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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X A POSIÇÃO DE SUJEITO NÔMADE EM / DE KAIJA SAARIAHO: REFLEXÕES SOBRE A ABORDAGEM DE QUESTÕES DE GÊNERO FEITAS POR UMA MULHER COMPOSITORA EM DECLARAÇÕES PÚBLICAS ENTRE 2013 E 2016 Camila Durães Zerbinatti 1 Resumo: Apresento aqui reflexões sobre declarações públicas da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952-) nas quais questões de gênero são abordadas, e, que apontam para a possibilidade de “outras” subjetividades, posições-de-sujeito-de-gênero e processos de deslocamentos subjetivos em/de uma mulher compositora. Foram selecionados para análise trechos de entrevistas de mídia escrita/ impressa e declarações textuais de Saariaho que abordam situações e discussões de gênero na música feitas entre 2013 e 2016. Reflito a partir do referencial teórico oferecido por Moisala (2000) e Braidotti (2002, 2011) com o objetivo de investigar a condição de sujeito nômade em/de Saariaho, processos de deslocamentos subjetivos, e, de observar algumas formas e processos pelos/as quais uma compositora mulher pode e consegue (ou não) se posicionar sobre as questões de gênero na música, deslocando-se da subjetividade clássica ocidental e falocêntrica, em possíveis exemplos de micro resistências ao sistema patriarcal e predominantemente masculino da chamada música clássica. Palavras-chave: Kaija Saariaho. Sujeito Nômade. Mulher Compositora. 1. Introdução Apresento aqui reflexões sobre declarações públicas da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952-) nas quais questões de gênero são abordadas, e, que apontam para a possibilidade de “outras” subjetividades, posições-de-sujeito-de-gênero e processos de deslocamentos subjetivos em / de uma mulher compositora. Foram selecionados para análise trechos de entrevistas de Saariaho em mídia escrita que abordam situações e discussões de gênero na música feitas entre 2013 e 2016. Reflito a partir do referencial teórico oferecido pela etnomusicóloga Pirkko Moisala (2000) e pela filósofa e teórica feminista Rosi Braidotti (2002, 2011) com o objetivo de investigar a condição de sujeito nômade em/de Saariaho, processos de deslocamentos subjetivos, e, de observar algumas formas e processos pelos/as quais uma compositora mulher pode e consegue (ou não) se posicionar sobre as questões de gênero na música, deslocando-se da subjetividade clássica ocidental e falo-logocêntrica. Essa pesquisa apresenta minhas reflexões 2 sobre a posição-de-gênero-de- 1 Violoncelista, mestra em Musicologia Etnomusicologia (UDESC, 2015), Doutoranda no PPGICH (Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, na Área de Concentração em Estudos de Gênero), UFSC Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, bolsista do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). 2 De acordo com as teorias e políticas feministas de localização, situo e ancoro minhas perspectivas aqui apresentadas como as de uma violoncelista e pesquisadora brasileira, latino-americana e feminista que, ao estudar Kaija Saariaho,

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

A POSIÇÃO DE SUJEITO NÔMADE EM / DE KAIJA SAARIAHO: REFLEXÕES SOBRE

A ABORDAGEM DE QUESTÕES DE GÊNERO FEITAS POR UMA MULHER

COMPOSITORA EM DECLARAÇÕES PÚBLICAS ENTRE 2013 E 2016

Camila Durães Zerbinatti1

Resumo: Apresento aqui reflexões sobre declarações públicas da compositora finlandesa Kaija

Saariaho (1952-) nas quais questões de gênero são abordadas, e, que apontam para a possibilidade

de “outras” subjetividades, posições-de-sujeito-de-gênero e processos de deslocamentos subjetivos

em/de uma mulher compositora. Foram selecionados para análise trechos de entrevistas de mídia

escrita/ impressa e declarações textuais de Saariaho que abordam situações e discussões de gênero

na música feitas entre 2013 e 2016. Reflito a partir do referencial teórico oferecido por Moisala

(2000) e Braidotti (2002, 2011) com o objetivo de investigar a condição de sujeito nômade em/de

Saariaho, processos de deslocamentos subjetivos, e, de observar algumas formas e processos

pelos/as quais uma compositora mulher pode e consegue (ou não) se posicionar sobre as questões

de gênero na música, deslocando-se da subjetividade clássica ocidental e falocêntrica, em possíveis

exemplos de micro resistências ao sistema patriarcal e predominantemente masculino da chamada

música clássica.

Palavras-chave: Kaija Saariaho. Sujeito Nômade. Mulher Compositora.

