A prática da magia em sociedades animistas

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    A prtica da magia em sociedades animistasContributed by Ronaldo LidrioThursday, 05 March 2009

    Neste artigo trato da magia do ponto de vista puramente antropolgico. Desta forma no iremos abordar a prticamgica sob o crivo da teologia bblica ou mesmo sob uma plataforma de julgamento moral. Meu desejo to somenteobservar o ato mgico em uma abordagem mica, a partir da cosmoviso daquele que a pratica.Magia e a negao de um estado evolutivo.A magia, religio e cincia so assuntos tratados muitas vezes de forma conjunta na antropologia pela clara conexoentre seus conceitos e normalmente descritos de forma evolutiva. Ou seja, enquanto a religio seria um estgio evoludoda magia a cincia seria um estgio evoludo da religio. Para alguns a magia uma soluo embrionria para osconflitos da vida por se basear na manipulao de elementos conhecidos ou fabricados pelo homem a fim de gerar efeitosdesejados. Malinovsky posiciona seu aparecimento em pocas recuadas da humanidade, propondo assim o conceitode seu desenvolvimento1]. Desta forma a religio seria um desenvolvimento da magia, ou processo mgico, umaelaborao mais organizada e lgica da procura pelo divino ou do controle da vida. Eliade cr que a religiosidade humanaest associada ao desejo de se controlar a vida, busca esta que passa pela magia, religiosidade e cincia. Para estesas respostas outrora buscadas na magia so tratadas na religiosidade e as respostas buscadas na religiosidadepossuem propostas de soluo cientficas2]. Penso ser pouco provvel que magia, religio e cincia sejam frutos de um estado evolutivo social. Primeiramente pelaconstncia de suas aparies e experimentaes. Culturas mgicas no desenvolvem religiosidade no mgicas.Sociedades cientficas no deixaram de forma geral a prtica mgica e comumente vemos cincia e magiarespondendo a diferentes perguntas em um mesmo agrupamento humano. O processo de desenvolvimento dopensamento, da sociedade moderna que passou da religiosidade para a venerao cincia, no pode ser atribudo aoestado evolutivo social mas sim influncia filosfica e ambiental. Em segundo lugar pela clara ligao entre o valorutilitrio da magia, religio e cincia de acordo com o padro cultural existente. Todos os trs sistemas apresentadosso de fato utilitrios e se prope a solucionar os conflitos da vida, com diferentes abordagens. Percebo que em culturasexistenciais, cerimoniais, centralizadas no homem e seus conflitos de hoje, h grave incidncia de magia, que colocade certa forma o homem no centro de seu universo. Em culturas espiritualistas e totmicas em que os seres mtidospovoam e governam o universo a religio tende a ser a resposta proposta para a soluo dos problemas. Em culturashumanistas e progressistas a cincia est em ascendncia como cadeia de solues para a vida humana. Parece-me

    que o padro cultural, portanto, determina que tipo de resposta se procura ou se desenvolve fazendo com que magia,religio e cincia compartilhem o mesmo cenrio de idias mas no sejam em si, resultado de um estado evolutivo. Conceito de magiaO estudo da magia passa pelo desenvolvimento do tema a partir de Tylor que a reportou, mesmo que de formaembrionria, em sua obra Civilizao Primitiva propondo o conceito da magia simptica, sempre ligada asemelhana entre os objetos manipulados. Frazer e Lehmann desenvolveram o tema defendendo que todos os ritosmgicos so simpticos, com base na ligao (semelhana) entre o todo e a parte, entre o objeto manipulado e o alvo damagia. Lehmann chama nossa ateno para o fato da magia ser uma atribuio utilitria, ou seja, que possui objetivoespecfico e tcnica tambm especfica. Mauss faz uma diferena entre magia e ato religioso sugerindo que o segundopossui uma estrutura invocatria no condizente com magia.

