A praga

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Um verdadeiro suspense assombra essas pessoas.

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...a você.

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CAPÍTULO UM Deixando o Paraíso

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A minivan da família Moretti para no

posto de gasolina, bem em frente à loja de conveniências, após duas horas de viagem. Primeiro desce a filha do casal, uma adolescente de quatorze anos chamada Anamara. A bela mocinha de cabelos ruivos, pele clara e olhos da cor de mel, educadamente abre a porta traseira para o avô descer cuidadosamente. Um rapaz desce sorridente. Seu nome é Cristiano, mas ele prefere ser chamado de Cris. Ele é apenas dois anos mais velho que a irmã. Tem cabelos pretos e pele levemente bronzeada. Cristiano segura em um dos braços do senhor Alfredo Moretti, o patriarca da família; pai da mulher no banco de passageiros na frente do veículo. Uma bela e jovem mulher de cerca de trinta e seis anos, mãe daqueles prestativos

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adolescentes. Uma mãe jovem, mas uma mãe muito responsável. Ela abre outra das portas do carro e apanhar na cadeirinha o mais jovem membro dessa família, um garotinho de um ano de idade. Victor, o marido, ainda no carro olha para trás pelo retrovisor e lembra a esposa:

― Rita! O chapeuzinho do Renan está lá atrás. O sol está quente. Eu pego para você. ― Ele desce e abre o porta-malas apanhar o chapeuzinho e entrega a esposa. E aquela família feliz caminha até a loja de conveniências.

― Boa tarde? ― Cumprimenta a garçonete esboçando um largo sorriso. ― Em que posso servi-los?

Victor pede um filé com fritas, ao que Anamara e Cris acompanham o pai nesse mesmo pedido. Rita resolve pedir uma salada e Alfredo também pede o mesmo. Depois de vários minutos a garçonete volta com os pedidos e é forçada a esboçar um comentário:

― Sua família é muito bonita senhora... ― Rita! Obrigada. ― De onde vocês são?

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― De “Cidade Paraíso”! Viemos morar aqui. ― A garçonete faz uma cara de espanto e não se contenta em não perguntar:

― Desculpe, mas... Por que deixar uma cidade grande como aquela e vir para esse fim de mundo? ― Rita não se importa com a curiosidade da moça e responde educadamente:

― Aqui em “Águas Negras” parece muito bom para criar nossos filhos. A cidade grande pode ser prejudicial para as crianças. E nós nos preocupamos com elas ― Dizendo isso Rita olha para seu esposo, que sorri de volta. A garçonete sai e deixa a família almoçar.

Cerca de duas horas depois enquanto Victor faz o pagamento no caixa, os outros se acomodam no veículo para seguir mais uma hora de viagem até seu destino propriamente dito. Pouco tempo depois eles partem. Essa última hora é silenciosa, perturbadoramente silenciosa.

Aquele sol escaldante dá lugar a uma leve chuva que aumenta aos poucos até se tornar uma chuva forte.

Finalmente eles chegam ao destino. Começam entrando numa estrada de areia

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cercada por árvores enormes que sufocam quem passa pelo local. Uma sensação de estar indo para um local que não se pode mais voltar. Os filhos adolescentes começam a entrar na normalidade e se remechem no assento do carro. É natural que um adolescente não queira sair de uma cidade grande e vir morar em um lugar como esse: Uma cidade com sete mil habitantes, dentro de uma floresta escura e sufocante. Deixando amigos e namorados para trás. Por essa razão Anamara resolve timidamente comentar:

― V-vamos mesmo morar aqui? ― Victor olha para a jovem pelo retrovisor sem falar nenhuma palavra, então a menina emudece. O velho Alfredo não se sente confortável ali; não necessariamente com o banco do carro, este sim é bem confortável; mas sim com a situação, alguma coisa ali não está normal, parece... De plástico. Mas infelizmente ele não pode falar, pois perdeu a voz com um problema na garganta.

Os olhares fitam o casarão lá fora quando o carro começa a parar:

― Prontinho crianças! Iremos morar aqui por um tempo. ― Rita tenta descontrair. Os meninos descem devagar do carro para

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observar melhor seu novo lar. Depois todos os outros descem da minivan e se prostram diante daquela casa. A pintura da casa estava escura, havia árvores enormes em volta deixando o ambiente estranhamente escuro. Era isolada, com exceção da casinha que ficava a poucos metros, não havia nada mais. A escola ficava propriamente na cidade há dez minutos dali, na verdade tudo ficava na cidade. Eles caminharam devagar até as escadarias da casa. Era uma casa alta, tinha muitas janelas no piso superior, oito para ser exato. Enquanto se aproximavam uma senhora sai da casinha ao lado. Era uma senhora baixa e bem velhinha, parecia suja e debilitada. Enquanto os Moretti passavam a velha senhora olhava de forma sombria para eles. As crianças se assustaram naturalmente, O velho Alfredo não olhou para ela. A velha abre a boca e dá as boas vindas:

― Bem vindos! Vizinhos. Espero que gostem dessa casa. Meu nome é Marta. ― Rita pensou momentaneamente que aquilo parecia uma maldição. E sorriu para a senhora, mas por dentro sorriu da bobagem que pensara.

― Aiii!

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― O que foi minha filha? ― Ahh! Foi esse gato mãe. Ele passou

entre as minhas pernas e eu me assustei. ― A velha Marta interrompe a conversa:

― Ohh! Bicho-Luca? Ai está você. É meu gato sabe? Meu companheiro, sem ele eu não estaria viva. ― Era um gato cinzento, grande, muito gordo. Tinha uma cabeça enorme que chamava a atenção. Cristiano pensou que aquele realmente era um nome esquisito para um gato. A velha Marta pegou seu enorme gato gordo e entrou em casa. Os Moretti abriram a porta e entraram na casa. Lá dentro era escuro e poeirento. Tinha um cheiro forte e úmido. As escadarias que levavam para o piso superior estavam sujas, mas a madeira era de ótima qualidade e ainda estava forte. O piso estava cheio de folhas secas e poeira. Uma luminária no teto e abajures nas laterais em cômodas de madeira de boa qualidade eram as únicas fontes de luz. Anamara abriu as janelas para clarear tudo. O vento que entrou estava frio, mas era melhor que aquele cheiro forte.

― Muito bem pessoal, vamos tirar as coisas do carro e fazer uma grande limpeza.

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CAPÍTULO DOIS A Primeira Noite

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A limpeza ainda estava longe de ser

concluída, mas já era tarde da noite e eles precisavam jantar e descansar. Rita já está na cozinha preparando alguma coisa. Apesar de a casa não está apropriada para isso, ainda assim ela faz uma ótima refeição que é posta na velha mesa para doze lugares na sala de jantar. Todos se sentam e jantam em silêncio. Depois de alguns minutos as conversas começam:

― Estão gostando crianças? ― Da comida? Da casa? Da cidade? ―

Desafia Anamara. Victor solta a colher no prato e nitidamente se segura para não explodir.

― Anamara, tudo ficará bem. Vocês precisam entender. Era necessário que nossa família viesse para cá. ― Anamara percebe

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que ganhou algum poder, e aproveita a brecha, mesmo sabendo que pode lhes custar caro depois:

― Mas... Tinha mesmo que ser para essa cidade? No meio do nada? ― Nesse momento Cristiano liga o mp3 player, tentando se isolar daquela conversa.

― Cris? ― Victor chama o menino, que não escuta.

― Cris? ― Um grito mais forte e todos na mesa com exceção de Alfredo dão de ombros, num susto.

― Desculpe pessoal, não quis ser rude, só queria que Cris desligasse o aparelho e participasse dessa conversa.

― Desculpe pai, não achei que fosse necessário, por isso ligue o mp3.

― É necessário sim, precisamos saber o que você está achando de tudo isso. ― Ocorre um silêncio até que Cris percebe que se espera mesmo uma resposta de sua boca:

― Bom... Acho que dará certo. ― Victor perceber que encontrou um aliado e sorri:

― Viu Anamara? Cris também acha que ficaremos bem. ― A menina olha para o irmão e levanta-se da mesa. Rita passa a mão

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no rosto subindo pela cabeça, um sinal universal de preocupação. Victor observa a moça subir as escadas e volta a comer falando em seguida:

― Tudo bem pessoal, ela entenderá. Cristiano apressa-se e conclui o jantar

antes de todo o resto. Levanta-se da mesa e sua mãe pede que ele leve o pequeno Renan para o quarto. E na mesa ficam os adultos. Os três permanecem em silêncio por algum tempo até que Rita também se levanta e ajuda o velho Alfredo a subir as escadas, deixando Victor sozinho. Vários minutos passam até que Victor levanta-se e resolve subir. Ele está passando na frente do quarto de Anamara e para um instante põe o ouvido na porta e resolve empurrar a porta; está aberta; ele entra devagar, as luzes estão apagadas. Mas mesmo assim ele chama baixinho:

― Anamara? Está acordada? ― Nenhuma resposta se faz ouvir. Então Victor se aproxima da cama devagar, senta-se e põe a mão carinhosamente na cabeça da menina. Ele passa alguns instantes assim e depois desce devagar a mão pelo corpo da adolescente. Levanta-se e sai do quarto. Sem perceber que Anamara fingia estar realmente

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dormindo. A menina fica no escuro do quarto, imóvel, chorando.

Segundos depois Victor entra no quarto da esposa. Ele não encontra Rita na cama, mas escuta a água escorrer no banheiro. Olha para a cômoda ao lado da cama e encontra envelopes vazios de Valium. Ele apanha os envelopes e os joga no cesto de lixo mais adiante. Nesse instante a esposa sai do banheiro e ele se aproxima sorrindo dela, ela para e encara o esposo por alguns instantes, e parece surpresa. Ele a abraça por alguns momentos e a solta se virando em seguida, quando de repente vira-se socando a mulher com força:

― Seu trabalho é calar a sua filha! Por que não consegue fazer o básico? ― Há uma fúria no olhar do homem. Rita cai na cama e assim permanece. Ele arranca violentamente as roupas dela e sem que ela possa esboçar reação alguma, ele copula impetuosamente com ela.

A noite continuou calma a partir dali. Era muito tarde quando um barulho distante acordou Anamara. Ela sentou-se na cama e continuou tentando ouvir. De repente o barulho voltou, como se algo estivesse sendo

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arrastado. Anamara levanta-se e vai até a porta e tenta ouvir. Nada acontece. Ela então abre devagar a porta e sai do quarto nas pontas dos pés, caminhando pelo corredor percebe que o barulho aumenta à medida que se aproxima do fim do corredor. Quando chega próximo ao último quarto, que não fora ocupado pela sua família, ela encosta-se à porta e tenta ouvir lá dentro:

― Tunc! ― Um barulho oco. Ela abre a porta devagar e entra. Está uma lua brilhante lá fora, e isso faz com que seu brilho penetre pela janela aberta. E então ela percebe que o vento estava batendo a janela escancarada. Dá um suspiro de alívio e já dá meia-volta quando sua visão periférica percebe um movimento na penumbra. Ela olha rapidamente e percebe num canto do quarto uma sombra mais forte se mexendo. Aproxima-se calmamente do interruptor da luz a sua direita e liga:

― Ufa! Um gato! Ahh! É o gato daquela senhora... Marta. Deve ter entrado pela janela. ― Ela então se aproxima do gato que está um pouco assustado e o pega pela barriga, colocando sobre o parapeito da janela. O bichano salta dali e some na

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penumbra daquela noite. Quando Anamara termina de fechar a janela e volta-se para sair do quarto, perceber uma pequena janela no canto direito do quarto, como um sótão, mas não no teto; e sim na parede. Ela se aproxima e tenta abrir:

― Está trancado! O que será que tem aí dentro? ― Ela tenta mais um pouco sem sucesso e então vai embora dormir.

Já são três da madrugada quando subitamente Cristiano acorda. Ele tem a impressão que viu uma sombra se mover rapidamente pelo quarto. E sente aquele cheiro ruim que sentiram quando chegaram a esta casa. O rapaz fica assustado, mas depois de se certificar de que as janelas estão fechadas, ele volta a dormir mais tranquilo. Alfredo e a criança Renan dormem a noite toda.

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CAPÍTULO TRÊS Adaptação

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A minivan para em frente à escola de

ensino médio com Victor e os dois adolescentes:

― Pronto, garotos, tenham um bom dia de escola. Vocês devem voltar de ônibus escolar, visto que eu irei me apresentar ao meu novo emprego.

― Emprego? Vai trabalhar em quê? ― Na madeireira que vimos quando

viemos para cá. Eu já tinha uma entrevista marcada mesmo antes de virmos para Águas Negras, Anamara. Agora vão!

― Vamos Cristiano! ― Cris, por favor! Os dois entram no pátio da escola,

meio deslocados. O prédio é bem tradicional, muito bonito. São várias alas; isso chama a atenção de Anamara e Cris, por ser uma

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cidade tão pequena, com uma escola tão grande e organizada.

Anamara vai para uma sala, enquanto Cris vai para outra. Anamara entra na sala bastante envergonhada. O professor faz justamente o que ela não queria: Apresenta a menina a toda a sala. Passado esse vexame, ela senta-se no fundo da sala, e se anima quando percebe um jovem muito belo olhando e sorrindo para ela. Pelo menos alguma coisa boa aconteceu, pensa ela.

Cris não precisou de apresentações; quando chegou à sala não havia ninguém. Então vários minutos depois os outros alunos entraram e ele se infiltrou muito bem.

