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1 HEBERTH PAULO DE SOUZA A PRESSUPOSIÇÃO LINGÜÍSTICA NA ESTRUTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa da PUC-Minas como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Língua Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr. Rodolfo Ilari. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS BELO HORIZONTE 2000

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HEBERTH PAULO DE SOUZA

A PRESSUPOSIÇÃO LINGÜÍSTICA NA

ESTRUTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa da PUC-Minas como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Língua Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr. Rodolfo Ilari.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

BELO HORIZONTE

2000

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Dissertação defendida publicamente no Curso de Pós-Graduação

em Letras da PUC-MG e aprovada pela seguinte Comissão Examinadora:

_______________________________________________

PROF. DR. RODOLFO ILARI

ORIENTADOR – UNICAMP – SP

_______________________________________________

PROF. DR. MILTON DO NASCIMENTO

PUC-MG

_______________________________________________

PROFª DRª MÁRCIA MARQUES DE MORAES

PUC-MG

Belo Horizonte, _____ de ______________________ de 2000.

_______________________________________________

PROFª DRª ÂNGELA VAZ LEÃO

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COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

À Vó Ivone, que, com seu inigualável zelo maternal,

acompanhou-me durante a maior parte da minha fase

no mestrado, e que partiu do nosso meio antes da

conclusão dessa importante etapa da minha vida,

dedico este trabalho na certeza de estar sendo alvo

do seu orgulho.

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AGRADECIMENTOS

São muitos os entes queridos com os quais convivo diariamente e

com os quais mantive uma convivência efêmera mas marcante em todo o meu

processo de mestrado. A todos eles expresso o meu mais profundo sentimento

de gratidão:

à minha esposa Regiane, companheira inseparável da minha labuta, em cuja

presença sempre encontrei apoio, confiança, admiração e respeito;

aos meus filhos, Paulo Filipe e Pedro Henrique, manifestações mais concretas

e puras do Sentimento Maior;

aos meus pais, Paulo e Aparecida, cujo apoio, incentivo e carinho foram

essenciais para galgar todos os degraus da minha existência;

ao meu orientador, Prof. Ilari, que prontamente acatou minha proposta de

orientação e de cuja sabedoria pude desfrutar um pouco, rumo a uma

promissora vida acadêmica;

aos meus professores de Curso: Ângela Leão, Márcia Marques, Vanda

Bittencourt, Milton do Nascimento, Beatriz Decat e Ingedore Koch, chamas

sempre vivas de sabedoria e humanidade;

ao meu professor do Curso de Especialização, Hugo Mari, responsável pela

minha iniciação nas trilhas da Semântica;

à FAPEMIG, por custear durante dois anos meu trabalho de pesquisa, cujo

resultado é a presente dissertação;

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à Coordenação e ao Secretariado do Programa de Pós-graduação em Letras da

PUC-Minas, sempre atenciosos para com minhas necessidades de mestrando.

Meus agradecimentos, também, aos parentes e amigos que não

foram citados aqui, com quem convivi durante todo esse tempo e dos quais me

lembrarei para sempre.

Finalmente, agradeço a Deus, por ter-me dado sabedoria e força

para alcançar mais um objetivo em minha vida.

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................

.ix

INTRODUÇÃO..................................................................................................................

..1

CAPÍTULO 1 – A PRESSUPOSIÇÃO LINGÜÍSTICA

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SENTIDO NA

LINGUAGEM........................3

2. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA

PRESSUPOSIÇÃO...............................................9

2.1. CRITÉRIOS DE IDENTIFICAÇÃO DE

PRESSUPOSTOS..........................................9

2.1.1. A REGRA DA

NEGAÇÃO..........................................................................................9

2.1.2. A REGRA DA

INTERROGAÇÃO............................................................................12

2.1.3. A REGRA DO

ENCADEAMENTO..........................................................................13

2.1.3.1. A REGRA DOS

ANAFÓRICOS.............................................................................20

2.2. PRESSUPOSTOS E

SUBENTENDIDOS....................................................................22

3.

CONCLUSÃO..................................................................................................................2

5

CAPÍTULO 2 – RELAÇÃO ENTRE A PRESSUPOSIÇÃO E OUTROS

FENÔMENOS DA LINGUAGEM

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7

1.

APRESENTAÇÃO...........................................................................................................2

7

2. FENÔMENOS LIGADOS À

PRESSUPOSIÇÃO...........................................................27

2.1. PRESSUPOSIÇÃO E CONDIÇÃO DE BOA-FORMAÇÃO DOS

ENUNCIADOS...27

2.2. PRESSUPOSIÇÃO X INFORMAÇÕES

LEXICAIS....................................................31

2.3. PRESSUPOSIÇÃO E PERSPECTIVA FUNCIONAL DA

SENTENÇA.....................37

3.

CONCLUSÃO..................................................................................................................4

6

CAPÍTULO 3 – ESTUDO HISTÓRICO DA PRESSUPOSIÇÃO

1. DUAS ABORDAGENS DISTINTAS DA

PRESSUPOSIÇÃO.......................................47

2. ALGUMAS ABORDAGENS CLÁSSICAS DE INSPIRAÇÃO

LÓGICA......................48

2.1. FREGE-RUSSELL / FREGE-

STRAWSON..................................................................48

2.2. PRESSUPOSIÇÃO E

ACARRETAMENTO...............................................................53

3. A ABORDAGEM

PRAGMÁTICA..................................................................................58

3.1. A PRESSUPOSIÇÃO COMO ATO DE

FALA............................................................60

3.2. PRESSUPOSIÇÃO E DICOTOMIA

HISTÓRIA/DISCURSO....................................62

4.

CONCLUSÃO..................................................................................................................6

3

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CAPÍTULO 4 – OS LIMITES DO TRATAMENTO DA PRESSUPOSIÇÃO NESTA

DISSERTAÇÃO

1. ALGUMAS TOMADAS DE POSIÇÃO EM FACE DA

BIBLIOGRAFIA.....................65

2. OBJETIVOS DO TRABALHO NORTEADORES DA DEFINIÇÃO DO

TERMO.......68

3. O ESTUDO FORMAL DA

LINGUAGEM......................................................................69

3.1. PRESSUPOSTOS PARA UM ESTUDO FORMAL DA

LINGUAGEM.....................69

3.2. PROJETO DE DESCRIÇÃO

SEMÂNTICA................................................................71

3.3. SEMÂNTICA DOS OPERADORES X SEMÂNTICA

LEXICAL..............................75

4. UM MODELO SEMÂNTICO PARA A

PRESSUPOSIÇÃO..........................................78

4.1. A “SEMÂNTICA DE TROCA DE PASTAS” DE

HEIM............................................78

4.2. A PRESSUPOSIÇÃO NO CONTEXTO DA “SEMÂNTICA DE TROCA DE

PASTAS”............................................................................................................................

..80

5. DEFINIÇÃO OPERACIONAL E CLASSIFICAÇÃO DE

“PRESSUPOSIÇÃO”...........83

CAPÍTULO 5 – INTRODUTORES DE PRESSUPOSIÇÃO E O PROBLEMA DA

PROJEÇÃO

1. ELEMENTOS QUE INTRODUZEM PRESSUPOSIÇÃO NO

PORTUGUÊS..............86

1.1. PRESSUPOSIÇÃO

EXISTENCIAL.............................................................................86

1.1.1. TERMOS

SINGULARES..........................................................................................87

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1.1.2. OUTRAS ESTRUTURAS QUE INTRODUZEM PRESSUPOSIÇÃO

EXISTENCIAL..................................................................................................................

112

1.2. PRESSUPOSIÇÃO

ADSCRITIVA.............................................................................113

1.2.1. PRESSUPOSIÇÃO

LEXICAL.................................................................................113

1.2.2. PRESSUPOSIÇÃO

SINTÁTICA.............................................................................129

2. O PROBLEMA DA

PROJEÇÃO...................................................................................167

2.1. OS PREDICADOS DE

KARTTUNEN......................................................................168

2.2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO PROBLEMA DA

PROJEÇÃO........................................................................................................................

177

CAPÍTULO 6 – ANÁLISE PRESSUPOSICIONAL DE TEXTOS

1. A PRESSUPOSIÇÃO COMO FATOR DE

TEXTUALIDADE....................................178

2. ROTEIRO DE

ANÁLISE...............................................................................................181

3. ANÁLISE DE

TEXTOS.................................................................................................181

3.1. PRIMEIRO TEXTO: “ELEFANTES”

.......................................................................182

3.1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A ORGANIZAÇÃO

TEXTUAL..............183

3.1.2. PALAVRAS E ESTRUTURAS QUE INTRODUZEM

PRESSUPOSIÇÃO..........184

3.1.3. ALGUMAS DISPOSIÇÕES FINAIS SOBRE A

ANÁLISE....................................189

3.2. SEGUNDO TEXTO: “A REFORMA DE

LUTERO”.................................................191

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3.2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A ORGANIZAÇÃO

TEXTUAL..............192

3.2.2. PALAVRAS E ESTRUTURAS QUE INTRODUZEM

PRESSUPOSIÇÃO..........192

3.2.3. ALGUMAS DISPOSIÇÕES FINAIS SOBRE A

ANÁLISE....................................198

4.

CONCLUSÃO................................................................................................................19

9

CONCLUSÃO...................................................................................................................

200

SUMMARY.......................................................................................................................

202

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS............................................................................203

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RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo fornecer subsídios teóricos em semântica lingüística a respeito de um fenômeno que vem suscitando questionamentos desde o final do século passado no campo da Lógica e especialmente ao longo das décadas de ‘60 e ‘70 no campo da Lingüística: a “pressuposição”. O desenvolvimento desse tema requer, primeiramente, a definição de um status para a pressuposição: ora tratada como um elemento eminentemente pragmático, ora tratada como um elemento da semântica, é alvo de abordagens muito diferenciadas nos estudos da linguagem, não sendo raras as confusões de tratamento com outros fatos lingüísticos existentes. Diante desse quadro, será apresentada uma descrição, a mais minuciosa possível, das características desse elemento integrante do sentido implícito, categoria que a língua oferece como um recurso através do qual se possa enunciar algo sem assumir a responsabilidade de tê-lo enunciado. Para tal, faremos uma incursão, primeiramente, no campo da Lógica, retomando textos célebres no assunto como os dos estudiosos Frege, Russell e Strawson. A seguir, desenvolveremos a questão no âmbito da Lingüística, apontando os diversos caminhos e aplicações relacionados com o nosso tema, mesmo que tenhamos, a posteriori, que descartar algumas das teorias apresentadas em função de uma escolha bem fundamentada para o nosso trabalho. Após toda essa descrição e firmada nossa proposta de abordagem a respeito da pressuposição, realizaremos um levantamento de palavras e estruturas da língua portuguesa responsáveis por introduzir pressupostos, tarefa plenamente viável tendo em vista o fato de que essa categoria tem suas raízes fundadas no nível do enunciado. A importância desse inventário está na razão direta da importância de se conhecer melhor a estrutura da língua portuguesa, especialmente no nível do sentido implícito. Apesar de calculáveis, os pressupostos também são sujeitos a variações decorrentes da estruturação sintática das sentenças nas quais se inserem. Em decorrência disso, serão apresentados os fundamentos básicos do “problema da projeção”, que consiste num estudo descritivo da pressuposição no contexto de sentenças complexas, tendo como base especialmente as regras postuladas por Lauri Karttunen. Indo mais além nesse estudo, será mostrado como a pressuposição se liga a fenômenos mais amplos de organização textual, influindo diretamente nos aspectos da coesão e da coerência. Em linhas gerais, é essa a nossa proposta. Espera-se, com este trabalho, esclarecer um pouco mais a respeito desse fenômeno lingüístico, contribuindo para os estudos semânticos em língua portuguesa e apontando possíveis caminhos para maiores aprofundamentos no assunto.

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INTRODUÇÃO

O objetivo desta dissertação é descrever o fenômeno da linguagem

conhecido como “pressuposição”, salientando suas características básicas e abordando

alguns dos principais aspectos a ela relacionados, que vêm sendo tratados a partir do

momento em que esse fenômeno foi identificado e particularizado nos estudos da

linguagem. Interessa-nos, neste trabalho, um enfoque estritamente lingüístico do fenômeno,

à exclusão de quaisquer outras abordagens possíveis do mesmo, como a psicológica e

outras.

Para tanto, será realizada, no primeiro capítulo, uma exposição de tais

características, contrapondo os “pressupostos” especialmente aos “postos” e

“subentendidos” e situando-os no âmbito dos sentidos implícitos da linguagem. Serão

apontadas algumas relações entre a pressuposição e outros fatos da linguagem, no segundo

capítulo, os quais foram selecionados de modo que proporcionem uma visão semântica do

fenômeno mais completa possível e também propiciem um entendimento de suas

implicações discursivas. No terceiro capítulo, será alvo de discussão o tratamento que a

pressuposição tem recebido no contexto da Semântica e da Pragmática, as duas disciplinas

lingüísticas que tratam de significação. Como Semântica e Pragmática constituem dois

campos com limites nem sempre claros nos estudos da linguagem em geral, procederemos a

uma descrição detalhada da pressuposição em cada uma dessas áreas, que servirá de base

para uma opção de tratamento mais definida, a ser exposta no quarto capítulo.

Este trabalho oferecerá, especialmente nos capítulos iniciais, uma visão em

certo sentido “histórica” (ainda que não estritamente cronológica) da pressuposição, de

forma que se constitui num apanhado sucinto mas à sua maneira completo de características

e fatos relacionados ao objeto de pesquisa, com vista ao tratamento a ser dado nos capítulos

seguintes.

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No quinto capítulo, será apresentado o quadro de expressões e estruturas

sintáticas da língua portuguesa que introduzem pressuposição e serão descritas as condições

de manutenção e cancelamento de pressupostos em sentenças encaixadas. Esse capítulo se

reveste de um caráter exploratório, especialmente no que tange ao inventário de expressões

e estruturas sintáticas; o desenvolvimento de tal inventário dar-se-á pela descrição de

elementos já apontados nos estudos da linguagem como introdutores de pressuposição,

além de elementos que porventura ainda não tenham sido abordados e que permitem um

estudo em tal nível.

Ao elaborar esse levantamento, falaremos de um “contexto pressuposicional”

na língua, como sendo um ambiente lingüístico construído de modo a veicular

pressuposições, através da presença de palavras e construções específicas para esse fim.

Pode-se dizer que esse contexto pressuposicional desencadeia a passagem mais imediata do

sentido explícito para o sentido implícito fundamentado no nível do enunciado; é ele que

apresenta as marcas mais claras da necessidade de interpretar em vários níveis os

enunciados de uma língua.

Uma vez levantados e discutidos os aspectos sobre o fenômeno da

pressuposição, no último capítulo partiremos para uma de suas implicações lingüísticas

práticas, que é a aplicação do estudo na análise de textos escritos. Veremos, nesse

exercício, que um texto veicula uma série de pressupostos, os quais são sistematicamente

articulados, ainda que de forma intuitiva da parte do autor, em função da harmonia das

idéias - vale dizer, em função da coesão e da coerência textuais – e em função da escolha

operada, da parte do emissor, em relação à distribuição de informações postas e

pressupostas, objetivando atender aos seus propósitos discursivos da maneira mais eficiente

possível.

Com tudo isso, esperamos fornecer uma visão bastante abrangente a respeito

do nosso objeto de estudo, além de demonstrar como os pressupostos interferem na

produção/interpretação de textos da língua portuguesa, contribuindo para o alargamento da

visão de como essa categoria é rica de considerações lingüísticas teóricas e práticas.

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CAPÍTULO 1

A PRESSUPOSIÇÃO LINGÜÍSTICA

1. Considerações iniciais sobre o sentido na linguagem

Os estudos da linguagem se realizam de diferentes formas, influenciadas pelo

contexto histórico-científico no qual se inserem. É indiscutível, nas últimas décadas deste

século, a ocorrência de uma mudança de orientação na Lingüística que acaba por influenciar

todas as abordagens: a passagem de uma lingüística do “sistema” - bem ao gosto

estruturalista de Saussure e sobretudo de seus discípulos, que tratam da língua em termos

de traços distintivos - para uma lingüística do “discurso”. Com essa mudança, o rigor do

sistema cede espaço para a preocupação pelos processos envolvidos no uso, sejam eles

lingüísticos ou extralingüísticos. Em outras palavras, privilegia-se o processo de produção e

interpretação da linguagem (enunciação) face à mensagem verbal, o enunciado1, e ao código

que a fundamenta.

É nesse contexto que surge a Pragmática (área de pesquisa que trata da

língua enquanto prática discursiva), além de outros ramos interdisciplinares como a

Sociolingüística, Psicolingüística etc. É também nesse contexto que a Semântica, ramo do

conhecimento que estuda o Sentido, tem seus tratamentos acrescidos de novos pontos-de-

vista sobre a linguagem, alguns deles em contradição com as teorias já mais solidificadas,

outros enriquecedores dessas mesmas teorias.

1 CASTILHO (1990:106-7) faz uma descrição sumária sobre essa mudança, baseando-se em autores como Schlieben-Lange, Dascal e Levinson.

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Essa mudança de abordagem dos estudos lingüísticos e o aparecimento de

disciplinas paralelas à Lingüística apresentam um quadro bastante complexo. A necessidade

de encarar a língua para além de simples sistema, estudando aspectos outros além dos de

nível fonológico e morfossintático e da significação dos morfemas lexicais e das construções

gramaticais, foi prevista no momento de maior impacto dos teóricos estruturalistas por

vários autores em áreas diversas:

• Já na década de ‘70, por exemplo, Eugenio Coseriu descreveu bem essa necessidade.

COSERIU (1973) afirma que “a língua não pode ser isolada dos “fatores externos” –

isto é, de tudo aquilo que constitui a fisicidade, a historicidade e a liberdade expressiva

dos falantes”2. E mais: “Uma língua, no sentido corrente do termo (língua espanhola,

língua francesa etc.), é por sua natureza um “objeto histórico””3. Para Coseriu, a língua

deve ser entendida, primeiramente, como “função”, depois como “sistema”, uma vez

que, se ela funciona, não é por ser um sistema; pelo contrário, constitui-se um sistema a

partir do momento que cumpre uma função, e essa função liga-se a fatores históricos

que, certamente, imprimem marcas na organização sistêmica da própria língua. Nesse

raciocínio, Coseriu define uma língua funcional (língua que se pode falar) como um

“sistema de oposições funcionais e realizações normais”4; COSERIU (1973) estabelece,

ao lado da então vigente dicotomia saussureana langue/parole, a dicotomia entre

“sistema” e “norma”. O primeiro elemento corresponde ao conjunto de possibilidades

que se abrem para um falar compreensível numa comunidade, enquanto o segundo

corresponde ao conjunto de realizações obrigatórias, consagradas e compartilhadas

dentro dessa mesma comunidade de falantes.

• PÊCHEUX (1969), em cujos trabalhos se originam várias linhas da Análise do Discurso,

também expõe a necessidade de não-limitação ao sistema quando do tratamento da

linguagem. Esse autor defende a necessidade de levar em conta o plano social da

comunicação para entendimento do processo de significação, quando objetos e

processos materiais funcionam como signos em situações definidas. Essa linha é ainda

defendida em obras posteriores de Pêcheux5, que aponta, ao lado da tendência

formalista-logicista representada pela teoria chomskyana e fundada na lógica de Port-

Royal e ao lado da tendência histórica, que trata de fatores de ordem geo-, etno- e

2 Cf. COSERIU (1973:19). 3 Idem, p. 22. 4 Idem, p. 50.

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sócio-lingüística, uma terceira via dos estudos da linguagem, a que se poderia chamar

“lingüística da fala” ou “da enunciação”, “da performance”, “da mensagem”, “do texto”,

“do discurso” etc. “Essa tendência desemboca em uma lingüística do diálogo como jogo

de confrontação.”6

• Com outras importantes descobertas operadas ao longo da década de 1960, dificilmente

os estudos lingüísticos continuariam centrados no nível do enunciado: a) Émile

Benveniste mostra marcas de intersubjetividade na linguagem, que acabam por situar a

figura do falante no interior do próprio sistema; um dos tantos exemplos dessa presença

são os pronomes “eu” e “tu”, que significam em função da instância do discurso em que

aparecem, e não do enunciado em si. b) J. L. Austin mostra que “dizer” é “fazer”

quando se usam os verbos chamados de “performativos” na 1ª pessoa do singular do

presente do indicativo. Ao enunciar “eu prometo”, “eu juro”, em circunstâncias

apropriadas, um locutor não está, propriamente, informando nada – está realizando um

ato de fala, como uma promessa ou um juramento. A partir daí, são reconhecidos três

níveis da linguagem nos quais se dá simultaneamente cada ato de fala: locucional,

ilocucional e perlocucional. Enquanto o nível locucional diz respeito à associação som-

sentido estabelecida pelas palavras segundo uma organização própria da gramática da

língua, no nível ilocucional é atribuída uma “força” ao conjunto locucional, imprimindo

neste o caráter de pergunta, ordem, promessa e vários outros. Por perlocucional

entende-se o efeito produzido sobre um interlocutor por meio da linguagem: ameaça,

susto, medo etc. c) J. R. Searle desenvolve a teoria dos atos de fala de uma forma

bastante operacional. Em SEARLE (1965), por exemplo, trata-se das condições

necessárias e suficientes para a execução de determinados tipos de atos de fala,

extraindo delas algumas regras semânticas. Ainda conforme Searle, nas situações

concretas de discurso, freqüentemente o contexto é que permite determinar a força

ilocucional da enunciação, mesmo quando o enunciado não comporta um marcador

lingüístico apropriado (atos de fala indiretos). Além disso, esse filósofo estabelece um

formato geral para os atos ilocucionais: F(p), em que “F” corresponde à força

ilocucional que incide sobre “p”, que é, por sua vez, representativo de uma proposição.

Daí, derivam representações para os diferentes tipos de atos ilocucionais: �(p) para

asserções, Pr(p) para promessas, !(p) para ordens, W(p) para advertências, ?(p) para

5 Ver, a título de exemplo, PÊCHEUX (1975). 6 Idem, p. 21.

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perguntas etc. Como exemplo, uma pergunta do tipo: “Quantos habitantes há na Grande

São Paulo?” pode ser representada assim: ? (X número de habitantes na Grande São

Paulo). d) Outro autor que também revolucionou os estudos da linguagem foi Grice, ao

postular o “princípio da cooperação” entre os interlocutores de um discurso, que se

traduz em quatro máximas: máxima da quantidade (o falante não diz nem mais nem

menos que o necessário), máxima da qualidade (o falante não diz o que sabe não ser

verdadeiro), máxima da relação (ou relevância – o falante diz somente o que é

relevante) e máxima do modo (o falante é claro e conciso). Com todas essas

descobertas, está fundada a Pragmática, área de estudo da linguagem que ultrapassa o

nível do enunciado, no qual se centraram principalmente o Estruturalismo e a teoria da

gramática transformacional7.

Graças a essas diferentes descobertas, chega-se a compreender que as

informações que integram o sentido de um enunciado não têm como única origem o

sistema, pois estão sujeitas tanto às vicissitudes do enunciado quanto às da enunciação. Em

várias sentenças da língua, é possível perceber a presença de informações significativas nos

dois níveis, como mostra o exemplo a seguir:

(1) Não foi Ferdinand de Saussure que publicou o Cours; o pai da Lingüística morreu em

1913.

Nesse exemplo, percebe-se que algumas informações estão contidas no nível

do próprio enunciado, como a) “alguém publicou o Cours”, b) “Ferdinand de Saussure não

publicou o Cours”, c) “existe um pai da Lingüística”, d) “o pai da Lingüística morreu em

1913”. Outras informações podem ser derivadas do nível da enunciação, e, obviamente, seu

processamento depende de conhecimentos extralingüísticos ou, no mínimo, de certas

intuições mais amplas da parte de quem processa o sentido da sentença. Entre essas

informações dependentes da contextualização, podemos destacar: e) “o locutor de (1)

tem/assume ter autoridade para afirmar o conteúdo expresso” e presume que f) “o

interlocutor se interessa pela informação de (1)”, g) “é do interesse do locutor de (1) que o

seu interlocutor fique a par do conteúdo expresso” etc.

Ainda que queiramos considerar apenas as informações contidas no nível do

enunciado, nem todas são explícitas. Dentre as quatro informações apontadas acima, a) e c)

7 Essa mudança é bem descrita por VOGT (1974).

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se mostram como pré-requisitos para o entendimento de (1) e, a rigor, não estão sendo

declaradas explicitamente por (1) - somente de posse prévia da informação de que “alguém

publicou o Cours” é que é viável informar que Ferdinand de Saussure não corresponde a

esse alguém; só conhecendo previamente que “existe um pai da Lingüística” e identificando

a personagem histórica é que se torna possível compreender que essa mesma personagem

morreu em 1913. Em relação a esse tipo de informação, dizemos que são integrantes do

sentido “implícito” da linguagem.

A existência de um sentido implícito é que justifica a classificação de uma

língua natural para além de simples código. Conforme afirma DUCROT (1972), a língua é

uma espécie de jogo, onde os atuantes estabelecem relações interpessoais permeadas de

tabus, existindo, em conseqüência disso, a necessidade de diferenciar os tipos de informação

transmitidos: há coisas que podem ser ditas, assim também como há coisas que não o

podem, ou só o podem de forma a não acarretar, para quem as transmite, nenhuma

responsabilidade de tê-las dito.

A força do sentido implícito reside no fato de poder ser transmitido sem que

seja (normalmente) questionada a veracidade da informação em questão. Quando se diz, por

exemplo,

(2) Não foi Ferdinand de Saussure que publicou o Cours.

é dada como inquestionável a informação implícita de que “alguém publicou o Cours”.

Dessa forma, o manejo, dentro dos enunciados, de informações transmitidas explícita e

implicitamente torna-se uma arma muito poderosa utilizada pelos agentes do jogo

lingüístico.

Em outras referências bibliográficas (como em DUCROT (1981:23)), o

autor deixa claro que “(...) a referência implícita a uma situação pressuposta é uma das

características mais fundamentais da linguagem, e não uma habilidade subsidiária (...)”. Ou

seja: as informações implícitas são tão importantes na língua quanto o sentido explícito.

DUCROT (1972:19) chama a atenção para o caráter unilateral da relação

que se estabelece entre significação implícita (Si) e significação literal (Sl). No caso de um

enunciado como

(3) São oito horas.

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uma significação implícita do tipo “vá embora” só é produzida se se interpreta a significação

literal - no caso, a informação neutra e objetiva sobre o horário. Esquematicamente,

podemos representar esse movimento como:

Sl ð Si

Em contrapartida, não existe o movimento contrário: segundo Ducrot, neste

momento de sua reflexão, não era possível processar a significação implícita para depois

processar a significação literal.

Essa relação unilateral explica por que o locutor é isento de

responsabilidades em relação à significação implícita: ele se torna responsável pelo “dito”

(Sl), mas normalmente não pode ser responsabilizado por algo que, efetivamente, não foi

dito (Si). Além do mais, o esquema acima não estabelece as condições da Si, que são muito

variáveis - esse nível de significação pode-se dar tanto em função das informações contidas

no próprio enunciado quanto em função das intenções do locutor, de predisposições do

destinatário etc.

Diante do exposto, um questionamento de crucial importância vem à tona

neste trabalho: até que ponto a busca dos implícitos é um processo formalizável, em linha

de princípio? A resposta a essa questão será o fio condutor de todo o desenrolar do nosso

trabalho, razão por que se faz conveniente uma pequena reflexão sobre o assunto.

A categoria do implícito é formada por elementos muito diferenciados entre

si, conforme será detalhado nas próximas seções deste capítulo. Formalizar o implícito

como um todo equivaleria a prever todas as possibilidades de ocorrência de implícitos em

torno de um mesmo enunciado (tarefa absolutamente inviável na teoria e na prática). Por

outro lado, e justificando a proposta do nosso trabalho, uma categoria do implícito que se

baseie em elementos “visíveis” na língua (vale dizer, elementos presentes no nível do

enunciado) torna-se, de certa maneira, “previsível” no aparelho formal da linguagem. A

categoria do implícito é vasta, e está sujeita a variações que ocorrem desde o nível do

enunciado até o da enunciação. Nesse quadro, a pressuposição, um dos elementos

constituintes desse vasto conjunto que é o sentido implícito, é plenamente passível de

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formalização, tendo em vista a sua percepção imediata a partir de elementos do enunciado,

segundo será mostrado um pouco mais à frente.

2. Características básicas da pressuposição

A pressuposição lingüística é um elemento que integra o sentido implícito de

certos enunciados. É sempre introduzida, na linguagem, por itens lexicais ou estruturas

gramaticais específicos, tais como o emprego dos tempos e formas verbais, a presença de

certos advérbios e construções sintáticas etc. Se por um lado o “pressuposto” se opõe aos

demais tipos de implícitos, por outro lado, opõe-se ao “posto”, sendo este último um

elemento integrante do sentido explícito na linguagem, correspondente ao conteúdo

assertado, propriamente dito.

No exemplo abaixo,

(4) Meu amigo parou de escrever.

nota-se a presença de uma informação implícita: “meu amigo escrevia antes”. Essa

informação também é parte de seu “conteúdo”. Trata-se de uma informação “pressuposta”,

que se manifesta paralelamente à informação “posta” de que “meu amigo não escreve

atualmente”. Observe-se que, sem aceitar como verdadeira a informação pressuposta “meu

amigo escrevia antes”, a sentença (4) não faria sentido. Esse exemplo mostra a relação

existente entre a pressuposição e a forma “parar de”, no pretérito perfeito do indicativo; faz

parte do sentido da construção ““parar de” + infinitivo” que o verbo que aparece logo em

seguida remete a uma ação que vinha acontecendo até então ou já acontecera

anteriormente.

2.1. Critérios de identificação de pressupostos

2.1.1. A regra da negação

A pressuposição apresenta algumas características básicas. A primeira delas

(e a mais conhecida e aceita entre os estudiosos da linguagem), posta em evidência no

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contexto de uma reflexão do lógico e matemático Gottlob FREGE (1892), é o fato de a

pressuposição não ser afetada pela negação, como mostram os exemplos abaixo:

(5) Meu amigo não parou de escrever.

(6) É falso que meu amigo parou de escrever.

Nenhuma das formas negativas acima exclui a informação pressuposta em

(4), “meu amigo escrevia antes”. Esta persiste na sentença, mesmo quando aquela sentença

é transposta para a forma negativa pela introdução de um operador (advérbio ou expressão)

de sentido negativo. Ora, entende-se desde Frege que, se uma determinada informação

contida na sentença não é afetada pela negação, é sinal de que tal informação não se situa

no nível do sentido explícito do enunciado, e sim num “lugar” especial do mesmo. Em

outras palavras, argumenta o lógico e matemático Gottlob Frege, quando uma informação

não é afetada pela negação numa sentença, é sinal de que tal informação não fora assertada,

mas, segundo o conceito que ele próprio lançou, “pressuposta”.

O tipo de pressuposição que impulsionou toda a pesquisa acerca desse

fenômeno na esteira de Frege é o relativo à informação sobre a existência de um ser, que

uma expressão lingüística toma como seu referente, tal como acontece com “O autor de

Ana Karênina” no exemplo (7):

(7) O autor de Ana Karênina desiludiu-se com o convencionalismo do ensino acadêmico.

Esse tipo de pressuposição foi amplamente estudado em especial pelos

lógicos e filósofos da linguagem, sendo os estudos mais famosos os de Russell e Strawson.

“O autor de Ana Karênina”, no exemplo (7), é uma descrição definida, ou seja, uma

expressão que denota um objeto definido8 (= Tolstói). No contexto de (7), “O autor de Ana

Karênina” veicula uma pressuposição, pois a existência de um ser que preenche as

condições de referência da descrição definida acima citada continua sendo exigida na forma

negativa de (7):

(8) O autor de Ana Karênina não se desiludiu com o convencionalismo do ensino

acadêmico.

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No desenvolvimento posterior deste trabalho, retornaremos freqüentemente

ao teste da negação, que tomamos como um dos critérios mais fortes e seguros da análise

pressuposicional. Não se pense, contudo, que esse critério esteja totalmente livre de

problemas. A negação que se exemplifica em (5) e (6) mais acima é chamada de negação

“descritiva”: o que se nega é a informação relativa ao elemento “meu amigo”, ou seja, nega-

se que este tenha parado de escrever. Existe, no entanto, um outro tipo de negação,

chamada de “metalingüística”9, que opera no nível da sentença como um todo, e afeta o

pressuposto de existência presente na sentença em questão. Estaríamos usando esse

segundo tipo de negação na sentença (9) com um encadeamento do tipo mostrado em (10):

(9) Minha esposa foi trabalhar.

(10) Minha esposa não foi trabalhar; eu não sou casado.

Note-se que o pressuposto da existência de um ser que preencha a descrição

“minha esposa” no primeiro segmento da sentença é negado no segmento posterior. Esse

fato levou diversos lingüistas10 a não considerarem sentenças com expressões desse tipo

como encerrando uma pressuposição de existência. Aceitar esse raciocínio tem uma

conseqüência teórica séria: seríamos levados a não aceitar que a pressuposição resiste à

negação (mesmo que se trate de um único tipo de negação, o metalingüístico) e que a

pressuposição não subsiste a certos encadeamentos (a manutenção dos pressupostos em

encadeamentos de sentenças é outra característica que será exposta mais adiante). Porém,

isso não se faz necessário. Podemos apontar um comportamento próprio dos pressupostos,

amplamente aceito nos estudos da linguagem: só é possível negá-los se eles forem

transpostos para o nível do sentido explícito. E essa regra inclui tanto os pressupostos

chamados “existenciais” quanto os introduzidos por certos vocábulos e estruturas

lingüísticas específicas.

2.1.2. A regra da interrogação

8 Cf. RUSSELL (1905:41). 9 DUCROT (1984b) chama a esse tipo de negativa de “polêmica”, justamente pelas implicações discursivas decorrentes de seu emprego, que serão discutidas a seguir.

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Outra característica da pressuposição é o fato de ela se manter inalterada na

interrogação. Aproveitando-se a mesma sentença afirmativa (4) acima, a correspondente

forma interrogativa poderia ser:

(11) Meu amigo parou de escrever?

ou

(12) Gostaria de saber se meu amigo parou de escrever.

Nota-se que em ambas as interrogações, direta ou indireta, o pressuposto

“meu amigo escrevia antes” continua valendo – não aceitar a verdade desse pressuposto

conduziria à ausência de sentido em (11) e (12). A dúvida lançada nesses enunciados,

motivadora das formas interrogativas em questão, reside em que o “amigo” pode estar

escrevendo no momento atual ou não - informação que se constitui como o posto da

sentença.

Contudo, também a interrogação se mostra parcialmente problemática

enquanto teste para a detecção dos pressupostos. O problema é que há sentenças que não

são possíveis de se apresentarem interrogativamente, como no exemplo (13):

(13) * Pare de pensar na vida alheia?

Esse exemplo retrata justamente um caso típico na língua: o de sentenças

com verbos no modo imperativo, uma vez que não existem sentenças imperativo-

interrogativas (ao passo que existem sentenças interrogativo-negativas).

A superação desse impasse pode-se dar nos seguintes termos: a interrogação

e o imperativo são dois atos de fala distintos (nos termos de SEARLE (1965)) em relação a

um mesmo conteúdo proposicional. Assim, dado um conteúdo proposicional, ou se escolhe

um ou se escolhe outro ato de fala (ou, ainda, usa-se uma forma para obter os resultados

esperados de outra forma - exemplos clássicos são as interrogações empregadas no intuito

de obter o resultado de uma ordem). É interessante destacar, ainda, que a pressuposição se

mantém no imperativo de uma sentença, como se mostra abaixo:

10 Entre eles, destaco KEMPSON (1975) e WILSON (1975).

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(14) Você parou de escrever. (afirmativa)

Pare de escrever. (imperativo)

pp.11 - Você escrevia até algum tempo atrás / escreve até o momento.

Excetuando-se casos como esse, também a interrogação fornece um critério confiável para

a identificação dos pressupostos. Além do mais, não devemos pensar nesses recursos de

uma forma isolada. Quando um deles não for suficiente, certamente outros recursos serão

bons critérios para identificar os pressupostos.

2.1.3. A regra do encadeamento

Outra característica dos pressupostos – e outro possível teste para sua

detecção - é que estes se mantêm no encadeamento de sentenças e não são afetados pela

relação de sentido expressa pelo conectivo que liga os enunciados, característica que

fundamenta a chamada “lei de encadeamento”. Segundo essa lei, se uma sentença A se

encontra encadeada a uma sentença B, a relação estabelecida entre A e B por um conectivo

implícito ou explícito não se refere ao “pressuposto”, mas ao “posto” de A e de B.

DUCROT (1972) trata dessa lei, citando como exemplos, saliente-se,

encadeamentos que não constituem mera sucessão de sentenças. Os casos apontados giram

em torno de sentenças ligadas por conectivos que estabelecem um nexo semântico entre

elas, mais especificamente certos conectivos subordinativos.

Tomemos um de seus exemplos de encadeamento para exemplificar o que

postula essa lei:

(15) (a) João não come mais caviar no café da manhã (b) porque tem medo de engordar.

• O primeiro segmento de (15) – “João não come mais caviar no café da manhã” - encerra

o pressuposto “João antes comia caviar no café da manhã” enquanto apresenta o posto

“João atualmente não come caviar no café da manhã”;

11 Na bibliografia semântica que trata de pressuposição, é usual representar a informação pressuposta por “pp.” e a informação posta por “p.”.

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• o segundo segmento - “porque tem medo de engordar” - expressa causalidade em

relação ao primeiro segmento, e, mais especificamente, conforme postula a lei de

encadeamento, em relação ao posto do primeiro segmento, não ao pressuposto: é por

ter medo de engordar que João atualmente não come caviar no café da manhã (e não: é

por ter medo de engordar que João antes comia caviar no café da manhã).

Embora essa lei seja bastante abrangente, existem, aqui também, alguns

contra-exemplos. Há enunciados encadeados em que o segundo segmento diz respeito ao

significado situado, pelo menos, na relação posto-pressuposto do primeiro enunciado, e não

somente no posto. Observe-se o exemplo, também de DUCROT (1972):

(16) (a) João não come mais caviar no café da manhã. (b) Ele é, portanto, capaz de privar-

se dele.

• O primeiro segmento - “João não come mais caviar no café da manhã” - apresenta como

pressuposto “João antes comia caviar no café da manhã”, e como posto “João

atualmente não come caviar no café da manhã”;

• o segundo segmento - “Ele é, portanto, capaz de privar-se dele” - expressa conclusão

em relação ao primeiro segmento – desta vez, em direção tanto ao seu posto quanto ao

seu pressuposto: para se concluir que João é capaz de privar-se de caviar no café da

manhã, é necessário levar em consideração que ele comia caviar antes e que ele

atualmente não come. Só a informação pressuposta ou só a informação posta seria

insuficiente para justificar a conclusão em jogo na sentença.

É interessante, porém, notar que “portanto” não funciona, no exemplo

acima, como um encadeador; a relação significativa presente entre os dois segmentos se dá

independente desse elemento, que funciona muito mais como um operador discursivo, em

semelhança com outros operadores, como mostra o esquema abaixo:

(17) (...) Ele é, portanto ,capaz de privar-se dele.

concluindo

conseqüentemente

em decorrência disso

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assim

Pode-se concluir que o fato de a relação expressa por (b), no exemplo (16),

dar-se em direção à relação posto-pressuposto de (a) (diferentemente do ocorrido em (15))

decorre da mudança de conjunção, sabendo-se que ela pode assumir um papel diferente,

como um operador discursivo; em (17), vê-se que o segmento continua expressando uma

idéia, concomitantemente, em relação ao posto e ao pressuposto da sentença que venha a

antecedê-lo, independentemente do tipo de conjunção ou operador discursivo utilizado.

Uma explicação mais geral relacionada com o tipo de conjunção empregada pode ser

aventada aqui: as conjunções subordinativas, que estabelecem uma relação de significação

mais forte entre as sentenças do que as conjunções coordenativas, garantem mais o bom

funcionamento da lei de encadeamento (cf. exemplo (15)). Entre orações coordenadas, que

apresentam maior independência sintática e semântica, é mais comum a transgressão dessa

mesma lei (cf. exemplo (16)).

A partir do exposto, podemos nos lançar ao seguinte questionamento: até

que ponto se aplica a lei de encadeamento, que diz que, entre dois enunciados encadeados,

a relação estabelecida se dá no nível do posto, e não do pressuposto?

O tipo de relação estabelecida entre as sentenças influi na resposta a essa

questão. A relação emergente entre as frases vai atingir o pressuposto de um dos segmentos

desde que este seja importante para a interpretação do outro segmento. Mas como

formalizar essa importância dentro de uma análise lingüística? Considere-se um

encadeamento de sentenças (a) e (b) de forma que (b) preserve, nessa relação significativa,

as informações postas e pressupostas de (a). Nessa situação, a sentença (b) pode ser

considerada uma paráfrase da sentença (a), pelo menos se entendida no sentido corrente de

“desenvolvimento explicativo de uma unidade ou de um texto.”12 No exemplo (16) acima, a

conjunção “portanto” confere a (b) uma idéia de conclusão que não é nada mais que uma

reescritura de (a): ser capaz de privar-se de algo (segmento (b)) é, de certa forma, o mesmo

que não fazer mais algo (segmento (a)).

A paráfrase é um recurso essencialmente metalingüístico. Trata-se de um

fenômeno da linguagem através do qual um segmento é reescrito em outro segmento por

meio de outros termos. No caso de dois segmentos encadeados parafrasicamente, como na

sentença (16), a “reescrita” do segmento (a) sob a forma do segmento (b) permite-nos a

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observação de que (b) não existe somente em função de uma informação nova na sentença;

existe, também, em função de expressar o mesmo conteúdo de (a), direcionando-o para uma

possível inferência não apresentada no primeiro segmento.

Dessa forma, podemos afirmar que a lei de encadeamento é válida entre duas

sentenças que mantêm entre si alguma relação significativa, desde que não seja estabelecida,

entre elas, uma relação parafrásica - afinal, uma paráfrase tanto mais tem efeito quanto mais

houver a preservação de informações, sejam elas postas ou pressupostas, ainda que possa

haver uma introdução de conteúdos novos.

Portanto, conectivos que promovem apenas a reformulação de idéias entre

duas sentenças sucessivas contrariam o que prevê a lei de encadeamento. Entre eles,

podemos citar:

a) conjunções conclusivas: “logo”, “portanto”, “por conseguinte”, “pois” (posposto ao

verbo), “por isso”;

b) as chamadas “palavras denotativas de retificação ou situação”: “aliás”, “ou melhor”, “isto

é”, “ou antes”, “ou seja”, “afinal”, “então”, algumas das quais sendo tipicamente

operadores de paráfrase.

Nos exemplos abaixo, cujas sentenças são encadeadas com um dos

conectivos listados acima, observe que (b) é uma paráfrase de (a) e que o posto e o

pressuposto da primeira sentença devem ser considerados para a depreensão do sentido da

segunda sentença:

(18) (a) João parou de escrever poemas; (b) por isso, está diminuindo sua produção

literária.

• O segmento (a) apresenta como pp.: “João escrevia poemas antes” e como p.: “João

não escreve poemas atualmente”; o segmento (b) é uma paráfrase de (a) voltada para a

relação posto-pressuposto deste.

(19) (a) Maria parou de receber mesadas; (b) suas regalias foram cortadas, pois.

• O segmento (a) apresenta como pp.: “Maria recebia mesadas antes” e como p.: “Maria

não recebe mesadas atualmente”; o segmento (b) é uma paráfrase de (a) voltada para a

relação posto-pressuposto deste.

12 Cf. DUBOIS, Jean et al. (1973:454).

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(20) (a) Eu parei de insistir com você; (b) afinal, eu deixei de ser persistente.

• O segmento (a) apresenta como pp.: “Eu insistia com você antes” e como p.: “Eu não

insisto com você atualmente”; o segmento (b) é uma paráfrase de (a) voltada para a

relação posto-pressuposto deste.

(21) (a) Nós paramos de comprar mercadorias no Paraguai, (b) isto é, reduzimos nosso

risco de fiscalização.

• O segmento (a) apresenta como pp.: “Nós comprávamos mercadorias no Paraguai

antes” e como p.: “Nós não compramos mercadorias no Paraguai atualmente”; o

segmento (b) é uma paráfrase de (a) voltada para a relação posto-pressuposto deste.

Voltando aos casos em que supostamente se aplica a lei, analisemos o

encadeamento de duas sentenças (a) e (b) numa relação parafrásica em que (b) também

contenha informação pressuposta:

(22) (a) João não come mais caviar no café da manhã, (b) pois deixou de ser rico.

• Segmento (a): pp.: João antes comia caviar no café da manhã.

p.: João atualmente não come caviar no café da manhã.

• Segmento (b): pp.: João era rico antes.

p.: João não é rico atualmente.

Pelo fato de se encontrarem, concomitantemente, informações postas e

pressupostas nas duas sentenças, a relação de causalidade propiciada pela presença da

conjunção se dá em níveis diferenciados. Mais uma vez, não se aplica a lei de

encadeamento, acontecendo um fenômeno bem particular: a explicação manifestada pelo

posto de (b) remete-nos à informação contida no posto de (a), e a explicação manifestada

pelo pressuposto de (b) remete-nos à informação contida no pressuposto de (a). Observe o

quadro abaixo, que esquematiza tal relação, em que são salientados os postos e

pressupostos de cada segmento do exemplo (22) (leia-se o sinal “ð” como um indicador da

relação de explicação entre dois segmentos):

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(a) João não come mais caviar no

café da manhã

(b) porque deixou de ser

rico

Postos João atualmente não come caviar

no café da manhã

ð João não é rico

atualmente

Pressupostos João antes comia caviar no café

da manhã

ð João era rico antes

Esse caso não deve ser tomado como regra geral; se substituirmos a

conjunção “pois” do exemplo (22) pela locução “depois que”, por exemplo:

(23) (a) João não come mais caviar no café da manhã (b) depois que deixou de ser rico.

a sentença passa a exprimir uma relação de temporalidade entre os seus segmentos (a) e (b).

