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A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A INOBSERVÂNCIA DOS DIREITOS
HUMANOS NO BRASIL
Ana Maria do Rosario Assis*
RESUMO A origem, a essência dos Direitos Humanos está vinculada à pluralidade do ser humano, porém, os doutrinadores não apresentam um conceito único para definir os Direitos Humanos diante de sua amplitude. Podem ser resumidos, como os atos e atitudes que possibilitam a todas as pessoas como indivíduos que são, uma vida digna, assegurando-lhes respeito e proteção física, moral e psicológica. Os Direitos Humanos precedem ao Estado e aos direitos dos Estados e diante de sua complexidade não podem ser explicados isoladamente. Sobre o seguro social, este surgiu com a Revolução Industrial e visava oferecer aos trabalhadores, meios de ampará-los nos infortúnios oriundos da idade avançada, doença, invalidez e morte, traduzida em dignidade, verdadeiro núcleo de todos os demais direitos fundamentais do cidadão. No Brasil, a previdência social teve seu embrião no Decreto nº 4682, de 24 de janeiro de 1923, conhecida por Lei Eloy Chaves. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1934 foi a primeira a incluir a expressão previdência em seu texto, no artigo 121. No âmbito internacional, a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, tratou da seguridade social em seu artigo 25, inciso I, traçando uma norma programática a ser observada por todos os Estados. A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 estabeleceu deveres a todos os Estados-Partes, concernentes ao respeito aos direitos previdenciários dos trabalhadores Ao ser promulgada a Carta Magna Brasileira em 1988, a seguridade social teve sede nos artigos 194 a 204, dividida em saúde, previdência e assistência social. A previdência social elaborada pelo poder constituinte originário estabelecia a cobertura aos inscritos no regime geral de previdência social mediante contribuição. A partir das reformas, a previdência social ficou organizada de modo a observar os critérios que preservem o seu equilíbrio financeiro e atuarial. Tais critérios levaram às perdas dos direitos constitucionalmente protegidos, num verdadeiro retrocesso, desrespeitando conquistas dos trabalhadores e descumprindo os princípios insculpidos na Constituição Cidadã e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS HUMANOS, PREVIDÊNCIA SOCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESUMEN El origen, la esencia de los Derechos Humanos está vinculada a la pluralidad del ser humano, sin embargo, los doctrinadores no presentan un concepto único para definir los Derechos Humanos delante de su amplitud. Pueden ser resumidos, como actos y actitudes que posibilitan a todas las personas como individuos, una vida digna, * Mestranda em Direito Previdenciário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.
asegurándoles respeto y protección física, moral y psicológica. Los Derechos Humanos preceden al Estado y a los [sobre los] derechos de los Estados y delante de su complejidad no pueden ser explicados separadamente. Acerca del seguro social, éste surgió con la Revolución Industrial y visaba ofrecer a los trabajadores, los medios para amparadlos en los infortunios de la edad avanzada, enfermedad, incapacidad y muerte, traducida en dignidad, verdadero núcleo de todos los demás derechos fundamentales del ciudadano. En Brasil, la “previdência social” [seguridad social] tuvo su embrión (principio; origen; comienzo) en la Resolución número 4.682, del 24 de de enero de 1923, conocida por la ley Eloy Chaves. La Constituición de la República Federativa del Brasil de 1934 fue la primera en incluir la expresión “previdência” en su texto, en el artículo 121. En el ámbito internacional, la Declaración Universal de los Derechos Humanos, del 10 de diciembre de 1948, trató de la seguridad social en su artículo 25, inciso I, trazando una norma programática a ser observada por todos los Estados. La Convención Americana de los Derechos Humanos de1969, estabeleció deberes para todos los Estados-Partes, concernientes en respecto a los derechos “previdenciarios” (de seguridad) de los trabajadores. Promulgada la Carta Magna Brasileña en 1988, la seguridad social tuvo base en los