A Pratica Da Mediacao Em Contexto Judiciario

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Versão de 11 de agosto de 2011 – página 1 A prática da Mediação em contexto Judiciário: Busca de Meios Adequados de Resolução de Disputas. Introdução: a adequação dos meios A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, ao acrescentar o inciso LXXVIII 1 à Declaração de Direitos, estabelece como garantia fundamental o direto à razoável duração do processo, trazendo o princípio da eficiência como um dos norteadores da atividade judicial. Em nosso País temos aceitavelmente bem resolvido o problema do acesso à Justiça, quer seja através de uma Defensoria Pública estruturada na maioria dos Estados, quer seja através da disciplina legislativa das ações coletivas, com uma rede ampla de legitimados, quer seja, ainda, por meio do Sistema dos Juizados Especiais, capilarizado nas diversas unidades da Federação. Assim, o foco de preocupação atual deve se dirigir à saída do aparelho Judiciário, não só sob o ângulo da duração do processo, mas também sob o ângulo da utilidade do produto fornecido pela atividade judiciária. Dentro do conceito de “razoável duração do processo” e de acesso aos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação” resta presente a noção de que não só está garantido o acesso ao socorro judicial, mas ao socorro judicial em tempo oportuno à natureza do conflito e com o uso do meio mais adequado às suas características intrínsecas. A garantia trazida pela Emenda 45 não se limita à questão da eficiência. Vai além e exige eficácia da resposta fornecida pelo Estado Juiz 2 . Em seu discurso de posse na Presidência do STF 3 , o Ministro Cézar Peluso ressaltou a "crescente perda de credibilidade" da Justiça brasileira 1 LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 2 Eficiência e eficácia dentro dos conceitos de Peter Drucker - eficiência consiste em fazer certos as coisas; eficácia, em fazer as coisas certas 3 Folha on line, 23/04/2010, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u725280.shtml

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Mediação de Conflitos - prática Judicial

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    A p r t i c a d a M e d i a o e m c o n t e x t o J u d i c i r i o : B u s c a d e M e i o s A d e q u a d o s d e R e s o l u o d e D i s p u t a s .

    Introduo: a adequao dos meios

    A Emenda Constitucional n 45, de 30 de dezembro de 2004, ao

    acrescentar o inciso LXXVIII1 Declarao de Direitos, estabelece como

    garantia fundamental o direto razovel durao do processo, trazendo o

    princpio da eficincia como um dos norteadores da atividade judicial.

    Em nosso Pas temos aceitavelmente bem resolvido o problema do

    acesso Justia, quer seja atravs de uma Defensoria Pblica estruturada

    na maioria dos Estados, quer seja atravs da disciplina legislativa das

    aes coletivas, com uma rede ampla de legitimados, quer seja, ainda, por

    meio do Sistema dos Juizados Especiais, capilarizado nas diversas unidades

    da Federao.

    Assim, o foco de preocupao atual deve se dirigir sada do

    aparelho Judicirio, no s sob o ngulo da durao do processo, mas

    tambm sob o ngulo da utilidade do produto fornecido pela atividade

    judiciria.

    Dentro do conceito de razovel durao do processo e de acesso

    aos meios que garantam a celeridade de sua tramitao resta presente a

    noo de que no s est garantido o acesso ao socorro judicial, mas ao

    socorro judicial em tempo oportuno natureza do conflito e com o uso do

    meio mais adequado s suas caractersticas intrnsecas.

    A garantia trazida pela Emenda 45 no se limita questo da

    eficincia. Vai alm e exige eficcia da resposta fornecida pelo Estado

    Juiz2.

    Em seu discurso de posse na Presidncia do STF3, o Ministro Czar

    Peluso ressaltou a "crescente perda de credibilidade" da Justia brasileira

    1 LXXVIII - a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo

    e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao. 2 Eficincia e eficcia dentro dos conceitos de Peter Drucker - eficincia consiste em fazer certos as

    coisas; eficcia, em fazer as coisas certas 3 Folha on line, 23/04/2010, disponvel em

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u725280.shtml

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    em razo da lentido, que, segundo suas palavras "decorre de falta de

    uma poltica pblica menos ortodoxa em relao ao tratamento dos

    conflitos".

    A oposio tradicional entre meios judiciais de composio de litgios

    e meios alternativos no se mostra mais satisfatria. A prpria noo de

    alternatividade gera a presuno de que um meio exclui o outro, ao passo

    que longe de serem excludentes eles so complementares.

    Essa oposio tradicional pensa a composio dos litgios sob o

    ponto de vista de seu administrador, do prestador do servio de

    composio e no sob o enfoque do usurio do sistema. Busca solues

    para o problema judicirio a partir das necessidades do sistema, no dos

    seus usurios.

    Isso gera o desconforto de se pensar o meio alternativo como uma

    soluo para o problema judicirio, quer como um escape para o nmero

    excessivo de demandas em cotejo com a capacidade de ger-las

    eficazmente, quer como meio de atendimento de demandas de uma

    populao excluda do sistema principal, relegando aos meios

    autocompositivos o papel de arremedo de justia.

    Prope-se ento um enfoque com base na adequao do

    instrumento de resposta ao conflito, centrado no interesse do usurio do

    sistema e no no interesse da administrao. Uma forma de soluo no

    melhor ou pior do que a outra intrinsecamente. Ela ser melhor ou pior de

    acordo com as peculiaridades do conflito e sua forma de administrao.

