A privatização da educação: causas e implicações; Fundamentals of ...

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a obra

Em todo o lado "privatizar" está na ordern do dia. Para alguns é a cura para todos os males, para outras, a causa deles. A educaçâo näo é excepçâo neste aceso debate e, tanto nos países desenvolvidos como nos países em vias de desenvolvimento, as escolas enfrentam urna pressäo cada vez maior para privatizar a sua gestäo e financiamento. Nos países desenvolvidos, a privatizaçâo do ensino abränge especialmente questöes de gestäo e avaliaçâo de escolas. Acred ita-se -por razöes religiosas, éticas ou pedagógicas — que os pais devem ter o direito de escolher a escola dos filhos. Nos países em vias de desenvolvimento, em que os sistemas tributarios e de financiamento público sao ainda embrionarios, aumentar o número de escolas e fundos privados afigura-se como a única forma de o sistema de ensino responder à crescente procura.

Contudo, enquanto em alguns casos a privatizaçâo poderá reduzir as despesas públicas, noutros poderá sobrecarregar as familias com filhos em idade escolar.

Este livra propöe urna batería de criterios para avahar a eficacia das reformas privatizadoras, incluindo padröes de eficiencia e equidade social; analisa pros e contras da privatizaçâo e explora as diferentes formas que esta pode tomar.

Num campo onde o debate é mais ideológico que científico, este livro pretende expor com clareza todos os tactos e opçôes envolvidos na questäo.

A privatizaçâo da educaçao Causas e ¡mplicaçôes

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COLECÇAO EM FOCO

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;ao em foco

A privatizaçao da educaçao Causas e implicaçôes

Clive R. Belfield Henry M. Levin

E D I Ç Ó E S

ASA

C O L E C C Ä O EM F O C O

Titulo A Privatizaçào da Educaçao - Causas e Implicaçôes

Título Original Education Privatization: Causes, Consequences

and Planning Implications

"Originalmente publicado pela Organizaçào Cultural, Científica e Educational das Nacöes Unidas (UNESCO-HEP),

7, place de Fontenoy, 75352 Paris 07 SP, France

Autores Clive Belfield e Henry Levin

Dlrecçao José Matías Alves

© UNESCO 2002

© Ediçoes ASA, 2004 para a ediçào portuguesa

Execuçao Gráfica

GRAFIASA

Depósito Legal n? 208 779/04 Julho de 2004 / 1 ? Ediçào

As designaçoes empregues e a apresentaçao do material nesta publicaçào näo expressam necessariamente qualquer opiniào da parte da UNESCO em relaçao ao estatuto legai de qualqer país, regiäo, cidade ou área ou respectivas autoridades,

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Prefacio

Nos últimos anos a privatizaçâo da educaçào tem sido foco de aceso debate na área. Para muitos, esta significa apenas aumentar o papel dos pais no financiamento da educaçào, in-terpretaçâo essa à quai se atribuem conotaçôes negativas ou ameaçadoras, como maior desigualdade no acesso à educa­çào e destruiçâo da coesäo social. Para outros, a privatizaçâo é positiva pois implica mais recursos para a educaçào e urna utilizaçâo mais racional e flexível desses recursos. O debate está, portante, carregado de implicaçôes ideológicas e apre-sentam-se poucos factos que sustentem um ou outro lado.

Em muitos países em vias de desenvolvimento, a privatiza­çâo da educaçào provocou efectivamente um aumento da fa-tia de financiamento privado, por vezes ao nivel do ensino bá­sico, mas mais frequentemente nos níveis seguintes. Ao mesmo tempo que propinas e taxas eram introduzidas em al-gumas escolas públicas, o número de escolas e universidades aumentou. Mas esta tendencia parece dever-se em grande parte à incapacidade do Estado para satisfazer as necessida-des educacionais de todos os níveis. Se o aumento do investi­mento privado implica a libertaçâo de fundos públicos que fo-mentem o desenvolvimento de educaçào básica de qualidade para todos, entào isso poderá significar urna utilizaçâo mais justa do orçamento estatal.