artículos 194 a 204, dividida en salud, seguridad y asistencia (amparo) social. La seguridad social elaborada por el poder constituyente originario, estabelecida la cobertura a los inscriptos en el régimen general de seguridad social mediante contribución (cuota). A partir de las reformas, la seguridad social se quedó organizada de modo que a observar los criterios que preserven su equilibrio financiero y actuarial. Tales criterios llevaron a las perdidas de los derechos constitucionalmente protegidos, en un verdadero retroceso, desobedeciendo conquistas de los trabajadores y la falta de cumplimiento de los principios insculpidos en la Constitución Ciudadana y en los Tratados Internacionales de los Derechos Humanos. PALABRAS-CLAVE: DERECHOS HUMANOS, SEGURIDAD SOCIAL, DIGNIDAD DEL SER HUMANO.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Emenda Constitucional Nº. 20 e o Retrocesso no Direito
Previdenciário; 3. A Inobservância dos Tratados Internacionais e a Previdência Social
no Brasil; 4. Conclusão; 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A seguridade social é um sistema integrado de ações do governo e da
sociedade tripartida em Saúde, Previdência e Assistência Social. Estabelecida pelos
artigos 194 a 204 da Constituição da República e regulamentada pela Lei n° 8.080, de
19 de setembro de 1990, que versa sobre a Saúde; pela Lei n° 8.212 e Lei n° 8.213,
2
ambas publicadas em 21 de julho de 1991, dispondo sobre o Plano de Custeio e os
Planos de Benefícios da Previdência Social, respectivamente. A Organização da
Assistência Social foi disposta na Lei n° 8.742, de 07 de dezembro de 1993.
Dada a extensão da matéria, este artigo abordará apenas o Plano de
Benefícios da Previdência Social, regulado pela Lei n° 8.213/91, que no interregno de
julho de 1991 a julho de 2006 sofreu alteração de cento e cinqüenta e um instrumentos
normativos.
Com esta profusão legislativa relacionada ao direito constitucional aos
benefícios previdenciários, cumpre asseverar que os direitos sociais restaram maculados
e a Previdência Social transformou-se paulatinamente num mar revolto que traz medo e
insegurança a quem dela necessita.
2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 20 E O RETROCESSO NO DIREITO
PREVIDENCIÁRIO
Registra-se um enorme retrocesso no campo dos direitos sociais quando o
legislador ordinário, na esteira reformista visando atingir o superavit adotou as
seguintes modificações na área previdenciária, o que dificultou sobremaneira o gozo e
fruição dos benefícios previdenciários. Dentre os retrocessos, podem ser citados:
a) O aumento da carência de sessenta para cento e oitenta contribuições para
o gozo das aposentadorias;
b) A introdução da tabela de expectativa de vida no cálculo das
aposentadorias por tempo de contribuição, reduzindo o valor da Renda
Mensal Inicial dos aposentados;
c) A exigência da apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário
para comprovação do exercício de atividade com exposição a agentes
agressivos, penosos ou insalubres, o que passou a representar um calvário
para o trabalhador; pois é um documento complexo nem todos os
empregadores cumprem as exigências legais;
d) A extinção o abono de permanência em serviço e o pecúlio do rol dos
benefícios previdenciários e
3
e) Sob o manto da Emenda Constitucional n° 20, de 15 de dezembro de
1998, o auxílio-reclusão ficou restrito às pessoas carentes.
A alteração do artigo 201 da Rainha das Leis, limitando o auxílio-reclusão
às pessoas carentes, fere de morte o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois o
trabalhador cujo salário-de-contribuição seja superior a R$ 676,27 (seiscentos e setenta
e seis reais e vinte e sete centavos), não poderá amparar os seus dependentes quando for
recluso.
A título de exemplo, imagine-se que um trabalhador, após muito esforço,
consiga atingir um salário de R$ 2.894,28 (teto máximo de contribuição, conforme
Portaria MPS Nº 142, de 11 de Abril de 2007). Ao ser recluso, seus dependentes
elencados no artigo16 da Lei nº. 8213/91 não receberão nenhuma proteção da
Previdência Social, embora este trabalhador tenha recolhido compulsoriamente sobre
todas as atividades laborativas, independentemente da quantidade de contratos e de
atividades exercidas.