    No se pode repelir uma demanda com o argumento de que seria

    pequena ou inexpressiva para ocupar a mquina estatal

    heterocompositiva, destinada aos grandes litgios. Pode haver pequenas

    demandas que exijam a interveno estatal heterocompositiva de fora.

    Por outro lado, o direito de acesso Justia direito fundamental do

    homem e o valor econmico ou humano em jogo no pode ser fator

    determinante para a escolha da resposta do Estado-Juiz.

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    Na Resoluo n 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho

    Nacional de Justia (CNJ)4, esta idia j se acha presente, desde a sua

    ementa, que dispe sobre a Poltica Judiciria Nacional de tratamento

    adequado dos conflitos de interesses no mbito do Poder Judicirio.

    Como se v a poltica regulamentada de tratamento adequado, no

    alternativo, das demandas5.

    Assim, tambm a autocomposio mtodo tradicional de

    resoluo judicial de conflitos, coexistindo as diversas formas de soluo

    de demandas como formas judiciais, quer outorgada verticalmente pelo

    estado-juiz (como monoplio) quer estabelecida horizontalmente pelos

    envolvidos, dentro do espao judicirio, atravs de profissionais do

    dilogo.

    Analisando-se a questo sob o enfoque da adequao, quanto aos

    limites da demanda, na justia heterocompositiva foroso restringir o

    conceito de lide. A necessidade de estruturao da defesa frente

    pretenso manifestada torna necessrio que no momento de sua oferta, a

    querela se cristalize em seus limites objetivos. No se olvide que em

    contraposio garantia fundamental de se pedir a jurisdio est a no

    menos importante garantia fundamental de ampla defesa (resistncia ao

    pedido). So as duas faces do princpio de acesso Justia.

    Desta forma, ao disparar sua pretenso deve o requerente manejar

    todas as armas que possui, uma vez que o princpio de ampla defesa veda

    a surpresa no processo adversarial6. Como conseqncia lgica de tal

    princpio tem-se o acirramento de posies, pedidos excessivos, atribuio

    de culpa, descolamento de reais interesses.

    4 Disponvel em http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/resolucao-n-

    125. Acesso em 11/07/2011 5 4 Consideranda: CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judicirio estabelecer poltica pblica de

    tratamento adequado dos problemas jurdicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em mbito nacional, no somente os servios prestados nos processos judiciais, como tambm os que possam s-lo mediante outros mecanismos de soluo de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediao e a conciliao; 6 Num processo formal, instaurado sob a garantia do contraditrio, o autor deve expor todos os

    argumentos que sustentam o seu direito na petio inicial, bem como indicar as provas que pretende produzir. Depois de constituda a relao processual no pode, sem a concordncia do ru, formular novos pedidos. Da mesma forma, na pea de bloqueio deve o ru rechaar todas as alegaes do autor, e indicar as provas que contrapor. Isso leva a que se formule pedidos alm do necessrio e se formule resposta acima do razovel, para, no processo dialtico, se chegar a uma soluo mais satisfatria.

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    o conceito legal trazido no CPC no art. 219: A citao vlida torna

    prevento o juzo, induz litispendncia e faz litigiosa a coisa7.

    J na justia autocompositiva, a fluidez do meio empregado favorece

    a construo continuada do objeto da disputa, sob o aspecto objetivo e

    sob o aspecto subjetivo. O foco se faz nos interesses, que podem ser

    alterados e descobertos pelas partes durante o processo de construo da

    soluo pactuada, sendo de todo pertinente invocar o conceito de conflito

    positivo de Morton Deutsch.

    A noo de conflito muito mais complexa do que o conceito de

    lide8. O conflito existe onde quer que a idia de incompatibilidade ocorra,

    sem a necessidade da oposio de objetivos9. Competio ou disputa

    implica em oposio de meios ou de objetivos. Entre competidores o

    ganho para um acarreta na perda para o outro. No conflito pode haver

    identidade de objetivos, sendo prejudicada a percepo desta

    convergncia pela atribuio de significados divergentes s pretenses

    manifestas das pessoas envolvidas ou pela dissonncia com relao aos

    meios para alcanar esses objetivos.

    Por exemplo, na divergncia de pais sobre a orientao escolar dos

    filhos: H identidade de objetivos o melhor rendimento escolar, o

    melhor aproveitamento dos recursos disponveis para a educao mas

    h conflito com relao aos meios utilizados para tal. Se no houver clara

    percepo dos objetivos convergentes, este conflito poder assumir feio

    negativa, gerando at mesmo competio quando da negociao das

    diferenas entre esses pais no que tange aos meios que utilizaro para

    darem conta do objetivo comum. Esse exemplo nos ajuda a entender a

    idia de Morton Deutsch quando afirma que os conflitos no so

    construtivos ou destrutivos em si, mas que resultados construtivos ou

    destrutivos advm dos meios que utilizamos para resolv-los. Seriam

    construtivos os meios que permitem a compatibilizao de

    interesses/necessidades/valores, reformulam questes frente a impasses,

    7 Brasil, Cdigo de Processo Civil, disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm.

    Acesso em 11/07/2011. Com a citao o pedido de cristaliza e nem mesmo pode haver desistncia dele sem a concordncia do ru. 8 Pretenso resistida

    9 Morton Deutsch. The resolution of conflict - constructive and destructive processes. Yale University,

    1973

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    fortalecem a relao social pr-existente, robustecem o conhecimento

    mtuo e a empatia, resolvem as questes prospectivamente sem

    atribuio de culpa. Seriam destrutivas as condutas que enfraquecem ou

    promovem a ruptura da relao social pr-existente, favorecem a escalada

    do conflito/discordncia, usam a competitividade para gerar solues e

    acentuam a animosidade.