1. Introdução

Apresento aqui reflexões sobre declarações públicas da compositora finlandesa Kaija

Saariaho (1952-) nas quais questões de gênero são abordadas, e, que apontam para a possibilidade

de “outras” subjetividades, posições-de-sujeito-de-gênero e processos de deslocamentos subjetivos

em / de uma mulher compositora. Foram selecionados para análise trechos de entrevistas de

Saariaho em mídia escrita que abordam situações e discussões de gênero na música feitas entre

2013 e 2016. Reflito a partir do referencial teórico oferecido pela etnomusicóloga Pirkko Moisala

(2000) e pela filósofa e teórica feminista Rosi Braidotti (2002, 2011) com o objetivo de investigar a

condição de sujeito nômade em/de Saariaho, processos de deslocamentos subjetivos, e, de observar

algumas formas e processos pelos/as quais uma compositora mulher pode e consegue (ou não) se

posicionar sobre as questões de gênero na música, deslocando-se da subjetividade clássica ocidental

e falo-logocêntrica. Essa pesquisa apresenta minhas reflexões2 sobre a posição-de-gênero-de-

1 Violoncelista, mestra em Musicologia – Etnomusicologia (UDESC, 2015), Doutoranda no PPGICH (Programa de

Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, na Área de Concentração em Estudos de Gênero), UFSC –

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, bolsista do CNPq (Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico). 2 De acordo com as teorias e políticas feministas de localização, situo e ancoro minhas perspectivas aqui apresentadas

como as de uma violoncelista e pesquisadora brasileira, latino-americana e feminista que, ao estudar Kaija Saariaho,

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sujeito (gender subject position) de Saariaho como posição de sujeito nômade, como prévia e

primeiramente apontado por Moisala em 2000, com foco nas declarações públicas feita pela

compositora em anos recentes. Estas considerações foram germinadas durante minha pesquisa de

mestrado sobre a peça Sept Papillons, de Saariaho, realizada entre 2013 e 2015, e vêm sendo

elaboradas e desenvolvidas desde então, em pesquisas posteriores, inspiradas em larga medida pela

pesquisa anterior e pioneira de Pirkko Moisala. As reflexões partem da hipótese de que as

conclusões alcançadas por Moisala no texto de 2000 com foco nas negociações de gênero vividas

por Saariaho na Finlândia também vêm se manifestando e sendo verificadas em outros contextos e

situações sociomusicais além daqueles vividos pela compositora em seu país natal.

2. Saariaho sujeito nômade, sob os prismas de Moisala

No texto “A Negociação de Gênero da compositora Kaija Saariaho na Finlândia: a Mulher

Compositora como Sujeito Nômade” Moisala apresenta a história da negociação de gênero vivida

por Saariaho na Finlândia (seu país de nascimento) como um processo contínuo e discursivamente

construído, entre e em diferentes esferas e experiências da vida, com foco no surgimento de uma

mulher compositora dentro do campo predominantemente masculino da música de concerto de

tradição europeia e cuja obra passa a integrar também o cânone desse campo. Nesse texto, a autora

parte da compreensão de gênero tanto como uma construção interna e interativa, quanto como um

processo social que envolve constantes negociações em situações e contextos que abrangem (e são

constituídos por) estruturas de poder e de conhecimento, em produção de sujeitos/as e

subjetividades (como as Saariaho) que envolvem o uso de variadas estratégias para performar,

esconder e/ou até mesmo mascarar o gênero. Baseada em entrevistas pessoais feitas com Saariaho,

bem como em entrevistas da compositora publicadas anteriormente por veículos da mídia

finlandesa, Moisala analisa a construção discursiva de identidade e subjetividade de Saariaho

enquanto mulher compositora e enquanto sujeito pertencente a um ambiente social com o qual

interage através de três domínios que se inter-relacionam: 1. diferenças internas (dentro de cada

mulher, com foco nas heterogeneidades, contradições, conflitos e multiplicidades internas de

Saariaho); 2. diferenças entre mulheres (com foco na ausência de modelos, confrontos entre

representações e nas diversas estratégias de negociação de gênero encontradas por várias mulheres têm se deparado com diversas questões que me instigam e transformam objetiva e subjetivamente, em especial com

relação aos debates de gênero e feminismos - fundamentais para que eu mesma também possa refletir sobre o campo

predominantemente masculino da música de concerto de tradição europeia, do qual também faço parte, embora ciente

das brutais desigualdades, disparidades e diferenças entre minha experiência nesse campo, desde o Sul global, e a dela

(no e do Norte global).

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do mesmo contexto sociomusical da compositora); e, 3. diferenças entre homens e mulheres (com

atenção para situações vividas por Saariaho relacionadas à tecnologia, à imprensa e ao contexto e às

tradições nacionalistas e de tradição masculina de seu país). (Moisala, 2000 – 2015, p. 1-24)

Na análise da construção discursiva de identidade e subjetividade de Saariaho nos três

domínios inter-relacionados (nos quais processos conflituosos, heterogêneos e múltiplos foram

observados), Moisala percebe que, se nos anos 1980 a compositora insistiu para que seu gênero não

fosse publicizado e nem relacionado à sua música, já nos anos 1990 ela começa a abordar suas

experiências como mulher compositora no campo da música em entrevistas (tratando

principalmente da conciliação entre maternidade e trabalho composicional), e que, posteriormente, a

consolidação de sua carreira e de seu reconhecimento como compositora na Finlândia esteve

atrelado ao surgimento e crescimento de suas críticas públicas ao sistema de gênero finlandês no

âmbito da música, mas, também, à estrutura nacional, social e cultural do país. (Moisala, 2000 –

