A possível influência genética no perfil dos psicopatas.pdf

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  • Associao Pr-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR

    Universidade Feevale

    Tiago Santos Carvalho

    Betina Heike Krause Suecker

    Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul Brasil

    2011

  • EXPEDIENTE

    PRESIDENTE DA ASPEUR

    Argemi Machado de Oliveira

    REITOR DA FEEVALE

    Ramon Fernando da Cunha

    PR-REITORA DE ENSINO

    Inajara Vargas Ramos

    PR-REITOR DE PESQUISA E INOVAO

    Joo Alcione Sganderla Figueiredo

    PR-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAO

    Alexandre Zeni

    PR-REITORA DE EXTENSO E ASSUNTOS COMUNITRIOS

    Gladis Luisa Baptista

    COORDENAO EDITORIAL

    Inajara Vargas Ramos

    EDITORA FEEVALE

    Celso Eduardo Stark - Coordenador

    Daiane Thom Scariot

    Gislaine A. M. Monteiro

    CAPA

    Celso Eduardo Stark

    Daiane Thom Scariot

    EDITORAO

    Daiane Thom Scariot

    REVISO TEXTUAL

    Valria Koch Barbosa

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Universidade Feevale, RS, Brasil

    Bibliotecria responsvel: Elena da Costa Plmer CRB 10/1349

    Carvalho, Tiago Santos A possvel influncia gentica no perfil crimingeno de psicopatas

    [recurso eletrnico] / Tiago Santos Carvalho, Betina Heike Krause Suecker

    Dados eletrnicos Novo Hamburgo : Feevale, 2011.

    92 p.

    Modo de acesso: World Wide Web

    ISBN: 978-85-7717-135-4

    1. Psicologia Criminal 2. Direito Penal e Psicologia. 3. Gentica no

    Direito Penal. I. Suecker, Betina Heike Krause. II. Ttulo

    CDU 343.95

    @Editora Feevale Os textos assinados, tanto no que diz respeito a linguagem como ao contedo, so de inteira responsabilidade dos autores e, no

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    Universidade Feevale

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    Fone: (51) 3586.8800 Homepage: www.feevale.br

  • No h de mais profundamente desigual do que

    a igualdade de tratamento entre indivduos diferentes.

    (Esmeraldino Olmpio Torres Bandeira)

  • .......................................................................................................7

    ..............................................................................................................................8

    | TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL...........................................11

    ASPECTOS CLNICOS...........................................................................................11

    NEUROFISIOPATOLOGIA......................................................................................22

    ALTERAES GENTICAS....................................................................................28

    | CRIMINOLOGIA....................................................................................................32

    CRIMINOLOGIA....................................................................................................33

    IMPUTABILIDADE PENAL.....................................................................................41

    MEDIDA DE SEGURANA....................................................................................50

    | A POSSVEL INFLUNCIA GENTICA

    NO PERFIL CRIMINGENO DE PSICOPATAS.....................................................62

    NEURODIREITO...................................................................................................62

    DIREITO PENAL GENTICO.................................................................................65

    INTERAO GENES E CRIME..............................................................................69

    .....................................................................................................79

    ..............................................................................................................................82

  • Tiago Santos Carvalho

    Farmacutico-Bioqumico, Biomdico e Bacharel em Direito. Mestre em Cincias Biolgicas:

    Bioqumica (UFRGS). Professor nos cursos de graduao em Biomedicina, Farmcia, Direito e

    Segurana Pblica, e ps-graduao em Anlises Clnicas e Toxicologia Forense na

    Universidade Feevale. Perito Criminal Oficial do Instituto Geral de Percias do Estado do Rio

    Grande do Sul.

    Betina Heike Krause Suecker

    Advogada. Especialista em Cincias Penais (PUCRS). Mestre em Cincias Criminais (PUCRS).

    Doutora em Direito (PUCRS). Professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na

    Universidade Feevale.

  • A violncia e o crime so objetos de apreenso e comoo social em qualquer local do

    mundo. Os ndices crescentes do acometimento de crimes em uma sociedade refletem a

    insegurana que paira sobre os cidados. Os motivos responsveis pelo aparecimento de

    impulsos delitivos nos indivduos parecem ser uma incgnita para o direito penal,

    especialmente, frente criminologia, a qual engloba tanto o estudo do crime quanto a busca

    para as possveis solues que visem a extinguir ou, ao menos, atenuar as taxas de incidncia

    criminal, as quais, atualmente, demonstram crescimento em escala geomtrica.

    O interesse crescente no esclarecimento e na definio das bases neurolgicas e

    genticas do comportamento antissocial, o qual se observa atualmente, provavelmente se

    origina no aumento desenfreado da criminalidade e da violncia urbana, nos mais diversos

    pases, independentemente de sua condio econmica. Desse modo, a assimilao de

    fatores de risco, tanto biolgicos como psicossociais, para a ocorrncia de comportamentos

    socialmente reprovveis demonstra-se de extrema importncia e utilidade, com o intuito de se

    desenvolver abordagens efetivas de preveno, interveno e controle social.

    De fato, em nosso pas, na grande maioria dos casos, os indivduos com sentena penal

    transitado em julgado, independentemente do delito cometido, encontram-se sob a tica do

    Estado de uma forma generalizada, isto , de forma totalmente homognea.

    Consequentemente, o princpio da individualizao da pena , normalmente, posto margem,

    sendo absolutamente comum e normal o tratamento igualitrio entre sujeitos detentores de

    personalidades e condutas sociais totalmente dspares.

    Assim sendo, gradativamente, vem-se aumentando o conhecimento sobre os aspectos

    neuropatolgicos de indivduos violentos. A existncia de uma correlao entre o

    comportamento agressivo e as alteraes em estruturas cerebrais especficas e,

    possivelmente, genticas j se encontra baseada em publicaes cientficas recentes.

  • nessa realidade que ganha fundamental importncia a procura dos motivos que

    determinam no indivduo o surgimento do atuar criminoso, uma vez que, sendo possvel o

    alcance descoberta da verdadeira motivao, possibilitar-se- a tentativa de neutralizao

    de sua ao delitiva, at mesmo antes que o indivduo agrida um bem juridicamente tutelado

    pelo direito penal, evitando, portanto, o cometimento de um fato delituoso.

    A cincia penal estuda a extenso e as causas do crime, apresentando como

    pressupostos bsicos a determinao das causas - pessoais e sociais - do comportamento

    criminoso e o desenvolvimento de princpios para o controle social do delito. Inmeras teorias

    cientficas buscam explicar as causas do delito. No final do sculo XIX, o criminologista Cesare

    Lombroso afirmava que os delitos so cometidos por indivduos predeterminados, os quais

    nascem com caractersticas fsicas hereditrias reconhecveis. Entretanto, essa teoria fora

    refutada no sculo XX e novas correntes emergem, demonstrando a existncia de correlao

    entre as caractersticas comportamentais e os genes expressos em determinados indivduos.

    As causas da criminalidade so multifatoriais, por isso, no se pode deixar de refletir

    sobre o delito como uma consequncia, por vezes, derivado das necessidades sociais,

    econmicas e culturais. Contudo, importante ressaltar-se que significativa parcela da

    populao segregada composta por indivduos portadores de doenas mentais, como

    psicticos, neurticos ou pessoas instveis emocionalmente, que cumprem medidas de

    segurana, alm de internos que padecem de inmeras outras deficincias mentais, os quais

    so detentores de uma extensa versatilidade criminal. Alm disso, a sano penal imposta a

    qualquer tipo de criminoso imputvel, por mais terrvel e cruel que tenha sido o crime, no

    deve ser dotada somente de carter punitivo, mas, sim, tambm deve ter uma funo

    regeneradora, a fim de conceder, aps o cumprimento da pena, uma nova oportunidade de

    ressocializao.

    Destarte, evidencia-se a ausncia de um efetivo e adequado acompanhamento

    psiquitrico aos condenados, objetivando a identificao, de forma plausvel, dos possveis

    psicopatas e, por conseguinte, proporcionando-lhes tratamento compatvel com sua

    personalidade. Desse modo, possibilitar a aplicao de medidas de isolamento e custdia

    pertinentes imputabilidade aferida a esses delinquentes. Por outro lado, a sociedade

    encontra-se vulnervel a esses criminosos com ndole psicopata, que, por vezes, no perodo de

    encerramento do cumprimento de suas penas ou de sua medida de segurana, em casos de

    comorbidades, continuam a representando um perigo real.

  • Assim sendo, quando se aborda a gnese criminal, deve-se considerar os aspectos

    biolgicos e mesolgicos, na busca de explicaes da casustica do fato delitivo, pois as aes

    volitivas dos indivduos so reflexos de uma interao entre suas atitudes e o meio ambiente

    que os circunda.

  • ASPECTOS CLNICOS

    O termo personalidade define-se como um conjunto de traos emocionais e

    comportamentais que caracterizam o indivduo em uma vida cotidiana sob condies normais,

    relativamente estveis e previsveis. Apenas quando alguns casos so manifestados por

    comportamentos inflexveis e mal-ajustados que constituem a uma classe de transtorno de

    personalidade. 1

    A Classificao Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados com a

    Sade, em sua dcima reviso (CID-10), descreve o transtorno especfico de personalidade

    como uma perturbao grave da constituio caracteriolgica e das tendncias

    comportamentais do indivduo. Tal perturbao no deve ser diretamente imputvel a uma

    doena, leso ou outra afeco cerebral ou a outro transtorno psiquitrico e, usualmente,

    envolve vrias reas da personalidade, sendo quase sempre associada ruptura pessoal e

    social. Os transtornos de personalidade no so propriamente doenas, mas anomalias do

    desenvolvimento psquico, sendo considerados, em psiquiatria forense, como perturbao da

    sade mental. Esses transtornos envolvem a desarmonia da afetividade e da excitabilidade

    1 KAPLAN, H.; SADOCK, B.; GREEB, K. Compndio de Psiquiatria: cincias do comportamento e psiquiatria clnica.

    Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 686.

  • com integrao deficitria dos impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se no

    relacionamento interpessoal. 2

    A CID - 10 descreve oito tipos de transtornos especficos de personalidade:

    1. Transtorno paranide: predomina a desconfiana, sensibilidade excessiva a

    contrariedade e o sentimento de estar sempre sendo prejudicado pelos outros; atitudes

    de auto-referncia. Pode existir uma superavaliao de sua auto-importncia, havendo

    freqentemente auto-referncia excessiva.