    Assim que, autores como Josep Retorda consideram problemtica a

    definio de conflito em funo de suas diferentes naturezas poder,

    valores, identidade, expectativas, interesses, dentre outros norteadores;

    alm das categorizaes que mencionam os de naturezas intra-

    psiquica,interpessoal e inter-grupal.

    Transpostas as dificuldades iniciais da formulao de conceitos que

    generalizam o que pode ser particular, podemos dizer que o conflito se

    estabelece quando uma diferena de interesses percebida como

    inconcilivel ou uma crena de que aspiraes no podem ser alcanadas

    simultaneamente erigida10. Essa idia nos remete a de que o conflito se

    manifesta, invariavelmente, na interao, na relao social.

    Ainda exemplificando, na esfera penal, o crime de ameaa (litgio

    aparente) ocorrido durante a visitao dos filhos do ex-casal, pode

    traduzir o desacerto (conflito latente) na reorganizao da convivncia

    familiar. Esse conflito real ultrapassa os limites objetivos da lide penal (art.

    147 do Cdigo Penal crime de ameaa), e pode at mesmo ultrapassar

    os limites subjetivos da demanda criminal (quando, por exemplo, a

    ameaa ocorre entre a me dos menores e a atual companheira do pai,

    que no so, do ponto de vista do direito positivo, partes legtimas para

    figurarem em um processo tradicional sobre visitao). Por mais paradoxal

    que possa parecer, este conflito pode ser positivo, se, uma vez libertado

    das amarras tradicionais do processo penal, for tratado alm de seus

    limites objetivos e subjetivos.

    Essa transformao do conflito penal em conflito positivo no

    possvel dentro do espao tradicional da Justia, que visa to somente a

    imposio de pena (se foca na culpa), em retribuio pelo mal praticado.

    10

    Josep Redorta: : Cmo analisar los conflictos la tipologa de conflictos como herramienta de mediacin Barcelona: Editora Paids, 2004.

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    Ela s possvel no espao privilegiado do Juizado Especial, dentro da

    viso de justia restaurativa11.

    A adequao da resposta penal negociada evidente.

    Sob outros aspectos, ainda, cabe o exame da adequao.

    Como a demanda no processo adversarial se prende no tempo a um

    pedido formulado no passado e uma resistncia oposta tambm no

    pretrito, na medida em que a relao interpessoal evoluir (positiva ou

    negativamente) a soluo a ser apresentada tambm se distanciar da

    real necessidade das partes e refletir situao passada.

    O princpio da incerteza de Heisenberg poderia assim ser aplicado

    justia heterocompositiva: Segundo o princpio da incerteza, no se pode

    conhecer com preciso absoluta a posio ou o momento (e, portanto, a

    velocidade) de uma partcula. Isto acontece porque para medir qualquer

    um desses valores acabamos os alterando, e isto no uma questo de

    medio, mas sim de fsica quntica e da natureza das partculas12.

    11

    Renato Scrates Gomes Pinto, no artigo Justia Restaurativa possvel no Brasil?, enfrenta o tema nos seguintes termos: A Justia Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso, em que a vtima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construo de solues para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime. Trata-se de um processo estritamente voluntrio, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaos comunitrios, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenrio judicirio, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores e podendo ser utilizadas tcnicas de mediao, conciliao e transao para se alcanar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegrao social da vtima e do infrator (SCRATES GOMES PINTO, Renato (2005). Justia Restaurativa Possvel no Brasil? IN, Slakmon, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justia Restaurativa (Braslia DF: Ministrio da Justia e Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento - PNUD). 19-39., disponvel em http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/Livro%20Justi%E7a%20restaurativa.pdf. Acesso em 07.02.08). 12

    A visualizao de um eltron se d quando um fton emitido por este eltron detectado (digamos, pela retina do observador). Lance-se, por exemplo, um feixe de ftons de comprimento de onda L em direo regio onde se encontra o eltron. O fton que com ele colidir ser refletido (absorvido e reemitido) e sua deteco nos informar sobre a posio do eltron. Naturalmente, um fton de comprimento de onda L no pode determinar a posio do eltron com preciso maior do que L. Seria de se pensar, portanto, que a utilizao de um fton de comprimento de onda menor fornecesse informaes mais completas. Sabe-se, porm, que a quantidade de movimento de um fton inversamente proporciona ao seu comprimento de onda. Logo, ao usarmos ftons de menor comprimento de onda para aprimorarmos a medida da posio do eltron, estaremos automaticamente usando ftons de maior quantidade de movimento que, ao serem refletido pelo eltron, transferiro a ele uma quantidade de movimento tanto maior quanto menor for o comprimento de onda. Assim, ao aprimorarmos a determinao da posio do eltron, estaremos alterando o valor de sua quantidade de movimento por um valor que tanto maior quanto mais precisa for a determinao da posio. Uma anlise mais detalhada mostra que o valor desta transferncia de momento incontrolvel. Ora, a

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    O direito tradicionalmente encarado como uma cincia da esttica,

    da estabilizao das relaes humanas. Julga, quando utiliza de padres

    tradicionais, uma situao passada, congelada em um momento histrico

    e criptografada em uma pea chamada de petio inicial, que coloca

    limites ao conflito humano, objetivos (tempo e extenso) e subjetivos

    (traduo do conflito atravs de um terceiro).