    Como podemos, portanto, conceituar magia ? Creio que so prticas, coordenadas por um indivduo ou a partir dele,com manipulao de elementos naturais, no centralizada em invocao espiritual personificada, com base na crena deque tal manipulao, segundo determinada tcnica ou coberta por certo poder poder produzir, assim, o resultadoesperado. Apesar da natureza da magia ser simptica, baseada nas semelhanas, na imagem do efeito/objeto a serproduzido, nem todas podem ser rotuladas dentro desta classificao3]. Para fins aplicveis estudaremos algumascategorias de magia como branca e negra, imitativa, alegrica e simptica. Devemos, porm, compreender que todaprtica mgica advm da crena da existncia de uma fora que governa a vida, mesmo que parcialmente, e que manipulvel. Assim no nos convm distinguir de forma to grave a magia do ato de culto como faz Mauss pois podehaver clara correlao entre estas diferentes prticas. Encontraremos cultos com atos mgicos e magia onde hinvocao espiritual personalizada, manipulvel. Parece-me que magia e culto compartilham da idia de relao com osobrenatural, mesmo que por vias distintas.O valor utilitrio da magia

    preciso termos em mente o valor utilitrio da magia pois esta insere o homem no contexto das escolhas universais, ouseja, o torna co-participante das solues dos problemas da vida. Desta forma, os grupos onde a prtica de magia acentuada e universalizada tendem a serem mais antropocntricos e desenvolverem toda uma organizao social,religiosa e mitolgica com base no valor utilitrio da crena. Melatti relata este valor utilitrio quando nos diz que entre osCras a magia que faz o caador para matar veado campeiro nos mostra a presena de outros modos de classificar.

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    Aquele que quer matar veado campeiro, s deve comer carne de animais que andam de dia e evitar a daqueles queentram em atividade noite, pois o campeiro anda durante o dia. H, pois, uma classificao de animais segundo a etapado dia em que esto em atividade. O caador deve tambm evitar comer carne de animais espantadios, pois seno oveado se torna igualmente espantadio. Por conseguinte, percebe-se a existncia de uma outra classificao de animaisem calmos e espantadios4]. Neste aspecto a magia um ato organizado, intencional e utilitrio.

    Compreender os conceitos sobre magia torna-se importante para analisarmos os processos mgicos. O conceito de

    magia deve ser compreendido como uma instituio baseada na crena da fora sobrenatural regulada pela tradio deprticas, ritos e cerimnias que se apela para as foras ocultas e se procura alcanar o domnio do homem sobre anatureza. J o perfil da magia nos mostra que a mesma em geral impessoal, repetitiva, manipulvel e tem implicaessociais sendo tambm cerimonial. Ela pode ser produzida ou simplesmente possuda ou comprada como um amuleto outalism5].

    Em 1891 Codrington dissertou sobre o elemento invisvel Mana e o definiu como sendo uma foraimpessoal que est sempre ligada a uma pessoa que dirige esta fora6]. Mana, portanto, provavelmente omelhor termo que temos antropologicamente para definir a enorme variedade de foras e poderes manipulveis pelohomem e expressos atravs de distintos termos. Os iroqueses o designam de wokonda, os algonkis demanitu. Os pigmeus africanos de megbe e os bantus de ndoki. Mana podeser bom ou ruim, com graus distintos e variados de controle do homem sobre esta fora. O mana de uma

    lana, afirma Kaser, definido pelo fato de ela atingir o alvo com maior freqncia do que outras lanas, ouporque ela mata peixes maiores7]. Desta forma podemos concluir que o conceito de mana estna raiz do processo antropolgico designado como magia, a manipulao de elementos (que so cobertos porfora) impessoais de forma a causarem um efeito extraordinrio. Portanto de certa forma a magiacentraliza-se no homem e seus desejos o servindo.Os elementos da magiaPensemos sobre os elementos da magia. Alguns elementos claros iro ajudar-nos a identific-la e analis-la em suaforma apresentvel. O primeiro elemento da magia o pensamento, ou a crena. No caso a crena da existncia e presena de uma forasobrenatural manipulvel. Seja ela uma forma impessoal, mecnica, ou mesmo uma fora pessoal espiritual que possa