No entanto, o movimento privatizador é muito mais com­plexo que o mero aumento do financiamento privado, pois

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pode tomar muitas formas: o incremento do número de esco­las de ñnanciamento e gestäo totalmente privados, escolas de gestäo privada financiadas por dinheiros públicos, escolas públicas total ou parcialmente financiadas com fundos priva­dos, escolas públicas geridas como se fossem instituicöes pri­vadas e competindo por fundos públicos, cursos privados que complementam a educaçâo facultada por escolas e universi­dades públicas, contrataçâo de privados para desempenha-rem alguns serviços paralelos ao ensino, cursos de ensino à distancia, etc. As novas tecnologías da informaçâo criam também novas formas de a educaçâo privada satisfazer dife­rentes necessidades. Efectivamente, é nos países desenvolvi­dos que a privatizaçâo parece ser urna resposta a urna pro­cura cada vez mais diversificada de conteúdos e métodos pedagógicos, e ao desejo das familias de escolher a escola onde colocam o seu filho. Neste caso, a questäo nao é o ñnan­ciamento, mas antes a liberdade de escolha, a flexibilidade de gestäo, a regulaçào e a prestaçào de contas.

Tanto nos países desenvolvidos como nos países em vias de desenvolvimento acredita-se que escolas de regulaçào e ges­täo privadas - quer estejam na posse ou näo de entidades pú­blicas - säo mais eficientes, mais eficazes e têm melhores re­sultados que as escolas geridas pelo estado. Mas isso será mesmo verdade?

Este livro, da autoría de Clive Belfield e Henry Levin do Tea­chers College da Universidade de Columbia, descreve e ana-lisa reformas privatizadoras que tiveram lugar essencial-mente, mas näo exclusivamente, nos países industrializados

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ocidentais e latino-americanos. Entre outros, os autores anali-sam os programas de cheques-ensino1, a introduçâo da livre escolha da escola no sistema público, a desregulaçâo e gestäo privada de escolas financiadas com dinheiros públicos -como as charter schools2, - o financiamento público de educa-çao privada, etc. Os autores discutem o impacto destas refor­mas segundo varios criterios: liberdade de escolha, eficiencia, equidade e coesào social, derivando dai ensinamentos para os decisores educativos. Ao mesmo tempo tentam nao gene­ralizar em demasía e defendem, de forma convincente, que tudo depende do contexto nacional e da forma como a re­forma é planeada e implementada. Alguns sistemas de che­ques-ensino que têm como alvo grupos mais desfavorecidos acabam por se tornar mais justos que os sistemas públicos tradicionais, socialmente segregados. Quando se delineia urna reforma, os planificadores têm de definir com clareza os seus objectivos e ter em conta a sua concepçâo global e espe­cificidades.

A comissäo da UNESCO responsável pela colecçào Funda­mentals of educational planning, onde foi publicado original­mente este livro, está extremamente grata a Clive Belfield e Henry Levin por aceitarem resumir nesta obra toda a sua vasta experiencia de forma tao concisa e clara. O documento que agora se apresenta, apesar de abordar um assunto controverso,

1 Voucher no originai. Consiste em o Estado entregar directamente às familias o valor que seria gasto na educaçâo dos filhos, podendo depois estas usar o cheque para colocar o füho numa escola privada ou pública à sua escolha. (N. do T.)

2 Charter schools sao escolas americanas semipúblicas, financiadas pelo estado mas gendas por privados, orientadas para urna missäo específica ou sujeitas a um docu­mento estatutario denominado charter. (N. do T.)

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é equilibrado e será de grande utilidade para os arquitectos da educaçâo, tanto de países desenvolvidos corno em vias de desenvolvimento, que lutam com a necessidade de arran-jar mais recursos e tornar os sistemas nacionais de educa­çâo mais eficientes e, ao mesmo tempo, mais justos.