    Todavia o conflito no esttico. To logo ele reduzido a termo e a

    resposta (resistncia) posta no processo judicial, cristalizando os limites

    da lide processual, ele se torna parte do passado, e dificilmente a resposta

    judicial outorgada poder restabelecer o real interesse em jogo.

    Como a resposta judicial heterocompositiva no poder se afastar

    dos limites estabelecidos pelo binmio querela+resistncia, esta ser

    desfocada da realidade existente no momento histrico de sua prolao e

    mais ainda de sua materializao atravs da execuo.

    Ao reverso, na resposta judicial autocompositiva como os pedidos

    podem ser formulados no curso da busca da soluo, o limitador temporal

    pode ser descartado quando da soluo construda pelas partes.

    Observada tal diferena, ainda sob o ngulo da adequao, pode se

    estabelecer como primeira concluso a pertinncia da autocomposio

    para conflitos que envolvam relaes continuadas, onde a prpria

    dinmica da relao tornaria obsoleta a deciso ditada por terceiro no

    momento de sua prolao, porque descolada da realidade atual das

    partes.

    Neste tipo de relaes a situao de fato que embasou o conflito

    forosamente diferente no momento da deciso adjudicada, por mais

    clere que ela seja. Para esses casos, muito embora o processo judicial

    clere possa ser eficiente, raramente ser eficaz, j que a jurisdio ter

    que ser prestada com olhos para o passado.

    A prpria forma de prestao entregue tradicionalmente pelo juiz

    gera o imobilismo. A ordem emanada de um terceiro pode estabilizar

    trajetria de uma partcula determinada pelo conhecimento, em um dado instante, da posio e da velocidade da partcula. A impossibilidade desse duplo conhecimento acarreta automaticamente a impossibilidade de determinao da trajetria. No h trajetrias na mecnica Quntica !

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    relaes, mas criar a dependncia de outras ordens a intervir nesta

    relao13.

    Na terceirizao da deciso cria-se um crculo vicioso de

    dependncia, que estimula a dependncia cada vez maior da interveno

    de terceiros na resoluo dos litgios do dia a dia.

    Tambm sob o ngulo dos participantes do conflito necessrio o

    exame da adequao. A questo aqui no se prende mero exame de

    capacidade civil. Vai alm, envolvendo capacidade cognitiva, capacidade

    emocional, capacidade volitiva.

    A justia negocial depende de paridade de armas. Onde houver

    relao de sujeio torna-se necessria a medida de fora para

    reequilibrar a relao, antes de possibilitar at mesmo a abertura de

    espao para retomar o pleno exerccio da manifestao da vontade.

    Bem por isso devem ser cuidadosamente pensadas as intervenes

    legislativas que cassam de maneira absoluta o espao de autocomposio,

    como por exemplo, a Lei Maria da Penha. Diante de legislao de exceo

    deve haver interpretao conforme a constituio possibilitando entender

    a violncia domstica como um conceito sociolgico e no jurdico,

    permitindo que na relao domstica e familiar onde no exista sujeio

    da mulher pelo homem tenha vez a justia negocial.

    A adequao tambm pode ter limites em regras legais. Dentro de

    seu poder discricionrio o legislador pode estabelecer situaes ou grupos

    sociais que, pelos valores jurdicos ou sociais envolvidos ou por sua

    vulnerabilidade estejam excludos da possibilidade de autocomposio,

    mesmo que por todos os outros critrios seja este o instrumento

    adequado.

    Em termos penais, por exemplo, o limitador estabelecido pelo

    legislador o da quantidade de pena, independentemente da gravidade

    ou ofensividade social do ilcito:

    A questo pode ser representada graficamente:

    13

    Dificilmente um processo com soluo heterocompositiva tem sua deciso final cumprida voluntariamente. Ela demandar um processo de execuo, e novas aes para adequar a deciso s mudanas fticas trazidas pelo tempo.

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    No campo civil, alguns direitos so considerados indisponveis, e por

    isso excludos da autocomposio.

    Assim, em apertada sntese poderia se visualizar o seguinte quadro

    de diferenas:

    JUSTIA HETEROCOMPOSITIVA JUSTIA AUTOCOMPOSITIVA

    Conceitos restritivo de lide: conflito de interesses qualificado por uma pretenso resistida (Carnelutti). Garantias constitucionais de contraditrio e ampla defesa

    Conceito amplo de conflito: o elemento motor da dinmica social (Marx) a servio da melhora da posio social no jogo das contradies socioeconmicas, culturais e simblicas14. Conflito positivo e produtivo, ou negativo e destrutivo (Morton Deutsch)

    Princpio da eventualidade (precluso) pedidos excessivos15

    Pedido refletindo real interesse das partes

    Foco no pedido Foco nos interesses e sentimentos

    Prevalncia do interesse pblico Prevalncia do interesse privado

    Viso retrospectiva Viso prospectiva

    Estabilizao Movimento

    Estabelecimento de culpa Estabelecimento de responsabilidade

    Resultado: composio da lide nos limites propostos

    Resultados: justia negociada, de consenso ou reparadora

    Indiferena do Estado quanto s necessidades da comunidade afetadas

    Incluso da comunidade afetada

    Indiferena do Estado quanto mudana de cultura

    Compromisso com a mudana cultural

    Dissuaso Persuaso

    Ausncia de autonomia Autonomia da vontade

    Linguagem hermtica ritualstica Linguagem acessvel

    Publicidade Confidencialidade

    14

    MICHIT, Robert e COMON, Thierry, Conflit Comprendere et Pouvoir Agir. Chronique Sociale: Lyon, 2005, p. 24. 15

    O pedido que no constar da petio inicial no poder ser tratado no processo.