    ser manipulada atravs de elementos mecnicos e visveis. Em culturas animistas a clara percepo de que o mundonatural animado pelo sobrenatural cria, em si, as condies ideais para a prtica mgica. No devemos, porm,reduzir a prtica da magia apenas a ambientes onde haja uma crena organizada do sobrenatural. Muitas vezes a foramanipulada desconhecida, ou pouco explicada, sendo que a concentrao do esforo da magia no se d nosobrenatural mas sim na forma de manipula-lo atravs do mundo natural. Entendemos, assim, a natureza humana,manipulvel e utilitria da magia.O segundo elemento o indivduo. Pode ser nomeado de mgico, feiticeiro, xam e assim por diante. , porm, aqueleque (com ou sem ttulos de reconhecimento desta prtica) coordena o ato mgico. Em culturas hierarquizadasfacilmente encontraremos pessoas especficas com tal habilidade e responsabilidade. O chamaremos aqui demgico. Em culturas, acfalas, a magia horizontalizada, praticada por quase todos. Mesmo aquelesque no a praticam, no detm o conhecimento ou habilidade, podem chegar a tal estgio sendo que ela acessvel eno uma especialidade. Eliade e Mauss defendem que a categoria de feiticeiro, personagem que controla

    ou prope o ato mgico, distinguvel, ou seja, no feiticeiro quem quer. Seriam pessoas com particularidades deparentesco ou definio clnica, ou com habilidades especiais, ou que foram treinadas, ou iniciadas, nesta arte poroutros8] Em minha observao esta uma avaliao aplicvel apenas a certos padres culturais, mais hierarquizados. Detoda forma, independente da configurao restritiva do coordenador do ato mgico, a ele se confere certascaractersticas. Normalmente uma pessoa reconhecida de possuir tal poder, habilidade ou conhecimento. Tambm sededica, entre outras coisas, de forma especial prtica da magia, sendo procurado para tal pela comunidade. Pode seridentificado a partir da idade (o velho) ou de algum defeito fsico permanente. Quanto maior o mistrio a respeito doindivduo que pratica a magia maior seu poder de encantamento perante a populao. Por vezes pode estar associado auma funo na sociedade. Entre os Ashante9] de Gana o guardio de cerimnias religiosas da famlia real tambm oresponsvel pelo ato mgico. Entre os Konkombas os mgicos so os que foram iniciados esta arte,por escolha de outros que j a praticam. O terceiro elemento a preparao. A magia, e o indivduo que a pratica, demanda certa preparao especfica. A escolhados objetos, sua separao e preparo, bem como o preparo do prprio indivduo, normalmente revendo seu conhecimentoou buscando entrar em transe afim de potencializar sua habilidade, ou ainda atravs de invocaes e jejum, so atosnormalmente encontrados na prtica da magia. Entre os Tariano do Alto Rio Negro a prtica de magias de proteo temincio com a preparao dos elementos, de certas pedras e folhas que so separadas a fim de se gerar fumaa que possapurificar e proteger as pessoas que passem por esta cerimnia. Pensando no perfil simptico (com base na semelhana)

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    da magia normal que os elementos separadas, ou coletados, sejam prximos, semelhantes, parecidos, com aqueleque alvo da magia. O uso da fumaa est associada purificao e proteo em atos mgicos, em diversas culturas,devido sua forma fluida, disforme, semelhante ao esprito. Assim quando o Tariano a utiliza para benzer, proteger oucurar, uma certa criana que h muito est doente, a associao da fumaa com a vida, com seu esprito, clara. Outroselementos tambm podem estar associados fora da vida e serem usados com este fim devido sua semelhana. Agua, terra, ar, fogo, fumaa, sopro, raiz e casca de rvores so os elementos mais comuns associados fora da vida.Estes so, portanto, elementos universais. H tambm os elementos particulares. Neste caso a magia se d atravsde representaes que demandam algo que se parea com o alvo mgico, de forma objetiva. Entre os Ewe de Gana uma