Françoise Caillods

Editor da colecçâo Fundamentals

of Educational Planning da UNESCO

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Agradecimentos

Os au tores desejam exprimir os seus agradecimentos a

Françoise Caillods, do International Institute of Educatio­

nal Planning, e a Neville Postlewaite e Igor Kitaev pelos

seus comentarios às provas e à versâo final des te livro.

ÍNDICE

Prefacio 5

Agradecimentos 9

Introduçâo 13

I. O que é a privatizaçâo da educaçâo?

Definir privatizaçâo 17

Políticas e programas de privatizaçâo educativa 23

Implementar programas de privatizaçâo 28

II. As causas da privatizaçâo

Análise as pressöes de privatizaçâo 31

Pressöes do lado da procura 31

Pressöes dolado da oferta 33

Pressöes gérais 35

III. Um sistema de avaliacäo das reformas de privatizaçâo

Introduçâo aos criterios de avaliaçâo 39

Liberdadede escolha 40

Eficiencia produtiva 44

Equidade 53

Coesâo social 58

IV. A privatizaçâo em varios pontos do mundo

Exemplos e indicadores 63

O programa universal de cheques-ensino: Chile 63

O programa de cheques-ensino em larga escala: Colombia 64

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O programa restrito de cheques-ensino: Milwaukee, EUA 65 O programa universal de escolha da escola pública: Inglaterra.... 67

O sistema de gestäo privada da escola: Holanda 68

Liberalizacäo da escola privada: República Checa 69

O financiamento privado do Ensino Superior: indicadores internacionais 70

V. Implicaçoes no planeamento educacional

Implicaçoes gérais 73

Implicaçôes políticas 75

Implicaçoes económicas 79

Implicaçôes jurídicas 85

Sugestöes para saber mais 89

Bibliografía 91

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Introduçâo

Este livro pretende proporcionar urna breve perspectiva global de urna importante reforma educativa: a privatizaçâo. Para muitos dos elementos envolvidos no sistema educativo, a "privatizaçâo" é urna coisa sinistra que traz à ideia cortes orçamentais, lucros ganhos à custa das crianças e o firn do sentido social da educaçâo. Mas tal é urna distorçâo infeliz: os programas de privatizaçâo sao muito variados e podem ser concebidos para responder a muitos objectivos educacionais. As escolas privadas podem promover o bem social e os subsi­dios públicos podem revelar-se injustos. O que este livro pre­tende demonstrar é que a forma como a privatizaçâo é pla­neada, aplicada e financiada tem um efeito crítico nos seus resultados.

Os nossos objectivos nesta obra sao quatro: a) descrever; b) explicar; c) analisar reformas privatizadoras da educaçâo; e d) tentar deduzir algumas implicaçôes destas para a planifica-çâo educacional.

No Capítulo I descrevemos a "privatizaçâo da educaçâo" e delineamos reformas políticas que possam ser assim clas-sificadas. Como pretendemos clarificar, há muitas reformas que podem ser englobadas neste ámbito; algumas das quais complementando-se urnas as outras, mas muitas de carácter independente. Deste modo pretende dar-se flexibilidade a polí­ticos e responsáveis na introduçâo e implementaçâo destas reformas.

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A PR1VATIZAÇA0 DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICAÇÛES

No Capítulo II tentamos identificar as razöes porque a pri-vatizaçâo se tem vindo a acentuar ñas últimas décadas e ten­tamos prever o seu desenvolvimento futuro. Os factores que levam à privatizaçao sao fortes e, em grande parte, nao sao contrabalançados por tendencias estatistas (como a crença que a educaçâo comum é importante, ou que as escolas do governo representam melhor as preferencias da sociedade). Deste modo se explica a proliferaçâo de políticas e reformas. No entanto, pode regressar-se a um maior envolvimento do governo caso os cidadáos e os decisores políticos con-templem maiores problemas e desigualdades sociais dentro do sistema educativo. Mas esta tendencia nao parece estar próxima.