    CRIMES CRIME ORGANIZADO

    CRIMES SUJEITOS A SUSPENSO

    QUANTIDADE DA PENA E TIPO DE DELITO

    ART. 89

    CRIMES SUJEITOS A SUBSTITUIO DE PENA PRIVATIVA

    COMUNS CRIMES

    HEDIONDOS TORTURA TERRORISMO

    INFRAES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

    Autocomposio Heterocomposio

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    Diante da complexidade do relacionamento humano, cada vez mais

    complexos sero os conflitos. A necessidade de resposta rpida e eficaz

    determinar um estoque maior de instrumentos, que devero ser

    manejados, e por vezes combinados, para alcanar a pacificao social.

    Na medida em que o Judicirio se organiza para entender e manejar

    mtodos autocompositivos eles so apropriados como instrumentos

    judiciais de composio de conflitos, e por isso deixam de ser alternativas

    atuao judicial para constituir novas formas de atuao judicial,

    cabendo ao estado-Juiz o papel de fiador dessas prticas, zelando pela sua

    correta aplicao (capacidade tcnica) e pureza tica.

    A mediao judiciria

    O CNJ, Conselho Nacional de Justia, Includo na Magna Carta como

    rgo de cpula do Judicirio pela Emenda Constitucional n 45, de 2004,

    promulgou a Resoluo n 125, de 29 de novembro de 201016,

    institucionalizando a Poltica Judiciria Nacional de tratamento adequado

    dos conflitos de interesses no mbito do Poder Judicirio.

    Em suas consideranda, a Resoluo, aps deixar claro que

    conciliao e mediao so instrumentos diversos, os reconhece como

    mtodos judiciais que garantem eficincia operacional e acesso ao sistema

    de Justia. Abandona o Judicirio a desgastada imagem de alternatividade

    Justia, nomeando a autocomposio realizada dentro do aparelho

    judicirio de poltica pblica de tratamento adequado dos problemas

    jurdicos e dos conflitos de interesses, atribuindo conciliao e

    mediao o status de instrumentos efetivos de pacificao social, soluo

    e preveno de litgios.

    Para o CNJ os servios de conciliao, mediao e outros mtodos

    consensuais de soluo de conflitos so verdadeiros rgos judiciais

    especializados na matria. 16

    Publicada no DJ-e n 219/2010, em 01/12/2010, pg. 2-14 e republicada no DJ-e n 39/2011, em 01/03/2011, pg. 2-15, disponvel em http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/resolucao-n-125. Acesso em 11/07/2011

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    A Poltica Pblica de tratamento adequado dos conflitos de

    interesses instituda para assegurar a todos o direito soluo dos

    conflitos por meios adequados sua natureza e peculiaridade (art. 1),

    enumerando os produtos fornecidos pelo servio judicirio, diretamente

    ou atravs de parceria (art. 3 e 5): soluo adjudicada mediante

    sentena; mediao; conciliao, atendimento e orientao ao cidado,

    todos em igual patamar de importncia, como se ver a seguir.

    Assim, a conciliao e a mediao so reconhecidas como atividades

    jurisdicionais, e para garantir a mudana cultural estabelece o CNJ ser

    necessrio que (art. 6, III) as atividades relacionadas conciliao,

    mediao e outros mtodos consensuais de soluo de conflitos sejam

    consideradas nas promoes e remoes de magistrados pelo critrio do

    merecimento bem como (V) buscar a cooperao dos rgos pblicos

    competentes e das instituies pblicas e privadas da rea de ensino, para

    a criao de disciplinas que propiciem o surgimento da cultura da soluo

    pacfica dos conflitos, de modo a assegurar que, nas Escolas da

    Magistratura, haja mdulo voltado aos mtodos consensuais de soluo

    de conflitos, no curso de iniciao funcional e no curso de

    aperfeioamento.

    A mudana cultural segue determinando o Conselho como tarefas:

    VI estabelecer interlocuo com a Ordem dos Advogados do Brasil,

    Defensorias Pblicas, Procuradorias e Ministrio Pblico, estimulando

    sua participao nos Centros Judicirios de Soluo de Conflitos e

    Cidadania e valorizando a atuao na preveno dos litgios;

    VII realizar gesto junto s empresas e s agncias reguladoras de

    servios pblicos, a fim de implementar prticas autocompositivas e

    desenvolver acompanhamento estatstico, com a instituio de banco

    de dados para visualizao de resultados, conferindo selo de

    qualidade;

    VIII atuar junto aos entes pblicos de modo a estimular a

    conciliao nas demandas que envolvam matrias sedimentadas pela

    jurisprudncia.

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 12

    H necessidade de (art. 2) boa qualidade dos servios e de

    disseminao da cultura de pacificao social, atravs de centralizao das

    estruturas judicirias, adequada formao e treinamento de servidores,

    conciliadores e mediadores, bem como acompanhamento estatstico

    especfico.

    Tais exigncias decorrem das regras de eficincia e eficcia trazidas

    pela Emenda Constitucional 45.

    Como rgo de cpula desta poltica, o CNJ estabelece (art. 6, IV) a

    necessidade de regulamentar, em cdigo de tica, a atuao dos

    conciliadores, mediadores e demais facilitadores da soluo consensual de

    controvrsias.