Seria falso apontar, por outro lado, a mesma relação temporal entre os pressupostos e

postos de cada segmento, como sucedeu com a sentença (22):

(a) João não come mais caviar no

café da manhã

(b) depois que deixou de

ser rico

Postos João atualmente não come

caviar no café da manhã

(depois que) João não é rico

atualmente

Pressupostos João antes comia caviar no

café da manhã

(depois que) João era rico antes

Nesse exemplo, acaba prevalecendo o princípio geral da lei de

encadeamento: a noção de tempo expressa por (b) refere-se unicamente ao posto de (a). O

que justifica esse fenômeno é a tendência ao cumprimento da regra de encadeamento

quando há uma relação de subordinação entre as sentenças, diferentemente da relação de

coordenação.

Faz-se necessário salientar, nesse ponto da discussão, que a regra de

encadeamento não fica invalidada somente no caso da relação parafrásica entre dois

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segmentos de uma mesma sentença. A sentença (21) acima, por exemplo, pode ser reescrita

com outros conectivos que nada têm a ver com paráfrase, como apresentado abaixo:

(24) (a) Nós paramos de comprar a partir daí, (b) reduzimos nosso risco de

mercadorias no Paraguai; diante isso, fiscalização

daí em diante,

Um outro tipo de teste pode ser aplicado para confirmação da

validade/invalidade da lei de encadeamento de sentenças, desta vez voltado para os

operadores introdutores de pressuposição nas sentenças em vez dos conectivos

empregados. Nos exemplos analisados até o momento, a pressuposição é introduzida por

expressões ligadas à questão do aspecto verbal em português (como “parar de”).

Adiantando que o operador “só”, em português, também é introdutor de pressuposição,

como no exemplo abaixo,

(25) Só o garçom chegou para a festa.

• pp.: O garçom chegou para a festa13

• p.: Ninguém além do garçom chegou para a festa

a sentença (25) pode ser encadeada com o uso de conectivos ou operadores discursivos,

sem que haja relação parafrásica entre os segmentos (a) e (b), como no exemplo abaixo:

(26) (a) Só o garçom chegou para a festa; (b1) pelo menos, já havia quem servisse.

(b2) com isso, ninguém podia dizer que a

casa estava vazia.

Em (26), observe que os dois segmentos (b1) e (b2) encadeados a (a) levam

em conta a informação de que “o garçom chegou para a festa”, fato que também invalida o

que prevê a lei de encadeamento.

13 Esse pressuposto pode ser comprovado pelo teste da negação: em “Não é verdade que só o garçom chegou para a festa”, continua presente a informação “o garçom chegou para a festa”.

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Em resumo, o encadeamento de sentenças é um critério de determinação de

pressupostos que precisa ser melhor compreendido, pelo menos no que tange à retomada de

informações postas e pressupostas em certos segmentos encadeados. Pode-se considerar a

conclusão acima sobre a paráfrase um primeiro passo na tentativa de determinar os limites

da lei de encadeamento; quanto aos conectivos empregados, o que se pode afirmar, por

enquanto, é que seu papel é independente das relações parafrásicas. Também os conectivos

merecem um tratamento mais detalhado, que poderá ser esboçado a partir do momento em

que tivermos pronto o inventário de palavras e expressões que introduzem pressuposição no

português, objeto do terceiro capítulo deste trabalho.14

2.1.3.1. A regra dos anafóricos

Num comportamento similar ao da regra de encadeamento – aliás, dela

decorrente - surge a chamada “regra dos anafóricos”, segundo a qual os pronomes

anafóricos, ao se referirem a um conteúdo da frase precedente, não remetem ao

pressuposto, mas a algum elemento posto. Seja o exemplo abaixo, adaptado de DUCROT

(1966), que é a referência que melhor trata dessa questão atinente aos anafóricos e sua

relação com a pressuposição:

(27) (a) É Pedro que vai chegar, (b) e isso me deixa muito contente.

• (a) apresenta como pp.: “alguém vai chegar”, e como p.: “Pedro é esse alguém que vai

chegar”.

• Em (b), o pronome anafórico “isso” refere-se à informação posta sobre a chegada de

Pedro, e não à informação pressuposta de que qualquer pessoa fosse chegar.

14 Nessa altura do capítulo, poderíamos apontar uma outra característica dos pressupostos, salientada por VOGT (1974): a manutenção destes em sentenças exclamativas (Cf.: João não come mais caviar no café da manhã! – pp.: João antes comia caviar no café da manhã). Tal critério tem fundamento, mas não se constitui, ao nosso ver, nenhuma novidade maior em termos semânticos se levarmos em conta que a exclamação é apenas um modo de realização de uma sentença, e não uma operação lógica efetuada como a negação ou um recurso textual como o encadeamento.

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Assim como a regra de encadeamento não se aplica a todas as sentenças,

conforme foi visto em seção anterior deste capítulo, também a regra dos anafóricos possui

algumas restrições.15 Observe a sentença abaixo:

(28) (a) João parou de visitar a família nos finais de semana (b) porque isso o impedia de

namorar aos sábados.

• Segmento (a) - pp.: João antes visitava a família nos finais de semana

p.: João não visita a família nos finais de semana atualmente

• Segmento (b) - o pronome anafórico “isso” refere-se à informação pressuposta, não à

posta - o que impedia João de namorar aos sábados, representado por “isso”, é o fato de

que ele visitava a família nos finais de semana.

Em comparação com a ressalva feita à regra do encadeamento – de que essa

lei não se aplica quando os enunciados mantêm uma relação parafrásica entre si, e/ou são

ligados por certas categorias de palavras -, a regra dos anafóricos apresenta uma ressalva

bem maior. Na verdade, é possível construir sentenças cujo anafórico se refira a uma

informação pressuposta independentemente de a sentença apresentar ou não uma paráfrase,

além de ocorrer esse fato na presença de conectivos que exprimem as mais diferentes

relações significativas. Vejam-se os exemplos abaixo, que correspondem a variações da

sentença (28), privilegiando diferentes relações significativas entre as orações. Note-se que

o pronome “isso” continua se referindo ao pressuposto “João antes visitava sua família nos

finais de semana”:

(29) ? (a) João parou de visitar a família nos finais de semana; (b) ou seja, isso o impedia de

namorar aos sábados.

(30) (a) João parou de visitar a família nos finais de semana, (b) pois isso o impedia de

namorar aos sábados.

(31) (a) João parou de visitar a família nos finais de semana; (b) afinal, isso o impedia de

namorar aos sábados.

15 A partir daí, percebe-se que as regras de encadeamento e dos anafóricos possuem bastantes características em comum: ambas tratam de relações entre elementos em sentenças encadeadas, ambas postulam uma

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33

(32) (a) João parou de visitar a família nos finais de semana (b) apesar de que isso não o

impedisse de namorar aos sábados.

(33) (a) João parou de visitar a família nos finais de semana; (b) tão logo que isso o impediu

de namorar aos sábados.

(34) (a) João parou de visitar a família nos finais de semana (b) em virtude de isso o impedir

de namorar aos sábados.

Elementos anafóricos têm um comportamento bastante complexo e

diferenciado dentro da língua: são capazes de retomar qualquer porção da frase, desde que

delimitada sintaticamente. Esse fato é tão visível que vários casos de ambigüidades em

sentenças são decorrentes desse comportamento instável, como nos exemplos a seguir:

(35) Maria gritou para que sua mãe nos acompanhasse, mas eu não queria ISSO.

• (ISSO = “Maria gritar” ou “sua mãe nos acompanhar”)

(36) João, eu vi o Ricardo com SUA namorada.

• (SUA = “de João” ou “de Ricardo”)

Esse comportamento nos conduz, de fato, a repudiar a regra dos anafóricos,

mais energicamente do que o fizemos em relação à regra de encadeamento, uma vez que a

retomada de conteúdo no encadeamento de sentenças não tem um comportamento tão

diferenciado e “imprevisível” quanto o dos anafóricos. De toda forma, é interessante

considerar a regra dos anafóricos como a manifestação de uma tendência que a língua

possui em estabelecer referências envolvendo informações postas. Além disso, abre-nos

mais um caminho de pesquisa a respeito da relação entre a pressuposição e outros

fenômenos da linguagem – nesse caso, o fenômeno da anáfora.

2.2. Pressupostos e subentendidos

DUCROT (1972) situa a pressuposição dentro de um quadro de descrição

semântica global. Como o próprio autor explica, essa descrição semântica consiste num

retomada de conteúdos e/ou elementos postos e ambas possuem restrições pelo fato de haver encadeamentos nos quais o pressuposto também é passível de ser retomado.

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conjunto de conhecimentos que permitem prever o sentido que corresponde a cada sentença

da língua em cada uma das situações em que é empregada.

Nesse sentido, ainda conforme DUCROT (1972), uma descrição semântica

comporta dois componentes: um componente “lingüístico”, responsável pela atribuição de

significação a cada enunciado, e um componente “retórico”, que produz o sentido efetivo

de um dado enunciado numa determinada situação de uso.

No componente lingüístico, os enunciados são tomados anteriormente à

intervenção do contexto, quando lhes são atribuídas suas significações “possíveis” (que

correspondem às descrições produzidas por esse componente). Já dotados de uma

estruturação sintática, tais enunciados são o ponto de partida de toda descrição semântica.

Mesmo enunciados afirmativos com um valor ilocucional como ordem, pedido ou qualquer

outro são descritos, já nesse componente, em função das suas possíveis aplicações em

diversas situações discursivas e dos possíveis sentidos então adquiridos. Cabe ao

componente retórico determinar o sentido efetivo do enunciado tendo em vista as

“intenções” que vigoram em torno deste. O componente retórico é, portanto, responsável

por explicar o sentido resultante de um enunciado já na sua prática discursiva. Esse sentido

é detectado através de um raciocínio para o qual não basta a análise do enunciado isolado;

novos sentidos são descobertos quando entram em jogo as vicissitudes discursivas, afetando

as intenções e o comportamento dos interlocutores.

De certa forma, a distinção estabelecida por Ducrot entre componente

lingüístico e componente retórico corresponde à distinção entre dois campos de estudo: a

Semântica e a Pragmática, com a diferença de que o que é chamado por Ducrot de

“descrição semântica” de uma língua engloba significações contextuais que, para outros

autores, são objeto de estudo da Pragmática. Afora esse detalhe, a correspondência tem

efeito. ILARI (1997c) detalha as características de cada uma dessas áreas, descrevendo seus

limites e métodos. Segundo esse autor, cabe à Semântica a tarefa de explicar as

interpretações atribuídas aos enunciados lingüísticos na medida em que a interpretação pode

ser prevista a partir do sentido literal das expressões, e à Pragmática a tarefa de explicar tais

interpretações levando-se em conta fatores não calculáveis relacionados aos atos e produtos

de fala.

Dentre vários fenômenos da linguagem levantados por ILARI (1997c),

usualmente tratados quer no campo da Semântica, quer no da Pragmática (a saber: dêiticos,

pressuposições, valores ilocucionários e implicaturas), ele aponta um único como grande

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exemplo de fenômeno pragmático: as implicaturas conversacionais, no sentido de GRICE

(1967), já que esse fenômeno corresponde a um procedimento interpretativo totalmente

dependente do contexto de produção de uma sentença e baseado num raciocínio abdutivo.

A implicatura é, por natureza, altamente imprevisível, e enseja interpretações voltadas para

as intenções do falante numa enunciação: o que um falante A pode estar querendo dizer ao

enunciar x, qual a finalidade de A ao enunciar x, quais as reações que o falante A quer

produzir num falante B ao enunciar x etc.16

Inserindo-se nesse quadro, o fenômeno da pressuposição tem suas

significações já estabelecidas no que podemos chamar de sentido “literal” da linguagem.

Esse sentido corresponde, no quadro de descrição semântica de DUCROT (1972)

explicitado acima, ao sentido de um enunciado isolado de qualquer contexto discursivo,

processado no componente lingüístico. Em termos operacionais, essa característica do

pressuposto é fundamental para o desenvolvimento do nosso trabalho; situa o nosso objeto

de pesquisa dentro de uma abordagem semântica por excelência, com uma aplicação de

métodos lógico-formais de análise lingüística aptos a apresentar elementos de sentido

“calculáveis”.

Além do pressuposto, existem certos efeitos de sentido, produzidos no

componente retórico, que dão conta de interpretações finais mais instáveis e mais

amplamente dependentes do contexto. Entre eles estão os chamados de “subentendidos”.

No exemplo abaixo, do próprio DUCROT (1972),

(37) Esta manhã o café estava quente.

pode-se ter como subentendido “o café estava frio nos dias anteriores”; note que se trata de

uma informação desvinculada do sentido literal e totalmente apegada à situação discursiva -

não é dedutível, como o pressuposto, da negação ou qualquer outro recurso de linguagem.

Recapitulando, mesmo que pressupostos e subentendidos compartilhem a

propriedade de serem “implícitos”, possuem características diferenciadas a partir da sua

própria origem no universo da linguagem. Ducrot caracteriza o implícito relacionado à

16 Grice afirma que, paralelo às operações lógicas formais (implicação, adição, disjunção etc.), existem contrapartes nas línguas naturais cujos elementos em sua significação não podem ser expressos por símbolos formais. Distinguem-se, assim, as IMPLICAÇÕES das IMPLICATURAS, sendo as últimas correspondentes ao verbo “implicitar”. Essa distinção tem a ver com o que será exposto adiante sobre conteúdos calculáveis e conteúdos não-calculáveis na linguagem. Para maiores detalhes dessa teoria, ver GRICE (1967).

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pressuposição como implícito “imediato”, uma vez que se trata de um sentido dedutível a

partir mesmo da significação literal da palavra ou sentença. Já os subentendidos estão

ligados a um implícito “discursivo”, levando-se em conta que só são processados a partir da

prática lingüística.

Resumindo, podemos apontar como diferenças básicas entre pressupostos e

subentendidos o quadro seguinte17:

PRESSUPOSTOS SUBENTENDIDOS

Quanto ao aspecto da

manutenção na

sentença

Estão sujeitos, ainda que com

limitações, aos testes da

negação, interrogação e

encadeamento.

Os testes de negação,

interrogação e encadeamento são

irrelevantes para eles.

Quanto à situação no

quadro de descrição

semântica, segundo

Ducrot

Integram os enunciados a

partir do componente

lingüístico.

Integram o componente retórico.

Quanto à categoria de

sentido implícito ao

qual se associam

Fazem parte de um implícito

imediato, podendo ser

recuperados “dedutivamente”.

Fazem parte de um implícito

discursivo, tendo de ser

recuperados abdutivamente.

3. Conclusão

A pressuposição é um fenômeno da linguagem ligado a elementos do

enunciado, e independente de variações discursivas; portanto, um fenômeno mais

coerentemente descrito através da teoria semântica.

Os principais recursos utilizados para sua detecção (negação, interrogação e

encadeamento) possuem uma série de restrições de aplicação, mas são capazes de fornecer

uma boa visão sobre o fenômeno pressuposicional. A negação, em especial, é o recurso que

se apresenta menos problemático para a tarefa de identificar pressupostos, e é herança dos

estudiosos lógicos da linguagem.

17 Baseado em DUCROT (1972).

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Se por um lado existe a oposição pressuposto x posto (na razão direta entre

sentido implícito x sentido explícito), por outro lado a pressuposição é apenas uma das

formas de sentido implícito, opondo-se claramente aos subentendidos e diferenciando-se

destes por ter sua origem fundamentada na “letra” do texto, e não na situação discursiva em

que é empregada.

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CAPÍTULO 2

RELAÇÃO ENTRE A PRESSUPOSIÇÃO E OUTROS FENÔMENOS DA

LINGUAGEM

1. Apresentação

A pressuposição não é um fenômeno da linguagem isolado. Ela é um tema

cuja compreensão permite, inclusive, a compreensão de outros fatos.

Nesta seção, trata-se de fenômenos da língua que mantêm alguma relação

com a pressuposição e se confundem, potencialmente, com ela. A descrição desses

fenômenos, bem como sua relação com a pressuposição, tem por objetivo tornar mais clara

a alternativa de tratamento que será exposta em seguida, além de expor a importância do

nosso objeto de pesquisa no âmbito da teoria lingüística como um todo, enriquecendo e

ampliando a noção apresentada no capítulo anterior.

2. Fenômenos ligados à pressuposição

2.1. Pressuposição e condição de boa-formação dos enunciados

LAKOFF (1971) apresenta um ponto-de-vista em relação à pressuposição

bastante diferente do de vários outros estudiosos tratados neste capítulo. A exposição de

suas idéias, nesta seção, tem como objetivo fornecer mais informações sobre o nosso objeto

de pesquisa, relacionando-o a possíveis abordagens dentro dos estudos da linguagem, ainda

que, a rigor, aproveitemos pouco das idéias de Lakoff dentro da delimitação de tratamento

dos pressupostos que será exposta no capítulo seguinte.

Lakoff defende que, ao falar da gramaticalidade ou boa-formação sintática de

uma sentença, é necessário levar em conta o conjunto de pressuposições do falante

envolvidas na enunciação. Esse lingüista afirma que

uma sentença será bem-formada somente com respeito a certas pressuposições sobre a natureza do mundo. Nesses casos, as pressuposições estão sistematicamente relacionadas com a forma da sentença, embora elas possam não aparecer claramente.

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Dada uma sentença S e um conjunto de pressuposições PR, nós diremos, em tais circunstâncias, que S é bem-formada somente em relação a PR.18

Dessa maneira, Lakoff relaciona a pressuposição diretamente com o aspecto

da forma de sentenças. Para ele, se as pressuposições contidas numa sentença não

correspondem com as crenças e conhecimentos do falante, esta é estranha e agramatical, ou

simplesmente mal-formada.

Os exemplos arrolados por esse lingüista são voltados para algumas questões

como seleção lexical, emprego de certos pronomes, emprego de certos tempos verbais,

correferencialidade e entoação.

Tomando de Lakoff alguns exemplos aplicáveis ao português, temos:

(38) O homem está dormindo.

(39) * O salame está dormindo19.

O segundo exemplo é mal-formado porque faz parte do conjunto de

conhecimentos de mundo do falante a idéia de que o verbo “dormir” exige um sujeito com o

traço [+ animado].

Outros exemplos:

(40) Quem acredita que eu seja tolo?

(41) * O que acredita que eu seja tolo?

O verbo “acreditar” exige um sujeito com o traço [+ humano], o que confere

o caráter de má-formação em (41). No entanto, como Lakoff leva em conta os

conhecimentos de mundo dos interlocutores, algum falante pode atribuir propriedades

mentais a determinados elementos, mesmo que se acarrete uma estranheza dentro do senso

18 Cf. LAKOFF (1971:329). Tradução minha. 19 Nesta seção, várias sentenças estão marcadas como agramaticais levando-se em conta a teoria de Lakoff. O conceito de agramaticalidade, porém, pode ser revisto. Sentenças do tipo (39) são banalmente falsas, uma vez que faz parte do nosso conhecimento de mundo que “salames não dormem”. Mas considerar (39) como agramatical esconde uma série de traços sobre o que vem a ser “gramaticalidade”. Dada a ordem dos termos de (39), por exemplo, essa sentença constitui-se como lingüisticamente interpretável, só não correspondendo com o senso comum dos falantes. Caso inquestionável de agramaticalidade ocorreria, por exemplo, em “*Dormindo salame está o.”

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comum. Nesse caso, teríamos a mesma sentença (41) acima como bem-formada, podendo

corresponder a uma pergunta com respostas do tipo:

(42) Meu gato acredita que eu seja tolo.

(43) Minha ameba de estimação acredita que eu seja tolo.

(44) Minha frigideira acredita que eu seja tolo.

(45) Minha sinceridade acredita que eu seja tolo.

(46) Meu nascimento acredita que eu seja tolo.20

Para Lakoff, a noção de boa-formação não pode ser aplicada às sentenças

isoladas de suas pressuposições, ou seja, as crenças dos falantes. Pelo contrário: são parte

do conhecimento lingüístico de um falante os princípios gerais pelos quais ele associa uma

sentença com as pressuposições requeridas para a sua boa-formação. As pressuposições

estão sistematicamente relacionadas à forma das sentenças, muito embora aquelas não se

manifestem explicitamente. A “anomalia” que nós, falantes do português, normalmente

detectamos nas sentenças de (42) a (46) decorre do fato de que verbos como “perceber”,

“acreditar”, “apreciar” etc. requerem, na nossa cultura, um sujeito provido de habilidades

mentais. Citando Keneth Hale, Lakoff chama a atenção para o fato de que os papagos, por

exemplo, atribuem essas mesmas habilidades para os eventos – nessa concepção, (46) torna-

se uma sentença perfeitamente bem-formada em relação às pressuposições de um falante

dessa cultura. Assim, não somos “obrigados” a aceitar as sentenças acima como bem- ou

mal-formadas; tal julgamento é atrelado à interpretação que se faz delas, dependente do

conhecimento de mundo do falante. Este é o ponto-chave da teoria de Lakoff: “gramatical”

ou “agramatical” não são classificações atribuídas a sentenças, mas sim a sentenças

emparelhadas com um conjunto de condições.

Exemplificando como os conhecimentos implícitos dos falantes interferem

nos juízos de correferencialidade, tomemos uma sentença mais voltada para o conhecimento

de mundo dos brasileiros nos tempos modernos:

(47) Fernando Henrique Cardoso perdeu a credibilidade do povo, mas o criador do Real vai

recuperá-la novamente para si.

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Essa sentença só pode ser considerada bem-formada se se tem consciência de

que “Fernando Henrique Cardoso” e “o criador do Real” se referem ao mesmo ser. Por sua

vez, a sentença (48) não é considerada bem-formada, em virtude de uma contradição, se o

falante detém tal conhecimento de correferencialidade:

(48) * Fernando Henrique Cardoso perdeu a credibilidade do povo, mas o criador do Real

não perdeu.

Enfim, o que Lakoff postula é que “uma gramática pode ser vista como

geradora de pares (PR,S), consistindo de uma sentença S que é gramatical somente em

relação às pressuposições de PR”21. Esse aspecto não só garante a gramaticalidade das

sentenças de um texto como também contribui para a manutenção da coerência nos

enunciados, uma vez que o conjunto de pressuposições veiculadas corresponde ao

conhecimento de mundo do emissor.

Foi citado no início desta seção que Lakoff possui um ponto de vista

bastante particular em relação à pressuposição. Essa particularidade de tratamento pode ser

resumida nos seguintes pontos:

• o autor relaciona pressuposição a restrições de seleção lexical;

• o autor toma a pressuposição como condição para a gramaticalidade dos enunciados;

• as pressuposições são individuais, ligando-se à crença dos falantes – com a conseqüência

de que sentenças que resultam gramaticais para uns podem parecer agramaticais a

outros.

Conforme explicaremos melhor no capítulo seguinte, essa postura contraria o

ponto de vista de vários outros estudiosos do assunto e não está de acordo com o

tratamento que estamos propondo para esse fenômeno da linguagem. Há, por outro lado,

algumas considerações de Lakoff que podem ser tomadas com certo proveito para o nosso

trabalho:

• a idéia de que a linguagem é usada sobre um pano de fundo de conhecimentos (ou

crenças) estáveis. A esse respeito, ILARI (1997b:88) desenvolve algumas considerações,

em referência ao estudo de Witherspoon, falando sobre a “necessidade de analisar a

língua em continuidade com um contexto cultural de crenças e conhecimentos

20 Cf. LAKOFF (1971:332). Tradução minha.

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assentados.” A restrição que fazemos a Lakoff, nesse aspecto, é que não devemos

entender necessariamente como pressuposição qualquer crença assumida como estável

por um único falante, ainda que esse aspecto seja ocasionalmente relevante para justificar

uma interpretação;

• a idéia de que os pressupostos ajudam a manter a coerência de um texto, ressalvando que

nem todo fator de coerência é um pressuposto.

Neste trabalho, utilizaremos uma noção de pressuposição num sentido bem

menos abrangente do que o usado por Lakoff. A exposição das idéias desse autor, no

entanto, ajuda a caracterizar o quadro sobre esse fenômeno da linguagem, apontando os

vários tratamentos que este vem recebendo ao longo das últimas décadas de estudos

lingüísticos.

2.2. Pressuposição x informações lexicais

FILLMORE (1971) opõe dois níveis da linguagem, a saber: pressuposição X

ato ilocucionário. No proferimento de uma sentença, vários atos de fala podem surgir:

pergunta, promessa, insulto, ordem, pedido etc.22 E para que tais atos sejam assim

interpretados, é necessário o preenchimento de algumas condições, denominadas, segundo

Austin, “condições de felicidade”. Uma sentença como a abaixo:

(49) Por favor, feche a porta.23

apresenta uma série de condições, em relação ao contexto, sem cujo entendimento torna-se

inviável apreender o sentido de ordem ou pedido. Entre tais condições, podem-se

apresentar, por exemplo:

a) o locutor e o alocutário mantêm uma relação tal que o locutor é capaz de realizar um

ato de ordem ou pedido em direção ao alocutário;

b) o alocutário encontra-se numa posição tal em que ele é capaz de fechar a porta;

c) existe uma porta em particular que o locutor tem em mente e que o alocutário está em

condições de identificar;

21 Idem, p. 336. Tradução minha. 22 Cf. AUSTIN (1962). 23 Cf. FILLMORE (1971:275).

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d) a porta em questão está aberta;

e) o locutor deseja que a porta seja fechada.

Observe-se que a negação de (49)

(50) Por favor, não feche a porta.

mantém as condições de a) a d) anteriores, só sendo alterada a e) – o locutor não deseja que

a porta seja fechada.24

Ainda que se trate de um estudo eminentemente pragmático, Fillmore aponta

algumas idéias fundamentais em direção à análise lexical, o que nos proporciona também

uma inquirição semântica do assunto. Tendo-se em vista os interlocutores envolvidos numa

situação enunciativa, podem-se estabelecer algumas funções básicas para eles, que

determinariam a “estrutura de papéis” (role structure) de determinados verbos da língua.

Fillmore analisa tais verbos, como o destacado na sentença abaixo:

(51) João acusa Maria de ser defensora do conservadorismo.

- fonte locucionária: emissor do enunciado

- alvo locucionário: destinatário(s) do enunciado

- juiz: João

- acusado: Maria

- situação: ser defensora do conservadorismo.

Esses elementos constituem o significado de “acusar”. Subjacente a eles,

existiria uma pressuposição, nos termos de Fillmore, pois o falante só emprega esse verbo

em referência a uma situação ruim, e ele quer fazer saber que alguém é responsável por essa

situação. A partir daí, Fillmore pode esquematizar a significação de “acusar” como segue:

ACUSAR: [juiz, acusado, situação (de)] (performativo)

significado: DIZER [juiz, X, destinatário]

X = RESPONSÁVEL [situação, acusado]

pressuposição: RUIM [situação]25

24 Idem, p. 276. 25 Idem, p. 282. Tradução minha.

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Já na mesma sentença (51), com algumas variações, com a presença do

verbo “creditar”,

(52) João credita a Maria a defesa do conservadorismo.

entre outras diferenças de análise, teríamos a seguinte condição, diferente da apresentada

pelo verbo “acusar”: BOA [situação].

Mesmo que a análise de Fillmore não atinja todos os usos que se podem

fazer do verbo “acusar”, “creditar” e outros que não foram expostos aqui, ela aponta para

uma regularidade que pode ser observada no nível lexical, e que merece ser considerada

como um fato lingüístico relevante. Resta saber se essa regularidade merece ser tratada

como um caso de pressuposição.

Alguns dos fenômenos que Fillmore chama de “pressuposição” não passam,

no nosso ponto de vista, de “condições de emprego” que o enunciado precisa satisfazer

para transmitir adequadamente as intenções do locutor numa dada situação discursiva.

Aliás, a esse respeito, o próprio autor define pressuposição como sendo certas

condições que devem ser satisfeitas antes que a sentença possa ser usada em qualquer das funções mencionadas [fazer perguntas, dar ordens, fazer asserções, expressar sentimentos etc.].26

Reencontramos aqui um conceito de pressuposição que já vimos antes, e que

já optamos por descartar, por seu caráter eminentemente pragmático. Cabe, aliás,

questionar se os papéis da estrutura dos verbos, tais como Fillmore os descreve, são

preenchidos em todas as suas ocorrências e se se mantém a mesma “pressuposição” em tais

ocorrências. Retomemos sua análise do verbo “acusar”:

(51) João acusa Maria de ser defensora do conservadorismo.

Nesse caso, o verbo “acusar” realmente denota situação negativa, o que leva Fillmore a

apontar como pressuposição: RUIM [situação]. No entanto, as sentenças abaixo

exemplificam casos de emprego do verbo “acusar” que não refletem essa mesma

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informação, chegando, ao que tudo indica, a exprimir uma idéia de situação, no mínimo,

neutra:

(53) A impressão digital da arma acusa que João não a manejou.

(54) As orelhas deste livro acusam que ele foi manuseado intensamente.

(55) O ponteiro no painel está acusando meio tanque de gasolina.

Em outras palavras: não se pode dizer que “acusar” pressupõe RUIM

[situação].27 Poder-se-ia tentar salvar a explicação de Fillmore afirmando que existem dois

tipos de verbo “acusar”, empregados em construções sintaticamente diferentes:

• um verbo “acusar1”, empregado no caso em que “A acusa1 B de/por P” (em que B é

agente e P é um complemento, normalmente oracional, que expressa um fato

considerado reprovável por A);

• um verbo “acusar2”, empregado no caso em que “A acusa2 P” (em que P é um

complemento considerado neutro em relação ao julgamento de A).

Ainda que “acusar1”, que é o verbo tratado por Fillmore, retrate uma

situação reprovável que se mantém na forma negativa, há que se questionar se a reprovação

parte sempre de A. Suponhamos que um locutor L tenha ouvido A elogiar B por ter

desacatado uma autoridade. De acordo com o relato de L, podemos dizer que “A acusou B

de ter desacatado uma autoridade”. Isso mostra que a avaliação RUIM [situação] não parte

do falante cuja fala se relata. Ou seja: a “pressuposição” RUIM [situação] não vigora nem

nesse emprego do verbo “acusar”.

Ao lidar com as idéias de Fillmore, estaríamos operando um estudo voltado

para a prática discursiva, pois haveríamos de levar em conta, mais uma vez, informações

relativas às opiniões dos indivíduos a que se aplicam os verbos “acusar” e “criticar”.

Preferimos tratar como pressuposto um conteúdo proposicional presente nos enunciados, e

não informações que variam de acordo com os diferentes empregos de um enunciado. Essa

postura tem a vantagem de definir melhor o status da pressuposição dentro da língua.

Ao recusar que o exemplo de Fillmore possa ser tratado com vantagem pelo

conceito de pressuposição que adotamos, estamos, na prática, recusando que exista um tipo

26 Cf. FILLMORE (1971:380). Tradução minha. 27 KEMPSON (1975:64-6) também repudia radicalmente as conclusões no nível da suposta pressuposição de Fillmore em relação a esses verbos.

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significativo de pressuposto que pudesse ser caracterizado como um componente lexical, no

nível dos traços semânticos ou das restrições de seleção.

Para confirmar essa idéia, vejamos um exemplo clássico que perpassa toda a

bibliografia que trata de análise lexical e pressuposição: o item “solteirão” (bachelor).

Segundo os defensores que seguem a mesma linha de Fillmore, em

(56) Pedro é um solteirão.

“solteirão” apresenta a informação, no nível do posto, de que “João é não-casado”,

enquanto “pressupõe” que “João é humano, adulto e masculino”. Essa idéia pode, à

primeira vista, ser ratificada pela existência de contrapartidas negativas de (56), em que

somente o traço [-casado] é negado:28

(57) Pedro não é um solteirão; ele se casou no mês passado.

Por outro lado, contrariando essa análise, observe-se que o traço [adulto],

por exemplo, supostamente pressuposto por “solteirão”, também pode ser negado

naturalmente:

(58) Pedro não é um solteirão; ele só tem 16 anos.

Para a negação do traço [masculino], troque-se o nome próprio por outro

que não acarrete problema de concordância na sentença:

(59) Darci não é um solteirão; é a vizinha do 502. 29

Quanto ao traço [humano], também é possível negá-lo, ainda que se crie uma

sentença um pouco inusitada em termos de prática lingüística:

28 Esse tipo de tratamento pode ser visto, por exemplo, em LANGENDOEN (1971). 29 KEMPSON (1975) também chama a atenção para a possibilidade de negar tais traços, razão pela qual a autora os classifica como “acarretamentos” (entailments), e não pressupostos, uma vez que a negação da sentença não define o valor de verdade dos traços, podendo resultar verdadeiros ou falsos, indistintamente.

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(60) É falso que Rex é um solteirão; qual é a classificação correspondente a isso para

cachorros?

Outros exemplos clássicos que recorrem no tratamento da “pressuposição”

lexical são os verbos “limpar” e “abrir”. Observem-se as sentenças abaixo:

(61) Maria limpou o quarto.

(62) Por favor, abra a porta.

Costuma-se apontar como pressupostos das sentenças acima,

respectivamente, “o quarto estava sujo” e “a porta está fechada”. Mais uma vez, a

determinação pressuposicional efetuada em relação a esses verbos é altamente problemática.

“O quarto estava sujo” não se mantém como pressuposto, por exemplo, de uma sentença

com o verbo “limpar” num contexto como o seguinte, cuja ocorrência nos parece

absolutamente normal:

(63) Todos os dias, quando entra no serviço, Maria já encontra os cômodos da casa

brilhando. Ainda assim, seguindo o velho ritual determinado pela patroa, ela começa seu dia

limpando o quarto e depois vai lavar as roupas.

A sentença (62) também pode não manter a informação de que “a porta está

fechada” se sofrer alguns encadeamentos do tipo:

(64) Por favor, abra a porta um pouco mais.

Diríamos, assim, que o estado de sujeira do quarto e o estado fechado da

porta são, em vez de pressupostos de sentenças que encerram, respectivamente, os verbos

“limpar” e “fechar”, condições de emprego para que o enunciado tenha êxito comunicativo

em algumas situações de uso.

2.3. Pressuposição e perspectiva funcional da sentença

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O Círculo Lingüístico de Praga, grupo de estudiosos da linguagem formado

em 1926 e que contava com autores que deram grande impulso aos estudos lingüísticos,

como Mathesius, Jakobson e Trubetzkoy, deixou como mais rico legado para as gerações

contemporâneas - inclusive para a moderna escola de Praga - a idéia de que a língua deve

ser entendida como um sistema funcional: como todo produto da mente humana, ela

responde a várias finalidades e conta com meios adequados para sua concretização. Nesse

quadro, é de essencial importância, para uma melhor compreensão do fenômeno da

linguagem, a intenção do locutor envolvido no processo da comunicação ou expressão.30

O estudo da linguagem em sua dimensão comunicativa foi fortemente

incentivado, entre os praguenses, pela adoção da chamada Perspectiva Funcional da

Sentença (do inglês FSP – Functional Sentence Perspective), e levou – entre outros

aspectos – a representar toda sentença como articulação de um tema e um rema (ILARI

(1992)). A Articulação Tema-Rema (normalmente abreviada ATR) consiste numa maneira

de apresentar informações novas a um interlocutor a partir de informações já conhecidas,

cabendo ao locutor, que lança mão de hipóteses sobre o conhecimento disponível a seu

interlocutor, a escolha sobre o que se constitui como “novo” e o que figura como

“conhecido”. Um estudo voltado para esse aspecto esclarece vários fenômenos lingüísticos

e é capaz de fornecer descrições detalhadas acerca do “dinamismo comunicativo” da

linguagem, em oposição às representações estáticas de que a linguagem era objeto nas

teorias estruturalistas clássicas.

Assim, dentro de uma análise funcional das sentenças de uma língua, dois

elementos emergem na constituição das mesmas: “tema” - elemento sobre o qual a sentença

diz algo e “rema” - o que se diz sobre o elemento temático.

Na mesma linha dos praguenses, HALLIDAY (1970) apresenta a divisão da

oração em tema e rema como um caso da função textual da linguagem. Essa função

corresponde à propriedade que a língua tem de estabelecer vínculos consigo mesma e com

as características da situação em que é usada31. É através dessa função que se formam as

relações de coesão:

1) no interior da própria oração, que possui uma estrutura de mensagem (ou estrutura

temática), dividida em “tema” (elemento colocado em primeira posição, sobre o qual se

apóia a mensagem) e “rema” (o corpo da mensagem);

30 Cf. FONTAINE (1978:22). 31 Cf. HALLIDAY (1970:137).

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2) no interior do texto, onde as informações são constantemente retomadas, tendo

importância fundamental os recursos de anáfora, catáfora, uso de conjunções, coesão lexical

etc.32

• Pressuposição e articulação tema-rema

Numa sentença como a abaixo,

(65) A semântica trata do estudo do significado da linguagem.

pronunciada com a entoação que a torne adequada como resposta a uma pergunta do tipo

“o que faz a semântica?”, o tema é “a semântica”, já que é o elemento no qual se apóia a

mensagem em (65), é o ponto de partida desta; e o rema, “trata do estudo do significado da

linguagem”, a informação propriamente dita. Em contrapartida, se reescrevermos a sentença

acima na forma seguinte:

(66) Do estudo do significado da linguagem trata a semântica.

(que exclui seu uso como resposta àquela mesma pergunta) o tema passa a ser “o estudo do

significado da linguagem” pelo fato de esse segmento ter tomado a posição em que

normalmente se apresenta o “assunto” tratado pela sentença, enquanto o rema passa a ser

“trata a semântica”, afirmação referente ao elemento temático citado anteriormente.

O par dicotômico tema-rema constitui a ATR e é uma das noções tratadas

dentro da Perspectiva Funcional da Sentença. ILARI (1992:35) atenta para a existência de

diferentes terminologias que tratam de aspectos da estruturação da sentença intimamente

relacionados a essa, como a articulação em “tópico” e “comentário” ou “dado” e “novo”.

Além disso – voltando ao nosso tema principal - alerta para o fato de que ATR não é o

mesmo que pressuposição, embora o par terminológico pressuposição/asserção já tenha

sido usado para indicar a ATR e exista uma relação entre esses fenômenos.

32 Paralelas a essa função, existem ainda, para Halliday, as funções ideacional (correspondente à capacidade que a linguagem possui para manifestar conteúdos ou experiências do falante) e interpessoal (correspondente à propriedade lingüisticamente manifesta de estabelecimento e manutenção de relações sociais, através da qual se firmam papéis sociais, inclusive os comunicativos, como os papéis de quem afirma ou responde algo, por exemplo).

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Entre ATR e pressuposição é possível detectar várias características comuns.

Eis algumas delas apontadas por esse autor33:

• Da mesma forma que os pressupostos resistem à negação, dificilmente um elemento em

posição temática na sentença pode ser negado.

• Uma sentença pode não comportar informações pressupostas, mas sempre apresenta um

conteúdo posto. Da mesma forma, uma oração pode só apresentar um conteúdo

remático, mas nunca ser totalmente temática.

• o que é responsável por “levar o discurso adiante” são os conteúdos postos, da mesma

forma que o rema de uma sentença; e o que “garante a coerência de um discurso” são os

pressupostos, da mesma forma que o tema. Assim, no nível do discurso, pressuposição e

tema costumam encerrar informações “dadas”, enquanto posto e rema costumam

encerrar informações “novas”.

• Ainda no nível discursivo, pressuposição e tema correspondem a conteúdos

“compartilhados” entre os interlocutores - uma vez apresentados, ou são aceitos pelo

interlocutor e o discurso transcorre normalmente ou são recusados pelo mesmo e o

discurso é interrompido.

Apesar de tantos traços em comum, Ilari distingue ATR e

pressuposição/asserção, no sentido de que a “ATR pode variar na frase sem afetar a

distinção de conteúdos postos e pressupostos, e vice-versa”34, como mostram os exemplos

abaixo transcritos:

(67) PEDRO parou de bater na mulher (mas André continua)35.

• pp. – Pedro batia na mulher antes.

• p. – Pedro não bate na mulher atualmente

(68) Pedro parou de bater NA MULHER (mas continua batendo nos filhos).

Enquanto as duas sentenças mantêm os mesmos postos e pressupostos, a

ênfase entoacional representada pelos segmentos em maiúsculas leva a uma mudança de

ATR, constituindo como rema de (67) “Pedro”, e como rema de (68) “na mulher”.

33 Cf. ILARI (1992:126-29). 34 Idem, p. 127.

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(69) Pedro escreveu A CARTA (não o relatório).

(70) Pedro reescreveu A CARTA (não o relatório).

Nesses dois exemplos, mantém-se a mesma ATR, enquanto varia a relação

pressuposição/asserção: (70) pressupõe, diferentemente de (69), que “Pedro tinha escrito a

carta pelo menos uma vez antes”.

Também, é a presença de certos itens lexicais e estruturas gramaticais que é

responsável por introduzir pressupostos numa sentença, o que não é requerido por

tema/rema. Além do mais, um pressuposto é sempre um conteúdo proposicional, ou seja,

um conteúdo suscetível de receber um valor de verdade, diferentemente do que acontece

com o tema, categoria da ATR que tem sido às vezes assimilada ao pressuposto.

Para Ilari, os argumentos que diferenciam pressuposição e ATR são tão

fortes quanto (ou até mais fortes que) as semelhanças que existem entre esses dois

fenômenos.

• Pressuposição e tópico-comentário; pressuposição e sujeito

KIEFER (1977:83) caracteriza a FSP como uma noção intuitiva que cobre

um largo conjunto de fenômenos lingüísticos, diversas vezes não muito relacionados entre

si. Além disso, afirma que nenhuma noção da FSP é descritivamente adequada para lidar

com a variedade de elementos abarcados nessa abordagem. Para esse estudo, Kiefer escolhe

duas dicotomias, independentes, capazes de cobrir uma boa parte dos aspectos envolvidos: à

primeira, ele aplica o par terminológico tema-rema, mas num sentido parcialmente diferente

do que foi descrito acima, e à segunda ele chama de tópico-comentário. Enquanto a

primeira dicotomia pertence mais ao campo da semântica, a segunda pertence à pragmática,

constituindo-se como “tópico” a parte da sentença que representa a informação dada ou

conhecida, e como “comentário” a parte que representa a informação nova.

Uma sentença como a exemplificada abaixo,

35 Nesse exemplo, existe uma superposição de recursos introdutores de pressuposição: o verbo “parar” e a focalização marcada.

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(71) João deu o quadro para Maria.36

levando em conta suas possíveis realizações entoacionais, pode apresentar três articulações

tema-rema diferentes:

• Joãox : (x deu o quadro para Maria)

• Mariax : (João deu o quadro para x)

• [o quadro]x : (x foi dado por João para Maria)

Os possíveis remas de (71) são “João”, “Maria” e “o quadro”, cujas

respectivas ocorrências podem ser exemplificadas nos casos abaixo, em que o elemento em

destaque com letras capitais – rema – é normalmente pronunciado com uma entoação mais

elevada:

(72) JOÃO deu o quadro para Maria, e não Antônio.

(73) João deu o quadro para MARIA, não para Joana.

(74) João deu O QUADRO para Maria, não o vaso.

Pois bem, enquanto a estrutura tema-rema de uma sentença existe em função

das expressões referenciais contidas na mesma – ainda que a questão sobre expressões

referenciais apresente alguns problemas de tratamento teórico -, a estrutura tópico-

comentário

“é per definitionem contextualmente limitada; na maioria dos casos, a proposição que expressa a informação “dada” não pode ser determinada na base da estrutura semântica da sentença somente. (...) A estrutura tópico-comentário é um dos problemas de interpretação textual, mais do que a semântica da sentença.”37

Em outras palavras, a identificação da informação “dada” numa sentença está

sempre atrelada ao contexto, razão pela qual Kiefer afirma situar-se a estrutura tópico-

comentário no âmbito da pragmática. Uma sentença como a (71), por exemplo, não

contém, necessariamente, elementos contextualmente limitados, nos termos de Kiefer.

Portanto, pode não apresentar uma estrutura tópico-comentário, diferentemente de uma

36 Cf. KIEFER (1977:87). 37 Idem, p. 91. Tradução minha.

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sentença como a abaixo, que apresenta pelo menos um elemento – “aqui” – intrinsecamente

ligado ao contexto de realização da sentença:

(75) Um garoto chegou aqui.

Em (75), o advérbio “aqui” pode ser o tópico, como comprova o teste

tradicionalmente aplicado para a determinação do tópico e do comentário, o teste de

pergunta natural - a partir desse teste, depreende-se ser comentário o termo que responde à

interrogação (ou, mais propriamente, a resposta curta de uma dada interrogação) e tópico a

parte repetida da resposta completa:

(76) Um garoto chegou aonde?

Resposta curta: “aqui” (comentário)

Resposta completa: “Um garoto chegou aqui”

Parte repetida da resposta completa: “Um garoto chegou” (tópico)

Kiefer traça as relações entre pressuposição e ATR especialmente a

propósito do pressuposto existencial, embora não aponte por que esses dois fenômenos

devem ser distinguidos, explicação levada a cabo por ILARI (1992). Kiefer mostra que o

comportamento de expressões que mantêm uma referência pode ser diferenciado

dependendo de sua posição dentro da estrutura tema-rema: enquanto nomes próprios, por

exemplo, mantêm suas propriedades referenciais tanto na posição temática quanto na

remática, nomes de função38 levam a inferir a existência de alguém somente na posição de

tema. Essa correlação explicaria, por exemplo, a agramaticalidade de (77) e a

gramaticalidade de (78)39.

(77) * O rei da França não é DeGaulle, uma vez que a França não tem rei.

38 KIEFER (1977:96) chama de “function names” “nomes que têm uma certa função associada a si” (tradução minha) e exemplifica com “o rei da França”, “o prefeito de Londres”, “o Papa”, “o Presidente”, “o professor”, “o carteiro” etc. 39 Também aqui os conceitos “gramatical” e “agramatical” são usados num sentido um tanto peculiar, como se viu anteriormente em relação às idéias de Lakoff. O que se percebe, com mais certeza, é que sentenças do tipo (77) carregam uma certa “estranheza” quanto à sua formação, uma vez que um dos traços típicos do

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(78) DeGaulle não é o rei da França, uma vez que a França não tem rei.