No Capítulo III definimos um sistema de avaliaçào que nos permite analisar cada reforma. Estes sistema tem qua­tre criterios: a) liberdade de escolha; b) eficiencia produtiva; e) equidade; e d) coesäo social. Estes criterios abrangem to­dos os aspectos de urna avaliaçào para permitir todas as perspectivas. Cada criterio é definido perante as evidencias sobre como cada um é visto e aplicado em cada tipo de pri­vatizaçao.

No Capítulo IV damos exemplos de reformas privatizadoras de varios países, concentrando-nos em quatro reformas prin­cipáis: a) os programas de cheques-ensino - parciais, alarga­dos e universais; b) a escolha da escola; c) a gestäo privada das escolas: e d) a liberalizaçào do ensino privado. Aborda­mos também a privatizaçao do Ensino Superior através da partilha das despesas; esta é urna tendencia global com pro­fundas implicaçôes na educaçâo avançada.

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INTRODUCACI

No Capítulo V reflectamos sobre as implicaçôes da cres­cente privatizaçâo para os reformadores educativos e os indi­cios dados pelas varias políticas e programas. Identificamos um conjunto de consequências das varias reformas possíveis e das experiencias concretas e elencamos implicaçôes políti­cas, económicas e legáis da privatizaçâo escolar.

Ao longo deste livro vamos buscar dados as investigaçôes económicas e educativas, utilizando com parcimónia as dis-cussöes técnicas e teóricas. Os dados sao provenientes de varios países, mas as conclusöes devem ser cautelosas, visto que os sistemas de ensino - e os mercados laboráis - diferem substancialmente entre países, pelo que urna reforma que funciona num país pode ter efeitos muito diferentes noutro. É, apesar de tudo, possível obter urna imagem relativamente clara dos efeitos possíveis quando a reforma é levada à prà­tica.

Finalmente, queremos afirmar que nao é nossa intençâo aconselhar qualquer reforma em particular ou a privatizaçâo em geral. Como defenderemos, os programas de privatiza­çâo podem ser concebidos para satisfazer muitos objectivos, pelo que urna aceitaçâo ou rejeiçâo, à priori, da "privatiza­çâo da educaçâo" como reforma possível é urna atitude pre-conceituosa e pouco inteligente. Cremos, pelo contrario, que as reformas privatizadoras podem ser valiosas quando apli­cadas correctamente nos contextos económicos e educati­vos apropriados. Por isso, a fim de garantir a implementaçâo eficaz, é necessario compreender cabalmente tudo o que as reformas implicam.

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O que é a privatizacäo da educaçâo?

Definir privatizacäo

O termo "privatizacäo" é urna designaçào genérica de varios programas e políticas educativas que podem ser globalmente definidos como "a transferencia de actividades, provisäo e responsabilidades do governo/instituiçôes e organizaçôes pú­blicas para individuos e organizaçôes privadas". Muitas vezes a privatizacäo é vista como urna "liberalizaçao" - quando os agentes säo libertados das regulaçôes governamentais - e urna "mercantilizaçào" - quando säo criados novos mercados que proporcionam alternativas aos serviços do governo ou aos sistemas de distribuiçâo estatal (Levin, 2001).

A tendencia para a privatizacäo é muito forte, ocorrendo em varios países e sectores da economia. O sector da educaçâo, constituindo um dos maiores fardos orçamentais do governo, é muitas vezes pressionado para ser privatizado, surgindo essa pressäo de variadas formas. Por exemplo, a educaçâo pode ser privatizada se: a) os alunos se inscreverem em escolas privadas, ou b) se o Ensino Superior for pago com fundos privados. No pri-meiro caso, a escolarizaçao deixa de ser fornecida pelo Estado, no segundo, o governo deixa de financiar a educaçâo através dos impostos ou de empréstimos. Deste modo, os pais dos alu­nos que frequentam escolas privadas podem fazer pressäo para a privatizacäo, tal como os contribuintes que sustentam o Ensino Superior. Simplificadamente, a privatizacäo pode apresentar-se de tres formas.