    Aos Tribunais caber (art. 7) a criao, no prazo de 30 dias, Ncleos

    e Centros Permanentes de Mtodos Consensuais de Soluo de Conflitos,

    compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores,

    preferencialmente atuantes na rea para tratamento adequado dos

    conflitos de interesses.

    A Poltica Pblica de Tratamento Adequado de Conflitos, tem como

    um dos seus principais princpios informadores a qualidade dos servios

    como garantia de acesso a uma ordem jurdica justa, atravs da

    capacitao de seus operadores. Assim, a prestao jurisdicional

    consensual depende de prvio treinamento e atualizao permanente de

    magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos mtodos

    consensuais de soluo de conflitos, e dever ser exercida em Centros

    Judicirios de Soluo de Conflitos e Cidadania que concentraro a

    realizao das sesses de conciliao e mediao que estejam a cargo de

    conciliadores e mediadores, dos rgos por eles abrangidos. Assim, no

    pode o magistrado exercitar diretamente a mediao, cabendo-lhe a

    superviso (art. 9).

    A competncia17 dos Centros Judicirios de Soluo de Conflitos e

    Cidadania ampla, abrangendo (art. 8) Juzos, Juizados ou Varas com

    competncia nas reas cvel, fazendria, previdenciria, de famlia ou dos

    Juizados Especiais Cveis e Fazendrios, responsveis pela realizao das

    17

    Em sentido prprio, j que se trata de exerccio adequado da jurisdio e constituem unidades do Poder Judicirio

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 13

    sesses de mediao e audincias de conciliao, processual e pr-

    processual, que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem

    como pelo atendimento e orientao ao cidado. Tal enumerao de

    competncia no exclui a possibilidade de outras, como a criminal, por ato

    dos Tribunais locais, como j fez o Rio de Janeiro, como tambm por

    iniciativa das unidades judicirias.

    Como rgos jurisdicionais, (art. 11) os Centros devero contar com

    membros do Ministrio Pblico, defensores pblicos, procuradores e/ou

    advogados, aplicando-se aos mediadores e conciliadores as mesmas

    regras de impedimento e suspeio dos magistrados18.

    Os Centros contaro com um juiz coordenador e, se necessrio, com

    um adjunto, aos quais caber a sua administrao, bem como a superviso

    do servio de conciliadores e mediadores, e devem ser dotados de

    servidores com dedicao exclusiva, todos capacitados em mtodos

    consensuais de soluo de conflitos e, pelo menos, um deles capacitado

    tambm para a triagem e encaminhamento adequado de casos (art. 9).

    A superviso e orientaes do juiz coordenador da unidade a que

    esteja vinculado o conciliador ou mediador encontra limite nos princpios

    da mediao enunciados no Cdigo de tica.

    A atuao em mtodos consensuais de soluo de conflitos

    dependem de treinamento e reciclagem permanente, bem como de

    avaliao do usurio (Anexo IV), sendo o contedo programtico e carga

    horria mnimos estabelecidos pelo CNJ (Anexo 1) e devero ser seguidos

    necessariamente de estgio supervisionado.

    Da mesma forma o CNJ estabelece cdigo de tica (Anexo III), de

    carter vinculante.

    O Cdigo de tica estabelece (art. 1) como princpios fundamentais

    a confidencialidade, competncia, imparcialidade, neutralidade,

    independncia e autonomia, respeito ordem pblica e s leis vigentes,

    definindo-os a seguir:

    18

    Cdigo de tica: Art. 5. Aplicam-se aos conciliadores/mediadores os mesmos motivos de impedimento e suspeio dos juzes, devendo, quando constatados, serem informados aos envolvidos, com a interrupo da sesso e sua substituio.

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 14

    1. Confidencialidade Dever de manter sigilo sobre todas as

    informaes obtidas na sesso, salvo autorizao expressa das

    partes, violao ordem pblica ou s leis vigentes, no podendo ser

    testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em

    qualquer hiptese;

    2. Competncia Dever de possuir qualificao que o habilite

    atuao judicial, com capacitao na forma desta Resoluo,

    observada a reciclagem peridica obrigatria para formao

    continuada;

    3. Imparcialidade Dever de agir com ausncia de favoritismo,

    preferncia ou preconceito, assegurando que valores e conceitos

    pessoais no interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a

    realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer

    espcie de favor ou presente;

    4. Neutralidade Dever de manter equidistncia das partes,

    respeitando seus pontos de vista, com atribuio de igual valor a

    cada um deles;

    5. Independncia e autonomia - Dever de atuar com liberdade,

    sem sofrer qualquer presso interna ou externa, sendo permitido

    recusar, suspender ou interromper a sesso se ausentes as condies

    necessrias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo

    obrigao de redigir acordo ilegal ou inexequvel;

    6. Respeito ordem pblica e s leis vigentes Dever de velar para

    que eventual acordo entre os envolvidos no viole a ordem pblica,

    nem contrarie as leis vigentes.

    (Art. 7) impedimento de prestar servios profissionais, de qualquer

    natureza, pelo prazo de dois anos, aos envolvidos em processo de

    conciliao/mediao sob sua conduo.

    Em seguida, traa (art. 2) regras de procedimento da conciliao e

    da mediao para seu bom desenvolvimento, permitindo que haja o

    engajamento dos envolvidos, com vistas sua pacificao e ao

    comprometimento com eventual acordo obtido, sendo elas:

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 15

    1. Informao - Dever de esclarecer os envolvidos sobre o mtodo

    de trabalho a ser empregado, apresentando-o de forma completa,

    clara e precisa, informando sobre os princpios deontolgicos

    referidos no captulo I, as regras de conduta e as etapas do

    processo.