Ao adotar tal medida draconiana, no mínimo foi ignorado o princípio
insculpido no artigo 5º, inciso XLV da Constituição Cidadã de que a pena não passará
da pessoa do condenado.
Deve-se salientar ainda que o artigo 193 da Carta Política informa que a
“Ordem Social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a
justiça social”.
Na expressão de Alexandre de Moraes, os direitos sociais:
...são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como
verdadeiras liberdades positivas de observância obrigatória em
um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de
condições de vida aos hipossuficientes, versando a
concretização da igualdade social, e são consagrados como
fundamentos do Estado Democrático, pelo artigo 1º, IV, da
Constituição Federal.1
Debruçando sobre esta modalidade de direitos pertinentes ao trabalhador,
Canotilho e Vital Moreira salientam:
...a individualização de uma categoria de direitos e garantias
1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo:Atlas,2005.p.177.
4
dos trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político,
reveste um particular significado constitucional, do ponto em
que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos
direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do
cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o
trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como
titular de direitos de igual dignidade.2
A normatividade constitucional dos direitos sociais no Brasil teve origem na
Constituição Federal de 1934. Neste sentido singular José Afonso da Silva leciona que:
Inicialmente se tratava de normatividade essencialmente
programática. A tendência é a de conferir a ela maior eficácia.
E nessa configuração crescente da eficácia e da aplicabilidade
das normas constitucionais reconhecedoras de direitos sociais é
que se manifesta sua principal garantia. Assim, quando a
Constituição diz que são direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais os expressamente indicados no art. 7º, e quando diz que a
saúde ou a educação é direito de todos, e indica mecanismos,
políticas, para a satisfação desses direitos, está preordenando
situações jurídicas objetivas com vistas à aplicação desses
direitos.
Mas não é de esquecer-se que o sistema de proteção dos direitos
sociais é ainda muito frágil3.
Esta fragilidade está refletida na reforma da previdência social que
paulatinamente, vem retirando direitos sociais, respaldado pela Emenda Constitucional
n.º 20, de 15 de dezembro de 1998.
A referida Emenda Constitucional deferiu ao legislador, liberdade para
reformar a previdência social, reduzindo o acesso a direitos constitucionais protegidos
pela versão original da Constituição cidadã. Da mesma forma, deve ser destacado o
magistério de Ingo Wolfgang Sarlet que critica a produção de Emenda Constitucional
2 CANOTILHO, J.J.; MOREIRA, Vital, Apud MORAES, Alexandre de. Op. Cit.p.177. 3 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.465.
5
que contraponha ao estabelecido pelo constituinte originário referente à modificação de
direitos sociais cujo condão seja obstaculizar ou até mesmo impedir o seu exercício:
...Relativamente à previdência social, importa considerar que
esta – como direito fundamental - não tem o seu objeto limitado
a determinado tipo de prestação, abrangendo uma variada
gama de benefícios (arts 201 e 202 da CF). Ressalte-se,
ademais, que também o direito à previdência social já foi objeto
de concretização e detalhada regulamentação na esfera
infraconstitucional. Por outro lado, coloca-se a questão de se
todos os dispositivos (e respectivas normas) que integram o
conjunto de preceitos relativos à previdência social podem ser
efetivamente considerados fundamentais, ou se o são apenas as
normas assecuratórias dos diversos benefícios, a exemplo de um
direito fundamental à aposentadoria, à pensão ou mesmo a
auxílio-doença. Poder-se-ia, inclusive, questionar se a
previdência social em seu todo, na qualidade de complexo de
normas e posições jurídicas não seria um direito fundamental
proclamado sob feição de uma garantia institucional. Estas são
questões que sem dúvida mereceriam análise mais detida, tendo
reflexos inclusive na esfera dos limites à reforma constitucional
e ao regime jurídico da aplicabilidade imediata das normas
sobre a previdência social....