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇÛES

Oferta privada

A educaçào pode ser prestada por organizaçoes privadas, como escolas ou universidades geridas e providas por priva­dos, sem qualquer necessidade de recorrer a instituiçoes go-vernamentais. Estas escolas privadas podem ser dirigidas por grupos religiosos, empresas privadas, associaçôes de solida-riedade ou outros. De facto, muitas familias já preferem optar pelo privado, em detrimento de urna educaçào pública e gra­tuita. A percentagem de alunos no ensino privado varia muito de país para país. Nos EUA cerca de 11% dos jovens em idade escolar estáo em escolas privadas, a maioria das quais no Ensino Básico. Na Holanda, o número de escolas de gestäo pri­vada é de 70%. Contudo, as escolas holandesas sao de gestäo privada mas recebem fundos públicos. Também a Dinamarca dispöe de um sistema de escolas privadas financiadas pelo Estado, que acolhem quase dois tercos da populaçao escolar do país, e na Bélgica cerca de 50% dos alunos inscrevem-se em escolas privadas. Do mesmo modo, no Ensino Superior há urna similar mistura de estabelecimentos públicos e privados: ñas Filipinas mais de 75% dos alunos frequentam universida­des privadas, mas no Reino Unido, e na maioria dos países eu-ropeus, esta percentagem é pouco maior que zero.

Financiamento privado

A educaçào pode ser paga pelos individuos e nao pelo go­verno. Ou seja, sao os pais que pagam directamente a escola em vez de a sustentar em através dos impostos do governo. É fre­quente que as escolas privadas sejam financiadas directamente pelas propinas pagas pelas familias dos alunos mas, em muitos casos, sao as familias e governo que contribuem em conjunto. As universidades públicas americanas, por exemplo, cobram propinas que cobrem metade dos custos, aproximadamente,

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O QUE É A PRTVATIZACÄO DA EDUCAÇÀO?

QUADRO 1

Características de très programas de cheques-ensino Tipos Programa "gene­

roso" de cheques--ensino

Programa de che­ques-ensino com "base em incenti­vos"

Programa de che­ques-ensino basea-do na "prestaçâo de contas"

Eligibilidade

Alunos

Escolas

Direitos de admissâo

Universal: disponível a todos os alunos

Escolas religiosas, ensino doméstico3, ciberescolas, esco­las de ensino à dis­tancia

As escolas podem escolher os alunos segundo os seus próprios criterios

Selecçâo socioeco­nómica: só os alunos de familias mais carenciadas têm direìto

Apenas escolas in­dépendantes (näo--religiosas)

As escolas devem dar preferencia a familias de um dado extracto ou locali-zaçâo

Selecçâo baseada em criterios: só abran-ge alunos em esco­las problemáticas

Escolas religiosas, incluindo organi-zaçôes de inspira-çao religiosa

Vagas distribuidas por sortelo

Financiamento

Nivel de subsidios Elevado: o valor do cheque equivale à despesa média do aluno do sector pú­blico

Baixo: o valor do cheque é inferior às mensalidades de urna escola privada

Baixo: o valor do cheque é inferior ao gasto com os alunos no sector público

3 Traduçâo literal de home-schooäng, em que as enancas e jovens sao ensmados in­dividualmente em casa pelos pais ou por tutores especialmente contratados para o efeito. (N. do T.)