“O rei da França”, em posição de tema (como no exemplo (77)), possui uma

forte sugestão existencial40 - razão pela qual, quando negada a existência de um ser que

corresponda à referência efetuada por essa expressão, a sentença resulta agramatical. Já na

posição remática, como em (78), “o rei da França” não carrega tal sugestão existencial,

podendo ser negada sua existência sem que a frase incorra em agramaticalidade.41

Depois de analisar outros casos ligados à pressuposição, Kiefer conclui que a

posição de tema é sempre indutora de pressuposição, não se podendo afirmar o mesmo

quanto à posição de rema.42

• Pressuposição e foco

Ainda dentro de um estudo sobre a ATR, surge o elemento conhecido como

“foco”, identificado como o ponto mais saliente de uma curva entoacional. Embora o seu

estudo esteja voltado para uma abordagem mais pragmática, é conveniente traçar, aqui,

sujeito de uma oração é estabelecer referência. Manteremos aqui, no entanto, para fins de exposição teórica, a visão de gramaticalidade de Kiefer, embora saibamos que ela encobre uma série de aspectos importantes. 40 O aspecto da “sugestão existencial”, aliado à pressuposição existencial, é bastante bem descrito em WILSON (1975). 41 É certo que, para Kiefer, bem como para Lakoff, uma sentença possui graus variáveis de aceitabilidade, e estes se processam numa relação direta com o contexto em que se encontra a sentença. A sentença (77) acima, apontada por Kiefer como agramatical, teria plena aceitabilidade num contexto semelhante aos que se sugerem abaixo, que acabam por legitimá-la como gramatical e aceitável: • A afirmação de que [o rei da França não é DeGaulle, uma vez que a França não tem rei] é absurda e

não corresponde à realidade. • [“O rei da França não é DeGaulle, uma vez que a França não tem rei”] é o argumento utilizado pelos

antimonarquistas para instaurarem seu poder. Esse recurso, no entanto, é muito pouco convincente e pouco produtivo aos nossos propósitos, uma vez que envolve uma metalinguagem – e no nível da metalinguagem todo tipo de construção estranha ou agramatical é capaz de integrar uma sentença gramatical. De toda forma, as observações de Kiefer são importantes para que se note, se não a agramaticalidade propriamente, a estranheza presente em (77), que normalmente só é desfeita quando a sentença se torna objeto de um outro enunciado mais amplo. 42 Essa mesma característica de induzir pressuposição já foi defendida por vários outros estudiosos em relação ao “sujeito”. CHAFE (1970) não trata especificamente de pressuposição, mas num capítulo em que ele se dedica à descrição de informações “dadas” e “novas”, afirma que “(...) há uma forte correlação entre informação dada, nas estruturas semânticas, e “sujeito”, na estrutura superficial.” (Cf. CHAFE (1970:212) – tradução minha). STRAWSON (1971) defende que um locutor tem mais escrúpulo em enunciar que “O rei da França visitou ontem a Exposição” do que enunciar “A Exposição recebeu ontem a visita do rei da França”, justamente pelo fato de a primeira sentença ter, como sujeito, uma expressão referencial que apresenta falha na referência.

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algumas implicações semânticas envolvidas na questão, mesmo porque também é possível

estabelecer uma relação bastante intrínseca especificamente entre foco e pressuposição.

HALLIDAY (1970) descreve a estrutura de informação que uma língua

comporta, a qual, como é o caso do inglês (analisado pelo autor) e mesmo o caso do

português, é expressa pela entoação. Halliday afirma que a distribuição dos elementos da

fala em grupos tonais diferenciados representa a decisão do falante em apresentar elementos

“dados” e “novos” na comunicação (ainda que, para o autor, o foco corresponda a uma

unidade informativa, um segmento que não precisa ser coextensivo com uma oração ou um

enunciado maior). Toda unidade informativa possui um elemento novo (caso contrário, não

seria uma informação) e, opcionalmente, um elemento dado43. O núcleo tônico de uma

unidade de informação marca o fim do elemento novo na frase44, pelo menos em se tratando

de sentenças contrastivas.

O foco, correspondendo ao segmento de um enunciado sobre o qual incide

uma entoação diferente da dos outros segmentos, corresponde, em termos discursivos, à

apresentação de uma informação nova por um falante ao seu ouvinte. A mudança de

focalização num enunciado é uma resposta à mudança de estatuto das informações nele

contidas, correspondendo à escolha, pelo falante, sobre o que é dado e o que é novo, em

harmonia com o contexto em que transcorre o discurso. Para Halliday, toda sentença tem

foco.

Ainda que a focalização seja um fenômeno eminentemente pragmático, a sua

variação num enunciado acarreta variações também no nível da pressuposição na sentença

correspondente, mesmo em termos semânticos. Dessa forma, estabelece-se uma relação

direta entre foco e pressuposição – num enunciado que encerra foco, a pressuposição

corresponde a todo esse enunciado com uma variável no lugar do foco. Exemplificando:

(79) João correu para a FACULDADE45.

Pode-se dizer que um enunciado desse tipo só seria produzido numa situação

em que os interlocutores estivessem cientes de que “João correu para algum lugar”

(pressuposto), haja vista que só se poderia completar essa sentença com algo do tipo:

43 Esse assunto é exaustivamente tratado por LIBERATO (1980). 44 Cf. HALLIDAY (1970:157).

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(80) João correu em direção à FACULDADE, e não à igreja.

No dizer de Halliday, a sentença (79) pode ser dividida em: uma função

proposicional (João correu para X) + um preenchedor dessa função (X = a faculdade).

Existem outras possibilidades de focalização dentro da sentença

correspondente a (79), conforme outros termos tenham realizações fônicas diferenciadas da

dos demais. Nesse caso, a sentença poderia apresentar segmentos encaixados como os que

seguem, a título de exemplo:

(81) João CORREU em direção à faculdade, e não dirigiu.

(82) JOÃO correu em direção à faculdade, e não Joaquim.

(81) e (82) encerram, respectivamente, os pressupostos: “João fez algo em

direção à faculdade” e “Alguém correu em direção à faculdade”.

3. Conclusão

Foi apontada a relação existente entre a pressuposição e várias dicotomias

propostas para tratar da sentença numa perspectiva textual/comunicativa. Resta salientar,

aqui, a diferença básica entre essas relações.

No geral, essa diferença recai no fato de que a presença de uma

pressuposição se prende a certos itens lexicais e estruturas gramaticais (reforçando a idéia

anteriormente apresentada de que o pressuposto se fundamenta no nível do enunciado

lingüístico), enquanto os outros fenômenos estão relacionados com a distribuição das

unidades informativas de um enunciado, às vezes ligados à estrutura entoacional da

sentença, como normalmente ocorre com as modalidades de informação dada e nova.

Uma boa visão desse aspecto é essencial no sentido de não incorrer em

confusões de tratamento envolvendo fenômenos muito parecidos com a pressuposição.

45 Em termos do enunciado escrito, assinalarei o foco com letras capitais, conforme se faz comumente. Na pronúncia, corresponderia a uma entoação mais elevada ou pausada.

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CAPÍTULO 3

ESTUDO HISTÓRICO DA PRESSUPOSIÇÃO

1. Duas abordagens distintas da pressuposição

A pressuposição tem sido alvo de estudos bastante diversificados. A

distinção mais geral que se pode estabelecer entre esses estudos separa os que foram

desenvolvidos numa perspectiva semântica e lógica (que se expressam em termos de

condições para o valor de verdade dos enunciados) dos que foram desenvolvidos numa

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perspectiva pragmática (em que a pressuposição é tomada como condição a ser satisfeita

para o uso adequado de um enunciado). Dentro de um mesmo enfoque, a atenção pode ser

voltada tanto, por exemplo, para o enunciado em si quanto para o falante (neste último

caso, tornam-se relevantes, por exemplo, a crença do falante sobre a verdade ou falsidade

dos enunciados, o sucesso do falante na realização do mesmo etc.).

Dentre os autores que se destacam em cada uma das abordagens

precedentes, podemos citar:

• entre os “semanticistas”, Frege, cujas observações sobre a linguagem natural,

desenvolvidas em 1892 numa perspectiva lógica, alimentaram um século de discussões,

especialmente o célebre debate entre Russell e Strawson. Outros estudiosos lançaram-se

ao mesmo tipo de abordagem, reforçando ora a posição russelliana ora a strawsoniana,

como Black, Donnellan, Sellars e Garner. Kempson, Wilson e Keenan prestaram uma

contribuição importante no que se refere à relação entre pressuposição e implicação

lógica. Atualmente, Burton-Roberts é um dos autores que desenvolve estudos da

pressuposição num enfoque lógico-lingüístico;

• entre os “pragmaticistas”, Ducrot, que defendeu a pressuposição como ato de fala;

Lakoff, que a representou como condição de boa-formação dos enunciados; e autores

como van Dijk e Koch, que exploram a noção como um fator da coerência textual.

A seguir, será feita uma exposição das idéias centrais dessas abordagens da

pressuposição, de modo que tenhamos um balizamento claro do tratamento dispensado a

esse fenômeno nas duas vertentes.

2. Algumas abordagens clássicas de inspiração lógica

2.1. Frege-Russell / Frege-Strawson

Como já foi apontado, os primeiros estudiosos que trataram da

pressuposição eram lógicos, e tomaram como exemplo paradigmático do fenômeno os

chamados “pressupostos existenciais”, centrando sua atenção em dois importantes aspectos:

a questão da negação e a maneira como ela afeta os valores de verdade dos enunciados.

A relação entre a negação e a pressuposição está descrita no item 2.1.1 do

primeiro capítulo, que trata da preservação dos pressupostos de uma sentença afirmativa na

sentença negativa correspondente.

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Quanto às relações entre pressuposição e verdade ou falsidade das sentenças,

trata-se de uma questão que vem ocupando as atenções dos lógicos há mais de um século.

A discussão dessa questão é básica, e recapitula as principais descobertas que se foram

acumulando sobre o fenômeno, razão que nos leva, agora, a fazer uma breve exposição

histórica.

O tema toma forma em FREGE (1892), e pode ser resumido no seguinte:

“como deve um lógico reagir ao fato de um enunciado gramaticalmente bem construído

poder pressupor algo que não se confirma na realidade?”.

Na sentença abaixo,

(83) Quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas morreu na miséria.46

a expressão “quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas” designa um ser

(=Kepler) - portanto, estabelece-se uma referência. Assim, a sentença (83), que se refere a

um indivíduo, só será verdadeira se as vicissitudes predicadas a respeito desse indivíduo

forem também verdadeiras (ou seja, se for verdadeiro que Kepler morreu na miséria).

Suponha-se, agora, que não tivesse existido ninguém que descobrisse a

forma elíptica das órbitas dos planetas. Quais as conseqüências disso para a verdade ou

falsidade de (83) como um todo? Ao tratar especificamente de sentenças em que o sujeito

gramatical veicula uma pressuposição existencial contrária aos fatos, FREGE (1892) afirma

que tais sentenças não poderiam ser consideradas nem verdadeiras nem falsas, uma vez que

não faria sentido predicar qualquer coisa sobre alguém que, de fato, não existisse. Dir-se-ia,

assim, que houve uma falha de pressuposição na sentença. Mas o mesmo texto contém

também outra resposta, revelando em Frege uma posição bem mais atenta e matizada.

Além de nomes próprios mais comumente lembrados - que remetem a

pessoas e entidades -, lugares, instantes e intervalos de tempo são considerados objetos sob

o ponto de vista da lógica - assim, a designação desses objetos pela linguagem é também

considerada nome próprio. Um nome próprio pode ser formado através de sentenças

(especialmente locativas e temporais), e não só por meio de substantivos. Essa observação

leva Frege a reconhecer como válida uma análise da sentença (84),

46 Cf. FREGE (1892:75-6).

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(84) Depois que o Schleswig-Holstein se separou da Dinamarca, a Prússia e a Áustria se

desentenderam.

segundo a qual esta sentença pressupõe (não asserta) que o Schleswig-Holstein se separou

alguma vez da Dinamarca.

Alguém que acredita ser falso que Schleswig-Holstein se tenha separado da

Dinamarca tomaria (84) como nem verdadeira nem falsa, baseado na ausência de referência

para o nome a que se reduz a sentença subordinada. Mas Frege também admite que (84)

poderia ser usada para assertar que o Schleswig-Holstein se separou alguma vez da

Dinamarca; em tal caso, essa mesma pessoa poderia considerá-la falsa, além de identificar

uma parte da sentença como carente de referência.47

Resumindo, há em Frege duas soluções para o problema das pressuposições

espúrias: a primeira, a que prevalece no artigo de 1892 e se conforma mais facilmente ao

modo como utilizamos as línguas naturais, consiste em entender que a falsidade de uma

proposição pressuposta inviabiliza falar da verdade ou falsidade da sentença em questão;

assume-se, no caso, um terceiro valor, “nem verdadeiro nem falso”. Ou seja, para qualquer

asserção que se realize em relação à expressão destituída de uma referência, o valor de

verdade da sentença é nulo. Pela segunda solução, mais adequada ao propósito de construir

uma linguagem científica, a falsidade de uma proposição pressuposta pode tornar falsa a

sentença como um todo. Dito de outra maneira, o texto fregeano aponta tanto para uma

“lógica de três valores” como para uma “lógica de dois valores”. Essa dupla análise

admitida por Frege antecipa as posturas tomadas por Strawson e Russell, que serão

descritas a seguir.

Na história posterior do problema, Russell é o mais célebre defensor da

lógica de dois valores. No início de seu artigo On denoting (1905), esse filósofo descreve as

chamadas “expressões denotativas” e cita alguns exemplos: trata-se de expressões que

denotam um ou mais seres, introduzidas por artigos ou pronomes, consideradas unicamente

pela sua “forma” (exemplos: “um homem”, “algum homem”, “todos os homens”, “o centro

de massa do sistema solar” etc.). Aponta três possibilidades de ocorrência de expressões

denotativas:

a) uma expressão denotativa que não denota nada - ex.: “o atual rei da França” - a França

não é, no caso, uma monarquia; daí, a referência vazia;

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b) uma expressão denotativa que denota um objeto definido - ex.: “o atual rei da

Inglaterra”;

c) uma expressão denotativa que denota de maneira ambígua - ex.: “um homem” - essa

expressão não denota muitos homens, e sim, refere-se a uma categoria “homem”

ambiguamente, nos termos de Russell – isto é, pode designar a classe genérica dos

humanos como também pode designar um ser específico dessa mesma classe.

O aspecto da reflexão russelliana que mais fortemente repercutiu nos estudos

sobre pressuposição reside na interpretação de expressões contendo o artigo definido

(“o”/“a”): segundo o próprio autor, são essas as palavras denotativas mais interessantes e

difíceis. Russell desenvolve a respeito dessas palavras a chamada “Teoria das Descrições

Definidas” com base no princípio de que “expressões denotativas nunca têm nenhum

significado por si próprias, mas cada proposição, em cuja expressão verbal elas ocorrem,

tem um significado.”48

Levando às últimas conseqüências o princípio da definição contextual,

Russell chega à tese de que toda sentença de forma “o P é Q”, como

(85) O autor de Waverly é Scott.

equivale à conjunção de três asserções:

1) existe no mínimo um X, com a propriedade expressa pelo sujeito (autor de Waverly);

2) existe no máximo um X, com a propriedade expressa pelo sujeito (autor de Waverly);

3) esse X tem a propriedade expressa pelo predicado (ser idêntico a Scott).

Entendida como a conjunção lógica de três proposições, uma das quais

afirma a existência de pelo menos um objeto dotado das propriedades descritas no sujeito,

uma sentença da forma “o P é Q” resulta falsa sempre que as pressuposições de existência

associadas ao próprio sujeito não se confirmam. Na realidade, no contexto da teoria das

descrições de Russell, não faz sentido falar de pressuposições, porque a existência de um

autor para Waverly, ao invés de ser tratada como um pressuposto de (85), é tratada como

uma asserção. Para Russell, tudo aquilo que uma sentença significa, ela significa no nível da

asserção.

47 Idem, p. 78, em nota de pé de página. 48 Cf. RUSSELL (1905:43). Tradução minha.

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Aí está a diferença crucial entre a lógica bivalente russelliana, segundo a qual

proposições contendo tais tipos de expressões são “falsas”, e a lógica de três valores, cujos

defensores argumentam que, para tais proposições, existe um terceiro valor de verdade

“nem verdadeiro nem falso”, já que não é viável falar qualquer coisa sobre um ser

inexistente.

Em 1950, a linha de raciocínio de Russell, segundo a qual é sempre possível

atribuir o valor “verdadeiro” ou “falso” a uma sentença, sofreu críticas acirradas por parte

de Peter Strawson. Este estudioso trata do emprego de certas expressões, constituídas por

pronomes demonstrativos singulares, nomes próprios, certos pronomes e frases iniciadas

por artigo definido seguido de um nome singular. Tais expressões prestam-se ao que ele

chama de uniquely referring use (que traduzo, aqui, como “emprego referencial

individualizante”), e podem denotar um ser específico, como em (86):

(86) A baleia atingiu o navio.

ou um ser de modo genérico, como em (87):

(87) A baleia é um animal mamífero.

Um dos pontos-chave da teoria de Strawson é que, quando do estudo de

alguma sentença, ele julga necessário distinguir: a) a sentença; b) o uso que se faz da

sentença e c) a elocução da sentença; analogamente, no estudo de qualquer expressão, ele

julga necessário distinguir: a) a expressão; b) o uso que se faz da expressão e c) a elocução

da expressão.

O valor de verdade não é algo estabelecido uma vez por todas no nível da

sentença, estando sujeito aos seus usos e situações de elocução. Assim, uma sentença

como:

(88) O rei da França é sábio.

contém uma expressão (“o rei da França”) que, dependendo da situação de uso e elocução,

pode referir-se a alguém especificamente. Quando isso acontece, a sentença pode ser

classificada como verdadeira ou falsa, dependendo da asserção feita. Quando a expressão

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não se referir a nenhum ser (como nos dias atuais, pois a França não é uma monarquia), não

faz sentido atribuirmos um desses valores de verdade para uma sentença como (88). A

maior crítica de Strawson a Russell é justamente esta: o autor de On denoting não distingue

uma sentença e o uso que se faz da sentença, propondo um valor de verdade definitivo para

a mesma.

As posições de Russell e Strawson balizam um debate sobre a contribuição

semântica das descrições definidas, que foi enorme, envolvendo um número muito grande

de posições e autores. Dentre esses autores, citaremos aqui GARNER (1971) e SELLARS

(1954). Garner critica incisivamente Strawson por ter-se centrado no pensamento do falante

frente ao uso de uma expressão. Conforme Garner e vários outros estudiosos, incorporar o

pensamento do falante em estudos como o da pressuposição gera muitas controvérsias,

contribuindo para fracassos na teoria. Sellars concorda amplamente com a teoria russelliana.

Também critica Strawson, porém mais no sentido de que este não explicita as maneiras

como uma sentença pode ter dependência em relação ao contexto de elocução. Uma

expressão como “a mesa”, por exemplo, pode se referir a uma mesa especificamente, de

acordo com o contexto, mas também a diferentes mesas em contextos diferenciados -

ocorreria aí, no caso, uma elipse, e as elipses seriam um fator importante dentro da teoria da

referência que não foi tratado por Strawson, mesmo que este tenha estabelecido a distinção

entre expressões, usos das expressões e elocuções das expressões.

Trabalhos como os de Garner e Sellars mostram que a discussão

propriamente lógica da pressuposição, oitenta anos depois do artigo fregeano que a havia

lançado, estava longe de ter-se encerrado. Seja como for, o reconhecimento da

pressuposição como uma categoria semântica particular, tal como se deu na lógica a partir

de Frege, ensejou muitos avanços nos estudos da linguagem, especialmente em termos de

um tratamento menos especulativo e mais descritivo do sentido implícito, mesmo em suas

implicações pragmáticas49 - a pressuposição, nesse quadro, torna-se o ponto de partida para

a investigação de outros tipos de implícito na linguagem. Nesse sentido, só cabe talvez

lamentar que o assunto tenha despertado o interesse dos lingüistas tão tardiamente.

Por outro lado, cabe em grande parte aos lingüistas o mérito de ter atacado o

fenômeno em toda a sua amplitude, atentando para muitos outros tipos de pressuposição

além da existencial, que para os lógicos tivera sempre um caráter emblemático.

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2.2. Pressuposição e acarretamento

A pressuposição é apenas uma entre muitas relações semânticas que se

podem estabelecer entre duas sentenças, e é de fundamental importância distingui-la de

outra relação possível: a de “acarretamento” (entailment). Tratando dessas duas relações

semânticas, autores como KEMPSON (1975 e 1977) e WILSON (1975) as distinguem em

termos de valores de verdade, criticando, inclusive, a confusão de tratamento que se

costuma fazer entre elas: muitas vezes, comete-se o equívoco de chamar de pressuposição o

que não passa de um caso de acarretamento.

A diferença entre acarretamento e pressuposição, segundo KEMPSON

(1975:49), pode ser demonstrada pelo quadro abaixo, onde S1 e S2 são duas sentenças

quaisquer (será usado V para indicar o valor “verdadeiro” para a sentença em questão e F

para indicar o valor “falso”) e onde se entende que as situações a), b) e c), tais como são

descritas na primeira coluna, caracterizam, em seu conjunto, o acarretamento; e as situações

a), b) e c), tais como as descreve a segunda coluna , caracterizam, em seu conjunto, a

pressuposição.

Acarretamento Pressuposição

S1 acarreta S2 S1 pressupõe S2

a) V à V V à V

b) F ß F nem V nem F ß F

c) F à V ou F F à V

Lançando mão dos próprios exemplos de Kempson, esclareçamos cada um

dos casos previstos no quadro:

a) Primeira linha/primeira coluna: Se uma sentença S1 acarreta uma sentença S2, a verdade

de S1 implica a verdade de S2. Por exemplo: “Aquela pessoa é um solteirão” (S1)

acarreta que “Aquela pessoa é um homem” (S2), uma vez que a verdade de alguém ser

solteirão implica a verdade de esse mesmo alguém ser homem50. Primeira linha/segunda

coluna: se uma sentença S1 pressupõe uma sentença S2, a verdade de S1 também implica

49 Para uma boa visão sobre esse assunto, ver ILARI (1997c), em especial o item 2.2 sobre pressuposição.

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a verdade de S2. Por exemplo: se for verdadeira a célebre frase “O rei da França é

sábio” (S1), também será verdadeiro seu pressuposto “Existe um rei da França” (S2).

Note-se que, considerando apenas a 1ª linha do quadro (S1 V à S2 V ), no caso de S1

portar o valor de verdade V, não haveria distinção entre acarretamento e pressuposição,

pois, em ambos os casos, dado o valor V para S1, tem-se o valor de verdade V para S2.

Poderíamos ser levados a visualizar, no exemplo do rei da França, um caso de

acarretamento, já que a verdade de S1 implica a verdade de S2. Entretanto, a negação de

“O rei da França é sábio” ou de “Existe um rei da França” não nos levaria às mesmas

conseqüências da negação de uma das sentenças do par relacional “Aquela pessoa é um

solteirão” e “Aquela pessoa é um homem”, conforme comentaremos abaixo a propósito

da linha c).

b) Segunda linha/primeira coluna: Se existe uma relação de acarretamento entre S1 e S2, a

verdade de S1 não pode coexistir com a falsidade de S2, e, portanto, a falsidade de S2

implica a falsidade de S1. Se a mesma sentença S2 do exemplo citado acima “Aquela

pessoa é um homem” for falsa em relação a alguém, “Aquela pessoa é um solteirão”

(S1) também será falsa. Segunda linha/segunda coluna: no caso da pressuposição, a

falsidade de S2 implica um terceiro valor de verdade para S1, nem V nem F. Tomando

também o mesmo exemplo citado acima para a relação pressuposicional, se é falso que

“Existe um rei da França” (S2), “O rei da França é sábio” (S1) fica destituído de verdade

ou falsidade51.

c) Terceira linha/primeira coluna: na relação de acarretamento entre sentenças, a falsidade

de S1 não determina o valor de verdade de S2, podendo ser este V ou F. Utilizando o

mesmo exemplo acima, se é falso que “Aquela pessoa é um solteirão” (S1), existem duas

possibilidades para S2: ou “Aquela pessoa é um homem” é uma verdade - e a negação

de S1 significaria que esse homem não é um solteirão; é casado, ou jovem ainda - ou

“Aquela pessoa é um homem” é falso - a pessoa que preenche a descrição não é homem;

daí, não é um solteirão. Terceira linha/segunda coluna: já numa relação de

pressuposição, com a falsidade de S1 mantém-se a verdade de S2 (os pressupostos de

uma sentença afirmativa se mantêm na negativa). Por exemplo: se é falso que “O rei da

50 Esse exemplo fica ainda mais claro na língua inglesa, uma vez que “bachelor” (“solteirão”) é um vocábulo específico para o gênero masculino, em oposição a “spinster” (“solteirona”), não se diferenciando do correspondente feminino somente pela variação da terminação da palavra, como acontece no português. 51 Como se pode observar, Kempson utiliza a lógica de três valores na análise pressuposicional, diferentemente de Russell, por exemplo.

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França é sábio” (S1), continua sendo verdade que “Existe um rei da França” - a falsidade

de S1 incide sobre o fato de o rei da França ser sábio, não atingindo o pressuposto em

questão.52

Basicamente, então, o que diferencia acarretamento de pressuposição é a

possibilidade de dar uma definição usando a lógica de dois valores para a primeira

(“verdadeiro” ou “falso”) e a necessidade de uma lógica de três valores para a segunda

(“verdadeiro”, “falso” e “nem verdadeiro nem falso”). Esta última é justamente conhecida

como “lógica pressuposicional”, e uma das conseqüências de sua aceitação é o

“estreitamento” do limite do que se pode chamar de “falsidade” de uma sentença.

O semanticista que tiver de lidar com as noções de acarretamento e

pressuposição lógica precisa ter clara a distinção entre a lógica de dois valores, requerida

pela primeira, e a lógica de três valores, requerida pela outra noção. A adoção de uma

lógica de três valores, já que é a adequada para lidar com a pressuposição, deve-se refletir

na formalização dos componentes de uma sentença bem como na formalização das regras

de projeção que prevêem as várias interpretações dessas sentenças. KEMPSON (1975)

deixa claro, em sua obra, que o tratamento da pressuposição é bastante mal conduzido

pelos lingüistas, em larga escala, precisamente porque os lingüistas oscilam, sem se darem

conta disso, entre uma lógica de dois e de três valores. Vários casos que resultam

problemáticos se entendidos como pressuposição se esclarecem mediante a noção de

acarretamento. Um desses casos é a chamada negação “polêmica” ou “metalingüística”, que

costuma ser objeto de um tratamento pressuposicional e sobre o qual Kempson prefere

aplicar uma análise em termos de acarretamento. Observe o exemplo abaixo:

(89) João parou de trabalhar.53

52 Ao interpretar o quadro proposto por KEMPSON (1975), propomos um outro mais operacional, baseado em fórmulas lógicas, que, inclusive, evita lidar com as “setas invertidas” (ß) quando da análise de uma sentença:

Acarretamento Pressuposição S1 acarreta S2 S1 pressupõe S2

v(S1) = V à v(S2) = V v(S1) = V à v(S2) = V v(S2) = F à v(S1) = F v(S2) = F à [ v(S1) ≠ V e v(S1) ≠ F]

v(S1) = F à [ v(S2) = V ou v(S2) = F] v(S1) = F à v(S2) = V 53 Exemplo retirado de KEMPSON (1975:77).

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Normalmente se aponta, para essa sentença, a pressuposição “João

trabalhava antes”, já que a negação

(90) É falso que João parou de trabalhar.

também carrega essa informação. Mas, uma sentença como a (89) pode vir seguida de uma

outra (e o conjunto delas continua tendo ocorrência normal na língua) que faz com que a

negação expressa em (90) atinja também a informação pressuposta:

(91) É falso que João parou de trabalhar; como ele pode ter parado se nunca começou?

Nesse caso, a idéia de que “João trabalhava antes” também é negada, e a

sentença pode ser analisada como um caso de simples acarretamento. Aplicando as relações

transcritas no quadro de Kempson citado acima, no qual a autora distingue as duas relações,

temos que: a falsidade de uma sentença S2 (no caso, “João parou de trabalhar”) implica a

falsidade da sentença S1 (“João trabalhava antes”) numa relação em que S1 acarreta S2; a

mesma falsidade de S2 levaria S1 a ser nem verdadeira nem falsa numa relação em que S1

pressupusesse S2. Kempson prefere tratar casos como esse em termos de acarretamento, e

não como pressuposição. Essa postura é corroborada por outros lingüistas, em especial

Deirdre Wilson54.

A possibilidade de analisar sentenças como a (91) tanto em termos de

acarretamento quanto de pressuposição leva-nos a importantes questionamentos teóricos:

1º) existiria um único tipo de negação, a descritiva? Nesse caso, não distinguiríamos

intuitivamente “parar de trabalhar” e “ter trabalhado”;

2º) existiriam duas formas de negação, a descritiva e a polêmica? Nesse caso, dir-se-ia que a

expressão “parar de” introduz uma pressuposição, e que toda pressuposição pode ser

negada na forma polêmica.

É sumamente inviável descartar a segunda hipótese, principalmente se

consideramos a língua como um jogo de confrontação entre interlocutores. Um pressuposto

pode ser apresentado por um locutor tanto para transmitir uma informação como para testar

o interlocutor, desviar idéias, mentir etc., de tal forma que pode, também, ser contestado

pelo interlocutor. Com esse pensamento, “invadimos” o campo da Pragmática, sem dúvida;

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mas, assumindo a primeira hipótese levantada acima, jamais poderíamos, mesmo no nível

semântico, prever essa situação discursiva.

KEENAN (1970) também trata da pressuposição nos moldes da lógica. A

proposta do autor é fazer uma descrição desse fenômeno propondo uma base lógica capaz

de definir a pressuposição de qualquer sentença da língua, como faz com outros fenômenos

nessa obra (a saber: conseqüência lógica, analiticidade, restrições de seleção, relação

pergunta-resposta, ambigüidade e paráfrase). A definição de pressuposição apresentada por

Keenan resume-se no seguinte:

Uma sentença S pressupõe uma sentença S’ apenas no caso em que S implica logicamente S’ e a negação de S também implica logicamente S’.

Assim, se S’ não é verdadeiro, então S não pode ser nem verdadeiro nem falso.55

Esquematicamente, pode-se resumir a descrição de Keenan a respeito de

pressuposição como no quadro abaixo:

S » S’

S à S’

~ S à S’

nem S nem ~S se ~ S’

(“»” corresponde a “pressupõe”; “à” corresponde a “implica”; ~S corresponde a “não-S”)

Keenan demonstra, com essa definição, seu posicionamento frente ao

problema de tratamento da pressuposição lógica. Primeiro, nota-se a adoção de uma lógica

de três valores ao tratar da relação pressuposicional entre sentenças, já que o autor

menciona a possibilidade de uma sentença S não ser nem verdadeira nem falsa. Depois, esse

conceito de Keenan reforça o caráter da pressuposição como uma relação essencialmente

entre enunciados e definível em termos de implicação lógica, e não em termos de quaisquer

outras relações semânticas.

54 Ver, especialmente, WILSON (1975). 55 Cf. KEENAN (1970:25). Tradução minha.

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Em Keenan, “pressupor” é diferente de “implicar logicamente”; a implicação

lógica é invocada para definir pressuposição, mas não é jamais sinônimo de pressuposição.

Com isso, a posição de Keenan confirma a descrição de pressuposição já apresentada no

quadro extraído de KEMPSON (1975) no início desta seção.

3. A abordagem pragmática

Um dos maiores expoentes da abordagem pragmática da pressuposição é

DUCROT (1966, 1968, 1972, 1981, 1984a, 1984b), que desenvolve estudos detalhados

sobre o implícito na linguagem.

Ducrot aborda a pressuposição, relacionando-a à atitude dos interlocutores

na comunicação, defendendo que um locutor sempre supõe que seu ouvinte está prestes a

acatar uma informação pressuposta sem colocá-la em dúvida. A não-aceitação de um

pressuposto se constitui como uma verdadeira afronta à pessoa do interlocutor, mais do que

uma afronta às idéias propriamente. Um enunciado portador de pressupostos desdobra um

mundo de representações entre os interlocutores.

Um fato curioso e intrigante em relação à pressuposição é a capacidade que

ela possui de impor, de certa forma, a informação veiculada nesse nível da língua aos

interlocutores sem, muitas vezes, ser contestada, mesmo quando os interlocutores possuem

competência sobre a língua que falam, são cientes do fenômeno da pressuposição e são

capazes de detectar os pressupostos. Devido a esse fato, os pressupostos podem ser

usados, inclusive, para transmitir alguma informação não conhecida pelo locutor de forma

menos contestável do que se integrasse o nível do sentido explícito, como atestam os

exemplos:

(92) Quero parabenizá-la por você estar muito elegante.

pp. - Você está muito elegante.

(93) Lamento que você não tenha sido aceito para o cargo.

pp. - Você não foi aceito para o cargo.

(94) É de admirar que você tenha conseguido êxito no trabalho.

pp. - Você conseguiu êxito no trabalho.

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O mesmo fenômeno é também marcante em enunciados interrogativos - aliás,

mais marcante do que nos afirmativos - como mostram os casos abaixo:

(95) Quem chegou?

pp. - Alguém chegou.

(96) O que você está querendo de mim?

pp. - Você está querendo algo de mim.

(97) Por que você cometeu o crime?

pp. - Você cometeu o crime.

Uma explicação que aponta para essa natural ausência de contestação dos

pressupostos em geral é a possibilidade de um interlocutor apresentar uma informação,

ainda que detectável a partir do próprio enunciado, sob a forma de informação “não-

negociável” no discurso; ou seja, é apresentada uma informação tida como verdadeira e

inquestionável (pressuposto), e, a partir dela, apresenta-se outra informação (posto) – essa,

sim, passível de “negociação” entre os interlocutores quanto à sua verdade. O esforço de

interpretação do sentido implícito (e, dentro dessa categoria, a interpretação dos

pressupostos) é maior do que o esforço de interpretação do sentido literal de um enunciado;

assim, o esforço de questionar a verdade dos pressupostos é maior que o de questionar a

verdade dos postos.

Ducrot destaca, ao longo de suas obras, várias características aplicáveis aos

pressupostos. Além das já conhecidas regras da negação, da interrogação e do

encadeamento, o autor atenta ainda para características que encontram reforço nas teorias

de outros lingüistas que se lançaram a uma abordagem pragmática:

3.1. A pressuposição como ato de fala

Como foi explicitado no início desta dissertação, AUSTIN (1962) aponta os

chamados verbos performativos, cujas duas características principais são: a) descrevem uma

ação presente quando são usados na primeira pessoa e b) sua enunciação realiza a ação

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descrita. Junto a essa noção, surge a das condições de “felicidade” dos performativos: para

que um enunciado performativo seja capaz de levar à realização da ação descrita, é preciso

que certas condições sejam preenchidas. Em outras palavras, o enunciado deve inserir-se em

“circunstâncias adequadas”, segundo Austin. Entre tais circunstâncias, podemos destacar

que o enunciado se deve dar dentro de um procedimento convencionalmente aceito; o

proferimento deve ser realizado de modo correto, completo e por quem tem o direito e

capacidade para tal.

Exemplificando: o “aceito” numa cerimônia de enlace matrimonial só tem

efeito como enunciado performativo se for proferido num contexto convencionalmente

aceito (a cerimônia religiosa), dentro de uma certa seqüência de ações estabelecida para

esse contexto (tem que se dar após a orientação do celebrante da cerimônia, por exemplo) e

tem de ser proferido por pessoas capacitadas para tal (no caso, os noivos).

DUCROT (1972, 1981, 1984a, 1984b) apresenta um ponto de vista bastante

particular em relação ao pressuposto, considerando-o um ato de fala. Da mesma maneira

que existem os atos ilocucionários de ordenar, pedir, interrogar etc., para Ducrot existe o

ato de pressupor, já que a pressuposição é, da mesma forma que a ordem, pedido,

interrogação e outros, uma atitude que o locutor toma em relação ao conteúdo de um

enunciado.

Uma sentença que expressa um ato ilocucional pode ser representada,

normalmente, dentro dos padrões do simbolismo de Searle já apresentado anteriormente.

Uma sentença como a (98) abaixo, por exemplo,

(98) Saia daqui!

teria como “p” (conteúdo proposicional): sua saída, a saída do interlocutor; e como “F”

(força ilocucional): ordem.

Pode-se, inclusive, parafrasear a sentença (98) como

(99) Eu ordeno que você saia daqui.

Enunciados que carregam pressuposições, segundo Ducrot, também se

enquadram nesse esquema. Seja o exemplo (100):

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(100) Maria parou de trabalhar.

Podemos apontar como conteúdo proposicional “p”: a informação de que

Maria trabalhava antes, e como força ilocucional “F”: a pressuposição. Assim, (100)

poderia ser transcrito nos mesmos moldes que (99):

(101) [eu pressuponho que]F ([Maria trabalhava antes]P).

O que confere à pressuposição uma condição especial entre os atos de fala é

o fato de que enunciados do tipo “eu pressuponho que...” (cf. exemplo (101)) não têm uma

ocorrência tão natural quanto os do tipo “eu ordeno que...” (cf. exemplo (99)), “eu peço

que...”, “eu aconselho que...” etc. Em outras palavras: ainda que enunciados que encerram

pressuposição contenham tal força ilocucional, esta normalmente não é manifestada, na

linguagem prática, através de um verbo performativo, diferentemente dos outros atos de

fala. De toda forma, Ducrot considera a pressuposição como um ato de fala porque

enunciados contendo pressupostos realizam uma “ação” (considerando este termo em seu

sentido lato, como uma atividade realizada por um indivíduo que, pelo menos, quer trazer

modificações para o seu meio) e, mais do que isso, uma ação “jurídica”, no sentido de que

afeta as relações entre os interlocutores para efeito do discurso que vai seguir.56 Ao utilizar

uma sentença com algum pressuposto, o locutor imputa ao seu interlocutor o conhecimento

da informação pressuposta; para haver harmonia no discurso, é preciso que essa informação

funcione desde então como uma informação compartilhada. Em linhas gerais, para Ducrot,

o pressuposto é um ato de fala específico pelo fato de que nos obriga a checar condições de

felicidade também específicas. Se se enuncia, por exemplo:

(102) Todos os filhos de João são calvos.

pressupõe-se que João tenha filhos. Assim, se completamos esse enunciado com uma

informação que vá de encontro ao seu pressuposto, ocorre infelicidade, como no exemplo

seguinte:

(103) * Todos os filhos de João são calvos, mas João não tem filhos.

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3.2. Pressuposição e dicotomia história/discurso

DUCROT (1966) estabelece uma relação entre a pressuposição lingüística e

a célebre dicotomia história/discurso, proposta por Émile Benveniste. Em BENVENISTE

(1966), encontra-se uma definição para enunciação histórica como a

apresentação dos fatos sobrevindos num certo momento do tempo, sem nenhuma intervenção do locutor na narrativa. Para que possam ser registrados como se tendo produzido, esses fatos devem pertencer ao passado.57

Já a enunciação discursiva, em sua mais ampla extensão, é “toda enunciação

que suponha um locutor e um ouvinte e, no primeiro, a intenção de influenciar, de algum

modo, o outro.”58

Benveniste trata do “discurso” em termos da apresentação explícita, da parte

do locutor, de elementos que se relacionam com a situação de fala em questão, como certos

pronomes pessoais (“eu”, “você”), advérbios de localização (“aqui”, “agora”) e

determinados tempos verbais que são utilizados em referência ao momento da fala. Quanto

à “história”, a tendência é que se faça uma abstração de toda essa situação de fala; o locutor

não utiliza expressões que demonstrem estar falando/escrevendo para um interlocutor.

Nesse estudo, fica claro que o locutor, a todo momento, opera escolhas

verbais de maneira a realizar, o mais eficientemente possível, qualquer ato de fala. Tal

escolha deve levar em consideração o interlocutor a que a mensagem se dirige; a todo

momento, o locutor faz referências a um interlocutor, ainda que imaginário - e é a maneira

como essa referência é feita que distingue uma enunciação discursiva de uma enunciação

histórica, na medida em que se escolhem marcas formais de subjetividade no enunciado ou

não.

Com vistas a essas idéias, Ducrot estabelece a relação entre pressuposição e

as modalidades história/discurso em termos da escolha operada pelo locutor em ambos os

processos. Se a utilização de uma língua impõe constantemente a escolha de que

informação será posta ou pressuposta, isso implica que o locutor modela seu discurso em

56 Cf. DUCROT (1972:87). 57 Cf. BENVENISTE (1966:262).

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função do seu interlocutor a todo instante. E esse ato é semelhante ao da escolha da

modalidade de linguagem a ser utilizada. Ambos os processos, portanto, caracterizam a

intersubjetividade na linguagem.

Com essas idéias, Ducrot vai além dos marcadores explícitos, aventados por

Benveniste, que caracterizam a modalidade discursiva: a pressuposição é vista, nesse

contexto, como mais uma forma de intervenção do locutor na linguagem que ele opera. Isso

se dá especialmente se a pressuposição for vista como um ato de fala, uma vez que todo ato

é uma atitude que o locutor toma em relação ao conteúdo de um enunciado.

4. Conclusão

Elemento integrante do sentido implícito da linguagem, a pressuposição pode

ser tratada sob dois enfoques distintos:

1) enquanto uma relação lógica que emerge entre sentenças, devido à presença de certas

palavras e expressões. Essa abordagem, bem caracterizada como “lógico-semântica”,

proporciona um tratamento da pressuposição em relação aos valores de verdade

envolvidos na sentença em que o elemento se encontra, e tem o teste da negação como

critério operacional de identificação, por excelência;

2) enquanto uma postura assumida pelos interlocutores para que o discurso transcorra

“naturalmente”. Esse enfoque “pragmático” leva em consideração o conhecimento

compartilhado durante a prática da fala, e lança mão de recursos outros, além da

negação (em particular a idéia de uma alteração “jurídica” da relação entre os

interlocutores), na discriminação entre a informação posta e a pressuposta.

Diante dessas duas posturas básicas normalmente tomadas quando do

tratamento da pressuposição, torna-se necessário fazer uma opção clara, especialmente para

um trabalho que se quer como um inventário de palavras e estruturas introdutoras de

pressuposição numa língua. O capítulo seguinte discorrerá justamente sobre essa opção de

tratamento.

Através do exposto, fica bem visível que a pressuposição é um fenômeno da

linguagem pleno de implicações discursivas, que vão além do sentido literal das palavras.

Não queremos, contudo, defender o caráter pragmático da pressuposição. Nossa postura,

intentada na seção precedente, foi descrever tal pragmatismo sem perder de vista que ele se

58 Idem, p. 267.

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liga eminentemente à semântica da língua, conforme descrito nas seções anteriores.

Acreditamos que esse fenômeno, mesmo se ligando a relevantes fatos discursivos, dos quais

trata essa parte do trabalho, tem suas características firmadas nos princípios da Semântica.

Por ora, é interessante apontar que existem observações descritas nestes três

primeiros capítulos as quais podem não ser retomadas por fugirem ao nosso objetivo

primordial. Tais observações foram expostas, entretanto, no intuito de fornecer ao leitor

uma visão, ainda que sumária, mais completa possível das tendências assumidas no

tratamento da pressuposição ao longo de várias épocas. Qualquer outro fato relacionado a

esse tema será, sem dúvida, proveniente de um ou mais pontos de vista aqui levantados.

CAPÍTULO 4

OS LIMITES DO TRATAMENTO DA PRESSUPOSIÇÃO NESTA DISSERTAÇÃO

1. Algumas tomadas de posição em face da bibliografia

Como início deste capítulo, que visa a delimitar nosso objeto de pesquisa,

antes do capítulo de descrição da pressuposição na língua portuguesa que vai seguir,

convém expor uma série de decisões, de ordem conceptual e metodológica, que vão balizar

nosso tratamento. Em geral, essas decisões foram tomadas com base nas alternativas

discutidas nos capítulos precedentes; trata-se, de qualquer modo, de opções terminológicas

e de fundo que ajudarão a organizar as matérias dos próximos capítulos:

• existe uma divergência de nomenclatura que o nosso objeto de pesquisa sofre ao longo

de toda a bibliografia que trata do assunto: alguns autores utilizam o termo

“pressuposição”, outros utilizam “pressuposto” e outros, ainda, utilizam ambos

indistintamente. A nossa proposta é que chamemos de “pressuposição” ao fenômeno da

linguagem em si ou ao ato de alguém ou algo atualizar tal fenômeno; e que chamemos de

“pressuposto”, em especial quando de nossas análises lingüísticas, à porção da sentença

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ou, mais exatamente, ao enunciado que corresponde à informação que se apresenta no

nível da pressuposição;

• KEMPSON (1975:54) resume bem o que é, ao nosso ver, a problemática crucial quando

afirma que

Um dos problemas ao avaliar a natureza da pressuposição em lingüística é que a separação dos conceitos semânticos e pragmáticos é raramente respeitada. (...) Por exemplo, ela [a pressuposição] tem sido usada para cobrir a noção de implicação lógica (...), pressuposição lógica (...), implicação e condições de felicidade de Austin (...),

implicatura convencional e não-convencional de Grice (...) e também pressuposição lexical.59

Diante desse quadro, o presente estudo pretende atribuir à pressuposição um lugar

definido dentro dos estudos lingüísticos, diferenciando-a de outros fenômenos e

conferindo-lhe todo um caráter semântico que acreditamos ser o mais adequado a esse

fenômeno, em vista de sua “calculabilidade”;

• o pressuposto é um elemento da significação implícita fundamentado no nível do

enunciado – por essa razão, trata-se de um elemento “previsível” e “calculável” dentro

da língua;

• tomaremos a negação como recurso básico de identificação de pressupostos, uma vez

que possui uma aplicabilidade mais ampla e menos problemática em comparação com os

outros recursos descritos no primeiro capítulo. Creditando à negação esse papel básico,

estamos dando crédito, também, a uma abordagem do assunto que evita interferências de

fatores pragmáticos, centrando-se mais nos aspectos da língua enquanto sistema. Nossa

abordagem assemelha-se, nesse ponto, à efetuada pelos lógicos e matemáticos que

primeiro chamaram a atenção sobre a existência da pressuposição, com a diferença de

que eles restringiram suas observações aos pressupostos existenciais60. Como vimos no

capítulo 1, a negação é o recurso mais eficaz na identificação de pressupostos de um

enunciado, e mesmo na diferenciação entre conteúdos postos e pressupostos. Os outros

recursos de detecção dos pressupostos apresentam uma aplicação menos generalizada: a

interrogação é um ato de fala específico, incompatível com outros (por exemplo a

59 KEMPSON (1975:54).Tradução minha. 60 A abordagem lógica da linguagem acompanha todo estudo na área da Semântica. ILARI (1997c) deixa claro que, de maneira geral, as correntes semânticas tratam da questão sobre as condições de verdade, herdadas justamente de estudos lógico-matemáticos da linguagem.