Em casa Rita dá banho na criança, na área de serviços da casa. De repente Alfredo chega devagar, segurando-se nos móveis e tanques de lavagem. Rita olha para ele e vira o rosto quando nota em seu semblante uma reprovação.

― Eu sei o que está pensando pai. Mas o senhor sabe como as coisas podem ficar piores. As crianças são minha única razão, minha fonte de forças. É por elas que ainda suporto tudo isso. ― Ela olha para o velho

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pai, que vira o rosto em seguida e volta para o quarto. Rita volta-se para Renan e chora.

Victor chegou um pouco atrasado na “Madeireira Vale”. Mas se desculpou adequadamente, visto que estava chegando de mudanças e tinha muitos afazeres. O supervisor aceitou as desculpas e já o encaminhou para a área que este iria trabalhar. Seu companheiro seria Edmundo; um homem de pouco mais de quarenta anos de idade, de pele negra e bastante forte.

― Meu nome é Edmundo, me chame de Ed. Que bom ter um companheiro novamente. Depois do acidente de Gil, meu antigo companheiro, eu estava trabalhando sozinho.

― E como ele está? ― O Gil? Morreu! ― Ohh! Sinto muito. ― Tudo bem. ― Como foi o acidente? ― Uma árvore caiu sobre ele. Ele havia

passado a noite em claro bebendo; problemas com a esposa; sabe? E no outro dia estava caindo de sono. Em um desses cochilos um tronco caiu sobre ele e o esmagou.

― Que coisa horrível!

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― É sim. ― Você é casado Victor? ― Sim! Minha esposa ficou em casa

com nosso filho de um ano. ― Você tem outros filhos? ― Sim... Os dois estão na escola agora.

Veja aqui a foto deles. ― Victor puxa uma foto das crianças do bolso e mostra a Ed.

― São filhos bonitos. O menino parece com você, e a menina deve parecer com a mãe.

― Meu filho também estuda naquela escola. Jeferson é um bom garoto... Estão gostando da casa?

― Sim! É uma boa casa. ― Não se assuste com o que dizem por

aí. ― E o que dizem por aí, Ed? ― Bom, que lá tem alguma coisa

estranha. Tipo... Do outro mundo. ― Hahaha! Eu não acredito nessas

coisas. ― Nem eu. Só queria ver a sua cara

quando eu falasse isso. Então vamos embora. As horas se passaram e finalmente

terminaram as aulas por hoje. Anamara e Cris esperam o ônibus escolar, quando se

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aproxima o rapaz que se interessou por Anamara:

― Oi? Eu sou Jeferson... ― Eu sei! ― Completa Anamara,

demonstrando o interesse, por ter prestado atenção ao nome do rapaz. ― Vi o professor chamar seu nome.

― Então? Onde você mora? ― Perto do lago. ― Responde

Anamara. ― Do lago? Do Lago Negro? ― É... Acho que sim. ― O Lago Negro deu nome a essa

cidade. Mas vocês moram no casarão? ― É sim. ― Responde a moça. ― E lá tem algum monstro puxando

correntes? ― O que? ― Surpreende-se Anamara,

enquanto Cris permanece imóvel ao seu lado, sem dizer uma palavra.

― Hahaha! Brincadeira, é que a galera costuma dizer que naquele casarão tem um monstro arrastando correntes. É que é uma casa bem estranha.

― Ahh bom! ― Nesse instante o ônibus se aproxima e Cris chama a irmã:

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― Vamos embora Anamara, o ônibus chegou. Anamara dá um tchauzinho para o rapaz e sobe com o irmão no ônibus, reclamando baixinho com ele:

― Cris! Não precisava ser tão rude com o Jef!

― Jef? Já o chama de Jef? Estou apenas preocupado com você, sabe que o pai não quer você namorando.

― E só você pode namorar? Ter amigos?

― Só estou avisando. Você lembra que da última vez você ficou de castigo por um mês.

É noitinha e os Moretti estão jantando quando alguém bate na porta. Cris levanta-se e vai abrir:

― Boa noite senhora Marta? ― Boa noite meu jovem! Eu vim ver se

vocês não viram o Bicho-Luca? ― Quem? ― É o gato dela papai! Senhora Marta,

eu vi seu gato ontem à noite num dos quartos lá em cima.

― Que quarto Anamara? ― Rita pergunta com certa preocupação.

― Aquele do fundo do corredor.

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― Eu não quero vocês naquele quarto. ― Por que não, mãe? ― Pergunta Cris. ― Não discuta comigo, é perigoso lá.

Dona Marta! Não vimos o seu gato, se nos der licença, estamos jantando agora. ― Anamara olha com certo espanto a forma áspera com que sua mãe tratara aquela senhora. Nunca vira sua mãe tão tensa. Seus pensamentos são interrompidos quando aquele gato pesado cai sobre a mesa de jantar, de pé como os gatos costumam cair. O susto de todos é enorme.

― Ohh! Bicho-Luca! Você está aí? ― Tire seu maldito gato daqui! ― Rita

grita descontroladamente, deixando a criança que estava em seu colo cair no chão. O choro é forte e imediato. Victor corre para socorrer a criança, Anamara recolhe o gato e entrega à dona Marta, Cris observa tudo calado e Alfredo olha para o vazio.

― Desculpe-me, menina, eu não sabia que criaria tantos problemas.

― Não tem problema senhora Marta. Toma seu gato. ― A velha vai embora. Anamara volta para a mesa e continua a jantar com seu avô e seu irmão enquanto sua mãe e

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pai subiram com o bebê, na tentativa de acalmá-lo.

Mais tarde enquanto Anamara e o irmão limpam a louça, sua mãe chega à cozinha para beber um copo d’água. Rita parece estar alheia a tudo, meio bêbada, distante; Anamara não consegue definir o estado.

― Mãe? A senhora está bem? ― S-sim minha filha. Que bom que

você e seu irmão cuidaram da louça do jantar. Eu gostaria de pedir desculpas a vocês dois. É que tem sido difícil, e eu explodi, sem razão é claro.

― Tudo bem mãe, nós também estamos tentando nos adaptar a esse lugar. Se for o jeito não é? ― Rita sorri, e abraça os filhos.

― O pai já foi deitar? ― Pergunta Anamara.

― Já sim. ― Tá! ― Vou dormir meus filhos. Até

amanhã. ― Ela sai meio tonta e sobe as escadas indo direto para o quarto. Anamara e Cris concluem as tarefas e também sobem.

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Está cedo ainda, mas numa cidade como essa não se tem muito que fazer.

Anamara entra rapidamente no quarto tentando não fazer barulho e deita na cama depressa, apagando o abajur. Pouco tempo depois que fez isso, alguém tenta abrir sua porta, forçando a maçaneta. Mas ela não responde e adormece em seguida.

A porta do quarto de Rita abre e Victor entra devagar.

― Para onde você foi Victor? ― Beber um copo d’água. ― Me desculpe hoje. É que as coisas

estão estranhas e... ― Victor interrompe a conversa:

― Te digo uma coisa: Mantenha suas crianças controladas e guarde bem fundo as suas mágoas, se você fizer aquilo novamente eu...

― O que você fará? ― Rita? Estou tentando fazer com que

as coisas deem certo, você não está vendo? A nossa vinda para cá foi culpa inteiramente sua.

― Nós não tínhamos dinheiro, e nenhum lugar para irmos, só nos restou essa maldita casa. Como pode me culpar por

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tudo? Meu erro foi me apaixonar por você... ― Imediatamente ao terminar a frase, Rita volta a se arrepender. Olha para o marido esperando uma reação violenta...

― Desculpe, eu não quis dizer isso. ― Rita? Você gosta quando eu te bato

não é? ― Nã-não! ― Sim! Você gosta! Por isso você o

deixou. Ele não era o homem que você queria. ― Rita silencia. Ele continua. ― Faz parte de sua personalidade. Por essa razão você foi capaz de se adaptar mesmo depois daquilo.

― Por favor! Não me lembre daquele passado enterrado, Victor.

― Enterrado? Você confirma o que eu disse antes: Você se adaptou, porque faz parte de sua personalidade. ― Rita deita devagar e Victor segura forte no pescoço dela. Não há gritos. Lá fora não se escuta nenhum barulho.

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CAPÍTULO QUATRO A Caixa

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A manhã estava fria quando Edmundo

encontrou Victor: ― Bom dia Vic? ― Victor. Por favor. ― Desculpe-me, Victor. Você parece

desanimado hoje. ― Tudo bem! Alguns problemas em

casa. Coisa de família. ― É! Família é complicada mesmo. Eu

moro com meu filho Jeferson e ele... É bastante difícil às vezes.

― E sua esposa? ― Minha esposa me deixou, têm uns

dezesseis anos. Depois disso eu não quis casar novamente. Saio com uma aqui, outra ali, mas nada sério.

― Deixou você? Por quê?

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― Bom. A culpa foi minha mesmo. Nesse tempo eu construía casas e trabalhava muito. Sempre a deixava só e saía com a turma depois do trabalho. Bebia ficava com várias piranhas. Aí acabou.

― Construir casas não foi bom para você não.

― Não mesmo... Eu construí a sua casa sabia? É uma boa casa... Gosta da caixa?

― O que disse? ― A caixa! É uma espécie de sótão que

fica na parede do último quarto. ― Eu ainda não vi... Essa caixa. ― Pois é bem legal. Foi o pedido do

cara que morava lá, não lembro agora... Lembrei! Augusto!

― Quem é Augusto? ― O cara que morava lá na sua casa

quando me pediu para construir a caixa. ― Por que alguém pediria para

construir algo assim? ― Não sei! Acho que ele era louco.

Falava de perseguição. Queria esconder algo, não sei. ― Victor balança a cabeça um pouco curioso, um pouco surpreso, um pouco desconfiado. Os dois entram na mata.

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Anamara está na lanchonete quando Jeferson se aproxima sorridente:

― Oi? Anamara! ― Oi! Tudo bem? ― Sim! O que tem feito por aí? ― E tem algo para fazer por aqui? ― Hahaha! Não, mas eu posso pensar

em algo divertido, se você quiser. ― Anamara pensa um pouco e responde:

― Tá bom. O que quer fazer? ― Eu posso te pegar a noite na sua

casa e saímos para comer uma pizza, sei lá? ― Está bem, mas... Ao invés de você

me pegar em casa, podemos sair quando acabar a aula de amanhã?

― Tá bom, por mim tudo bem. ― Quando Anamara vira-se para o outro lado, Cris observa ao longe. O sorriso em seu rosto desaparece e ela corre para alcançar o irmão:

― Por favor, não diz a mãe e o pai. ― Eu não vou me envolver nas suas

coisas, minha irmã. Só quero que tome cuidado, se o pai descobrir...

― Não irá se você não abrir a boca. Dona Marta abre a porta e a bela

mulher chamada Rita, está a sua porta com

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um belo sorriso no rosto e a criança nos braços:

― Dona Marta! Eu vim aqui pedir desculpas pela outra noite. Eu estava com alguns problemas e deixei isso me consumir.

― Ohh! A culpa foi minha, deveria ter fechado a porta e evitado que Bicho-Luca saísse.

― Bicho-Luca! Seu gato. ― É! Ele gosta de andar na sua casa. ― Não tem problema ele andar lá em

casa, e a senhora também pode ir. ― O seu bebê é lindo! ― Ahh! Obrigado. Então tá, quando a

senhora quiser pode vir jantar conosco? ― Ohh! Pode ser? ― Então que tal hoje? ― Estarei lá. Victor continuava inculcado: ― A tal caixa é realmente tão

surpreendente? Por quê? ― Eu construí de forma bem eficiente.

― Responde Ed. ― É uma caixa de puro concreto, muito compactado. A porta é de madeira aparente, por dentro eu coloquei uma malha de metal.

― E como se pode abrir?

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― Só com a chave. É claro que você pode quebrar, mas o estrago na casa seria bem grande.

― Uma chave? Humm! ― Está pensando em abrir? ― Só curiosidade. A noite cai e junto com ela uma chuva

forte, com toda a família em casa Rita anuncia que terá uma convidada para jantar: Marta. Pouco tempo depois a velha senhora chega de guarda-chuva em punho:

― Que chuva! Boa noite a todos! ― Boa noite senhora, sente-se aqui. ―

Victor puxa educadamente uma cadeira para ela.

― Não trouxe Bicho-Luca? ― Não minha jovem! Ele está de

castigo, já causou muitos problemas. ― Anamara se cala, e Rita para não deixar o clima mudar pega um prato e começa a por para Marta.

― Aqui dona Marta, fique a vontade. ― E então? Como vão as crianças na

escola? ― Vamos bem, senhora Marta! ― Cris

responde meio sem vontade. ― A mãe olha para o menino e ele complementa de forma

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mais entusiasta. ― A escola é bem legal. Diferente de onde viemos. As pessoas aqui são bem menos pretensiosas.

― E você, Anamara? Já conseguiu um namorado? ― Victor e Cris, olham para a menina.

― Nã-não, claro que não. ― Vamos jantar pessoal? ― Rita corta

o assunto. ― Ele não fala nada? ― A velha aponta

para Alfredo. ― Não, ele teve um problema na

garganta e perdeu a voz. ― Anamara responde de forma simplista.