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A PRTVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPL1CAÇÔES

Fórmula de subsidio

Financiamento privado

Por aluno

0 cheque-ensino pode ser comple­mentado com fi­nanciamento fami­liar

Baseado em incen­tivos: conforme o de-sempenho do aluno

Gastar menos que o valor do cheque e recuperar o que sobrar

Conforme o aluno, com ajustes deri­vados do estatuto socioeconómico

Nao podem ultra­passar o valor do cheque-ensino

Serviços de apoio

Transporte

Serviços de informaçào

Criterios escolares

Transportes para qualquer escola

0 Estado nao pro­porciona informa-cao independente

As escolas têm de obedecer aos re-gulamentos bási­cos

Incluí transporte para a escola local

Nao há informa-çoes independen-tes recolhidas pelo Estado

As escolas devem obedecer as leis básicas e seguir curriculos especí­ficos

Transporte nao in­cluido

Informaçào total­mente transparen­te, tal como é exi­gido pelo Estado

As escolas têm de manter os resulta­dos dos testes a um nivel pré-espe-cificado

Nota- Ver SawhiH e Smith, 1999 369, Levin, H M , 2002

sendo o resto pago com subsidios governamentais. Na Coreia do Sul, os gastos privados com cursos e explicaçoes comple­mentares as escolas quase equivalem as despesas do governo; as familias pagam directamente tanto pela educaçâo dos jovens quanto o que recebem em subsidios. Bray (1999) (Quadro 1) enumera 19 países em que pelo menos 25% dos alunos fre­quentarli aulas privadas. Em muitos países em vias de desen-volvimento as familias têm de pagar taxas adicionáis as esco­las (para cobrir manuais e outros materiais necessários, por

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O QUE É A PRIVATIZACÄO DA EDUCAÇÂO?

exemplo). Por isso, pode falar-se em privatizaçào quando urna parte do custo total da educaçâo é pago pelas familias e näo pelo governo (Tsang, 2002).

Regulaçâo, gestâo e monitorizaçâo privadas

Os serviços educativos podem ser monitorizados por aque­les que deles usufruem directamente, isto é, os alunos e res­pectivas familias, que garantiräo que a educaçâo tem padröes satisfatórios - quer recusando a inscriçào em escolas de baixa qualidade quer exigindo melhores serviços. Isto que implica que a privatizaçào pode dar aos pais maior intervençào sobre o que acontece ñas escolas ou que tipo de escolas estäo dis-poníveis, mesmo dentro do sector público.

Os próprios governos podem regular a educaçâo: os Estados muitas vezes impöem leis de escolarizaçâo obrigató-ria, vigiam o desempenho da escola através de sistemas de inspecçâo, auditorias e sistemas de avaliacäo. Em Inglaterra e no País de Gales, por exemplo4, as escolas sao monitoriza-das pelo Office for Standards in Education5 (OFSTED), urna agencia governamental que avalia a qualidade da educaçâo. Na Dinamarca todas as escolas - tanto privadas como públi­cas - têm de cumprir criterios estatais em relaçâo as qualifi-caçôes dos professores, o programa curricular e os níveis aca­démicos dos alunos.

A alternativa a estes sistemas de monitorizaçâo governa-mentais é a informaçâo privada, em que os pais tomam as suas decisöes segundo as suas preferencias pessoais.

4 A Escocia e a Irlanda do Norte têm sistemas educativos autónomos e diferenciados. (N. do T.)

5 Literalmente, Departamento de Standards Educativos. (N. do T.)

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICACÖES

Múltiplos modos de privatizar

A maioria das reformas de privatizacäo segue um de très pa­drees atrás descritos, pelo que a privatizacäo educativa pode ser feita através de: a) aumento do número e participaçâo de operadores privados; b) aumento da percentagem de financia-mento directamente contribuido pelos utentes do serviço (ou seja, os alunos e respectivas familias) e diminuindo a contri-buiçâo através de subsidios; ou c) aumento da vigilancia e es­coma das escolas por parte dos pais em detrimento das leis e regulamentaçôes governamentais.

Cada urna destas abordagens pode ser aplicada em simultà­neo, mas também podem ser equilibradas entre si. Nos Países Baixos e na Dinamarca, por exemplo, a maioria das escolas é de gestäo privada, mas encontra-se sob estrita regulamenta-çao governamental, que determina o currículo e materiais a utilizar. Este equilibrio permite que qualquer instituiçao - pú­blica ou privada - com suficiente motivaçâo e competencia adequada possa fundar a sua pròpria escola, ao mesmo tempo que garante que todos os estabelecimentos cumprem um certo grau de padröes educativos.

