A PRESERVAÇÃO DO ACERVO IMAGÉTICO DO ARTISTA … · uma instituição responsável pela...

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A PRESERVAÇÃO DO ACERVO IMAGÉTICO DO ARTISTA FRANKLIN JOAQUIM CASCAES 1 Vanilde Rohling Ghizoni 2 Aline Carmes Krüger 3 RESUMO: A Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes é composta por desenhos a bico de pena e grafite, esculturas em argila e gesso policromados e manuscritos. Esta coleção denomina a obra do artista Franklin Joaquim Cascaes que foi incorporada ao patrimônio da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a guarda do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral em junho de 1981. Neste artigo apresentaremos nossas pesquisas constituintes do estudo da preservação de uma coleção de arte em um Museu.Através da reunião de um acervo num só lugar e da preservação do mesmo, busca-se demonstrar a importância da preservação do acervo imagético na produção do conhecimento histórico e artístico da cidade de Florianópolis. Palavras chave: Cascaes. Coleção. Preservação. Franklin Joaquim Cascaes nasceu no município de São José, em um bairro hoje pertencente à cidade Florianópolis, Santa Catarina em 1908 e faleceu em 1983. As experiências para suas produções artísticas deram-se desde a infância e muito cedo manifestou sua criatividade esculpindo esculturas em argila ou na areia da praia. Cascaes dedicou-se aos temas e motivos que irão assinalar sua obra, onde seus referenciais plásticos e de iconografia foram sendo elaborados a partir de sua forma intensa de contemplar o mundo: a paisagem interiorana da Ilha de Santa Catarina, as cenas rurais, bem como a rotina cotidiana da cidade. Cascaes criou sua obra a partir de apropriações da realidade que o cercava e do contexto na qual estava inserido. A Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes é composta por desenhos a bico de pena e grafite, esculturas em argila e gesso policromados e manuscritos. Esta coleção que denomina a obra do artista Franklin Joaquim Cascaes foi incorporada ao patrimônio 1 Agradecemos ao Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral da Universidade Federal de Santa Catarina por nos possibilitar o trabalho na conservação do acervo, nos permitindo desenvolver este relato de experiência e por nos possibilitar o acesso a pesquisa no acervo para nossa qualificação em mestrado. 2 Mestre em Arquitetura e Urbanismo- PósARQ - UFSC, restauradora do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC. [email protected] 3 Mestre em Artes Visuais PPGAV-UDESC, doutoranda em Museologia e Patrimônio PPGPMUS-UNIRIO. [email protected]

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A PRESERVAÇÃO DO ACERVO IMAGÉTICO DO ARTISTA

FRANKLIN JOAQUIM CASCAES 1

Vanilde Rohling Ghizoni2

Aline Carmes Krüger3

RESUMO:

A Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes é composta por desenhos a bico de pena e grafite, esculturas em argila e gesso policromados e manuscritos. Esta coleção denomina a obra do artista Franklin Joaquim Cascaes que foi incorporada ao patrimônio da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a guarda do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral em junho de 1981. Neste artigo apresentaremos nossas pesquisas constituintes do estudo da preservação de uma coleção de arte em um Museu.Através da reunião de um acervo num só lugar e da preservação do mesmo, busca-se demonstrar a importância da preservação do acervo imagético na produção do conhecimento histórico e artístico da cidade de Florianópolis.

Palavras chave: Cascaes. Coleção. Preservação.

Franklin Joaquim Cascaes nasceu no município de São José, em um bairro hoje

pertencente à cidade Florianópolis, Santa Catarina em 1908 e faleceu em 1983. As

experiências para suas produções artísticas deram-se desde a infância e muito cedo

manifestou sua criatividade esculpindo esculturas em argila ou na areia da praia.

Cascaes dedicou-se aos temas e motivos que irão assinalar sua obra, onde seus

referenciais plásticos e de iconografia foram sendo elaborados a partir de sua forma

intensa de contemplar o mundo: a paisagem interiorana da Ilha de Santa Catarina, as

cenas rurais, bem como a rotina cotidiana da cidade. Cascaes criou sua obra a partir de

apropriações da realidade que o cercava e do contexto na qual estava inserido.

A Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes é composta por desenhos a bico

de pena e grafite, esculturas em argila e gesso policromados e manuscritos. Esta coleção

que denomina a obra do artista Franklin Joaquim Cascaes foi incorporada ao patrimônio 1 Agradecemos ao Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral da Universidade Federal de Santa Catarina por nos possibilitar o trabalho na conservação do acervo, nos permitindo desenvolver este relato de experiência e por nos possibilitar o acesso a pesquisa no acervo para nossa qualificação em mestrado. 2 Mestre em Arquitetura e Urbanismo- PósARQ - UFSC, restauradora do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC. [email protected] 3Mestre em Artes Visuais PPGAV-UDESC, doutoranda em Museologia e Patrimônio PPGPMUS-UNIRIO.

[email protected]

da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a guarda do Museu Universitário

Professor Oswaldo Rodrigues Cabral em junho de 1981. Tendo em vista o relato de

experiência, apresentaremos nossas pesquisas constituintes do estudo da preservação de

uma coleção de arte em um Museu, observando que a construção do conhecimento a

partir da preservação de objetos contribui para o desenvolvimento histórico e artístico.

Ressaltando que o resultado esperado nesse trabalho é a promoção de discussão

a respeito dos estudos da imagem, da representação e da preservação de um acervo

imagético, apresentaremos neste artigo a participação do museu na conservação e

preservação da Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes, especificamente os

desenhos e esculturas. Através da reunião de um acervo num só lugar e do cuidado com

o mesmo, busca-se demonstrar a importância da preservação do acervo imagético na

produção do conhecimento histórico e artístico da cidade de Florianópolis.

É sabido que o museu tem uma história e através dos anos muitas modificações

ocorreram na forma de pensá-lo e executá-lo, tanto nas suas práticas expositivas quanto

no trato com o acervo. Ao lidar com o acervo e trabalhando no museu, questões desta

natureza estão presentes na atividade museológica. Observamos que os museus

ofereceram às obras de arte um espaço de exposição, criando um ambiente mítico e

sacralizado, dando às obras a noção de imutabilidade e posteridade. Segundo Mario

Chagas, pode também ser um espaço de conflito e contradição, construindo memória e

idealizando tradições:

Os museus, lugares privilegiados de construção de memórias, são também palco apropriado para a invenção e a teatralização de tradições. Esta é uma das razões pelas quais eles freqüentemente são associados ao tradicionalismo conservador, em termos artísticos, culturais e sociais. Deriva-se desta constatação um certo incomodo que favorece a emersão de questões do tipo: um museu pode ser ruptura? Há nos museus espaço para o novo? (CAVALCANTI, 2005, p. 119).

O museu é então arena, espaço de conflito, campo de tradição e contradição,

aberto para novos diálogos, interlocuções e contextualizações. A trajetória do Museu

Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral4 deve ser vista como a trajetória de

4 Historiador catarinense, sua bibliografia se concentra em assuntos da história, antropologia e medicina. Criou o Instituto de Antropologia, atualmente Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral.

uma instituição responsável pela produção do conhecimento da Antropologia e da

Arqueologia na Universidade Federal de Santa Catarina. A formação do acervo do

Museu Universitário é vinculada à antropologia. Há coleções etnográficas indígenas,

arqueológica, de artes e ofícios, com peças originárias de várias regiões brasileiras, com

boa documentação e valor acadêmico. A inexistência de espaços para exposição5 neste

momento, limita o acesso do público ao conhecimento de seu acervo, restringindo a

exposições extramuros que acontecem eventualmente. Esse fato fez com que o Museu

Universitário se aprofundasse nas atividades de conservação, visando à preservação de

suas coleções. E é da conservação que neste momento iremos tratar.

A obra de Franklin Joaquim Cascaes esta sob a responsabilidade da

Universidade Federal de Santa Catarina, é portanto, de respeitável importância e

obrigação do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral a correta

conservação desta coleção. Adaptando-se à realidade das verbas, e conhecendo

conscientemente e tecnicamente os problemas dos materiais e do espaço no Museu

Universitário, é que museólogos, pesquisadores, restauradores, educadores e técnicos,

assumem uma postura ética e prática, procurando auxilio de ações não governamentais e

da iniciativa privada.