O jantar se passa de forma até tranquila, Marta fala bastante de como encontrou seu gato perdido na floresta, quando ainda era um filhote. De sua horta e das goteiras da casa. Victor fala um pouco de seu trabalho, sem muito entusiasmo, e Rita tenta mediar todas as conversas cuidadosamente. Como numa cena especialmente montada para aquela noite.

Mais tarde, Rita pede que Anamara e Cris cuidem da louça enquanto ela põe Renan para dormir. Alfredo se recolhe como de costume. E Victor vai ao último quarto. Ele

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entra no quarto devagar e já acende a luz olhando para a caixa. Inicialmente Victor faz um estudo, procurando uma abertura, qualquer coisa. Enquanto caminha tropeça em algo felpudo e cai.

― Merd...! ― Quando se vira no chão encontra o gato cinza: Bicho-Luca.

― O que esse maldito gato faz aqui? ― Ele levanta-se pega o gato e se aproxima da janela abre-a e jogo-a janela abaixo, nem olha para baixo. Fecha a janela e volta para a caixa.

― Realmente é bem fechada. ― Ele desce correndo para a cozinha e procura em todas as gavetas pela chave.

― O que está procurando pai? ― Nada não Cris! ― Cris volta-se para

o trabalho junto com a irmã. ― Nada! ― Victor sobe novamente e

tenta forçar a porta, sem sucesso algum. Ele desiste e vai para o quarto da esposa que dorme.

Passados alguns minutos ele escuta a porta ao lado bater: É Anamara que entrou no quarto. Ele levanta-se e vai até a porta da filha:

― Trancada! ― Volta nitidamente frustrado para o quarto dele. Permanece

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acordado por vários minutos. Quando já está cochilando é acordado de súbito por uma sombra se movendo. Ele levanta rápido e observa o quarto. Nos cantos do quarto, sombras se movem, ele corre até o interruptor e quando acende a luz, nada. Rita acorda:

― O que foi! Victor? ― Não sei! Eu vi algo se mover,

sombras... ― Está cansado... Seu trabalho é muito

cansativo. Venha deitar. ― Falando em trabalho. Tem um cara

que trabalha comigo, Edmundo, e ele contou que construiu essa casa. E nela, uma caixa. ― Rita empalidece. ― Eu encontrei a caixa, está no quarto dos fundos. O que será que tem dentro dela?

― Não sei! Como poderia saber? ― Só um pensamento... ― Esquece isso... Outra coisa, desculpe

não combinar sobre o jantar de hoje e... ― Não traga mais aquela velha para

jantar conosco. ― Eu sei! Não se preocupe, eu devia

isso a ela. Mas não farei mais.

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Rita põe a mão no ombro de Victor e o acaricia, mas ele esfria o momento:

― Estou cansado, minha mente está borbulhando, estou frustrado.

― Com o que está frustrado? ― Nada! Vai dormir. ― Venha! ― Insiste Rita. Quando o

homem grita: ― Eu disse não! ― Socando a mulher

em seguida. Dessa vez não foi excitante, e Rita vai ao banheiro. Limpa o rosto, e toma um comprimido de Valium. Volta para a cama e vai dormir.

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CAPÍTULO CINCO Silêncio Sufocante

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Na manhã seguinte Rita e Victor

descem as escadas, e mais uma vez Rita desce com o olho roxo. Dessa vez está pior. Quando os dois chegam à cozinha Alfredo já está tomando seu café.

― As crianças foram para a escola Pai? ― O velho balança a cabeça em sinal positivo. E por algum tempo Alfredo fita a filha. Vagarosamente ele vai até a sala, na mesinha do telefone pega uma caneta e um pedaço de papel. Volta para a cozinha e entrega a Victor um bilhete:

“Eu não vou mais tolerar o que você tem feito

com minha filha. Pare com isso ou tomarei outras providências.”

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Victor sorri desdenhosamente, pega o papel e amassa, jogando no cesto de lixo em seguida. E enquanto sai grita lá da porta:

― Sua filha não é a santa que você imagina, velho. ― Rita recolhe o papel do cesto, lê o que está escrito:

― Pai, não é o que o senhor está pensando, por favor, não se envolva nisso. ― O velho sai sem olhar o rosto da filha.

Edmundo encontra o companheiro de trabalho logo cedo, percebe que ele está um pouco nervoso:

― Algum problema Victor? ― Não! Meu sogro deixou-me um

pouco desconfortável. O velho gosta de meter-se onde não foi chamado.

― Ahh! Sei bem como é! A minha sogra era assim também.

― Ei? Você falou que a sua esposa o deixou... Mas ela ainda mora aqui nessa cidade?

― Não! Foi embora com outro cara. ― E deixou Jeferson com você sem

pestanejar? ― Sim! Ela achou bem melhor assim.

Na verdade ela queria uma vida de liberdade, para curtir com o namorado.

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― Sei, sei. Outra coisa: Não encontrei a chave da caixa. É possível que aja uma cópia?

― Não sei! É possível. Mas faz muito tempo. Se o que estiver dentro daquela caixa não for ouro ou outra pedra preciosa, não existe mais.

― Hahaha! Ouro? ― Pode ser, ora! O tal augusto era

meio louco sabe? ― Você conheceu a esposa dele? ― Não! Uma vez eu a vi, estava meio

suja da poeira da construção da casa, mas parecia uma bela mulher.

― O que eu posso fazer para abrir aquela caixa sem ter a chave?

― Só dinamite. Mas você pode destruir bem mais do que a caixa.

― Tá bom, deixa pra lá. ― Ahh! Meu filho, Jeferson, está de

namorico com sua filha, eu gostei disso. ― O que disse? Isso não pode ser

verdade. ― Estão sim, eles até vão sair juntos

hoje. ― Uma fúria aparece nos olhos de Victor, que distancia do colega apertando o passo.

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Na escola Anamara conversa com o irmão, combinando como fará para se encontrar com Jeferson:

― Vai me ajudar, ou não? ― Não gosto de mentir para mamãe e

papai. ― Por favor, Cris! ― Está bem! Diz... ― Seguinte: Você diz à mãe que vou

chegar tarde hoje, vou estudar na casa de uma amiga da escola.

― Está bem! Cuidado com esse cara. Anamara passa o resto do dia

impaciente, olhando para o relógio. Quando finalmente toca a sirene, Anamara sai com Jeferson.

A noite finalmente chega, em casa Victor esbraveja com a esposa:

― Por que a deixou sair depois da aula? ― Estão estudando, Victor! ― Conversa, está de namorico por aí! ― Nossos filhos não tem o hábito de

mentir. Ademais, você nunca se importa com os namoricos do Cris, mas sempre com as amizades de Anamara...

― Ela é muito jovem, devemos tomar cuidado, Rita.

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― Não vou discutir mais com você, Victor. Espere nossa filha chegar e converse com ela.

Mais tarde da noite a menina entra em casa, todos estão em seus quartos. Há um silêncio. Ela vai a cozinha come uma fruta e sobe devagar as escadas. Tira a roupa e deita na cama, tomando coragem para tomar banho. De repente ela ouve passos no corredor, e levanta depressa para trancar a porta. Tal qual é a surpresa quando sua chave, que fica do lado de dentro da porta sumiu. Ela procura pelo chão sem sucesso, quando olha para cima seu pai está com a chave na mão:

― Procurando por isso? ― Ele então tranca a porta e ordena:

― Não grite. ― Pai... ― Por que mentiu? O pai do seu

namoradinho trabalha comigo, eu sei de tudo, do encontro...

― Não aconteceu nada, pai, eu juro, Só conversamos um pouco enquanto comíamos uma pizza.

― Eu já disse que você é apenas minha, e não de nenhum namoradinho.

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― A menina começa a chorar baixinho. ― Pare de chorar, e não grite, ou acabo

com você. Victor arrasta a menina para a cama,

abre as pernas dela sem muito esforço e efetua o que a astúcia de Anamara havia evitado, até agora, nessa casa. Ela se lembra da primeira vez que isso aconteceu e de como ficou duas semanas sem ir à escola e sem dormir. Sua mãe achara que estava doente e levou a vários clínicos e ninguém realmente descobriu o que a menina tinha: Nojo, vergonha, raiva. Mas tudo isso poderia ser resolvido se ela falasse. Mas como uma garotinha iria abrir a boca contra um homem violento, doente, seu próprio pai? Ela desejou a morte dele muitas vezes.

Victor termina e demonstra satisfação incontida, abre a porta do quarto e deixa uma criança destruída para trás. Leva consigo a chave e promete voltar:

― Amanhã eu volto. ― Ele entra de fininho no quarto da esposa, que se vira com o movimento dele na cama.

Todos estão dormindo. E de repente o velho Alfredo acorda com um impacto macio sobre seu peito. Ele abre os olhos cansados e

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tenta enxergar com dificuldade o que está acontecendo no quarto. Ele consegue visualizar sobre a janela contra a luz da lua, uma silhueta. É um gato, na verdade “o gato”. Bicho-Luca, o gato da velha Marta. Então ele pensa que talvez ele tenha pulado sobre seu peito enquanto dormia, mas por qual razão? E por que o observava naquela posição? O velho tenta com esforço se levantar para fechar a janela, mas quando consegue pisa em algo escorregadio e cai. Parece com um líquido viscoso. Na queda ele quebra imediatamente uma perna e danifica a coluna. Na velhice qualquer tombo pode ser fatal. Ele tenta se erguer, mas não é possível, O gato observa, como única testemunha. Alfredo agoniza sem poder gritar. Não tem mais voz, ou forças. A dor dilacera todo o seu corpo quebradiço. Ele para de sentir os braços e as pernas. De repente a estante de livros atrás de si começa a se mover, são sombras que se movem lá em cima. Ele olha para o alto para tentar entender o que a vista cansada, o escuro e a agonia o impedem de ver claramente. E eis que aparecem dois pequenos olhos vermelhos: Um rato. O animalzinho desce pelos cantos da estante até

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uma altura de um metro do chão e consequentemente do velho caído. E não se sabe o porquê, mas o bicho cai, ou se joga caindo perfeitamente na boca aberta de Alfredo; os olhos do homem são as únicas coisas que se movem agora. A agonia aumenta quando o rato fecha a garganta doente de Alfredo. Bicho-Luca observa calmamente, como se estivesse esperando o inevitável. Os momentos finais de Alfredo foram aterrorizantes. Quando nada mais se mexe em Alfredo, o gato desce da janela e antes que o rato saia da boca do velho, ele arrasta o bicho pelo rabo e cumpre o propósito que lhes é devido: Transformar esse roedor em alimento, por mais uma noite. O silêncio de outrora prevalece pelo resto da noite fria.

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CAPÍTULO SEIS Trenó Para Um Gato Só

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O fim de tarde já começava a esfriar

quando a família Moretti, a vizinha e alguns homens da funerária caminhavam até um pequeno cemitério perto do casarão. Anamara e Cris ainda choravam bastante desde a hora que encontraram o corpo de Alfredo. Rita já estava mais tranquila e Victor no íntimo, achou que foi um alívio. Uma coisa estranha aconteceu quando o caixão passava em frente à casa da senhora Marta. O gato pulou da janela e seguiu o cortejo por alguns minutos, depois ele apressou o passo e saltou sobre o caixão. Posicionou-se na frente e sentou-se. Um dos rapazes passou a mão tentando expulsar o bichano, mas ele saltou a mão do homem e permaneceu imóvel. O homem desistiu, achou que fosse o gato do velho e deixou-o ali. Anamara quando viu a

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cena lembrou que leu em algum lugar que na Finlândia havia a crença em um trenó puxado por gatos que levava as almas dos mortos. Ela só não sabia para onde. Na duvida ela correu e tentou expulsar o gato do caixão. O animal assustou os homens, e estes soltaram o caixão, jogando o corpo na relva úmida daquele lugar. Anamara senta-se ao chão e chora desconsoladoramente, levando Rita e Cris nessa mesma ação. A velha Marta não imagina ter visto cena tão estranha antes em sua vida. Os homens levantam o corpo delicadamente como se estivesse vivo, põe de volta no caixão e seguem viagem até o cemitério, sem mais interrupções. O gato permanece sentado, lá atrás no caminho.

Cris tenta lembrar-se da cena que viu hoje pela manhã quando foi chamar o avô para tomar café.

O rapaz bate na porta do quarto e o velho não responde:

― Vô? O café está pronto! O senhor não vem? ― Cris resolve empurrar a porta devagar, pois Alfredo pode estar dormindo ainda. Quando ele abre a porta por completo, perde a fala. Depois de alguns minutos ele grita:

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― Mãeeeee! Paiiiii! O vovô... Está caído. ― Rapidamente Rita e em seguida, Victor chegam correndo ao quarto. Rita começa a chorar copiosamente. Victor tenta analisar a situação. Primeiro ele tira Cristiano do quarto, enquanto faz isso Anamara passa correndo por ele e cai em prantos no chão perto do avô. Victor vai até ela para tira-la do local e quando agarra a menina, ela solta uns berros:

― Me solte seu imundo? ― Mesmo assim Vitor a arranca de perto do avô e leva para fora. Afasta a esposa e tenta levantar o corpo, colocando-o na cama. Ele aproxima o ouvido para ouvir a respiração e constatar o óbvio:

― Está morto! ― Rita inconsolável caminha para fora enquanto Victor tenta efetuar algumas análises. Depois de algum tempo ele desce as escadas liga para a funerária e senta para explicar o que pode ter acontecido:

― Rita, meninos, o que parece que ocorreu foi que Alfredo tentou se levantar da cama, talvez para ir ao banheiro, e caiu, quebrou a perna; talvez tenha desmaiado e sufocou... Com alguma coisa. ― Rita tenta

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organizar os pensamentos e fazer uma pergunta:

― Escorregou? Como? ― Há uma poça de sangue, ele pisou na

poça. ― Sangue? Ele estava ferido? ― Não Rita; não encontrei ferimentos,

só a poça de sangue no chão. ― Anamara interrompe e implora:

― Vamos chamar a polícia. Para analisar o que aconteceu então. ― Rita interrompe:

― Do que está falando, Anamara? Seu avô caiu e morreu, estava fraco, doente. O que está querendo dizer? Não queremos polícia aqui.