    2. Transtorno esquizide: predomina o desapego, ocorre desinteresse pelo contato

    social, retraimento afetivo, dificuldade em experimentar prazer; tendncia

    introspeco. Ocorre uma preferncia pela fantasia, atividades solitrias e a reserva

    introspectiva, e uma incapacidade de expressar seus sentimentos e a experimentar

    prazer

    3. Transtorno anti-social ou dissocial: prevalece indiferena pelos sentimentos alheios,

    podendo adotar comportamento cruel; desprezo por normas e obrigaes; baixa

    tolerncia a frustrao e baixo limiar para descarga de atos violetos. Caracterizado

    tambm por um desprezo das obrigaes sociais, falta de empatia para com os outros.

    H um desvio considervel entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O

    comportamento no facilmente modificado pelas experincias adversas, inclusive

    pelas punies. Existe uma baixa tolerncia frustrao e um baixo limiar de descarga

    da agressividade, inclusive da violncia. Existe uma tendncia a culpar os outros ou a

    fornecer racionalizaes plausveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a

    entrar em conflito com a sociedade.

    4. Transtorno emocionalmente instvel: marcado por manifestaes impulsivas e

    imprevisveis. Apresenta dois subtipos: impulsivo e borderline. O impulsivo

    caracterizado pela instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos. O

    borderline, por sua vez, alm da instabilidade emocional, revela perturbaes da auto-

    imagem, com dificuldade em definir suas preferncias pessoais, com conseqente

    sentimento de vazio. 5. Transtorno histrinico: prevalece egocentrismo, a baixa

    tolerncia a frustraes, a teatralidade e a superficialidade. Impera a necessidade de

    fazer com que todos dirijam a ateno para eles prprios. Caracterizado tambm por

    uma afetividade superficial e lbil, dramatizao, teatralidade, expresso exagerada das

    emoes, sugestibilidade, egocentrismo, autocomplacncia e falta de considerao para

    com o outro.

    6. Transtorno anancstico: prevalece preocupao com detalhes, a rigidez e a teimosia.

    Existem pensamentos repetitivos e intrusivos que no alcanam, no entanto, a

    gravidade de um transtorno obsessivo-compulsivo.

    7. Transtorno ansioso: prevalece sensibilidade excessiva a crticas; sentimentos

    persistentes de tenso e apreenso, com tendncia a retraimento social por

    insegurana de sua capacidade social e/ou profissional. Existe um desejo permanente

    de ser amado e aceito, h hipersensibilidade crtica e rejeio, reticncia a se

    relacionar pessoalmente, e tendncia a evitar certas atividades que saem da rotina com

    um exagero dos perigos ou dos riscos potenciais em situaes banais.

    8. Transtorno dependente: prevalece astenia do comportamento, carncia de

    determinao e iniciativa, bem como instabilidade de propsitos. Caracterizado tambm

    por tendncia sistemtica a deixar a outrem a tomada de decises, medo de ser

    abandonada, percepo de si como fraco e incompetente, submisso passiva vontade

    do outro e uma dificuldade de fazer face s exigncias da vida cotidiana. 3

    2 SADE, Organizao Mundial. Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: descries

    clnicas e diretrizes diagnsticas. 10. ed. rev. v. 1. So Paulo: Edusp, 2007, p. 351.

    3 SADE, Organizao Mundial. Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: descries clnicas e diretrizes diagnsticas. 10. ed. rev. v. 1. So Paulo: Edusp, 2007, p. 351-354.

  • O diagnstico preciso dos transtornos de personalidade exige um minucioso e acurado

    estudo sobre a histria clnica do paciente, por consequncia, muitos profissionais

    demonstram certo desinteresse pelos transtornos dessa natureza, por entenderem que

    patologias desse tipo, por serem permanentes e refratrias a tratamento, no compensam o

    atendimento especializado. No raramente, o diagnstico lembrado somente quando a

    evoluo do transtorno mental tratado insatisfatria.

    Os pacientes portadores de transtornos mentais demandam excessiva ateno por

    parte da equipe mdica, considerados, normalmente, irritantes e de difcil manejo,

    contribuindo para as dificuldades na conduo de seus tratamentos.4 Estudos demonstram

    algumas evidncias sugerindo que pessoas que preenchem critrios plenos para psicopatia

    no so tratveis por qualquer forma de terapia disponvel atualmente.5

    O estudo do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), tambm conhecido como

    sociopatia ou ainda psicopatia, tem sido objeto de um grande nmero de consideraes

    tericas e empricas. Entretanto, um considervel nmero de pesquisas clnicas e laboratoriais

    vem contemplando suas variveis fisiolgicas, cognitivas, alm de uma possvel e

    representativa influncia gentica para a sua ocorrncia.6

    De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders7 (DSM-IV), com

    o propsito de melhorar sua confiabilidade diagnstica por meio da definio de

    comportamentos observveis e da personalidade subjacente inferida, a caracterstica

    essencial do TPAS um padro invasivo de desrespeito e violao dos direitos alheios, que

    inicia na infncia ou no comeo da adolescncia e continua na idade adulta. O diagnstico

    para esse transtorno deve levar em considerao a existncia de, pelo menos, trs critrios,

    que, de forma sinttica, podem ser descritos como um fracasso em conformar-se s normas

    legais, uma propenso para enganar, agressividade, desrespeito pela segurana prpria ou

    alheia, irresponsabilidade, que pode estar vinculada ao trabalho ou s finanas, bem como

    uma ausncia de remorso.8

    4 HARE, R. Without Conscience: The disturbing world of psychopaths among us. New York: Pocket Books, 1993,

    p. 219.

    5 DAVISON, S. Principles of managing with personality disorder. Advances in Psychiatric Treatment. v. 8. 2002. p.7.

    6 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista

    de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n.1. 2004, p. 77.

    7 ASSOCIATION, American Psychiatric. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4. ed. Washington:

    APA, 1994.

    8 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista

    de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n.1. 2004, p. 78.

  • Outra caracterstica fundamentalmente presente em sujeitos com TPAS a

    impulsividade, a qual pode ser definida como uma tendncia para escolhas de comportamento

    que so arriscados, mal-adaptados, pobremente planejados e prematuramente executados,

    sendo essa impulsividade expressada de formas diversas, as quais variam desde a

    incapacidade de planejamento do prprio futuro at mesmo o desenvolvimento de

    comportamento violento ou agressivo.9

    Os indivduos com TPAS, em sua maioria, mantm a aptido de entendimento

    preservada em relao aos seus atos. A capacidade de determinao em relao ao

    praticada no permanece apenas na dependncia da sua prpria condio de entendimento e

    discernimento, porm engloba os aspectos volitivos do ato praticado, o que geralmente se

    encontra alterado.10

    Percebe-se, de um modo geral, que o TPAS est diretamente vinculado aos padres

    comumente aceitos na sociedade em que se vive, sendo que justamente a manifestao de

    comportamentos que esto em desacordo com esses padres que perfaz o tipo de

    sintomatologia que caracteriza o transtorno. Embora exista uma sintomatologia que pode

    tambm ser compreendida pelo fato de se vincular a uma ausncia de ansiedade e depresso,

    os sintomas frequentemente encontram-se presentes nos demais indivduos acometidos de

    atitudes antissociais. A prevalncia, na populao em geral, do TPAS de aproximadamente

    de 3% em homens e 1% em mulheres, entretanto uma taxa de prevalncia superior a essa,

    com certeza, encontra-se associada aos contextos forenses e penitencirios.11 No que se

    refere ao seu prognstico, o auge do comportamento antissocial costuma ocorrer no final da

    adolescncia e os sintomas mostram-se propensos a diminuir com o decorrer da idade, ou

    seja, as manifestaes clnicas do distrbio encontram-se, principalmente, durante a etapa

    reprodutiva.12

    Os indivduos portadores do TPAS no se apresentam responsivos aos sentimentos

    alheios e tendem a no se engajar em atitudes pr-sociais. Dessa forma, tais indivduos

    demonstram, em termos mentais, no estarem aptos a contabilizar as vantagens do

    9 EVENDEN, J. Varieties of impulsivity. Psychopharmacology. v. 146. n. 4. 1999, p. 348.

    10 SOUZA, C.; MORETTO, C.; CORNELLIS, F. Transtorno de personalidade anti-social: pena ou medida de

    segurana? Psychiatry on line Brasil. v. 11. n. 8. 2006. Disponvel em:

    . Acesso em: 12 out. 2009.

    11 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista

    de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n. 1. 2004, p. 79.

    12 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 54.

  • comportamento altrusta, apresentando, assim, uma sintomatologia que se demonstra mais

    atrelada a um imediatismo e a uma dificuldade em retardar a recompensa. Nesse sentido, o

    TPAS manifesta-se por intermdio de uma srie de regularidades orgnicas que podem

    representar uma disfuno no tocante aos padres sociais aceitos, no entanto, em termos

    evolutivos, encontram uma possibilidade de manifestao dependente do prprio grau de

    ocorrncia verificado na espcie.13

    Quanto mais jovem for o paciente e menos graves apresentarem-se os sintomas,

    melhores sero as probabilidades de o indivduo se beneficiar de uma resposta

    psicoteraputica. Entretanto, quando se trata de adolescente que j cometeu delitos, observa-

    se maior resistncia psicoterapia. Sempre que possvel, a famlia dos pacientes deve ser

    includa no processo teraputico, o tratamento com psicofrmacos faz-se necessrio em

    algumas situaes nas quais os sintomas-alvo ou outros transtornos psiquitricos esto

    presentes. Deve-se ter cautela no emprego de neurolpticos14 para o tratamento da

    agressividade, pois os riscos podem superar os benefcios, assim como a hospitalizao est

    indicada em casos de risco iminente para o paciente, os familiares e a sociedade.15

    Vale ressaltar que Berry e colaboradores, em um estudo com 48 casos de indivduos

    considerados psicopatas, encontraram somente 21 pacientes (44%) que foram considerados

    como no responsivos ao tratamento, aps um ano de tentativa. Esses autores sugerem uma

    associao entre a resposta teraputica negativa e os seguintes fatores: antecedentes

    prisionais predominando sobre os hospitalares, no aceitao prvia em realizar tratamento

    psiquitrico e falta de resposta a ele, crime no qual a vtima era desconhecida pelo paciente e

    baixo nvel de motivao para o tratamento. Por outro lado, uma parcela de pacientes

    portadores de transtorno antissocial de personalidade no psicopata respondeu a processos

    psicoterpicos.16 J a outra parcela, no entanto, embora no responsiva inicialmente terapia,

    apresentou mudanas em seu comportamento ao avanar na idade aps os 40 anos,

    13 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista

    de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n. 1. 2004, p. 79.