O desenvolvimento da área de ciências aplicadas à conservação e restauração de

obras de arte é relativamente recente no Brasil e no exterior. No início do século XIX,

as escavações realizadas em Pompéia e no Egito, quando da invasão deste último por

Napoleão, provocaram a execução de diversos trabalhos pioneiros nesta área. A grande

diversidade de materiais antigos recolhidos levou os arqueólogos a contar com a

colaboração de sábios e cientistas de renome - mineralogistas, botânicos, zoólogos e

químicos. No início do século XX, vários laboratórios estabeleceram-se na Europa e

alguns outros na América do Norte, nos Estados Unidos e Canadá.

As questões relacionadas a conservação do acervo são de fundamental

importância não apenas pela permanência física do objeto, mas pela potencialidade

desse, enquanto obra de arte. Sendo que, por meio da conservação a matéria original da

5 È importante salientar que na década de 1990 se iniciou o processo de qualificação da equipe do museu e melhoria da infra-estrutura, com a construção da sua primeira Reserva Técnica e a reforma da estrutura principal. A Reserva Técnica, 200m2, foi construída entre 1995/1996 e hoje abriga a totalidade da Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes. O novo pavilhão de exposição encontra-se em fase final de construção, tendo previsão para a conclusão dos trabalhos ainda para este ano.

obra permanece íntegra, possibilitando a apreciação estética sem nenhum

comprometimento por perda de material original. A preservação do patrimônio

histórico6, artístico e cultural tem cada vez maior relevância na atualidade, dado a

importância da transmissão da nossa herança cultural para as futuras gerações. Assim, o

Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral priorizou as questões relativas

a conservação da Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes, reconhecendo a

seriedade e a emergência, devido a fragilidade dos materiais envolvidos na confecção das

obras.

1 – A conservação dos desenhos

A produção de desenhos é extremamente vasta, composta por 1179 desenhos

tombados em 944 suportes7 em papel. São trabalhos sobre a pesca, cultivos da

mandioca, festas profanas e religiosas, arquitetura, bruxaria, boitatás, lobisomens,

cotidiano, vendedores, mitologia marinha, processos políticos, especulação imobiliária e

seres imaginários (pode ser exemplificada na figura 1).

Figura 1: O Caipora – 1973 – Nanquim sobre papel – 65,4 x 49,3 cm – Acervo do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

6 Do Decreto lei nº25 de 30/11/1937, Patrimônio Histórico “é o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por se acharem vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil, que por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. 7 Muitas obras apresentam desenho dos dois lados.

O papel no qual o artista Franklin Cascaes utilizou como suporte para elaborar

sua obra possui características muito específicas e peculiares. Nas obras executadas a

bico de pena, com requinte e riqueza de detalhes, utilizava papel de melhor qualidade,

geralmente do tipo Canson. E nos seus esboços, na sua grande maioria a grafite, buscava

o papel que estava à disposição, não se importando com questões técnicas de estabilidade

do material. Sendo que muitas delas foram realizadas com papéis reaproveitados e uma

obra pode apresentar vários tipos de papéis, pois foram emendados com adesivo para ter

a dimensão desejada pelo artista. Todos os papéis utilizados pelo artista como suporte de

sua criação apresentam acidez8 propiciando a hidrólise ácida, o que acelera o seu

envelhecimento. E é conhecido que fatores externos, como a temperatura, umidade

relativa, a luminosidade tanto do ambiente de exposição, quanto o de armazenagem e

outros agentes de degradação, mesmo quando controlados, não impedem o

envelhecimento natural dos materiais orgânicos. A conservação preventiva, por meio da

observação constante e a ação de conservação curativa são necessárias para que o

registro histórico e artístico seja preservado e intervenções restauradoras não sejam

necessárias. Com prioridade as obras de arte sobre papel da Coleção Professora

Elizabeth Pavan Cascaes foram devidamente higienizadas e alguns procedimentos foram

necessários, como a consolidação de rupturas do suporte causadas pelo manuseio

incorreto, posteriormente, acondicionadas com materiais específicos, como podemos

observar na figura 2:

Figura 2: Rupturas aparentes no suporte dos desenhos consolidadas com fita de papel japonês – 2009 - Acervo do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

8 De maneira geral, com exceção daqueles papéis produzidos para a conservação de acervos no Brasil ou os importados, possuíam pH neutro ou alcalino. Somente a partir de 1999 que as indústrias brasileiras passaram a se adaptar a normas internacionais o começaram a produzir papel alcalino, com pH acima de 7.