― Crianças, vocês precisam entender... ― Anamara sai da sala e vai para o quarto, em seguida Cris faz o mesmo. Deixando Victor e Rita na sala.

― Não podemos trazer polícia aqui Rita, tenha sempre em mente isso.

― Eu sei; Victor. Não precisa me lembrar.

Victor liga para o trabalho informando que não poderá ir trabalhar hoje. Rita sai da casa para avisar a única vizinha que tem. Rita

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volta e liga para a escola, informando que os filhos não poderão ir à escola hoje.

É noite, ninguém quis jantar, todos resolveram ir para a cama mais cedo. Enquanto está deitada Rita faz uma pergunta a Victor:

― Victor? ― Ele rola na cama para o lado dela. ― Ontem à noite você saiu da cama e demorou bastante. Onde você foi?

― Beber água. ― Mas você demorou muito, não creio

que tenha ido beber água. ― Esta duvidando de mim; Rita? O

que quer dizer? ― Não estou duvidando, não.

Desculpe. Foi só uma pergunta. ― Victor virou-se novamente e sentiu-se desconfortável. O que estaria pensando a esposa? Será que a filha dera com a língua nos dentes. Ou... Será que desconfiava de que... De que... Não, não poderia achar que tinha algo a ver com a morte do velho. Victor não gostava dele, é verdade, até foi ameaçado pelo velho. Mas foi um acidente, estava claro. Mas... E de quem era aquele sangue?

Quando a esposa dormiu, Victor levantou-se e foi para o quarto dos fundos.

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Precisava saber o que havia dentro daquela caixa. Sentou-se no canto da parede, do lado oposto à caixa e observou, observou por longos minutos. Levantou-se e foi ao quarto da filha, estava aberto. Ela dormia. Observou algum tempo a menina, e resolveu sair. Voltou para o quarto da caixa e observou bem de perto. Ele vê uma pontinha de papel verde pendurada por uma tênue teia de aranha. Ele pega o papelzinho e observa que está roído, mas parece com um pedaço de uma cédula de cem dólares.

― Meu Deus? Será que? ― Ele está bem concentrado quando algo passa rapidamente pelos seus pés.

― Opa! O que foi isso? ― Ele se abaixa para observar melhor, devagar. Ajoelha-se e abaixa a cabeça embaixo da cama. Súbito, um rato negro sai em disparada e morde-lhes o dedão do pé.

― Ahh! ― Ele chuta o bicho de encontro à parede. O animal tenta se levantar cambaleante, e vai embora porta afora.

― Bicho nojento! Amanhã vou trazer ratoeiras. Deve ter mais desses roedores malditos. ― Já está tarde, e Victor está

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cansado, mas está feliz e volta para a cama da esposa.

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CAPÍTULO SETE Inimigo

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― Encontrei um rato lá em casa! ―

Edmundo olha para o colega por cima do ombro enquanto prepara o tronco para serrar.

― Ratos? ― Tenho nojo de ratos, Ed. ― Talvez você deva colocar veneno. ― Não! Tenho uma criança pequena

em casa, pode ser perigoso. Vou para o tradicional: Ratoeiras. Vou comprar algumas quando for para casa.

― Victor? Conseguiu abrir a caixa? ― Não! Tem alguma ideia? ― Já disse! Ou a chave, ou dinamite. ― Não quero destruir minha casa. ― Acredito que a chave esteja lá. ― Na casa?

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― Sim! O tal augusto era muito louco, mas parecia estar sendo perseguido mesmo. Você deveria procurar em todos os quartos.

― Acho que farei isso. ― Edmundo serra uma tora de madeira e depois que esta cai, volta-se para Victor:

― Cuidado para eles não ouvirem, sobre seus planos.

― O que? ― Victor se surpreende. ― Meus planos? Que planos? Quem ouvir?

― Os ratos. Dizem que não se deve falar em voz alta sobre os planos de exterminar os ratos de uma casa. Eles podem ouvir e fugir do queijo na ratoeira, ou do pão envenenado.

― Hahaha! Você é bem esquisito, Ed. ― Estou dizendo. Fale sempre

cochichando sobre os planos. ― Victor percebe que o homem fala sério sobre isso. Realmente ele crê nisso.

Na escola Anamara encontra-se com Jeferson:

― Oi garota? Tenho uma ideia para hoje à noite.

― Eu não posso. Meu pai... Talvez seja complicado.

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― Deixa disso, sai escondido. Combina com seu irmão, como no outro dia.

― Meu irmão não gosta de mentir. ― Só hoje, Anamara, você vai gostar.

― Os olhos de Jeferson brilharam quando ele disse a última frase. Anamara não se conteve.

― Está bem. Vou falar com o Cris. ― Isso! Você não irá se arrepender. Rita caminhava devagar, como um

sonâmbulo subindo as escadas, com a criança no colo. Parecia estar dopada. Balançava e se segurava com uma das mãos no corrimão. O Valium e a depressão, por muito tempo tem definhado essa mulher. Ela caminha com passos lentos e complicados. Mesmo de visão turva, Rita consegue ver um montinho preto no penúltimo degrau da escada. Ela tenta forçar a vista para enxergar melhor, mas seu inimigo não é a sua visão. Visto que não consegue detectar o que é, continua caminhando. Ela tem a impressão que a mancha se mexeu. Para novamente e observa. Parece que mexeu alguns centímetros. A mente. Será a mente? Quando está praticamente no fim das escadas a mancha se move em direção aos seus pés. Ela tem um susto e perde o equilíbrio na escada.

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― Madeiiira! ― A árvore cai rapidamente puxa um cipó que enlaça os pés de Victor. O homem é arrastado e cai rolando na relva.

― Você está bem Victor? ― Tudo bem Ed! Essas coisas

acontecem. Distraí-me e não vi o cipó laçando meus pés. Mas não quebrei nada não.

― Ufa! Lembrei-me de meu parceiro anterior.

― É você falou dele. ― Enquanto Edmundo levanta Victor, observa que ele sofreu alguns arranhões:

― Victor! Você está todo arranhado, deve ir para a enfermaria agora. Lá farão alguns curativos. Vai! Eu cuido aqui do resto.

― Obrigado, Ed. ― Victor vai embora e Edmundo continua a serragem. Minutos depois ele vê uma carteira no chão:

― A carteira do Victor, deve ter caído no acidente. ― Edmundo coloca no bolso para devolver ao colega e observa que uma foto caiu da carteira. Ele apanha a foto e vira por puro instinto.

― Ahh! A família do Victor. Bela família... Espere... Eu conheço essa mulher? De onde será? ― Edmundo observa mais um

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pouco e rapidamente puxa a carteira de Victor que colocara no bolso, abre e observa mais algumas fotos. Nesse instante Victor volta da enfermaria, Edmundo imediatamente guarda a carteira. Victor se aproxima e Edmundo puxa novamente a carteira do bolso:

― Olha a sua carteira, caiu no acidente. ― Ahh! Obrigado, eu imaginei isso

quando não a encontrei no bolso lá na enfermaria.

― Está tudo bem para trabalhar? ― Sim! Foram só alguns arranhões. ―

Edmundo vira-se para continuar o trabalho, volta-se para Victor e pergunta:

― Sabe? Eu nunca perguntei o nome da sua esposa?

― Rita! O nome dela é Rita. ― Rita! É um nome simples e bonito,

fácil de lembrar. ― Tudo bem contigo, Ed? ― Sim! Claro que sim! ― Eu sofri o susto, mas é você que fica

esquisito? Você é uma figura, Ed. Anamara tentava convencer o irmão a

mentir novamente: ― Só dessa vez, Cris?

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― Olha! Anamara? Eu não gosto de mentir, você sabe, e também não gosto daquele cara.

― Por favor! Se você gosta de mim, faz isso, só dessa vez?

― Está bem, Anamara. Mas da próxima você mesma deve avisar ao papai e a mãe.

― Obrigada, Obrigada. Você é um amor de irmão. ― Anamara corre feliz para avisar a Jeferson que vai dar tudo certo.

― Jeferson? Meu irmão vai segurar as pontas, mas você deve me prometer uma coisa.

― O quê? ― Não conta para o seu pai que

saímos, está bem? ― Tudo bem! Mas... ― Coisa minha. ― Está bem. Enquanto o casal deixa o prédio da

escola, Cristiano observa ao longe. Victor chega a casa. Como de costume

deixa o carro no jardim e começa a subir as escadas rapidamente, em suas mãos estão várias ratoeiras e um pacote de queijo. Dona Marta interrompe o homem:

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― Ratos? ― Ohh! Não vi a senhora aí, dona

Marta. Sim são ratos. ― Não deixe que eles escutem os

planos, senhor Victor. ― O que disse? ― Os planos, para matá-los. Não deixe

que os ratos escutem os planos. ― Victor pensou “que pessoas esquisitas”.

― Está certo, dona Marta. ― Victor sobe correndo.

O homem estranha o silêncio; geralmente as crianças estão em casa nesse horário e Rita costuma estar alimentando o bebê. Victor vai a cozinha e, nada; depois ele sobe correndo as escadas abre o quarto de Anamara e não encontra e menina. Vai direto ao seu quarto. Entra devagar e acende a luz, acordando Rita.

― Ohh! Victor? Que horas já são? ― São vinte horas, onde estão as

crianças? Por que está deitada? ― Bom, eu escorreguei na escada,

estava com o Renan... ― Renan? Meu filho está bem? ― Calma, está tudo bem. Como eu

dizia, desequilibrei-me na escada, mas por

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sorte dona Marta entrou correndo em casa e segurou o bebê, eu caí sentada na escada, nada demais.

― O que dona Marta fazia dentro de casa?

― Estava procurando o gato, que sumira novamente. Mas está tudo bem agora; foi sorte ela ter chegado à hora. ― Victor olha profundamente nos olhos da mulher:

― Estava drogada? ― Não... Eu estava cansada... ― Um dia essa droga vai te matar... E

as crianças? ― Ainda não chegaram da escola... O

que são essas coisas? ― São ratoeiras. Temos ratos. Victor sai do quarto e vai direto para a

cozinha, arma uma das ratoeiras lá. Põe uma no armário de comida e sobe correndo para o último quarto, armando outra das ratoeiras. Ele permanece naquele quarto por vários minutos. Observando...

Jeferson leva Anamara para um local deserto, em um pequeno planalto que dá para ver a cidade logo abaixo.

― Esse carro é seu? ― Não! É do meu pai.

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― Mas você dirige mesmo sem carta de dirigir?

― Hahaha! Você não parece que veio de uma cidade grande.

― Na verdade eu não saía muito, em Cidade Paraíso.

― Não? Não poderia imaginar isso. ― O rapaz inclina a cabeça para beijar a moça. Ela concorda e os dois passam alguns minutos naquela situação, até que Jeferson avança um pouco mais, colocando a mão nos seios da moça. Ela tenta afastar:

― Não, por favor. ― Por que não? ― É que eu não... ― O rapaz não se

contenta e força uma situação mais... Violenta. Memórias antigas e novas inundam a mente da menina.

― Ahh! Me solta, me solta. ― Os gritos que ela poderia ter usado antes, resolveu usar agora. De repente alguém arrasta o rapaz do carro: Cristiano.

Uma briga começa e Cris demonstra uma fúria, uma fúria que sua irmã nunca tinha visto. Socos e pontapés são desferidos até que Anamara pede para parar. Cris escuta a irmã e

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para, deixando Jeferson deitado, com nariz quebrado e dores por todo o corpo.

― Vamos embora Cris! ― Os dois somem entre as árvores na noite escura, deixando Jeferson deitado, gemendo de dores.

Anamara entra em casa ofegante, pensando o que seu pai fará agora. Victor esperava no sofá da sala.

― Onde estavam? ― Cris olha para o pai e explica com o olhar, mesmo antes das palavras.

― Já cuidei de tudo, pai! ― Anamara não compreende e sobe para o seu quarto. Cris vai para a cozinha.

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CAPÍTULO OITO Crise

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O dia estava quente, prenunciava uma

chuva. A chuva chegou à forma de uma tempestade. Victor entrou no escritório procurando seu companheiro:

― Dona Clotilde? ― Pois não senhor Victor? Em que

posso ajudar? ― É que até agora não vi o Edmundo!

Ele está doente? ― Na verdade ele ligou hoje cedo. Seu

filho desapareceu desde a noite de ontem. ― Desapareceu? Como assim? ― É isso aí? Não voltou ontem depois

de um encontro. ― Alguma suspeita? ― Não que eu saiba. ― Victor pensa

no que seu filho poderia ter feito com o rapaz.

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― Posso ajudar em mais alguma coisa, senhor Victor?

― Não... Se tiver alguma notícia do rapaz me avisa, está bem?