    14 Consistem em um grupo de medicamentos que exercem um efeito depressor global sobre a maior parte das

    funes cerebrais, minimizando a agitao e a hiperatividade neuromuscular, proporcionando um estado de

    tranquilidade e descontrao.

    15 BORDIN, I.; OFFORD, D. Transtorno da conduta e comportamento anti-social. Revista Brasileira de Psiquiatria. v.

    22. s. II. 2000, p. 14.

    16 BLACK, D. Bad Boys, Bad Men: Confronting antisocial personality disorder. New York: Oxford University Press,

    1999, p. 172.

  • abandonando comportamentos que, no passado, a colocaram em situao de desacordo com

    a legislao pertinente.17

    Existem, atualmente, adequadas evidncias de que o TPAS esteja associado a uma

    srie de marcadores e reguladores biolgicos, entre os quais se destacam os elevados nveis

    de testosterona e as variaes nas taxas de monoamina oxidase em indivduos portadores do

    referido transtorno. Ainda que seja necessrio um maior nmero de investigaes envolvendo

    a relao dessas substncias com o TPAS propriamente dito, seria possvel pensar na sua

    ao, em termos de um fator combinado no que diz respeito prpria etiologia do transtorno.

    De outro modo, j existem evidncias cientficas concisas de que alteraes em determinadas

    regies cerebrais, como crtex, e as estruturas do sistema lmbico estariam diretamente

    correlacionadas com irregularidades orgnicas observadas nos casos de manifestao do

    TPAS. Provavelmente, muitas dessas alteraes fisiolgicas derivariam de fatores genticos e

    ambientais, em propores distintas.18

    Nesse sentido, corroboram com essa problemtica os autores Eysenck e Gudjohnsson,

    os quais defendem a existncia de uma condio biolgica comum subjacente s

    predisposies comportamentais dos indivduos com transtorno mental, especialmente, os

    com psicopatias. Do mesmo modo, esses autores so contundentes em afirmar que o

    comportamento criminoso surge como o produto final de uma cadeia de processos

    multifatoriais, em que o primeiro estgio consiste em desejos contraditrios, o segundo, na

    escolha de mtodos reprovveis legal e socialmente para a satisfao de suas necessidades

    e, finalmente, o terceiro envolve as situaes e oportunidades nas quais as aes criminais

    so exteriorizadas em busca do benefcio particular.19

    A biologia e a gentica molecular vm colaborando progressivamente para o

    entendimento e o tratamento dos pacientes psiquitricos. No entanto, at o momento, no

    foram descritos genes especficos para os diversos transtornos mentais. Nos transtornos de

    personalidade, os genes no podem ser considerados, isoladamente, responsveis pelo

    17 BERRY, A.; DUGGAN, C.; EMMET, L. The treatability of psychopathic disorder: How clinicans decide. Journal of

    Forensic Psychiatry & Psychology. v. 10. 1999, p. 710.

    18 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista

    de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n. 1. 2004, p. 80.

    19 EYSENCK, H. e GUDJONSSON, J. The Causes and Cures of Criminality. New York: Plenum Press, 1989, p. 247-

    248.

  • transtorno, mas, sim, pela predisposio. Consequentemente, fundamental considerar-se o

    ambiente em que vive o indivduo e a interao com ele estabelecida. 20

    Psicopatas

    O primeiro estudo sobre psicopatas foi publicado em 1941 pelo psiquiatra americano

    Hervey Milton Cleckley, o qual se intitulava The Mask of Sanity.21 O referido autor expe, de

    forma bastante clara e convincente, que sua obra aborda um problema amplamente

    conhecido pela sociedade, porm ignorado como um todo.22 Como anteriormente mencionado,

    aproximadamente, 4% da populao acometida por psicopatia, ou seja, a cada 25

    indivduos, uma pessoa, provavelmente, apresente caractersticas psicopticas em algum grau

    leve moderado ou severo.

    De forma mais especfica, os estudos de Coid e colaboradores revelam, no que tange

    ao sexo dos indivduos que apresentam perfil psicopata, que a populao carcerria masculina

    representa um contingente, aproximadamente, cinco vezes maior do que a populao prisional

    feminina.23

    Os psicopatas, tambm conhecidos por sociopatas, so caracterizados por

    desobedecerem s obrigaes sociais, bem como por uma ausncia de sentimento perante os

    outros. Normalmente, eles demonstram egocentrismo patolgico, emoes superficiais,

    ausncia de autopercepo, impulsividade, baixa tolerncia para frustraes,

    irresponsabilidade, falta de empatia com outros seres humanos e ausncia de remorso,

    ansiedade e sentimento de culpa em relao ao seu comportamento antissocial. Tambm se

    demonstram cnicos, manipuladores e incapazes de manter uma relao conjugal.24

    De acordo com o pesquisador canadense Robert Hare,

    [...] os sociopatas criminosos so predadores intra-espcies que usam charme,

    manipulao, intimidao e violncia para controlar os outros e para satisfazer suas

    prprias necessidades. Em sua falta de conscincia e de sentimento pelos outros, eles

    20 MORANA, H.; STONE, M.; ABDALA-FILHO, E. Transtornos de personalidade, psicopatia e serial killer. Revista

    Brasileira de Psiquiatria. v. 28. s. II, 2006, p. s75.

    21 CLECKLEY, H. The Mask of Sanity. 15. ed. Georgia: Mosby, 1988, p. 3-5.

    22 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 67.

    23 COID, J. et al. Psychopathy among prisoners in England and Wales. International Journal Law Psychiatry. v. 32.

    n. 3. 2009, p. 134.

    24 MARANHO, O. Curso Bsico de Medicina Legal. 8. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 366-367.

  • tomam friamente aquilo que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de

    culpa ou arrependimento. 25

    Ainda conforme Hare, a psicopatia uma patologia para qual, at o momento, no se

    disponibiliza, muito menos se vislumbra uma cura, o que se tenta minimizar os danos

    causados por esse distrbio aos seus portadores e, principalmente, sociedade que os cerca,

    de modo que os psicopatas decidem suas atitudes apenas intelectualmente, pois suas

    emoes morais so extremamente restritas.

    Conforme Suecker,

    [...] em casos de sociopatia, o autor do fato , aparentemente, uma pessoa normal, no

    sentido de no apresentar sintomas visveis, que apontariam para a presena de um

    transtorno to grave quanto seu, como uma esquizofrenia. Por isso, ao sociopata a

    responsabilidade criminal ainda um impasse, a no ser que dotado de comorbidade,

    ou seja, uma conjugao de mais de um transtorno que revele o seu carter anti-social,

    por exemplo, aliado a uma personalidade paranide. A dvida que paira a seguinte:

    como responsabilizar penalmente um sociopata, se ao mesmo tempo em que portador

    de um transtorno mental o qual, em tese, autorizaria uma inimputabilidade ou semi-

    imputabilidade, tem discernimento sobre o carter criminoso de sua conduta? 26

    Como se pode observar na doutrina, os psicopatas surgem como uma populao

    situada em um horizonte penal demasiadamente tnue, j que o referido grupo pode gozar de

    uma possvel inimputabilidade, embora haja controvrsias no que tange sua verdadeira

    capacidade de ponderao quanto gravidade de sua conduta delitiva.

    O autor Jos Garcia conceitua sabiamente as personalidades psicopticas:

    Chamamos personalidades psicopticas a certos indivduos que, embora apresentem

    certo padro intelectual, algumas vezes at elevados, exibem atravs de sua vida

    distrbios da conduta, de natureza anti-social ou que colidem com as normas ticas, e

    que no so influenciveis pelas medidas mdicas e educacionais ou

    insignificantemente modificveis pelos meios curativos e corretivos.27

    J o autor Genivaldo Frana os define como

    [...] grupos nosolgicos que se distinguem por um estado psquico capaz de determinar

    profundas modificaes do carter e do afeto, na sua maioria de etiologia congnita.

    No so, essencialmente, personalidades doentes ou patolgicas, por isso seria melhor

    denomin-las personalidades anormais, pois seu trao mais marcante a perturbao

    25 HARE, R. Without Conscience: The disturbing world of psychopats among us. New York: Pocket Books, 1993, p.

    XI.

    26 SUECKER, B. Maridos Homicidas no Direito Penal da Paixo. Novo Hamburgo: Feevale, 2007, p. 80.

    27 GARCIA, J. Psicopatologia Forense. 2. ed. Rio de Janeiro: Irmos Pongetti Editores, 1958, p. 199.

  • da afetividade e do carter, enquanto a inteligncia se mantm normal ou acima do

    normal.28

    Os sociopatas so incapazes de aprender com a punio e, automaticamente, alterar

    seus padres de comportamento. Em geral, quando se encontram sujeitos a ter o seu

    comportamento reprovado pela sociedade, eles reagem por meio da ocultao de suas

    atitudes, entretanto, nunca as suprimindo, mas, sim, dissimulando as caractersticas

    genuinamente de sua personalidade. Esses indivduos, geralmente, exibem certo charme

    perante outras pessoas, bem como apresentam um nvel de inteligncia satisfatrio. Outra

    caracterstica presente nesse grupo de pessoas a ausncia de outros distrbios neurolgicos

    associados, podendo, inclusive, esboar um comportamento pacato em suas relaes

    sociais.29

    Contudo, os sociopatas ainda so capazes de esconder, com sucesso, por um perodo

    de tempo indeterminado, sua dupla personalidade, sendo somente descobertas por suas

    vtimas fatais momentos antes de suas mortes. Os sociopatas no costumam demonstrar o

    tipo mais comum de comportamento agressivo, ou seja, a violncia acompanhada de descarga

    emocional, pois sua agresso costuma ter um prvio planejamento, isto , violentam suas

    vtimas a sangue frio. Apesar disso, grande parcela de pessoas com TPAS no desenvolve uma

    conduta criminosa, apresentando a capacidade de se comportar dentro dos limtrofes de

    tolerabilidade social.30 No entanto, uma pequena frao de sociopatas pode se transformar

    em criminosos violentos, como estupradores ou assassinos seriais. Em situaes mais

    severas, o distrbio pode evoluir para canibalismo, rituais sdicos de tortura e morte,

    frequentemente de natureza bizarra. H um amplo consenso de que essas formas extremas

    de sociopatia violenta so intratveis e que seus portadores devem ser confinados em celas

    especiais para criminosos insanos por toda a vida, sendo inadmissvel sua reinsero na

    sociedade.31

    Nesse sentido, deve-se remeter a Francesco Carnelutti: O juzo, para ser justo, deveria

    ter em conta no somente o mal que ele fez, mas tambm o bem que far; no somente a sua

    capacidade de delinqir, mas tambm da sua capacidade para se redimir.32

    28 FRANA, G. Medicina Legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 348.

    29 MARANHO, O. Psicologia do Crime. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 78.

    30 MARANHO, O. Curso Bsico de Medicina Legal. 8. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 366-367.

    31 MARANHO, O. Psicologia do Crime. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 79-80.

    32 CARNELUTTI, F. As Misrias do Processo Penal. Campinas: Russel, 2007, p. 57.

  • Como se pode interpretar da clebre afirmao acima, os sociopatas, dificilmente,

    apresentariam essa capacidade de se redimirem, automaticamente, por analogia, restar-lhes-

    ia a reincidncia em condutas desabonatrias, muito provavelmente, delitivas e, novamente,

    reprovveis penalmente.

