A Primeira Viagem Ao Redor Do Mundo

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    PPPPP ARTIDA  ARTIDA  ARTIDA  ARTIDA  ARTIDA  DEDEDEDEDE SSSSSEVILHA EVILHA EVILHA EVILHA EVILHA   ATÉ ATÉ ATÉ ATÉ ATÉ OOOOO

    EEEEESTREITOSTREITOSTREITOSTREITOSTREITO DEDEDEDEDE MMMMM AGALHÃES AGALHÃES AGALHÃES AGALHÃES AGALHÃES

    1519 –  Projeto de Magalhães – O capitão-geral Fernãode Magalhães4  havia resolvido empreender uma longa via-gem pelo oceano, onde os ventos sopram com furor e astempestades são muito freqüentes. Havia resolvido tam- bém abrir um caminho que nenhum navegante conheciaaté então. Porém, tratou de manter sigilo sobre seu atre-vido projeto, para que ninguém tentasse persuadir-lhe adesistir, em vista dos prováveis perigos que iria enfrentar e também para não desanimar a sua tripulação. Aos peri-gos que naturalmente iria enfrentar a expedição se so-mava mais um para ele: os capitães dos quatro navios que

    deviam ficar sob o seu comando eram seus inimigos, pelasimples razão de que eram espanhóis enquanto que Ma-galhães era português.

    Sinais – Antes de partir redigiu alguns regulamen-tos, tanto para os sinais de comunicação como para man-ter a disciplina. Para que a esquadra navegasse sempre junta estabeleceu para pilotos e contramestres as seguin-tes regras:

    Seu navio deveria sempre preceder aos outros e paraque não o perdessem de vista durante a noite levava umarchote, chamado farol, preso à popa. Se além do farolacendesse uma lanterna, os outros barcos deveriam fazer o

    mesmo, para que ele se assegurasse de que o seguiam.

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    Quando acendesse outros dois fogos, sem o farol,os navios deveriam mudar a direção, seja para moderar amarcha ou pelo vento contrário.

    Quando acendesse três fogos, era para retirar ocutelo, que é uma vela suplementar que se coloca sobre amaior quando o mar está calmo visando aproveitar me-lhor o vento e acelerar a marcha. Se retira o cutelo quandohá ameaça de tempestade, pois neste caso a vela suple-mentar deve ser arriada para não atrapalhar a manobra davela principal.

    Se acendesse quatro fogos, era sinal de que deve-riam arriar todas as velas. Porém, se estavam dobradas,as quatro luzes ordenavam desdobrá-las.

    Muitos fogos ou alguns bombardeios era sinal deque estávamos próximos a terra ou em águas rasas e queteríamos, por conseguinte, que navegar com muita pre-caução. Havia outro sinal que indicava quando se deveria jogar a âncora.

    Guardas – Fazíamos três turnos a cada noite: o pri-meiro, ao anoitecer; o segundo, chamado medora, à meia-noite; e o terceiro, de madrugada. Toda a tripulação estavadividida em três quartos: o primeiro, sob as ordens do

    capitão; o segundo, sob o controle do piloto; e o terceiro,com o contramestre. O comandante-geral exigia a maissevera disciplina à tripulação, a fim de assegurar o êxitoda viagem.

    10 DE AGOSTO – Saída de Sevilha  – A 10 deagosto de 1519, uma segunda-feira pela manhã, a esquadra,levando a bordo todo o necessário, assim como sua tripu-lação, composta por duzentos e trinta e sete homens, anun-ciou sua saída com uma descarga de artilharia. Soltou-sea vela do traquete e descemos pelo Betis até a ponte deGuadalquivir, passando perto de San Juan de Alfarache,

    antigamente cidade dos mouros muito povoada, onde havia

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    uma ponte, da qual não restam vestígios, a não ser dois pilares sob a água e dos quais é necessário proteger-se.Para evitar o risco, deve-se navegar por este lugar apro-veitando a maré alta.