― Sim senhor! Anamara se aproxima do irmão,

enquanto estão lanchando na escola: ― Você soube o que estão dizendo por

aí? ― O quê? ― Parece que o Jeferson sumiu. ― É eu ouvi algo sobre isso. ― Será que ontem... ― Você viu o que aconteceu. Não me

julgue. ― Anamara sai dali, um pouco desconfiada, mesmo tendo visto o que acontecera na noite anterior. Nesse momento dos alto-falantes do pátio, um pedido formal para que Anamara se encaminhe até a sala da direção.

A moça entra devagar e observa dois policiais sentados em lados opostos da sala.

― Pode entrar senhorita Anamara. Sente-se aqui.

― Nós gostaríamos de fazer-lhes algumas perguntas, sobre seu namorado.

― Claro, no que eu puder ajudar.

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― Você sabe que ele está desaparecido desde a noite anterior, e o pai do garoto informou que ele saiu com você.

― Sim, é verdade. Nós fomos para o penhasco observar a cidade e...

― Exato! Nós estivemos lá e encontramos sinais de briga. Achamos que você poderia nos esclarecer.

― Hã-hã! Eu não sei. Eu tive uma discussão com ele e vim embora...

― Veio a pé e sozinha? ― Sim! ― Então não havia mais ninguém lá? ― Não senhor. ― Obrigado senhorita. Se precisarmos,

voltaremos a chamar. ― Anamara sai da sala, demonstrando certa preocupação com o irmão. Anamara não encontra o irmão durante todo o resto da manhã. O resto do dia se passa sem muitas novidades.

Anamara sai da escola como de costume, no fim do dia, mas dessa vez está sozinha, seu irmão desapareceu desde as dez da manhã. Ela ligou para o irmão, que não atendeu. Depois ligou para casa e sua mãe informou que ele estava em casa, chegou com uma forte dor de cabeça. Ela ficou mais

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tranquila pelo irmão está em casa, mas no fundo não estava realmente pacífica. A menina entra na estradinha de barro que leva até a sua casa e já observa alguns brilhos vermelhos ao longe, pelos lados de sua casa. Ela corre quando nota que se trata de um carro da polícia e uma ambulância. Ela entra depressa e solta os livros na sala, nem escuta quando dona Marta avisa:

― Eu o encontrei. ― O que está acontecendo aqui? ―

Sentado no sofá está Edmundo, o pai de Jeferson, chorando. Victor tenta ajuda-lo no que pode. Rita não está na sala, e Cristiano está inquieto num canto da sala. Dois policiais abordam a moça e pedem que se se sente.

― Nós encontramos seu namorado! ― Como? Onde ele estava? ― Essa senhora... Marta encontrou um

corpo enquanto procurava seu gato nos arredores da casa.

― C-corpo? ― Sim! Parece que seu namorado caiu

da janela do seu quarto. ― Como é que é?

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― Você tem certeza que ele não esteve no seu quarto?

― Não! Não mesmo. ― Seu estado não é bonito. Parece

que... Alguém arrancou a sua língua, um dos olhos está esmagado... E há escoriações, arranhões por todo o seu corpo.

― Ohh! Meu Deus? O-o que significa isso?

― O carro que ele dirigia estava estacionado atrás dos arbustos, no fundo da casa. ― Completa o policial. ― Se você souber alguma coisa, qualquer coisa...

― Eu não sei de nada... ― Anamara olha para o irmão enquanto responde ao policial. ― Onde está a mamãe?

― Está lá em cima, minha filha! Seu guarda, eu gostaria que os senhores nos dessem licença, se não tiverem mais perguntas. Minha família está abalada com... Várias coisas.

― Tudo bem senhor Victor, mas poderemos voltar a nos falar. Passar bem. ― Enquanto os policiais saem acompanhados por Cris, Victor acalenta seu colega de trabalho. Nesse momento Rita desce as escadas com a criança. Edmundo olha com

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os olhos marejados e mesmo com toda aquela tristeza, muda o semblante, uma mistura de tristeza e curiosidade. Rita empalidece quando olha para o homem.

― Victor? Eu estou com uma dor de cabeça terrível, só vim pegar um copo d’água e voltarei a subir.

― Tudo bem, eu vou deixar o Edmundo em casa.

Quando Victor volta para casa, encontra a casa silenciosa. Ele sobe as escadas devagar e encontra o filho sentado no topo.

― Cris? ― Ontem você disse que tinha cuidado

do assunto referente ao namoro de sua irmã... ― Não fiz nada pai. ― É que eu lembro como você é

protetor, e como pode ser... Instável. ― Pai! Eu nunca faria isso com alguém. ― Eu lembro-me daqueles animais que

você costumava... Testar suas experiências. Mas se você fez algo ao garoto, eu não te julgo. Era necessário. Você fez bem.

― Que espécie de pai é você? Como pode insinuar uma coisa dessas?

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― Vou deixá-lo em paz então. ― Victor sobe devagar, mostrando um sentimento de satisfação.

É tarde quando Victor levanta-se e vai ao quarto de Anamara. Ele abre devagar e nota que a menina está acordada, ainda chorando.

― Oi? Vim te fazer companhia. ― A menina não tem forças para lutar e nem quer isso agora, então ela simplesmente espera...

Uma hora depois Victor sai do quarto da filha e segue direto para o quarto da caixa. As ratoeiras estão disparadas. A isca foi roubada. Mas não há ratos mortos.

― O maldito escapou! Eu vou colocar mais iscas, ratos imundos! Podem me ouvir? Estou contando o meu plano. ― Após esse momento de loucura Victor volta à cozinha pega mais um pouco de queijo e arma a ratoeira. Senta-se no canto oposto do quarto e observa a caixa. Ele adormece. Alguns minutos se passam até que os cantos começam a se mover: O rato negro. O roedor se aproxima devagar da ratoeira. De repente um pequeno rato sobe na armadilha fazendo-a disparar, ele morre, naturalmente; com isso o rato negro recolhe o queijo e leva dali;

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outros ratos surgem, cerca de uma dúzia, e de repente o rato morto é lavado embora, deixando o ambiente limpo novamente. Súbito Victor acorda gritando:

― Os ratos! Mas é claro. A chave. Por onde entram os ratos? ― Ele abre o armário que fica ao lado da caixa. Tateia até que encontra uma brecha. Ele sorri, enfia a mão do buraco e passa algum tempo tateando até que encontra alguma coisa, parece papel. Ele puxa a mão e fica mais extasiado quando em sua mão estão milhares de pequenos pedaços roídos de notas de cem dólares. De repente, ele escuta batidas na porta, corre para a janela e observa um carro preto no jardim, e só então se dá conta que já é dia. Ele desce rapidamente. Quando chega a sala encontra Rita recebendo um homem muito bem vestido, de terno e gravata.

― Bom dia, senhora... ― Rita! ― Eu sou Leonardo Lima, investigador

criminal. Posso entrar? ― Sim claro. ― Esse é seu marido? ― Sim! Victor. ― O que o senhor quer aqui?

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― Senhor Victor, serei bem direto, estamos investigando um assassinato.

― Outro? ― Como disse senhor? ― Outro assassinato aqui em Águas

Negras? ― Não! Eu venho de Cidade Paraíso,

estou investigando o assassinato de um homem naquela cidade.

― E o que isso tem haver conosco? ― Esse homem de quem falo, foi

acusado de assaltar um banco em Cidade Paraíso. ― Victor pergunta verdadeiramente inculcado:

― Ainda não entendo o que tem haver conosco.

― Não tem nada haver com vocês. O que me traz aqui são as circunstâncias. Esse homem tinha um companheiro que morava aqui; os dois vieram para esta cidade depois do assalto. Roubaram vinte e quatro milhões de dólares.

― Numa cidade tão pequena, acredito que nós teríamos escutado alguma coisa sobre isso.

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― Senhor Victor... Isso ocorreu há dezesseis anos. ― Victor percebe quando Rita fica trêmula.

― Muito bem senhores eu espero que vocês possam me manter informado e...

― Espere senhor... ― Leonardo! ― Leonardo! Após dezesseis anos,

ainda estão investigando... ― Senhor Victor; foi homicídio

qualificado; a prescrição é de vinte anos. ― Então você está investigando o

assassinato, não o assalto? ― Exato! Então, se souberem de algo,

podem me informar. Eis aqui o meu cartão. Passar bem.

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CAPÍTULO NOVE Veneno

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― Do que estamos fugindo, Rita? ― A

pergunta surpreende a mulher. ― Victor? Que pergunta é essa às três

da manhã? ― Nós saímos de uma cidade grande,

com nossos filhos... ― Ela não é sua filha! ― Mas é como se fosse! Sabe que eu a

amo... Mas... Você está desviando o assunto. ― Você sabe por que razão, viemos

para cá, não inverta as coisas. Você matou um homem...

― Foi um acidente... Você sabe disso. Não fale mais isso aqui.

― Nós dois sabemos que não foi um acidente. ― Victor vira-se rapidamente para a mulher e segura firme em seu pescoço:

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― Acha que sou algum idiota? Você está escondendo alguma coisa.

― Gasp! Está me machucando... De verdade... ― Victor joga a mulher no canto do quarto. Ela cai ofegante e babando. Victor levanta-se da cama e sai depressa do quarto. Rita levanta-se do chão pega o Valium na cômoda e engole seco. Lentamente ela diminui a excitação e o ritmo, e finalmente adormece.

Victor entra depressa no quarto da caixa e vai direto para o armário, enfia a mão do buraco e tenta puxar alguma coisa, qualquer coisa. De repente ele toca em algo macio e trás de dentro da caixa devagar. Tal qual é o susto quando encontra um pedaço de carne, uma língua. A língua de Jeferson. Ele solta rapidamente no chão. Depois volta a apanhar e jogar dentro da caixa, para evitar suspeitas sobre ele. Mas enquanto põe a língua de volta é surpreendido por uma dor fina na mão, puxa rapidamente o braço do buraco. Sangue. Ratos morderam sua mão.

― Malditos! O que devo fazer para matar vocês? ― Ele sai dali irado corre no banheiro e lava as mãos. Coloca alguns curativos e senta-se no vaso, tentando se

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acalmar. Pensa por vários minutos e vai para o quarto de Anamara.

― Acorda vagabunda! Preciso me acalmar! ― A menina acorda de susto. O suor desce de seu rosto que vai vagarosamente mudando o semblante conforme se satisfaz.

O dia está nublado. É um daqueles dias depressivos. Edmundo sofre silencioso enquanto trabalha. Depois de longos minutos ele resolve falar:

― Victor? ― Sim? ― Tem uma coisa que quero perguntar. ― Fala! ― O que acha que aconteceu com meu

filho? ― Bom! Eu não sei. Nem imagino! ― O delegado me chamou hoje pela

manhã para explicar a causa da morte. ― E então? ― Ele falou que meu filho caiu da

janela, deve ter levado um susto. Na queda ele feriu o olho...

― E quanto à língua? ― O delegado acredita que na queda

ele cortou a língua com os dentes e algum animal... Comeu.

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― Sinto muito, Ed. ― Edmundo dá uma parada e volta a falar:

― Victor? Quero parte do que você encontrou na caixa.

― O quê? ― Não se faça de idiota, Victor! ― Não encontrei nada, nem consegui

abrir. ― Victor, eu sei que vocês têm um

plano e eu quero ser parte dele, ou posso deixar as coisas bem difíceis!

― “Vocês”? ― Você e a vadia! ― Victor se enfurece

e soca o colega. ― Você não conhece minha esposa! ― Conheço sim! Quando eu vi a foto

na sua carteira achei que conhecia, mas quando eu fui a sua casa; tive a certeza... Sabe? Eu quase peguei aquela piranha, mesmo ela sendo casada com meu amigo Augusto. Ela é uma vadia.

― Desgraçado, retire o que disse. ― Uma violenta briga começa, com ligeira vantagem para Victor. A briga se torna mais violenta e Victor pressiona forte o pescoço de Edmundo. O homem se debate até desfalecer. Victor continua pressionando

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mesmo quando o corpo do homem não demonstra nenhuma reação. Victor percebe que matou seu colega.

― Merd... O que eu fiz agora? ― Ele permanece eufórico e aos poucos vai controlando-se. Quando já está bem mais calmo, senta-se perto da árvore e pensa no que pode fazer. Ele olha para o alto e tem uma ideia. Arrasta o corpo de Edmundo para perto da árvore e serra. O tronco cai, esmagando o corpo morto de Edmundo. Victor corre para o escritório, já chega gritando que seu amigo sofreu um acidente e todos correm para o local.

― Pobre Edmundo, morreu igual ao seu companheiro.

Victor chega a casa com alguns pacotes e sobe direto para o quarto da caixa.

― Se ratoeiras não funcionam talvez esse veneno funcione, malditos! ― Ele espalha o veneno pelos cantos do quarto e joga um pouco dentro do buraco do armário que leva a caixa.

― Vamos ver agora? Como se sairão dessa? ― Ele sai dali e entra no banheiro, toma um banho e desce para a sala de jantar. Sua mulher o espera para jantar.