2015, p. 1-24) Nesse sentido Moisala afirma: “O poder é uma parte inseparável dessas negociações;

posições "erradas" de gênero precisam ser mascaradas para atingir os objetivos desejados, e o status

conquistado fornece o poder de performar o gênero diferentemente.” (Moisala, 2015, p. 20)

A autora localiza o uso de diferentes estratégias de negociação de gênero (negociação de

uma posição de sujeito) no percurso de Saariaho para que ela pudesse ultrapassar as barreiras,

impedimentos, dificuldades e preconceitos convencionais e amplamente arraigados no campo

patriarcal da música de concerto ocidental a fim de que ela pudesse se estabelecer profissionalmente

e ser reconhecida como compositora na Finlândia. As confrontações e combates internos e externos

vividos por Saariaho incluíram, em diferentes momentos, algum tipo de negação, neutralização,

encobrimento e mascaramento de seu status de mulher assim como sua cultura e sociedade

compreendiam e como representavam o que era ser “mulher”. Moisala observa em Saariaho a busca

por um novo tipo de posição-de-gênero-de-sujeito (gender subject position), mesmo que em um

percurso inacabável, multifacetado, crítico, vivido internamente, mas, que fosse ou buscasse ser

independente das limitações convencionadas pela cultura: a posição do sujeito nômade. (Moisala,

2000 – 2015, p. 1-24) A autora conclui o artigo reivindicando que

Saariaho negociou seu gênero não "dentro" do sistema dominado pelos homens, mas "com"

ele. No meu entendimento, ao construir sua posição de sujeito feminista sem

imasculinização, e quando, simultaneamente, de forma consistente e determinante, rejeita a

"feminização" de suas obras e de sua subjetividade, ela definiu uma nova posição de gênero

de sujeito que não é a mulher convencional, não é uma imitação do homem convencional, e

não é a do gênero neutro ou andrógino; ao contrário, é a posição do sujeito nômade. A

posição de sujeito nômade não fica dentro do sistema patriarcal da música de arte, mas, ao

contrário, o transforma. (MOISALA, 2015, p. 1-24)

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3. Subjetividades Nômades

Dentro das teorias e críticas feministas, o dilema nômade proposto por Rosi Braidotti abarca

e aborda diversas questões relacionadas às questões da subjetividade não-unitária (dividida, em

processo, enozada, rizomática, transicional, nômade), perpassada, por sua vez, por várias questões

de fragmentação, complexidade e multiplicidade, bem como por contradições e paradoxos internos

e externos da condição histórica múltipla que nos rodeia. Ao invés das generalizações, banalizações,

simplificações, essencialismos e pretensas universalizações da subjetividade única, predominante

discursivamente por séculos no ocidente, Braidotti clama pela extrema precisão das subjetividades

nômades, que leva em conta fatores externos, e, também, as complexidades internas da

subjetividade nômade. Para Braidotti, em um mundo e um tempo caracterizado por trânsitos,

deslocamentos, adaptações e movimentos contínuos, as figurações oferecidas pela ideia de

subjetividades nômades atuam como mapeamentos de posições sociais encarnadas e corporificadas,

e contribuem para as cartografias que servem à localização (e ao conhecimento situado) em termos

de espaço e tempo. As análises de localização são modeladas em termos de poder, seja ele

restritivo, ou, potencializador e afirmativo, segundo o legado de Foucault. Nesse sentido, interessa

às reflexões sobre as subjetividades nômades pensar sobre a lacuna entre como vivemos (e como

construímos nossas identidades) e como nós representamos a experiência vivida discursivamente e

até em termos teóricos. (Braidotti, 2011, p. 3 e 4)

Para a filósofa, subjetividades nômades são noções e práticas que oferecem figurações para

a subjetividade contemporânea que são, também, teoricamente adequadas à necessidade de buscar

visões alternativas de subjetividade, para mais além das concepções dualistas, dicotômicas,

monológicas, restritas, teleológicas, monolíticas, fixas (e fixadas), rígidas, definidas (e definitivas),

“puras” e pretensamente universais, vigentes e por tantos séculos predominantes no pensamento,

nos modos de vida e nos contextos sociais do ocidente, cujos velhos esquemas de compreensão e

pensamento restringiram as subjetividades humanas – e, em especial as das mulheres – à visões e

representações culturalmente convencionais e limitadas da subjetividade. (Braidotti, 2011, p. 21 –

25). Segundo Braidotti:

(...) precisamos aprender a pensar de maneira diferente sobre nossa condição histórica;

precisamos nos reinventar. Este projeto transformador começa com a renúncia aos hábitos

de pensamento historicamente estabelecidos que, até agora, têm fornecido a visão “padrão”

da subjetividade humana. A renúncia a isto tudo seria uma posição mais confortável, em

favor de uma visão descentralizada e multi-dimensionada do sujeito como entidade

dinâmica e mutante, situada em um contexto, em transformação constante. O nômade

expressa (...) figurações de uma compreensão situada, culturalmente diferenciada do

sujeito. Este sujeito também pode ser descrito (...) dependendo de seu lugar. Esses lugares

