrílicas e PVA) em edificações cujas argamassas originais são a base de

cal, que acabam por fechar os poros das paredes e desagregar os componentes destas

gerando desprendimento dos mesmos.

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Imagem 03: Exemplo de conjunto de edificações inseridas na área de estudo. Nos andares superiores dos 3 edifícios funciona um estabeleciemento cujas cores são azul e amarelo, as mesmas utilizadas nas fachada. No caso do edifício central, a fachada foi completamente oculta por placas de ACM. Fonte: Google Street View. Março de 2014. Edição: Ana. C. R. Paim

Ainda com todos esses percalços em se utilizar edificações históricas – tombadas ou não –

para fins comerciais, é importante sempre considerar que o uso das edificações é essencial

para sua manutenção e conservação, como pregou Violet Le Duc, reforçou Camilo Boito e

encorajou a Carta de Atenas em 1961. Mas há de se convir que algum respeito é necessário

com as edificações, com sua história e seu papel com símbolos do passado do local em que

estão inseridas, Giovanoni já apontava que a conservação de um espaço ou centro urbano só

é possível se os usos forem compatíveis.

Conforme citado anteriormente, não se pretende com essa pesquisa impedir o

desenvolvimento da cidade de Chapecó, bradar pelo passado, defende-lo a todo custo e

restaurar a paisagem local tal qual fora no século XX. Ao contrário, a intenção principal é

justamente refletir a cerca da situação atual da paisagem urbana da região central da avenida

Getúlio Vargas, pensar se não há um modo diferente de ocupar esse espaço, visando melhor

qualidade de vida para a população e, por que não, já considerar as futuras alterações pois,

conforme disse Baudelaire “a forma de uma cidade/ muda mais depressa, ai de nós, que o

coração de um mortal”.

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REFERÊNCIAS BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. São Paulo: Martin Claret, 2005. BELO HORIZONTE, Prefeitura. Decreto N 14.060, de 6 de agosto de 2010, regulamenta a lei n 8.616/03 que “Contém o Código de Posturas do Município de Belo Horizonte”. Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento/>. Acessado em: mai. 2014. BOITO, Camilo. Os Restauradores. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. CHAPECÓ, Câmara Municipal. Lei orgânica do município de Chapecó. Chapecó, 1990. Disponível em: < https://www.leismunicipais.com.br/a1/lei-organica-chapeco-sc.html/>. Acessado em: mai. 2014 CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio / Françoise Choay; tradução de Luciano Vieira Machado. 3ª ed. – São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. CURITIBA, Prefeitura. Decreto N 88, de 15 de março de 2012, regulamenta a lei municipal n 8.471, de 13 de junho de 1994, que dispõe sobre publicidade ao ar livre. Curitiba, 2012. Disponível em: <

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