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― Onde estão os garotos? ― Nos quartos, já jantaram. Você

chegou tarde, hoje. ― Foi o Edmundo! ― O que tem ele? ― Sofreu um acidente. Morreu. ― Ohh meu Deus? Como foi isso? ― Uma árvore, caiu sobre ele. ― Que coisa terrível. ― É! ― Victor silencia por um tempo e

então volta a falar: ― Rita? Você conhecia o Edmundo? ― Eu o vi naquele dia que o filho

morreu. ― Tem certeza? ― O que está pensando? Victor? ― Nada! ― Victor levanta-se e vai para

fora tomar um ar. Ele passa alguns minutos sentado na escada, quando dona Marta aparece do nada:

― Boa noite senhor Victor? ― Boa noite dona Marta? ― Dia difícil? ― Victor olha para a

velha por um longo tempo até responder. ― Sim! Bem difícil, meu colega de

trabalho morreu. ― Ohh! Que coisa terrível.

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― Escuta dona Marta, a senhora mora aqui há quanto tempo?

― Eu nasci nessa casa senhor Victor. ― E a senhora conheceu as pessoas

que moravam aqui? ― Você quer dizer antes de vocês? ― Sim! Creio que sim! ― Sim, lembro-me de um casal jovem,

muito feliz. Como era mesmo o nome deles... É não lembro...

― E o que aconteceu com eles? Por que foram embora?

― Não sei, simplesmente sumiram. ― Vou deitar! Boa noite dona Marta! ― Boa noite! Senhor Victor. Victor não consegue dormir, Rita já

tomou seu “remedinho” para dormir. Victor levanta-se vai ao quarto da caixa. Hoje ele não visitará Anamara, pois está tranquilo. Ele vai direto para o armário e cuidadosamente enfia a mão no buraco. Tateia até que toca em algo sólido, parece com um pedaço de pau, só que é poroso. Ele tenta puxar, mas não consegue. Nisso um odor de podre invade o quarto.

― Droga! Que fedor de carniça é esse? Devem ser os ratos mortos. ― Ele abre a

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janela para evacuar o mau cheiro e sai do quarto fechando a porta em seguida.

Rita acorda tarde da noite, os olhos e o corpo estão pesados. Ela não tem forças para levantar e nem mesmo para falar. A droga tem consumido seu corpo. Ela olha para o berço do bebê e acha que viu alguma coisa se mover sobre ele. Vira o rosto e volta a olhar novamente, imagina que sua mente está pregando peças. Não, realmente algo se moveu sobre o berço do bebê. Ela tenta levantar e não consegue. Vira-se para acordar Victor e ele não está ao seu lado. Não consegue gritar. Ela vê o rato negro se aproximar de sua prole, vagarosamente. O roedor passeia sobre o pequeno corpo cheirando a roupa macia. Rita se desespera. Maldita droga, pensa ela. Maldita casa, pensa ela. Rita sente algo gelado tocar os seus pés e abaixa a vista para tentar visualizar, ratos, vários deles. Caminhando sobre sua cama, passeando sobre seu corpo, entre suas pernas, sobre seu bebê. Ela tenta chamar o esposo:

― Vicchor! Vicchorrr! ― Maldito Valium! Ela pensa. Veneno. Súbito as luzes se acendem e os ratos desaparecem da cama, ela olha para o bebê e a sombra desaparece.

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― O que foi? Rita? ― Ratos, em todo lugar. Foi horrível

Victor! Tentei chamar você... Onde esteve? ― Fui pegar um copo d’água. ― Você sonhou? Ou havia ratos

mesmo? ― Rita pensa e responde: ― Não sei. ― Você deve parar com essa droga.

Agora vá dormir. ― As luzes se apagam. E o rato negro desce o berço da criança, saindo do quarto pelo canto da parede, subindo até o teto.

Anamara levanta-se no meio da madrugada e vai até a cozinha para beber água. Abre a geladeira tira a água e fecha a geladeira, enquanto bebe olha para cima da geladeira e vê um frasco. Ela pega o frasco e lê o rótulo:

“Veneno para ratos, baratas e outras pragas.”

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CAPÍTULO DEZ Identidade

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― Rita? ― Pois não? ― Rita vira-se pra trás

enquanto limpa o quintal. ― Lembra-se de mim? Leonardo Lima? ― Claro que lembro! O senhor disse

que viria se nós tivéssemos alguma informação. Nós não temos, por que está aqui?

― Calma! Eu vim especificamente para falar com a senhora. ― Rita permanece imóvel olhando o homem de terno preto.

― Tudo bem! Acompanhe-me. ― Enquanto Rita sobe as escadas com o homem, dona Marta observa tudo de sua casa. Rita faz um gesto de cumprimento com a cabeça para ela.

Lá dentro o homem senta-se no sofá, enquanto Rita vai à cozinha.

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― Gostaria de um chá? Senhor Leonardo?

― Sim, por favor. ― Rita apronta o chá de cabeça baixa, e quando se vira para ir até a sala, esbarra em Leonardo que a esperava no corredor. O homem está com um leve sorriso no rosto, ele põe a mão na cintura de Rita. Ela não esboça nenhuma reação de repulsa.

― Leonardo! Eu disse que não viesse aqui!

― Você estava demorando a me dar notícias e eu também estava com saudades desse lindo corpinho. ― Ela empurra o homem agora.

― Seu imbecil! Isso não é brincadeira, muita gente já morreu por conta desse dinheiro.

― Você já descobriu aonde o desgraçado do augusto escondeu?

― Não! ― Você não está mentindo para mim

não, né? ― Você é o “investigador criminal”, eu

não poderia mentir para você. ― Você gosta dessa fantasia, não é,

Rita? ― A mulher sorri com um canto da boca.

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― Como eu dizia, Augusto mudou o local.

― O imbecil de seu marido atual desconfia?

― Ele imagina alguma coisa! Está procurando na caixa.

― Droga! Temos que agir mais rápidos...

― Estou fazendo o que posso; Leonardo.

― Rita! Estou com saudades. ― Os dois se olham até que uma faísca de paixão desenfreada surge entre eles. Braços, abraços e beijos e uma violenta relação sexual acontece naquele piso de cozinha, sem medos, sem reservas, sem pudores, sem identidades. De repente uma pancada.

― O que foi isso? ― Não sei! Meus filhos estão na escola,

eles não costumam voltar cedo. ― Nova pancada.

― É na cozinha! ― Rita levanta-se e corre para lá.

― Bicho-Luca! ― Quem? ― O gato da vizinha, ele estava sumido

há alguns dias.

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― Então o gato da vizinha assistiu nossa transa selvagem?

― Hahaha! Com certeza. É bem apropriado. Mas acho melhor você ir. Pode ser um aviso para tomarmos mais cuidado.

― Ahh! Cortar nosso barato por conta desse gato horroroso?

Leonardo levanta-se e veste-se enquanto Rita põe o gato para fora pela janela da cozinha.

― Leonardo, você não deve aparecer aqui dessa maneira. É perigoso. Eu o mantenho informado. Agora vá.

― Está bem! ― O homem deixa a casa e antes que Rita saia da cozinha, ela percebe que deixou a janela, por onde jogou o gato fora; aberta. Ela se aproxima para fechar e gela o coração quando vê a vizinha em pé, no quintal, olhando fixamente para ela. Ela dá com a mão e fecha a janela devagar.

― Será que essa velha viu alguma coisa? Era só o que faltava... Não. Quando eu coloquei o gato para fora, ela não estava ali... Ou será que eu não percebi? Droga! Maldito Leonardo!

Vários minutos depois a porta de dona Marta abre-se:

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― Bom dia dona Marta? ― Bom dia Rita? ― Eu gostaria de convidá-la para jantar

conosco hoje. ― Ohh! Que gentileza? Alguma coisa

especial? ― Não! É que a senhora é tão

sozinha... A senhora tem algum parente? ― Só Bicho-Luca! ― Ohh! Por essa razão seria bom que

nos aproximássemos mais. ― Então eu irei se puder levar o gato. ― É claro dona Marta. Cristiano se aproxima de Anamara na

lanchonete: ― Algo errado minha irmã? ― Não! Por que está perguntando isso? ― É que você tem estado tensa desde

hoje de manhã. ― Não tem nada de errado, não. ― Se você diz... Quando Victor chega do trabalho,

dona Marta já está sentada a mesa de jantar. O homem vai direto para o quarto, chegando lá Rita está se arrumando.

― Rita? Eu já disse que não quero essa velha em minha casa!

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― Ela me ajudou em umas coisas e eu quis recompensá-la. Por favor, não faça escândalo. ― Ela dá um beijo nele, como se fizesse algum sentido.

O jantar é de certo modo, divertido. A velha conta algumas coisas de seu passado. Coisas que talvez nem sejam verdadeiras, mas todos fingem que são. Até que a certa altura a velha dispara:

― Senhora Rita? Aquele homem da polícia voltou aqui novamente, né? ― Victor olha rapidamente para a esposa.

― Sim! Eu não falei para você amor? Foi o inspetor Leonardo Lima.

― O que ele queria? ― O de sempre, Victor! ― De sempre? ― Sobre o corpo do filho de

Edmundo. ― A velha interrompe novamente. ― Pensei que esse caso estivesse

encerrado. Não sabia que precisava de um investigador da cidade grande.

― Como sabe que era da cidade grande, dona Marta?

― Eu vi a placa do carro, Rita! ― Me ocorreu agora ― Interrompe

Victor ― Como a senhora sabe que era um

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investigador. Ele sequer veio em um carro oficial? Aliás, Rita? Ele não mostrou nenhuma identidade que o comprovasse como tal.

― E-eu não sei... ― Vou subir! ― O homem deixa a

mesa. ― Desculpe dona Marta, depois dos

últimos acontecimentos, meu marido tem estado nervoso.

― Ele tem mesmo muitos motivos, Rita!

― Crianças, acompanhem dona Marta até a porta.

― Ai, ai! Meu segundo jantar na casa de vocês terminou mal também, né, crianças?

A velha levanta-se e ninguém a acompanha até a porta.

― Pode deixar crianças, eu saio sozinha.

― Que velha estranha, não é, Anamara? Anamara? ― Anamara está olhando para o alto, para o topo da escada, precisamente para a porta do quarto dos pais.

― Ahh! É muito estranha. No quarto uma discussão:

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― Rita? O que esse homem veio fazer aqui?

― Já disse, ele veio saber se tínhamos alguma informação.

― Mas eu disse que ligaria se tivesse. Talvez ele tenha algo contra você!

― Do que esta falando, homem? ― Não sei. Responda você. Do que

estamos fugindo? ― Você matou um homem! Eu já lhes

disse isso. ― Dessa vez alguma coisa soou diferente na expressão de Rita. Victor se surpreende.

― Eu não matei, foi um acidente! Ademais, o investigador refere-se a um assassinato há dezesseis anos e não há poucos meses.

― Ele pode estar blefando, Victor. ― Talvez ele nem seja um investigador. ― Por que não seria, Victor? ― Por que seria? ― Rita? Nunca mais repita isso nesta

casa, eu não matei ninguém. Cristiano bate na porta da senhora

Marta que abre já em roupas de dormir. ― Dona Marta? A senhora esqueceu o

gato lá em casa.

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― Ohh! Meu filho, muito obrigada. ― O rapaz permanece em pé ali por alguns instantes. ― Mais alguma coisa meu filho?

― Dona Marta? Como a senhora sabia que o homem era um investigador?

― Eu já disse meu filho, lá no jantar. ― Não! A senhora não teve tempo de

explicar. Meu pai interrompeu. ― Bom, eu tenho um instinto, sabe? ― Está frio aqui fora, posso entrar um

instante? ― Claro, mas só um instante. Estou

com tanto sono... Na manhã seguinte Anamara acorda

cedo e toma o café, quando gritos se fazem ouvir:

― Meu Deus, Meu Deus? Ele está morto, em cima de minha cama ― É Rita. Anamara não se move. Sorri. Mas derruba a satisfação quando Victor entra corendo em casa:

― O que foi Rita? Quem morreu? ― Ele sobe as escadas e Anamara sobe atrás. Quando entra no quarto de Rita a cena é chocante. Há sangue por todo o quarto, pelo chão, sobre os lençóis. E ao lado de Rita, no lugar que dorme seu esposo, o gato está

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estripado. Suas tripas laçam seu pescoço. A cena é simbólica e doentia. Anamara vomita. Rita grita acocorada num canto. Victor sai do quarto correndo e entra rapidamente no quarto do filho.

― O que pensa que está fazendo, Cris? ― Eu? Do que está falando? ― Você! Fez aquilo de novo? ― Aquilo? Não sei o que está

acontecendo. ― Sua mãe! No quarto de sua mãe há

uma cena horrível. Você não ouviu os gritos? ― Não! Tenho sono pesado. Você

sabe. ― Victor olha por alguns instantes para o menino e sai correndo para chamar a dona do gato: Dona Marta.

Ele demora um pouco. Enquanto Anamara acalma a mãe na sala, Victor entra olha para as duas e informa:

― A velha está morta! ― O que? ― Espanta-se Anamara ― O

que aconteceu? ― Parece que... Teve um ataque, sei lá.

Vou chamar a polícia e depois vou tirar o gato da cama.

Depois que todos os procedimentos iniciais são feitos no corpo da velha, um

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policial se aproxima da família, que observa a tudo:

― As evidencias iniciais não apontam ataque cardíaco, mas sim envenenamento. ― Anamara empalidece.

― Como é que é? ― Pergunta Rita. ― Isso mesmo. Acreditamos que ela

queria suicidar... Vida difícil. ― Por que acha que foi suicídio,

policial? ― Indaga Cris. ― Por que encontramos um frasco

com veneno de ratos e alguns comprimidos de Valium caídos ao lado da velha.