    De acordo com o Promotor de Justia Criminal do Ministrio Pblico do Estado de Minas

    Gerais, Llio Braga Calhau,

    Adentramos ao sculo XXI investigando e processando os acusados da mesma maneira

    como h mais de cinqenta anos. Avanos ocorreram de forma significativa na defesa

    dos direitos fundamentais dos acusados e na forma como os crimes so perpetrados. Os

    pacientes que revelam comportamento psicoptico e cometem homicdios seriados

    necessitam de ateno especial, devido elevada probabilidade de reincidncia

    criminal, sendo ainda necessrio sensibilizar os rgos governamentais a construir

    estabelecimentos apropriados para a custdia destes sujeitos. O que se v que no h

    poltica de sade pblica e nem judicial para interveno nesses casos.33

    Os sociopatas violentos representam uma grave ameaa sociedade, sendo que

    alguns se tornaram mundialmente famosos devido s barbries de seus crimes. Entre eles,

    podem-se elencar criminosos como o americano Charles Milles Manson, um fantico religioso,

    considerado, para alguns, um serial killer,34 para outros, um mass murder,35 o qual foi

    condenado pena de morte, posteriormente alterada para priso perptua, pelo assassinato

    de seis pessoas.

    Outro conhecido americano foi Theodore Robert Bundy, o Ted Bundy, que foi levado a

    julgamento e condenado pena de morte por eletrocusso devido ao assassinato de, no

    mnimo, 28 vtimas na dcada de 70. J Jeffrey Dahmer, outro americano, ficou conhecido por

    praticar necrofilia,36 estima-se que tenha matado 17 pessoas, foi morto dentro da priso.

    Recentemente, o austraco Josef Fritzl foi condenado priso perptua, acusado dos crimes

    de estupro, incesto, coao grave, privao de liberdade e homicdio por negligncia de um

    33 CALHAU, L. Assassinos seriais (seriais killers): estamos preparados para enfrent-los? Ministrio Pblico do

    Estado de Minas Gerais. Disponvel em: .

    Acesso em: 17 de out. 2009.

    34 Assassino em srie - so indivduos que cometem uma srie de homicdios com um intervalo entre eles, com o

    mesmo modus operandi, at que sejam mortos ou presos. As vtimas apresentam o mesmo perfil, as quais so

    escolhidas ao acaso e mortas sem razo aparente.

    35 Matador de massa - mata quatro ou mais vtimas em um s local, em somente um evento. Em geral, sua ira

    dirigida para o grupo que supostamente o oprimiu.

    36 A necrofilia uma parafilia, isto , um padro de comportamento sexual no qual, em geral, a fonte

    predominante de prazer no se encontra na cpula, mas em alguma outra atividade, caracterizada pela excitao

    sexual decorrente da viso ou do contato com um cadver.

  • dos sete filhos, que teve com a prpria filha, Elisabeth, a qual ele manteve presa durante 24

    anos em um poro de sua casa.

    Finalmente, o brasileiro Francisco Pereira, conhecido como Manaco do Parque, foi

    condenado por torturar, violentar e executar oito garotas no final da dcada de 90. J o

    renomado mdico Eugnio Chipkevitch, em 2004, foi condenado a 114 anos de priso por

    atentado ao pudor e corrupo aviltante de dezenas de menores em sua clnica na cidade de

    So Paulo.

    Mais recentemente, em 2008, assistiu-se a duas barbries nacionais: o pas vislumbrou

    estarrecido histria de jovens ex-namorados, que acabou em tragdia, sendo que

    Lindemberg Fernandes Alves, 22 anos, atirou contra a ex-namorada, Elo, e na sua amiga,

    Nayara, ambas de 15 anos, aps um sequestro que durou mais de 100 horas em Santo Andr.

    A jovem Elo morreu e Lindemberg permanece preso aguardando julgamento. Enquanto isso,

    em Goinia, a empresria Slvia Calabrese Lima mantinha em crcere privado e sob regime de

    tortura uma criana de 12 anos, tendo justificado seus atos sdicos como uma forma

    alternativa de educao; Slvia foi condenada a 14 anos de recluso em regime fechado.

    Convm ressaltar que crianas e adolescentes, detentores de perfil psicoptico,

    costumam realizar intimidaes contra pessoas pertencentes aos seus grupos sociais, mais

    comumente, no ambiente escolar, caracterizando o acontecimento de um fenmeno

    denominado bullying,37 ou seja, atravs da ocorrncia de atitudes caractersticas desse

    quadro comportamental, pode-se, provavelmente, prever o desenvolvimento de adultos

    psicopatas.38

    Indubitavelmente, as falhas em nossas organizaes familiares, educacionais e sociais

    representam dados importantes e merecem estudos aprofundados e toda a ateno, porm

    por si s no so suficientes para explicar toda a complexidade do fenmeno psicopata, o qual

    se pode equipar a vampiros da vida real.39

    37 um termo em ingls utilizado para descrever atos de violncia fsica ou psicolgica, intencional e repetida,

    praticada por um indivduo ou grupo de indivduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivduo (ou grupo

    de indivduos) incapaz (es) de se defender, causando dor e angstia; esses atos so executadas dentro de uma

    relao desigual de poder.

    38 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 88-89.

    39 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 19; 42.

  • De forma brilhante, Robert Hare define: O psicopata como gato, que no pensa no

    que o rato sente. Ele s pensa em comida. A vantagem do rato sobre as vtimas do psicopata

    que ele sempre sabe quem o gato. 40

    Assim sendo, os psicopatas apresentam-se como pessoas normais, geralmente, acima

    de qualquer suspeita, os quais se encontram infiltrados na sociedade em busca da

    vulnerabilidade das pessoas, a fim de transform-las em suas potenciais vtimas.

    NEUROFISIOPATOLOGIA

    Historicamente, o crebro sempre despertou interesse e curiosidade, sendo objeto de

    incessantes investigaes, cercado por mitos e crenas. De acordo com o pai da medicina, o

    grego Hipcrates,

    Os homens precisam aprender que de nenhum outro rgo, alm do crebro, vm a

    alegria, os prazeres, o riso, os esportes, as tristezas, as mgoas, os desalentos e as

    lamentaes... E, por este mesmo rgo, nos tornamos insanos e delirantes, os temores

    e medos nos assaltam, alguns noite, outros durante o dia, bem como os sonhos. E,

    finalmente, as divagaes intempestivas, os cuidados inadequados e a ignorncia das

    circunstncias da ocasio, o desuso e as inabilidades. De todas estas condies ns

    padecemos quando nosso crebro no saudvel...41

    De acordo com a citao de Hipcrates, o sistema nervoso central representa o bero

    das atitudes e dos comportamentos praticados pelos indivduos, desse modo, estudos sobre a

    fisiologia neurolgica sempre se demonstraram instigantes e promissores.

    Desde o famoso caso de Phineas Gage, leses no crebro, mais especificamente no

    lobo frontal, tm sido associadas ao desenvolvimento de comportamento antissocial

    impulsivo. Esse caso ilustrativo a ponto de justificar uma breve descrio de sua

    apresentao histrica.

    Phineas Gage trabalhava na construo de estradas de ferro nos Estados Unidos, em

    meados do sculo XIX. Era descrito como equilibrado, meticuloso e persistente quanto

    aos seus objetivos, alm de profissional responsvel e habilidoso. Em um acidente nas

    exploses de rotina para abertura de tneis nas rochas da regio, Phineas Gage foi

    atingido por uma barra de ferro que transpassou seu crebro, entrando pela face

    40 HARE, R. Psicopatas no div. Revista Veja. v. 2106. 2009. Disponvel em:

    . Acesso em: 02 nov. 2011.

    41 Hipcrates (460-377 A.C.).

  • esquerda, abaixo da rbita, e saindo pelo topo da cabea. Surpreendentemente, Phineas

    Gage permaneceu consciente aps o acidente, sobreviveu s esperadas infeces no

    seu ferimento e dois meses aps o acidente estava recuperado, sem dficits motores e

    com linguagem e memria preservadas. A sua personalidade, no entanto, havia se

    modificado completamente. Phineas Gage transformou-se em uma pessoa impaciente,

    com baixo limiar frustrao, desrespeitoso com as outras pessoas, incapaz de

    adequar-se s normas sociais e de planejar o futuro. No conseguiu estabelecer

    vnculos afetivos e sociais duradouros novamente ou fixar-se em empregos.42

    Como se pode observar na situao acima exposta, a partir do infortnio de Phineas

    Gage, relatos de casos e estudos retrospectivos com veteranos de guerra vm demonstrando

    a associao entre leses cerebrais, mais especificamente no lobo frontal, e a observao

    clnica de comportamento impulsivo, agressividade, jocosidade e postura social indesejada.43

    O sistema lmbico encontra-se relacionado ao controle e elaborao de significativa

    parte dos comportamentos motivados e da emoo, sendo formado pelas seguintes

    estruturas: tlamo, epitlamo, hipocampo, hipotlamo, amgdalas, cngulo e septo. Todas

    essas estruturas, juntamente com os lobos temporais, encontram-se relacionadas regulao

    do comportamento agressivo.44

    As estimulaes ou leses do tlamo encontram-se relacionadas reatividade

    emocional do indivduo. O hipocampo, por sua vez, uma estrutura cerebral envolvida com os

    fenmenos da memria de longa durao, enquanto o hipotlamo considerado a estrutura

    mais importante do sistema lmbico, pois responsvel pelo controle das funes vegetativas,

    alm disso, suas partes laterais esto envolvidas com o prazer e a raiva. J a amgdala a

    poro do sistema lmbico relacionada ao sentimento afetivo, quando estimulada, pode

    provocar crises de violenta agressividade. O cngulo participa das reaes emocionais dor e

    da regulao do comportamento agressivo, ao passo que o septo se relaciona ao prazer

    sexual.45

    Embora a rea pr-frontal do crtex cerebral no faa parte do sistema lmbico,

    tambm pode ser considerada responsvel pela regulao das emoes, pois se conecta, de

    forma direta, com algumas estruturas do sistema lmbico. Uma leso no crtex pr-frontal

    42 DEL-BEN, C. Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social. Revista de Psiquiatria Clnica. v. 32. n. 1.

    2005, p. 29.