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ordem, expressa pelos imperativos), e o encadeamento, como foi visto, apresenta uma

série de restrições que estão à espera de análises mais detalhadas;

• o recurso do encadeamento de sentenças também deverá bastante utilizado, porém,

muito mais para confirmar a presença de pressupostos de uma sentença no nível da

interpretação desta do que propriamente para identificá-los. Além disso, o encadeamento

será utilizado, por razões óbvias, para o estudo do problema da projeção, mais adiante;

• a lógica adotada para o estudo das sentenças que encerram qualquer tipo de pressuposto

será a de três valores (verdadeiro, falso e nem verdadeiro nem falso). Parece-nos mais

coerente falar de um terceiro valor para os casos em que uma referência não é

estabelecida, como fazem Frege e Strawson, ou em que a verdade de um conteúdo

proposicional não corresponde à verdade dos fatos na realidade. Na lógica binária, como

quer Russell, por exemplo, o conceito de falsidade é amplo demais, e acaba abarcando

duas situações que a intuição dos falantes diferencia com clareza no caso da

pressuposição existencial: a) a existência de um ser e a não-procedência do que se

asserta sobre ele, de um lado, e b) a não-existência de um ser que preencha uma

referência, de outro lado. Numa descrição semântico-lingüística mais detalhada como a

que ora se pretende, convém tratar separadamente os casos de “falsidade” e os de “nem

verdade nem falsidade”;

• ao cercear o nosso objeto de pesquisa da forma como estamos fazendo, poder-se-ia

pensar que estamos lidando com um conjunto de fatos pouco interessantes para a análise

lingüística, já que é o jogo de implícitos, subentendidos etc. que confere vivacidade ao

discurso. Convém deixar claro que, apesar de estarmos trabalhando com uma visão

bastante restrita sobre a pressuposição, não perderemos de vista a relação desta com os

postos, os subentendidos etc., além de tratarmos, nos últimos capítulos, do seu

comportamento em sentenças complexas e da sua importância na composição textual.

Acrescente-se que esse campo, aparentemente “mais fácil”, nunca foi sistematicamente

explorado, no que diz respeito ao português.

• focalizando num mesmo trabalho a pressuposição tal como foi descrita pelos lógicos e

matemáticos (pressuposição existencial) junto com aquela ligada essencialmente a

palavras e estruturas lingüísticas, sentimo-nos obrigados a apresentar um modelo

semântico através do qual possamos contrapor, coerentemente, esse tipos. Em outras

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palavras, ainda que possuam origens bastante diferentes, esses tipos não devem ser vistos

como fenômenos isolados na linguagem.

Incorporar as crenças individuais do falante - ou mesmo do ouvinte - no

estudo da pressuposição geraria muita controvérsia e, principalmente, fugiria do escopo da

semântica. É totalmente viável considerar tais crenças, como fazem Strawson e outros,

desde que se trate de um estudo no âmbito da pragmática, referente à língua colocada em

uso. Mas uma análise pragmática requer recursos outros que se distinguem dos pertencentes

à análise semântica. Por essa razão, não nos interessarão, a priori, as crenças do falante (ou

do ouvinte) no estudo em questão. GARNER (1971) descreve muito bem as implicações

decorrentes da incorporação de tais crenças numa análise lingüística. Ele afirma que

Uma fonte potencial de problema é o fato de que a maioria das pessoas que escrevem sobre pressuposições falam (...) sobre o que “um falante” pressupõe. Essa é uma fonte potencial de problema porque qualquer um que esteja interessado nas pressuposições (...) pode expressar esse interesse ao falar do que é pressuposto pelo falante quando ele profere uma palavra, oração ou sentença ou quando ele faz uma afirmação, aposta, pergunta ou dá uma ordem. Ou, usando “o falante” em outro sentido, nós podemos questionar o que “o falante” (isto é, “qualquer falante”) pressupõe quando ele profere alguma sentença interrogativa ou realiza algum ato ilocucionário.61

Parafraseando Garner, incorporar as crenças do falante num estudo que

pretende uma descrição rigorosa da linguagem conduziria a um enorme leque de

possibilidades em torno do que pudesse ser pressuposto através de um enunciado, uma vez

que estaríamos incorporando condições de enunciação altamente variáveis. Essa gama de

possibilidades, ainda que existente na prática “linguageira”62, não pode ser o ponto de

partida de um estudo sistemático da linguagem; em se tratando de pressuposição, a

descrição formal das estruturas deve ser capaz de explicar, até onde lhe compete, as

interpretações decorrentes de seu uso em variados contextos.

Antes de apresentarmos uma definição para o termo “pressuposição” de

modo a atender às expectativas deste trabalho, convém deixar explícitos os objetivos

pretendidos com o mesmo. A definição do termo dar-se-á, obviamente, de maneira a atingir

tais objetivos da forma mais satisfatória possível.

61 Cf. GARNER (1971:27), em nota de pé de página. Tradução minha.

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E após essa breve exposição de objetivos, faremos algumas considerações

em torno de um modelo formal de estudo da linguagem, situando a pressuposição nesse

modelo. Com isso, finalmente, poderemos nos ater, com mais detalhes, aos tipos existentes

dentro da delimitação operada sobre o nosso objeto.

2. Objetivos do trabalho norteadores da definição do termo

O OBJETIVO GERAL desta dissertação é fornecer subsídios teóricos para

estudos de semântica lingüística. Já aqui se faz uma delimitação razoavelmente nítida:

interessa-nos o enfoque da pressuposição quanto às suas implicações de sentido, e mais, a

relação entre palavras e entre sentenças da língua, o estabelecimento de valores de verdade

e a formulação de regras capazes de traduzir o comportamento sintático-semântico desses

elementos. Dessa forma, nossa abordagem se aproximará bastante, em vários pontos,

daquela empreendida pelos estudiosos lógicos da linguagem, especialmente no sentido de

tratar das relações de valores de verdade entre sentenças. Além disso, obviamente, deter-

nos-emos no âmbito da teoria semântica geral, só considerando outras abordagens, como a

pragmática, desde que propiciem subsídios para uma análise semântica em questão63.

A definição de um conceito de pressuposição dar-se-á em função também

dos OBJETIVOS ESPECÍFICOS traçados para esta dissertação, entre os quais constam a

elaboração de um quadro empírico das expressões próprias da língua portuguesa que

veiculam pressuposições e a descrição do comportamento dessas mesmas expressões dentro

do quadro do “problema da projeção”, ou seja, o estudo das condições de manutenção dos

pressupostos de sentenças simples quando do encaixamento sintático de tais sentenças. Para

a concretização de tais objetivos, vê-se que é de vital importância uma definição do termo

voltada para aspectos sintático-semânticos em sentenças do português, e não para situações

de elocução das mesmas.

3. O estudo formal da linguagem

62 Esse neologismo está sendo proposto como se referindo ao uso da língua, em oposição à teoria da língua – cf. o francês langagier. 63 Há autores, como já foi citado no primeiro capítulo, que tratam o termo pragmaticamente, mas fazem observações de suma relevância para a teoria semântica, não podendo ser descartados do nosso trabalho. Entre eles, destaca-se Oswald Ducrot.

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3.1. Pressupostos para um estudo formal da linguagem

Já que a proposta deste trabalho é fazer um estudo do aparelho semântico da

pressuposição, é importante refletir, aqui, sobre o que se deve esperar de tal tratamento.

KEMPSON (1975) formula quatro condições gerais sobre uma teoria semântica, que

considera indispensáveis a qualquer estudioso da linguagem nesse campo. Por se tratar de

condições claras e precisas, que se prestam para nortear o presente trabalho, apresentá-las-

emos sucintamente a seguir:

a) A teoria deve ser capaz de prever o significado de qualquer sentença, com base no

significado de itens lexicais e relações sintáticas entre tais itens. Além disso, quando

houver mais de uma interpretação, o modelo deve prever o número apropriado de

interpretações.

b) Uma vez que o conjunto de sentenças de qualquer língua constitui um conjunto infinito,

o modelo semântico deve ser construído por um conjunto finito de regras recursivas: o

modelo não pode meramente analisar um subconjunto finito arbitrariamente selecionado,

e sim, as regras devem incorporar o mecanismo matemático da recursividade para dar

conta da infinitude do conjunto de sentenças possíveis da língua.

c) O modelo deve separar o conjunto infinito de sentenças normais do conjunto infinito de

sentenças contraditórias ou anômalas.

d) O modelo deve ser capaz de prever relações de significado entre sentenças.64

Na montagem de um quadro semântico-descritivo sobre a pressuposição,

essas condições assumem importância primordial: devemos ser capazes de prever os

infinitos casos de ocorrência desse fenômeno através de um número finito de regras

baseadas no significado de itens lexicais e relações sintáticas presentes nas sentenças. Além

do mais, haveremos de apontar as decorrências de sentido relacionadas a essas estruturas,

prevendo as possíveis interpretações das sentenças.

A descrição do “problema da projeção” terá, nesse ponto, importância

essencial. Os pressupostos ligados a um item lexical ou estrutura sintática mantêm-se ou se

anulam em contextos mais amplos – sentenças complexas – sob certas condições

“previsíveis” dentro da língua. Nesse aspecto, o problema da projeção é a manifestação da

recursividade no domínio da pressuposição. Tão ambicioso quanto o projeto de descrição

semântica da pressuposição é esse estudo do comportamento sistemático da mesma em

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contextos maiores – além de ambicioso, muito importante para a descrição e entendimento

do mecanismo da linguagem.

Há muito já se fala da necessidade de uma “gramática pressuposicional” nos

estudos lingüísticos, inclusive da parte de alguns pragmaticistas (entre eles, Ducrot e Paul

Henry65). Há muito se faz necessário um tratamento mais sistemático e uniforme do termo,

capaz de impulsionar outros estudos lingüísticos e preenchendo a lacuna deixada pela

Lingüística após o auge do tratamento da pressuposição na década de 1970.

Para atender a esses objetivos, como deve ser a forma dessa gramática? Qual

o tipo de teoria lexical mais conveniente para esse propósito? Tentemos delinear, agora,

algumas características básicas dessa gramática pressuposicional, sem perder de vista as

condições para tratamento semântico do aparelho formal da linguagem apontadas por

Kempson:

a) Uma gramática pressuposicional deve ser construída levando-se em conta as

interpretações dos “sinais” no texto, ou seja, não pode ocorrer uma extrapolação da

“letra” do texto; a cada pressuposto reconhecido para uma sentença corresponde uma

palavra ou estrutura específica que ocorre na mesma.

b) Uma vez que as interpretações semânticas são decorrentes do construto léxico-sintático

das sentenças, para a descrição deste, deve-se utilizar uma nomenclatura que se baseia

numa formalização de traços lexicais e sintáticos e que, concomitantemente, dê margem

para exploração de aspectos gerais de interpretação.

c) O comportamento de uma pressuposição ligada a um item lexical ou estrutura sintática

isolada deve ser descrito quando os pressupostos se inserem no contexto de sentenças

encaixadas, a partir de quando devem ser apontadas as suas condições de manutenção e

de cancelamento.

Os itens apontados acima resumem o meio para se alcançar nosso objetivo

prático da dissertação e definem a linha de pesquisa a ser seguida. Eles são, de certa forma,

uma reafirmação do procedimento adotado pela teoria semântica geral aplicado a um objeto

específico - no nosso caso, a pressuposição.

3.2. Projeto de descrição semântica

64 Cf. KEMPSON (1975:1-3). 65 Ver, por exemplo, HENRY (1992).

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Uma vez apontadas as condições básicas (defendidas por Kempson) para um

estudo a se realizar na área da Semântica, tratemos, agora, do lugar que o “contexto”

assumirá na presente abordagem, já que ele foi, de certa forma, descartado dos nossos

princípios básicos de estudo formal da língua.

Com vista nesse aspecto, encontramos em DUCROT (1972, especialmente)

uma maneira intuitivamente adequada de atribuir um espaço teórico relevante ao contexto

discursivo, nos estudos da pressuposição, sem, com isso, fazer incursões pragmáticas

propriamente. A descrição de DUCROT (1972) revela, de certa forma, a “maneira” como

os objetivos de Kempson são realizados no aparelho formal da língua e nos proporciona

uma distinção dos diferentes campos de estudo da linguagem.

Segundo DUCROT (1969 e 1972), o processo de significação se realiza da

maneira representada pelo esquema abaixo:

A (enunciado) X (circunstância)

ø ÷

descrição semântica de L (língua)

ò

sentido de A em X

O enunciado, por si só, não é capaz de produzir todas as formas de sentido

possível. O sentido de um enunciado A é decorrente da sua significação literal juntamente

com as condições oferecidas por um contexto X, o que pode ser previsto numa descrição

semântica da língua L em questão. Em outras palavras, o sentido de um enunciado é

estabelecido em função de duas categorias: a) o material semântico nele presente, entendido

como a composição das significações de suas partes isoladas e b) as modificações

provocadas por elementos contextuais da enunciação. Ainda que o enunciado não seja

investido desse “poder” de determinação do sentido final numa língua, é possível realizar

uma “previsão” de sentido com base nesse mesmo enunciado. Ao conjunto de

conhecimentos que permite tal previsão, Ducrot chama de “projeto de descrição

semântica”.

Pode-se, ainda segundo Ducrot, dividir o retângulo correspondente à

descrição semântica em dois componentes, a saber: um componente lingüístico, que abarca

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as informações inerentes ao sistema em relação à palavra em questão (responsável por uma

significação A’ do enunciado A), e um componente retórico, que combina com as

informações propriamente lingüísticas as informações de situação de uso dessa mesma

palavra.66

A X

ò

componente 1: componente lingüístico

(descrição semântica lingüística)

ò

A’

componente 2: componente retórico

ò

sentido de A no contexto X

A previsão do sentido citada acima ocorre mais especificamente no

componente 1 do esquema (descrição semântica lingüística). Depois dessa descrição, a

significação A’ pode sofrer alterações no nível do componente retórico, onde atuam as

circunstâncias extralingüísticas de produção de um enunciado.

Outro modelo interessante de descrição do funcionamento da linguagem que

situa claramente os elementos lingüísticos e extralingüísticos é proposto por STALNAKER

(1972). Primeiro, esse autor conceitua sintaxe, semântica e pragmática: cabe à sintaxe o

estudo de sentenças, à semântica o estudo de proposições e à pragmática o estudo de atos

lingüísticos e respectivos contextos de realização. Em seguida, Stalnaker situa essas áreas

num esquema explicativo que menciona explicitamente outros elementos ausentes no

esquema de Ducrot, como: a diferenciação entre “sentença” e “proposição” e o contexto de

determinação do valor de verdade das proposições. O esquema em questão é o seguinte:

66 Esses componentes já foram citados en passant antes do presente capítulo. Estão sendo retomados aqui para maior detalhamento e para situar mais especificamente nosso objeto de pesquisa.

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De acordo com a descrição de Stalnaker, as sentenças de uma língua são

produzidas em conjunto pelas regras de articulação sintática e semântica, independentes de

fatores contextuais. Uma vez prontas, as sentenças – entendidas como funções e tomando

como argumento um contexto - dão origem às proposições, que assumem um valor de

verdade em função do mundo em que são interpretadas.

Os modelos de Ducrot e Stalnaker possuem alguns traços em comum, como:

a) o componente lingüístico descrito por Ducrot corresponde ao binômio sintaxe-

semântica citado por Stalnaker;

b) os dois autores consideram relevante o contexto, e falam de uma modificação de

elementos da linguagem decorrente da existência de traços contextuais na língua.

Por outro lado, Stalnaker continua o raciocínio até chegar à determinação do

valor de verdade; e assim distingue os fatores contextuais, relevantes para reconhecer a

proposição expressa por uma dada sentença, dos mundos possíveis, em que a proposição

será interpretada (uma proposição é verdadeira ou falsa dependendo do que acontece no

mundo). Vê-se que o “contexto” de Stalnaker é bem mais restrito do que na visão de

Interpretação não-

ambígua

Traços contextuais

de uso da sentença

Proposição Mundo possível

Valor de verdade

Regras

sintáticas

Regras

semânticas

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Ducrot, constituindo-se um elemento que atua somente na identificação de proposições

(enquanto, para Ducrot, o contexto determina o sentido final de um enunciado).

A diferença de “arquitetura” dos dois esquemas apresentados acaba por

suportar importantes diferenças conceituais: na realidade, o “contexto” para Stalnaker serve

apenas de argumento para uma função responsável tão somente por fornecer o referente

apropriado para os dêiticos apresentados nas sentenças, antes que estas sejam associadas a

proposições. Assim, com base no mecanismo matemático da função, Stalnaker descreve o

contexto de uma forma tal que torna calculável a referência dos dêiticos. Em Ducrot, a

noção de contexto é muito mais ampla, englobando quaisquer vicissitudes enunciativas.

O objetivo descritivo a que nos propusemos nesta dissertação, já traçado e

descrito em seção anterior, situa-se inteiramente no componente 1 do quadro de Ducrot,

ou, talvez menos claramente, na interpretação de sentenças decorrente das regras sintático-

semânticas de Stalnaker. Assume-se, em outras palavras, que é possível descrever o

aparelho formal da pressuposição em bases semânticas sólidas, mesmo que as sentenças em

questão ainda estejam sujeitas às vicissitudes pragmáticas da linguagem. Conquanto

“ambiciosa”, tal descrição é possível, segundo o próprio Ducrot, que lembra: “(...) esse

fenômeno [a pressuposição] tem raízes na estrutura da língua, mesmo no sentido mais

restrito do termo (isto é, no léxico e na sintaxe)”67.

3.3. Semântica dos operadores x semântica lexical

Vimos mencionando, ao longo deste trabalho, que determinadas palavras e

expressões da língua são capazes de introduzir pressuposição. É importante, neste ponto,

lembrar a lição que havíamos tirado de nossa reflexão sobre o Fillmore dos verbos de

julgamento: assim como é preciso não confundir pressupostos e condições de emprego, será

preciso não tratarmos como pressuposto o que não passa de traço semântico dentro de uma

análise componencial.

O quadro a seguir ilustra a divisão, a que então chegamos, de duas áreas de

análise do significado de palavras e expressões de uma língua:

Linha de estudo Objetos de estudo

67 Cf. DUCROT (1984b:406).

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Semântica

pressuposicional

Operadores que introduzem implícitos só

explicáveis numa lógica de três valores

(pressuposições)

Semântica

Semântica dos

acarretamentos

Traços semânticos que definem o sentido das

palavras, operando numa lógica de dois valores

(entailments)

Entendemos que o tratamento de um pressuposto decorrente da presença de

uma palavra ou expressão da língua deve ser levado a termo, eminentemente, através de

uma lógica de três valores – diferentemente dos “traços semânticos” de uma palavra ou

expressão para cuja descrição basta um estudo em termos da lógica binária.

A linha ondulada do esquema representa o limite entre os dois campos,

pouco explorado até hoje e nem sempre muito bem definido. A exposição seguinte tem

como um de seus objetivos chegar a um delineamento mais claro dessa área de fronteira,

viabilizando um estudo mais bem fundamentado da pressuposição, especialmente no nível

do léxico. A caracterização dessa fronteira poderá requerer uma retomada de algumas

abordagens clássicas e um questionamento sobre elas, uma vez que é sobre os pressupostos

lexicais que incidem maiores polêmicas - e, em decorrência desse fato, constituem-se no

tipo que apresenta menor sistematicidade e clareza dos seus aspectos.

Por definição, pressuposto lexical é o conteúdo proposicional carregado

implicitamente por sentenças que encerram determinadas unidades léxicas e detectável no

nível do enunciado. A dificuldade de efetuar análises lexicais que lidem coerentemente com

esse conceito reside na estreiteza de limites com outros conceitos, principalmente os traços

de restrição selecional. Em razão dessa estreiteza de limites, vamos desenvolver mais a

questão, definindo melhor o que estamos chamando de “pressupostos lexicais”.

Nossa leitura de Fillmore tinha-nos alertado, na verdade, para o fato de que

certas informações que fazem parte da significação de nomes e verbos e, à primeira vista, se

confundem com pressuposições resistem mal ao teste da negação. Isso nos levará a

desconsiderar esse tipo de informação lexical, valorizando, ao contrário, o sentido de itens

que operam sobre outros itens lexicais – como operadores –, como é o caso de “só”,

“mesmo”, “até”, “todos” etc.68 Os pressupostos introduzidos por palavras desse tipo têm

68 Uma apresentação mais detalhada desses itens lexicais será realizada no próximo capítulo.

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uma natureza bastante diferente da dos ditos pressupostos de Fillmore: na verdade, essas

palavras, por si, não pressupõem nada; os pressupostos surgem na sentença por efeito de

uma operação que envolve outros itens presentes na sentença – o conteúdo pressuposto só

é recuperado a partir de outras palavras. Queremos dizer, com isso, que os exemplos

legítimos de pressupostos lexicais serão encontrados em sentenças como (104) e sua

negação (105):

(104) Só o general tem a medalha do libertador.

(105) É falso que só o general tem a medalha do libertador.

Tanto em (104) como em (105), o pressuposto “o general tem a medalha do libertador”

resulta da presença do item lexical “só”. Tal conteúdo proposicional mantém-se em

qualquer situação de uso dessas sentenças, não sendo alterado em virtude de mudanças

contextuais. Um critério para seu caráter pressuposicional é a possibilidade de encontrar nas

sentenças em questão uma “palavra introdutora de pressupostos”. Sobre esse critério é,

contudo, importante uma última observação:

Existe um pequeno problema envolvendo nossa classificação: há

pressupostos que são claramente decorrentes da presença de determinados itens lexicais e

há aqueles que decorrem de certas estruturas sintáticas. E ainda existem pressupostos que

se ligam aos dois aspectos, concomitantemente, levando-se em conta que a pressuposição

lexical é vinculada à organização sintática. Na sentença abaixo, por exemplo,

(106) Maria continua arrumando o quarto.

pressupõe-se que “Maria arrumava o quarto antes”. Tal pressuposto decorre:

• no nível do léxico – da propriedade semântica do verbo “continuar”, que imputa o

sentido de prosseguimento de uma ação já existente;

• no nível da sintaxe – da propriedade do verbo “continuar” em operar sobre o verbo

“limpar”, conferindo à sentença o sentido de prosseguimento de uma ação previamente

começada.

4. Um modelo semântico para a pressuposição

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Até aqui, vimos que existem, a grosso modo, dois ramos no estudo da

pressuposição: um que se desenvolveu no contexto da Lógica e da Filosofia, e que explorou

mais tipicamente as construções nominais que pressupõem referência, e outro que se

desenvolveu no âmbito da Lingüística, e tratou de outros tipos de palavras e estruturas.

Essa dupla história, porém, deixa aberta, nos estudos da linguagem, uma

lacuna, cujo preenchimento deve começar com o seguinte questionamento: qual é a real

relação existente entre os tipos de pressuposição estudados respectivamente pela Lógica e

pela Lingüística? Um tipo de pressuposto reforça a existência do outro ou se trata de dois

fenômenos totalmente distintos?

Junto a esse questionamento emerge, antes de mais nada, o problema de

encontrar termos adequados para cada grupo de pressupostos. Para esse problema,

propomos a seguinte solução:

a) chamaremos “existenciais” aos pressupostos cuja descrição básica advém dos estudos

lógico-filosóficos; trata-se, na verdade, de uma nomenclatura já bem estabelecida, em

relação àquelas palavras e expressões que estabelecem a referência a um determinado

ser;

b) chamaremos “adscritivos” (do latim ad + scribere = “escrever junto (a)”, “aplicar”,

“atribuir”) aos pressupostos que, diferentemente dos existenciais, não propõem a

existência de novas entidades, não incrementam a ontologia do universo de discurso, e

sim, atribuem alguma ação ou propriedade a alguma entidade desse mesmo universo;

são introduzidos ou por algumas palavras e expressões de uma língua (pressupostos

lexicais) ou por certas estruturas sintáticas (pressupostos sintáticos).

No intuito de mostrar que os dois tipos de pressupostos têm muito em

comum, vamos apresentar uma reflexão nossa, relativamente livre, baseada nas idéias da

lingüista Irene Heim.

4.1. A “semântica de troca de pastas” de Heim

Irene Heim, em sua dissertação de doutoramento de 1982, The semantics of

definite and indefinite noun phrases, propõe um modelo de tratamento semântico voltado, a

princípio, para sintagmas nominais definidos e indefinidos, que mostra os diferentes estágios

no processo de interpretação lingüística; essa teoria denomina-se file change semantics, que

traduzimos aqui como “semântica de troca de pastas”.

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Conforme explica BACH (1989:116), a teoria da mudança de pastas

desenvolveu-se inicialmente para explicar questões relativas à quantificação e anáfora. Essas

questões são as que podem ser encontradas nas sentenças que, a partir de alguns exemplos

semelhantes a (107), apontados por McCAWLEY (1981), passaram a ser denominadas

“donkey sentences”:

(107) Todo fazendeiro que possui um burro bate nele.

Nessa clássica sentença, o problema reside na maneira como o pronome “ele” se refere ao

antecedente “burro”. Sentenças como (107) não falam, evidentemente, de um único burro,

mas de pares de indivíduos formados por um fazendeiro e um burro. Como formalizar essa

relação anafórica em que o pronome “ele” não está para “um burro”, e sim para um número

indeterminado deles?

Essa questão leva Heim a formular um modelo de interpretação semântica

que, no essencial, representa o discurso como um processo compartilhado (entre os

interlocutores) de alimentação/atualização de um arquivo. Para ver como funciona,

considere-se o pequeno diálogo abaixo:

(108) (A) – Há um burro no jardim.

(B) – Ele pertence à mulher que mora na casa vizinha.

(A) – Ela sabe que ele está no nosso jardim?69

Uma vez aceita a idéia de que os dois interlocutores (A) e (B) estão

engajados na tarefa de montar um ARQUIVO em que uma parte das informações já é

compartilhada inicialmente por ambos e outra parte vai sendo construída à medida que

transcorre o discurso, pode-se entender que a primeira fala do locutor (A) introduz duas

informações: existe um burro e ele está no jardim. Essas informações são novas; aliás, o uso

do artigo indefinido “um” indica que o ser que o acompanha é uma entidade nova

apresentada no discurso. Para representar a introdução de uma informação nova na

metáfora da alimentação do arquivo, entender-se-á que é como se os interlocutores

abrissem uma ficha nova do arquivo, anunciando a existência de uma nova entidade, o

“burro”, que a partir de então se torna parte integrante do arquivo. A segunda informação é

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um pouco mais problemática: o emprego do artigo definido “o” indica que o ser que o

acompanha – “jardim” – já deve possuir uma ficha a seu respeito, ou sob a forma de

conhecimento comum compartilhado ou sob a forma de informação prévia. Se a ficha em

questão não for encontrada, ela será criada “por acomodação”. A partir daí, percorre-se o

arquivo e lança-se nele a informação de que a entidade da nova ficha (o “burro”) se

encontra na entidade da ficha correspondente ao “jardim”.

Na fala subseqüente, novas fichas serão acionadas e novas informações

lançadas, referentes, por exemplo, à “mulher que mora na casa vizinha”, à idéia de posse

transmitida no discurso, e assim por diante.

Nessa abordagem, é possível tratar da questão do valor de verdade em

termos da correspondência entre o arquivo e o mundo possível: o discurso é verdadeiro se

as informações contidas nas fichas correspondem, de fato, à descrição de mundo, num

determinado momento.

O interessante dessa teoria é que ela explica certos fenômenos – como o da

sentença (107) – não exatamente em termos da quantificação dos termos definidos e

indefinidos, mas em termos de abertura de pastas e constante renovação do arquivo através

de acréscimo de informações nas pastas já abertas. A sentença (107), por exemplo, pode ser

claramente entendida não em termos da quantificação da expressão “todo fazendeiro”, mas

em relação ao fato de existirem pares X-Y em que: X é um burro, Y é um fazendeiro dono

do burro e Y bate em X. A correspondência dessas informações com o mundo é que

garante a verdade de (107).

4.2. A pressuposição no contexto da “semântica de troca de pastas”

Embora a teoria descrita acima tenha sido elaborada para explicar o

comportamento relativo a descrições definidas e indefinidas de uma língua, como foi dito

anteriormente, podemos explicar por seu intermédio o fenômeno pressuposicional como um

todo.

Nesse contexto, a pressuposição pode ser tomada como fichas pré-existentes

num arquivo que vão sendo atualizadas mediante o acréscimo de uma novas informações.

Trata-se de fichas que vão sendo acionadas automaticamente através de certas palavras e

construções sintáticas.

69 Cf. BACH (1989:117). Tradução minha.

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Ao se enunciar, por exemplo, (109):

(109) É na PUC-Minas que se realiza o PREPES.

pode-se supor que o estado do arquivo seja este:

1) já existe uma ficha para o PREPES;

2) da mesma forma, já existe uma ficha relacionada à PUC-Minas;

3) além disso, o arquivo já incorporou a seguinte informação: “o PREPES se realiza em

algum lugar a ser objeto de um próximo registro” (pressuposto adscritivo); essa

informação poderia ser “escrita junto” à informação prévia sobre a existência do

PREPES. De posse dessas informações, o locutor dá o comando que atualiza o arquivo,

acrescentando que “o lugar onde se realiza o PREPES é a PUC-Minas” (informação

posta).

Podemos esquematizar o processo da seguinte forma, supondo que (109) se

encontre num contexto de levantamento de informações sobre cursos de pós-graduação

lato sensu mineiros:

ARQUIVO

Informações sobre cursos de pós-graduação lato sensu do estado de Minas Gerais

Estado 1 do arquivo

2 ficha nº X – entidade: PREPES

- pp. adscritiva – O PREPES se realiza em algum lugar Z*

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2 ficha nº Y – entidade: PUC-Minas

Estado 2 do arquivo

Acréscimos:

- na ficha X – PREPES: seu lugar de realização é a PUC-Minas

- na ficha Y – PUC-Minas: é o lugar de realização do PREPES

[ * indica pendência

Explicando melhor a dinâmica de funcionamento do quadro acima, tem-se o

seguinte: quando um locutor enuncia (109), é como se dissesse o seguinte para seu

interlocutor: “Você já deve ter, em seu arquivo, uma pasta referente ao PREPES e outra

referente à PUC-Minas; cheque-as. Na pasta do PREPES, você já deve ter a informação de

que ele se realiza em algum lugar, e isso caracteriza uma pendência; cheque isso e

acrescente a informação de que esse lugar é a PUC-Minas, eliminando a pendência.”

Principalmente em relação aos pressupostos existenciais, não existe uma

obrigatoriedade de pré-existência de informação; (109), por exemplo, pode ser enunciado

para um interlocutor sem que este saiba efetivamente que o PREPES e a PUC-Minas

existem, tornando-se um dos objetivos de tal elocução apresentar-lhe essas duas entidades,

ou até uma delas somente. Esse fator parece ir contra a característica básica dos

pressupostos, que é a “pré-suposição”, da parte dos interlocutores, da verdade de algumas

informações no discurso. Tal fato mostra que o processo de “acomodação” tem uma forte

presença na interação verbal, ou, dito de outra maneira, que os interlocutores trabalham

antes com um arquivo “ideal” do que “real”. Isso, porém, não prejudica a possibilidade de

encontrar na teoria das pastas de Heim um meio de unificar os dois tipos de pressuposição

em que investiram principalmente os lógicos e os lingüistas: nos dois casos, os pressupostos

são informações que os interlocutores sabem que poderão encontrar no arquivo

compartilhado.

Neste capítulo, retomamos as alternativas de tratamento da pressuposição

discutidas anteriormente, com vistas a operacionalizar a descrição da pressuposição em

língua portuguesa, objeto do capítulo seguinte. Chegamos, assim, a uma definição e a uma

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classificação que usaremos na seqüência desta dissertação, as quais serão apresentadas a

seguir.

5. Definição operacional e classificação de “pressuposição”

Dados um conteúdo proposicional A e um conteúdo proposicional B, e uma

vez reconhecidos seus respectivos valores de verdade v(A) e v(B), diz-se que A pressupõe

B a partir do momento em que a verdade de A implica a verdade de B e, simultaneamente, a

falsidade de A implica a verdade de B.

Esquematicamente:

A » B = v(A) = V → v(B) = V

v(A) = F → v(B) = V

Essa relação só é lingüisticamente viável a partir da presença, em dadas

sentenças, de conteúdos proposicionais (aos quais se pode atribuir um valor verdadeiro ou

falso) ligados a certas palavras e expressões da língua.

Situando nossa escolha em meio a algumas distinções lingüísticas clássicas,

podemos traçar o seguinte:

a) sob o ponto de vista do tradicional binômio saussureano langue / parole, situamos

nosso trabalho no nível da langue, e não propriamente da parole70, uma vez que nos

interessam as relações proposicionais ligadas a palavras e expressões às quais todos os

falantes têm acesso e das quais fazem uso, independentemente de situações particulares;

b) com relação à dicotomia estabelecida por Coseriu (já citada no primeiro capítulo) entre

“sistema” e “norma”, encaixamos nosso estudo no âmbito do primeiro termo desse par,

uma vez que o emprego de recursos pressuposicionais se enquadra no conjunto das

várias possibilidades que se abrem no falar de uma comunidade – não se reveste de um

caráter obrigatório como quer a “norma”71;

c) entre as orientações “semasiológica” e “onomasiológica” do estudo em questão,

convém traçarmos as características básicas das mesmas, antes de situar nosso objeto.

Define-se Semasiologia a ciência cuja orientação de estudo se dá a partir das formas

70 Cf. SAUSSURE (1916).

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para seus significados; já por Onomasiologia entende-se uma orientação de pesquisa que

consiste em reunir expressões de que uma língua dispõe para traduzir determinadas

noções. Pelo método semasiológico, focaliza-se uma forma para, depois, examinar suas

significações e empregos; pelo onomasiológico, parte-se de um significado capaz de ter

expressão lingüística para se chegar às correspondentes formas lingüísticas. O estudo

ora proposto reveste-se de caráter ora onomasiológico, ora semasiológico: enquadrar-

se-á no campo da Onomasiologia a partir do momento em que abordarmos conceitos

genéricos e especificarmos, dentre as várias formas lingüísticas possíveis para expressão

desses conceitos, aquelas que carregam pressuposições; e estará enquadrado no campo

da Semasiologia quando tratarmos de certas expressões lingüísticas e as relacionarmos

ao significado por elas transmitido – no nosso caso, o significado implícito no nível da

pressuposição;

d) relativamente à oposição “léxico” / “gramática”, à qual têm retornado constantemente os

estudos lingüísticos em geral, pode-se afirmar que nosso trabalho leva em conta ambos

os termos dessa dicotomia; lidaremos tanto com séries de semantemas da língua

portuguesa vistos através da sua integração em palavras (léxico) quanto com séries de

morfemas e processos de estruturação de sintagmas (gramática). Ambos os campos

apresentam possibilidades de introdução da pressuposição na língua.

Quanto à classificação, ela consistiu em reconhecer os seguintes tipos de

pressupostos:

• existenciais – relacionados à referência a um ser estabelecida por um sintagma nominal;

• adscritivos – relacionados à informação sobre algum ser, no que tange a ação, estado ou

processo; dividem-se em dois tipos:

- lexicais: decorrentes da presença de uma palavra ou expressão específica na sentença

(diferenciam-se de traços semânticos e de condições de uso de uma palavra ou

expressão);

- sintáticos: decorrentes de estruturações sintáticas específicas que uma dada sentença

comporta.

Com isso, esperamos ter realizado uma delimitação do tema capaz de atender

às exigências teóricas e práticas requeridas na presente proposta de dissertação. Daqui em

diante, nosso estudo tomará um aspecto mais descritivo.

71 Cf. COSERIU (1973).

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CAPÍTULO 5

INTRODUTORES DE PRESSUPOSIÇÃO E O PROBLEMA DA PROJEÇÃO

1. Elementos que introduzem pressuposição no português

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1.1. Pressuposição existencial

As características da pressuposição existencial já foram apresentadas e

discutidas nos capítulos anteriores. O que interessa essencialmente para o nosso trabalho,

em relação a esse fenômeno, é avaliar a capacidade que uma expressão possui para

estabelecer referência a um determinado ser, criando uma exigência pela qual a sentença em

que se encontra só tem um valor verdadeiro ou falso caso a referência seja confirmada, e

assume um terceiro valor de verdade (nem verdadeiro nem falso) caso as condições de

referência não sejam preenchidas.

No segundo capítulo, foi descrita a relação existente entre a pressuposição e

a estrutura funcional da sentença. Com base nas idéias de KIEFER (1977), mostrou-se,

sucintamente, que o comportamento pressuposicional de alguns termos é alterado conforme

eles ocupem a posição temática ou remática de uma sentença. VENDLER (1971), por sua

vez, defende que tal comportamento é alterado de acordo com a função de sujeito ou

predicado que um termo assuma dentro da oração, entre outros fatores. Analisaremos

ainda, com mais detalhes, essas duas posturas diferentes. De toda forma, já podemos firmar

uma importante idéia que as teorias de Kiefer e Vendler têm em comum: considerações em

torno do comportamento pressuposicional de uma expressão jamais podem ser circunscritas

ao nível da morfologia; a sentença inteira, com suas características sintáticas e semânticas,

interfere no comportamento pressuposicional de seus segmentos.

Passemos agora ao levantamento das expressões que introduzem

pressupostos de existência, as quais serão estudadas em diferentes posições na sentença,

desempenhando funções distintas. Assim, poderemos dar uma idéia das interferências a que

acabamos de aludir.

1.1.1. Termos singulares

Segundo VENDLER (1971:116), a palavra “termo” foi herdada dos lógicos

- não pertence ao vocabulário estrito dos lingüistas - e não possui uma definição totalmente

uniforme. No entanto, todos são acordes em que qualquer análise lógica reconhece,

segundo seus próprios critérios, certos “blocos” de informação. Os “termos” correspondem

a esses blocos, constituídos por um conjunto de palavras determinado.

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As expressões que têm capacidade de estabelecer referência a um ser são

tratadas normalmente como “termos singulares”. Trata-se de termos cuja referência se dá

em direção a um indivíduo ou grupo de indivíduos do mundo. Por definição, são sintagmas

nominais aos quais é possível associar um referente. Podem-se apresentar sob a forma de

sintagmas nominais sintaticamente “simples”, caso em que são formados por categorias que,

sozinhas, têm por função precípua estabelecer esse tipo de referência (chamadas, aqui, de

“termos singulares puros”)72, ou sob a forma de sintagmas nominais dotados de uma

estruturação sintática mais ou menos complexa, caso que comporta palavras pertencentes à

categoria gramatical dos determinantes.

Do ponto de vista de sua estrutura morfossintática, as expressões capazes de

funcionar como termos singulares subdividem-se nos seguintes tipos, os quais serão

apresentados e discutidos separadamente logo a seguir:

TERMOS SINGULARES

a) Termos singulares “puros” a.1) Nomes próprios

a.2) Pronomes pessoais

b) Descrições definidas b.1) SN introduzido por artigo definido

b.2) SN introduzido por pronome

demonstrativo

b.3) SN introduzido por pronome possessivo

c) Descrições indefinidas c.1) SN introduzido por artigo indefinido

c.2) SN introduzido por pronome indefinido

72 VENDLER (1971:121) afirma que “nomes próprios e pronomes singulares introduzem termos singulares por si mesmos, sem nenhum estilo específico ou aparato lingüístico adicional” (tradução minha). Nesse artigo, Vendler não trata de pronomes plurais, mas essa categoria pode ser igualmente incluída no que estamos tratando por “termos singulares puros”.

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Na abordagem inspirada na lógica a que ora nos propomos, “singulares” não

corresponde à velha distinção gramatical que opõe singulares e plurais, e sim à possibilidade

de “singularizar” determinados indivíduos no universo do discurso, no sentido de distingui-

los em meio aos demais.

Uma boa explicação a respeito desse processo de distinguir seres em meio

aos demais, característico dos termos singulares, encontra-se em ZIFF (1960). Diz esse

autor, em relação aos nomes próprios e nomes comuns, que

A diferença crucial entre um nome próprio como “Witchgren” e um “nome”, ou melhor, um nome comum como “tigre”, em virtude da qual se pode dizer que somente o segundo possui significado na língua (onde o significado não é, obviamente, só uma questão de conotação), é esta: se há dois animais numa jaula, e um deles é um tigre, uma perfeita espécie de tigre, e o outro animal é verdadeiramente indistinguível do primeiro, então o segundo animal é um tigre. Mas, se há dois animais numa jaula, e um é Witchgren, e o outro é verdadeiramente indistinguível do primeiro, não quer dizer que o segundo animal é Witchgren. Os dois animais foram individualizados em decorrência dos ritos batismais de Witchgren. Essa é a diferença entre nomes como “Rosa” e “rosa”.73

a) Termos singulares “puros”

a.1) Nomes próprios

Os nomes próprios são o paradigma dos termos singulares74. Podem ser

representados, no enunciado, por substantivos próprios na forma simples (exemplos (110) e

(111) abaixo) ou na forma composta (exemplos (112) e (113)). Em ambas as formas, o

comportamento dos nomes é o mesmo, pressupondo a existência de um ser.

(110) Campinas é uma cidade paulista.

pp. - Campinas existe.

(111) João é um grande escritor.

pp. - João existe.

73 Cf. ZIFF (1960:102-3). Tradução minha.

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(112) Belo Horizonte é a capital mineira.

pp. - Belo Horizonte existe.

(113) João Carlos estuda Lingüística.

pp. - João Carlos existe.

Note-se que nomes próprios podem ser utilizados para fazer referência a um

e só um ser (exemplos (110) e (112)) ou a um mas não único ser (exemplos (111) e (113)).

No segundo caso, a particularização do ser fica a cargo do contexto.

Nos exemplos acima, os nomes próprios ocupam a posição temática e a

função de sujeito nas respectivas sentenças. Observem-se, agora, as variações possíveis em

relação à posição e função do nome próprio e o seu conseqüente comportamento

pressuposicional:

(114) Eu convidei João para a festa.

tema - Eu

sujeito - Eu

(115) Joãoi, eu oi convidei para a festa.

tema - João

sujeito - eu

(116) A mim, João convidou para a festa.

tema - A mim

sujeito - João

Em todas as sentenças de (114) a (116), existe a pressuposição de que “João

existe”.

Através desses exemplos, percebemos intuitivamente que,

independentemente da posição na sentença (temática ou remática) e da função (sujeito ou

74 Cf. VENDLER (1971:117).

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predicado), os nomes próprios mantêm sua característica referencial. KIEFER (1977:96) já

atentara para esse caso, vendo as coisas a partir da articulação tema-rema, afirmando que

nomes próprios têm uma propriedade referencial independentemente de pertencerem ao tema ou ao rema da sentença. Em outras palavras, nomes próprios são normalmente associados com pressuposições existenciais de forma bastante independente da estrutura tema-rema da sentença75.

Até aqui, tratamos de nomes próprios relacionados a seres do mundo real. O

que dizer, agora, a respeito de nomes próprios de seres imaginários, como os das sentenças

abaixo?

(117) Papai Noel só entrega presentes para crianças bem educadas.

(118) Os anões, a princípio, relutaram em acolher Branca de Neve.

(119) Cinderela não existe.

(120) Ninguém acredita mais em Saci Pererê.

No presente trabalho, não estamos interessados em desenvolver a fundo

questões de ordem lógica e ontológica que subjazem a todos esses exemplos. Interessa-nos

que os nomes próprios são dotados de uma forma gramatical tal que pressupõem a

existência de um referente, quer no mundo real, quer no fictício.

Primeira conclusão: nomes próprios, em qualquer posição ou função dentro

da sentença, pressupõem a existência de um ser.

Ainda com relação aos nomes próprios, alguns detalhes precisam ser

abordados, uma vez que esse termo pode aparecer, dentro da sentença, acompanhado de

outras expressões, acarretando variações no contexto pressuposicional.

I) Primeiro caso: nomes próprios acompanhados de adjunto76

75 Cf. KIEFER (1977:96). Tradução minha. 76 Esse caso e outros já apontam para o problema da projeção.

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Quando um nome próprio aparece acompanhado de um adjunto,

normalmente é precedido por um artigo, como mostram os exemplos abaixo:

(121) As Minas Gerais de Guimarães Rosa não são as Minas Gerais de Drummond.

(122) Não aprecio o Paulo das aulas de Física; prefiro o Paulo das “peladas” de domingo.

(123) A São João del-Rei dos casarões é muito bonita.

Levando-se em conta a forma e o significado dos nomes acima quando

isolados, é difícil não considerar “Minas Gerais”, “Paulo” e “São João del-Rei” como

nomes próprios, pressupondo a existência de um ser. Por outro lado, esses nomes, quando

acompanhados de adjunto, sofrem o acréscimo de uma característica além do aspecto

particularizador próprio dos nomes de (121) a (123), por exemplo. ILARI E RÉBORI

(1987) dedicam-se ao estudo de construções desse tipo, entre outras, que são capazes de

produzir uma separação de “aspectos”77 do referente ao qual se aplica o nome em questão.