    mecha de cabelo o elemento primordial para o preparo de magia, seja branca ou negra. Entre os Konkombas unhas ea gua do rio onde algum de banhou10] Entre os Aborgines, as marcas da mo na terra, que so coletadas (a terra) eseparadas para o ato mgico. Tais elementos passam por um preparo que os espiritualiza. Passam arepresentar seus alvos (pessoas, famlias, comunidades, iniciativas como uma caada, projetos sociais e assim pordiante) e o trato que lhes for dado resultar (causando assim efeito) no alvo11]. O preparo, porm, nose restringe aos elementos coletados ou ao indivduo que os manipular. Pode tambm abranger o local onde sedesenvolver o rito mgico, preparando-o de forma especfica, e prpria pessoa que encomendou a magia oucomunidade que dela se beneficiar.O quarto elemento o rito mgico. Este rito possui, em geral, uma forma esttica de desenvolvimento. Possui umaordem, um trato especfico nos elementos manipulados que no mudam. Se h atos de invocao estestambm so sempre os mesmos. Desta forma os elementos de invocao como a msica, instrumentos musicais,cnticos, dana, roupa e ornamentos, os elementos de processo como pedras, raizes, folhas e os elementos simpticos

    como mechas de cabelo, unhas, roupas, gua do banho etc, seguem um padro preconcebido de coleta, preparo e rito.O rito mgico possui normalmente uma forma elaborada de se processar. Quando os Konkombas manipulam a guado rio onde uma pessoa se banhou a fim de causar-lhe mal, isto se d em um ambiente preparado para esta finalidade,debaixo de uma rvore de Itooh de folhas frondosas, durante noite clara com boa lua, em lugar distante da comunidadeonde os atos invocatrios no so ouvidos e o nome da pessoa alvo da magia repetido diversas vezes de formagenrica (nome do seu cl), nunca da pessoa em particular. Portanto claro apenas para poucas pessoas quem estsendo alvo daquela prtica mgica. A gua do rio, neste caso, colocada dentro de uma cabaa e neste momento,aps atos invocatrios e arrumao dos elementos manipulveis (gua, cabaa, rvore frondosa, palavras,nomes etc) a mistura de terra com a gua (que representa a fora da vida) produziria obstculo sobre sua vida,tornando aquela pessoa pesada, com movimentos curtos e mais lentos visto ser a terra mais pesada quea gua. A mistura de sangue com a gua produziria cortes, arranhes, infeces e at mesmo hemorragias. As vezesassociado tambm a quedas e fraturas. A mistura de saliva com gua produziria relacionamentos partidos,enfermidades internas ou muito comumente incesto sendo que a saliva a parte impura do corpo, que deve ser

    colocada para fora e no para dentro12]. Estes elementos, e seus resultados, porm, podem conter ainda significados claros de associao (terra, sangue, saliva)ou simplesmente estarem cobertos pela tradio da prtica mgica. Neste segundo caso so utilizados e cridos porma associao original dada pelos pais j foi perdida. De toda forma certo pensar que boa parte dos atos mgicospossuem, em sua origem, uma forma simptica (de associao e semelhana) com o alvo da magia. Em todo atomgico, aberto ou fechado, seus participantes podero apontar, portanto, os resultados esperados. As categorias da magiaPodemos categorizar a magia como branca, negra, simptica, alegrica e imitativa.Branca, que produz ou colabora com a cura, proteo e prosperidade. A magia branca uma prtica que visa o