    43 BROWER, M.; PRICE, B. Neuropsychiatry of frontal lobe dysfunction in violent and criminal behavior: a critical

    review. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry. v. 71. n. 6. 2001, p. 720.

    44 AIRES, M. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 315-321.

    45 AIRES, M. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 315-321.

  • pode desencadear a perda do senso de responsabilidade, assim como a capacidade de

    concentrao e abstrao, alm de desenvolver um quadro de tamponamento afetivo.46 47

    Atravs dos estudos de Raine e colaboradores, por meio das anlises de neuroimagem

    estrutural com ressonncia nuclear magntica, demonstraram-se anormalidades volumtricas

    do lobo frontal em indivduos com TPAS. Quando realizada a comparao entre pacientes com

    diagnstico de TPAS com controles no clnicos, verificou-se que os pacientes com TPAS

    apresentavam uma reduo do volume de substncia cinzenta48 pr-frontal, reduo essa que

    se encontrava correlacionada com uma diminuio da resposta autonmica a um evento

    estressor provocado experimentalmente, como, por exemplo, a realizao de um discurso.49

    O mesmo autor tambm j apresentou indcios do envolvimento de outras estruturas

    cerebrais na ocorrncia de TPAS; em um de seus trabalhos publicado em 2003, Raine e

    colaboradores relataram que pacientes antissociais, comparados com controles saudveis,

    apresentavam vrias anormalidades no corpo caloso, podendo ser considerado como

    sugestivo de alteraes durante o neurodesenvolvimento.50

    O estudo realizado por Moll e colaboradores, ao investigar as reas cerebrais, por meio

    de ressonncia magntica, normalmente ativada por julgamentos morais, os quais se

    encontram distorcidos nos TPAS, revelaram que as regies ativadas pelo discernimento moral

    compreenderam o crtex frontal, o giro frontal medial, o crtex temporal anterior direito e o

    cerebelo, demonstrando o papel crtico exercido por essas reas na regulao do

    comportamento social.51

    O sistema nervoso uma rede de comunicao celular extensa e complexa que no

    apenas controla e coordena as funes corporais, mas tambm formula novas respostas

    baseadas nas informaes j acumuladas. Os neurnios, estruturas primordiais do sistema

    46 Pessoas que apresentam tamponamento afetivo no demonstram sinais de alegria ou tristeza, esperana ou

    desesperana. Em suas palavras ou atitudes, no mais se vislumbravam sinais de afetividade.

    47 DAVIES, A.; BLAKELEY, A.; KIDD, C. Fisiologia Humana. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 141-147.

    48 um componente do sistema nervoso central, consistindo de corpos de clulas nervosas, clulas da glia

    (astroglia e oligodendrcitos), capilares, axnios e dendritos.

    49 RAINE, A. et al. Reduced prefrontal gray matter volume and reduced autonomic activity in antisocial personality

    disorder. Archives of General Psychiatry. v. 57. n. 2. 2000, p. 119.

    50 RAINE, A. et al. Corpus callosum abnormalities in psychopathic antisocial individuals. Archives of General

    Psychiatry. v. 60. n. 11. 2003, p. 1135.

    51 MOLL, J.; ESLINGER, P.; OLIVEIRA-SOUZA, R. Frontopolar and anterior temporal crtex activation in a moral

    judgment task. Arquivos de Neuropsiquiatria. v. 59. n. 3-B. 2001, p. 661-662.

  • nervoso, so clulas altamente especializadas que transmitem os impulsos eltricos e

    possuem uma variedade de formas, tamanhos e funes.

    As substncias qumicas sintetizadas e liberadas pelos neurnios denominam-se de

    neurotransmissores, os quais se destinam propagao dos impulsos nervosos. Os

    neurotransmissores so armazenados em vesculas neuronais, quando ocorre a sua liberao,

    essas vesculas decaem na fenda sinptica, reagindo diretamente com os receptores situados

    nas membranas dos demais neurnios. Parte dos neurotransmissores pode ser reaproveitada

    pelos prprios neurnios que os liberaram, ou podem ser rearmazenada em vesculas

    neuronais recm-sintetizadas. possvel ainda que outra parte dos neurotransmissores seja

    metabolizada por enzimas.52 Sempre que um neurotransmissor liberado, ocorre a sntese e o

    armazenamento de novas molculas de neurotransmissores, bem como novas vesculas

    neuronais so originadas para substituir as que foram utilizadas. Entretanto, quando os

    neurotransmissores so sintetizados e no utilizados, necessitam ficar armazenados espera

    de um momento adequado, fisiologicamente, para serem liberados.53

    Os conhecimentos neurofisiopatolgicos dos distrbios neurolgicos e psiquitricos

    encontram-se bastante consolidados, Evenden j demonstrava, h uma dcada, que os

    resultados de seus estudos sugeriam que diversos mecanismos neuroqumicos influenciam o

    comportamento impulsivo.54

    Desse modo, pode-se aferir, de maneira bastante simplificada, que a investigao

    sobre o papel desempenhado por um determinado neurotransmissor em funes fisiolgicas e

    patolgicas poderia ser realizada atravs da administrao de drogas que possibilitassem a

    ativao ou o bloqueio de receptores pr e/ou ps-sinpticos especficos. Alm disso, a

    averiguao de suas substncias precursoras e seus produtos metablitos tambm

    representaria valiosa ferramenta para a investigao da funo de determinado

    neurotransmissor.55

    52 So um grupo de substncias orgnicas de natureza normalmente protica, com atividade intra ou extracelular,

    que tm funes catalisadoras. Diferentes enzimas catalisam diferentes passos de vias metablicas, agindo de

    forma concertada, de modo a no interromper o fluxo nessas vias. Cada enzima pode sofrer regulao da sua

    atividade, aumentando-a, diminuindo-a ou mesmo interrompendo-a, de modo a modular o fluxo da via metablica

    em que se insere.

    53 GOLDBERG, S. Descomplicando a Fisiologia. Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 86.

    54 EVENDEN, J. Varieties of impulsivity. Psychopharmacology. v. 146. n. 4. 1999, p. 360.

    55 DEL-BEN, C. Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social. Revista de Psiquiatria Clnica. v. 32. n. 1.

    2005, p. 31.

  • Como exemplo, pode-se ilustrar a funo da 5 - hidroxitriptamina ou serotonina,56 a

    qual apresenta um relevante efeito inibidor da conduta juntamente com um efeito modulador

    geral da atividade psquica. Assim sendo, a serotonina influi sobre quase todas as funes

    cerebrais, inibindo-a de forma direta ou estimulando o sistema do cido gama aminobutrico,57

    o qual responsvel pelo processo inibitrio do sistema nervoso, ou seja, diminui a ao de

    outros neurotransmissores. Desse modo, por esse mecanismo que a serotonina regula o

    humor, o sono, a atividade sexual, o apetite, o ritmo circadiano, as funes neuroendcrinas, a

    temperatura corporal, a sensibilidade dor e a atividade motora.58

    Alm disso, a serotonina uma molcula que desempenha um papel importante nas

    caractersticas de personalidade de depresso, ansiedade e desordem bipolar, pois est

    envolvida com o desenvolvimento de atividades de cognio, logo, uma desordem nesse

    sistema poderia conduzir a um aumento na agressividade e na impulsividade do indivduo.59

    Nos transtornos obsessivo-compulsivos e outros quadros de ansiedade, a transmisso

    serotonrgica tambm se encontra diminuda, ocasionando quadros de hipoglicemia e

    alteraes no ritmo circadiano, podendo, ainda, resultar em condutas impulsivas, agressivas e

    disfricas.60

    A enzima triptofano hidroxilase responsvel pela converso de triptofano61 em 5 -

    hidroxitriptofano, que , subsequentemente, descarboxilado,62 formando serotonina, o qual o

    passo limitante na sntese desse neurotransmissor na glndula pineal.63 Essa enzima limita as

    56 um neurotransmissor presente nas fendas sinpticas, responsvel pela comunicao entre os neurnios.

    57 um neurotransmissor presente nas fendas sinpticas, responsvel pelas sinapses inibitrias.

    58 MORLEY, K.; HALL, W. Is there a genetic susceptibility to engage in criminal acts? Australian Institute of

    Criminology: Trends and Issues in Crime and Criminal Justice. Austrlia, 2003, p. 1-6.

    59 LARSEN, R.; BUSS, D. apud JONES, C. Genetic and environmental influences on criminal behavior. Personality

    Papers. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 02 de nov.

    de 2011.

    60 COTRAN, R.; KUMAR, V.; ROBBINS, S. Patologia Estrutural e Funcional. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara

    Koogan, 1996, p. 148.

    61 O triptofano um aminocido aromtico essencial, sua essencialidade no se restringe apenas sua

    contribuio no crescimento normal e na sntese protica, mas tambm na regulao de importantes

    mecanismos fisiolgicos. Entre suas diversas funes, temos: precursor do neurotransmissor serotonina e sua

    influncia no sono, comportamento, fadiga, ingesto alimentar etc. Alm disso, o triptofano precursor da

    vitamina B3 (niacina) e um dos aminocidos que estimula a secreo de insulina e hormnio do crescimento.

    62 quando um grupamento carboxila eliminado de um composto na forma de dixido de carbono (CO2).

