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    Provocaes

    Pontuao em Histria Oral

    Alberto Lins Caldas

    Universidade Federal de Rondnia-UFRO

    A pontuao (colocao dos sinais ortogrficos na escrita; sistema de sinais grficos

    que indicam, na escrita, pausas na linguagem oral) a aproximao ao oral, ao dito,

    atuando no texto no sentido dele, isto , para realiz-lo, no para format-lo. A

    pontuao no equivalente textualizao (Meihy, 1991), que inicia com a ...

    anulao da voz do entrevistador, dando espao para a falado narrador. (...) Consta

    desta tarefa a reorganizao do discurso, obedecendo estruturao requerida para o

    texto escrito. Atravs das palavras-chave estabelece-se o corpus, isto , a soma de

    assuntos que constituem o argumento. Faz parte do momento da textualizao, a

    rearticulao da entrevista de maneira a faz-la compreensvel, literariamente agradvel.

    Nesta fase anula-se a voz

    do entrevistador e passa-se supresso das perguntas e sua incorporao no discurso do

    depoente. (1991: 30)

    Permanece, do conceito de textualizao, quando existir perguntas,anulao da voz

    do entrevistador, mas no anulao completa ou gratuita, mas incluso na

    dialogicidade do texto quando isso for pertinente e exigido por essa mesma

    dialogicidade, tema ou narratividade.

    O desaparecimento do entrevistador incluso dialgica, no sumio, no corte

    aleatrio ou estilstico, no simples mergulho na fala do outro. As possveis

    perguntas no somem por imperiosidade das modas, mas por, naquele momento de

    incluso, fazer parte da narrativa.

    Para se garantir a narrao viva do colaborador preciso que uma das vozes emdilogo (a entrevista no ato tcnico, mas vasto dilogo em busca do outro, de si

    mesmo, do nosso presente e daquele presente que no nos pertence) seja devorada

    hermenuticamente pela outra, realando-a, trazendo-lhe a fora original, a fora

    virtual da sua existncia,experincia e sentido.

    A reestruturao requerida para o texto escrito, prpria da HistriaOral de Meihy no

    faz parte da perspectiva da cpsula narrativa nem da pontuao (muito menos a ao dos

    historiadores orais), que um processo intermitente de busca do outro e instaurao denegatividades.

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    A pontuao enquanto uma textualizao suave necessria no por questes

    estilsticas ou por se destinar a um pblico leitor: a pontuao feita por exigncia do

    rigor hermenutico da reflexo sobre a fala-texto do outro: a pontuao obedece ao

    respeito ao dizer e ao ser do colaborador: sua vida (suas virtualidades especficas), sua

    fala, sua Alberto Lins Caldas, Pontuao em Histria Oral existncia, sua

    temporalidade, sua ordem narrativa, ficcional e ficcional ser tambm aquilo que a

    dir integralmente, no perdendo de vistaque as falas dos outros no nos exime de

    nos pr e de interpretar, ao contrrio, exige essa interpretao e essa tomada de posio:

    as falas do outro por si mesmas no so suficientes (assim como no suficiente

    uma entrevista apenas): mesmo no se misturando nossa, exige a reflexo:

    sua dialogicidade pede complemento, pois tanto a dele quanto

    a nossa so, de determinado momento em diante, contrafaces de um

    mesmo e grande texto, de uma mesma e complexa realidade. Num texto em busca do

    outro se deve ter o espao das entrevistas integrais, mas no podemos deixar de fora a

    nossa prpria voz, nossa reflexo sobre o outro, que em sua existncia textual chama

    nossa interferncia no somente como autor do texto, mas, principalmente, enquanto

    o outro do dilogo. Mas no podemos esquecer que um dos papis do oralista o de no

    aceitar o texto, mas critic-lo e interpret-lo at que ele se abra e projete suas mltiplas

    entradas e caminhos, suas sombras, manhas, hipertextualidades.

    Como dizer o outro, dimenso da oralidade do dizer, atravs da escrita? Como pontuar a

    fala? Como redimensionar a fala atravs do texto? Como dizer uma vida, uma

    experincia com a escrita? Como fazer dizer aquilo que some ao se dizer seno com a

    escrita? Como fazer com que a escrita no mate, no seque, no disseque a oralidade?

    A instaurao textual e a pontuao textual (a traduo do oral para o escrito, da

    transcrio ao texto final) no so exigncias literrias (littera,letra do alfabeto, ou no

    portugus do sculo XVI, letradura enquanto conhecimento da escrita), fornecendo aoleitor um texto expurgado das excrescncias orais. exatamente essas excrescncias

    orais, juntamente com a estrutura oral, com seus fluxos internos, com sua fora

    ilocucionria, com sua forma de existncia, que ensinar escrita as trilhas a seguir.

    A instaurao do texto uma conquistada atravs da modificao textual, que , na

    verdade, aquilo que entendemos como a construo do texto, se dando a partir das

    exigncias de sentido, estrutura e funo do falado, dos fluxos e escolhas narrativas do

    nosso interlocutor. No uma dimenso exclusiva da escrita, mas a escrita sedeixando moldar por um dizer, por um viver, por uma ordem de dizer o vivido que pede

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    para se dizer mais, com mais solidez, com a permanncia que somente a escrita pode

    garantir.

    Aquilo que coordenar a escrita no ser a mentalidade gerada pela cultura escrita

    (Haveloch, 1996a, 1996b; Olson, 1997; Ong, 1998), mas uma escrita consciente tanto

    das suas dimenses quanto dos campos de fora geradas por sua atuao. Buscaremos a

    escrita da oralidade e no simplesmente uma oralidade escrita ou transcrita, mas uma

    oralidade transcriada. O texto final a oralidade transcriada.

    A pontuao enquanto textualizao suave (pontual) alm de fundir ou excluir

    possveis perguntas atua no sentido do texto se curvar narrao e dela se realizar no

    texto. Nunca ordenamento ou reordenamento estrutural, mas realmente uma pontuao:

    em pontos especficosatuar para que o oral se realize em texto e o texto plenifique-se

    em oralidade escrita: essa relao, essa dimenso tico-moral que se apresenta como

    cuidado epistemolgico no tem regras, no pode ser ensinado: cada oralista na relao

    vital com o colaborador fundar o texto num processo compartilhado tendo como

    horizonte o respeito experincia viva do colaborador.

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