...Registre-se ainda que já houve quem, entre nós, mesmo não
reconhecendo um direito individual subjetivo (ao menos não
como direito originário), sustentou a impossibilidade de uma
reforma reformatio in pejus no âmbito da previdência social,
advogando, assim, a proibição de retrocesso nesta esfera, de tal
sorte que ao menos o conteúdo essencial do sistema de
previdência social (incluindo o direito à aposentadoria) não
poderia ser afetado, nem mesmo por meio de emenda à
6
Constituição...4
Ressalte-se que a referida Emenda Constitucional não alterou apenas a
aposentadoria. A esteira reformista trouxe reflexos no tempo de serviço, no cálculo do
salário de benefícios, introduzindo a tabela de expectativa de sobrevida, elaborado pelo
IBGE, aduzindo-se idade mínima para o gozo de aposentadoria e extinguindo a
aposentadoria proporcional.
A Emenda Constitucional n.º 20 alterou o artigo 201 da Carta Magna,
adotando o critério atuarial na previdência social, como pré-requisito de concessão de
benefícios, limitando o salário família e o auxílio-reclusão aos segurados de baixa
renda. Não pairam dúvidas quanto à existência de flagrantes violações aos direitos
humanos dos trabalhadores, perpetradas pelo legislador ordinário.
3. A INOBSERVÂNCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS E A
PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
Os direitos humanos são frutos de um complexo processo histórico-social e
de lutas dos povos que germinaram com estabelecimento de textos, alguns de valor
ético-político, como as de “Declarações de Direitos”, outros com valor mais
estritamente jurídico, elaborados no momento em que os princípios éticos das
Declarações foram especificados e elencados nos diversos Protocolos, Tratados e
Convenções Internacionais.
Com a sua positivação, os direitos humanos deixaram de serem meras
orientações ético-programáticas, convertendo-se, por conseguinte em obrigações
jurídicas cogentes para os Estados, vinculando-os nas suas relações internas e
externas.5
Dalmo de Abreu Dalari enfatiza que:
...os direitos humanos representam uma forma abreviada de
mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.p.295-296. 5 TOSI, Giuseppe. (Org.). Direitos Humanos: História, Teoria e Prática. João Pessoa: UFPB/Editora Universitária, 2005.p.15.
7
direitos são considerados fundamentais porque sem eles a
pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se
desenvolver e de participar plenamente da vida6.
Guardando similaridade com a assertiva supra, relevante é a definição de
Gregório Peces Barba que se traz à colação:
...os direitos humanos silo faculdades que o Direito atribui a
pessoas e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades
relativas à vida, liberdade, igualdade, participação política, ou
social ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o
desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de
homens livres, exigindo o respeito ou a atuação dos demais
homens, dos grupos sociais e do Estado, e com garantia dos
poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de
violação ou para realizar sua prestação.7
Quanto à terminologia, deve ser realçado que tanto na doutrina quanto no
direito positivado há uma gama variada de expressões para conceituar os denominados
direitos humanos, dentre eles podem ser citados:
“direitos fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos da
pessoa humana”, “direitos do homem”, “direitos da pessoa”,
“direitos individuais”, “direitos fundamentais da pessoa
humana”, “direitos públicos subjetivos” e por fim a propalada
expressão “direitos humanos.” 8
André de Carvalho Ramos ao se debruçar sobre essa inflação terminológica
afirma:
...parte da doutrina comumente considera que o termo "direitos
humanos" serve para definir os direitos estabelecidos em
tratados internacionais sobre a matéria, enquanto a expressão
"direitos fundamentais" delimitaria aqueles direitos do ser
humano reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional
6 DALLARI, Dalmo de Abreu, Apud RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.p.18-19. 7 BARBA, Gregório Peces, Apud RAMOS, André de Carvalho. Op. Cit.p.19. 8 RAMOS, André de Carvalho. Idem. p.21
8
de um Estado específico.9
No que pertine à profusão terminológica, Ingo Wolfgang Sarlet adota o
termo “direitos humanos” para os atos normativos internacionais e o termo”direitos