    63 uma pequena glndula endcrina localizada perto do centro do crebro, entre os dois hemisfrios, acima do

    aqueduto de Sylvius e abaixo do corpo caloso, na parte anterior e superior dos tubrculos quadrigmeos e na

    parte posterior do ventrculo mdio. Est presa por diversos pednculos. Sua funo se encontra relacionada aos

    ciclos circadianos e ao controle das atividades sexuais e de reproduo.

  • taxas de serotonina no crebro e, por esse motivo, seu gene vem sendo bastante estudado

    nas investigaes de base biolgica e nos transtornos psiquitricos, bem como em

    comportamentos suicidas.64

    Com o advento das tcnicas de amplificao molecular, como a reao em cadeia da

    polimerase (PCR),65 tornou-se acessvel a anlise de genes relacionados a patologias ou

    distrbios hereditrios. Desse modo, como se evidencia um ntimo relacionamento entre os

    nveis de neurotransmissores, como a serotonina, e episdio de agresso associado aos

    comportamentos antissocial ou criminal, , no mnimo, instigante relacionar a possvel

    presena de alteraes genticas em indivduos com esses tipos de condutas.

    Existem relatos, na literatura cientfica, de pessoas que adquiriram personalidades

    sociopticas ocasionadas por leses patolgicas do sistema nervoso central. No incio da

    dcada de 90, Damsio e colaboradores demonstraram que indivduos que haviam se

    submetido a danos do crtex frontal, os quais apresentavam personalidades normais antes do

    evento danoso, desenvolveram conduta social anormal, acarretando consequncias pessoais

    indesejadas.66

    Corroborando com os achados acima descritos, em 1992, nos Estados Unidos, Meyers

    e colaboradores descreveram o caso clnico de um paciente que desenvolveu alteraes de

    personalidade, as quais se assemelhavam, de forma significativa, a um distrbio de

    personalidade antissocial, aps a remoo cirrgica de um tumor na glndula hipfise. O

    procedimento invasivo ao qual o paciente fora submetido provocou danos ao lobo frontal, no

    entanto, testes neuropsicolgicos e de personalidade no revelaram qualquer dficit cognitivo

    ou psicopatologia associada.67

    Vrios estudos, especificamente no TPAS, vm sugerindo a ocorrncia de

    anormalidades no funcionamento do sistema serotonrgico, especialmente, tratando-se de

    64 CORREA, H.; et al. A neurobiologia do suicdio: evidncias do papel do sistema serotonrgico. Jornal Brasileiro

    de Psiquiatria. v. 51, 2002, p. 397-398.

    65 uma tcnica amplamente utilizada nos laboratrios de biologia molecular, j que permite a amplificao de

    curtas sequncias de DNA in vitro, milhes de cpias em poucas horas, sem a necessidade de um sistema vivo

    de clulas. A PCR envolve o uso de oligonucleotdeos sintticos de DNA denominados primers, que so

    complementares s sequncias localizadas nas extremidades da regio de interesse e utilizao de uma

    enzima DNA polimerase para a unio dos desoxirribonucleotdeos.

    66 DAMSIO, A.; TRANEL, D.; DAMSIO, H. Individuals with sociopathic behavior caused by frontal damage fail to

    respond autonomically to social stimuli. Behavior Brain Research. v. 41. n. 2. 1990, p. 81; 83.

    67 MEYERS, C.; et al. Case report: acquired anti-social personality disorder associated with unilateral left orbital

    frontal lobe damage. Journal Psychiatry and Neuroscience. v. 17. n. 3. 1992, p. 121-124.

  • criminosos violentos.68 A associao entre a diminuio da funo serotonrgica e o

    comportamento agressivo e impulsivo tem sido demonstrada tanto em modelos animais como

    em populaes humanas com diagnstico clnico de personalidade antissocial.69

    ALTERAES GENTICAS

    Nas ltimas dcadas, um grande progresso vem sendo realizado para a compreenso

    sobre a estrutura e a funo dos genes70 e cromossomos.71 Mais recentemente, esses

    conhecimentos vm sendo suplementados por uma compreenso aprofundada da

    organizao do genoma humano no nvel de sua sequncia de DNA.72 Esses avanos se

    devem de forma substancial s aplicaes da gentica molecular e da genmica s mais

    diversas situaes clnicas, fornecendo, desse modo, o instrumento adequado para um novo

    enfoque da gentica sobre as distintas manifestaes fenotpicas.

    O crescente conhecimento dos genes, assim como de sua organizao e expresso,

    representa um enorme impacto no campo da medicina e na percepo da fisiologia humana,

    conforme Paul Berg 73 j explanava em suas conferncias.

    Assim como nosso atual conhecimento e nossa prtica da medicina baseiam-se em um sofisticado conhecimento da anatomia humana, da fisiologia e da bioqumica, lidar com

    a doena no futuro demandar um compreenso detalhada da anatomia molecular,

    fisiologia e bioqumica do genoma humano... Precisaremos de um conhecimento mais

    detalhado sobre como os genes humanos so organizados e como eles funcionam e so

    regulados. Precisaremos tambm de mdicos que conheam a anatomia molecular e a

    fisiologia dos cromossomos e genes, como o cirurgio cardaco conhece o

    funcionamento do corao.

    68 CHEREK, D.; LANE, S. Effects of d, l - fenfluramine on aggressive and impulsive responding in adult males with a

    history of conduct disorder. Psychopharmacology. v. 146. n. 4. 1999, p. 473.

    69 DOLAN, M.; ANDERSON, I. The relationship between serotonergic function and the Psychopathy Checklist:

    Screening Version. Journal of Psychopharmacology. v. 7. n. 2. 2003, p. 216.

    70 O gene uma unidade hereditria, ou seja, uma sequncia de DNA que necessria para a produo de um

    produto funcional.

    71 O cromossomo uma das estruturas filamentares do ncleo da clula. Consiste em cromatina e porta

    informao gentica.

    72 cido Desoxirribonuclico um composto orgnico cujas molculas contm as instrues genticas que

    coordenam o desenvolvimento e o funcionamento de todos os seres vivos.

    73 (1926 - ) qumico e foi ganhador do Prmio Nobel de Qumica de 1980, por desenvolver mtodos para

    mapear as estruturas e funes do DNA.

  • Entretanto, de forma indireta, as revelaes dessas incgnitas genticas, como a

    etiologia de algumas doenas, repercutem em variados campos do conhecimento humano,

    entre eles, o direito, a sociologia e a filosofia.

    A importncia de estudos genticos moleculares evidencia-se atravs de buscas pela

    existncia de formas alternativas de um gene na populao, a ocorrncia de fentipos

    similares que se desenvolvem da mutao e da variao de locus 74 diferentes, a importncia

    das interaes gene-gene e gene-ambiente nas doenas, o papel das mutaes somticas, a

    exequibilidade do diagnstico pr-natal, dos testes pr-sintomticos e da triagem populacional

    e a promessa de efetivas terapias gnicas. Na prtica clnica, o principal significado da

    gentica no esclarecimento do papel da variao dos genes e da ocorrncia de mutaes na

    etiologia dos mais variados distrbios.75

    Entre os distrbios causados total ou parcialmente por fatores genticos, so

    reconhecidos trs tipos principais: os distrbios monognicos, os quais so causados por

    genes mutantes individuais, a mutao pode estar presente em apenas um cromossomo de

    um par ou em ambos os cromossomos do par, em qualquer das situaes, a causa um erro

    crtico na informao gentica levada por um nico gene. Nos distrbios cromossmicos, o

    defeito no se deve a um nico erro no cdigo gentico, mas a um excesso ou a uma

    deficincia dos genes contidos em cromossomos inteiros ou segmentos cromossmicos. J

    nos distrbios multifatoriais, parece no haver um erro nico na informao gentica, a

    doena resulta de uma combinao de pequenas variaes nos genes, que, juntas, podem

    produzir ou predispor a um grave defeito, em geral, em conjunto com fatores ambientais.76

    A informao gentica est contida no DNA dos cromossomos dentro do ncleo celular,

    mas a sntese de protenas, durante a qual a informao codificada no DNA utilizada, ocorre

    somente no citoplasma da clula. A ligao molecular entre os tipos relacionados de

    informao, ou seja, o cdigo de DNA nos genes e o cdigo de aminocidos das protenas,

    realizada pelo RNA,77 o qual possui estrutura similar molcula de DNA.78

    74 a posio ocupada por um gene em um cromossomo.

    75 NUSSBAUM, R.; McINNES, R.; WILLARD, H. Gentica Mdica. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.

    13-14.

    76 JORDE, L. et al. Gentica Mdica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 53; 213.

    77 cido Ribonuclico responsvel pela sntese de protenas na clula.

    78 BROWN, T. Gentica: um enfoque molecular. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 33-40.

  • A correlao informacional entre DNA, RNA e protena est interligada, o DNA coordena

    a sntese e a sequncia do RNA, o RNA dirige a sntese e a sequncia de polipeptdios e

    especifica as protenas envolvidas na sntese e no metabolismo do DNA e RNA. Esse fluxo de

    informao , comumente, denominado de dogma central da biologia molecular.79

    A informao gentica armazenada no DNA por meio de um cdigo, no qual a

    sequncia de bases nitrogenadas adjacentes determina a sequncia de aminocidos no

    polipeptdio codificado. Primeiramente, o RNA sintetizado a partir de um molde de DNA por

    um processo denominado como transcrio. O RNA carrega a informao codificada em uma

    forma chamada de RNA mensageiro, sendo transportado do ncleo para o citoplasma, onde a

    sequncia de RNA traduzida para determinar a sequncia de aminocidos na protena a ser

    sintetizada. O processo de traduo ocorre nos ribossomos, organelas citoplasmticas, os

    quais apresentam associao com um tipo especfico de RNA, o ribossmico. A traduo

    envolve ainda um terceiro tipo de RNA, o transportador, o qual fornece a ligao molecular

    entre a sequncia de bases do RNA mensageiro e a sequncia de bases da protena.80

    A tecnologia do DNA recombinante81 alterou drasticamente o modo pelo qual os genes

    so estudados. Anteriormente, a informao sobre a estrutura e a organizao dos genes era

    obtida examinando seus efeitos fenotpicos, mas a nova tecnologia possibilitou interpretar as

    sequncias de nucleotdeos. Atravs dessa tecnologia, torna-se possvel fornecer novas

    informaes sobre estrutura e funcionamento dos genes, entre as principais tecnologias

    desenvolvidas, pode-se citar a reao em cadeia da polimerase, desenvolvida por Kary Mullis,

    em 1983, a qual permite que fragmentos de DNA sejam amplificados um bilho de vezes

    dentro de algumas horas, partindo-se, at mesmo, de quantidades extremamente pequenas

    do DNA original.82

    A gentica do comportamento, considerada como um segmento da gentica,

    relativamente recente, porm suas origens so to antigas como os estudos de Gregor

    79 BROWN, T. Gentica: um enfoque molecular. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 2-3.

    80 NUSSBAUM, R.; McINNES, R.; WILLARD, H. Gentica Mdica. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.

    14

    81 um conjunto de mtodos usados para localizar, analisar, alterar, estudar e recombinar sequncias de DNA.

    usado para sondar a estrutura dos genes, abordar questes em distintas reas biolgicas, criar produtos

    comerciais, diagnosticar e tratar doenas.