― Veneno de ratos, Valium? ― Victor não quer acreditar no que escuta.

― Sabe? Senhor Victor? Muita gente morreu aqui, muita gente ligada de alguma forma a sua família. Sua família parece uma... Uma praga...

― Você não tem o direito de ofender a minha família, policial.

― Desculpe, foi um comentário infeliz, senhor Victor. Mas saiba que iremos voltar nossa atenção para alguns desses casos. Deixe-me ver:

― Velho morto por ataque cardíaco, seu sogro. Adolescente morto ao cair do

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telhado, namorado de sua filha. Homem esmagado por um tronco, tragicamente da mesma forma que morreu o próprio companheiro; seu colega. E agora uma velhota, suicídio, sua vizinha. Tem mais alguma morta que estou esquecendo?

― Eu conheço meus direitos, policial. O senhor não tem o direito de me ofender e a minha família.

― Tudo bem, Vic, posso chamar de Vic...

― É “Victor” para você, policial... ― É “senhor policial” para você,

Victor!

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CAPÍTULO ONZE Ruptura

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O dia estava escuro. Nuvens pesadas

passeavam no céu, logo cairia uma tempestade. Victor sai cedo para o trabalho. Cris sai para a escola e Anamara resolve ficar em casa. Informa à mãe que não está se sentindo bem.

― O que está sentindo, minha filha? ― Só um pouco deprimida... ― Os últimos dias foram difíceis

mesmo! ― Eu vou me deitar, mãe! ― Eu também vou. Não me sinto

muito bem. ― Quem terá feito aquilo com o gato,

mãe? ― Nem imagino! A velha doida antes

de morrer talvez. ― Aquele gato andava muito por aqui!

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― Aqui tem ratos, Anamara, e gatos comem ratos.

Rita não cosegue dormir e então resolve se levantar e caminhar até o quintal para espairecer. Passadas algumas horas, Anamara desperta do sono com o choro do bebê. Ela tenta rolar na cama esperando que o choro cesse quando sua mãe acalentar a criança. Mas isso não acontece. Então ela levanta-se e vai ao quarto da mãe. Tenta abrir a porta e algo emperra. Ela empurra até que um esguiche de sangue molha todo o seu pé; ela se assusta e empurra de vez a porta, e descobre que pequenos ratos emperraram a porta embaixo, e quando empurrou esmagou os roedores. Quando ela levanta a cabeça e olha para a criança, o rato negro anda em volta do berço. Ela corre para expulsar o bicho, mas escorrega no sangue e cai, batendo a cabeça no piso. Ela sente os olhos pesarem e o frio de dezenas de pequenos ratos passeando no piso e sobre seu corpo. Ela grita, mas ninguém pode ouvir. A criança berra, mas ninguém pode ouvir. E tudo escurece.

Mais tarde Cris chega da escola, como de costume, antes de seu pai chegar do

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trabalho. O jovem entra na casa e encontra um silêncio sepulcral. Um mau cheiro percorre todos os cômodos. Ele sobe as escadas e já vê a poça de sangue saindo do quarto da mãe. O garoto sequer altera o ritmo cardíaco. Ele entra devagar e encontra a irmã com o corpo em frangalhos, escoriações e mordidas profundas. Ele passa por ela e vai até o bebê, a criança dorme tranquila e intacta. Cris pega a criança no colo e toma a direção da saída, quando um gemido faz com que ele olhe para trás.

― M-meu irmão, por favor, me ajude? ― Cristiano olha nos olhos da irmã e se abaixa para sussurrar em seu ouvido:

― A culpa é toda sua! Você fica se insinuando para o papai. Você o seduziu. Tentou matá-lo envenenado, mas matou a pessoa errada e agora está com a alma mais destruída do que seu corpo agora.

― E-eu, você é meu irmão! Pensei que gostasse de mim...

― Sim, gostava. Até o dia que meu pai insinuou que matei aquele imbecil do seu namorado. Eu permaneci na escada por várias horas; pensativo; foi quando vi que ele entrou no seu quarto, e você simplesmente não

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esboçou nenhuma reação. Parece que estava gostando daquilo.

― Eu estava chocada! Meu irmão. ― Você não é minha irmã, você não é

filha de meu pai. ― O que? ― Você é filha de outro homem, meu

pai pegava sua mãe enquanto ela estava casada com seu verdadeiro pai. Aí a jumenta engravidou de mim. A vadia traía seu pai com o meu.

― M-mas, todo esse tempo você sabia, deixou que ele me molestasse e não disse nada. Nem pela nossa mãe...

― Sua mãe! Ela apenas me pariu. Nada mais.

― Por favor, me ajude... ― Cristiano levanta-se e sai da sala, deixando a irmã chorando. Pouco tempo depois ele volta sem Renan e com uma lata de gás.

― Eu vou ajudar você e de quebra vou ajudar o papai. Há vários dias papai tenta acabar com esses ratos, e nenhuma das formas que usou deu certo. Eu tenho uma mais eficaz e junto com os ratos vou limpar outra praga: Você.

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O fogo consome rapidamente os móveis, e os corpos de ratos e de Anamara. Ela grita com as poucas forças que restam, clama pela mãe.

Rita chega. Cris está na sala com a criança no colo.

― Sua filha morreu! ― Ele diz friamente.

― O-que? O que está dizendo? Victor chega nesse instante. ― O que disse? Quem morreu? ― Anamara! Está morta. ― Rita cai em

profundo choro. ― Como isso aconteceu? Cris? ― Não sei, eu cheguei da aula e senti

um calor, subi as escadas e o quarto de vocês estava pegando fogo, invadi e consegui salvar Renan; Foi então que percebi que Anamara estava lá dentro. Acho que ela tentou salvar antes de mim e não conseguiu.

― Ohh! Meu Deus, minha filha. ― Gritos e lamentos de Rita e posteriormente de Victor.

Victor ganha forças para limpar o ambiente. Para Rita foi necessário tomar tranquilizantes.

― Rita? O que faremos agora?

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― Eu não sei Vic. Como posso pensar, minha filha está morta.

― Falando nisso, aonde você foi? Que deixou que isso acontecesse?

― Agora é culpa minha? É? ― Os gritos são altos demais.

― Rita, se não fosse o Cris a criança também estaria morta.

― Essa maldita casa! Ohh! Minha filha. ― Rita, temos que pensar no que fazer.

Eu entendo a sua dor, mas se chamarmos a polícia, certamente seremos presos.

― A filha não era sua. Então não tente me entender...

― Está bem, mas eu não vou chamar a polícia agora.

Mais tarde Victor entra no novo quarto em que sua esposa descansa:

― Pensou em como faremos? ― Sim! Vamos enterrar os restos junto

com o avô dela, ela gostava muito dele. No dia seguinte um pequeno velório

ocorre, e Anamara é enterrada junto com o avô. Victor se certifica de que sua esposa ficará bem quando ele for trabalhar e então a deixa em casa sozinha. Cris vai à escola

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naturalmente como se nada tivesse acontecido.

Rita procura o Valium e descobre que não tem mais nenhum, ou Victor jogou tudo fora. Enquanto procura alguma coisa, alguém bate na porta. Ela vai abrir e dá um longo e apertado abraço em Leonardo.

― O que foi? ― Você nunca é tão carinhosa. ― Minha filha! Morreu ontem em um

incêndio. ― O quê? Como pode ser? ― Cris a encontrou... ― Os

pensamentos de Rita fogem um pequeno instante. “Cris”.

― Algo errado? O quê foi? ― Nada! Só um pensamento. Vamos

entre. Vamos para o meu quarto. Preciso descarregar a tensão.

― Mas eu pensei que você... ― Você não me conhece... ― Achei estranho, sexo, com uma filha

morta. Mas por mim tudo bem. ― Se eu não tenho Valium, então

tenho que usar outras formas de me acalmar. ― Já descobriu alguma pista sobre a

chave?

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― Ainda não! ― Rita, o tempo está passando, e com

todas essas mortes aqui... Sei não. ― Não se preocupe, eu vou encontrar

a chave, conseguir o dinheiro e darei a sua parte.

― Cinquenta por cento, lembre-se disso. E eu faço sumir aqueles arquivos lá no departamento.

As horas se passam e quando está perto das dezoito horas o telefone toca:

― Alô? Quem fala? ― Rita Moretti. ― Boa tarde senhora Rita? Aqui é da

escola municipal. Gostaríamos de saber duas coisas.

― Pois não? ― Primeiro, queríamos saber por que a

sua filha não veio à escola nos últimos dois dias?

― É que ela... Viajou. Tinha que resolver um assunto de família em Cidade paraíso.

― Dona Rita, é sempre bom informar de antemão esses casos. Imagino que Cristiano também tenha ido?

― O que disse?

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― Essa era a segunda pergunta: Se o Cristiano também está viajando, já tem alguns dias que ele não vem à escola. ― Rita silencia. Depois de algum tempo ela completa a mentira.

― Sim! Ele está com ela, foi antes dela. ― Obrigado senhora Rita, quando eles

voltarem deverão fazer alguns testes para recuperar as aulas. Tenha uma boa tarde.

― A senhora também. ― O telefone desliga e Rita se preocupa.

― Por que aquele menino não está indo a escola? O que está aprontando? O que será que ele viu? Será que viu o Leonardo? ― Nesse instante Victor entra em casa.

― Boa tarde? Como passou o dia? ― Bem! Você viu o Cris? ― Ele ainda não chegou da escola? ― Não! ― Ele deve estar chegando. Não se

preocupe Rita.

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CAPÍTULO DOZE Escuridão

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― Realmente o Cris está demorando!

Ele não falou nada para você, Rita? ― Não! E parece que vai chover. ―

Mal Rita fecha a boca uma chuva começa. Rapidamente se transforma numa pequena tempestade.

― O que poderia ficar pior? ― A pergunta de Victor é respondida imediatamente. Um blackout na casa.

― Droga! Falta de luz? Eu vou pegar a lanterna, Rita. ― Victor sai da sala e vai a cozinha procurar uma lanterna. Nisso Rita fica sozinha por alguns minutos na sala.

Ela se levanta e vai até a janela. Observa durante algum tempo até que um relâmpago clareia lá fora e ela tem a nítida impressão de ter visto alguém, em pé na escuridão. Ela se assusta e volta de costas

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para a poltrona. Ela senta-se. E aperta o próprio peito. Súbito os cantos começam a se mexer, depois o chão inteiro parece estar mexendo. Rita grita:

― Ahh! Victor? Venha aqui! ― Victor corre da cozinha com uma lanterna em punho.

― Achei! Amor? O que foi? ― Ele tenta ligar a lanterna que teima em piscar.

― Droga de lanterna! ― Pelo amor de Deus, Victor! Tem

alguma coisa no chão. ― Finalmente! ― A luza artificial da

lanterna clareia o chão, e nada está lá. Victor aponta a lanterna para a mulher histérica no sofá.

― Rita? ― Eu vi, tenho certeza que vi! Não

estou drogada. ― Victor sabe que é verdade, pois ele mesmo jogou fora as drogas.

― Vou investigar o que aconteceu com a luz. Vou olhar a caixa de fusíveis.

― Não me deixe aqui, sozinha. ― Então venha comigo. A caixa de fusíveis fica numa pequena

casinha no jardim, para ir até lá é preciso sair

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na chuva. Eles vão. Chegando lá eles abrem e Victor pôde constatar:

― Nada! Está tudo normal aqui. ― Nisso, Rita toca no marido e aponta para o alto, para onde leva a fiação da casinha.

― Ahh! Os fios estão caídos! ― Ele vai até uma das pontas do fio e foca a lanterna, mostrando que o fio foi roído.

― O fio foi roído! Os malditos ratos. ― Vamos para dentro. Deixamos nosso bebê sozinha. Teremos que dormir no escuro, não dá para consertar isso numa chuva dessas e a noite.

Tempos depois Victor tenta ligar para o filho enquanto Rita acende algumas velas pela casa.

― O celular dele está desligado! Por que ele nunca liga o celular?

As horas se passam e finalmente Cris chega.

― Aonde você foi seu estúpido? ― Não devia me tratar assim, papai! ― Então me responda! ― Pai? A mãe está traindo você! ― O que? ― Eu vi. Com aquele investigador. ― Que brincadeira é essa?

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― É verdade, eu passei o dia fora, nas redondezas, observando; e descobri... Ela fica com o cara quando você vai trabalhar! ― Victor dá uma bofetada no menino.

― Eu tentei avisá-lo, pai! Faça alguma coisa!

― Vá para o seu quarto! Depois conversamos. ― O menino sai dali sem olhar para trás. Sobe as escadas e some na escuridão.

Minutos depois Victor entra no quarto do filho.

― Filho, eu gostaria de pedir desculpas! É que você me pegou de surpresa. Fique tranquilo que vou investigar isso.

― Pai? Eu só queria ajudar o senhor! Não quero que as pessoas o machuquem, nem mesmo a vadia da minha irmã!

― O que disse? O que você fez com Anamara?

― Pai... Não fique chateado, eu fiquei irado quando... Quando vi o que ela fez com nossa família...

― Filho, ela fazia parte de nossa família...

― Não! Só eu e você! Nós somos a família, ela não era sua filha.

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― O que você sabe sobre isso? ― Eu sei muita coisa pai! Eu vi o que

você fazia com ela quase todas as noites que estava com raiva... Mas não se preocupe eu não te odeio por isso. Ela se insinuava para o senhor...