Por outro lado, também é possível que a privatizacäo acon-teça apenas numa destas vertentes. Mas, embora muitas des­tas reformas sejam independentes, algumas sao claramente complementares, como é o caso de permitir a criaçao de mais escolas privadas, ao mesmo tempo que se oferece aos alunos mais liberdade de escolher as escolas. Outras reformas podem servir de substituto, como dar cheques-ensino para permitir a frequência de estabelecimentos privados ou oferecer benes-ses fiscais aos pais para os compensar pelos custos de man-ter os filhos no ensino privado. Em muitos casos, e nomeada-mente na Europa, a privatizacäo é vista mais corno urna forma

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O QUE É A PRIVATIZAÇAO DA EDUCAÇÂO?

de permitir maior escolha entre escolas públicas que como forma de encorajar o sector privado.

É duvidoso que um responsável educativo chegue à privati-zaçâo total, mas poderá querer equilibrar o campo educativo de forma a criar um "semimercado". Este semimercado tem varias características que combinam o sector público e o sec­tor privado: a) os prestadores de serviços educativos (públicos ou privados) competem entre si mas nao sao motivados pelo lucro; b) a entrada e salda da vida escolar é regulada e e) a pro­cura por pais e alunos expressa-se, pelo menos parcialmente, em termos do cheque-ensino ou da atribuiçâo de verbas. Num semimercado educativo, o governo continua a ter um papel im­portante na fiscalizaçâo dos níveis educativos. Esta combina-çao pode ser obtida através de um vasto leque de políticas e programas específicos de educaçâo.

Políticas e programas de privatizacäo educativa

As tendencias privatizadoras estäo gradualmente a transfor­marse em políticas educativas ao longo dos tres grandes ci­clos do ensino que passamos agora a analisar (Levin, 1992). Os pormenores específicos de cada país seräo fornecidos no Capítulo IV.

Cheques-ensino

Os cheques-ensino sao vales educativos que däo a cada aluno urna certa quantia para gastar em educaçâo (Levin, H. M., 2002). Até agora as escolas eram financiadas através dos impostos, pagos ou pelas autoridades locáis ou pelas re-giöes ou pelo governo nacional, sendo depois o total dividido por cada aluno inscrito.

23

A PRIVATIZACÄO DA EDUCAÇÂO - CAUSAS E IMPLICAÇOES

O sistema de cheques-ensino tem um funcionamento muito diferente: cada aluno recebe anualmente urna certa quantia que pode usar para se inscrever em qualquer urna das escolas abrangidas. Assim, as escolas vêem o seu orçamento variar conforme o número de alunos inscritos - se nao houver alunos suficientes, essa escola terá de reduzir os seus custos ou fe­char. A educaçâo num sistema de cheques-ensino também im­plica financiamento estatal, mas nao o financiamento directo. Dar aos pais a liberdade de utilizar o cheque-ensino permite alargar a escolha privada e, logicamente, a responsabilidade privada. Nao é necessario que os cheques-ensino cubram o custo total da educaçâo, podendo servir apenas como um bo­nus para a inscriçào. Na Guatemala, por exemplo, sao atribui­das bolsas as alunas, cujos níveis de inscriçào escolar sao bas­tante inferiores aos dos colegas do sexo masculino.

Escolha da escola pública

A firn de manter o controlo sobre a gestäo e financiamento das escolas, o governo pode permitir que os pais escolham en­tre as varias escolas públicas (Hening e Sugarman, 1999). Em muitos países, a escola tem sido até agora determinada pela área de residencia. Contudo, onde haja transportes adequados e um número suficiente de escolas, pode justificar-se permitir a inscriçào em qualquer escola pública. Estas políticas sao fre­quentemente chamadas programas de "livre escolha" ou "es­colha da escola" e dào maior liberdade aos pais, ainda que se restrinjam apenas às escolas públicas.