    AGOSTO DE 1519 – Sanlúcar – Continuando a des-cer pelo Betis, se passa pelas proximidades de Coria e deoutros povoados até Sanlúcar, castelo que pertence ao du-que de Medina Sidonia e porto no oceano, a dez léguas docabo de San Vicente, a 37º de latitude setentrional. De

    Sevilha a este porto há de dezessete a vinte léguas.5O capitão a bordo  – Alguns dias depois, o capi-

    tão-geral e os capitães dos outros navios vieram de Se-vilha a Sanlúcar em chalupas. Enquanto se terminava atarefa de colocar as últimas provisões para a esquadra,todas as manhãs se saltava para a terra a fim de assistir à missa na igreja de Nossa Senhora de Barrameda. E,antes de partir, o capitão ordenou a toda a tripulação quese confessasse, tendo proibido o embarque de qualquer mulher na esquadra.

    20 DE SETEMBRO – Partida de Sanlúcar – 26,

    Tenerife – A 20 de setembro partimos de Sanlúcar, nave-gando para o Sudoeste, e a 26 chegamos a uma das ilhasCanárias, chamada Tenerife, situada nos 28º de latitudesetentrional. Nos detivemos ali três dias para reabasteci-mento de água e carvão. Em seguida entramos em um porto da mesma ilha, chamado Monterroso, onde passa-mos dois dias.

    Árvore que dá água – Nos contaram um fenômenosingular desta ilha. É que nela não chove nunca e que nãotem nenhuma fonte e nenhum rio, porém que cresce umagrande árvore cujas folhas destilam continuamente gotasde uma água excelente. Uma fossa cavada ao pé da árvore

     permite que ali venham tomar água tanto os moradores da

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    ilha como os animais, tanto domésticos como selvagens.Esta árvore está sempre envolta em espessa neblina deonde, sem dúvida, as folhas absorvem a água.6

    Até os 14º de latitude setentrional sofremos muitasrajadas impetuosas de vento que, unidas às correntes, nosimpediram de avançar. Quando as rajadas tornavam-seintensas, tínhamos a precaução de baixar as velas e parar os navios, até que o vento cessasse.

    Tubarões – Durante os dias calmos, enormes tuba-rões nadavam próximo de nosso navio. Estes tubarões têm

    fileiras de dentes terríveis e, se por desgraça encontramum homem no mar, o devoram no ato. Pescamos muitoscom anzóis de ferro, porém os grandes não são de todocomestíveis e os pequenos não valem grande coisa.

    Fogos de São Telmo – Durante as tempestades vi-mos freqüentemente o que se chama Corpo Santo, isto é,São Telmo. Uma noite muito escura nos apareceu comouma maravilhosa tocha, na ponta do mastro maior, ondeardeu pelo espaço de duas horas, o que foi um consoloem meio à tempestade. Ao desaparecer, projetou umaluminosidade tão grande que nos deixou, por assim dizer,cegos. Nos considerávamos perdidos, porém o vento ces-

    sou naquele instante.7

    Pássaros raros –  Vimos pássaros de muitas espé-cies. Alguns pareciam que não tinham cauda; outros nãofaziam ninho porque não tinham patas, porém a fêmea põe e choca seus ovos nas costas do macho, no meio domar.8 Há outros, chamados cagacela  ou caca-uccelo  (oestercorário), que vivem dos excrementos de outros pás-saros. Vi muitas vezes um destes pássaros perseguir aoutro insistentemente, até que o outro expeliu por fim umexcremento, sobre o qual ele se atirou avidamente.9 Vitambém peixes voadores e outros pescados apinhados emtão grande quantidade que pareciam formar um barco no

    mar.