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diferem e essas diferenças têm importância. Enquanto eixos de diferenciação como classe,

raça, etnia, gênero, idade, e outros interagem uns com os outros na constituição da

subjetividade, a noção de nomadismo se refere à ocorrência simultânea de muitos deles de

uma vez. Subjetividade nômade tem a ver com a simultaneidade de identidades complexas

e multi-dimensionadas. (BRAIDOTTI, 2002, p. 9-10)

É nesse sentido, como apontado primeiramente por Moisala, que vejo as movências,

adaptações, deslocamentos e processos de subjetivação e construção de identidade discursivamente

apresentados por Saariaho também nas abordagens das questões de gênero que ela têm feito nos

últimos anos em declarações públicas, para além de toda a força de fixidez e essencialização

culturalmente esperada de compositoras mulheres, assim como de mulheres em geral no mundo

patriarcal da música, de acordo com as visões e representações convencionais de mulher: como

reinvenção e transformação constantes que renunciam, mesmo que conflituosamente, “aos hábitos

de pensamento historicamente estabelecidos que têm fornecido a visão “padrão” da subjetividade

humana”, apresentando, ao contrário uma construção identitária e discursiva em processo que é

complexa, multi-dimensionada, paradoxal, contradiória e às vezes conflituosa.

4. Abordagem de questões de gênero feitas por uma mulher compositora em declarações

públicas entre 2013 e 2016

É principalmente a partir das observações e da análise crítica que Moisala faz das

negociações de gênero de Saariaho na Finlândia e de sua posição de sujeito nômade - em

interminável, conflituosa e multifacetada construção - que me debruçarei sobre algumas declarações

públicas da compositora de anos recentes, verificando a hipótese de que as interpretações

apresentadas por Moisala em 2000 com vistas às negociações de gênero e posições de sujeito

vividas por Saariaho na Finlândia também vêm se manifestando e sendo verificadas em outros

contextos e situações sociomusicais que não só as de seu país de origem mas também para além

dele.

4.1 “Quebrando o silêncio”: apontando a discriminação negativa e a marcação social da

diferença

Entre os exemplos de declarações recentes da compositora com abordagem de questões de

gênero (de 2013 e 2014) que apresento em minha dissertação de mestrado, cuja análise aprofundo e

amplio aqui, se encontram dois exemplos de momentos em que a compositora apontou abertamente

algumas das discriminações negativas de gênero e da marcação social da diferença de gênero

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sofridos por ela e por sua obra no âmbito da crítica musical, em entrevistas de 2014. Na primeira

entrevista trazida aqui, ela abordou como sua posição-de-gênero-de-sujeito foi muitas vezes usada

como “justificativa” para críticas negativas à sua música (nesse caso vemos sua posição-de-gênero-

de-sujeito ser usada como “causa” do “insucesso” ou “demérito” de suas composições): “Sempre

houve críticas à minha música. No início elas estavam lá apenas porque sou uma mulher.”3

(Saariaho, 2014)

Em outra entrevista, a compositora desabafou com espanto sobre o quanto sua posição-de-

gênero-de-sujeito é sempre usada contra ela para criticar à ela e às suas criações, seja nas críticas

negativas contra a sua obra, seja nas críticas negativas que, em uma lógica aparentemente inversa

mas igualmente sexista, usam essa mesma posição-de-gênero-de-sujeito como a única justificativa

para o sucesso de sua música e seu reconhecimento profissional, como se essas conquistas só

tivesse sido alcançadas por algum tipo de condescendência social para com uma mulher

compositora e não por suas próprias capacidades, em um malabarismo lógico que sorrateiramente

inferioriza e diminui, de forma simplista e essencialista, os próprios méritos, potencialidades,

qualidades e conquistas da compositora:

Por toda a minha vida eu tive que provar que eu sou, acima de tudo, um compositor

[inflexão masculina usada pela compositora], e que sou tão séria e tão inteligente quanto

qualquer um dos meus colegas. Minha música têm sido muito bem-sucedida, e eu acho que

é apesar do fato de que eu sou uma mulher, enquanto meus colegas pensam que é

claramente porque eu sou uma mulher!4 (SAARIAHO, 2014, p. 53)

4.2 “Consciência periférica”: o “esquecer-se de esquecer as injustiças e as pobrezas simbólicas”

Outro exemplo de abordagem de questões de gênero feita por Saariaho em declarações

públicas que trago da minha dissertação para esse artigo, com análises ampliadas, diz respeito a um

período do ano de 2013, marcado por polêmicas e escândalos consecutivos provocados por

declarações sexistas, machistas e misóginas de dois músicos reconhecidos e detentores de

significativo status, poder e fama no mundo da música de concerto de tradição europeia: o

compositor e regente Bruno Mantovani e o regente Vasily Petrenko. No começo de setembro de

2013, às vésperas do primeiro concerto regido por uma mulher (a regente Marin Alsop), no festival

BBC Proms, na Inglaterra, Petrenko defendeu e justificou o porquê homens regentes seriam

melhores do que mulheres para reger orquestras afirmando, entre outras coisas, que as orquestras

3 “There has always been criticism on my music. In the beginning, it was there just because I am a woman.” (Saariaho,

2014). Tradução nossa 4 “Throughout my entire life I‘ve had to prove that I am, above all, a composer, and one who is as serious and as smart

as any of my male colleagues. My music has been very successful, and I think it‘s despite the fact that I‘m a woman,

while my colleagues have thought it‘s clearly because I‘m a woman!” (Saariaho, 2014, p. 53) Tradução nossa.