    benefcio, sobretudo, do manipulador dos elementos, ou algum a quem serve momentaneamente, de forma objetiva.Est normalmente associada a uma magia voluntria, solicitada pelo que a necessita. Os processos de magia brancacomunitrios atravs de benzimento so sempre abertos e coletivos. Possui tambm uma caracterstica abrangenteno apenas atuando no problema em si mas em suas reas de abrangncia. Quando os Tariano, por exemplo,realizam o ato mgico de benzimento buscando proteo e cura para a comunidade, estes permitem que a fumaatambm seja ventilada para o rio prximo, para purificao do ambiente, demonstrando a no percepo exata da causa dosmales. No raramente, aps o benzimento que objetiva a cura ou proteo, comenta-se que o rio tambm lhes deu maispeixes mostrando um fator importante no processo da magia em grupos animistas: a conexo entre os elementos davida. Ao passo que uma cultura ocidental urbanizada v os atos da vida, seus conflitos e solues com um arquivo, compastas separadas e catalogadas, um grupo animista os v como um cesto, um atur, cujas fibras se entrelaam semque se saiba exatamente onde comeam ou terminam.Como magia branca simples e domstica podemos exemplificar os Quchuas que organizam ossos de lhama atrsdas portas de suas casas, em ordem e tamanho especficos, a fim de proporcionar abundncia naquele lar. Hnecessidade de conhecimento especfico dos elementos e sua manipulao; conhecimento este passado dos velhos paraos novos. Neste caso uma magia aberta, comunitria, visto que todos podem observ-la, aprend-la e pratic-la. Negra, temida por trazer destruio e morte.Pode ser praticada pelo homem mgico ou feiticeiro, ou pela categoria rara

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    de bruxo. Normalmente a magia negra mais especializada e restritiva, sendo que apenas alguns podem aprend-laou realiz-la. Em alguns casos pode ser herdada. aprendida a partir de uma iniciativa pontual, iniciando-se o jovem arte de tal magia pelo velho, que j a pratica. O bruxo, antropologicamente, usaremos aqui para designar a figurareclusa de um homem, ou mulher, que se aperfeioa na arte de dominar, matar ou destruir a partir de atos mgicos ouinvocatrios, portanto no se resume apenas prtica mgica. recorrente a crena de que h uma ligao entre a prticade magia negra e o desenvolvimento de problemas fsicos naqueles que a praticam. Entre os Konkombas de Gana a magia negra praticada pelo feiticeiro que acumula a funo de guardio dos fetiches. A

    proximidade com os fetiches homologa seu conhecimento, que emprico e no herdado ou aprendido. A utilizao dosangue derramado de forma especfica dentro de uma cabaa, em proporcional mistura com gua e terra (onde est afora da vida na fase infantil enquanto a gua a concentra na fase adulta) necessrio para a prtica desta magiaque pode causar enfermidade, desolao, morte ou desencanto com a vida. O sangue, assim, seria um elemento isoladoe especfico para a magia negra, no sendo utilizado para finalidades de cura e proteo. O perfil simptico, semelhante,da magia tambm encontrado na magia negra. Uma mecha de cabelo, portanto, que pode ser manipulada com ainteno de produzir prosperidade na pessoa alvo que encomenda a magia pode ser igualmente utilizada para amanipulao de elementos (com outras variaes) a fim de causar enfermidade ou morte em seu dono. Por este motivofreqentemente encontramos, em agrupamentos animistas, um cuidado zeloso na proteo de partes do corpo que podemser mais facilmente coletadas como cabelo e unhas. So muitas vezes guardados cuidadosamente e depoisdescartados em lugares distantes.Imitativa, referente a amor e dio e um exemplo clssico o wodu que imita o objeto alvo sendo porm bem mais

    extensa do que percebemos na forma como se tornou mais conhecida. No Haiti a magia imitativa popularizadaatravs de bonecos feitos e manipulados, com forma das pessoas que desejam atingir. No caso do vodu serianecessrio que houvesse algum elemento pertencente a esta pessoa, em um ambiente propcio para o ato mgico. Ese cr que, havendo semelhana suficiente entre o boneco e a pessoa, dentro de uma manipulao preconcebida eaprendida, os atos realizados com o boneco (manipulao) se refletiro na pessoa que o boneco representa. Uma dassuas variveis seria a imitao de roas, casas, ambientes naturais etc. Como o roubo de um elemento representador(arroz, da roa que deseja atingir, por exemplo) levando-o para casa ou para um local especfico e manipulando-o. Nestecaso poderia ser queimadoa fim de se obter a queima daquela roa e perda da produo. Simptica que trata da fertilidade, proteo e paixo. De forma geral pressupe-se que toda magia simptica, pormutilizamos aqui o termo para designar as iniciativas mgicas usadas para procriao, proteo e paixo, como a branca eimitativa mas com a caracterstica de serem atos abertos e no velados, disponvel para compra ou prtica, de formasimples e comunitria. Est associada a tabus e talisms e se prope a controlar o acaso e no produzir um fim