Nesse sentido, nossos exemplos acima poderiam ter as correspondentes formas

desenvolvidas, uma vez explicitados alguns elementos claramente perceptíveis nas

sentenças:

(124) A representação literária de Minas Gerais feita por Guimarães Rosa não é a

representação literária de Minas Gerais feita por Drummond.

(125) Não aprecio o comportamento de Paulo enquanto professor de Física; prefiro o

comportamento de Paulo enquanto jogador de “peladas” aos domingos.

(126) A representação de São João del-Rei em que o elemento predominante são os

casarões é muito bonita.

A melhor solução para resolver o impasse da referência estabelecida pelo

possível acréscimo de um adjunto a um nome próprio é deixar previsto, nos pressupostos

das sentenças (121), (122) e (123), o lugar dos possíveis aspectos que possam acompanhar

os nomes próprios. Assim, seriam pressupostos das três referidas sentenças:

77 O termo “aspecto” aqui, bem como em ILARI E RÉBORI (1987), é utilizado no seu sentido comum, não como o termo técnico usual nos estudos da linguagem; os adjuntos em (121), (122) e (123) ilustram informações bastante diferenciadas: em (121), aludem a representações literárias de Minas Gerais; em (122), fazem referência a certos segmentos temporais de uma determinada pessoa; em (123), uma

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• pps. de (121) - Existe pelo menos um aspecto de Minas Gerais: de Guimarães Rosa /

Existe pelo menos um aspecto de Minas Gerais: de Drummond.

• pps. de (122) - Existe pelo menos um comportamento de Paulo: das aulas de Física /

Existe pelo menos um comportamento de Paulo: das peladas de domingo.

• pp. de (123) - Existe pelo menos uma representação de São João del-Rei: dos casarões.

ILARI E RÉBORI (1987:107-8) acham que as possibilidades de acrescentar

adjuntos aos nomes próprios não são ilimitadas do ponto de vista semântico. Uma

construção formada por nome próprio + adjunto presta-se a três interpretações diferentes:

1) podem separar aspectos de um mesmo referente, conforme o caso visto acima; 2) podem

não separar aspectos nem referentes, como o exemplo abaixo, baseado nos próprios

autores:

(127) O Camões das Redondilhas e dos Lusíadas reuniu em si duas épocas.

Esse sentença não é, de fato, usada para opor aspectos da personalidade de Camões, mas

para somar esses aspectos – a rigor, (127) não deveria ser uma expressão para se referir a

um único Camões, poeta português, que viveu no século XVI (o que, de fato, é o que faz

essa expressão); e 3) podem separar referentes, como em

(128) O Júpiter do Olimpo inspirou o Júpiter do Sistema Solar.

A dificuldade maior na distinção desses três casos reside no fato de que eles

apresentam a mesma estrutura sintática. E a interpretação dessas sentenças tem grande

importância na identificação do pressuposto existencial; diferentemente das sentenças de

(121) a (123), (127) carrega a pressuposição normal dos nomes próprios (“Camões

existe”), bem como a sentença (128) (“Júpiter (= deus do Olimpo) existe” / “Júpiter (=

planeta do Sistema Solar) existe”).

Ilari e Rébori adiantam que “adjuntos adnominais de tempo são bons

candidatos ao papel de separar aspectos”78, conforme os exemplos seguintes:

representação de São João del-Rei, não necessariamente literária. Em resumo: “aspecto”, aqui, é tomado num sentido bastante amplo. 78 Cf. ILARI E RÉBORI (1987:110).

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(129) O Rio de Janeiro dos anos ‘60 não é o mesmo...

(130) O Brasil de 1500 era considerado um paraíso terrestre.

A partir do exposto, podemos adiantar mais uma conclusão em relação aos

nomes próprios:

Segunda conclusão: nomes próprios acompanhados de adjunto que separa

aspectos de um mesmo referente pressupõem a existência de um ser, e eventualmente de

aspectos desse mesmo ser.

Resta salientar que existem construções que incorporam nomes próprios, os

quais passam a integrar o aparato sintático daquelas (e, conseqüentemente, semântico),

formando expressões em que o nome próprio continua pressupondo a existência de um ser,

mas seu emprego na sentença se assemelha ao de nomes comuns. Exemplos:

(131) Ronaldinho é o nosso segundo Pelé.

(132) O professor Milton é o Chomsky brasileiro.

A semelhança desse tipo de construção com as que utilizam nomes comuns

pode ser demonstrada, indiretamente, pela possibilidade de pluralização:

(133) Beethoven, Mozart e Tchaikovski são os Einsteins da música clássica.

VENDLER (1971:119) também chama a atenção para esse tipo de

construção, em que os nomes próprios funcionam como “nomes contáveis”, segundo o

autor. Ele exemplifica com as frases seguintes, destacando a presença de determinantes

junto aos nomes:

(134) Joe não é um Shakespeare.

(135) Amsterdam é a Veneza do Norte.

(136) Esses pequenos Napoleões causaram problema no Paraguai.

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II) Segundo caso: nomes próprios acompanhados de oração adjetiva

Nomes próprios podem aparecer acompanhados de oração adjetiva restritiva

ou explicativa. Vejamos primeiramente o caso das restritivas:

(137) A Europa à qual eu me refiro é a do pós-guerra.

(138) A Joana que lava roupas não parece a mesma Joana que escreve poemas.

Esse caso é semelhante ao descrito em relação aos nomes acompanhados de

adjunto: pressupõe-se que existe pelo menos um aspecto referente ao nome próprio em

questão (pp. de (137) - “Existe pelo menos um aspecto da Europa: a referida por mim.” /

pps. de (138) - “Existe pelo menos um aspecto de Joana: a lavadeira de roupas.” e “Existe

pelo menos um aspecto de Joana: a escritora de poemas.”). Essa idéia pode ser corroborada

pela própria função de adjunto exercida pelas adjetivas restritivas.

Existe ainda um outro pressuposto veiculado nesse tipo de sentença, que se

classifica como adscritivo: a informação contida na própria oração adjetiva. Observe-se que

“eu me refiro à Europa” continua prevalecendo na forma negativa de (137):

(139) É falso que a Europa à qual me refiro é a do pós-guerra.

Limitando-nos, por enquanto, ao caso das pressuposições existenciais, pode-

se afirmar o seguinte:

Terceira conclusão: nomes próprios acompanhados de oração adjetiva

restritiva pressupõem a existência de pelo menos um aspecto de ser.

Analisando, agora, o caso das adjetivas explicativas, através de alguns

exemplos:

(140) O Paulo, que trabalha na mesma firma que eu, está de férias.

pp. - O Paulo existe.

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(141) Chegamos tarde ao Havaí, que é muito concorrido nesta época do ano.

pp. - O Havaí existe.

(142) Os Lusíadas, que são uma importante referência literária, possuem 8.816 versos.

pp. - Os Lusíadas existe.

(143) Compro sempre O Globo, que possui um ótimo aspecto gráfico.

pp. - O Globo existe.

A oração adjetiva é interpretada como explicativa precisamente quando o

nome próprio que a precede, tratado segundo o princípio geral de que os nomes próprios

pressupõem a existência de um ser e fazem referência a ele diretamente, já é um termo

singular.

Quarta conclusão: nomes próprios acompanhados de oração adjetiva

explicativa pressupõem a existência de um ser.

A adjunção de orações adjetivas ao nome próprio produz outros efeitos de

sentido interessantes.

VENDLER (1971:122) chama a atenção para a possibilidade de

transformação de construções com oração adjetiva restritiva para construções com

adjetivos adjuntos. A regra dessa transformação, aplicável aos nomes comuns, é a seguinte

(devidamente adaptada ao português):

N A = N que é A

sendo: N = nome e A = adjetivo

Exemplos:

(144) água suja = água que é suja

(145) livro caro = livro que é caro

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Em relação aos nomes próprios, essa regra é perfeitamente aplicável se se

tratar de oração adjetiva explicativa e se o adjetivo em questão exercer a função sintática

apositiva. Exemplo:

(146) Madagascar, ilha exótica, fica próxima do continente africano.

Madagascar, que é uma ilha exótica, fica próxima do continente africano.

Nesse caso, o nome próprio, sozinho, continua veiculando pressuposição

existencial.

Existem, no entanto, casos que fogem a essa regra: trata-se de construções

em que o aposto passa a integrar o nome próprio numa função de epíteto. Nesse caso, não é

possível a transposição para a construção com oração adjetiva sem acarretar mudança de

sentido, e o pressuposto passa a ser veiculado pelo termo que funciona como nome próprio

tomado em seu todo. É um caso típico de nomes de personalidades históricas:

(147) Ivan, o Terrível, é símbolo do destemor dos povos antigos.

* Ivan, que é terrível, é símbolo do destemor dos povos antigos.

* Ivan, que é o Terrível, é símbolo do destemor dos povos antigos.

pp. – Ivan, o Terrível, existe.

(148) Isabel era filha de Filipe, o Belo.

* Isabel era filha de Filipe, que era belo.

* Isabel era filha de Filipe, que era o Belo.

pp. – Filipe, o Belo, existe.

Esse caso se restringe aos adjetivos precedidos de artigo definido, conforme

mostram os exemplos (147) e (148). Sem o artigo, é possível efetuar a transformação para

uma oração adjetiva explicativa, em cuja construção vigora o pressuposto de existência de

toda a expressão, como um só nome próprio:

(149) Filipe, Duque de Orleans, viveu durante a era de absolutismo na França.

Filipe, que é o Duque de Orleans, viveu durante a era de absolutismo na França.

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pp. – Filipe, Duque de Orleans, existe.

Voltando nossa reflexão, agora, para os nomes próprios acompanhados de

oração adjetiva, de emprego mais corriqueiro, tomemos o exemplo abaixo:

(150) Desfiz-me do Cegalla, que já estava com as folhas todas amassadas.

Independentemente da oração explicativa que segue o nome próprio, (150)

pode ser empregada em relação a um exemplar específico da gramática de Cegalla existente

numa biblioteca entre vários outros exemplares da mesma gramática ou em relação a um

único exemplar de tal gramática em toda a biblioteca. A função da oração adjetiva que

acompanha o nome próprio, portanto, é diferenciada.

No primeiro caso, sua presença na sentença é essencial para uma

identificação mais exata do ser. Nesse caso, (150) seria sinônima de

(151) Desfiz-me do Cegalla que já estava com as folhas todas amassadas.

É necessário, pois, fazer uma ressalva à conclusão de que nomes próprios seguidos de

oração adjetiva explicativa pressupõem a existência do ser referido por aqueles; na verdade,

pressupõem a existência de um ser representado pelo conjunto formado por nome próprio +

oração adjetiva caso não se denote unicidade do ser. Seria, então, pressuposto de (150):

“Existe um Cegalla que já estava com as folhas todas amassadas”.

No caso de a construção referir-se a um único exemplar do Cegalla existente

na biblioteca, a sentença prescinde da oração adjetiva, tendo como sinônima:

(152) Desfiz-me do Cegalla.

Nesse caso, o aspecto pressuposicional não é alterado; pressupõe-se que “O Cegalla

existe”.

a.2) Pronomes pessoais

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Os pronomes pessoais singulares (“eu”, “tu”, “ele” e “ela” e correspondentes

formas oblíquas), incluindo os pronomes de tratamento (“você”, “o senhor”, “a senhora”,

“Vossa Excelência”, “Sua Senhoria” etc.), também estabelecem referência a um único ser,

manifestando uma pressuposição existencial. Observem-se os exemplos abaixo:

(153) Eu sempre ajudo você.

pps. - Existe alguém que corresponde a “eu” / Existe alguém que corresponde a “você”.

(154) Vossa Senhoria fez perigosas afirmações sobre Sua Excelência.

pps. - Existe alguém que corresponde a “Vossa Senhoria” / Existe alguém que corresponde

a “Sua Excelência”

(155) Sempre o/a criticou nas horas mais injustas.

pp. - Existe alguém que corresponde a “o”/“a”.

No roteiro para a análise do emprego dos pronomes pessoais no português

falado, texto que integra uma das publicações do Projeto Gramática do Português Falado79,

os autores apontam as características dos pronomes pessoais tratadas nos estudos da

linguagem e o comportamento dessa categoria na prática lingüística oral.

Segundo eles, os pronomes podem representar indivíduos que desempenham

diretamente um papel na interlocução (emissor e receptor / locutor e alocutário) e

indivíduos sem nenhum papel na interlocução, mas referidos no discurso. Assim, a

“dimensão significativa” dessa categoria se organiza da forma como segue abaixo:

Primeira

Pessoa

Segunda

Pronomes

Determinada

Não-pessoa

Indeterminada

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A rigor, o pronome que normalmente representa a não-pessoa indeterminada

é o “se”. A própria gramática tradicional prevê esse caso quando aponta a existência desse

pronome com função de símbolo/índice de indeterminação do sujeito. Indo além desse caso,

os autores do referido texto afirmam que

a indeterminação que nosso esquema atribui apenas à não-pessoa pode “contaminar” as outras duas, no caso de uma referência na qual se inclua a terceira pessoa.80

Observe-se o exemplo abaixo, correspondente ao enunciado de uma

informante que faz um mapa na lousa e nele localiza Altamira. Segundo os autores, a

própria terceira pessoa está subsumida no “nós”:

(156) então nós vamos (ter)... Altamira... que é um nome que vocês... vão encontrar em

muitos lugares81 (grifo meu)

Casos como esse em que o pronome indica indeterminação do ser não se

relacionam com a pressuposição existencial.

Uma característica marcante dos pronomes é a sua capacidade anafórica. No

entanto, conforme ressaltam Ilari e outros, em referência a Zeno Vendler, os pronomes

pessoais não tomam, necessariamente, termos singulares como antecedentes anafóricos.

Exemplo disso é o pequeno texto abaixo:

(157) ..., estava louquinha para casar com um príncipe loiro e de olhos azuis, e sonhava

com o momento em que ele apareceria montado num cavalo vesgo com uma mancha branca

no peito, etc...82 (grifo meu)

Note-se que o “ele” surge como anafórico de “um príncipe loiro e de olhos azuis”, que,

nesse caso, não é um termo singular, pois funciona como um complemento de “estava

louquinha para casar com”. Esse é um típico caso tratado dentro do problema da projeção,

que demonstra que uma palavra ou expressão pode falhar na sua capacidade de referência

79 ILARI, Rodolfo et al. In: CASTILHO E BASÍLIO (orgs.) (1996). 80 Idem. 81 Idem, p.96.

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(portanto, na sua capacidade de pressupor) em virtude da maneira como se apresenta na

sentença.

Há outros casos em que o pronome pessoal não pressupõe a existência de

um ser. O primeiro, parecido com o caso de indeterminação de seres, ocorre em sentenças

que correspondem a frases-feitas83:

(158) Dessa água eu não beberei.

(159) Longe daquele que come o seu só, e o meu comigo.

O outro caso ocorre em sentenças nas quais o pronome pessoal funciona

como uma variável, como no exemplo seguinte, extraído de ILARI E GERALDI (1990:15):

(160) Se qualquer passageiro da Varig perde a mala, a Varig o indeniza.

O pronome “o” é um anafórico cujo antecedente é “qualquer passageiro da Varig”. Nesse

caso, “o” não garante a referência a nenhum ser específico – tem tão somente a função de

remeter a um quantificador, numa sentença cujo raciocínio pode ser expresso nos seguintes

termos:

(161) Para qualquer passageiro da Varig x, [se (x perde a mala), então (a Varig indeniza

x)].84

Outros exemplos do mesmo caso:

(162) Se uma pessoai quiser requerer ação de despejo, elai deverá entrar com um pedido

judicial tão logo se sinta lesada.

(163) Quando alguémi fica sabendo que vai ao médico, elei melhora logo.

Os pronomes pessoais, assim como os nomes próprios, pressupõem a

existência de um ser em qualquer posição ou função na sentença, excetuando-se os casos

82 Idem, p. 123. 83 Referimo-nos a “frases-feitas” como qualquer tipo de sentença que apresente uma forma mais ou menos rígida, tipicamente provérbios, ditados populares e máximas.

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explicados acima. Diferem-se radicalmente dos nomes próprios principalmente pelo fato de

serem dêiticos e por não admitirem tanta junção de determinantes. Ressalte-se o caso de

construções exclamativas, em que os pronomes continuam tendo pressuposição existencial:

(164) Pobre de mim, nunca realizarei meus desejos!

(165) Feliz de você, que nunca passou por tanto sufoco!

Os pronomes plurais podem ter o mesmo comportamento que os singulares,

pressupondo a existência de um ser ou grupo de seres, desde que não se incluam no caso de

indeterminação:

(166) Nós, mestrandos da PUC, gostamos muito de Lingüística.

pp. - Existe alguém que corresponde a “nós”.

(167) Vocês querem sair conosco hoje?

pps. - Existe alguém que corresponde a “vocês” / Existe alguém que corresponde a “nós”.

Quinta conclusão: pronomes pessoais pressupõem a existência de um ser,

desde que não empregados em sentido indeterminado, em frases-feitas ou como variáveis.

b) Descrições definidas

Nesta seção, vamos analisar o estabelecimento de referência por construções

cujo núcleo é um nome comum. Tais construções correspondem a sintagmas nominais que

podem ser introduzidos por artigo definido, pronome demonstrativo ou pronome

possessivo.

b.1) Sintagma nominal introduzido por artigo definido

Apesar da convenção terminológica segundo a qual toda descrição que

começa por artigo definido é definida, esse artigo, por si, não é identificador, conforme

84 Cf. ILARI E GERALDI (1990:16).

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observa VENDLER (1971:121). “A casa”, por exemplo, embora possa se constituir uma

descrição definida, não identifica por completo o referente exigido por uma pergunta do

tipo “qual casa?”, diferentemente do que ocorre em relação aos pronomes demonstrativos

(“esta casa”) e possessivos (“minha casa”).

Vários filósofos já discorreram a respeito do caráter singularizante do artigo

definido e do seu uso enquanto especificador de uma classe de seres. Analisando

primeiramente o caso dos artigos no singular, se se diz, por exemplo:

(168) O livro foi organizado por um professor-doutor.

(169) Acabou de chegar o aluno.

(170) Quanto ao artigo discutido, deixemo-lo para mais tarde.

(171) Roubaram a bicicleta que estava estacionada na calçada da loja.

pressupõe-se, em todos os casos, que existe um ser que preenche as condições de referência

das expressões em destaque. Todavia, se tivermos uma sentença como a abaixo,

(172) O livro foi criado pelo homem há muitos séculos.

já não existe nenhum referente específico que possa ser relacionado com a expressão

destacada - “o livro”, aqui, refere-se a uma categoria genérica e indefinida.

Um bom recurso para diferenciar os dois casos é efetuar a substituição do

artigo singular pela correspondente forma plural. Normalmente, se não há mudança no

sentido geral da sentença, o artigo singular é generalizador. Observe-se:

(173) O morcego se guia através de sinais sonoros.

(174) Os morcegos se guiam através de sinais sonoros.

• “o morcego” = expressão generalizadora

(175) Coitado! O morcego está quase morrendo de sede. Você não pôs água para ele?

(176) Coitados! Os morcegos estão quase morrendo de sede. Você não pôs água para eles?

• “o morcego” = expressão singularizante

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Alguns aspectos sintáticos contribuem para precisar o caráter generalizador

ou singularizante das descrições definidas. Uma descrição definida seguida de verbo no

presente do indicativo indicando ação repetitiva, por exemplo – aspecto iterativo –,

normalmente resulta em generalização:

(177) A coruja tem sua imagem associada a situações de mau agouro.

(178) A baleia é o maior animal mamífero que existe.

Em contrapartida, normalmente construções com um verbo no passado

indicando um fato que tem uma única ocorrência ou com um verbo atribuindo uma ação

resultam em singularização:

(179) O anjo desceu à Terra e anunciou boas novas a Maria, segundo a Sagrada Escritura.

(180) O astrônomo retratou-se diante da Igreja, reafirmando a velha idéia de que o Sol

girava em redor da Terra.

(181) O rei do futebol deu uma entrevista exclusiva via satélite na semana passada.

As observações apresentadas são igualmente válidas para expressões

introduzidas por artigo no plural:

(182) As mulheres estão te chamando para um piquenique.

(verbo atribuindo ação - uso singularizante)

(183) As mulheres são criaturas originadas da costela do homem, segundo a Bíblia.

(verbo atribuindo qualidade - uso generalizador)

(184) Ontem, os computadores deram pane na firma.

(verbo no passado indicando ocorrência única do fato - uso singularizante)

(185) Ontem, os computadores não tinham tanta importância quanto hoje.

(verbo atribuindo qualidade ao ser - uso generalizador)

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Esses aspectos, todavia, não podem ser tomados isoladamente.

Independentemente deles, algumas vezes o acréscimo de adjuntos contribui para a

singularização do ser, como na sentença abaixo:

(186) Ontem, os computadores do escritório de meu tio não tinham tanta importância

quanto hoje.

Em contraposição ao exemplo (185), (186) passa a pressupor a existência de um referente

para a expressão em destaque. Em compensação, a simples adjunção de termos não é

condição sine qua non para a singularização. Observe:

(187) Os ancestrais de feições simiescas ocuparam o seu lugar na mesma árvore evolutiva

do homem.

A partir daí, podemos chegar à seguinte conclusão:

Sexta conclusão: sintagmas nominais introduzidos por artigo definido

pressupõem a existência de um ser desde que não sejam usados no escopo de um verbo que

cria um contexto opaco.

b.2) Sintagma nominal introduzido por pronome demonstrativo

Esse tipo de construção também pode apresentar pressuposto de existência

de um ser, conforme se vê nas frases abaixo:

(188) Aquela música lhe trazia agradáveis recordações.

(189) Esse livro, traga-o para mim, por favor.

Nesses exemplos, há o pressuposto de que existe um ser que corresponde a

“aquela música” e “esse livro”, respectivamente.

Uma característica própria de pronome demonstrativo é poder substituir

todo um sintagma nominal, continuando a manter um pressuposto existencial:

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(190) Esse item não está previsto na Constituição.

(191) Isso não está previsto na Constituição.

Nessas sentenças, pressupõe-se que existe um ser que corresponde a “esse

item” e “isso”, respectivamente.

Da mesma forma que os pronomes pessoais, os demonstrativos podem ser

utilizados integrando expressões anafóricas sem, contudo, pressupor a existência do ser

expresso pelo antecedente, em virtude da inserção de outros elementos na frase. É o caso

do exemplo (192), em que a referência falha em decorrência da presença do verbo

“imaginar”. Nesse caso, não há pressuposição existencial:

(192) Imagine um corpo de duas toneladas e outro de dois quilogramas. Largados do alto

de um prédio, tanto este corpo de dois quilogramas quanto aquele de duas toneladas terão

aceleração gravitacional de 9,8 m/s2.

Os outros casos em que o pronome demonstrativo não pressupõe a

existência de um ser são semelhantes aos descritos em relação ao pronome pessoal.

Acontece tal falha de referência, por exemplo, em frases-feitas:

(193) Aquele que é dono de si mesmo vale mais do que o guerreiro que conquista cidades.

O mesmo ocorre quando o pronome demonstrativo integra um termo que

funciona como uma variável, a exemplo da frase abaixo:

(194) Na brincadeira infantil de “queimada”, acontece assim: uma criança tenta acertar a

bola em qualquer integrante do time adversário. Este, uma vez atingido, passa a ser o

responsável por atingir um outro adversário seu.

O raciocínio operado nesse exemplo pode ser descrito como:

(195) Para qualquer integrante x do time adversário, se x é atingido, então x passa a ser o

responsável por atingir um outro adversário seu.

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Sétima conclusão: sintagmas nominais introduzidos por pronome

demonstrativo pressupõem a existência de um ser, a não ser quando usados em sentido

indeterminado, em frases-feitas ou como variáveis.

b.3) Sintagma nominal introduzido por pronome possessivo

Esse tipo de descrição definida também introduz pressuposição, como se vê

em:

(196) Minha casa fica a 200 quilômetros daqui.

pp. - Existe um ser que corresponde a “minha casa”.

(197) Gostaria de ler (o) seu currículo por completo.

pp. - Existe um ser que corresponde a “(o) seu currículo”.

A construção introduzida por um pronome possessivo pode não constituir

um termo singular quando o possessivo aparece posposto ao núcleo nominal. Nesse caso,

não existe pressuposição. Comparem-se os exemplos:

(198) Meu filho não vai freqüentar curso de línguas.

pp. – Existe um ser que corresponde a “meu filho”.

(199) Filho meu não vai freqüentar curso de línguas.

pp. – ∅

De forma parecida com descrições anteriormente feitas em relação a outras

categorias, o pronome possessivo não vai integrar expressões que veiculam pressuposto

existencial no caso de aparecer em frases-feitas ou como uma variável:

(200) Ninguém é profeta em sua terra.

(201) Cada um é artesão do seu destino.

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(202) No caso de fazer qualquer reclamação à gerência, o cliente terá seus direitos

respeitados.

Oitava conclusão: sintagmas nominais introduzidos por pronome possessivo

pressupõem a existência de um ser, a não ser quando empregados em frases-feitas ou como

variáveis, ou quando o pronome possessivo se pospõe ao núcleo nominal, num contexto

opaco.

c) Descrições indefinidas

As descrições indefinidas se manifestam através de sintagmas nominais

introduzidos por artigo indefinido ou pronome indefinido. Caracterizam-se por transmitirem

uma idéia vaga a respeito do ser tratado na expressão. Vejamos o seu comportamento

pressuposicional:

c.1) Sintagma nominal introduzido por artigo indefinido

Pela característica básica dessa categoria – apresentar seres de uma forma

vaga, indefinida – existe uma tendência menor, se comparada à do artigo definido, em

integrar construções que veiculem pressuposto existencial.

Essa restrição pressuposicional, no entanto, é definida muitas vezes em

função dos outros termos presentes na sentença. Observe-se o exemplo abaixo:

(203) A comissária de bordo está chamando um médico para socorrer o passageiro que

passou mal.

A expressão “um médico” carrega pressuposto existencial somente no caso

de “chamar” ser interpretado no sentido de “dirigir-se diretamente a alguém (que é

médico)”. Se for interpretado como “procurar por alguém (que seja médico)”, não há

nenhum pressuposto de existência.

A aposição de adjuntos a uma expressão formada por artigo indefinido +

nome algumas vezes contribui para a singularização do ser – nesse caso, toda a expressão

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veicula pressuposto existencial. Mas, ainda nesse caso, é possível acontecer generalização,

sem nenhum tipo de pressuposição, dependendo do tipo de verbo utilizado e de seu escopo.

Exemplos:

(204) Uma menina vestida de azul está chamando o João.

pp. – Existe um ser que corresponde a “uma menina vestida de azul”

(205) Estou à procura de uma menina vestida de azul.

pp. - ∅

Nona conclusão: sintagmas nominais introduzidos por artigo indefinido

pressupõem a existência de um ser desde que não sejam usados no escopo de um verbo que

cria um contexto opaco.

c.2) Sintagma nominal introduzido por pronome indefinido

Um importante estudo a respeito desse tipo de quantificador foi levado a

cabo por BIERWISCH (1971), que discorre sobre a classificação de traços semânticos,

analisando as expressões quantificadoras quanto ao seu emprego e sentido. Primeiramente,

cita os numerais, que são quantificadores absolutos, opondo-os a certos quantificadores

ditos relativos a uma certa norma, como “muito” e “pouco”. Além desses, cita um outro

grupo, capaz de relacionar o conjunto de seres em questão à classe completa dos objetos

caracterizados pelos traços predicativos presentes no substantivo comum: é o caso de

“todos”, “todo”, “cada”, “qualquer”, “algum” e “alguns”.

Embora a teoria de Bierwisch não esteja diretamente ligada à questão

pressuposicional, ela pode nos ajudar muito especialmente no nível da descrição semântica

dos pronomes indefinidos.

Nesta seção, procederemos a uma necessária separação entre os pronomes

indefinidos singulares e os plurais, pois há diferenças pressuposicionais nos dois casos.

Tomemos vários exemplos nos quais são utilizados sintagmas nominais

introduzidos por diferentes tipos de pronome indefinido singular e em diferentes posições

dentro da sentença, assumindo valores sintáticos distintos:

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(206) Todo moleque que se preze sabe jogar futebol.

(207) Estou precisando urgentemente de alguma ajuda.

(208) Quanto rapaz elegante a moça convidou para a festa!..

(209) Tudo que ela possui é fruto de muito esforço pessoal.

(210) Pouca palavra basta para quem é inteligente.

(211) Tanta coisa boa nós tínhamos para falar...

(212) Quanta beleza! Quanta alegria!

(213) Mande entrar qualquer pessoa que esteja esperando há mais de duas horas.

Nenhuma das expressões destacadas pressupõe a existência de um ser,

independentemente da função de sujeito ou predicado exercida pelo sintagma nominal, ou

mesmo da sua posição temática ou remática na sentença, ainda que se tenham sido

acrescidos diferentes tipos de adjunto.

Décima conclusão: sintagmas nominais introduzidos por pronome indefinido

singular não pressupõem a existência de nenhum ser.85

Analisemos, agora, o caso de sintagmas introduzidos pelos pronomes

indefinidos “todos”, “alguns”, “vários”, “outros”, “certos”, “muitos”, “poucos”, “tantos”,

“quantos”, “quaisquer”, “uns” e correspondentes formas femininas. Esses itens lexicais

podem funcionar como determinantes de um conjunto de objetos que, sob certo aspecto,

são tratados como semelhantes. Enquanto alguns abordam o conjunto em sua totalidade,

outros operam a extração de uma parte desse conjunto, conforme a observação de

BIERWISCH (1971).

Tomando alguns exemplos citados acima e pluralizando a construção

introduzida pelo pronome indefinido, nota-se que continuam não carregando nenhum tipo

de pressuposto:

(214) Quantos rapazes elegantes a moça convidou para a festa!..

(215) Poucas palavras bastam para quem é inteligente.

85 Ressalve-se o pronome “outro”, sobre o qual ainda discorreremos com detalhe.

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(216) Tantas coisas boas nós tínhamos para falar...

Há, por outro lado, um tipo de construção com pronomes indefinidos plurais

que veiculam pressuposto. Nesse caso, o fenômeno pressuposicional se processa sob a

mesma regra, independentemente de os pronomes estarem sendo empregados numa

quantificação relativa ou referindo-se a uma classe completa. Seja o exemplo seguinte:

(217) Todos os filhos de Maria chegaram sãos e salvos.

A correspondente forma negativa de (217) seria

(218) É falso que todos os filhos de Maria chegaram sãos e salvos.

Vigora, nessas sentenças, o pressuposto de que “Maria tem filhos”. Outros

exemplos de construções desse tipo:

(219) Algumas dificuldades da minha prima

pp. – Minha prima tem dificuldades.

(220) Vários deuses da mitologia pagã

pp. – A mitologia pagã tem deuses.

(221) Outras observações importantes da dissertação

pp. – A dissertação tem observações importantes.

(222) Certos tipos de alimentos

pp. – Alimentos têm tipos.

Como esses itens lexicais têm função básica de particularizar um conjunto de

seres do mundo possível, não afetando as afirmações que são feitas sobre estes, podemos

vincular a presença de “todos”, “alguns” etc. à pressuposição existencial, podendo

reescrever os pressupostos das expressões acima numa forma mais lógica:

• pp. de (217) – existe X tal que X = conjunto dos filhos de Maria.

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• pp. de (219) – existe X tal que X = conjunto das dificuldades da minha prima.

• pp. de (220) – existe X tal que X = conjunto dos deuses da mitologia pagã.

• pp. de (221) – existe X tal que X = conjunto das observações importantes da

dissertação.

• pp. de (222) – existe X tal que X = conjunto dos tipos de alimentos.

Assim, no contexto interno da construção introduzida por pronome

indefinido plural, pode-se estabelecer como regra pressuposicional a seguinte:

[“todos”/“alguns”/... x de (...)]E » (...) tem x

onde E é uma expressão isolada da sentença. Ou, nos termos da pressuposição existencial,

pode-se estabelecer que:

[“todos”/“alguns”/... x de (...)]E » existe X tal que X = conjunto dos x de (...)

Por fim, tratemos de um pronome indefinido que possui um status bem

particular em relação aos demais tratados nesta seção – aliás, é ele o motivador de todo o

questionamento a respeito da pressuposição: o pronome “quem”.

Esse elemento pode introduzir orações que valem semanticamente por um

substantivo, como no célebre exemplo fregeano:

(83) Quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas morreu na miséria.86

Conforme já foi mostrado em relação a essa frase, (83) pressupõe que “existe alguém que

descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas”, informação correspondente à oração

introduzida pelo pronome indefinido “quem”.

Tem-se, assim, a seguinte regra:

86 Pelo tipo de informação transmitida pela expressão “quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas”, preferimos tratá-la como uma “descrição indefinida”, assim como outras tratadas neste capítulo, distinguindo-as das descrições “definidas” propriamente – diferentemente do tratamento que essas expressões vêm recebendo ao longo de vários anos, todas rotuladas como “descrições definidas”.

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[“quem” + (...)]OS » [existe alguém que (...)]

sendo OS uma oração com valor substantivo (sintaticamente uma relativa sem antecedente).

Convém continuarmos chamando a atenção, aqui, para a possibilidade de

criação de contextos opacos, em que não vigora nenhum pressuposto. Seria o caso, por

exemplo, se em (83) tivéssemos a forma verbal “descobrisse” no lugar de “descobriu”.

1.1.2. Outras estruturas que introduzem pressuposição existencial

Na seção precedente, detivemo-nos na relação entre pressuposição e termos

singulares. Existem, porém, outras estruturas na língua portuguesa capazes de introduzir

pressuposição existencial, que ainda não foram mencionadas.

Não obstante, todos esses casos se ligam também, de alguma forma, à

pressuposição adscritiva, quer no nível do léxico, quer no da sintaxe, uma vez que se

justificam pela presença de alguns itens lexicais e construções sintáticas específicas na

sentença. Por essa razão, tais casos serão descritos a partir do próximo item, ao longo do

estudo do segundo tipo de pressuposto apontado por nós neste trabalho.

1.2. Pressuposição adscritiva

1.2.1. Pressuposição lexical

Nesta seção, será desenvolvido um estudo a respeito das palavras

portuguesas que introduzem pressuposição lexical, de acordo com a definição deste termo

efetuada no quarto capítulo da dissertação.

A listagem das palavras levantadas neste trabalho resume-se no seguinte:

a) só, somente, apenas

b) até, mesmo

c) também

d) além de

e) outro(a)(s)

f) mais, mais um(a)

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g) prefixos re- e des-

h) pronomes interrogativos

Antes de partir para a descrição do comportamento pressuposicional desses

itens, vamos fazer uma breve incursão a respeito de uma noção sintático-semântica

indispensável para dar conta de fenômenos que vão perpassar todo o nosso tratamento

daqueles itens – a noção de escopo.

O escopo de uma determinada palavra ou expressão pode ser definido como

a porção do conteúdo semântico da sentença à qual se aplicam operações semânticas

desencadeadas por aquela palavra ou expressão. Nessa definição, três idéias básicas podem

ser salientadas:

a) o escopo sugere sempre uma relação binária, sendo um fenômeno eminentemente ligado

a uma expressão – sendo x e y elementos constituintes de uma sentença, por exemplo,

jamais se diz que “x é um escopo”, e sim, “x está no escopo de y”;

b) nem sempre é possível segmentar uma sentença de modo que o escopo de uma

expressão resulte num segmento à parte, já que se trata, às vezes, de uma porção de

conteúdo semântico sem correspondência direta com as unidades da cadeia falada;

c) a aplicação de operadores numa sentença traz, em princípio, resultados previsíveis,

calculáveis, e a noção de escopo é um dos instrumentos desse cálculo.

Um exemplo claro, a essas alturas do nosso trabalho, a respeito da aplicação

da noção de escopo é o teste da negativa para a identificação de pressupostos. Na sentença

abaixo:

(223) Tiradentes não foi enforcado.

a locução verbal “foi enforcado” encontra-se no escopo da negação da sentença, uma vez

que seu conteúdo semântico é atingido por essa operação, enquanto a porção constituída

pelo termo “Tiradentes” se situa fora do escopo da negação.

a) Só, somente, apenas87

Estes itens lexicais podem operar sobre vários tipos de constituintes na

sentença; daí a necessidade de distinguir bem, em cada leitura da sentença, o escopo de “só”

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e seus correlatos para uma boa interpretação da mesma. Nos exemplos abaixo, os termos

grifados encontram-se no escopo de “só”:

(224) Só Maria quer lavar roupa.

(225) Maria só quer lavar roupa.

(226) Maria quer lavar só roupa.

Essas diferenças de escopo, no entanto, não afetam o conteúdo pressuposto

pelas sentenças em que ocorre “só”. Observe que as respectivas negações e encadeamentos

das sentenças acima mantêm o pressuposto de que “Maria quer lavar roupa”, só ocorrendo

variações em relação ao conteúdo assertado, que segue cada um dos exemplos:

Negação de (224):

(227) É falso que só Maria quer lavar roupa; a prima dela também quer.

p. – Alguém, além de Maria, quer lavar roupa.

Negação de (225):

(228) É falso que Maria só quer lavar roupa; ela quer passar também.

p. – Maria quer fazer algo mais com a roupa, além de lavá-la.

(229) É falso que Maria só quer lavar roupa; ela quer fazer compras também.

p. – Maria quer fazer algo mais além de lavar roupa.

Negação de (226):

(230) É falso que Maria quer lavar só roupa; ela quer lavar também pratos e talheres.

p. – Maria quer lavar algo mais além de roupa.

A partir do exposto, podemos estabelecer a seguinte regra pressuposicional:

[“só”/“somente”/“apenas” + (...) + constituinte no escopo de “só”...]S » [...]S*

87 Para uma análise mais detalhada desses itens lexicais, ver HORN (1969).

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onde: S é a sentença completa e S* é a sentença obtida de S pela eliminação de

“só”/“somente”/“apenas”.

b) Até, mesmo88

“Até” e “mesmo” (que são itens que podem co-ocorrer na mesma sentença –

“até mesmo”) são, antes de mais nada, operadores de argumentação. Quando utilizados,

qualificam o enunciado em que ocorrem como um argumento em favor de uma conclusão

visada, e como tal o inserem numa escala em que o parâmetro ou critério de ordem é a

maior ou menor força enquanto argumento em favor daquela conclusão. “Até” e “mesmo”

se caracterizam, entre os demais operadores argumentativos, por indicar que o enunciado

em que ocorrem fornece um argumento comparativamente “mais forte”.

Ainda que o efeito argumentativo desses itens seja a sua característica mais

marcante, e conquanto se saiba que a descrição do fenômeno argumentativo não pode ser

esgotada via pressuposição somente, é possível estabelecer uma relação imediata entre a

sentença em que se encontram tais itens e o fenômeno da pressuposição.

A pressuposição introduzida por “até”/“mesmo” tem uma certa relação com

a introduzida por “só”/“somente”, descrita na seção anterior. Para isso, vejamos o conteúdo

posto e o pressuposto por cada uma das sentenças abaixo:

(231) Só você veio para a festa.

pp. – Você veio para a festa.

p. – Ninguém, além de você, veio para a festa.

(232) Até você veio para a festa.

pp. – Alguém, que não você, veio para a festa.

p. – Você veio para a festa.

A relação existente entre esses itens lexicais, a princípio, reside no seguinte:

“até”/“mesmo” “põem” o que “só”/“somente” pressupõem, e pressupõem a negação do

posto de “só”/“somente”.

Outros exemplos com “até”/“mesmo”:

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(233) Posso até te ajudar no trabalho.

pp. – Posso fazer outras coisas, afora te ajudar no trabalho.

(234) Mesmo o diretor, com toda autoridade que lhe cabe, é incapaz de resolver o

problema.

pp. – Alguém, além do diretor, é incapaz de resolver o problema.

No entanto, essa relação torna-se mais complicada se admitirmos que “até” e

“mesmo” interagem de maneiras diferentes com a negação. Observe-se o quadro abaixo, em

que se comparam as informações postas e pressupostas de “só”/“somente” e “até”/“mesmo”

através de um dado exemplo:

SENTENÇA

(afirmativa e negativa)

POSTO PRESSUPOSTO

“SÓ”/“SOMENTE” - Só o Escort 1000 tem

airbag.

- Nenhum outro

carro tem airbag.

O Escort 1000 tem

airbag.

- É falso que só o

Escort 1000 tem

airbag.

- É falso que

nenhum outro carro

tem airbag.

“ATÉ”/“MESMO” - Até (mesmo) o Escort

1000 tem airbag.

- O Escort 1000 tem

airbag.

Pelo menos um

outro carro tem

airbag.

- É falso que até

(mesmo) o Escort

1000 tem airbag.

(NEGATIVA DO 1º

TIPO)

- É falso que o

Escort 1000 tem

airbag.

88 Para uma análise detalhada desses itens, ver HORN (1969) e ANDERSON (1972).

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- Nem mesmo o

Escort 1000 tem

airbag.

(NEGATIVA DO 2º

TIPO)

- É falso que o

Escort 1000 tem

airbag.

Pelo menos algum

outro carro não tem

airbag.

Apurando melhor as relações existentes entre “só”/“somente” e

“até”/“mesmo” em termos de informações postas e pressupostas, com base no quadro

apresentado acima, tem-se o seguinte:

a) Em sentenças afirmativas, “até”/“mesmo” “põem” o que “só”/“somente” “pressupõem”;

em sentenças negativas do primeiro tipo (com uso do “é falso que...”, “não é bem o

caso que...” etc.), “até”/“mesmo” “põem” a negação do que “só”/“somente”

“pressupõem”;

b) “Até”/“mesmo” “pressupõem” a negação do que “só”/“somente” “põem”;

c) Sentenças negativas do segundo tipo (com uso de “nem mesmo”) “põem” a negação do

que “só”/“somente” “pressupõem” – da mesma forma que a negativa do primeiro tipo -

mas “pressupõem” a negação do que a negativa do primeiro tipo “pressupõe”.

As observações das letras a) e b) acima não apresentam problemas. Porém, a

da letra c) nos coloca um sério impasse: pressupondo o inverso do que a negativa do

primeiro tipo pressupõe, “Nem mesmo o Escort 1000 tem airbag” acaba por negar o

pressuposto da forma afirmativa “Mesmo o Escort 1000 tem airbag”, o que embarga todo

o raciocínio sobre pressuposição.

Esse impasse já foi sentido por alguns estudiosos do assunto, em especial

Oswald Ducrot, apontando para a necessidade de um estudo mais pormenorizado sobre

escalas e operadores argumentativos. Não é objetivo nosso, aqui, aprofundarmo-nos em

semântica argumentativa, razão por que remetemos aos estudos desse autor.

Dessa forma, a resposta que propomos a esse impasse, capaz de solucionar

pelo menos o aspecto pressuposicional, é a seguinte: “nem mesmo” é um operador distinto,

não-correspondente à forma negativa de “até”/“mesmo”. Reforçam essa hipótese a

impossibilidade de intercambiar “até” e “mesmo” nessa construção (* “nem até”), fato

perfeitamente possível nos outros casos levantados, e mesmo a impossibilidade de co-

ocorrência dos dois itens lexicais (* “nem até mesmo”), fato também possível nos outros

casos. Portanto, a negativa do segundo tipo, discriminada no quadro acima, não é

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propriamente correspondente à negação dos itens “até”/“mesmo”, razão pela qual a

apresentamos em separado desses operadores de argumentação, no mesmo quadro acima.

A partir dessas decisões, a regra pressuposicional para “até”/“mesmo” pode

ser resumida no seguinte:

[“até”/“mesmo” x + (...)]S » existe y tal que [y + (...)], onde y ≠ x

sendo x = expressão sob o escopo de “até”/“mesmo”.

c) Também

Para a compreensão do fenômeno pressuposicional ligado ao item lexical

“também”, é necessário lançar mão da noção de escopo, da mesma forma como acontece

com outros itens lexicais.

Observe-se a sentença abaixo, em que se utiliza esse item:

(235) Meus primos também gostam de abacaxi.

Interpretando-se essa sentença como tendo o sintagma “meus primos” no

escopo de “também” (ambiguamente, poderíamos ter “gostam”, “abacaxi” e “gostam de

abacaxi” no escopo de “também”) e negando-se a sentença,

(236) É falso que meus primos também gostam de abacaxi.

mantém-se o pressuposto de que existe alguém, além de “meus primos”, que gosta de

abacaxi. Não querendo veicular esse pressuposto, qualquer locutor enunciaria (235) ou

(236) sem o uso de “também”.

Seguem outros exemplos, com diferentes expressões possíveis de se situarem

no escopo desse item lexical (sublinhadas nas frases), acompanhados dos seus respectivos

pressupostos:

(237) Também você está insinuando detalhes inúteis...

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pp. – Alguém, além de você, está insinuando detalhes inúteis.

(238) Você está insinuando, também, detalhes inúteis...

pp. – Você está fazendo algo mais além de insinuar detalhes inúteis.

(239) Você está insinuando detalhes inúteis também...

pp. – Você está insinuando algo mais além de detalhes inúteis.

Saliente-se que, dependendo da posição na sentença, a presença de

“também” gera ambigüidade. As possibilidades de escopo apontadas acima não são as

únicas, servindo esses exemplos apenas como base para identificação de possíveis

pressupostos. A partir daí, podemos esboçar informalmente mais uma regra

pressuposicional:

[“também” x (...)]S » existe y tal que [y + (...)], onde y ≠ x

sendo x = expressão sob o escopo de “também”.

d) Além de

Também para a compreensão do contexto pressuposicional propiciado pela

presença do item lexical “além de” numa sentença é necessário identificar o termo sob o

escopo desse elemento.

Nas sentenças abaixo, esses termos estão sublinhados. Os exemplos estão

seguidos das correspondentes negativas, a partir de onde é possível captar seus

pressupostos:

(240) Além de você, alguém mais está me chamando.

negação – É falso que, além de você, alguém mais está me chamando.

pp. – Você está me chamando.

(241) Elas pretendem muito mais coisas além de fama e dinheiro.

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negação – É falso que elas pretendem muito mais coisas além de fama e dinheiro.

pp. – Elas pretendem fama e dinheiro.