Os procedimentos e técnicas adequadas foram realizados por profissionais

qualificados, em função da fragilidade dos suportes empregados, e das evidências da

necessidade de prevenir e deter as ações degenerativas em ação. Até o ano de 1999, os

desenhos eram armazenados em gavetas, enrolados em papel cristal. Após a execução do

projeto de Acondicionamento das obras de arte sobre papel da Coleção Profa. Elizabeth

Pavan Cascaes, projeto apresentado à Fundação VITAE no Programa de Apoio a

Museus no ano de 1997, este panorama foi mudado. O Museu Universitário adquiriu três

novas mapotecas com tratamento anticorrosivo e pintura em alta temperatura para o

armazenamento do acervo em papel. Os desenhos foram todos desenrolados, planificados

e acondicionados em cartão para passe-partout neutro e em envelopes de papel salto

neutro9, na qual minimizaram os danos causados por agentes externos, tendo a função de

barrar as ações do meio ambiente, desacelerando o processo de degradação.

Ampliando as ações em conservação, no ano de 2003, com o apoio do Santinho

Empreendimentos Turísticas S.A., foram realizados os procedimentos de higienização,

entrefolhamento com papel alcalino sob a obra e substituição das bases que

apresentavam algum tipo de degradação. Geralmente o cartão passe-partout devido à

falta de controle ambiental, envelhecimento natural do material ou por migração/contato

com pontos escurecidos nas obras, apresentava pequenos pontos de oxidação. Todos

estes procedimentos são fundamentais e mantenedores da preservação dos desenhos de

Cascaes. Durante este trabalho também se efetuou um diagnóstico mais exato do estado

de conservação, com seleção das obras que necessitavam intervenção restauradora.

No ano de 2007 concluiu-se a catalogação - com a inclusão de informações em

um Banco de Dados – das obras da “Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes –

desenhos e esculturas” através do Programa de Adoção de Entidades Culturais da Caixa

Econômica Federal. Neste banco de dados encontra-se inventariado todas as informações

disponíveis até o momento, como por exemplo, a técnica, as dimensões, a descrição, o

estado de conservação e imagens de cada obra produzida pelo artista.

9 pH se refere ao valor tomado para representar o grau de acidez ou alcalinidade de um material, grandeza associada à concentração de íon de hidrogênio.

Já em 2009, mais uma vez com o apoio do Programa de Adoção de Entidades

Culturais da Caixa Econômica Federal, concluímos a conservação, com troca de

acondicionamento de todos os desenhos da Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes.

Figura 3: Montagem da obra em base de cartão neutro com fita de papel japonês e no novo acondicionamento em com passe-partout e envelope – 2009 – Acervo do Museu Universitário Professor

Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

2 – A conservação das esculturas

A coleção escultórica é dividida em 46 conjuntos temáticos, totalizando 1707

peças. São esculturas de pequeno porte representando figuras homens, animais,

acessórios, ferramentas, instrumentos, utensílios e outros objetos. Cada conjunto

representa um episódio cenográfico, projetando relação de interdependência entre as

diferentes figuras. Na Procissão do Senhor Jesus dos Passos, por exemplo, cada figura é

um personagem da procissão, cumpre função específica e está interligada à mesma ação.

A relação entre as figuras é enfatizada, ainda, pelo modo como o artista elaborou suas

peças, dando unidade na forma e na homogeneidade da cor, em sua apresentação

estética, como podemos notar na figura 4. Em um de seus cadernos, o artista resume

esta interdependência: “Cada Conjunto representa um livro e cada figura uma página.

Portanto, se vender uma figura arrancarei uma página do livro, e um livro com falta de

uma página, apresentar-se-a trincado”10.

10 CASCAES, Franklin Joaquim. Caderno 60. Florianópolis: Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral / UFSC. Sem data. Manuscrito.