    especfico. No Brasil poderamos classificar como magia simptica a utilizao de branco como roupa de ano novoproduzindo felicidade e fartura, o uso de fitas do senhor do Bonfim nos pulsos para proteo. So chamadaspopularmente de simpatias. Alegrica, produtoras de ganhos e perdas, com elementos especficos que em determinadas situaes podem produzirganhos e, em sua ausncia, prejuzos,como a gua benta vendida em algumas igrejas. Assemelha-se imitativae amais forte diferena seria a crena. Enquanto a primeira est mais associada ao acaso, a foras indefinidas, a segundaest associada a foras pessoais definidas como invocaes, profecias e vises. Entre os Aborgines da Austrlia o sonhomanifesta elementos que podem ser utilizados na magia. Neste caso a magia no um ato produzido mas sim umacontecimento, resultado do poder e desejo do divino para um indivduo que sonha o sagrado. Desta forma o sonho em si um processo mgico, com efeito sobrenatural, com participao, mesmo que inconsciente, do praticante ousonhador. O relato de que o sonho alegoriza a vida, e os acontecimentos do sonho se revelariam na vida cotidiana trazesta poro alegrica magia encontrada tambm em diversas outras sociedades.

    ConclusoPor fim gostaria de mencionar a conexo entre os elementos e formas de prtica mgica. Os problemas estorelacionados com as solues. Os ambientes com os indivduos que praticam a magia. Os objetos utilizados na magia serelacionam com os que a encomendam ou so alvos da mesma. A forma de pratic-la se relaciona com o resultado aser produzido. A tcnica com a pessoa que manipula os elementos e assim por diante.Isto demonstra que, primeiramente, a magia um ato social central nas culturas que a praticam de forma abrangente.Assim torna-se relevante, especialmente para o pesquisador, observar a prtica mgica como sendo uma pista para ocentro da religiosidade do povo. Em segundo lugar por sua abrangente prtica em contexto animista. Isto se explicapelo fato do animismo j produzir, em si, a plataforma de idia do sobrenatural sobre o natural, propcio magia. Magiastambm esto presentes em atos invocatrios coletivos e organizados, clticos, como pajelanas, e assim no devemosreduzi-la apenas a ambientes de foras puramente mecnicas, impessoais. Em terceiro lugar por sua caractersticautilitria. Como se prope a organizar a vida, e solucionar possveis problemas, a magia um ato religioso e socialregulador. Este talvez seja o principal motivo que a faa to popularizada, temida e utilizada.

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    [1] Ver Malinovksy - Magia, Cincia e Religio. Lisboa: Edies 70.[2] Eliade, M, 1958, Rites and Symbols of Initiation, New York: Harper and Row.[3] Ver Radcliffe-Brown, A R, 1952, Structure and Function in Primitive Society, London: Cohen and West.

    [4] Julio Melatti - Publicado em 1975 no Informativo FUNAI, ano IV, n 14, pp. 13-20[5] A diferena normalmente aceita entre amuleto e talism que o primeiro serve para afastar desgraas enquanto osegundo atrai a sorte.[6] Codrington, R. H. The Melanesians. Studies in their anthropology[7] Kaser, Lothar Diferentes Culturas: Uma introduo a etnologia Editora Descoberta

    [8] Eliade, Mircea - Imagens e Smbolos Ensaio Sobre o Simbolismo Mgico - religioso. So Paulo: MartinsFontes, 2002[9] Ver Evans-Pritchard, E. E, 1937, Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande, London: OxfordUniversity Press[10] Ver o artigo Religous Phenomenology among the Konkomba People of Ghana - Ronaldo Lidrio [11] Ver Esboo de uma teoria geral da magia, de Marcel Mauss, Edies 70

    [12] Cultural identity and religious phenomenology The impact of the gospel in a Konkomba worldview.Dissertao em Etnologia 2001. Ronaldo Lidrio

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