humanos” para os atos normativos internacionais e o termo “direitos fundamentais”
para os direitos que tenham origem nas constituições ou seja, os atos normativos
internos10
Fabio Konder Comparato sustenta que os direitos fundamentais incluíram
todos os direitos humanos positivados, ou seja, os já reconhecidos nos textos nacionais
ou internacionais11:
Jorge Miranda enfatiza que o “termo “direitos humanos” é utilizado pelo
direito internacional para tornar mais cristalina a pertinência destes direitos aos
indivíduos e não aos Estados ou a outras entidades internacionais.” 12
A concepção contemporânea de direitos humanos está alicerçada na
universalidade, indivisibilidade e interdependência destes direitos.13
Neste sentido, assinala Flávia Piovesan:
“... diz-se universal, porque a condição de pessoa há de ser o
requisito único para a titularidade de direitos, afastada
qualquer condição”
“... e divisível, porque os direitos civis, econômicos e culturais,
já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem
tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade”.14
9 Ibidem. p.26. 10 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 35. 11 COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4. ed.rev.atual. São Paulo: Saraiva, 2000.p.46. 12 JORGE, Miranda in: RAMOS, André de Carvalho. Op. Cit. p. 26. 13 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos e Cidadania à Luz do Novo Direito Internacional. Campinas: Minelli, 2002. p. 53. 14 PIOVESAN, Flávia. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op. Cit. p.53.
9
Para Celso Albuquerque de Mello, os direitos humanos são aqueles que
estão consagrados nos textos internacionais e legais, não impedindo que novos direitos
sejam consagrados no futuro.15
Lílian Márcia Balmant Emerique entende ser difícil a caracterização dos
direitos humanos, haja vista a multiplicidade de formas e a sua dimensão plural,
assinalando que:
Qualquer caracterização pode incorrer na dificuldade de
enquadramento em toda sorte de modalidades de direitos que
formam o complexo. Além do que, de acordo com o enfoque
dado, quer filosófico, ou sociológico, ou jurídico, dentre outros,
pode-se ter uma amplitude maior ou menor do rol
caracterizador destes direitos. Mesmo diante das exceções
inevitáveis é possível vislumbrar certos aspectos marcantes
entre eles no que tange ao enfoque jurídico.Portanto, as
características que serão expostas qualificam genericamente os
direitos humanos; porém, observados de forma individualizada,
poder-se-ão verificar exceções a esta ou aquela característica
em particular.
A doutrina jurídica, ao ventilar sobre as características dos
direitos humanos, geralmente recorre aos traços inicialmente
referidos no campo do jusnaturalismo, daí fazer menção à
inalienabilidade, à imprescritibilidade, à irrenunciabilidade e à
inerência; ou recorre às concepções de direitos humanos mais
contemporâneas, cuja influência das discussões em torno do
direito internacional faz-se visível, mencionando a
historicidade, a universalidade, a indivisibilidade e a
interdependência...16
15 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 766 16 EMERIQUE, Lílian Márcia Balmant. A AIDS e os Direitos Humanos Fundamentais. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes. Ano VI, nº 6. jun. 2005. p.169-205. p.172-173.
10
Identificando o objetivo dos direitos humanos ressalta Sidney Guerra:
O propósito dos Direitos Humanos é, antes de tudo, o de
garantir ao indivíduo a possibilidade de desenvolver-se como
pessoa para realizar os seus objetivos pessoais, sociais,
políticos e econômicos, amparando-o contra os empecilhos e os
obstáculos que encontre em seu caminho, a raiz da
arbitrariedade do Estado ou da exacerbação pelo mesmo, do
conceito de soberania em matéria pessoal.17
Aprofundando sobre a problemática da origem dos direitos humanos,
categórica é a observação de Norberto Bobbio sobre o problema:
Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico,
mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata
de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza
e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos,
absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para
garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações,
eles sejam continuamente violados18.