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“reagiam melhor diante de regentes homens”, que “mulheres bonitas no pódium (de regência)

fazem com que os músicos de orquestra pensem em outras coisas [se distraindo para além da

música]”, que, quando regidos/as por maestros homens “os músicos têm menos energia sexual

[atribuída por ele única, exclusiva e negativamente às mulheres] e podem se concentrar mais na

música”, e, que “quando as mulheres possuem famílias fica mais difícil se dedicar tanto quanto a

profissão [musical] exige”. (Higgins, 2013). Um mês depois, em outubro de 2013, Bruno

Mantovani, então diretor do Conservatório Nacional Superior de Música e de Dança de Paris,

afirmou, entre outras coisas, em um programa de rádio, que “estava bastante irritado com essa

discussão sobre equanimidade e discriminação positiva”, que “as mulheres não tinham a força física

[necessária] para serem regentes”, e, que “a maternidade e os cuidados das crianças [entendidas por

ele como responsabilidades únicas exclusivas das mulheres] eram um problema para a carreira de

mulheres regentes”. (Lebrecht, 2013) Em 3 de novembro de 2013 Kaija Saariaho respondeu

assertiva e enfaticamente essas recentes polêmicas em um discurso na Universidade de McGill, no

Canadá:

Como uma mulher compositora, canhota, finlandesa, eu represento várias minorias, um

assunto que eu gostaria de discutir brevemente aqui. Depois de passar por muitas batalhas

durante meus primeiros anos profissionais eu senti que a igualdade das mulheres na música

estava avançando. Por isso eu não falei disso publicamente por muitos anos. Recentemente,

porém, estão acontecendo polêmicas geradas por declarações vindas de pessoas públicas e

até mesmo do diretor da maior instituição educacional na França, defendendo que há várias

razões naturais para explicar porque as mulheres não são adequadas para reger. Isto me fez

entender que hoje, 30 anos depois de minhas próprias batalhas, as mulheres jovens ainda

precisam experimentar a mesma discriminação cotidiana pela qual eu passei. Ao ler mais

estudos sobre nossa história recente nesta questão, eu entendi que a situação não está

melhorando lentamente, mas que as melhorias parecem ter parado há um bom tempo. (...)

Em todo o mundo, nós precisamos prestar mais atenção a como nós educamos nossas

crianças (...). Nós precisamos incorporar mais da inteligência das mulheres para criar um

mundo diverso, uma sociedade multidimensional. (...) Ninguém quer ser avaliado(a) por

outras coisas além do que suas verdadeiras capacidades. (...) Por favor continuem este

trabalho [de igualdade de direitos e de oportunidades] encorajando e apoiando um rico

futuro humano, um futuro de diversidade e de igualdade.5 (SAARIAHO, 2013)

5 “As a Finnish, left-handed woman composer I represent several minorities, a subject that I would like to briefly

discuss here. After having gone through many battles during my early professional years I felt that the equality of

women in music was advancing. Therefore I have not spoken about this publicly for many years. Recently, however,

there have been polemics generated by statements coming from public persons and even the head of the highest music

education institution in France, arguing that there are several natural reasons to explain why women are not suitable for

conducting. This made me understand that today, 30 years after my own battles, young women still have to experience

much the same everyday discrimination I went through. In reading more studies about our recent history in this matter, I

have understood that the situation is not slowly getting better, but that the improvements seem to have stopped a while

ago. (…) All over in the world, we need to pay more attention to how we educate our children (…) We need to

incorporate more of the brainpower of women to create a diverse, multidimensional society.(…) Nobody wants to be

evaluated for things other than their actual skills.(…) Please continue this work by encouraging and supporting a rich

human future, a future of diversity and equality.” (Saariaho, 2013) Tradução nossa.

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Nesta fala, Saariaho não apenas aborda questões de gênero – falando diretamente sobre

discriminação de gênero - como conclama ações educacionais que ajudem a promover a igualdade

de oportunidades entre os diferentes gêneros. Este posicionamento confirma o que Moisala afirma

sobre as negociações de gênero de Saariaho quando a pesquisadora demonstra consistentemente que

a compositora encontrou uma outra posição-de-sujeito-de-gênero (gender subject position) que não

é nem a representação tradicional da mulher e nem uma distorção em conformidade com o sistema

patriarcal: ao contrário destes velhos modelos e padrões, a subjetividade nômade expressa nesse

discurso aponta para a vocalização do que Braidotti chama de “consciência periférica” que