    2. Autonomia da vontade Dever de respeitar os diferentes

    pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a

    uma deciso voluntria e no coercitiva, com liberdade para tomar

    as prprias decises durante ou ao final do processo, podendo

    inclusive interromp-lo a qualquer momento.

    3. Ausncia de obrigao de resultado Dever de no forar um

    acordo e de no tomar decises pelos envolvidos, podendo, quando

    muito, no caso da conciliao, criar opes, que podem ou no ser

    acolhidas por eles.

    4. Desvinculao da profisso de origem Dever de esclarecer aos

    envolvidos que atua desvinculado de sua profisso de origem,

    informando que, caso seja necessria orientao ou

    aconselhamento afetos a qualquer rea do conhecimento poder

    ser convocado para a sesso o profissional respectivo, desde que

    com o consentimento de todos.

    4. Teste de realidade Dever de assegurar que os envolvidos, ao

    chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas

    disposies, que devem ser exeqveis, gerando o comprometimento

    com seu cumprimento.

    O Estado do Rio de Janeiro se antecipou ao CNJ estabelecendo os

    princpios de sua poltica de tratamento adequado das demandas atravs

    da Resoluo n 19/200919, que dispe sobre a regulamentao da

    atividade de Mediao no mbito do Poder Judicirio do Estado do Rio de

    Janeiro.

    19

    Disponvel em http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw?MGWLPN=DIGITAL1A&PGM=WEBBCLE66&LAB=BIBxWEB&PORTAL=1&AMB=INTER&SUMULAxTJ=&TRIPA=51^2009^19&PAL=&JUR=ESTADUAL&ANOX=&TIPO=51&ATO=19&START=&DGCON=. Acesso e, 11/07/2011

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 16

    Destaca-se nesta regulamentao que a mediao tem por escopo a

    otimizao da soluo dos conflitos, a preveno de litgios, a incluso

    social pela valorizao do ser humano e pelo respeito aos direitos

    fundamentais.

    Ali se conceitua a prpria mediao (art. 1): Para fins desta

    resoluo, mediao significa um processo por meio do qual uma terceira

    pessoa neutra, denominada mediador, atua encorajando ou facilitando a

    resoluo de uma disputa entre duas ou mais pessoas, fsicas e/ou

    jurdicas, de modo informal e no adversarial, com o objetivo de auxiliar as

    partes disputantes a alcanarem um acordo mutuamente aceitvel e

    voluntrio. Em mediao, a autoridade decisria das prprias partes e a

    tarefa do mediador inclui, mas no se limita a isso, a de ajudar as partes a

    identificarem questes e interesses subjacentes lide a serem resolvidos

    em comum, bem como alternativas de acordos.

    A mediao pode ser processual ou pr-processual, e no se limita

    aos processos de natureza civil (inclui expressamente a matria penal,

    alargando o espectro de atuao da mediao, o que no vedado na

    Resoluo do CNJ) a abrangidas, preferencialmente, as questes

    referentes a consumo, famlia, a relaes de vizinhana e todas as demais

    de trato continuado, mas se estende, tambm, s aes penais privadas;

    s pblicas que versem sobre infraes de menor potencial ofensivo ou

    no, quando sujeitas a representao; s pblicas incondicionadas de

    infraes de menor potencial ofensivo quando houver vtima direta,

    sujeita, entretanto, apreciao do MP e do Juiz a aceitao do acordo

    como forma de encerramento do processo por falta de justa causa, e bem

    assim s demais aes penais pblicas, como clusula ou condio de

    eventual suspenso do cumprimento da pena ou do processo20.

    A resoluo local fala em mediao no voluntria, cujo

    procedimento no poder superar o perodo de quarenta e cinco dias,

    prorrogveis a critrio do juiz ou do relator, durante o qual ficar

    20

    O texto expresso da Lei n 9.099/95 Lei dos Juizados Especiais prev a possibilidade de acordo civil para crime de ao penal privada e de ao pblica condicionada representao, para os quais o ofendido tem disponibilidade da propositura da ao penal. Pela via interpretativa os Juizados ampliaram a possibilidade de acordo para as aes penais pblicas incondicionadas (que em tese seriam indisponveis) quando houver vtima determinada.

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 17

    suspenso o respectivo processo, salvo se antes disso o mediador declarar

    impasse nas tratativas ou a impossibilidade de se chegar a um acordo.

    Fica evidente que est preservado o princpio da voluntariedade em

    permanecer em processo de mediao. Todavia o exerccio dessa

    voluntariedade deve ser informado, cabendo ao juiz decidir sobre a

    convenincia da derivao do processo judicial da via heterocompositiva

    para a via autocompositiva.

    O Tribunal de Justia isenta o mediador de responsabilidade civil ou

    criminal, garantindo a confidencialidade21, ampliando o conceito de parte

    no s para aqueles que participam da mediao diretamente, como

    tambm para as pessoas que tenham interesse jurdico na soluo da

    disputa, titulares de direito ou de posies jurdicas que possam ser

    afetados pela resoluo do conflito.

    A confidencialidade encontra limites no prprio termo do acordo

    alcanado durante a mediao, salvo se em contrrio dispuserem as

    partes e nas comunicaes a cujo respeito as partes a dispensem.