Figura 4: Procissão da Mudança – Exposição Franklin Cascaes Desenhos e Esculturas – 2010 – Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa.

A coleção escultórica do artista Franklin Joaquim Cascaes se diferencia, entre

outros aspectos, pela fragilidade do material utilizado como suporte da maioria das

esculturas: argila não estabilizada e gesso, com policromia. Sendo que a argila não

cozida não apresenta resistência mecânica a impacto, o que causou ao longo dos anos,

diversas fraturas, de maior ou menor proporção às obras. As variações da temperatura e

da umidade relativa, ocasionados pela falta de controle ambiental, associado à

policromia realizada pelo artista com tintas não compatíveis com o suporte, geraram

intensos craquelês e desprendimentos com perdas de camada pictórica (ver figura 5,6 e

7). Somam-se a este quadro, inúmeras intervenções inadequadas realizadas nas obras,

que interferiam em suas características físicas, históricas e estéticas.

Figura 5: Craquelês generalizado e perda da camada pictórica - Menino IV com uma vara na mão esquerda observando a pandorga no ar – Conjunto Soltando Pandorga – 1957 – Argila Policromada - 35,0 x 16,0 x 12,5 cm – Acervo do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

Figura 6: Exame de fluorescência com lâmpada de Wood realizado na policromia - Menino IV com uma vara na mão esquerda observando a pandorga no ar – Conjunto Soltando Pandorga – 1957 – Argila Policromada - 35,0 x 16,0 x 12,5 cm – Acervo do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

Figura 7: Obra restaurada (limpeza química, fixação da camada pictórica, nivelamento das áreas de perdas e reintegração) - Menino IV com uma vara na mão esquerda observando a pandorga no ar –

Conjunto Soltando Pandorga – 1957 – Argila Policromada - 35,0 x 16,0 x 12,5 cm – Acervo do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

Os grandes problemas que envolvem a arte contemporânea, a partir da

introdução de uma grande diversidade de materiais e poéticas tornam a conservação e a

restauração extremamente complexa. Trata-se de um momento onde a arte utiliza

materiais ainda pouco estudados e, portanto, muitas vezes de difícil compreensão dos

processos de degradação que se instalam, pois faltam conhecimentos específicos e

teorias estabelecidas explicando como lidar com a maioria deles.

Ao elaborar sua coleção escultórica, Cascaes a partir do final da década de 1940,

rompe com padrões pré-estabelecidos pelo academicismo, sendo também influenciado

pelas tendências modernista que vivia Florianópolis na literatura e na arte11. Suas

representações se basearam em modelos de homens que exprimissem a realidade na

qual o artista sempre esteve inserido. Segundo Cascaes, na elaboração de suas esculturas

teve “que deformar o barroco porque foi a única forma de dar graça, aquela beleza

11 Após a segunda Guerra Mundial e a queda da ideologia nazifascista, a região sul do Brasil por possuir características de colonização alemã e italiana, busca sua brasilidade e identidade na colonização açoriana (LEHMKUHL, Luciane. Imagem além do círculo. O grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis e a positivação de uma cultura nos anos 50. Dissertação de mestrado – Programa da Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, 1996).

rústica à figura do colono açoriano. Tive que recriar o barroco para poder representar as

pessoas do interior da Ilha”12.

Com a doação das obras do artista para o Museu, podia-se facilmente encontrá-las

ou na sala de exposição ou guardadas onde hoje é o setor de Arqueologia do Museu

Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral. Nesta sala elas encontravam-se

empilhadas na posição vertical em prateleiras de madeira, o que ocasionou muitas

fraturas causada por acidentes.

Com a construção da Reserva Técnica 1, em 1990 foram adquiridos novos

mobiliários. As esculturas foram armazenadas em estantes de metal. As prateleiras foram

mantidas levemente inclinadas, esta posição continuou causando problemas, pois o

choque da peça com o metal era inevitável na sua remoção, sendo que o manuseio por

mais cuidadoso que fosse, continuava incorreto e causava danos às obras, devido a falta

de profissional especializado para realização das ações.