    82 PIERCE, B. Gentica: um enfoque conceitual. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 509-512.

  • Mendel.83 Existem variados mtodos aplicveis para o estudo da influncia gentica sobre o

    comportamento, entre eles, pode-se exemplificar: o estudo de famlias, em que se utiliza a

    comparao dos indivduos aparentados, sendo suas semelhanas expressas em termos de

    coeficiente de correlao e calculados os riscos de recorrncia de suas caractersticas; o

    estudo de gmeos, o qual se baseia na comparao de gmeos monozigticos e dizigticos; o

    estudo de adotivos, no qual essa estratgia visa a aferir a influncia da herana e do

    ambiente; o estudo de colaterais e meio-irmos; os estudos de endocruzamento, em que h

    uma alta frequncia de casamentos consanguneos, aumentando a possibilidade de

    homozigose; os estudos do comportamento de pacientes com anomalias gnicas ou

    cromossmicas; os estudos de caractersticas comportamentais que apresentam diferenas

    sexuais envolvem diferenas na organizao e assimetria cerebral mediada por hormnios

    sexuais; os estudos de associao, baseados na associao entre marcadores genticos, e os

    estudos de ligao, os quais se baseiam na relao entre marcadores genticos e supostos

    genes para uma determinada patologia.84

    O estudo das caractersticas comportamentais envolve quesitos como a inteligncia, a

    homossexualidade, o retardo mental, a personalidade, entre outros. A anlise gentica da

    personalidade demonstra-se um tanto quanto complexa, tendo em vista que seu modo de

    herana seja, muito provavelmente, multifatorial. Alm disso, os testes utilizados para avali-la

    so relativamente influenciados pela cultura, polarizando-se na neurotizao ou na

    extroverso.85

    A adequada compreenso dos distrbios psiquitricos reside, muito possivelmente, em

    sua essncia gentica, ou seja, o verdadeiro papel dos genes sobre o fentipo desenvolvido

    pelos indivduos. No entanto, McGuffin e Thapar no consideram tais distrbios como,

    simplesmente, heranas mendelianas, mas, sim, o produto de uma srie de fatores, mas, sem

    dvida alguma, o quesito gentico, atravs do sinergismo de distintos genes.86

    83 (1822 - 1884) Foi um monge agostiniano, botnico e meteorologista austraco. conhecido como o pai da

    gentica, props que a existncia de caractersticas das flores devido existncia de um par de unidades

    elementares de hereditariedade, agora conhecidas como genes.

    84 BORGES-OSRIO, M.; ROBINSON, W. Gentica Humana. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 330-332.

    85 BORGES-OSRIO, M.; ROBINSON, W. Gentica Humana. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 333.

    86 McGUFFIN, P.; THAPAR, A. The genetics of personality disorder. The British Journal of Psychiatry. v. 160. 1992,

    p. 12.

  • CRIMINOLOGIA

    Grande parte dos autores em criminologia atribui aos estudos de Cesare Lombroso um

    lugar de destaque na formao dos conhecimentos criminolgicos modernos. Lombroso,

    juntamente com autores como Rafaelle Garofalo 87 e Enrico Ferri88, construram uma

    abordagem cientfica do crime, estabelecendo um contraditrio entre as doutrinas penais da

    Escola Clssica, em que se figuram como expoentes os autores Cesare Becaria89 e Jeremy

    Bentham90, e da Escola Positivista, arguidas pelo prprio Lombroso.

    O termo criminologia foi utilizado pela primeira vez pelo antroplogo francs Topinard,

    em 1879, entretanto, somente em 1885, com o italiano Raffaele Garofalo, esse termo ilustrou

    87 (1851 - 1934) Era magistrado e escreveu, sobretudo, a respeito das reformas prticas da justia criminal e das

    instituies legais. Do mesmo modo que Lombroso, relegava os fatores sociais a uma posio secundria na

    etiologia do crime. Defendeu vrias ideias que se tornaram patrimnio comum da Escola Penal Positivista, entre

    elas, a da rejeio da noo de responsabilidade moral, que seria incompatvel com o ideal de defesa social, e a

    da nfase na individualizao da punio, a qual deveria ter por referncia as caractersticas particulares de cada

    criminoso.

    88 (1856 - 1920) Foi professor de direito penal e, ao contrrio de Lombroso e Garofalo, enfatizava os fatores

    sociais na etiologia do crime, mas sem deixar de lado os fatores individuais e fsicos. Sua classificao dos

    criminosos foi amplamente divulgada. Para ele, os criminosos poderiam ser divididos em cinco classes: natos,

    insanos, passionais, ocasionais e habituais

    89 (1738 - 1794) Considerado um clssico do Direito Penal, Beccaria foi a primeira voz a levantar-se contra a

    tradio jurdica e a legislao penal de seu tempo, denunciando os julgamentos secretos, as torturas

    empregadas como meio de se obter a prova do crime, a prtica de confiscar bens do condenado. Uma de suas

    teses a igualdade perante a lei dos criminosos que cometem o mesmo delito. A obra Dos Delitos e das Penas

    um dos clssicos e sua leitura considerada basilar para a compreenso da Histria do Direito.

    90 (1748 - 1832) Foi um filsofo e jurista ingls, o qual buscava uma relao mais precisa entre castigo e delito e

    insistia na fixao de penas definidas e inflexveis para cada classe de crime, de tal forma que a pena superasse

    apenas um pouco o prazer do delito.

  • o ttulo de uma obra cientfica.91 Entretanto, foi atravs do tambm italiano Cesare Lombroso

    que a criminologia teve seu marco positivista inicial, com a publicao do livro LUomo

    Delinquente em 1876. Atualmente, pode-se definir a criminologia como uma cincia emprica

    e interdisciplinar, a qual se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vtima e do

    controle social do comportamento delitivo.92

    A Escola Clssica conceituava a ao criminal em termos legais ao destacar a liberdade

    individual e os efeitos da punio, por outro lado, a Escola Positivista, tambm designada

    como Determinista ou Italiana, repudiava a definio estritamente legal, ao enfatizar uma

    natureza determinstica para o crime, em vez da responsabilidade individual, ao passo que ela

    defende um tratamento cientfico em relao ao criminoso, tendo em vista a proteo da

    sociedade.

    O autor Cesare Lombroso, influenciado por teorias materialistas, positivistas e

    evolucionistas, defendia a teoria de que existiria um criminoso nato. Lombroso considerava

    que os comportamentos e as atitudes eram biologicamente determinados, ao propor que seus

    achados, em estudos antropomtricos de indivduos criminosos, demonstravam a existncia

    de caractersticas fsicas comuns entre eles, caractersticas essas que reportavam ao homem

    primitivo, sendo passveis de transmisso hereditria. Lombroso procurou demonstrar o crime

    como um fenmeno natural, ao considerar o delinquente, simultaneamente, um ser primitivo e

    doente, o qual se encontraria estigmatizado pela sociedade.93

    Desse modo, a criminologia, como cincia aplicada para a compreenso do homem

    criminoso e para o estabelecimento de uma poltica cientfica de combate criminalidade,

    poderia ser considerada como um instrumento essencial para a viabilizao de mecanismos

    de controle social necessrios conteno da criminalidade em uma sociedade.

    O estudo do homem delinquente, ou seja, do infrator, em uma viso criminolgica

    positivista, encontra-se alicerado no princpio comportamental do indivduo, baseado em uma

    dinmica de causa e efeito. Assim, o infrator um prisioneiro de sua prpria patologia ou de

    processos causais alheios sua vontade, sendo que uma cadeia de estmulos e respostas

    explica sua conduta desviante inexoravelmente.94

    91 LOMBROSO, C. O Homem Delinqente. 2. ed. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001, p. 291.

    92 MOLINA, A.; GOMES, F. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 39.

    93 LOMBROSO, C. O Homem Delinqente. 2. ed. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001.

    94 MOLINA, A.; GOMES, F. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 75.

  • Mais do que uma inovao no campo das doutrinas penais, portanto, Lombroso

    pretendia criar uma nova cincia da natureza humana, capaz de dar conta das desigualdades

    entre os homens.95 O combate por uma nova cincia requeria o esforo no somente de um

    pesquisador, mas de muitos, possivelmente de toda uma gerao, e, quanto a isso, Lombroso

    ressaltava que os novos conhecimentos eram resultados de um amplo movimento coletivo de

    ideias.96

    O autor alemo Ernst Kretschmer,97 anos aps, desenvolveu estudos sobre a

    biotipologia, definindo trs bitipos fundamentais, a partir da correlao entre doena mental

    e estrutura corporal. So eles:

    a) o leptossmico: quanto morfologia: delgado, trax estreito e comprido, costelas

    salientes, abdome delicado e pouca adiposidade, rosto pequeno e ovide; quanto ao

    temperamento: oscila entre a hipersensibilidade e a insensibilidade, pertence ao crculo

    da loucura esquizofrnica, excntrico, problemtico, ausente, cindindo com o mundo.

    b) o atltico: quanto morfologia: forte, musculoso, estatura mediana, trax

    desenvolvido, ombros largos, abdome tenso, cintura fina e rosto entre ovide e

    pentagonal; quanto ao temperamento: explosivo, sua reao , s vezes, violenta e

    brutal; egocntrico e com intolerncia alcolica.

    c) o pcnico: quanto morfologia: adiposo, compacto. Caracteriza-se principalmente pelo

    desenvolvimento das cavidades corporais, de estatura mediana, o pescoo curto e

    grosso, rosto pentagonal e calvcie; quanto ao temperamento: oscila entre o excitado e o

    deprimido, pertence ao crculo da loucura manaco-depressiva, afvel otimista e

    bondoso.98

    Entretanto, atualmente, a influncia dessa teoria foi bastante reduzida, principalmente

    pelo fato de que baseada na considerao do crime como produto puro de um fenmeno

    biolgico.