(242) Ela, além de ser bonita, é inteligente.

negação – É falso que ela, além de ser bonita, é inteligente.

pp. – Ela é bonita.

Atente-se ainda para o fato de que esse item é muito comum em expressões

como “além de tudo”, “além do mais” etc. Descrever pressuposicionalmente esse tipo de

expressão pode tornar-se uma tarefa problemática se elas desempenharem, no discurso, um

papel parecido com o dos modalizadores ou dos operadores argumentativos. Ainda assim,

muitas vezes é possível recuperar, no co-texto, o conjunto a que se refere o “tudo” ou o

“mais”, passando a fazer parte da informação pressuposta resumida nesses itens lexicais.

Nesse caso, a regra pressuposicional funciona perfeitamente. Exemplo:

(243) Raquel é uma aluna muito relapsa. Ela não faz as tarefas estabelecidas pelo

professor, possui um péssimo hábito de responder mal às pessoas, tem um mau humor

incrível, não se relaciona bem com nenhum colega da turma... além do mais, recusa-se

a sair de sala quando solicitada a retirar-se, dando um show de histerismo diante da

turma.

(mais = não faz as tarefas..., responde mal..., tem mau humor etc.)

Para melhor compreender a regra pressuposicional relativa ao “além de”, é

necessário percebermos que a ocorrência dessa expressão numa sentença exige que a análise

semântica aponte para duas orações de estruturas bem parecidas, ainda que com o verbo de

uma delas subentendido. A frase abaixo, por exemplo,

(244) Além de picolé, eu quero sorvete.

pode ser entendida como

(245) Além de (querer) picolé, eu quero sorvete.

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Outro exemplo:

(246) Além de nós, chegaram muitas pessoas para a festa.

(= Além de nós (chegarmos para a festa), chegaram muitas pessoas para a festa.)

No caso de se ter uma oração seguindo a expressão “além de”, nem é

necessário fazer desdobramentos:

(247) Além de ficar em casa o dia todo, tive que pajear crianças.

A informação pressuposta, nos casos em que tivermos uma oração

propriamente acompanhando a expressão “além de”, corresponde à própria oração; no caso

de a expressão ser acompanhada de um termo, o pressuposto corresponde a esse mesmo

termo acompanhado do desmembramento da informação, como mostrado em (245) e (246).

Daí, a regra pressuposicional:

[(“além de” x (...))1ª oração + (...)2ª oração] » [(x (...))1ª oração]

e) Outro(a)(s)

O item lexical “outro”, com suas variações de gênero e número, pode ser

entendido basicamente de duas formas diferentes, conforme mostram os exemplos:

(248) Eu estava na porta da sorveteria. De repente, passou um moleque

maltrapilho me pedindo que lhe desse um picolé. Eu o fiz entrar, e o dono da

sorveteria lhe apontou os picolés mais baratos, pedindo para o garoto escolher. Muito

esperto, o garoto pediu outro picolé, bem mais caro do que aqueles.

(outro = um ... diferente)

(249) Eu estava na porta da sorveteria. Ao meu lado, havia um garoto saboreando

um picolé de kiwi. Passado algum tempo, o garoto pediu outro picolé, que também foi

devorado rapidamente.

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(outro = mais um)

Na primeira interpretação, a sentença que encerra o item lexical “outro” não

veicula nenhuma pressuposição; uma vez negada, dá a entender que o garoto da história

escolhera mesmo um dos picolés baratos apontados pelo dono da sorveteria.

Já no segundo caso, se negarmos a sentença destacada,

(250) O garoto não pediu outro picolé.

continua a informação pressuposta de que existe um picolé além do referido na sentença.

Vejamos mais alguns exemplos, nos quais “outro” pode ser tomado como

sinônimo de “mais um”:

(251) Estamos planejando uma outra lua-de-mel.

negação – Não estamos planejando uma outra lua-de-mel.

pp. – Houve uma lua-de-mel além desta.

(252) O professor Maurício lançou outro livro.

negação – É falso que o professor Maurício lançou outro livro.

pp. – Houve um lançamento de livro além deste.

Regra pressuposicional:

“outro” x » há um x além deste, se “outro” = “mais um”

f) Mais, mais um(a)

Dando continuidade ao raciocínio do item anterior, “mais” e “mais um”

também podem veicular o mesmo tipo de pressuposição apontado em relação ao item

“outro” numa de suas acepções, como mostram os exemplos abaixo, em que os itens

lexicais destacados são tomados como sinônimos:

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(253) O garoto pediu outro picolé.

(254) O garoto pediu mais picolé.

(255) O garoto pediu mais um picolé.

pp. – Há um picolé além deste.

(256) O médico já atendeu um paciente; está, agora, chamando outra pessoa.

(257) O médico já atendeu um paciente; está, agora, chamando mais pessoa (ou

“mais gente”).

(258) O médico já atendeu um paciente; está, agora, chamando mais uma pessoa.

pp. – Há uma pessoa além desta.

Nesse caso, “mais” não funciona como elemento de comparação, e sim,

como um quantificador. A regra pressuposicional é semelhante à do “outro” mencionada no

item anterior:

“mais”/“mais um(a)” x » há um x além deste

g) Prefixos “re-” e “des-”

É sabido que, durante o processo de formação de palavras do português,

alguns elementos - principalmente na língua latina e na grega - que funcionavam como

preposições ou advérbios foram incorporando-se à nossa língua sob a forma de prefixos.

Essa é a razão, inclusive, de haver um grande número de prefixos que indicam

circunstâncias (de tempo, modo, lugar etc.), diferentemente dos sufixos.

A semelhança existente entre alguns prefixos e advérbios nos chama atenção

para um tratamento no nível da pressuposição lexical. Alguns poucos prefixos, quando

agregados a um vocábulo, são responsáveis, além de seu significado básico, pelo

aparecimento na sentença de uma informação pressuposta, muito parecida com o tipo de

informação veiculado pelos auxiliares de aspecto verbal, que serão tratados mais adiante.

Mais freqüentemente, são prefixos colocados juntos a uma forma verbal ou mesmo ligados

a uma forma substantiva que exprime uma idéia de ação.

Vejamos a sua descrição:

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• 1º caso - Prefixo “re-”

Observem-se os exemplos abaixo, onde aparecem formas em que se agrega o

prefixo “re-”, exprimindo a idéia de “repetição”, acompanhadas da correspondente frase

negativa e o seu conteúdo pressuposto:

(259) Antônio reescreveu a redação.

(260) Antônio não reescreveu a redação.

pp. – A redação foi escrita pelo menos uma vez antes.

(261) Eu reexaminei as peças para ver se estavam garantidas.

(262) É falso que eu reexaminei as peças para ver se estavam garantidas.

pp. – As peças foram examinas pelo menos uma vez antes.

(263) Marcou-se para janeiro a reconstrução do prédio que desabou com as chuvas.

(264) É falso que se marcou para janeiro a reconstrução do prédio que desabou com as

chuvas.

pp. – O prédio que desabou com as chuvas foi construído pelo menos uma vez antes.

Por esses exemplos, nota-se que o conjunto formado pelo prefixo “re-” +

vocábulo que indica ação pressupõe que essa mesma ação aconteceu pelo menos uma vez

antes. É preciso, no entanto, para validade dessa regra, notar que o prefixo pode ser

substituído, sem alteração de sentido da frase, pela expressão “de novo”. Caso contrário, o

pressuposto não se sustenta, como mostram as frases abaixo, cujas correspondentes formas

desenvolvidas são mal formadas como sinônimas das primeiras:

(265) É preciso reforçar a segurança do clube.

(266) * É preciso forçar de novo a segurança do clube.

(267) A barragem foi construída com o propósito de reter a correnteza.

(268) * A barragem foi construída com o propósito de ter de novo a correnteza.

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Daí, podemos chegar à seguinte regra pressuposicional:

“re-” + X » X aconteceu pelo menos uma vez antes, se “re-” = “de novo”

sendo X = palavra que exprime sentido de “ação”, à qual se junta o prefixo e podendo ser

acompanhada de complementos.

• 2º caso – Prefixo “des-”

O prefixo “des-”, exclusivamente quando indica “reversão de um processo”,

também pressupõe uma informação relativa às palavras a que se ajunta. Observem-se os

casos abaixo, acompanhados de sua forma negativa e tendo apontados os seus

pressupostos:

(269) O cachorro desenterrou o osso.

(270) O cachorro não desenterrou o osso.

pp. – O osso foi enterrado antes.

(271) Maria se despenteou toda durante sua performance teatral.

(272) É falso que Maria se despenteou toda durante sua performance teatral.

pp. – Maria foi penteada antes.

(273) A paixão de Clark Kent desmistificou a invencibilidade da força física.

(274) É falso que a paixão de Clark Kent desmistificou a invencibilidade da força física.

pp. – A invencibilidade da força física foi mistificada antes.

(275) É difícil desenroscar o parafuso dessa roda.

(276) Não é difícil desenroscar o parafuso dessa roda.

pp. – O parafuso dessa roda foi enroscado antes.

A exigência da regra pressuposicional ligada a esse prefixo é que a palavra na

qual ele se afixa, isolada, deve ser realmente um antônimo da forma prefixada (cf.:

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enterrar/desenterrar, pentear/despentear, mistificar/desmistificar, enroscar/desenroscar).

Note-se que isso não ocorre nas palavras abaixo, não vigorando, assim, nenhuma

pressuposição:

(277) A lavadeira desbotou toda a roupa colorida.

pp. - ∅ (“desbotar” não é antônimo de “botar”)

(278) Os camaradas desbastaram todo o mato da beira da estrada.

pp. - ∅ ( “desbastar” não é antônimo de “bastar”)

ILARI E GERALDI (1990:54-6) apresentam a antonímia como uma relação

que fundamenta o caso em que duas orações têm sentidos incompatíveis com a mesma

situação. Os autores chamam a atenção para o fato de que essa relação tem sido aplicada a

pares de palavras como “branco”/“preto”, “colorido/“incolor”, “bom”/“mau”,

“chegar”/“partir”, “abrir”/“fechar”, “nascer”/“morrer”, “todo”/“nenhum”. No entanto,

“nascer” e “morrer”, por exemplo, não são, de fato, ações contrárias; são representações de

dois momentos extremos de um mesmo processo: “nascer” é “começar a viver”, e “morrer”

é “terminar de viver”. Já entre “abrir” e “fechar”, por exemplo, o caso é diferente: em vez

de momentos diferentes de um mesmo processo, são processos diferentes pela direção e

pelos resultados que implicam. Outro caso diferente é o que ocorre, por exemplo, entre o

par “dar” e “receber”, que podem ser tomados como a descrição de uma mesma cena,

focalizada de pontos de vista distintos: o sujeito de “dar” é fonte, e o sujeito de “receber” é

destinatário.

As palavras derivadas por prefixação às quais nos referimos nesta seção

enquadram-se no segundo caso acima, descrito por Ilari e Geraldi, relativo às palavras que

indicam processos distintos, diferenciando-se quanto à direção e aos resultados que

implicam.

Assim, tem-se a seguinte regra:

[“des-” + X]V » X aconteceu antes, se X = antônimo de V

sendo X = palavra à qual se junta o prefixo e V = vocábulo resultante da junção do prefixo.

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h) Pronomes interrogativos

Existem duas formas de interrogação na língua, ambas capazes de

apresentarem pronome interrogativo: interrogativa direta e interrogativa indireta.

As interrogativas indiretas são melhor tratadas no âmbito do problema da

projeção, que será descrito mais adiante neste capítulo, já que tais tipos ocorrem através de

encadeamentos de sentenças, como o exemplo abaixo:

(279) Gostaria de saber quem chegou para a festa.

Nesta seção, verificaremos o comportamento pressuposicional de orações

interrogativas isoladas que contêm pronome interrogativo.

Analisemos, primeiro, o caso das interrogativas diretas, já que estas podem

apresentar-se sob a forma de uma única oração.

Sejam os exemplos abaixo:

(280) Quem está chamando?

(281) (O) que está acontecendo?

(282) Você está morando onde?

Ao tentar detectar possíveis pressupostos em (280), (281) e (282), vamos

nos deparar com um problema crucial: não podemos aplicar a essas sentenças o teste da

negação, uma vez que é impossível atribuir a um enunciado interrogativo um valor de

verdade.

Uma solução para esse caso é operar com o seguinte raciocínio: seja a frase

seguinte:

(283) Quem veio?

Essa interrogativa comporta a afirmação de que “alguém veio”/“x veio”, ao mesmo tempo

que veicula uma ordem do tipo: “preencha x de modo que a sentença dada se torne

verdadeira”.

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Propor esse “jogo” a um interlocutor é, por definição, propor uma

pressuposição, ainda que o teste da negação não tenha efeito nesse tipo de construção.

Vejam-se outros exemplos:

(284) (O) que está sendo feito?

(= Sendo verdade que “x está sendo feito”, o que é x?)

pp. – Algo está sendo feito.

(285) Onde você trabalha?

(= Sendo verdade que “você trabalha em x”, o que é x?)

pp. – Você trabalha em algum lugar.

Concluindo, dada uma sentença interrogativa direta com pronome

interrogativo, ela se encaixa num esquema geral que pode ser representado como:

[qu- + (...)] » [variável + (...)]

sendo: “qu-” qualquer tipo de pronome interrogativo.

1.2.2. Pressuposição sintática

As estruturas e os fatos sintáticos do português que introduzem

pressuposição são os arrolados a seguir:

a) Predicados factivos

b) Foco marcado

c) Clivagem

d) Auxiliares de aspecto

e) Condicional contrafactual

f) Nominalizações

g) Estruturas comparativas

Passaremos ao estudo de cada um desses casos, apontando a relação

existente entre eles e o fenômeno da pressuposição.

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a) Predicados factivos

KIPARSKY & KIPARSKY (1970), num estudo que interrelaciona sintaxe e

semântica, tratam mais especificamente de algumas subordinadas substantivas da língua

inglesa, distinguindo as estruturas que a partir deles passaram a chamar-se “factivas” e não-

factivas”.

Os autores utilizam um conceito de pressuposição voltado para as assunções

do falante no discurso, e consideram que, na opinião dos falantes, as proposições presentes

nas sentenças encaixadas factivas são sempre verdadeiras.

Vamos proceder, primeiro, a uma exposição sucinta da teoria dos Kiparskys

para, depois, analisarmos a questão em relação à língua portuguesa. Antes, porém, uma

advertência: a factividade é um fenômeno diretamente ligado ao fato de os pressupostos se

manterem ou cancelarem no contexto de sentenças complexas, o que será tratado no âmbito

do problema da projeção, no final deste capítulo. Estamos adiantando o assunto nesta seção

no intuito de apresentar as expressões da língua, ditas factivas, capazes de introduzir

pressuposição no português.

• Características dos predicados factivos e não-factivos

Os Kiparskys listam uma série de características aplicáveis aos chamados

predicados factivos. Essas características, reunidas, compõem um paradigma sintático

específico e particularizam a factividade em relação aos outros fenômenos da linguagem. A

maioria dessas características aplicam-se ao português89:

a) Somente predicados factivos aceitam sentenças introduzidas pela expressão “o fato”

quando estas substituem expressões simples (que apresentam um único núcleo nominal).

Exemplos:

(286) O latido do cachorro durante a noite (expressão simples)

89 A explanação teórica e os exemplos foram inspirados em KIPARSKY & KIPARSKY (1970:144-7).

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(287) O fato de o cachorro ter latido durante a noite preocupa-me. (sentença com

predicado factivo)

(288) * O fato de o cachorro ter latido durante a noite é possível. (sentença com predicado

não-factivo)

b) Somente predicados factivos podem ter como complemento uma oração iniciada com a

expressão “o fato”. Exemplos:

(289) Deixe claro o fato de que você não pretende se candidatar. (sentença com predicado

factivo)

(290) * Eu asserto o fato de que você não pretende se candidatar. (sentença com predicado

não-factivo)

c) Somente predicados factivos se completam com expressões nominais derivadas de

sentenças, como se mostra abaixo:

(291) A baleia ser branca (sentença)

(292) A brancura da baleia (expressão nominal)

(293) A brancura da baleia é relevante. (sentença com predicado factivo)

(294) * A brancura da baleia acontece. (sentença com predicado não-factivo)

d) Existem construções somente permitidas com predicados não-factivos, como aquelas em

que o sujeito de uma oração substantiva passa a ser o sujeito da oração principal cujo verbo

é acompanhado de infinitivo. Exemplo:

(295) Parece que ele cumpre suas tarefas. (sentença com predicado não-factivo)

(296) Ele parece cumprir suas tarefas.

(297) É relevante que ele cumpre suas tarefas. (sentença com predicado factivo)

(298) * Ele é relevante cumprir suas tarefas.

Das características sintáticas descritas acima, as que dizem respeito à

presença da expressão “o fato” introduzindo a sentença subjetiva ou objetiva correspondem

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ao recurso mais utilizado pelos estudiosos que lidam com essa questão (itens “a” e “b”

acima), sendo esta a razão do nome atribuído a essa classe de predicados.

Segue, agora, uma listagem de palavras e expressões da língua portuguesa

classificadas normalmente como factivas e de palavras e expressões não-factivas, conforme

as características sintáticas arroladas acima. De uma forma geral, elas se encontram no

artigo dos Kiparskys e estão sendo adaptadas, aqui, para o português, juntamente com

outros clássicos exemplos contidos em demais textos sobre o assunto:

- Factivos - preocupar, aborrecer, lamentar, compreender, entender, ignorar, ressentir-

se, ofender-se, interessar-se por, saber, perceber90, sacar, fazer sentido, ter sentido,

fazer rir, estar atento a, estar cônscio/consciente/ciente de, estar a par de, levar em

consideração, levar em conta, ter em mente, tornar/deixar claro, ser significante,

estranho, curioso, singular, ímpar, trágico, dramático, excitante, relevante,

importante, conhecido, claro, evidente, seguro, instrutivo, triste, lamentável,

deplorável, lastimável, compreensível, alarmante, fascinante, uma tragédia, um

drama, motivo de riso, uma loucura.

- Não-factivos - parecer, aparecer, surgir, apresentar-se, conjecturar, presumir,

pressupor, pressagiar, imaginar, figurar, avaliar, considerar, pretender, preferir,

escolher, acontecer, assertar, dar a impressão de, mandar embora, provável,

possível, falso, errôneo, improvável, inverossímil, urgente, iminente, relutante,

ansioso, preocupado, aflito, receoso, desejoso, disposto.91

Algumas palavras e expressões apontadas principalmente no campo das

factivas são naturalmente portadoras de ambigüidade. Assim, elas podem comportar-se

efetivamente como factivas sob um certo sentido e como não-factivas em outro sentido. Um

exemplo desse caso é o verbo “sacar”, normalmente de uso mais coloquial: no sentido de

90 A respeito dos verbos “saber” e “perceber”, os Kiparskys os apontam como exceções pelo fato de terem a propriedade semântica de expressar uma proposição verdadeira de sua oração encaixada (como todas as estruturas factivas, conforme será visto no próximo item), mas não se encaixarem, normalmente, em certas construções próprias dos factivos, como: a) * Eu sei o fato de João estar aqui. b) ? Eu percebo o fato de que João está aqui. 91 Essa listagem não se pretende um levantamento completo de palavras e expressões ligadas à factividade; o objetivo é fornecer uma visão mais ampla possível desses elementos, ainda que não seja atingida a totalidade deles.

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“chutar (uma bola)” ou mesmo como “tirar (uma arma do coldre)”, não é factivo. Por outro

lado, com o sentido de “descobrir uma realidade pré-existente”, é factivo, como em:

(299) O capitão do time sacou que precisava ser mais enérgico no campeonato.

(= O capitão do time sacou o fato de que precisava ser mais enérgico no campeonato.)

Outro exemplo de verbo ambíguo presente na lista é o “importar”: é factivo

no sentido de “ser importante”, mas no sentido de “trazer algo de fora” não é factivo.

É interessante – e imprescindível – analisar a questão da factividade de um

predicado observando todo o conjunto, e não somente o verbo ou outro elemento dito

factivo ou não-factivo. A sentença abaixo, por exemplo:

(300) Vendo que a sombra projetada pelo sol sobre dois objetos - de mesma conformação

física - situados em pontos diferentes, a um mesmo instante do dia, apresentava diferenças,

conjecturaram que a Terra não era plana.

apresenta um predicado não-factivo, cujo verbo está sublinhado. Porém, acrescido de um

advérbio – “corretamente” – o predicado passa a ser factivo. Observe-se:

(301) Vendo que a sombra projetada pelo sol sobre dois objetos - de mesma conformação

física - situados em pontos diferentes, a um mesmo instante do dia, apresentava diferenças,

conjecturaram - corretamente - que a Terra não era plana.

Isso mostra que a factividade é um fenômeno dependente de toda a

estruturação sintática de uma frase, não sendo determinado tão somente pela escolha de um

verbo. A aposição de certos adjuntos e complementos é um fator muitas vezes determinante

nesse tipo de estudo.

• A pressuposição em estruturas factivas

Por definição, em termos semânticos, predicado factivo é aquele que

pressupõe a verdade de sua oração subordinada. No exemplo abaixo,

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(302) Carlos sabe que Sueli está doente.

“sabe” é um verbo factivo, uma vez que a oração subordinada “Sueli está doente” é tida

como portadora de uma informação verdadeira para que (302) seja verdadeira. A falsidade

da informação contida na subordinada conferiria à oração principal o terceiro valor, “nem

verdadeiro nem falso”. Além do mais, a negação de (302) mantém a informação “Sueli está

doente”, só atingindo o verbo da oração principal.

Os predicados factivos se distinguem dos não-factivos92 no sentido de que

enquanto os primeiros carregam o valor “verdadeiro” se e somente se sua oração

subordinada é “verdadeira” (exemplo (302)), o valor de verdade dos não-factivos não

depende do valor de verdade da subordinada, como em (303):

(303) Carlos acredita que Sueli está doente.

A verdade de Carlos acreditar no estado doentio de Sueli independe da verdade ou falsidade

de Sueli estar doente.

A classificação dos predicados em factivos e não-factivos não cobre a

totalidade de palavras e expressões de uma língua. Há, por exemplo, verbos como

antecipar, prever, adiantar; admitir, reconhecer; suspeitar, imaginar, pensar, desconfiar,

duvidar; relatar, informar, noticiar; lembrar, recordar; enfatizar; anunciar, proclamar,

declarar, participar; admitir, aceitar, consentir; deduzir, inferir, concluir, que ocorrem

com complementos factivos e não-factivos, indiferentemente, não podendo ser classificados

com maior rigor93.

• Factividade e tempos/modos verbais

A característica da factividade em relação ao valor “verdadeiro” das

subordinadas substantivas, levantada pelos Kiparskys, precisa ser relativizada, levando-se

92 Alguns autores apontam ainda uma terceira categoria de predicados: os “contrafactivos”, embora essa proposta de solução não seja muito corrente na bibliografia lingüística que trata sobre o assunto. Por essa razão, não a incluímos neste trabalho, além de que nos exigiria um quadro classificatório bem diferente do proposto pelos Kiparskys, pioneiros nesse estudo. Só a título de esclarecimento, aos contrafactivos correspondem os predicados que são verdadeiros se e somente se o valor de verdade de sua oração subordinada for falso. Exemplo: “Carlos finge que Sueli está doente.” 93 Cf. KIPARSKY & KIPARSKY (1970:163).

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em conta outras aspectos presentes na sentença. PERINI (1977) retoma essa questão e a

aplica ao português, mostrando que o caráter factivo de uma sentença se prende também à

variação modo-temporal dos verbos94.

Como exemplos do próprio PERINI (1977), podemos apresentar as duas

sentenças abaixo:

(304) que Maria foi ao casamento incomodou Geralda. (sentença com predicado factivo)

(305) que Maria fosse ao casamento incomodou Geralda. (sentença com predicado não-

factivo)

Enquanto (304) pressupõe a verdade da oração substantiva “Maria foi ao

casamento”, (305) não o pressupõe; e isso se deve à variação modo-temporal do verbo da

sentença subordinada (pretérito perfeito do indicativo na primeira em oposição ao pretérito

imperfeito do subjuntivo na segunda) – o indicativo expressa factividade em oposição à não-

factividade ligada ao subjuntivo, como vem sendo defendido, com outras palavras, ao longo

de toda uma tradição de estudos da linguagem a respeito dos modos verbais.

A partir dessa observação, o autor elabora um quadro relacionando os

verbos das sentenças que encerram as palavras ditas factivas. Ei-lo, acompanhado de alguns

exemplos95 (os tempos relacionados na coluna mais à esquerda referem-se aos verbos da

oração principal, enquanto os da linha superior correspondem aos da oração subordinada;

“F” corresponde a “factividade”, e “NF”, a “não-factividade”; o sinal “?” diz respeito à

estranheza quanto à formação da sentença, não quanto a sua factividade):

Oração subordinada

Infin. Pres. Ind. Fut. Ind. Perf. Ind. Pres. Subj. Pass. Subj.

Pode + Infin. NF F ? F ? F NF *

Condicional NF F F F F NF

Oração

princi-

pal Perf. Indic. F F ? F ? F ? F F

94 A relação entre factividade e variação modo-temporal dos verbos já fora, de certo modo, preparada pelos Kiparskys em seu artigo, embora eles não tenham discorrido a questão por completo. Eles fazem referência, por exemplo, ao modo subjuntivo e à conseqüente não-factividade em línguas como o alemão e citam alguns casos de emprego de tempos verbais do inglês (Cf. KIPARSKY & KIPARSKY (1970:147)). Com Perini, finalmente, temos acesso a um estudo mais detalhado dessa questão voltado para o português. 95 Cf. PERINI (1977:20).

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Fut. Indic. F F F F F *

A questão da factividade e não-factividade de verbos do português ditos “factivos” em relação à variação verbal. (Cf. PERINI (1977:20))

Tomando-se exemplos que comprovem os dados da tabela acima, podemos

ter:

a) VERBO PRINCIPAL = “PODE” + INFINITIVO

(306) ir ao casamento (NF)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento pode incomodar Geralda. (?F)

que Maria foi ao casamento (?F)

que Maria vá ao casamento (NF)

que Maria fosse ao casamento (*)

b) VERBO PRINCIPAL = CONDICIONAL

(307) ir ao casamento (NF)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento incomodaria Geralda. (F)

que Maria foi ao casamento (F)

que Maria vá ao casamento (F)

que Maria fosse ao casamento (NF)

c) VERBO PRINCIPAL = PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO

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(308) ir ao casamento (F)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento incomodou Geralda. (?F)

que Maria foi ao casamento (?F)

que Maria vá ao casamento (?F)

que Maria fosse ao casamento (F)

d) VERBO PRINCIPAL = FUTURO DO INDICATIVO

(309) ir ao casamento (F)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento incomodará Geralda. (F)

que Maria foi ao casamento (F)

que Maria vá ao casamento (F)

que Maria fosse ao casamento (*)

É possível que haja variações nesse quadro, dependendo do tipo de verbo

utilizado, ou mesmo do adjetivo factivo empregado, categoria que não entra em discussão

nessa obra de Perini, ou mesmo da expressão nominal. Uma sentença como

(310) ? Seria relevante que Paulo seja estudioso.

que apresenta o verbo da oração principal no condicional (“seria”) seguido de um adjetivo

factivo (“relevante”) e o verbo da oração subordinada no presente do subjuntivo (“seja”),

não tem como resultado uma estrutura factiva (como ocorreria se tivéssemos um verbo

factivo na lugar de “seria relevante”); com esse adjetivo, no mínimo, tem-se como resultado

uma sentença estranha em português.

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Há que salientar, também, que existem ainda outras estruturas de sentenças

que não foram abordadas por Perini nesse estudo sobre factividade. O verbo da oração

principal pode apresentar-se sob várias outras flexões modo-temporais, inclusive com

outros tipos de verbo auxiliar. A partir dessa observação, e inspirados no exemplo de Perini,

estamos propondo uma ampliação do quadro apresentado até agora, cujas conclusões

acerca do problema da factividade se resumem no que segue abaixo96:

Infinitivo Pres. Ind. Fut. Ind. Perf. Ind. Pres. Subj. Pass. Subj.

Precisa

(de), tem

de/que, há

de + inf.

NF F F F NF ? NF

Está, anda,

vem,

continua +

gerúndio

F F F F NF NF

Deve + inf. NF F F F NF ? NF

Pres. Ind. F F F F F F

A questão da factividade e não-factividade de verbos do português ditos “factivos” em relação à variação verbal. (ampliação da proposta de PERINI (1977))

Exemplos de sentenças que confirmam a apresentação de resultados do

quadro acima:

a) VERBO PRINCIPAL = “PRECISA (DE)”, “TEM DE/QUE”, “HÁ DE” +

INFINITIVO

(311) ir ao casamento (NF)

que Maria vai ao casamento (F)

96 O resultado das análises de sentenças apresentado nesta seção pode variar de acordo com diferentes intuições dos usuários da língua, bem como em virtude de variações contextuais. De toda forma, ele está

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que Maria irá ao casamento há de incomodar Geralda. (F)

que Maria foi ao casamento (F)

que Maria vá ao casamento (NF)

que Maria fosse ao casamento (?NF)

b) VERBO PRINCIPAL = “ESTÁ”, “ANDA”, “VEM”, “CONTINUA” + GERÚNDIO

(312) ir ao casamento (F)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento está incomodando Geralda. (F)

que Maria foi ao casamento (F)

que Maria vá ao casamento (NF)

que Maria fosse ao casamento (NF)

c) VERBO PRINCIPAL = “DEVE” + INFINITIVO

(313) ir ao casamento (NF)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento deve incomodar Geralda. (F)

que Maria foi ao casamento (F)

que Maria vá ao casamento (NF)

que Maria fosse ao casamento (?NF)

d) VERBO PRINCIPAL = PRESENTE DO INDICATIVO

sendo apresentado aqui no intuito de tentar reunir uma interpretação possível que um bom número de falantes faria sobre essas sentenças.

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(314) ir ao casamento (F)

que Maria vai ao casamento (F)

que Maria irá ao casamento incomoda Geralda. (F)

que Maria foi ao casamento (F)

que Maria vá ao casamento (F)

que Maria fosse ao casamento (F)

Para esse quadro, valem as mesmas observações que foram feitas a propósito

do anterior: pode ocorrer alguma variação dependendo do verbo a ser utilizado, ou mesmo

do adjetivo ou expressão nominal, tendo em vista que o objetivo do quadro não é abarcar

todos os casos da língua portuguesa de factividade ligada às variações modo-temporais,

mas, tão somente, ampliar um pouco mais a abordagem que já tinha sido estabelecida por

Perini dentro desse assunto.

Resumindo o que há de importante em termos de factividade e não-

factividade em português, temos que:

a) existem palavras e expressões na língua que podem ser reunidas sob um paradigma

sintático que as particulariza como factivas e não-factivas, sabendo-se que essas

categorias não abrangem todo o léxico;

b) predicados factivos pressupõem a verdade de sua oração subordinada, enquanto

predicados não-factivos não pressupõem nenhum valor de verdade de sua subordinada;

c) em termos semânticos, expressões factivas podem funcionar como não-factivas em

algumas estruturas, principalmente se levarmos em conta operações sobre o verbo

regente da sentença; por outro lado, expressões não-factivas em geral não se

comportam como factivas em nenhum contexto;

d) o problema da factividade liga-se diretamente à questão do problema da projeção, uma

vez que exige uma análise no nível da manutenção ou cancelamento de pressupostos

para além do nível de sentenças isoladas.

b) Foco marcado

A tonicidade e a entoação de uma sentença deixaram de ser consideradas

meros fenômenos de estilo e de receber uma abordagem meramente fonológica

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especialmente a partir das considerações dos estudiosos do Círculo Lingüístico de Praga, na

década de 1930, que apontam o fenômeno da focalização como uma das formas de

expressar a “perspectiva funcional da sentença”. Mais tarde, no fim da década de ‘60,

Halliday também desenvolve estudos relacionando a focalização a aspectos específicos da

“função textual” da língua. Além disso, os gerativistas da década de ‘70, em especial

Jackendoff, defendem que os fenômenos relacionados à focalização contribuem

essencialmente na análise do significado de sentenças.

O foco é um segmento da curva entoacional dotado de maior proeminência

do ponto de vista da intensidade e da complexidade da curva de altura em relação aos

outros segmentos de um enunciado. Neste trabalho, como em praticamente toda referência

que trata do assunto, representaremos os segmentos focalizados por letras maiúsculas.

Além disso, trabalharemos especificamente, nesta seção, com a noção de “foco marcado”,

fenômeno que resulta em sentenças contrastivas e que introduz, algumas vezes, a idéia de

exclusividade sobre o elemento focalizado.

No capítulo segundo, já foi adiantado que enunciados que apresentam algum

segmento focalizado carregam pressuposição, correspondente ao mesmo enunciado com

uma variável no lugar do foco. Essa variável é sempre uma “pró-forma”, como os pronomes

indefinidos, cujo sentido é relacionado ao sentido mais específico do termo que aparece na

sentença. Analisando o exemplo abaixo,

(315) Marcos INSULTOU Maria.

está representada uma maior ênfase entoacional sobre o segmento “insultou”, cuja

realização fônica pode-se dar através de uma elevação da voz ou de um prolongamento do

tempo de emissão. Nesse caso, temos um foco marcado, pois o segmento focal não é o

último na ordem linear da sentença, como aconteceria normalmente em

(316) Marcos insultou Maria.

A negação de (315) comprova a presença do pressuposto “Marcos fez algo com Maria”,

também verificável através das possíveis continuidades de sentença abaixo:

(317) Marcos não INSULTOU Maria; simplesmente a convidou para sair com ele.

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(318) Marcos não INSULTOU Maria; ele a agrediu severamente.

Observe-se que o exemplo a seguir não representa um enunciado aceitável,

uma vez que a segunda oração não compartilha com a primeira o pressuposto de que

“Marcos fez algo com Maria”:

(319) * Marcos não INSULTOU Maria; Marcos insultou Joana.

O estudo dos efeitos semânticos da focalização ganha terreno em

JACKENDOFF (1972). Em síntese, a idéia defendida é a de que existem estruturas de

respostas para questões do tipo que exigem “sim” ou “não” que se mostram já esperadas

pelos interlocutores, de acordo com a focalização efetuada num enunciado. O foco de (316)

poderia ser, além do que já foi marcado, qualquer um dos segmentos destacados abaixo, e

as correspondentes sentenças interrogativas poderiam apresentar, respectivamente,

respostas do tipo das que seguem:

(320) MARCOS insultou Maria?

(321) Não, foi o João quem insultou Maria.

pp. - Alguém insultou Maria.

(322) Marcos insultou MARIA?

(323) Não, Marcos insultou a irmã de Maria.

pp. - Marcos insultou alguém.

Resumindo, a focalização é um fenômeno ligado à expressão entoacional de

um enunciado, que introduz pressuposição em que se caracteriza como “marcado”. Sua

expressão e características particulares podem ser amplamente analisadas em termos

pragmáticos. As sentenças em que os segmentos focalizados são marcados mantêm uma

relação com a pressuposição, que pode ser resumida nos seguintes termos:

[segmento focalizado marcado + (...)] » [variável + (...)]

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sendo que a “variável” substitui o “segmento focalizado marcado” da sentença em questão,

correspondendo ao sentido deste.

• Caso especial: termos não focalizados que veiculam pressuposição

Existem alguns termos da oração que, sob certas condições, introduzem

pressuposição na sentença mesmo sem se associarem com o fenômeno da focalização

marcada. Eles estão sendo incluídos nesta seção por não compreenderem propriamente uma

categoria que introduza pressupostos. Trata-se dos seguintes termos:

- predicativo do sujeito;

- predicativo do objeto;

- agente da passiva;

- adjuntos adverbiais, com exceção daqueles chamados de “adjuntos oracionais” (na

classificação de PERINI (1996)), que se comportam como elementos anexos à oração,

não compondo constituinte com nenhum outro elemento dela, como no exemplo

seguinte:

(324) Os convidados, sinceramente, me decepcionaram.

Observe-se a seguinte sentença:

(325) Os músicos tiveram sua melhor performance em Campinas.

Fazendo-se uma simples substituição do termo “em Campinas” por uma variável, podemos

afirmar que (325) implica que “Os músicos tiveram sua melhor performance em algum

lugar”.

O que nos chama a atenção é o fato de que uma sentença como a (325) pode

pressupor “Os músicos tiveram sua melhor performance em algum lugar”, não

simplesmente implicar. Insiramos (325) num trecho como o abaixo:

(326) Mauro e Lúcio eram instrumentistas da tradicional Orquestra Sinfônica de São João

del-Rei. Os dois saíram da Orquestra e hoje formam uma dupla que se exibe nos teatros de

várias cidades mineiras. Uma de suas apresentações foi espetacular, responsável por dar

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renome nacional a essa dupla. Mas não foi em nenhuma cidade de Minas que os dois se

destacaram; os músicos tiveram sua melhor performance em Campinas.

Observe-se que a sentença destacada pressupõe que “os músicos tiveram sua

melhor performance em algum lugar”, o que pode ser comprovado pela sua forma negativa.

Nesse caso, o contexto pressuposicional é propiciado pelo contexto de retificação

detectável no final desse trecho.

Tomemos um exemplo com cada um dos outros termos da oração citados

acima, em que prevalece também um contexto de correção de idéias:

(327) Vocês estavam bêbados quando foram à minha casa.

(328) Vocês não estavam bêbados quando foram à minha casa; aquilo não era caso de

bebida, era droga.

pp. – Vocês estavam de algum jeito quando foram à minha casa.

(329) O juiz considerou o réu inocente por falta de provas mais contundentes.

(330) O juiz não considerou o réu inocente por falta de provas mais contundentes; ele acha

que o réu se encontra no caso do “princípio da insignificância” do Direito Penal.

pp. – O juiz considerou o réu “alguma coisa” por falta de provas mais contundentes.

(331) A sobremesa daquele jantar foi servida pela própria cozinheira.

(332) A sobremesa daquele jantar não foi servida pela própria cozinheira; quem serviu foi a

camareira.

pp. – A sobremesa daquele jantar foi servida por alguém.

É conveniente frisar que esses termos aqui tratados não necessitam de

focalização marcada para veicularem tais pressupostos. Por outro lado, dependem de

aspectos contextuais mais amplos que o da própria sentença para poder haver pressuposição

– do contrário, não passam de simples casos de implicação. Enfim, ainda persiste a

necessidade de maior estudo sobre essa questão no sentido de descrever as reais condições

que determinam esse comportamento “instável” dos termos da oração aqui levantados. Não

realizaremos tal estudo especialmente porque ele depende de uma análise textual mais ampla

do que a pretendida nesta dissertação.

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c) Clivagem

Sentenças clivadas (do inglês “cleft sentences”; de cleave, que significa

separar, segmentar, clivar) são sentenças que apresentam algum segmento destacado em

relação aos demais, através de uma construção própria. As sentenças clivadas típicas

apresentam os seguintes elementos, obedecida sua ordem:

• verbo “ser”;

• elemento evidenciado pela clivagem: sintagma nominal (SN), preposicionado (SP) ou

adverbial (SAdv);

• partícula “que” ou “quem”;

Exemplos de sentenças clivadas:

(333) Foi o pesquisador ingênuo quem lançou a teoria.

Elemento evidenciado pela clivagem: SN “o pesquisador ingênuo”

(334) Será para mim que as pessoas vão oferecer ajuda.

Elemento evidenciado pela clivagem: SP “para mim”

(335) É hoje que eu vou ganhar o prêmio da loteria.

Elemento evidenciado pela clivagem: SAdv “hoje”

É importante distinguir as sentenças clivadas das “falsas sentenças clivadas”

(do inglês pseudo-cleft sentences), amplamente confundidas com as primeiras97. A diferença

entre elas se dá, praticamente, pela diferença de construção da sentença: as falsas clivadas

apresentam a seguinte formação: em vez de aparecer a expressão “clivadora” “ser...

que/quem”, tem-se, inversamente, “(o) que/quem... ser”. Trata-se de falsas clivagens pelo

fato de essa segunda forma de constituir sentença não segmentar um termo da oração em

questão; diferentemente, passa a haver duas orações distintas. Observe-se que o exemplo

(335) é uma única oração com um termo destacado:

97 Há autores, como Simon C. Dik e Paul Schachter, que tratam das duas estruturas como “expressões alternativas da mesma estrutura subjacente” (Cf. DIK (1980:211) – tradução minha), argumentando tratar-

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(É) hoje (que) eu vou ganhar o prêmio da loteria.

Oração sem expressão “clivadora”: Hoje eu vou ganhar o prêmio da loteria.

No caso da sentença (336), por exemplo,

(336) Quem vai ganhar o prêmio da loteria hoje sou eu.

note-se que não se pode operar a retirada da expressão sem acarretar prejuízo à estrutura da

sentença:

(Quem) vai ganhar o prêmio da loteria hoje (sou) eu.

Sentença sem a expressão “falsamente clivadora”: *Vai ganhar o prêmio da loteria hoje eu.

Na verdade, o que acontece na sentença (336) é a presença de duas orações:

Quem vai ganhar o prêmio da loteria hoje sou eu

Oração com função de sujeito Oração com função de predicado nominal

Há autores que detalham melhor as construções lingüísticas ligadas à

clivagem. ILARI (1992:61), por exemplo, aponta as seguintes possibilidades de formação

de orações clivadas (a que o autor chama de “cindidas”), dentro de uma perspectiva

funcional da língua:

a) com o tema construído como uma oração relativa, constituindo uma frase nominal

completa junto com um termo genérico não necessariamente explicitado e tomada como

um dos termos de um predicado de igualdade expressa pelo verbo “ser”. Exemplo:

(337) (A pessoa) com quem todos se dão bem é o Pedro.

b) com o rema deslocado para o início da oração e delimitado por “é” e “que”. Exemplo:

se de duas maneiras diferentes de operar o foco de uma sentença, razão pela qual referem-se às clivadas e às

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(338) É com o Pedro que todos se dão bem.

c) com o rema deslocado para o início da oração e seguido por “é que”. Exemplo:

(339) Com o Pedro é que todos se dão bem.

d) com o rema em posição típica pós-verbal e separado do restante da oração pelo verbo

“ser”. Exemplo:

(340) Todos se dão bem é com o Pedro.98

Existe ainda um outro tipo de clivada, que não foi salientada por Ilari em sua

obra, em que as duas porções da oração são separadas somente pela partícula “que”, como

no exemplo abaixo:

(341) Pedro fala muito. Por isso que a turma não gosta de trabalhar com ele.

Esse exemplo parece ser uma variação do caso c) explicado acima, omitindo-se o verbo

“ser”.

Todos os casos de clivagem (mesmo o de falsa clivagem) apresentam

conseqüências pressuposicionais. É o que vamos analisar a partir de agora.

• Clivagem e pressuposição

Toda sentença clivada introduz pressuposição. Tomando-se o exemplo (338)

acima, que corresponde ao modelo mais tradicional de clivagem, observe-se que podemos

negar a sentença sem afetar o conteúdo informativo que se encontra fora do segmento

evidenciado pela clivagem:

(338) É com o Pedro que todos se dão bem.

negação – Não é com o Pedro que todos se dão bem; é com o Paulo.

falsas clivadas como “construções de foco” (focus construction). 98 Os termos dessa explicação e os exemplos são de ILARI (1992).

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pp. – Todos se dão bem com alguém.

O pressuposto de uma sentença clivada corresponde à mesma sentença com

uma variável no lugar do termo limitado por “ser” ... “que”. Observe-se que essa regra se

aplica também aos exemplos (333) a (335), dados no início desta seção:

(333) Foi o pesquisador ingênuo quem lançou a teoria.

pp. – Alguém lançou a teoria.

(334) Será para mim que as pessoas vão oferecer ajuda.

pp. – As pessoas vão oferecer ajuda para alguém.

(335) É hoje que eu vou ganhar o prêmio da loteria.

pp. – Eu vou ganhar o prêmio da loteria algum dia.

Tomando, agora, o exemplo (346), com a clivagem efetuada através da

expressão “é que”, observe-se que o pressuposto é a sentença com uma variável

substituindo o termo que vem à esquerda da expressão:

(339) Com o Pedro é que todos se dão bem.

negação – É falso que com o Pedro é que todos se dão bem; é com o irmão dele.

pp. – Todos se dão bem com alguém.

No caso da sentença (340), a variável deve substituir o termo à direita do

verbo “ser”:

(340) Todos se dão bem é com o Pedro.

negação – É falso que todos se dão bem é com o Pedro; é com o Antônio.

pp. – Todos se dão bem com alguém.

No caso das falsas clivadas, também elas introduzem pressuposição, porém

de um tipo diferente. O pressuposto ligado a esse tipo de sentença é voltado para a

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existência de um ser (pressuposição existencial). Observemos mais uma vez o exemplo

(336) já citado mais acima:

(336) Quem vai ganhar o prêmio da loteria hoje sou eu.

negação – É falso que quem vai ganhar o prêmio da loteria hoje sou eu.

pp. – Alguém vai ganhar o prêmio da loteria hoje. / ou: Existe alguém que vai ganhar o

prêmio da loteria hoje.

Nesse caso, o elemento responsável por introduzir o pressuposto na sentença

é o pronome “quem”, como na célebre frase que deu origem a todo o questionamento sobre

pressuposição:

(83) Quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas morreu na miséria.

Análise semelhante pode ser aplicada ao exemplo citado no caso a) em

relação aos tipos de clivadas de Ilari, em que a oração adjetiva nos leva a reconhecer um

pressuposto de existência na mesma:

(337) (A pessoa) com quem todos se dão bem é o Pedro.

negação – É falso que a pessoa com quem todos se dão bem é o Pedro.

pp. – Existe uma pessoa com quem todos se dão bem.

Um fenômeno, salientado por SCHACHTER (1973), que nos faz retomar o

caso da pressuposição existencial, é a semelhança entre a estrutura de certas sentenças

contendo clivagem e a de sentenças contendo oração adjetiva restritiva. Observe que a

sentença abaixo, do próprio Schachter,

(342) É a mulher que limpa a casa.99

pode funcionar como resposta a duas perguntas diferentes:

(343) Quem limpa a casa?