“esqueceu de esquecer a injustiça e a pobreza simbólica”, em processos de ativação da memória

contra a corrente: “As feministas – ou outros intelectuais críticos, como sujeitos nômades – são

aquelas que tem uma consciência periférica; esqueceram de esquecer a injustiça e a pobreza

simbólica: sua memória está ativada contra a corrente; elas desempenham uma rebelião de saberes

subjugados.” (Braidotti, 2002, p. 10)

Assim como também já apontado por Moisala na análise das negociações de gênero vividas

pela compositora na Finlândia, esse posicionamento público enfático contra discriminações de

gênero na música, que atua em prol de transformações do sistema patriarcal da música dessa

tradição (ao invés da predominante reprodução de ideias e subjetividade convencionadas nesse /

desse sistema), dentro do que podemos considerar como perspectivas críticas feministas, acontece

também logo após um período de reconhecimento e consolidação profissional de Saariaho, marcado

pelo alcance inquestionável de grande visibilidade internacional, provavelmente inédita para uma

mulher compositora no campo da música de concerto de tradição europeia (os primeiros anos do

Século XXI), o que indica a relação - já apontada por Moisala - entre a conquista de status e outras

e diferentes possibilidades de performar seu gênero.

4.3 A metáfora do teto de vidro de gênero na música: barreiras “invisíveis”, barreiras concretas

A realização de sua ópera L´Amour de Loin (2000) na Metropolitan Opera House, em Nova

York, na temporada 2016-2017, regida pela regente Susanna Malkki, sendo, nessa ocasião, a

primeira ópera composta por uma mulher apresentada na tradicional casa de óperas estadunidense

desde que há 113 anos antes a compositora e sufragista britânica Ethel Smyth (1858-1944) tivera

sua ópera “Der Wald” apresentada no mesmo teatro, levantou polêmicas e grande repercussão na

mídia especializada do Norte global sobre o sexismo na música, com foco na programação e

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escolha de repertórios de grandes teatros, casas de ópera, grupos orquestrais e corais. Saariaho foi

perguntada sobre essa polêmica foram feitas em diversas entrevistas.

Em geral ela manifestou seu espanto diante do fato de que por mais de um século a

Metropolitan Opera House não havia programado nenhuma única ópera composta por uma mulher.

Às vezes o choque era expresso ainda que com alguma esperançosa rumo a possíveis progressos na

direção da equidade de gênero na música: ““É um choque”, disse Saariaho sobre a lacuna

[temporal] (...). “Isso só mostra o quão vagarosamente as coisas estão evoluindo. Mas elas estão

evoluindo – em todos os campos assim como na música.””6 (Saariaho, 2016) Em outras, ao falar

sobre o fato, a compositora se dirigiu diretamente ao sexismo e à discriminação de gênero presentes

nas escolhas e programações de repertório, questionando a ausência de agendamento de óperas de

compositoras ao lembrar que óperas compostas por mulheres existem, e, que têm qualidade: “Eu

não posso negar que é chocante, e que para muitos foi até mesmo uma tremenda notícia. É verdade

que não existe uma grande quantidade de óperas compostas por mulheres, mas ainda assim há

algumas, e elas são boas, então essa não deveria ser a razão, disse Saariaho.”7 (Saariaho, 2016) Em

outras ocasiões, a insistência nas perguntas sobre o marcador social da diferença relacionado ao

gênero e ao status de mulher da compositora suscitou a expressão de incômodo frente à essas

questões e problemas, e, indignação frente ao “absurdo” estado de coisas (porque injusto e desigual)

que persiste com relação ao gênero na música de concerto de tradição europeia:

Bem, eu acho simplesmente tão chato! Não, eu não devia dizer chato. Eu apenas devo dizer

que é chocante que isso ainda precise ser discutido, e, por isso, chato. Mas se é assim

realmente, que esperamos cem anos para que isso acontecesse, então talvez isso deva ser

mencionado. Talvez isso torne as pessoas mais conscientes do absurdo disso.8

(SAARIAHO, 2016)

Em outras entrevistas, quando perguntada sobre a polêmica em torno da montagem de uma

ópera composta por uma mulher depois de mais de 100 anos que isso não acontecia na Metropolitan

Opera House (considerada a maior companhia de ópera e de música de concerto de tradição

europeia estadunidense) ela falou sobre a questão em declarações que demonstraram cansaço frente

a necessidade de abordagem do teto de vidro de gênero no mundo da ópera, e também indignação

6 ““It’s a shock,” Ms. Saariaho said of the gap (…) Paris. “It just shows how slowly these things evolve. But they are

evolving — in all fields and also in music.”” (Saariaho, 2016) Tradução nossa. 7 “Se on kieltämättä ihan järkyttävää, ja todellakin se oli suuri uutinen monille. Onhan totta, ettei hirveästi ole naisten

säveltämiä oopperoita, mutta kyllä niitä kuitenkin on – ja hyviä, eli sen ei pitäisi olla syy, Saariaho sanoo.” (Saariaho,

2016). Tradução nossa. 8 “Well, I just find it so boring! No, I shouldn’t say boring. I should just say it’s shocking that it still needs to be

discussed, and therefore boring. But if it really is so that we waited a hundred years for it to happen, then maybe it

should be mentioned. Maybe it would make people more conscious of the absurdity of that.” (Saariaho, 2016).