Após a Segunda Grande Guerra, os direitos humanos passaram a ser
reconhecidos tanto no plano interno de cada Estado, quanto no plano internacional,
tendo surgido, por conseguinte, diversos instrumentos declaratórios e de proteção destes
direitos.
João Ricardo W. Dornelles aponta três momentos imprescindíveis para o
surgimento da proteção interna e internacional dos Direitos Humanos:
“O primeiro momento se inicia em Paris em 1948 com a
declaração da ONU. Este documento foi o ponto de partida
para a generalização da proteção internacional...”
...O segundo momento se inicia duas décadas depois da 17 GUERRA, Sidney. Os Direitos Humanos numa Perspectiva do Direito Internacional: Para uma Justiça Cosmopolita? In: GUERRA, Sidney (Org.). Direitos Humanos: Uma Abordagem Interdisciplinar. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p.13. 18 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 8.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.25.
11
aprovação da Declaração Universal, com a realização da 1ª
conferência Mundial dos Direitos Humanos, no ano de 1968, na
cidade de Teerã, numa conjuntura ainda marcada pela
bipolarização da guerra-fria, perpassando outros conflitos
como as contradições Norte-Sul, e num contexto em que se
multiplicavam regimes ditatoriais em diversas partes do mundo,
inclusive no Brasil...
...O terceiro momento se inicia com a realização da IIª
Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, no ano
de 1993, quando já existia uma grande quantidade de
instrumentos internacionais de proteção, tanto a nível global
quanto regional. É uma ampla produção normativa,
reconhecida pelas instâncias internacionais, pela doutrina e que
se integram no campo que é denominado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos....19
O artigo XXV, item 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da
Organização das Nações Unidas estabeleceu o direito à seguridade social, in verbis:
“Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar a si e a sua família saúde, bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso
de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora
de seu controle” 20.
É de clareza meridiana que o artigo acima visa à proteção à saúde,
previdência e assistência social, devendo os Estados-partes de a citada Declaração
cumprir os mandamentos aos seus nacionais.
19 DORNELLES, João Ricardo W. A Internacionalização dos Direitos Humanos. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, Ano IV-V, nº 4-5.2003-2004, p.177-195. p.182-184. 20 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos do Homem. Rio de Janeiro: Centro de Informação das Nações Unidas, 2000.
12
Em 16 de dezembro de 1966, a Assembléia Geral das Nações Unidas
estabeleceu o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujo objetivo era tornar
vinculante e obrigatório as disposições previstas neles e na Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
A jurisdição da Declaração foi tratada por Flávia Piovesan doutrinando que:
Esse processo de "juridicização" da Declaração começou em
1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois
tratados internacionais distintos - o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais – que passavam a incorporar
os direitos constantes da Declaração Universal. Ao transformar
os dispositivos da Declaração em previsões juridicamente
vinculantes e obrigatórias, esses dois Pactos Internacionais
constituem referência necessária para o exame do regime
normativo de proteção internacional dos direitos humanos.21
Quanto aos Pactos susomencionados, Antonio Augusto Cançado Trindade
observa que:
Com os dois Pactos em vigor, concretizava-se a Carta
Internacional dos Direitos Humanos, acelerava-se o processo
de generalização da proteção internacional dos direitos
humanos e abria-se o campo para a gradual passagem da fase
legislativa à de implementação dos tratados e instrumentos
internacionais de proteção.22
Sobre a Carta Internacional de Direitos Humanos, Jack Donnelly sintetiza:
Na ordem contemporânea, os direitos elencados na Carta
Internacional de Direitos representam o amplo consenso
alcançando acerca dos requisitos minimamente necessários
21 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.160. 22 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v.1. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1997. p.40.