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(344) Quem é? / Quem é essa? / Quem é essa mulher?

Note-se que “a mulher” em (342) só pode ser considerado um termo evidenciado pela

clivagem como resposta a uma pergunta do tipo (343). Conseqüentemente, carrega o

pressuposto “alguém limpa a casa”. Já como uma resposta de (344), com o “que”

funcionando como um pronome relativo, tem-se uma expressão nominal na sentença e a

conseqüente pressuposição de que “existe uma mulher que limpa a casa”, introduzida pela

oração relativa.

Com relação ao tipo de clivagem exemplificado em (341), em que as partes

da sentença são separadas pela partícula “que” somente, o comportamento pressuposicional

é o mesmo apresentado pela expressão “é que”, devendo ser substituído por uma variável o

termo que aparece à esquerda. Exemplos:

(345) Por isso que eu quero conversar com você.

pp. – Eu quero conversar com você por algum motivo.

(346) Por essa estrada que se vai a Roma.

pp. – Vai-se a Roma por algum lugar.

Resumindo, todo tipo de sentença clivada carrega pressuposição. A

identificação desse pressuposto consiste, de uma forma geral, em tomar a mesma sentença e

substituir por uma variável o termo evidenciado em relação aos demais através de algum

recurso sintático e caracterizado por se constituir uma informação “nova” na frase. No caso

das falsas clivadas, pode-se aplicar a mesma regra ou interpretar a pressuposição em termos

existenciais.

No quadro abaixo, estão representados os tipos de sentenças clivadas que

existem no português e os correspondentes pressupostos carregados por cada um deles:

TIPO DE CLIVAGEM FÓRMULA PRESSUPOSICIONAL

[“ser” + termo evidenciado pela clivagem +

“que/quem” + (...)]

[termo genérico + (...)]

99 Cf. SCHACHTER (1973:20).

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[termo evidenciado pela clivagem + “(é)

que/quem” + (...)]

[termo genérico + (...)]

[(...) + “é” + termo evidenciado pela

clivagem]

[termo genérico + (...)]

[“que/quem” + (...) + “é” + termo

evidenciado pela clivagem]

[termo genérico + (...)]

ou

existe x tal que x (...)

sendo que o “termo genérico” da fórmula pressuposicional substitui o “termo evidenciado

pela clivagem” da sentença, correspondendo a uma expressão de sentido amplo e

relacionado com o sentido deste termo.

d) Auxiliares de aspecto

A descrição das situações verbais100 nas sentenças de uma língua é moldada

por algumas noções fundamentais que focalizam tais situações sob pontos de vista

diferentes e complementares entre si: o tempo, o modo e o aspecto. Algumas flexões

verbais, inclusive, retratam todos esses elementos concomitantemente.

As noções de “tempo” e “modo” vêm sendo discutidas há tempos nos

estudos da linguagem, e entraram no cânone de nossa tradição gramatical. Quanto ao

“aspecto”, não se constitui um assunto de abordagem tão tradicional. De toda forma, na

lingüística brasileira, Ataliba de Castilho tratou exaustivamente do “aspecto” já na década

de ‘60, através de sua tese de doutorado intitulada Introdução ao estudo do aspecto verbal

na língua portuguesa e de um grande número de outras publicações sobre esse tema.

Enquanto “tempo” verbal é uma categoria relacionada com a localização

cronológica de uma situação a partir do momento de fala ou de um ponto de referência

fixado na linha cronológica e o “modo” verbal refere-se à distinção de planos da realidade e

da irrealidade, confrontando diferentes “mundos possíveis”, o “aspecto” verbal diz respeito

à estrutura interna de uma situação; constitui-se um conjunto de recursos disponíveis no

sistema lingüístico, cuja função consiste em considerar a situação em questão do ponto de

vista de suas fases. Não se trata de um componente que diz respeito exclusivamente ao

100 Com vistas à simplificação, adotaremos o termo “situação verbal”, nesta parte do trabalho, para nos referirmos à ação, evento, processo ou estado expressos pelo verbo.

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verbo, uma vez que a determinação do aspecto resulta de informações que se podem

encontrar em vários pontos da sentença, não só em morfemas e auxiliares. Num estudo

detalhado sobre o aspecto, há que se levar em conta o tipo de predicado que uma sentença

encerra, noção normalmente expressa por um termo alemão, “Aktionsart”, utilizado por

autores que se dedicaram à descrição do aspecto verbal.

As línguas naturais apresentam alguns verbos auxiliares especializados em

indicar o aspecto. Eles são habitualmente chamados nos estudos da linguagem de “auxiliares

tempo-aspectuais”; trata-se de verbos que se juntam a um infinitivo ou gerúndio,

descrevendo fases da ação expressa pelo verbo que está em forma nominal. Os mais comuns

são: começar (a), continuar, parar (de), terminar (de), acabar (de), vir, ir, voltar (a),

dever, ter (que/de), haver (de), deixar (de), cessar de, manter(-se), tornar (a), retornar

(a). Também entram nessa categoria alguns “operadores”, como adjuntos e outros

elementos: antes, de novo, outra vez, mais etc.

Enquanto as desinências modo-temporais, em condições normais, localizam

uma situação no tempo, relativamente ao momento de fala ou a algum momento apontado

no contexto, como no exemplo abaixo,

(347) Quando cheguei, a peça entrava no segundo ato.

os auxiliares tempo-aspectuais fornecem instruções que resultam ou em identificar outro

tempo, em determinada relação cronológica com o que é expresso pela flexão, ou em

apontar para determinada fase da situação. Um bom exemplo é

(348) Quando cheguei, a peça tinha entrado no segundo ato.

A anterioridade própria do pretérito imperfeito do indicativo desloca-nos para um tempo de

referência x, simultâneo à chegada do locutor; com relação a x, o começo do segundo ato

da peça é apresentado como anterior e acabado, já que é próprio de “auxiliar “ter” +

particípio passado” deslocar o evento descrito pelo verbo no particípio para uma fase

anterior, apresentando-o ao mesmo tempo como acabado.

Alguns dos elementos incluídos nessa ampla categoria de auxiliares de

aspecto são indicadores certos de pressuposição lingüística. Sentenças com o verbo “parar

(de)”, por exemplo, constituem um exemplo exaustivamente utilizado nos estudos

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lingüísticos quando das discussões iniciais acerca do fenômeno da pressuposição. A partir

daqui, vamos nos ater a esses elementos, descrevendo o tipo de aspecto verbal manifestado

e o contexto pressuposicional formado a partir de sua presença numa sentença.

• Pressuposição ligada a auxiliares de aspecto

1º caso - ASPECTO: cessativo (situação verbal focalizada num momento final) ou

concluso (situação verbal focalizada no momento de seu resultado)

AUXILIARES: parar (de), acabar (de), terminar (de), cessar (de), deixar

(de)101

O uso dos auxiliares citados focaliza a situação em questão num futuro

relativo ao período em que transcorre a situação verbal. Essa focalização é independente do

ponto em que se situa o momento de fala102, conforme mostram os esquemas:

(349) Ele parou de fazer aeróbica no ano passado.

(situação de “fazer aeróbica”)

(momento da fala)

(momento do evento “parar de fazer aeróbica”)

(350) Estou parando de fazer aeróbica agora.

(situação de “fazer aeróbica”)

(momento do evento “parar de fazer aeróbica”)

(momento da fala)

101 Uma boa descrição sintático-semântica de verbos desse tipo é realizada por DASCAL (1982). 102 Para uma visão sobre os elementos relevantes para a compreensão dos morfemas de tempo (“momento da fala”, “momento do evento” e “momento da referência”), ver ILARI (1997a:13-19).

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(351) Nós vamos parar de fazer aeróbica.

(situação de “fazer aeróbica”)

(possível momento (possível momento de fala) (momento do evento

de fala) “parar de fazer aeróbica”)

A situação que se estende pelo espaço indicado pela chave ( { ) apresentada

no esquema, que é sempre anterior à situação descrita pela sentença em que ocorrem os

auxiliares de aspecto, corresponde à informação pressuposta na sentença. Vê-se que esta

continua presente na forma negativa, só sendo atingida pela negação a informação relativa à

interrupção ou cessação:

(352) Ele não parou de fazer aeróbica no ano passado.

pp. – Ele fazia aeróbica antes.

(353) É falso que estou parando de fazer aeróbica agora.

pp. – Eu fazia aeróbica antes.

(354) Nós não vamos parar de fazer aeróbica.

pp. – Nós fazíamos aeróbica antes.

A partir daqui, podemos estabelecer a seguinte regra pressuposicional:

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[parar (de) etc. + verbo principal + (...)]S » [verbo principal + (...) antes]S*

sendo que S* corresponde ao período de duração da situação expressa pelo verbo principal.

Os auxiliares que introduzem pressuposição, dos quais estamos tratando

nesta parte do trabalho, podem selecionar predicados de diferentes tipos, ou mesmo fases

diferentes de um mesmo predicado. Note-se que uma mesma sentença, reescrita com um

auxiliar diferente, ainda que encerre o mesmo aspecto verbal, pode referir-se a fases

distintas da situação expressa no seu predicado:

(355) A empreiteira parou de construir a casa.

(356) A empreiteira terminou de construir a casa.

Enquanto o auxiliar de (356) focaliza o estágio final da ação de “construir”,

o de (355) pode referir-se a uma interrupção do processo, que pode ser retomado e

reiniciado indefinidas vezes até o seu estágio final.

Com o uso dos outros auxiliares apontados para esse aspecto, além de

“parar”, valem os mesmos esquemas e regra pressuposicional:

(357) O Governo de Minas acabou de fazer as críticas ao Governo Federal.

(358) Vocês devem deixar de ser soberbos.

(359) Estou terminando de fazer o levantamento bibliográfico.

Saliente-se que o verbo principal da sentença pode ser substituído por uma

forma nominal, mantendo-se o mesmo tipo de pressuposto. Isso se justifica pelo fato de,

como será visto adiante, as nominalizações também introduzirem pressupostos.

(360) Nós ainda vamos cessar o estudo desse caso intrigante.

pp. – Nós estudávamos esse caso intrigante antes.

Ainda em relação a esse tipo de aspecto verbal, existe a possibilidade de

ocorrência de construções verbais que focalizam a mudança de uma situação; ao mesmo

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tempo que indicam a cessação e/ou conclusão de uma situação, apontam para o início de

uma nova situação, como nos exemplos abaixo:

(361) Os portugueses passaram a ser donos desta terra.

(362) Maria passou a estudar com dedicação depois do xingamento dos pais.

Para sentenças com esse auxiliares, a regra pressuposicional é diferente.

Negada a sentença (361), por exemplo,

(363) Os portugueses não passaram a ser donos desta terra.

continua vigorando a idéia pressuposta de que “os portugueses não eram os donos desta

terra antes”.

A regra, nesse caso passa a ser a seguinte:

[passar (a) + verbo principal + (...)]S » [não + verbo principal + (...) antes]S*

sendo que S* corresponde ao período de duração da situação verbal anterior.

2º caso - ASPECTO: continuativo, progressivo ou permansivo (situação verbal

prolonga-se além de um determinado momento, recuperável pelo contexto)

AUXILIARES: continuar, manter(-se)103

Observem-se os exemplos abaixo, que se enquadram no aspecto progressivo,

e os respectivos esquemas:

(364) João continuava falando ao telefone duas horas atrás.

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(período de “falar ao telefone”)

(momento da fala)

(momento do evento “continuar falando ao telefone”)

(365) João continua falando ao telefone até agora.

(período de “falar ao telefone”)

(momento do evento “continuar falando ao telefone”)

(momento da fala)

(366) João vai continuar a falar ao telefone até amanhã, provavelmente.

(período de “falar ao telefone”)

(possível momento de fala) (possível momento (momento do evento

de fala) “continuar falando ao telefone”)

É interessante salientar, no ensejo do exemplo (366), que um auxiliar de

tempo ou de aspecto pode aplicar-se a uma construção que já contém um auxiliar: “vai”

funciona como auxiliar da construção “continuar a falar”, em que “continuar” já funciona

também como um auxiliar.

Ainda em relação ao caso desta sentença, o evento é focalizado num certo

ponto enquanto dura a situação verbal, sem que nada possa ser afirmado quanto ao término

103 Um importante auxiliar aspectual é “estar” + gerúndio. Ele não é abordado nesta seção porque normalmente não introduz pressuposto.

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da mesma. Só com a negação da sentença é que se traduz a idéia desse término, que ainda

assim pode não ser localizado rigorosamente na linha do tempo:

(367) João não continuava falando ao telefone duas horas atrás; uma hora antes disso ele já

tinha terminado toda a transação por telefone.

(368) João não continuava falando ao telefone duas horas atrás; ele terminou o seu papo

exatamente duas horas e quinze minutos atrás.

De toda forma, também nesse aspecto é pressuposta a informação de que a

situação verbal decorria antes do momento do evento:

[continuar etc. + verbo principal + (...)]S » [verbo principal + (...) antes]S*

sendo que S* corresponde ao período de duração da situação expressa pelo verbo principal.

Também outros auxiliares podem ser utilizados para expressar esse mesmo

aspecto e pressuposição, como os destacados nas frases abaixo, reforçados pela presença de

certos adjuntos adverbiais:

(369) Nós nos mantivemos conversando com o professor até a hora da saída.

pp. – Nós conversávamos com o professor antes.

(370) O advogado vem tratando do caso até hoje.

pp. – O advogado tratava do caso antes.

3º caso – ASPECTO: iterativo (situação verbal observada como freqüente, habitual ou

repetitiva; pode ser conclusa ou inconclusa)

AUXILIARES: voltar (a), retornar(a), tornar (a);

OPERADORES: mais, de novo, novamente, outra vez, mais uma vez

Em relação a esse aspecto, não vamos representar os exemplos

esquematicamente, como fizemos em relação aos casos anteriores, uma vez que o

posicionamento do momento de evento na linha temporal pode sofrer muitas variações,

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principalmente em relação ao período de ocorrência do fato. Além disso, tal posicionamento

é dependente, em larga escala, do tipo de adjunto adverbial presente na sentença, caso

exista.

Observe-se que, para cada sentença abaixo, podemos apontar os seguintes

pressupostos:

(371) Ela voltou a fumar.

pp. – Ela tinha fumado antes.

(372) Você tornará a mencionar o caso.

pp. – O caso já terá então sido objeto de menções anteriores.

Assim como nos casos anteriores, o emprego de certos auxiliares do aspecto

iterativo pressupõe que a ação se deu pelo menos uma vez antes, o que nos leva à seguinte

regra:

[voltar (a) etc. + verbo principal + (...)]S » [verbo principal + (...) antes]S*

sendo que S* corresponde ao período de duração da situação expressa pelo verbo principal.

É comum, nesse aspecto, aparecerem certos operadores em vez de auxiliares

de verbo, como nas sentenças abaixo:

(373) O gerente disse para a secretária não cometer mais aquele erro grosseiro.104

pp. – A secretária tinha cometido aquele erro grosseiro antes.

(374) Marília tocou de novo no assunto da demissão involuntária.

pp. – Marília tinha tocado no assunto da demissão involuntária antes.

Concluindo, há uma área do estudo aspectual que trata de questões relativas

a unicidade/repetição, continuidade/finalização etc. de eventos, cuja descrição ultrapassa os

104 A presença do “mais” nessa sentença acarreta uma ambigüidade. Além do valor iterativo da ação, pode-se entender uma relação de adição, como se a secretária tivesse cometido algum tipo de erro e estivesse

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limites da flexão gramatical e pode ser relacionada ao sentido implícito da linguagem

especialmente pelo fato de que a anterioridade desses eventos fica pressuposta nas

sentenças em questão.

e) Condicional contrafactual

“Contrafactuais” são enunciados condicionais (portanto, da forma “se A,

então B”) em que A e B não são verdadeiros; em outros termos, são enunciados sobre

situações contrárias aos fatos da realidade – enunciados através dos quais o locutor

demonstra saber não serem verdadeiras as afirmações.

STALNAKER (1975) afirma que os “enunciados no subjuntivo passado

condicional pressupõem a falsidade do antecedente e, às vezes, também do conseqüente”105.

Esse autor lembra algumas estruturas amplamente citadas pelos semanticistas como

introdutoras de pressuposição, entre elas o pretérito imperfeito do subjuntivo.

O “antecedente” e o “conseqüente” de verbos no condicional citados por

Stalnaker correspondem aos termos A e B, citados acima, da forma lógica do condicional.

Em português, A é expresso através de um verbo no pretérito imperfeito do subjuntivo,

enquanto B o é através de um verbo no assim chamado futuro do pretérito do indicativo.

Observe:

(375) Se você lesse muito, você seria capaz de raciocinar com profundidade.

Antecedente – Você ler muito

Conseqüente – Você ser capaz de raciocinar com profundidade

A negação dessa sentença

(376) É falso que se você lesse muito, você seria capaz de raciocinar com profundidade.

mantém os pressupostos “você não lê muito” e “você não é capaz de raciocinar com

profundidade”.

sendo advertida para não cometer um outro que era grosseiro. Para a presente análise, entenda-se a sentença com o valor iterativo; caso contrário, ela não introduz o referido pressuposto. 105 Cf. STALNAKER (1975:31-2). Tradução minha.

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É possível aparecerem sentenças contendo somente uma oração com a forma

verbal no imperfeito do subjuntivo ou no futuro do pretérito do indicativo. Normalmente,

porém, trata-se de sentenças elípticas, em que o outro termo da condição fica subentendido.

Em termos pressuposicionais, o efeito é o mesmo:

(377) Ah, se ela estivesse aqui...

pp. – Ela não está aqui.

(378) Você seria muito bem recebido naquele hotel.

pp. – Você não é/está sendo muito bem recebido naquele hotel.

(379) Quem me dera se eu ganhasse na loteria...

pp. – Eu não ganho na loteria.

(380) Nós seríamos cidadãos respeitados numa cultura diferente desta.

pp. – Nós não somos cidadãos respeitados.

A informação pressuposta é voltada sempre para o momento de fala,

normalmente expresso no presente do indicativo, como mostram os exemplos acima. Assim,

chega-se às seguintes regras pressuposicionais:

[(verbo)pret. imp. subj. + (...)] » [~(verbo)presente do indicativo + (...)]

[(verbo)fut. pret. ind. + (...)] » [~(verbo)presente do indicativo + (...)]

f) Nominalizações

Existem, na língua, certos segmentos resultantes de formas verbais, os quais

veiculam pressupostos. Tais construções, de caráter nominal, podem ser associadas à

pressuposição existencial, já que nada impede, em paralelo com a existência de pessoas e

objetos, de pressupor a existência de acontecimentos, mas com características bastante

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particulares ligadas à pressuposição adscritiva, razão pela qual optamos por mantê-las nesta

parte do trabalho.

Seja o exemplo seguinte:

(381) A conquista da América pela Espanha foi marcada por uma série de massacres.

Existe aí uma expressão nominal (“A conquista da América pela Espanha”), à qual

poderíamos atribuir o pressuposto: “A conquista da América pela Espanha existe”. No

entanto, a nosso ver, essa construção denota ação (“conquista”) frente aos outros seres com

que mantém relação, e não uma simples informação existencial como ocorre com as

descrições definidas, por exemplo. Daí a identificação de um pressuposto adscritivo

relacionado à construção, que se pode resumir em: “A América foi conquistada pela

Espanha”, que se mantém na correspondente forma negativa:

(382) É falso que a conquista da América pela Espanha foi marcada por uma série de

massacres.

Outros exemplos de pressupostos introduzidos por nominalizações:

(383) A derrota de Lula por Collor foi decorrente de graves manipulações nos meios de

comunicação de massa.

pp. – Lula foi derrotado por Collor.

(384) A apuração tardia de uma urna eleitoral foi responsável por uma mudança de

resultados nas últimas eleições.

pp. – Uma urna eleitoral foi apurada tardiamente.

(385) O Bloqueio Continental de Napoleão causou a fuga da família real portuguesa para o

Brasil em 1808.

pp. – A família real portuguesa fugiu para o Brasil.

Assim, podemos estabelecer mais uma regra:

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[(nominalização) + (...)] » [oração desenvolvida correspondente à nominalização]

g) Estruturas comparativas

As estruturas comparativas do português, que normalmente envolvem mais

de uma oração, além de formas adjetivas específicas para tal, podem introduzir

pressuposição.

No entanto, a correspondência estabelecida entre pressuposição e

comparação não é tão imediata quanto a que acontece em relação a outras estruturas da

língua, principalmente porque a comparação está ligada a um outro importante recurso

lingüístico, a argumentação, que torna o tratamento do tema bem mais complexo.

Nós vamos partir de algumas intuições e suposições iniciais acerca do

fenômeno comparativo; depois, mostraremos possíveis problemas dessa análise inicial, à luz

de estudos já realizados sobre a questão, e proporemos uma alternativa que possa apontar

os limites até onde podemos tratar conjuntamente de pressuposição e comparação.

• Considerações gerais sobre a comparação

Inicialmente, quando nos deparamos com uma estrutura comparativa em que

dois referentes são avaliados em relação a uma mesma propriedade, podemos ser levados à

generalização de que esses dois referentes possuam a propriedade em questão. Pode-se

pensar, por exemplo, que a informação “Mário é aplicado” prevalece nas três formas

abaixo, respectivamente comparativas de igualdade, superioridade e inferioridade:

(386) João é tão aplicado quanto Mário.

(387) João é mais aplicado que Mário.

(388) João é menos aplicado que Mário.

No entanto, tal informação não prevalece se a comparação se processar num

contexto como o que segue:

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(389) Mário é um péssimo aluno: não só tira notas baixas, como já foi reprovado

várias vezes, além de ter um posicionamento incoerente dentro das matérias.

Disseram-me que João também é assim, tão aplicado quanto Mário (ou: Disseram-me

que João também é assim, só que ainda menos aplicado que Mário / ou: Disseram-me

que João também é assim, mas um pouco mais aplicado que Mário).

Também nos exemplos abaixo, as conclusões apontadas entre parênteses

simplesmente não correspondem ao conhecimento de mundo dos locutores em geral,

embora as sentenças sejam plenamente possíveis:

(390) Estados Unidos é mais rico do que a Índia.

(A Índia é rica)

(391) O Amazonas é maior (= mais grande) que a Paraíba.

(A Paraíba é grande)

Os próprios lógicos de Port-Royal, no século, XVII, já tinham atentado para

essa questão. Na sua teoria sobre os exponíveis, após enquadrarem as comparativas num

conjunto de “proposições compostas” (que carregam dois julgamentos), questionam sobre

(...) saber se é sempre necessário que, nessas proposições, o positivo do comparativo convém a ambos os membros da comparação e se é necessário, por exemplo, supor que duas coisas sejam boas a fim de poder dizer que uma é melhor que a outra.106

Na lingüística portuguesa, VOGT (1977) desenvolve um estudo da

comparação mostrando que não podemos tratar desse fenômeno em termos estritamente

pressuposicionais. Segundo o autor, adjetivos não-marcados na língua (adjetivos vagos),

como “grande”, não exprimem, na comparação, nenhuma classificação absoluta do tamanho

dos seres107. É por essa razão que, no exemplo (391), podemos utilizar tal adjetivo numa

sentença comparativa envolvendo a “Paraíba”, sem, com isso, estarmos afirmando que os

termos se caracterizam como “grandes”.

106 Cf. ARNAULD & NICOLE (1970:188). Tradução minha. 107 Cf. VOGT (1977:250).

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A negação de certos enunciados comparativos é problemática se não se levar

em conta seu efeito argumentativo. Conforme destaca Vogt, as duas sentenças abaixo

(392) Pedro não é mais agradável que João.

(393) Pedro não é menos agradável que João.

podem apontar para uma situação de igualdade (Pedro = João), diferindo na orientação

argumentativa: a primeira direciona para a inferioridade de Pedro em relação a João (=

Pedro é menos agradável que João) enquanto a segunda direciona para a superioridade de

Pedro em relação a João (= Pedro é mais agradável que João)108. Esse efeito argumentativo

é impossível de ser descrito dentro de uma lógica pressuposicional.

Por outro lado, apesar de estudos clássicos sobre a comparação direcionarem

para que descartemos uma explicação pressuposicional do fenômeno, certos casos nos dão

margem para que se pense, efetivamente, em alguma relação com o fenômeno da

pressuposição. Observe-se o exemplo seguinte:

(394) Estados Unidos é ainda mais rico que a França.

Na sua forma negativa,

(395) É falso que Estados Unidos é ainda mais rico que a França.

note-se que continua válida a informação de que “a França é rica” – a sentença não se aplica

a nenhum contexto em que se quisesse desvalorizar a riqueza da França. Como explicar esse

fenômeno?

Claramente, ele se liga à presença do “ainda” na sentença. Observando outros

casos da língua portuguesa em que possa ocorrer o mesmo fenômeno, podemos ver que o

efeito produzido em (395) é semelhante ao que ocorre nas sentenças abaixo:

(396) Estados Unidos é mais rico até que a França.

(397) Estados Unidos é mais rico mesmo que a França.

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Nesses exemplos, o “até” e o “mesmo” alteram o efeito comparativo das

sentenças, fazendo-as pressupor também que “a França é rica”.

É possível que ocorram variações de posição do “ainda”, “até” e “mesmo”

nas respectivas sentenças de forma que se mantenha a mesma informação pressuposta, bem

como é possível a co-ocorrência de “até” e “mesmo”:

(398) Estados Unidos é mais rico ainda que a França.

(399) Estados Unidos é até mais rico que a França.

(400) Estados Unidos é mais rico até mesmo que a França.

(401) Estados Unidos é até mesmo mais rico que a França.

Em relação ao “até” e “mesmo”, já foi mostrado que eles introduzem

pressuposição no português, incluindo-se numa classe restrita de itens lexicais com tal

propriedade. Com relação ao “ainda”, nada se pode estabelecer em termos

pressuposicionais. De toda forma, conjugados com a comparação, esses itens têm a mesma

propriedade: manter a atribuição referida na sentença comparativa como um pressuposto do

segundo elemento da relação.

Voltemos às mesmas sentenças acima e vejamos o seu comportamento

pressuposicional em diferentes formas de comparação. Primeiro, no comparativo de

inferioridade:

(402) Estados Unidos é menos rico ainda que a França.

(403) Estados Unidos é menos rico até que a França.

(404) Estados Unidos é menos rico mesmo que a França.

Novamente, entramos na questão das escalas argumentativas: enunciar

qualquer das sentenças acima equivale a afirmar que “Estados Unidos é mais pobre do que a

França”, valorizando, porém, a riqueza da França. E o efeito argumentativo se inverte

quando trocamos o “rico” por seu oposto “pobre”:

(405) Estados Unidos é menos pobre ainda que a França.

108 Idem, p. 255.

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No comparativo de igualdade, não cabem os itens lexicais “até”, “mesmo” e

“ainda” com tanta naturalidade como nos comparativos que expressam desigualdade:

(406) * O aroma deste prato é tão gostoso ainda quanto o do outro.

(407) * Romário está ficando tão famoso até quanto Pelé.

a não ser que se reestruture sintaticamente a sentença como no exemplo seguinte:

(408) A moeda do Brasil chega mesmo a ser tão desvalorizada quanto a da

Argentina.

Caso ocorra uma sentença como a (409) abaixo,

(409) Romário até está ficando tão famoso quanto Pelé.

voltamos à escala argumentativa, sendo impossível tratar a sentença em termos de

pressuposição: (409) pode ser utilizada tanto para falar da fama ou da falta de fama de Pelé.

Resumindo, entre comparação e pressuposição, pouca relação pode ser

estabelecida, sendo mais conveniente um tratamento daquele fenômeno por meio da teoria

da argumentação, a não ser no caso do comparativo de superioridade em que se empregam

certos itens lexicais (“até”, “mesmo” e “ainda”), que são, de qualquer modo, introdutores

de pressuposição. Nesse caso, a qualidade atribuída na sentença é aplicada ao segundo

termo da comparação na forma de pressuposto.

Podemos chegar, assim, à seguinte regra:

[(termo 1) + (...) + até/mesmo/ainda + mais (propriedade) (do) que (termo 2)] » [(termo

2) + (...) + (propriedade)]

2. O problema da projeção

Ao “problema da projeção” corresponde saber as condições de cancelamento

e manutenção de um pressuposto de uma sentença simples como pressuposto da sentença

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complexa que a encerra. Neste estudo, interessa em especial a sistematização dessas

condições de cancelamento e manutenção. Essa questão se situa no contexto da verificação

de um princípio mais geral, o da composicionalidade, segundo a qual “as propriedades

semânticas das expressões sintaticamente complexas são função das propriedades

semânticas de seus constituintes.”109 No caso a ser abordado por nós nesta seção, esses

constituintes são sentenças simples que se juntam para formar as sentenças complexas.

Entre os estudiosos que já realizaram estudos nesse nível, o pioneiro é

KARTTUNEN (1973), em artigo clássico no assunto. Nele, Karttunen começa por afirmar

que os conceitos semântico e pragmático da pressuposição, embora correspondam a noções

diferenciadas, estão relacionados entre si, não gerando nenhum conflito de tratamento do

termo. O ponto de vista de Karttunen, corroborado por STALNAKER (1972), é o

seguinte: todo tipo de pressuposição semântica integra o quadro de pressuposições

pragmáticas, embora o contrário não possa ser afirmado. Isso, pelo fato de que os usuários

do discurso sempre usam sentenças que podem ser analisadas à luz da semântica, além de

uma série de outros elementos contextuais que fogem a uma abordagem lógica.110

Assim, quaisquer conclusões decorrentes de análises semânticas de sentenças

serão válidas também no nível da pragmática. Essa idéia reforça o objetivo do nosso

trabalho, que consiste em fazer um levantamento semântico dos fatos relacionados à

pressuposição, independentes de situação discursiva, mas, por outro lado, que possibilitem

interpretações para além do nível da sentença isolada do contexto de uso da mesma.

No desenvolvimento desta seção, primeiro faremos uma exposição das

sentenças matrizes classificadas por Karttunen de acordo com sua característica de manter

ou cancelar pressupostos. A seguir, faremos uma breve consideração acerca do problema da

projeção capaz de ensejar pesquisas mais aprofundadas no assunto.

2.1. Os predicados de Karttunen

109 Cf. ILARI (1997d:36). Ver essa referência para maiores detalhes da teoria da composicionalidade. 110 Cf. KARTTUNEN (1973:170) e STALNAKER (1972:387).

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KARTTUNEN (1973:173-4) apresenta três grupos de predicados existentes

na língua de acordo com o seu comportamento pressuposicional: os “plugs”, “holes” e

“filters”111.

• “Plugs”

Correspondem aos plugs os predicados de sentenças complexas que

bloqueiam as pressuposições de sua sentença-complemento. São normalmente constituídos

por verbos dicendi (“dizer”, “mencionar”, “contar”, “anunciar”, “perguntar” etc.) e verbos

performativos (“prometer”, “solicitar”, “ordenar”, “acusar”, “criticar” etc.) A sentença

(410) abaixo ilustra esse tipo:

(410) Cecília disse que Fred a continua beijando.

A sentença (410), como um todo, não pressupõe que “Fred beijava Cecília

antes”, informação pressuposta na sentença encaixada “Fred continua beijando Cecília”.

• “Holes”

Aos holes correspondem aqueles predicados que mantêm os pressupostos da

oração encaixada como pressupostos também da oração complexa. Compreendem os

predicados factivos (descritos por KIPARSKY & KIPARSKY (1970)), os verbos

aspectuais e os predicados implicativos (sendo estes tratados pelo próprio KARTTUNEN

(1971))112. Exemplifiquemos cada um desses casos, detendo-nos mais na categoria que

ainda não foi abordada nesta dissertação: os implicativos.

a) Predicados factivos

Observe o exemplo abaixo:

111 Alguns estudiosos de língua portuguesa adotam as traduções de “plugs”, “holes” e “filters” respectivamente como “tampas”, “furos” e “filtros”. Nesta dissertação, preferimos manter a forma original inglesa para não nos arriscarmos a perder a idéia que transmitem metaforicamente.

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(411) Preocupa-me que você tenha parado de estudar.

A informação de que “você estudava antes” mantém-se como pressuposto da

sentença complexa (411), como um todo. Aliás, é característica básica dos factivos a de

preservar os pressupostos da sentença encaixada, ressalvadas as observações atinentes à

questão da variação temporal dos verbos utilizados, conforme foi apresentado na seção

deste capítulo reservada a essa categoria.

b) Verbos aspectuais

Seja o exemplo abaixo:

(412) Eu continuo achando que é você quem liga para mim todos os dias.

O pressuposto da sentença encaixada “alguém liga para mim todos os dias”,

decorrente da clivagem na oração, é preservado como pressuposto de toda a sentença

complexa (412).113

c) Predicados implicativos

KARTTUNEN (1971), num procedimento de análise até certo ponto

semelhante ao da identificação dos predicados factivos pelos Kiparskys, caracteriza uma

classe, a dos chamados “verbos implicativos”, que seria relevante para explicar a implicação

lógica e – mais relevante para nós neste contexto – o funcionamento da pressuposição em

sentenças encaixadas. Os verbos implicativos são os que aparecem antes do infinitivo em

sentenças como

112 O autor sugere, ainda, como integrantes desse tipo, alguns dos predicados “criadores de mundo” (world-creating predicates) de Morgan (que incluem verbos como “sonhar”, “desejar” e “imaginar”) e verbos de atitude proposicional (“pensar”, “acreditar”, “duvidar”, “suspeitar”, “temer” etc.). 113 O problema da projeção é até hoje um assunto de descrição bastante incompleta nos estudos da linguagem. Ainda que os verbos aspectuais tenham capacidade de manter pressupostos de sentenças encaixadas, a clivagem parece ter uma influência maior nesse aspecto em relação à sentença (412); tanto que, usando-se um verbo dicendi (apontado como “plug”) no lugar do verbo aspectual nessa sentença, continua a vigorar o pressuposto “alguém liga para mim todos os dias”: “Um amigo meu me disse que acha que é você quem liga para mim todos os dias”. Enfim, esse assunto necessita de estudos mais detalhados.

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(413) Ele conseguiu fazer tal coisa.

(414) Ele teve o infortúnio de receber uma multa.

Vejamos como Karttunen os caracteriza.

Um predicado implicativo, segundo Karttunen, sozinho, determina que a

situação descrita na oração subordinada teve ocorrência. A oração principal, em relação à

subordinada, acaba por ter a função de anunciar sob que condições a situação se realiza.

A diferença entre um predicado implicativo e um não-implicativo pode ser

demonstrada através das frases seguintes:

(415) João conseguiu fechar a porta.

(416) João esperava fechar a porta.

Observe que (415) corresponde a uma asserção baseada na verdade de (417)

– em outras palavras, (415) implica (417):

(417) João fechou a porta.

enquanto (416) não implica o mesmo. A oração principal de (415) – cujo núcleo do

predicado é o verbo “conseguir” - expressa a verdade da realização da ação em sua

subordinada. Tal verbo - e, por extensão, o predicado no qual se insere - é chamado de

“implicativo”, enquanto o verbo de (416) é chamado de não-implicativo.

A negação de um predicado implicativo afeta também o conteúdo da oração

subordinada - essa característica é a que distingue predicados implicativos e factivos (uma

vez que nos factivos a negação do predicado principal de uma sentença não afeta o

conteúdo da subordinada). Negando-se a sentença (415) acima, tem-se:

(418) João não conseguiu fechar a porta.

que se baseia na verdade de que

(419) João não fechou a porta.

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Até certo ponto, a questão da implicatividade está presa aos tempos verbais

envolvidos na sentença. Observe que, no pretérito perfeito do indicativo, o verbo principal

de (415) é entendido como implicativo, gerando uma sentença agramatical, por exemplo,

com a negação do complemento:

(420) * João conseguiu fechar a porta, mas ele não fechou.

Já no presente do indicativo, por exemplo, o mesmo verbo seria não-

implicativo, sendo totalmente gramatical uma sentença que negasse o seu complemento:

(421) João consegue fechar a porta, mas ele não fecha (porque está com preguiça de

levantar-se).

Segue uma pequena listagem de palavras e expressões do português que se

enquadram no caso de predicados implicativos e de não-implicativos:

• Implicativos: conseguir, lograr, ousar, atrever-se a, cuidar de, aventurar-se a,

arriscar-se a, ter o infortúnio de, ter o cuidado de, dar conta de etc.

• Não-implicativos: querer, desejar, necessitar, precisar, esperar, confiar, prometer,

planejar, projetar, pretender, tentar, ensaiar, ter esperança, pensar a respeito de etc.

Existem palavras, como salienta o próprio Karttunen114, que podem ser

entendidas ora como implicativas ora como não-implicativas. Eis algumas delas:

• Implicativos / não-implicativos: lembrar, escolher, preferir, optar, decidir, poder,

recusar, rejeitar, achar melhor, ter tempo, ter oportunidade, ter a chance, ter

possibilidade, ter paciência etc.

Entre as expressões ora implicativas ora não-implicativas arroladas acima,

algumas carregam um sentido negativo, como “recusar” e “rejeitar”. Karttunen as denomina

“implicativas negativas”, uma vez que, empregadas numa sentença principal afirmativa,

implica-se a negação da oração subordinada; e, uma vez negadas, é implicada a afirmação

da subordinada. Observe-se:

114 Cf. KARTTUNEN (1971:354).

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(422) Nós recusamos ir à festa de quinze anos na semana passada.

à nós não fomos à festa de quinze anos na semana passada

(423) Eles não recusaram jogar futebol no último domingo.

à eles jogaram futebol no último domingo

Ainda em relação ao quadro de implicativos/não-implicativos, as diferenças

de construção sintática da frase muitas vezes é que definem o caráter implicativo ou não-

implicativo. Por exemplo, se empregarmos o verbo “lembrar” acompanhado da preposição

“de”, torna-se um implicativo, como em:

(424) Passeando por São Paulo, Pedro lembrou-se de visitar o cunhado.

→ Pedro visitou o cunhado.

Já utilizado seguido por “que”, não é implicativo (por sinal, funcionará como um verbo

factivo). Exemplo:

(425) Passeando por São Paulo, Pedro lembrou que tinha deixado a televisão ligada.

Terminada nossa incursão a respeito dos verbos implicativos, voltemos ao

assunto principal, verificando como essa categoria atua no contexto do problema da

projeção.

Enquadrando-se na categoria dos holes, esse tipo de predicado mantém os

pressupostos da sentença encaixada. Exemplificando, vejamos as sentenças abaixo:

(426) Maria conseguiu parar de beber.

pp. da oração “parar de beber” e de “Maria conseguiu parar de beber” – Maria bebia antes.

(427) Ele se deu conta de que continuava falando alto demais.

pp. da oração “continuava falando alto demais” e de “Ele se deu conta de que continuava

falando alto demais” – Ele falava alto demais antes.

• “Filters”

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No conjunto dos filters se encontram os predicados que encerram os

conectivos lógicos: “se... então”; “e”; “(ou)... ou”. Esses predicados, dependendo das

circunstâncias em que são empregados, cancelam os pressupostos das sentenças encaixadas

ou os mantêm. Karttunen estabelece as condições de cancelamento ou manutenção,

conforme veremos abaixo, relativamente a cada um dos conectivos lógicos citados:

a) “se... então”

Pode ser surpreendente que o conectivo lógico “se... então” seja tratado

como um predicado; na verdade, ele é um predicado, ou, mais exatamente, uma função –

tecnicamente, uma função de verdade: dadas as verdades das sentenças componentes,

obtém-se a verdade do todo.

Para uma sentença S da forma “se A então B”, levando-se em conta uma

pressuposição C, duas situações distintas são possíveis:

I) se A » C, então S » C.

II) se B » C, então S » C, a menos que A� 115 C.

Exemplificando com as próprias frases de KARTTUNEN (1973:177):

(428) Se a calvície é hereditária, então todos os filhos de Jack são calvos.

• A = A calvície é hereditária.

• B = Todos os filhos de Jack são calvos.

• C = (pp. de B) Jack tem filhos.

• O pressuposto “Jack tem filhos” mantém-se no contexto de toda a sentença (428), uma

vez que B pressupõe C, sem que A implique C.

(429) Se todos os filhos de Jack são calvos, então a calvície é hereditária.

• A = Todos os filhos de Jack são calvos.

• B = A calvície é hereditária.

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• C = (pp. de A) Jack tem filhos.

• O pressuposto “Jack tem filhos” mantém-se no contexto de toda a sentença (429), uma

vez que A pressupõe C.

(430) Se Jack tem filhos, então todos os filhos de Jack são calvos.

• A = Jack tem filhos.

• B = Todos os filhos de Jack são calvos.

• C = (pp. de B) Jack tem filhos.

• O pressuposto “Jack tem filhos” não se sustenta como tal no contexto de (430), visto

que A acarreta C.

(431) Se todos os filhos de Jack são calvos, então Jack tem filhos.

• A = Todos os filhos de Jack são calvos.

• B = Jack tem filhos.

• C = (pp. de A) Jack tem filhos.

• O pressuposto “Jack tem filhos” mantém-se como tal no contexto de (431), uma vez

que A pressupõe (e não acarreta) C.

b) “e”

Para uma sentença S da forma “A e B”, podem-se ter duas situações:

I) se A » C, então S » C.

II) se B » C, então S » C, a menos que A� C.

Exemplifiquemos esse caso com sentenças diferentes das utilizadas por

Karttunen em seu artigo, simplificando nossa análise:

(432) O escoteiro foi advertidoA e parou de fazer boas açõesB.

115 Lê-se como símbolo de “acarretamento”.

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A sentença complexa (432) pressupõe que “o escoteiro fazia boas ações

antes”, já que este é um pressuposto de B e não é acarretado por A.

(433) O escoteiro parou de fazer boas açõesA e foi advertidoB.

“O escoteiro fazia boas ações antes” é pressuposto por (433) como um todo,

já que se trata de um pressuposto de A.

(434) O escoteiro fazia boas açõesA e parou de fazê-lasB.

A sentença (434) não pressupõe que “o escoteiro fazia boas ações antes”,

uma vez que essa afirmação é pressuposta por B mas é acarretada por A.

c) “(ou)... ou”

Para uma sentença S da forma “(ou) A ou B”, também duas situações são

possíveis:

I) se A » C, então S » C.

II) se B » C, então S » C, a menos que ~A� C.

Exemplificando com as próprias frases de KARTTUNEN (1973:180):

(435) Ou a calvície não é hereditáriaA, ou todos os filhos de Jack são calvosB.

“Jack tem filhos” prevalece como pressuposto na sentença complexa (435),

já que B o pressupõe, e não é acarretado pela negativa de A.

(436) Ou todos os filhos de Jack são calvosA, ou a calvície não é hereditáriaB.

Também aqui, o pressuposto de A “Jack tem filhos” mantém-se como

pressuposto da sentença (436) inteira.

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(437) Ou Jack não tem filhosA ou todos os filhos de Jack são calvosB.

Nesse caso, a condição de filtramento de pressupostos é diferente da dos

conectivos “se... então” e “e”, analisados nesta seção: a informação “Jack tem filhos”,

pressuposta pelo conseqüente, é acarretada pela negação de A: “é falso que [Jack não tem

filhos]”. Assim, o pressuposto de B não se mantém como tal no contexto de (437).

2.2. Algumas considerações a respeito do problema da projeção

As regras relativas ao comportamento dos pressupostos em sentenças

complexas, estabelecidas por Karttunen, apontam os casos básicos do problema da

projeção, mas não explicam por completo a questão. A razão disso está no fato de as

sentenças apresentarem a possibilidade de encadeamentos mais complexos e ensejarem

certos tipos de inserção lexical que alteram as regras básicas de projeção.

Foge aos nossos objetivos desenvolver esse assunto, que merece um

tratamento bastante pormenorizado. Só a título de exemplificação, existem problemas

relativos à inserção de alguns verbos na sentença, chamados por LANGENDOEN &

SAVIN (1971) de verbos “especiais”, a saber: “acusar”, “criticar”, “fingir” e “arrepender”;

outro verbo que enseja regras de projeção mais específicas é o verbo “mentir”, bastante bem

descrito por COLEMAN & KAY (1981) e SWEETSER (1981); os próprios verbos dicendi

exigem tratamento mais minucioso; e assim por diante.

De toda forma, acreditamos que o primeiro passo para explicar o problema

da projeção de uma forma mais completa em relação ao português é o inventário de

palavras e estruturas que introduzem esse elemento na língua, que se constituiu como o

objetivo central deste quinto capítulo.

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CAPÍTULO 6

ANÁLISE PRESSUPOSICIONAL DE TEXTOS

1. A pressuposição como fator de textualidade

GREIMAS (1966), ao estudar as propriedades relativas ao aspecto da

coesão textual, apresenta a “isotopia” de um discurso como a propriedade de apresentar

uma unidade semântica que permite apreender esse discurso como um todo significativo. A

isotopia pode ser garantida, no discurso, por fatores de enunciação (um exemplo típico é

quando se depara com uma palavra polissêmica, cujo sentido é depreendido no co-texto) ou

pelo próprio enunciado (por exemplo: o verbo “lavar” tem o seu sentido garantido pelos

termos que o complementam, como em “lavar a roupa” (lavar = limpar), “lavar o dinheiro”

(lavar = extraviar).

Essa abordagem greimasiana possibilita-nos tratar da relação entre

enunciados, percebendo as condições estruturais de funcionamento do discurso. Uma

mensagem, segundo Greimas, pode-se dizer semanticamente isotópica se estiver carregada

de estruturas morfológicas que confiram uma certa redundância ao discurso, seja através da

repetição de elementos, seja através da concordância gramatical. A unidade discursiva é

garantida através da repetição de certos elementos semânticos de enunciado em enunciado.

Nesse contexto, de acordo com DUCROT (1966), a pressuposição assume

um papel primordial, especialmente porque a repetição de idéias realizada no nível da

pressuposição jamais é vista como uma redundância ou anomalia na linguagem,

diferentemente do que acontece com a repetição de elementos no nível explícito da

linguagem. Em virtude desse fato, o diálogo, por exemplo, transcorre naturalmente a partir

do momento em que os interlocutores compartilham dos mesmos pressupostos, não sendo

necessária (e nem conveniente) a repetição explícita das informações. Observe-se a

naturalidade do pequeno diálogo expresso em (438), contrário ao diálogo de (439):

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(438) - Quem acabou de chegar foi Pedro.