No ano de 2004 e 2005 foi executado o Projeto de conservação e restauração

da coleção profª Elizabeth Pavan Cascaes e coleção Tom Wild13, projeto encaminhado

ao décimo “Programa de Apoio a Museus – Vitae, Apoio à Cultura, Educação e

Promoção Social”, novas medidas foram tomadas. O mobiliário com recursos do

Empreendimento Costão do Santinho, sendo que as prateleira foram colocadas na

posição horizontal, e as esculturas mantidas na mesma posição, sobre uma camada de

ethafoan14. Nesse momento, as esculturas foram restauradas por equipe de profissionais

especializados.

Hoje o acervo escultórico encontra-se armazenado em armário fechado do tipo

deslizante, na posição horizontal e sobre camada de ethafoan, conforme figura 8.

12 CASCAES, Franklin Joaquim. Vida e arte e a colonização açoriana. Entrevistas concedidas e textos organizados por Raimundo C. Caruso. Florianópolis: Editora da UFSC, 1981. p. 82. 13

Acervo Arqueológico - A coleção em questão é o resultado de aproximadamente vinte viagens de coletas

sistemáticas à Ilha de Marajó, em pelo menos oito sítios arqueológicos, de onde Tom Wildi recolheu abundante material para seu Museu particular, parte da qual foi posteriormente doada pela família do arquiteto suíço ao Museu Universitário da UFSC em outubro de 1986. 14 Polietileno expandido ou espuma de polietileno. Possui propriedades básicas de isolamento térmico, acústico e hidráulico, leveza, maleabilidade, flutuação, durabilidade, alta proteção contra impactos, facilidade de manuseio e corte, além de não soltar partículas e não absorver umidade e fixação de fungos.

Figura 8: Armazenamento em armário deslizante das esculturas da coleção Elizabeth Pavan Cascaes – Acervo do Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – UFSC.

Por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Edital de

Modernização de Museus 2005-2006 foi executado o projeto de “Sistema de

Climatização, Segurança e Armazenamento do Acervo do Museu Universitário/UFSC”.

Este contemplou a Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes e demais acervos

armazenados na reserva técnica 1 e 2, garantido que o espaço de guarda tivesse um

condicionamento ambiental, segurança contra incêndio e a ampliação do sistema de

armazenamento como novos mobiliários. No entanto o Sistema Climus15 foi implantado

somente no final de 2010.

A climatização do ambiente, o controle da luminosidade natural e artificial, do

ataque biológico, juntamente com o manuseio correto e sistemas de segurança contra

roubo e incêndio são ações fundamentais para preservação dos acervos. Os fatores de

degradação extrínsecos a obra são controlados e os intrínsecos ao processo de

fabricação são minimizados, prolongando a vida útil dos objetos museológicos.

Através da utilização dos acervos preservados e contextualizados, objetiva-se a

integração do individuo com o mesmo. Apesar de ser compreensível a vida perene da

matéria, a conservação tem por objetivo o prolongamento da sua vida útil, em função do

caráter insubstituível dos objetos artísticos culturais. Em virtude disso, o trabalho de 15 Sistema Climus - trata-se de software desenvolvido por Saulo Guths, professor Dr. da UFSC. Trata-se de sistema para monitoramento e controle da Temperatura e Umidade Relativa em museus e arquivos.

preservação da Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes é executado, por sua

vulnerabilidade cultural e para que se possa conservar o saber, através do objeto, que foi

construído e anotado pelo artista, sob forma de desenhos e manuscritos em suporte de

papel, ou de esculturas em argila e gesso.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Lauro. O quarteto antropofágico: da redescoberta ao moderno e ao contemporâneo. IN: CHAGAS, Mario (org). Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Museus: Antropofagia da memória e do patrimônio. Brasília, nº 31, p.58-73, 2005

CASCAES, Franklin Joaquim. Caderno 60. Florianópolis: Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral / UFSC. Sem data. Manuscrito. LEHMKUHL, Luciane. Imagem além do círculo. O grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis e a positivação de uma cultura nos anos 50. Dissertação de mestrado – Programa da Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, 1996

CASCAES, Franklin Joaquim. Vida e arte e a colonização açoriana. Entrevistas concedidas e textos organizados por Raimundo C. Caruso. Florianópolis: Editora da UFSC, 1981. p. 82.