13
para uma vida com dignidade. Os direitos enumerados nessa
Carta Internacional podem ser concebidos como direitos que
refletem uma visão moral da natureza humana, ao compreender
os seres humanos como indivíduos autônomos e iguais, que
merecem igual consideração e respeito.23
A proteção do direito à Previdência Social foi insculpida no artigo 9º do
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e mereceu o seguinte
comentário de Fábio Konder Comparato:
Art. 9º. Os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o
direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro
social.
A afirmação do direito de todos sem exceção. à previdência
social significa claramente, que o exercício desse direito não
pode ser condicionado à situação patrimonial das pessoas e
menos ainda à existência de um contrato formal de trabalho.
Exatamente porque se trata de um direito humano, isto é, de
uma exigência de respeito elementar à dignidade do homem
não pode haver pré-condições à fruição desse direito24.
No plano regional com o objetivo da proteção dos Direitos Humanos no
continente foi elaborada pela Organização dos Estados Americanos, a Convenção
Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de São José da Costa Rica,
que foi assinado em São José, em 1969, tendo entrado em vigor no Brasil, através do
Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.
Em 1988, a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos
promulgou um Protocolo Adicional à Convenção referente aos Direitos Sociais,
Econômicos e Culturais – Protocolo de San Salvador, tendo o mesmo entrado em vigor
em 1999.
O artigo 9º da referida Convenção estabelece o direito à Previdência Social,
pormenorizando tal direito nos dois itens abaixo: 23 PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. p.160. 24 COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.347.
14
Artigo 9º - Direito à previdência social - I. Toda pessoa tem
direito à previdência social que a proteja das conseqüências da
velhice e da incapacitação que a impossibilite, física ou
mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa. No
caso de morte do beneficiário, as prestações da previdência
social beneficiarão seus dependentes.
2. Quando se tratar de pessoa em atividade, o direito à
previdência social abrangerá pelo menos o atendimento médico
e o subsídio ou pensão em caso de acidente de trabalho, de
doença profissional e, quando se tratar de mulher, licença
remunerada para a gestante antes e depois do parto.25
Frise-se que o Brasil é signatário dos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos acima referenciados e tais direitos foram constitucionalizados nos artigos 6º e
7º, incisos XVIII, XXIV e XXVII, Parágrafo único e no art. 201 da Carta Política.
O Brasil é obrigado ao cumprimento integral dos Tratados Internacionais
ratificados pelo País, tendo em vista que tais instrumentos normativos internacionais
foram recepcionados pelo ordenamento jurídico pátrio. A obrigatoriedade de tal
cumprimento pode ser depreendida pelo comando constitucional que emerge do artigo
5º parágrafo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte26.
Ao assinar os Tratados, Pactos e Convenções Internacionais, o Brasil
assume compromisso com todos os seus cidadãos e com a comunidade mundial, logo,
não pode sob hipótese alguma agir com discricionariedade, pois, encontra-se
plenamente vinculado ao novo ordenamento jurídico.
25 PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. p.427-428. 26 GOMES, Luiz Flávio (Org.) Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 4.ed. São Paulo: Ltr, 2005.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do presente artigo foram pontuados alguns tópicos da reforma
previdenciária que reduziu, dificultou ou excluiu direitos sociais, afastando-se dos
objetivos que nortearam o seu surgimento.
No curso deste trabalho foram citados diversos doutrinadores e suas
considerações sobre as mudanças ocorridas na Previdência Social e sua repercussão na
fruição dos direitos previdenciários.
Como corolário, evidencia-se que o conjunto dos direitos sociais está
violentamente aviltado na era da globalização, onde o homem é coisificado, com o fito
de alimentar o capitalismo selvagem.
Não é admissível que o Brasil, após ratificar os diversos Pactos e Tratados
Internacionais que protegem os direitos previdenciários, retroceda internamente
permitindo que o interesse econômico prepondere sobre os direitos sociais, ferindo os
Direitos Humanos e a dignidade da pessoa humana em pleno século XXI.
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