Tradução nossa.

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frente a própria existência desse tipo de questão e de problema no mundo da música em 2016-2017,

no século XXI. Nessas manifestações ela abordou o desconforto vivido com relação às menções à

própria condição de gênero e status de mulher em um ponto de grande consolidação profissional

alcançado por uma mulher compositora, que já há tanto tempo luta contra “essas coisas” na música.

A percepção da permanência e da continuidade temporais das barreiras de gênero impostas às

mulheres na música implicou também em uma revisão da própria compositora sobre o cansaço, a

indignação, o desconforto e a vontade de não mais abordar esse problema inicialmente expressos

nessa entrevista, com demonstração de preocupação com as futuras gerações de mulheres na música

frente ao sexismo ainda vigente nesse campo. Ela faz declarações que reclamam transformações no

/ do próprio campo:

"É meio ridículo", diz ela. "Eu sinto que devíamos falar sobre minha música e não sobre eu

ser uma mulher". (...) "Eu tenho visto isso [acontecer] com mulheres jovens que estão

lutando contra as mesmas coisas que eu estava lutando... há 35 anos", diz ela. (...) Saariaho

diz que a persistência dessas barreiras de gênero podem até fazer com que ela repense seu

ponto anterior. "Talvez nós, então, devamos falar sobre isso, mesmo que pareça tão

inacreditável", diz ela. "Você sabe, metade da humanidade tem algo a dizer, também."9

(SAARIAHO, 2016)

5. Em busca de considerações finais

Pelas declarações de Saariaho recolhidas no período entre 2013 e 2016 em que ela aborda

questões de gênero não apenas no contexto da Finlândia, mas para além de seu país de origem,

observamos que, de fato, como anteriormente apontado por Moisala, a compositora têm se

posicionado de forma diferente de como fazia no começo de sua carreira. Ela têm abordado esse

tema de forma mais ou menos explícita, mas diretamente, mesmo quando colocando em ação

estratégias para questionar a própria insistência da marcação social da diferença nas perguntas

recebidas por ela nas entrevistas que concede - situação que não é vivida por homens compositores,

que não tem sua condição de gênero marcada socialmente como “diferença” no mundo

predominantemente masculino da música, e que, portanto, não se vêem inquiridos a responder sobre

isso. Nesses casos Saariaho estabelece relações entre essa “insistência” de seus/uas

entrevistadores/as e a transformação lenta - e muitas vezes ainda não realizada, nem sequer iniciada

- rumo a algum equilíbrio de gênero na música.

9 "It's kind of ridiculous," she says. "I feel that we should speak about my music and not of me being a woman.""I've

seen it with young women who are battling with the same things I was battling ... 35 years ago," she says. (...) Saariaho

says the persistence of these gender barriers might even cause her to revise her earlier point. "Maybe we, then, should

speak about it, even if it seems so unbelievable," she says. "You know, half of humanity has something to say, also."

(Saariaho, 2016) Tradução nossa.

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A consolidação de sua carreira e de seu reconhecimento como compositora na música de

concerto de tradição europeia parece mesmo configurar a conquista de um status que oferece a

possibilidade de apresentar, performar, situar e posicionar o gênero diferentemente das

representações convencionadas pela cultura – ao contrário, até mesmo subvertendo-as, quebrando e

questionando os padrões de identificação de gênero consolidados no mundo patriarcal da música.

Saariaho têm percorrido esse processo apresentando contradições e conflitos internos que

também são negociados e discursivamente construídos em situações e contextos sociomusicais da

música, o que aponta para complexidade, existência de múltiplos níveis de afetividade de

construção discursiva, variáveis temporais complexas, conjunto de experiências e discursos

potencialmente contraditórios, complicada inter-relação de forças e construções simbólicas e

sociais. Observo nesses processos, percursos e trânsitos externos e internos, infindáveis e

contraditórios, uma “outra” posição-de-sujeito-de-gênero: a posição de sujeito nômade em / de

Kaija Saariaho, como apontada por Moisala. Talvez, a hipótese de um possível nomadismo

feminista na música de concerto de tradição europeia, que ainda é profundamente dominada por

homens, patriarcal e predominantemente masculina – nas palavras de Braidotti:

O nomadismo feminista marca o itinerário político específico das mulheres feministas que

apoiam multiplicidade, complexidade, anti-essencialismo, anti-racismo e coalizões

ecológicas. Feministas nômades visam desfazer as estruturas de poder, que sustentam as

oposições dialéticas dos sexos, enquanto respeitam a diversidade das mulheres e a

multiplicidade dentro de cada mulher. (BRAIDOTTI, 2002, p. 15)

Referências

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theory. Second edition. United States of America: Columbia University Press, 2011.

BRAIDOTTI, Rosi. Diferença, Diversidade e Subjetividade Nômade. Tradução de: Roberta

Barbosa. Labrys, estudos feministas, Brasília, n. 1-2, julho/dezembro 2002. 1 – 16. Disponível em:

<http://www. unb. br/ih/his/gefem>. Acesso em 07 de julho de 2017.