- E João também.

(439) - Quem acabou de chegar foi Pedro.

- E João acabou de chegar.

Em (438), está contido no enunciado do segundo interlocutor, especialmente

pela ocorrência do “também”, a pressuposição de que “alguém acabou de chegar”, só sendo

necessário colocar a informação de que esse alguém é João, como uma informação no nível

do “posto”. Já no exemplo (439), ocorre uma redundância desnecessária (e em grande parte

rejeitada) em virtude de a informação “alguém acabou de chegar” aparecer repetida no nível

do explícito, pela fala do segundo interlocutor.

KOCH (1984) apresenta uma série de análises textuais nas quais inclui a

pressuposição como um recurso argumentativo presente no nível lingüístico fundamental e

como um recurso retórico ou estilístico de segundo nível, decorrente da aplicação de leis do

discurso ou de outros tipos de mecanismos que operam em diferentes níveis de significação.

Tomemos um exemplo de análise da autora, em que fica visível que redundância de idéias,

no nível da pressuposição, contribui para a organização textual e não é vista como

desnecessária:

(440)

Um Desenhista que rejeita o estilo

Sheila Leirner

Os desenhos contidos no livro que Millôr Fernandes lança hoje em São

Paulo talvez não sejam os melhores ou os mais significativos.

(...)

Entretanto, fica, felizmente, o registro de uma obra sem par neste país.

Millôr é único nessa marginalidade de escritor de quadros e pintor de escrituras,

desenhista do pensamento, cartunista do literário, crítico do grafismo e humorista da

tragédia. Alguém que está fora de qualquer categoria, livre para pensar, assim como

Steinberg, que “desenhar é uma maneira de ponderar sobre o papel”, e de ver as cenas

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do mundo também assim como o genial artista americano: “Com uma assinatura bem

embaixo, no canto direito”.

No livro, alguns desenhos ironizam as fórmulas de linguagem da História

da Arte (op, concretismo, abstracionismo, etc.), sem dúvida, tão falsas e auto-evidentes

quanto a figura de Papai Noel ou o ovo de Páscoa. Esta crítica faz sentido: afinal, além

de ser “um escritor sem estilo”, Millôr é também, para nossa alegria, um desenhista que

rejeita o estilo. Pertence ao rol daqueles que independem das máscaras que dão corpo

aos sentimentos, pois apresentam os próprios sentimentos, como eles são. (...)116

Como a própria autora aponta, existem alguns pressupostos que repetem a

informação veiculada já no título do texto: “Um Desenhista que rejeita o estilo”, ainda que

o façam com outras palavras. Estão contidos nas seguintes frases:

• “(...) livre para pensar, assim como Steinberg, que (...)”

pp. – Millôr pensa livremente, como Steinberg.

• “(...) além de ser “um escritor sem estilo”, Millôr é também (...)”

pp. – Millôr é um escritor sem estilo.

• “(...) Millôr é (...) um desenhista que rejeita o estilo.”

pp. – existe um desenhista que rejeita o estilo.

(pressuposto existencial que retoma o título)

A manutenção dos pressupostos dentro de um texto torna-se um fator

marcante também dentro do aspecto da coerência textual. A esse respeito, KOCH (1984)

afirma que

(...) a pressuposição exerce um papel específico em todo e qualquer discurso, sendo, no nível fundamental da língua, um dos fatores constitutivos do sentido dos enunciados, inscrito na própria significação das frases: dizer que F pressupõe X significa dizer que a maior parte de seus enunciados pressupõem X, engajando seu locutor com relação a X; embora não servindo para anunciar X, a manutenção dos pressupostos

116 Texto de O Estado de S. Paulo (1981), extraído de KOCH (1984:191).

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constitui um dos fatores de coerência do discurso.117

Em síntese: a repetição de unidades semânticas de um discurso no nível da

pressuposição não é vista como redundante; aliás, é essencial para a manutenção da coesão

e da coerência discursiva e é um dos aspectos que garante a isotopia do discurso, nos

termos de Greimas.

2. Roteiro de análise

Para este capítulo foram escolhidos dois textos de estilos bem diferentes:

“Elefantes”, da autoria de Luis Fernando Veríssimo, uma crônica escrita num tom bastante

humorístico e crítico, bem ao estilo do autor; e “A Reforma de Lutero”, um texto histórico

retirado de um volume de José Jobson de A. Arruda, até há pouco tempo bastante

difundido na didática do 2º e 3º graus.

A escolha de textos de estilos bem diferenciados deve-se à expectativa de se

apontarem também conclusões diferenciadas no nível do estudo pressuposicional que

reforcem a diferença de estilo – ou mesmo que não haja tais diferenças no nível

pressuposicional, o que também será uma observação válida para o nosso estudo. Além

disso, cada um dos textos foi escolhido levando-se em conta que apresentam um número

razoável de estruturas sintáticas e itens lexicais que introduzem pressuposição, o que facilita

o nosso estudo.

Depois de apresentado cada um dos textos, seguirá uma análise que, ainda

que seja voltada para as particularidades de cada texto, acompanhará os seguintes passos:

1º) considerações iniciais sobre a organização textual;

2º) levantamento de palavras e estruturas que introduzem pressupostos, algumas vezes no

contexto do problema da projeção;

3º) apresentação de considerações sobre a importância de alguns pressupostos para a

organização textual, relacionando o fenômeno com aspectos de coesão, coerência,

distribuição de informações “dadas” e “novas” etc.

3. Análise de textos

117 Cf. KOCH (1984:73).

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3.1. Primeiro texto: “Elefantes” 118

(1) É sabido que os velhos elefantes, quando sentem que a morte se

aproxima, afastam-se da manada para morrerem sozinhos. Os parentes não ficam

sabendo nem onde é o cemitério. Os velhos elefantes querem poupar seus semelhantes do

espetáculo, que deve ser impressionante, principalmente para os jovens, de um elefante

morrendo. Não querem sentimentalismo nem cerimônia. Morrer é uma coisa privada que

requer um certo pudor. E o elefante, que em vida pode ser chamado de tudo menos de

discreto – você jamais lerá no Zózimo, por exemplo, que um elefante fazia a feira sem ser

reconhecido -, escolhe morrer com imenso pudor. Só ele e a sua idéia exata dele mesmo e

do seu fim. Na hora de morrer, um elefante recolhe-se à sua significância.

(2) O importante é que é ele que reconhece a hora e sabe, por instinto e

tradição, o que fazer. Não há votação. Não há recurso. O elefante não ouve apelos da

manada para ficar e morrer em público. Nem decide que, já que é um elefante e maior do

que tudo, é eterno. Ele sabe que, assim como chega para a pulga, a morte chega para

ele. Afastar-se é até uma maneira de preservar a diferença entre ele e uma pulga. Pois

entre as pulgas talvez também haja a mesma tradição, mas quem é que fica sabendo?

Ambos são mortais, mas o elefante é mais solene. E a sua grandeza está em saber a hora.

(3) Há o caso, no entanto, de elefantes diferentes.

(4) São elefantões, desses que até os outros elefantes acham um pouco

demais. Vão do Oiapoque ao Chuí e ainda entram um pouquinho no Paraguai. E se

ainda fossem simpáticos... Mas são elefantes excessivos. O consolo dos outros era que

eles estavam ficando velhos e, cedo ou tarde, chegaria a sua hora. Um dia a manada

acordaria e descobriria que os velhos elefantes tinham pegado suas coisas e

desaparecido, para cumprirem seu destino de elefantes.

(5) Mas o tempo foi passando e nada de os elefantes se flagrarem. Iam,

obviamente, mal das pernas. Tinham perdido seu senso de direção. Davam todos os

sinais de que seu fim estava próximo. Mas eles mesmos pareciam não entender os sinais.

Os outros cochichavam entre si. Será que eles não desconfiam? Eram os elefantões que

mandavam na manada, e a manada não agüentava mais. Queria outros elefantes, com

outros métodos, outras idéias. Mas os velhos elefantes não se flagravam. Passavam a

ouvir indiretas:

118 In: VERÍSSIMO (1984).

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(6) - Como vai a saúde?

(7) - Você não parece bem...

(8) E até umas diretas:

(9) - Não está com vontade de dar um passeio, não?

(10) Alguns cantavam, para eles ouvirem: “Adeus, amor...”

(11) E os velhos elefantes, nada. Não era com eles.

(12) Um dia, finalmente, a manada viu os velhos elefantes se reunirem.

Parecia que tinha chegado a hora de irem embora com dignidade. Mas não. Soube-se

depois que tinham se reunido para formar um colégio eleitoral, e que o colégio eleitoral

decidira que todos eram imortais. Portanto, não precisavam ir embora. Continuariam na

manada e continuariam mandando.

(13) Os velhos elefantes são um estorvo. A manada quer ir para um lado e

eles mandam ir para o outro. Nada do que eles fazem dá certo. Alguns começam a

cheirar mal. Há o temor de que se desmanchem, na frente das crianças. A manada está

atônita. E tenta explicar por que estes velhos elefantes são diferentes.

(14) Eles têm tromba de elefante. Têm orelhas de elefante. Têm presas de

elefante. Têm rabo de elefante. Têm pés de elefante. Têm cor de elefante. Têm tudo que os

elefantes têm. Só não têm a autocrítica.

3.1.1. Considerações iniciais sobre a organização textual

Esse texto, predominantemente narrativo, encerra algumas partes bem

delimitadas, a saber:

- uma etapa inicial caracterizada por ausência de conflito e montagem do cenário onde se

vai desenvolver toda a trama, entendendo-se por “cenário” um ambiente muito mais

ideológico do que físico, no caso desse texto. Essa parte corresponde aos dois primeiros

parágrafos do texto;

- uma etapa de instauração do conflito em torno do qual vai girar toda a trama; no caso, o

aparecimento de elefantes que não seguem o ritual instintivo da espécie. Essa etapa

engloba o terceiro e quarto parágrafos;

- uma etapa de agudização do conflito, em que os elefantes “diferentes” insistem em viver

junto ao restante da manada, mesmo na hora da morte. Vai do quinto ao décimo

primeiro parágrafo;

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- uma etapa final, caracterizada como resolução da situação conflitiva, onde se manifesta

a decisão dos elefantes de se tornarem imortais e as conseqüências desastrosas de tal

decisão. Começa no décimo segundo parágrafo e vai até o final do texto, sendo que o

último parágrafo se apresenta como uma observação mais subjetiva e crítica, diferente

do tom narrativo que predomina na maior parte do texto.

Vejamos que relações são possíveis de serem estabelecidas entre esse modelo

de organização textual (que, aliás, é típico de textos narrativos em geral) e os pressupostos

aí existentes.

3.1.2. Palavras e estruturas que introduzem pressuposição

Nesta seção, não temos o objetivo de listar todas as palavras e estruturas

sintáticas do texto que introduzem algum tipo de pressuposição, e sim, destacar alguns

pressupostos mais importantes para a organização textual. Para facilitar a localização de tais

palavras e estruturas, vamos situá-las nos parágrafos, que já estão devidamente numerados,

agrupados nas partes componentes do texto.

• 1º e 2º parágrafos

Responsáveis pela montagem do cenário do texto, esses dois parágrafos

encerram alguns pressupostos básicos para toda a narrativa:

- logo no início do texto, deparamo-nos com um predicado factivo (“É sabido”) –

funcionando como um hole – seguido de uma série de orações subordinadas, formando

uma sentença complexa. Essas orações, no conjunto, acabam compondo o primeiro

grande pressuposto do texto: “os velhos elefantes, quando sentem que a morte se

aproxima, afastam-se da manada para morrerem sozinhos”. É interessante notar que o

conflito só se instaura no texto quando se faz uma asserção que vai de encontro a esse

pressuposto (3º parágrafo: “Há o caso, no entanto, de elefantes diferentes.” – a

diferença desses elefantes está justamente em não apresentar o comportamento descrito

nesse primeiro grande pressuposto do texto);

- na sentença “Os parentes não ficam sabendo nem onde é o cemitério”, surge um

pressuposto existencial, também mantido na sentença como um todo, de que “o

cemitério existe”. Essa informação se liga, formando um campo semântico específico, à

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nominalização contida no período anterior (“a morte” – que também introduz

pressuposição) e à forma verbal “morrerem”;

- logo no início do segundo parágrafo, encontra-se uma sentença em cuja estrutura há

uma clivagem do tipo que delimita um termo com ser e que. Há, aí, o pressuposto

“alguém reconhece a hora e sabe, por instinto e tradição, o que fazer”. O termo

evidenciado pela clivagem é “ele” (= o elefante, no sentido genérico) – ou seja, junto à

informação pressuposta, que corresponde a um “dado” no texto, acrescenta-se uma

informação “nova”, a de que é o próprio elefante que reconhece a hora de se afastar da

manada para morrer com dignidade. O conflito do texto se torna mais evidente quando

aparecem idéias que vão contra esse pressuposto: 5º parágrafo – “nada de os elefantes

se flagrarem”; “eles mesmos pareciam não entender os sinais”; “os velhos elefantes não

se flagravam”;

- outro predicado factivo importante surge nessa parte do texto: “Ele sabe que, assim

como chega para a pulga, a morte chega para ele”. A idéia de que a morte atinge todos

os seres é veiculada, aqui, como um pressuposto, inquestionável (“assim como chega

para a pulga, a morte chega para ele”). A novidade está no fato de que o elefante é

cônscio dessa situação;

- no 2º parágrafo, há dois pressupostos que se enquadram na categoria dos lexicais, o

primeiro introduzido por “até” e o segundo introduzido por “também”. Observem-se as

sentenças nas quais eles se encontram e o pressuposto por elas veiculado:

a) “Afastar-se é até uma maneira de preservar a diferença entre ele e uma pulga.”

pp. – Afastar-se é alguma coisa além de uma maneira de preservar a diferença entre ele

e uma pulga. (em outras palavras: existe alguma idéia relacionada ao elefante afastar-se

além da de que é uma maneira de preservar a diferença entre ele e uma pulga)

b) “Pois entre as pulgas talvez também haja a mesma tradição”

pp. – Há a mesma tradição entre alguém além das pulgas (em outras palavras: a

tradição de afastar-se para morrer existe entre outros seres, além das pulgas; no caso,

entre os elefantes, pois já foi explicada essa tradição em relação a esta espécie)

Nesse ponto, vê-se a importância da pressuposição na organização textual no sentido

de que, através dos pressupostos, somos capazes de recuperar informações já dadas

num texto sem cair na redundância, o que seria altamente prejudicial para a manutenção

da coesão textual. Ou seja, uma vez apresentada a tradição dos elefantes em afastar

para morrer, esse já é um fato conhecido para o leitor. A partir daí, quando retomado, é

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195

melhor que o seja no nível da pressuposição, como aconteceu na sentença analisada

acima.

Ainda existem outros pressupostos nesses dois parágrafos, mas de

importância menor do que os listados acima.

Existe uma relação entre a distribuição dos pressupostos no texto e a divisão

do mesmo, descrita no item 3.1.1 no seguinte sentido: como essa parte do texto tem como

objetivo a montagem de um cenário, a maior parte dos pressupostos aí existentes vai servir

de base para todo o desenrolar da trama. Aparecem, inclusive, algumas oposições a esses

pressupostos no nível do “posto”, conforme foi destacado em alguns trechos da análise

acima. Esse fato comprova a idéia já apresentada anteriormente a respeito da relativa

inquestionabilidade dos pressupostos: estes tendem a não ser questionados; caso o sejam, é

necessário que isso ocorra no nível da significação explícita.

• 3º e 4º parágrafos

Nessa parte, como já foi mencionado, instala-se o conflito da narrativa. Há

marcadores explícitos que apontam mudanças no rumo da narrativa, logo no 3º parágrafo: a

conjunção adversativa “no entanto” e a expressão nominal “elefantes diferentes”. Esses

marcadores preparam o leitor para o afronta aos pressupostos apresentados nos dois

primeiros parágrafos do texto.

Os pressupostos mais importantes dessa parte são:

- na sentença “até os outros elefantes acham um pouco demais”, há um pressuposto

lexical introduzido por “até”: “outros (animais) além dos (outros) elefantes acham (os

elefantões) um pouco demais”. Ou seja: existem outros seres, além dos elefantes

comuns que acham os elefantões muito “abusados”;

- na sentença “E se ainda fossem simpáticos”, há o pressuposto de que “(os elefantões)

não são simpáticos”, ligado ao condicional contrafactual expresso pelo verbo no

pretérito imperfeito do subjuntivo.

Esses pressupostos reforçam a caracterização dos “elefantes diferentes”

como portadores de traços bem negativos em relação aos outros companheiros da espécie.

• 5º ao 11º parágrafo

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Nessa parte do texto, os pressupostos principais surgem no 5º parágrafo,

aguçando o conflito já instaurado na parte anterior. Entre eles, temos:

- na sentença “Davam todos os sinais de que seu fim estava próximo”, com referência aos

elefantões, vemos como a organização sintática dos elementos como um todo influi na

interpretação semântica. Dependendo da configuração sintática da sentença, certos

predicados podem ter uma interpretação factiva ou não-factiva; é o caso de “davam

todos os sinais (de)”: seguido do “que”, é factivo, pressupondo-se que “seu fim estava

próximo” (seria um predicado não-factivo se fosse seguido de uma oração com verbo

no infinitivo: “Davam todos os sinais de seu fim estar próximo”). A importância desse

pressuposto é a retomada da idéia de decadência física dos elefantões, já explicitada

através das frases anteriores: “Iam (...) mal das pernas”, “Tinham perdido seu senso de

direção”. Nessa passagem do texto, bem como ao longo de todo ele, pode-se perceber a

relação existente entre pressuposição e isotopia, característica textual aventada por

Greimas, que corresponde à garantia de uma unidade semântica ao texto propiciada pela

repetição de certos elementos – sem cair, obviamente, na repetição enfadonha, que

comprometeria a coesão textual. A repetição de idéias no nível da pressuposição jamais

é vista como redundante;

- na sentença “Eram os elefantões que mandavam na manada”, ocorre uma clivagem,

pressupondo-se que “alguém mandava na manada”. Aí, o conflito é aguçado quando se

“põe” que esse alguém são os elefantões. É interessante notar que a essa frase se junta

outra numa relação lógica de adição – [(Eram os elefantões que mandavam na

manada,)A e (a manada não agüentava mais)B]S. O pressuposto de A mantém-se em toda

a sentença complexa, segundo a regra estabelecida por Karttunen (se A » C, então S »

C). Ainda em relação a essa sentença, poder-se-ia interpretá-la como encerrando uma

oração adjetiva restritiva “que mandavam na manada” no lugar da clivagem. Essa

interpretação, no entanto, é descartada com a ajuda do contexto: mais adiante no texto

(12º parágrafo), afirma-se que os elefantões “continuariam na manada e continuariam

mandando” – a oração sublinhada só fará sentido se o leitor tiver a informação prévia de

que “os elefantões mandavam na manada antes”; e essa informação é apresentada

justamente na oração “Eram os elefantões que mandavam na manada” – através da

clivagem, “põe”-se que “quem mandava na manada eram os elefantões”.

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• 12º ao 14º parágrafo

O 12º e o 13º parágrafos ilustram, mais uma vez, como os pressupostos são

capazes de retomar informações anteriores, próximas ou distantes, garantindo a isotopia e a

coesão textual. Vejamos através do quadro a seguir:

INFORMAÇÃO RETOMADA DA

INFORMAÇÃO

PRESSUPOSTO DA

RETOMADA

“a manada viu os velhos

elefantes se reunirem”

(12º parágrafo)

“Soube-se depois que tinham

se reunido para formar um

colégio eleitoral”

(12º parágrafo)

(Os elefantões) tinham-se

reunido

“Mas o tempo foi passando e

nada de os elefantes se

flagrarem” (= nada de

desconfiarem que eram um

estorvo para a manada)

(5º parágrafo)

“Continuariam na manada”

(12º parágrafo)

(Os elefantões) estavam na

manada antes

“Eram os elefantões que

mandavam na manada”

(5º parágrafo)

“Continuariam mandando”

(12º parágrafo)

(Os elefantões) mandavam

antes

“Há o caso, no entanto, de

elefantes diferentes”

(3º parágrafo)

“[A manada] tenta explicar

por que estes velhos elefantes

são diferentes”

(13º parágrafo)

Os velhos elefantes são

diferentes

Quanto ao 14º parágrafo, foi dito que apresenta uma estrutura bem

diferenciada em comparação com os dois anteriores, os quais são essencialmente narrativos.

Depois de citar tudo que os elefantões possuem igual aos outros elefantes (tromba, orelhas,

presas, rabo, pés, cor), resta apontar o que não possuem. E isso é feito de forma

pressuposta, retomando e resumindo tudo que já foi apontado de negativo sobre eles no

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decorrer do texto: “(Os elefantões) não têm a autocrítica”, pressuposto detectável pela

presença do item lexical “só” na sentença “Só não têm a autocrítica”.

3.1.3. Algumas disposições finais sobre a análise

Desde o início do texto, as descrições, mesmo no nível pressuposicional,

relativas aos elefantes em geral tendem a salientar aspectos positivos, fazendo referência à

sua consciência, seu pudor, seu bom comportamento. Já quando as descrições se voltam

para os elefantões, muda-se o caráter dos pressupostos, destacando sempre algum aspecto

negativo. Observe-se o levantamento desses pressupostos, relativamente a cada um dos

grupos de elefantes apontados no texto:

PRESSUPOSTOS RELATIVOS AOS

“ELEFANTES”

PRESSUPOSTOS RELATIVOS AOS

“ELEFANTÕES”

• “os velhos elefantes, quando sentem que

a morte se aproxima, afastam-se da

manada para morrerem sozinhos”

• “outros animais, além dos elefantes,

acham os elefantões um pouco demais”

(destaca-se o visível exagero de uma

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(destaca-se a consciência dos elefantes

em geral)

• “o cemitério fica em algum lugar” /

“existe um cemitério” (destaca-se o senso

de organização da classe)

• “alguém reconhece a hora e sabe, por

instinto e tradição, o que fazer” (destaca-

se o bom senso, a autocrítica)

• “existe alguma idéia relacionada a (o

elefante) afastar-se além da de que é uma

maneira de preservar a diferença entre ele

e uma pulga.” (destaca-se a preocupação

de distinguir a classe através de uma

atitude positiva)

característica negativa dos elefantões)

• “(os elefantões) não são simpáticos”

(destaca-se uma característica física e

comportamental negativa)

• “seu fim estava próximo” (destaca-se a

perda de vitalidade)

• “estes velhos elefantes são diferentes”

(destaca-se a incompatibilidade de gênio

em relação ao grupo como um todo)

• “eles não têm a autocrítica” (destaca-se a

ausência de bom senso)

Essa diferença de caracterização entre os “elefantes” em geral e os velhos

“elefantões” é o ponto básico para o desenvolvimento da narrativa. O conflito narrativo

resume-se nessa contradição, que é mostrada desde o nível implícito da linguagem do texto.

Inclusive, alguns desses pressupostos são contraditórios, como os que fazem referência à

presença de autocrítica nos “elefantes” e à ausência dela nos “elefantões”.

Se esses pressupostos precisassem aplicar-se aos mesmos objetos, a

coerência do texto seria fortemente afetada. Mas os objetos a que se aplicam diferentes

pressupostos também são diferentes; os pressupostos contribuem para a construção de

referentes textuais diferentes (no caso, contrapostos): os “elefantes” X os “elefantões”.

Também a oposição de aspecto verbal (habitual X não-habitual) auxilia na

criação de referentes distintos: enquanto o aspecto habitual, predominante no início do

texto, refere-se genericamente a “elefantes”, o não-habitual faz referência aos “elefantões”,

distintos do restante dos membros da espécie.

3.2. Segundo texto: “A Reforma de Lutero”119

119 In: ARRUDA (1983).

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(1) (a) Monge alemão, professor de Teologia, Lutero aproveitou os abusos

praticados nas vendas de indulgências para denunciar publicamente as irregularidades

que o clero vinha cometendo. (b) Lutero afixou 95 teses que condenavam os abusos do

clero na porta da Catedral de Wittenberg (cidade onde morava), mas só mais tarde é que

percebeu o alcance de suas acusações: elas atingiam dogmas da Igreja, pois declaravam

que a salvação depende só da fé e não das obras – as boas ou más ações dos fiéis. (c) O

papa a princípio não deu muita importância ao caso, mas três anos depois (1520), como

Lutero se negasse a retratar o que tinha afirmado, excomungou-o. (d) Condenado

também pelos partidários do Imperador Carlos V, na Dieta de Worms, Lutero refugiou-

se no castelo de Wartburg, onde escreveu panfletos e traduziu a Bíblia para o alemão.

(e) Muitos príncipes alemães o apoiaram porque desejavam libertar-se em seus domínios

da influência da papa e do imperador, que era católico. (f) Tal apoio foi decisivo na

vitória do luteranismo.

(2) (g) Esses príncipes tomaram as terras pertencentes à Igreja Católica,

que passaram a ser consideradas propriedades do Estado. (h) A pequena nobreza alemã

aproveitou a oportunidade para tentar a unificação da Alemanha, sob a liderança de

Von Hutten e Von Sickingen. (i) Os camponeses também aproveitaram a ocasião, mas

para se revoltarem, em 1524. (j) O líder deles, Thomas Müntzer, foi capturado no ano

seguinte, porém a revolta continuou, com algumas interrupções, até 1536. (l) Lutero, que

era sustentado pelos príncipes, condenou os revoltosos.

(3) (m) Em 1529 reuniu-se a segunda Dieta de Spira (a primeira realizara-

se em 1526), na qual tentou-se impor o catolicismo aos príncipes luteranos. (n) Como

estes se rebelassem, passaram a ser chamados “protestantes”. (o) Em seguida,

organizaram a liga militar de Smalkalde contra o imperador e seus partidários católicos.

(p) Em 1555, a questão foi finalmente resolvida pela Dieta de Augsburgo: cada príncipe

decidiria que religião adotar em suas terras.

(4) (q) Na Confissão de Augsburgo, exposta por Melanchton – que fora

monge junto com Lutero – em 1530, encontram-se os fundamentos do luteranismo: a

salvação não se alcança pelas obras mas sim pela fé, pela confiança na bondade de

Deus, pelo sofrimento interior. (r) O culto religioso, muito simples – somente salmos e

leitura da Bíblia -, é considerado contato direto entre Deus e o fiel, sendo dispensável o

clero como “intermediário”. (s) Lutero conservou apenas dois dos sete sacramentos da

religião católica: batismo e eucaristia ou comunhão. (t) Mesmo assim, na eucaristia

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acreditava apenas na presença de Jesus no pão e no vinho, e não na transformação do

pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo, como os católicos acreditam.

3.2.1. Considerações iniciais sobre a organização textual

Esse texto é bastante técnico, no sentido de que é construído tendo-se em

vista a objetividade das informações bem como um arranjo seqüenciado de dados históricos.

Não há como distinguir nele propriamente um início, meio e fim; o que há é

uma apresentação inicial de uma figura histórica (Martinho Lutero), que serve como ponto

de partida para uma exposição de vários fatos históricos que mantêm alguma relação com

esse monge alemão. Tampouco existe um desfecho nesse texto; poder-se-ia continuá-lo

acrescentando outras informações ligadas diretamente a Lutero ou a algum dos fatos ou

personagens citados no texto.

Por detrás desse “tecnicismo” textual, no entanto, existe um “jogo” de

apresentação de informações postas e pressupostas que, de certa forma, caracteriza a

subjetividade na linguagem. Isso nos leva a uma idéia importante em relação aos

pressupostos no contexto da organização textual: embora possam ser calculados com

clareza no componente lingüístico, são objeto de possíveis operações no componente

retórico.

Vejamos como se processa o fenômeno pressuposicional nesse texto, cuja

estrutura é básica dos textos históricos em geral.

3.2.2. Palavras e estruturas que introduzem pressuposição

Por se tratar de um texto constituído por parágrafos relativamente grandes,

contendo um grande número de informações, resolvemos, além de numerar os parágrafos,

marcar os períodos gramaticais pela seqüência de letras minúsculas colocadas entre

parênteses no início de cada período, situando melhor as nossas referências.

Vejamos o que há de importante em cada um dos parágrafos:

• 1º parágrafo

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Nesse parágrafo, existe uma série de pressupostos que, no conjunto, formam

uma seqüência histórica como que confirmada pelo autor nesse texto. Aqui, um bom

número dos pressupostos não tem a função de efetuar uma retomada de alguma informação

apresentada antes; eles veiculam, inclusive, informações “novas”.

Vejamos o quadro dos pressupostos mais importantes do 1º parágrafo para

depois fazermos algumas observações mais detalhadas:

PERÍODO DO TEXTO ORIGINAL

SENTENÇA PRESSUPOSTOS ELEMENTO INTRODUTOR DO

PRESSUPOSTO Havia abusos Nominalização (a) “Lutero aproveitou os

abusos praticados nas vendas de indulgências para denunciar publicamente as irregularidades que o clero vinha cometendo”

Vendiam-se indulgências Nominalização

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vinha cometendo” O clero vinha cometendo irregularidades

Nominalização

Havia acusações Nominalização As acusações tinham alcance

Nominalização (b) “só mais tarde é que

percebeu o alcance de suas acusações”

(Lutero) percebeu o alcance de suas acusações em algum tempo

Clivagem

(b) “a salvação depende só da fé”

A salvação depende da fé Item lexical “só”

(c) “O papa (...), como Lutero se negasse a retratar o que tinha afirmado, excomungou-o”

Lutero se negou a retratar o que tinha afirmado

Oração subordinada que se mantém como verdadeira no contexto da sentença complexa

(d) “Condenado também pelos partidários do Imperador Carlos V”

Lutero era condenado por alguém além dos partidários do Imperador Carlos V

Item lexical “também”

O papa e o imperador tinham influência sobre muitos príncipes alemães

Nominalização (e) “Muitos príncipes alemães (...) desejavam-se libertar-se (...) da influência do papa e do imperador, que era católico” O imperador era católico Oração adjetiva que se

mantém como verdadeira no contexto da sentença complexa

(f) “Tal apoio foi decisivo na vitória do luteranismo”

Houve apoio (dos príncipes alemães)

Nominalização

Como foi adiantado mais acima, boa parte dos pressupostos é apresentada no

texto sem qualquer referência a alguma idéia pré-existente. É o caso, por exemplo, de todos

os pressupostos apresentados no quadro acima relativos aos períodos (a), (c) e (e). Essa é

uma estratégia típica de textos histórico-didáticos: a exposição de idéias no nível do

pressuposto como que imputa ao leitor uma certa inquestionabilidade dos fatos

apresentados, ainda que eles se constituam como novos para o leitor.

Quanto aos pressupostos que efetuam retomada de idéias, ou o fazem de

forma direta no texto ou retomam elaborando de alguma maneira tais idéias. O pressuposto

de que “havia acusações”, por exemplo, presente no período (b), é uma retomada elaborada

do conteúdo da sentença “Lutero afixou 95 teses que condenavam os abusos do clero”,

resumindo-o. Já o pressuposto “Houve apoio (dos príncipes alemães)”, presente em (f),

retoma diretamente a idéia expressa em “Muitos príncipes alemães o apoiaram”.

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• 2º parágrafo

Nesse parágrafo, surge um pressuposto que, a exemplo de alguns do

parágrafo anterior, carrega informação nova no contexto: a sentença (g) “Esses príncipes

tomaram as terras pertencentes à Igreja Católica, que passaram a ser consideradas

propriedades do Estado” pressupõe que “as terras pertencentes à Igreja Católica não eram

consideradas propriedades do Estado antes”.

Por estarmos num trecho bastante adiantado do texto, há certos pressupostos

que retomam informações anteriores dentro do próprio parágrafo ou mesmo do 1º

parágrafo. O quadro abaixo explicita essas retomadas:

TRECHO RETOMADO SENTENÇA QUE RETOMA

UMA IDÉIA

PRESSUPOSTO DA

SENTENÇA

(h) “A pequena nobreza alemã

aproveitou a oportunidade”

(i) “Os camponeses também

aproveitaram a ocasião”

Alguém, além dos

camponeses, aproveitou a

ocasião

(i) “Os camponeses também

aproveitaram a ocasião, mas

para se revoltarem, em 1524”

(j) “a revolta continuou, com

algumas interrupções, até

1536”

Havia revolta antes de 1536

(e) “Muitos príncipes alemães

o apoiaram”

(l) “Lutero, que era

sustentado pelos príncipes,

condenou os revoltosos”

Lutero era sustentado pelos

príncipes

Há algumas observações importantes em relação a essas retomadas:

a) apesar de a sentença (l) retomar a idéia a respeito do apoio dos príncipes alemães a

Lutero, ela amplia essa noção: mais que “apoiado” em sua revolta, Lutero agora é

apresentado como “sustentado” pelos príncipes. É uma retomada de idéia com um

acréscimo de informação;

b) acontece um fenômeno semelhante a uma recursividade envolvendo informações postas

e pressupostas em (h), (i) e (j): (i), enquanto retoma um “posto” de (h), “põe” uma

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informação que é pressuposta por (j). Esquematicamente, temos (a seta indica a direção

da retomada de informação):

SENTENÇA (H) SENTENÇA (I) SENTENÇA (J)

“A pequena nobreza

alemã aproveitou a

oportunidade para tentar

a unificação da

Alemanha, sob a

liderança de Von Hutten

e Von Sickingen.”

“Os camponeses também

aproveitaram a ocasião,

mas para se revoltarem,

em 1524.”

“O líder deles, Thomas

Müntzer, foi capturado

no ano seguinte, porém a

revolta continuou, com

algumas interrupções, até

1536.”

P. – A pequena nobreza

alemã aproveitou a

oportunidade

P. – Os camponeses se

revoltaram

PP. – Alguém, além dos

camponeses, aproveitou

a ocasião

PP. – Havia revolta antes

de 1536

• 3º parágrafo

O 3º parágrafo apresenta menos aspectos ligados à pressuposição se

comparado aos outros parágrafos do texto. Ainda assim, veicula alguns pressupostos

importantes para a seqüência do texto; por exemplo, o da sentença abaixo:

(n) “Como estes se rebelassem, passaram a ser chamados “protestantes””

PRESSUPOSTO ELEMENTO INTRODUTOR DE

PRESSUPOSIÇÃO

Estes (os príncipes luteranos) se rebelaram. Oração subordinada que se mantém como

verdadeira no contexto da sentença complexa

(Os príncipes luteranos) não eram chamados Auxiliar de aspecto verbal

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“protestantes” antes

• 4º parágrafo

Há duas observações mais importantes a respeito desse parágrafo:

- no período (q), em que são apresentados os fundamentos da doutrina luterana, acontece

um fenômeno interessante: a idéia de que “a salvação depende da fé” (pressuposta no

primeiro parágrafo do texto, em (b)) é repetida no nível do posto (“a salvação não se

alcança pelas obras mas sim pela fé”). Contudo, essa retomada não é vista como

“enfadonha” na organização desse texto – a razão disso é o fato de a idéia ter sido

apresentada pela primeira vez muito distante dessa retomada no último parágrafo;

- existem três pressupostos de mesma natureza nesse parágrafo, todos decorrentes da

presença de itens lexicais (“somente” e “apenas”). São eles:

SENTENÇA PRESSUPOSTO

(r) “O culto religioso, muito simples –

somente salmos e leitura da Bíblia -, é

considerado contato direto entre Deus e o

fiel”

Existem salmos e leitura da Bíblia (no culto

religioso luterano)

(s) “Lutero conservou apenas dois dos sete

sacramentos da religião católica: batismo e

eucaristia ou comunhão”

Lutero conservou dois dos sete sacramentos

da religião católica: batismo e eucaristia ou

comunhão

(t) “na eucaristia acreditava apenas na

presença de Jesus no pão e no vinho”

Na eucaristia, (Lutero) acreditava na presença

de Jesus no pão e no vinho.

3.2.3. Algumas disposições finais sobre a análise

Embora nos tenhamos proposto a fazer uma análise “pressuposicional” desse

texto, não podemos perder de vista que a pressuposição existe em contraposição aos

postos. É por essa razão que, em várias partes da nossa análise, fizemos referência a esta

categoria.

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Em relação a essa antinomia, vale lembrar a lei de encadeamento, descrita no

primeiro capítulo da dissertação. Apesar de suas muitas restrições, é interessante retomar

uma passagem desse texto como exemplificação de aplicação da lei. Além disso, ela nos

força a um raciocínio mais textual propriamente, levando-nos à conclusão de que somos

capazes de ter uma visão mais completa de pressuposição se ultrapassamos o nível das

sentenças isoladas.

O trecho que queremos retomar está no 3º parágrafo, período (n): “Como

estes se rebelassem, passaram a ser chamados “protestantes””. Numa ordem mais direta,

podemos reescrever esse trecho da seguinte forma:

([Os príncipes luteranos] passaram a ser chamados “protestantes”)A porque (se rebelavam)B

Junto do pressuposto de A, já citado na nossa análise (“Os príncipes luteranos não eram

chamados “protestantes” antes”), existe o posto “Os príncipes luteranos são chamados de

protestantes agora”. Pois bem, a relação de causalidade expressa pela conjunção (tanto

“porque” quanto “como”, na frase original) refere-se ao “posto” de A, não ao pressuposto:

é por se rebelarem que os príncipes luteranos são chamados de protestantes agora, e não: é

por se rebelarem que os príncipes luteranos não eram chamados de protestantes antes.

A razão de incluirmos essa rápida análise nesta seção que se destina a uma

certa conclusão de análise é simplesmente para reforçar a idéia de que, afora todo o

tecnicismo de que se revestiu a maior parte desta dissertação – já que a pressuposição é um

elemento “calculável” dentro da língua –, não podemos nos esquecer de que essa categoria

se insere na organização textual de uma forma muito relevante, contribuindo para as

retomadas textuais, a isotopia, a coesão e coerência textuais, os encadeamentos de

informações e outros mais, como foi mostrado nesse texto histórico.

4. Conclusão

Propusemo-nos, neste capítulo, analisar dois tipos de textos bem diferentes

quanto à sua estrutura e conteúdo, a fim de detectar possíveis diferenças quanto à utilização

dos pressupostos num e noutro texto.

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Quanto às propriedades gerais dos pressupostos, ligadas ao seu papel na

organização textual, não há muito que distinguir: eles contribuem para o mecanismo de

referência textual, para a manutenção da isotopia do texto etc. Há, por outro lado, algumas

características diferenciadoras, que convém apresentarmos com mais detalhes.

No primeiro texto, “Elefantes”, um texto predominantemente narrativo, os

pressupostos apresentados na primeira parte servem de pano de fundo para o desenrolar de

toda a trama. É em função deles que gira todo o texto, ainda que em algumas partes se fuja

do estilo narrativo. Isso não quer dizer que o texto inteiro confirma tais pressupostos: eles

até são contraditos, mas no nível explícito da língua e com intenções declaradas de instaurar

um conflito narrativo. Muitas vezes, o que é pressuposto é alguma informação já “dada” no

texto.

Por sua vez, o segundo texto, “A reforma de Lutero”, de caráter

eminentemente histórico-didático, diferencia-se quanto à função dos pressupostos

principalmente no primeiro parágrafo: eles carregam, bastantes vezes, informações “novas”.

Nessa parte, e mesmo ao longo do texto, quando retomam informações “dadas”, muitas

vezes estas são reelaboradas, ampliando, ou até resumindo, a idéia colocada em primeira

mão.

Não é nossa proposta, aqui, desenvolver uma análise de cunho ideológico,

psicológico etc. nesses textos. Mas temos certeza de que uma abordagem textual levando-se

em conta fatores pressuposicionais fornece elementos muito ricos a serem utilizados em

quaisquer daqueles tipos de análise.

CONCLUSÃO

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Neste trabalho, foram explicitados e discutidos os aspectos básicos da

pressuposição lingüística, confirmando nossa hipótese inicial de que se trata de um elemento

integrante do sentido implícito fundamentado no nível do enunciado. Estabelecemos a

relação desse elemento com vários fenômenos da linguagem, mostrando não se tratar de um

aspecto isolado; pelo contrário, o estudo da pressuposição perpassa vários níveis

lingüísticos, desde os mais elementares (léxico e morfologia) até os mais complexos e

intrincados (sintaxe e pragmática).

Pudemos conferir aos pressupostos um status mais bem definido:

acreditamos serem eles elementos “textuais” por excelência, e não “contextuais”, como

querem os pragmaticistas. Tomando-se essa idéia como linha de ação, somos capazes de

descrever nosso objeto de estudo de forma bastante coerente, sem incorrermos em

confusões de análise com outros elementos da língua – afinal, nosso estudo pretendeu-se

uma alternativa viável para contornar tais confusões ainda existentes mesmo depois de um

século de reconhecimento oficial da pressuposição nos estudos da linguagem.

Assim, encontramos nas teorias da semântica lingüística pontos de apoio

bastante sólidos para fundamentar nossas conclusões acerca do objeto focalizado. É nesse

campo que, após várias décadas de discussão sob a luz da Lógica, a pressuposição teve,

especialmente ao longo da década de ‘70, uma atenção particular. É por essa razão que boa

parte da bibliografia utilizada nesta dissertação data daquela época – existe uma vasta

bibliografia posterior à que utilizamos, e o presente estudo permite que nos situemos diante

de descobertas mais recentes.

Apesar de toda essa extensa bibliografia, muitas lacunas permaneceram

vazias desde a década de ‘70, especialmente em relação à distinção dos pressupostos

tratados pela Lógica e dos tratados pela Lingüística, o que nos levou a estabelecer os limites

e nomenclaturas adotados neste trabalho: continuamos chamando de “existenciais” os

pressupostos relativos à existência de um ser que preenche as condições de referência de

uma palavra ou expressão, bem ao gosto da Lógica, e chamamos de “adscritivos” àqueles

que se somam aos primeiros, conferindo ao ser em questão algum atributo que ultrapassa a

simples informação de sua existência. Além disso, entre os adscritivos, estabelecemos uma

diferença entre aqueles cujos atributos surgem no nível do léxico e os que se ligam à

organização sintática da sentença – noção até então também muito confundida nos estudos

da linguagem.

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Nesse sentido, o trabalho que agora se encerra não se limitou a uma simples

exposição das teorias já descobertas; houve a preocupação, também, de fazer algumas

contribuições teóricas próprias, principalmente em dois aspectos: na nomenclatura dos

diferentes tipos de pressupostos existentes na língua e no inventário das palavras e

estruturas da língua portuguesa que os introduzem. Espera-se, com isso, ter podido

colaborar, dentro dos estudos lingüísticos do português, com uma boa e coerente descrição

sobre o fenômeno pressuposicional.

Entre tudo que foi abordado nesta dissertação, um assunto ganhou relevo,

chamando-nos a atenção para posteriores aprofundamentos: o problema da projeção. Trata-

se de um tema de fundamental importância, cujo desenvolvimento é capaz de levar a

conclusões muito importantes relativas ao real funcionamento dos pressupostos em

contextos mais complexos. Um estudo nesse nível enriquece ainda mais o conhecimento da

estrutura do sentido implícito na linguagem. Fica, aqui, um convite à inquirição desse tema,

na certeza de que as idéias apresentadas nesta dissertação podem nortear boa parte de uma

pesquisa com esse teor.

Mesmo em relação ao inventário de palavras e estruturas da língua

portuguesa que introduzem pressuposição, apresentado no quinto capítulo e que se

constitui a tônica deste trabalho, não o encaramos jamais como definitivo. Ele pode ser

tomado como o ponto de partida de uma organização mais sistemática dos propósitos

apresentados para esta dissertação; e, como tal, é sujeito a acréscimos, variações e

detalhamentos. Aliás, como toda forma de conhecimento, esse arrolamento nunca será

definitivo, especialmente porque lida com a linguagem natural, extremamente mutável por

natureza.

Segue, assim, um segundo convite ao leitor: fazer uma apreciação crítica

deste estudo no intuito de promover, cada vez mais, o engrandecimento da ciência da

linguagem. Afinal, entendendo-se um pouco mais a linguagem, estaremos entendendo um

pouco mais da essência do Homem.

SUMMARY

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This essay aims to provide theoretical contributions to linguistic semantics regarding a phenomenon which is being questioned since the end of the nineteenth century in the field of Logic and especially along the years 60’s and 70’s in the field of Linguistics: the “presupposition”. The development of this theme requires, at first, a definition of a status to the presupposition: sometimes seen as an eminently pragmatic element and sometimes treated as a semantic element, is is intented on differentiate approaches in the studies of the language, not being unusual the confusion in treatment with other living linguistic facts. Due to this situation, it will be presented a quite detailed description of the characteristics of this essential integrant element of the implicit meaning, cathegory that the language offers as a way through which one is able to state something without assuming the responsibility of having stated it. Thus, firstly, we will see into the subject of Logic, by retrieving famous texts as the studies of Frege, Russell, and Strawson. Furthermore, we will develop the topic in the field of Linguistics, pointing out several ways and usages related to our theme, even if we have, a posteriori, to reject some of the theories which were presented to justify a better established choice of our work. After all this description and have explained our proposal to the approach of presupposition, we will make an inventory of words and structures of the Portuguese language which are responsible to introduce presuppositions, a completely possible work taking into consideration the fact that this cathegory has its roots based on the level of sentence. The importance of this inventory is straightly related to the importance to know better the structure of the Portuguese language, especially at the level of the implicit meaning. Despite being predictable, the presuppositions are also subject to variations resulting from the syntactic structure of the sentences in which they can be found. Deriving from what it was previously mentioned, it will be presented the basic fundaments of the “projection problem”, which consists in a descriptive study of the presupposition in the context of complex sentences, especially having as a base the rules postulated by Lauri Karttunen. Further on, it will be shown how the presupposition is linked to larger phenomenons of the textual organization, contributing directly to the aspects of cohesion and coherence. To sum up, this is our proposal. Through this work, we would like to clarify a little bit more this linguistic phenomenon, helping the semantic studies of the Portuguese language and pointing out possible ways to deepen the knowledge on this subject.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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