    Contudo, deve-se salientar a necessidade do conhecimento dos fatores crimingenos

    responsveis pela gnese da conduta ilcita, pois dessa compreenso depender o sucesso

    95 XAVIER, A. A construo do conceito de criminoso na sociedade capitalista. Revista Katlysis. v. 11. n. 2. 2008,

    p. 275.

    96 ALVAREZ, M. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. DADOS Revista de Cincias Sociais. v. 45. n. 2. 2002, p. 680.

    97 (1888 1964) Era psiquiatra e pesquisou a constituio humana, estabelecendo a tipologia. Foi o primeiro a descrever o estado vegetativo persistente, tambm conhecido como Sndrome de Kretschmer. Outro termo

    mdico cunhado pelo seu nome a Paranoia Sensitiva de Kretschmer. Entre 1915 e 1921, desenvolveu o

    diagnstico diferencial entre esquizofrenia e psicose manaco-depressiva. Kretschmer tambm conhecido por

    ter desenvolvido um sistema de classificao que pode ser visto como um dos primeiros expoentes da

    abordagem constitucional.

    98 ITO, P.; GUZZO, R. Diferenas individuais: temperamento e personalidade; importncia da teoria. Revista de

    Estudos de Psicologia. v.19. n. 1. 2002, p. 94.

  • das medidas corretivas aplicadas, as quais possibilitem a recuperao do infrator e a

    preveno da reincidncia criminosa.99

    Como afirma Pelez:

    A criminologia e o direito penal so duas cincias autnomas, porm no opostas, nem

    separadas, mas bem associadas. No se resolve nenhum problema penal sem ter em

    conta os resultados da criminologia, a qual a base indispensvel da teoria e prtica do

    direito penal moderno, assim como do direito penitencirio e do direito processual.100

    Nessa tica, deve-se refletir acerca de um novo modelo de direito penal aplicado, como

    defende Ferrajoli, pois se estaria diante de um modelo autoritrio, estruturado como um

    direito do autor e no do fato imputado. Por conseguinte, os indivduos passariam a sofrer

    uma represso criminal no por aquilo que viessem a fazer, mas por aquilo que fossem ou

    pudessem vir a ser capazes de realizar.101

    O jurista italiano ainda complementa que, nesse contexto, a lei no teria uma funo

    reguladora, mas, sim, constitutiva dos pressupostos da pena, no sendo observvel ou violvel

    pela omisso ou comisso de fatos contrrios a ela. Tratar-se-ia de uma tcnica punitiva, a

    qual apresentaria um carter discriminatrio e unilateral.102

    A criminologia cercada por um complemento de cincias auxiliares, que buscam

    basilar os achados criminais, a fim de interpret-los de uma forma mais ampla e complexa.

    Dentre esses ramos cientficos, nos quais a criminologia se encontra alicerada, podemos

    destacar: a gentica, a qual a cincia da hereditariedade, a demografia, que consiste no

    levantamento numrico populacional, a etologia, que comporta a investigao de natureza

    cientfica do comportamento humano, levando em conta as mltiplas influncias e

    acomodaes que as circunstncias ambientais exercem sobre o comportamento da pessoa. A

    penalogia, ramo das cincias criminais que cuida do castigo do delinquente, a vitimologia, que

    estuda o comportamento da vtima, com avaliao das causas e dos efeitos da ao delitiva, e

    a estatstica, que prev o conjunto de mtodos matemticos, centrada em dados reais, a fim

    99 MARANHO, O. Psicologia do Crime. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 11-14.

    100 PELEZ, M. Introduccin al Studio de la Criminologa. Buenos Aires: Depalma, 1966, p.190.

    101 FERRAJOLI, L. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 80.

    102 FERRAJOLI, L. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 81.

  • de construir modelos de probabilidade relativos a indivduos, retratando fatores ou indutores

    de criminalidade.103

    Teoria dos Motivos Determinantes

    A expresso acima empregada para designar aquelas que se apresentam como

    causas e razes as quais levam determinado indivduo a delinquir, ou seja, so os motivos

    determinantes do crime, ou melhor, so os fatores que, agindo na esfera ntima da vontade do

    indivduo, fazem com que ele atue no mundo que o circunda, dessa maneira, causando uma

    alterao juridicamente relevante e coibida pelo direito penal. De fato, os motivos que

    determinam no indivduo a prtica de atos delituosos se encontram intimamente entrelaados

    problemtica do dolo e sua relevncia para as distintas escolas penais.104

    Os partidrios da teoria causalstica da ao compactuam que o atuar humano s se

    pode dizer criminoso quando afetar, de maneira voluntria, um bem da vida juridicamente

    tutelado pelo direito penal, mas no se ocupam do fim a que esse atuar se dirige, relegando a

    um plano inferior a razo que motivou o agente para a prtica do determinado ato. Por outra

    banda, para os adeptos da teoria finalista da ao, a existncia do crime est

    consubstanciada na agresso a um bem de vida penalmente tutelado, mas desde que esse

    resultado tenha sido desejado pelo agente, implicando, necessariamente, a existncia de um

    motivo, o qual ser mais ou menos relevante, conforme se enquadre na norma penal

    positivada ou no.105

    Dos embates doutrinrios travados pelas diversas escolas criminolgicas surgiram trs

    alinhamentos bsicos que buscavam definir quais seriam os motivos determinantes do

    aparecimento do impulso delituoso no indivduo. Assim, vieram luz do direito os modelos

    biolgicos, psicolgicos e sociolgicos.

    103 SILVA, L. A criminologia e a criminalidade. Jus Navigandi. n. 66. 2003. Disponvel em:

    . Acesso em: 9 ago. 2009.

    104 LIMA, C. Teoria dos motivos determinantes: um ensaio sobre criminologia aplicada. Jus Navigandi. n. 1215.

    2006. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2006.

    105 LIMA, C. Teoria dos motivos determinantes: um ensaio sobre criminologia aplicada. Jus Navigandi. n. 1215.

    2006. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2006.

  • Motivos Biolgicos

    Esto relacionados anlise dos processos de ordem biolgica com as violaes ao

    ordenamento jurdico, em especial, ao direito penal. importante ressaltar que os estudos dos

    determinantes biolgicos se encontram intimamente ligados ao instinto de conservao, ou

    tendncia autoafirmao. Nessa batalha pela sobrevivncia, o ser humano utiliza-se de

    mecanismos disponveis para cessar a atuao de foras, externas ou internas, que lhe

    ameaam a sua existncia.

    Dentre as principais reas de investigao biolgica, pode-se citar:

    a) Antropometria: consiste no sistema que afere e analisa as medidas das principais

    partes do corpo do criminoso, tais como cabea, braos, dedos, entre outros, anotando-

    se tais dados como estratgia para fcil identificao do criminoso, caso esse viesse a

    subtrair-se da aplicao da lei penal, aliando-se atualmente a outras tcnicas mais

    avanadas.

    b) Antropologia: apresenta como postulado bsico a noo de que existiria um tipo

    humano inferior, degenerado, evolutivamente atrasado, e com carga gentica

    essencialmente diferente dos demais. Nessa concepo, o indivduo delinqente

    naturalmente inferior ao indivduo no delinqente.

    c) Biotipologia: serve-se do estudo do tipo humano, investigando a existncia de alguma

    correlao entre as caractersticas fsicas do indivduo e o seu comportamento. Analisa a

    predisposio de certos tipos de indivduos, de determinada constituio fsica, para a

    prtica de determinados tipos de delitos.

    d) Neurofisiologia: o avano tecnolgico permitiu a anlise de ondas cerebrais atravs

    do eletroencefalograma, demonstrando a existncia da correlao entre anomalias

    cerebrais e a conduta humana, j que determinados tipos de delitos so praticados por

    indivduos com determinado padro de atividade eltrica cerebral.

    e) Endocrinologia: partindo-se da anlise do funcionamento hormonal possvel traar

    uma relao entre o atuar humano criminoso e eventuais falhas ou interrupes na

    produo de determinados hormnios. A atividade endcrina tem relevante influncia no

    temperamento e no carter do indivduo, uma vez que este rege todo o processo

    anmico humano.

    f) Gentica: a gentica criminal dedica-se basicamente aos estudos dos diversos

    fenmenos criminais ligados a questes hereditrias.106

    Apesar de suas limitaes e seus condicionamentos, o enfoque biolgico apresenta

    importante funo no estudo da Criminologia, principalmente, na rea cientfica e

    interdisciplinar. Os modelos biolgicos evolucionam para paradigmas cada vez mais

    complexos, dinmicos e integradores, capazes de ponderar a pluralidade de fatores que

    interatuam no fenmeno delitivo.107

    106 LIMA, C. Teoria dos motivos determinantes: um ensaio sobre criminologia aplicada. Jus Navigandi. n. 1215.

    2006. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2006.

    107 MOLINA, A.; GOMES, F. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 178.

  • Ressalta-se que as reas de neurofisiologia, endocrinologia e gentica se encontram

    intimamente relacionadas, tendo em vista que as funes neurolgicas e hormonais so, em

    sua maioria, consequncias da expresso de genes responsveis por suas atividades,

    possibilitando a adequada homeostase108 fisiolgica, sendo elas, atualmente, incansveis

    objetos de estudos para a possvel correlao de seus efeitos sobre o perfil crimingeno.

    Motivos Psicolgicos

    Os motivos psicolgicos analisam o comportamento humano, atravs da estrutura, do

    nascimento e do desenvolvimento da conduta criminosa, bem como dos diversos fatores que

    nela interferem. necessrio enfatizar-se que no possvel afirmar que todo criminoso seja

    louco, ou que todo louco seja criminoso. O que se deve ter em mente que as anormalidades

    na formao da personalidade do indivduo podem determinar nele a prtica de certos atos

    juridicamente repudiados, sem implicar, necessariamente, uma relao de causa e efeito

    entre um fato e outro.

    Dentre as principais reas de investigao psicolgica, pode-se citar:

    a) Psicanlise: tem como caracterstica a diviso da estrutura psquica do indivduo em

    partes distintas com diferentes graus de subjetividade e a concentrao de todas as

    caractersticas e con