    Tambm escapam confidencialidade os dados que revelem o

    planejamento de crime, seu cometimento ou tentativa, ou atividade

    criminosa em progresso e nas comunicaes reveladas com intuito nico e

    exclusivo de provar a m prtica de atividade profissional ou de conduta

    inadequada ou imprpria no decorrer da mediao. Finalmente, no se

    sujeitam a sigilo as comunicaes que em seu decurso revelem abuso ou

    suspeita de abuso, abandono ou negligncia de menor.

    21

    Art. 4 O mediador estar imune a qualquer tipo de responsabilizao, civil ou criminal decorrente do respectivo procedimento, salvo as hipteses de m-f, propsito malso, conduta imprpria ou de desrespeito aos direitos fundamentais, segurana ou propriedade das partes ou de terceiros.

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 18

    Concluso

    Durante muito tempo a Justia trabalhou com a falsa noo de

    monoplio: ao Estado cabe o monoplio da violncia legtima para por fim

    s demandas. Todavia a precariedade desta afirmativa se torna cada vez

    mais evidente: os grandes contratos trazem em si a previso de mtodos

    extrajudiciais de resoluo de disputas entre os contratantes; os

    empregadores internacionais estabelecem em contratos de trabalho

    clusulas de excluso da jurisdio; as comunidades carentes mantm

    instncias prprias para suprir a omisso do Estado22.

    A nova percepo de um Sistema Judicirio que busque soluo

    adequada para os conflitos tanto na heterocomposio como na

    autocomposio abre a possibilidade de enfrentar essa enorme massa de

    conflitos no tratada ou mal tratada pelo Estado, e de atender aos

    princpios de eficincia, eficcia e efetividade.

    Essa demanda por eficincia e eficcia foi erigida ao status de

    direito fundamental pela Emenda Constitucional n 4523, determinando ao

    Judicirio que cuide no mais de apenas garantir acesso Justia, mas

    principalmente garantir que este acesso seja clere e eficaz.

    Desta forma no se pode conceber mais qualquer reforma judiciria

    sem ter em foco a necessidade de propiciar mecanismos para composio

    adequada dos conflitos, tornando obsoleta a oposio tradicional entre

    meios autocompositivos e heterocompositivos. Ambos so meios judiciais

    de composio dos litgios, que sero invocados pelo aparelho judicirios

    conforme sua pertinncia.

    O Conselho Nacional de Justia, com a Resoluo n 125

    expressamente se apropria para o Judicirio da autocomposio como

    meio soluo de demandas, abandonando o conceito ultrapassado de que

    22

    Tribunal do Trfico matria sobre atuao do Pastor Marcos Pereira em http://www.youtube.com/watch?v=V-aemqjHCBg&feature=related, acesso em 10/9/10. 23

    Art. 5, LXXVIII - a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao.

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 19

    somente a sentena pode ser encarada como provimento judicirio para

    restabelecimento da paz social. So produtos fornecidos no processo

    judicirio: soluo adjudicada mediante sentena; mediao; conciliao,

    atendimento e orientao ao cidado, todos em igual patamar de

    importncia.

    Na Resoluo n 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho

    Nacional de Justia (CNJ)24, esta idia j se acha presente, desde a sua

    ementa, que dispe sobre a Poltica Judiciria Nacional de tratamento

    adequado dos conflitos de interesses no mbito do Poder Judicirio.

    Como se v a poltica regulamentada de tratamento adequado, no

    sendo a autocomposio alternativa ao sistema judicial, mas uma de suas

    artes.

    Assim, quando estiverem em anlise direitos que a lei considera

    indisponveis, para os quais o interesse pblico sobrepuja qualquer

    interesse privado, ou quando for necessria a estabilizao emergencial

    da situao jurdica, quer em razo da urgncia, quer em razo de sua

    repercusso na vida social, ou ainda quando presente um

    desbalanceamento de poder, se impor a adoo do molde de justia

    adversarial, cercado de garantias de contraditrio e ampla defesa.

    Nestes casos, o tratamento do conflito ter de ser formalmente

    rgido, com limitao objetiva e subjetiva de sua extenso.

    Se, ao reverso, estivermos diante de situaes em que prevalea o

    interesse privado, diante de relaes continuadas que demandem a

    manuteno de algum nvel de contato entre as partes em conflito, ou

    ainda, quando a interveno adjudicada inicial tiver recomposto o

    equilbrio de poder entre as partes, deve o Estado-Juiz abrir todo o leque

    de opes que o atual estado da arte lhe permite, para oferecer s partes

    a resposta mais adequada.

    No sistema constitucional brasileiro o acesso jurisdio direito

    fundamental. Assim, ao contrrio de outros pases em que todo o

    movimento de autocomposio se desenvolve como alternativa ao

    24

    Disponvel em http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/resolucao-n-125. Acesso em 11/07/2011

  • Verso de 11 de agosto de 2011 pgina 20

    judicirio, aqui ele deve ter seu espao garantido como atividade judicial

    tpica.

    O grande desafio que se abre para o Judicirio o de capitanear a

    mudana cultural exigida para tornar a autocomposio uma realidade

    prxima da populao, e ao mesmo tempo preservar as caractersticas

    intrnsecas de cada meio de resoluo de disputas: apropriar-se de novos

    instrumentos, sem desnatur-los.

    O prprio conceito de dignidade da pessoa humana leva

    necessidade de se repensar a atuao da Justia impondo-se uma nova

    misso ao Judicirio do sculo XXI: entregar o direito pacificado ao

    homem, e para tanto a sentena por si s no basta mais.

    A multiplicidade das questes submetidas judicializao hoje est

    a demandar tambm multiplicidade de portas para entrada e sada da

    Justia.

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