MOISALA, Pirkko. Gender Negotiation of the Composer Kaija Saariaho in Finland: The Woman

Composer as Nomadic Subject. In: MOISALA, Pirkko; DIAMOND, Beverley. (Editors). Music

and Gender. Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 2000. p. 166- 188.

MOISALA, Pirkko. A Negociação de Gênero da compositora Kaija Saariaho na Finlândia: a

Mulher Compositora como Sujeito Nômade. Tradução de: Camila Durães Zerbinatti. Revista

Vórtex, Curitiba, v.3, n.2, dezembro 2015. 1-24. Disponível em:

<http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/vortex/article/view/886/473 >. Acesso em 07 de julho

de 2017.

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LEBRECHT, Norman. “Women don´t want to conduct because it´s incompatible with family life”.

Slipped Disc, October, 2013. Disponível em: http://slippedisc.com/2013/10/women-dont-want-to-

conduct-because-its-incompatible-with-family-life/. Acesso em 07 de julho de 2017.

HIGGINS, Charlotte. Male conductors are better for orchestras, says Vasily Petrenko. The

Guardian, September 2013. Disponível em:

<https://www.theguardian.com/music/2013/sep/02/male-conductors-better-orchestras-vasily-

petrenko>. Acesso em 07 de julho de 2017.

SAARIAHO, Kaija. A Conversation with Kaija Saariaho. Music & Literature, Nova York, n. 5,

2014. 48-60.

SAARIAHO, Kaija. An Interview with Kaija Saariaho. Interview by Zoë Madonna. VAN

Magazine, United States of America, November 2016. Disponível em: <https://van-

us.atavist.com/amour>. Acesso em 07 de julho de 2007.

SAARIAHO, Kaija. Kaija Saariaho: Sukupuolella on taas väliä klassisessa musiikissa – "Välillä

oli kausi, jolloin uskottiin tasa-arvoisuuteen". Interview by Mattias Mattila. Yle, the Finnish

Broadcasting Company, Finland, April, 2016. Disponível em: < https://yle.fi/uutiset/3-8815633>

Acesso em 07 de julho de 2017.

SAARIAHO, Kaija. 'Half Of Humanity Has Something To Say': Composer Kaija Saariaho On Her

Met Debut. Interview by Jeff Lunden. Deceptive cadence – from NPR Classical, United States of

America, December, 2016. Disponível em:

<http://www.npr.org/sections/deceptivecadence/2016/12/03/503986298/half-of-humanity-has-

something-to-say-composer-kaija-saariaho-on-her-met-debut >. Acesso em 07 de julho de 2017.

SAARIAHO, Kaija. Interview with the festival composer: Kaija Saariaho. Trondheim Kammer

Musikk Festival. September, 2014. Disponível em:

http://www.kamfest.no/enGB/Nyheter/interview+with+the+festival+composer+kaija+

saariaho.html Acesso em 13 de nov. de 2014.

SAARIAHO, Kaija. Met to Stage Its First Opera by a Woman Since 1903. Interview by Michael

Cooper. New York Times, New York, February, 2016. Disponível em:

<https://www.nytimes.com/2016/02/18/arts/music/met-to-stage-its-first-operaby-a-womansince-

1903.html> Acesso em 07 de julho de 2017.

SAARIAHO, Kaija, The composer Kaija Saariaho on sexism in classical music, Speech at the

McGill University on 2013, November 3. Disponível em <http://slippedisc.com/2013/11/the-

composer-kaija-saariaho-on-sexism-in-classicalmusic/>. Acesso em 22 de jan. 2014.

The nomadic subject position in / of Kaija Saariaho: reflections on the approach of gender

issues made by a woman composer on public statements between 2013 and 2016

Abstract: Here I present some reflections on the public statements of the Finnish composition Kaija

Saariaho (1952-) in which gender problems are approached. These statements point to the

possibility of "other" subjectivities, gender subject position and processes of subjective

displacements in / of a woman composer. I selected excerpts from written / printed media

interviews and from textual statements that deal with gender situations and gender discussions in

music between 2013 and 2016, made by Saariaho. I reflect about them following the theoretical

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framework offered by MOISALA (2000) and BRAIDOTTI (2002, 2011), in order to investigate the

nomadic subject condition in / of Saariaho and processes of subjective displacements, as well as to

observe the forms and processes by which a woman composer can (or can not) position herself

about gender issues in music, shifting from the classical western and phallocentric subjectivity, in

examples of micro resistances to the patriarchal system and predominantly male field of classical

music.

Keywords: Kaija Saariaho. Nomad Subject. Woman Composer.

Agradeço ao CNPq pela bolsa de doutoramento, e, à Janina Jansku e à Noora Sopanen pela solidária

ajuda com a tradução da entrevista “Kaija Saariaho: Sukupuolella on taas väliä klassisessa

musiikissa – "Välillä oli kausi, jolloin uskottiin tasa-arvoisuuteen".