― Garoto você matou, sua irmã... ― Eu libertei o senhor, pai; libertei de

Anamara. Da mesma forma que vou libertá-lo de Rita.

― Não! Não faça nada com Rita... Diga-me? E quanto ao namorado dela? Jeferson? Foi você que...

― Não! Foram os ratos... ― O que? Ratos? Isso é... ―Victor põe

a mão na cabeça e levanta-se da cama. ― Filho, gostaria que viesse comigo,

tenho algo para lhes mostrar. É um trabalho de pai e filho.

― Sim! Eu vou pai! ― Victor leva seu filho ao quarto da caixa.

― Cris! Aqui dentro dessa caixa tem uma grana escondida. Não há como abrir sem uma chave. Esse dinheiro foi colocado aí há muito tempo atrás, pela sua mãe. Uma das razões pelas quais eu vim para cá foi para

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pegar esse dinheiro... ― O menino interrompe.

― A outra foi o homem que o senhor matou.

― Foi um acidente. Não sei como ficou sabendo disso, mas pouco importa agora. Então eu descobri um buraco, pelo armário. Mas preciso de alguém magro o bastante para entrar e é ai que preciso de você, depois disso ficaremos ricos e podemos largar isso aqui e fugir.

― Está bem, pai, eu entro. ― O menino entra no armário que hoje está ainda mais escuro. Ele se esforça e finalmente consegue entrar. Ele informa de dentro da caixa:

― Está muito escuro aqui... É bem espaçoso pelo que pude notar.

― Pegue a lanterna, Cris. ― Victor enfia a lanterna pelo buraco. Um silêncio perturbador se forma.

― Pai? Paiiieee? ― Victor apenas espera. Os gritos do menino são abafados e desesperados e finalmente cessam.

― Desculpe filho, mas você se tornou muito instável. Victor volta para o quarto da

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esposa, que já está dormindo. Ele deita do lado dela; ela acorda.

― Oi amor? O Cris está bem? ― Sim! Está dormindo! ― Ele disse onde estava? ― Disse que estava rondando a casa

desde cedo. ― Rita fica trêmula. ― O que ele fazia? Vigiando a casa? ― Ele acha que viu alguma coisa...

Alguém dentro de casa quando eu saí. ― Alguém? ― Sim! Um homem. Mas creio que o

Cris estava cansado e eu o coloquei para dormir. Agora tenho que dormir também; amanhã será um dia longo. Vou viajar bem para dentro da floresta. Devo chegar tarde. Levantarei cedo para consertar a eletricidade. Também levarei o Cris comigo para ele se divertir um pouco.

― Está bem! Eu ficarei bem.

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CAPÍTULO TREZE Sacrifício

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Quando Rita acorda, a eletricidade já

está estabelecida. Seu esposo já saiu e demorará a voltar hoje. Ela levanta-se, alimenta o bebê e vai ao quarto de Cris se certificar de que ele foi com o pai. Ela volta para o quarto e liga para Leonardo.

― Precisamos agir rápido. Minutos depois Leonardo chega a casa. ― Leonardo, precisamos descobrir

rapidamente onde está a chave da caixa. Victor está praticamente dormindo lá, estudando uma forma de abri-la.

― E o garoto? ― Foi com ele para o trabalho. Uma

espécie de terapia de pai e filho. Irão demorar.

― Então podemos nos divertir antes de começar o trabalho de busca?

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― Não seja tolo, precisamos aproveitar o tempo, diversão fica para depois.

― Tá bom! E por onde começamos? Você tem alguma ideia?

― Sim! Eu tenho: A casa da dona Marta.

― Por que seu falecido marido faria isso?

― Primeiro: Ele gostava muito da velha! Segundo: Ele começou a desconfiar que eu tivesse um amante...

― Victor, no caso? ― Exato! Quando Anamara nasceu, o

imbecil do Victor me mandou flores, no hospital. Augusto chegou e encontrou as flores, imaginou que fossem de outro homem. Nós não tínhamos muitos amigos. Depois disso ele sempre ficou com um pé atrás com relação a mim. Um dia a velha contou que viu um homem saindo de minha casa; essa velha sempre me atrapalhou...

― E você se livrou dela de uma vez por todas...

― Também foi para limpar o caminho, para podermos procurar lá. No dia que eu esfaqueei o corno, procurei nessa casa inteira e nada encontrei. A polícia foi avisada...

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― Dona Marta avisou, imagino? ― Sim! E eu tive que fugir as pressas.

Victor foi comigo, sabia que se ficasse poderia estar associado ao assassinato do Augusto, visto que era meu amante.

― Mas a polícia nunca encontrou o corpo?

― Parece que não. Esse assassinato que Victor cometeu, veio bem a calhar para voltarmos.

― Acidente! ― O que? ― Não foi assassinato, foi acidente.

Como ele diz. ― Que seja! ― Mas a velha não reconheceu você? ― Eu mudei bastante, e ela já era louca

na época. Imagine agora! Mas no fundo eu acredito que ela me reconheceu. Mas chega de conversa e vamos trabalhar.

Os dois amantes saem pelos fundos da casa e entram com facilidade na casa da velha. A casa está escura e empoeirada, uma poeira acumulada de muitos anos e não de alguns dias desde que ela morreu.

― Que coisa imunda! ― Resmunga Rita.

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― Tem alguma ideia de por onde começar?

― Pelo guarda-roupa. ― Roupas velhas, mal cheirosas, são as primeiras coisas encontradas.

― Eu vou procurar nos armários da cozinha, Rita.

― Certo! ― As horas se passam e a procura é infrutífera.

― Vou procurar na sala! ― Avisa Rita. ― Certo! ― A mulher olha embaixo de

sofás, enquanto o homem procura nos armários de comida. Ela volta para o quarto e levanta o colchão. Encontra uma carta. Ela abre rapidamente:

“Senhora Marta, tenho motivos para

acreditar que estou sendo traído pela minha esposa. É possível que eu seja assassinado. Por essa razão estou te enviando uma chave, essa chave é muito importante para mim. Eu vou sair da cidade agora, mas volto em breve.”

― Leonardo? ― O homem chega

correndo no quarto. ― Leia essa carta? ― Leonardo lê.

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― Ahh! A chave. Mas não sabemos onde está, ainda assim.

― Mas temos a certeza que a velha escondeu. Vamos vasculhar mais profundo.

A tarde chega e junto com ela uma chuva pesada. A casa está bastante precária e gotas de chuva entram pelo teto. De repente além da água, pedaços de madeira começam a cair de cima. Súbito, baratas despencam sobre Rita, e finalmente ratos chovem dentro de casa.

― Droga! ― Esbraveja Rita. A chuva se torna mais forte e a chuva

de ratos aumenta. Muitos mortos. Outros feridos se arrastando fazendo um barulho nojento ao arrastar suas unhas imundas no chão.

― Vamos sair daqui Leonardo! ― Vamos! ― Eles correm até a casa de

Rita. ― Ufa! Que coisa horrível! ― Como será que aquela velha morava

ali? Hein Rita? ― Sei lá? Vou fazer um café. Se a

chuva parar voltaremos lá. ― Certo, eu aguardo aqui. ―

Momentos depois Rita volta com duas xícaras

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de café. Nesse instante ela tem a impressão que Leonardo falava ao telefone.

― Telefonando para alguém? ― Não! É que a chuva molhou, estava

verificando se ainda funcionava. ― E está funcionando? ― Acho que sim. ― Eles tomam o café

enquanto planejam os próximos passos. Até que:

― Leonardo? Você ouviu alguma coisa?

― Não! O quê? ― Passos! Ouvi passos! ― Acalme-se Rita, devem ser os ratos,

aqui está infestado de ratos. ― Não! Era mais pesado. ― De

repente a porta abre-se de vez: ― Vadia! ― Victor? ― Victor corre direto para

cima da esposa, pressiona o pescoço enquanto ela tenta pedir ajuda:

― Leonardo, me ajude. ― Não! Acho que não, sua utilidade

acabou. ― A mulher tenta olhar para o homem ali sentado calmamente tentando entender o que está acontecendo. Victor libera o pescoço da mulher. Ela cai.

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― Gasp! Gasp! O que esta acontecendo aqui? O que vocês...

― Rita! Rita! Rita! Você é mesmo muito tola. ― Desdenha Victor.

― Vocês estavam mancomunados desde quando?

― Desde sempre! ― Leonardo completa.

― Mas nós não achamos a chave, vocês não poderão... ― Victor abre sua maleta de ferramentas e mostra a chave: Dinamite.

― Antes eu não poderia usar isso aqui, mas como você estava demorando a descobrir e não temos mais família e nem tempo...

― Mas tem o Renan. O que fará com ele?

― Ele vem comigo! Serei um bom pai. ― Maldito! ― Victor puxa uma faca e

enfia na esposa, lentamente. Depois rasga de baixo para cima, quando é interrompido por Leonardo:

― O que está fazendo cara? ― Saboreando... Sacrificando... ― Eu vou esperar lá em cima cara,

enquanto você termina isto aí.

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Leonardo aguarda impaciente no quarto da caixa e Victor demora.

― O que aquele louco está fazendo? Vou descer lá. ― Ele desce rapidamente e quando chega ao topo da escada que dá para observar toda a sala, tem um choque emocional terrível. Rita está em pé, escorada na parede, com suas tripas enroladas no pescoço, simbolizando um enforcamento. Victor limpa a faca e sobe quando vê o amigo no topo da escada. Ele sobe devagar e quando passa pelo amigo, demonstra enorme satisfação, como ele deixara de sentir a algum tempo.

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CAPÍTULO QUATORZE Fuga

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Victor prepara a dinamite na frente da

caixa, coladas com fita adesiva. Eles acendem o explosivo e vão para o corredor, bem perto da escada, caso precisem fugir. Demora alguns minutos até que a explosão acontece, o estrondo ensurdece os dois por um momento. Eles caminham devagar até o quarto da caixa, a poeira suspensa e o mau cheiro são insuportáveis. Ratos fogem para fora do quarto. Leonardo chega primeiro no rombo causado pela dinamite. Ele vomita imediatamente. Victor não pretendia esconder mais nada.

― O que? Que tipo de família maldita é essa de vocês? De quem são esses corpos?

― De quem são? Achei que só tivesse um corpo. ― Victor se aproxima e encontra primeiro o corpo do filho, inteiramente

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desfigurado, praticamente sem rosto. Roupas roídas. Centenas de ratos mortos e uma ossada.

― O corpo desfigurado é meu filho. A ossada eu imagino que seja de Augusto.

― Meu Deus! Seu filho? E... Onde está o dinheiro? ― Victor observa um pouco aquela caixa fúnebre. Aproxima-se e arrasta o corpo do filho para fora, depois arrasta a ossada.

― Onde está o dinheiro, Victor? Quem colocou o corpo do corno aí? Será que foi Rita?

― Não, não foi Rita, ela não tinha a chave.

― Ei! Victor? A vagabunda disse que esfaqueou o marido, veja o crânio.

― Está afundado! ― Exato Victor! Então... ― Droga! A vadia não conseguiu matar

o marido com a facada. Ele foi morto com uma pancada na cabeça. ― Victor olha para Leonardo e conclui:

― A velha! A maldita Marta. Vamos Leonardo, pegue o meu filho no quarto e ponha no seu carro e esconda atrás da casa da velha e depois me espere lá dentro, enquanto

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eu ponho fogo nesta casa maldita. Essa explosão deverá chamar a atenção de alguém.

― Certo! ― O homem segue o plano, enquanto Victor corre na cozinha e desde lá vem espalhando gás na casa interia. Ele inicia o fogo e foge dali, enquanto sai dá uma olhada na esposa ao lado da porta.

Victor chega à casa da velha, e os dois procuram desesperados por alguma pista que leve ao dinheiro, ou o próprio dinheiro. Depois de vários minutos Victor se desespera.

― Droga! Onde aquela velha escondeu esse dinheiro?

― Está ouvindo, Victor? ― O quê? ― Sirenes! ― Victor passa as duas

mãos na cabeça e depois saca a sua faca e enfia rapidamente no peito de Leonardo. Arranca a chave do carro da cintura do homem e arrasta o corpo sem vida dele para o carro, enfia no porta-malas e sai em disparada.

― Droga! Depois eu volto nessa casa. Esperei dezesseis anos, posso esperar mais uns dias.

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Alguns minutos depois, Victor já está na autoestrada. A velocidade do carro é bastante alta. Seu filho está no banco de trás e um cadáver no porta-malas. De repente algo se mexe no piso do carro. Ele não dá muita atenção. Novamente alguma coisa passa por cima de seu pé. Ele se assusta um pouco e olha para baixo, tirando a atenção da estrada. Súbito, o rato negro salta, arranhando o seu rosto, fazendo com que ele saia da pista, o carro perde o controle e bate violentamente, jogando o corpo de Victor para fora do carro. Seu corpo cai no rio desaparecendo nas águas negras. O carro permanece na margem. O rato negro sai devagar, tomando o rumo de volta à cidade.

Várias horas depois na delegacia de Águas Negras um chamado no rádio informa que precisam de uma viatura e uma ambulância na autoestrada que leva a Cidade Paraíso, a única pessoa encontrada foi uma criança.

― E como está a criança? ― Está incrivelmente bem, senhor.

Está dormindo. ― Já estamos encaminhando as

viaturas para o local.

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Fim