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    O Brasil – Depois de passar a linha equinocial, aoaproximarmo-nos do Pólo Antártico, perdemos de vista aEstrela Polar. Deixamos o cabo entre o sul e o sudeste eenfiamos a proa para a Terra do Verzino10 (o Brasil), nos20º 30’ de latitude meridional. Esta terra é uma continua-ção daquela em que está o Cabo de Santo Agostinho, aos8º 30’ da mesma latitude.

    Abacaxi, açúcar, anta  – Aqui nos provisionamosabundantemente de galinhas, de batatas, de uma espéciede fruto parecido com a pinha, porém extremamente doce

    e de gosto esquisito,11 de cana-de-açúcar, de carne de anta – a qual é parecida com a carne da vaca etc.

    Trocas, batatas – Fizemos também vantajosas tro-cas. Por um anzol ou por uma faca nos deram cinco aseis galinhas; por um pente, dois gansos; por um espelhoou uma tesoura, o pescado suficiente para comerem dez pessoas; por um guizo ou por um cinto, os indígenas nostraziam um cesto de batatas, nome que dão aos tubércu-los que são mais ou menos a figura de nossos nabos ecujo sabor é parecido ao das castanhas.12 Trocamos in-clusive as figuras das cartas de baralho. Por um rei deouro me deram seis galinhas e ainda acreditavam ter feito

    um magnífico negócio.

    13 DE DEZEMBRO – Entramos em um porto13  nodia de Santa Lúcia, 13 de dezembro. Estava então ao meio-dia e o Sol em nosso zênite e sofremos com o calor muitomais do que ao passar a linha (do Equador). A terra doBrasil, tão abundante em toda classe de produtos, é tãoextensa como França, Espanha e Itália juntas. Pertenceao rei de Portugal.

    Os brasileiros  – Os brasileiros não são cristãos, porém, tampouco são idólatras, porque não adoram nada.O instinto natural é a única lei. Sua longevidade – Vivem

    muito tempo. Os velhos chegam ordinariamente até os

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    cento e vinte e cinco anos e algumas vezes até os cento equarenta.14 Seus costumes – Andam completamente nus,tanto os homens como as mulheres. Suas casas – Suashabitações consistem em espaçosas cabanas, a quechamam boi, e dormem sobre malhas de fio de algodãochamadas hamacas, presas nos extremos a grossas vi-gas. Um destes bois pode abrigar algumas vezes até cemhomens, com suas mulheres e filhos e, como conse-qüência, há no seu interior sempre muito ruído. Seusbarcos  – Os chamam canoas  e são feitos de tronco de

    árvore, que é tornado oco por meio de uma pedra cortan-te, usada em lugar das ferramentas de ferro, de que tantocarecem. São tão grandes estas árvores que numa só ca-noa cabem trinta a quarenta homens, que a movimentamcom remos semelhantes às pás de nossos padeiros. Aovê-los tão negros, completamente desnudados, sujos esem pêlos, tínhamos a impressão de estar diante de mari-nheiros do Rio Estige.15

    Antropófagos – Os homens e as mulheres são for-tes e bem conformados como nós. Comem algumas ve-zes carne humana, porém, somente a de seus inimigos.Mas não é por gosto ou apetite que a comem, mas por um

    costume que, segundo disseram, começou da seguintemaneira: uma velha tinha apenas um filho, que foi morto pelos inimigos. Algum tempo depois, o matador de seufilho foi feito prisioneiro e conduzido à sua presença. Paravingar-se, a mãe arrojou-se como fera sobre ele e, a bo-cadas, lhe destroçou as costas. O prisioneiro teve duplasorte de escapar da velha e retornar para junto dos seus,aos quais mostrou as marcas das dentadas em suas cos-tas, fazendo-os crer (talvez ele acreditasse também) queos inimigos queriam devorá-lo vivo. Para não serem me-nos ferozes que os outros, se determinaram a comer deverdade os inimigos que aprisionassem nos combates.

    Os outros fizeram a mesma coisa, e o costume vingou.