Desregulamentaçâo da escola pública

As escolas públicas sao geridas por leis e regulamentos governamentais, que implicam o perigo de aquelas fícarem tao sobrecarregadas por decretos, leis, circulares, tradiçôes e métodos

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O QUE É A PRIVATIZAÇÂO DA EDUCAÇAO?

burocráticos que conduzam a ineficiências e excessiva rigidez. A desregulamentaçâo implicaría a reduçâo da "papelada" e da burocracia que sufoca muitas escolas públicas, permitindo que estas se tornem mais eficientes e responsáveis. Com menos leis, as escolas públicas seräo capazes de responder as mudan-ças adequadas às necessidades dos alunos e professores. Urna forma de reduzir a quantidade de procedimientos burocráticos é criar novas escolas isentas deles. Na década de 90, por exemplo, muitos estados americanos permitiram a criaçâo de charter schools - escolas financiadas pelo governo mas sujeitas a me­nos regulamentaçôes que as escolas normáis. Em 2002, exis-tiam já 2700 charter schools em 37 estados americanos, orien­tadas para alunos dos mais diversos grupos socioeconómicos e com as mais variadas preferencias educativas.

Contrataçâo de serviços específicos

Sob a designaçâo genérica de "educaçào" as escolas facultam, na realidade, urna gama muito grande de serviços, que podem incluir instruçào, mas também alimentaçâo, instalaçôes despor-tivas e aconselhamento psicològico e vocacional. Muitos destes serviços paralelos podem ser contratados a firmas privadas; afi­nal, os alunos e suas familias estäo mais preocupados com a educaçào que recebem do que com quem a provisiona. Se os prestadores privados se revelarem mais eficientes, entäo os go-vernos poderâo querer encorajar esta opçâo.

Esta poderá ser a abordagem mais frequente e menos polé­mica da privatizaçâo da educaçào. Dado que há um número elevado de serviços prestados pela escola que nao sao directa­mente educativos, surgiram já varias companhias que forne-cem manuais, alimentaçâo, transportes e serviços de limpeza às escolas. Na década passada, criou-se nos EUA um novo mercado na forma de "Organizaçôes de Gestäo Educativa"

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICACÖES

(OGEs) que fomecem serviços de gestäo as escolas (como ava-liaçào dos alunos, serviços de contabilidade e administraçâo), permitindo as autoridades locáis educativas concentrarem-se na educaçâo sem se preocuparem com a cafetaria ou o auto-carro escolar.

Beneficios e isencöes fiscais às familias

Urna forma de encorajar as despesas privadas na educaçâo é através dos beneficios fiscais. Um crédito de imposto é quando o montante total ou urna parcela da despesa permitida é deduzida à colecta do imposto devido pelo individuo. Urna deduçâo à colecta é quando a importancia permitida é dedu­zida à colecta do individuo. Se as familias usufruir em de qual­quer um destes beneficios, graças à utilizaçâo de serviços educativos, provavelmente recorrerào mais a eles. Estes servi­ços poderâo ser prestados por escolas públicas ou companhias privadas, pois de qualquer forma está a incentivar-se a priva-tizaçâo.

Subsidios e bolsas a escolas privadas

Outro meio de incentivar a competiçao entre escolas públi­cas e privadas - de urna forma similar ao cheque-ensino - é conceder subsidios ou bolsas de estudo para escolas privadas. Estas bolsas, disponíveis em varios países (Alemanna, Aus­tralia, Franca, Inglaterra e País de Gales, Holanda, Hungria, Japáo, Polonia e Suécia), podem reduzir as propinas cobradas pelas escolas privadas - atraindo assim as familias para o sector - ou reduzir a carga orçamental do sector público (segundo o valor do subsidio e especialmente se for correctamente direccio-nado para familias que se preparam para passar para o sector privado).

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O QUE É A PRIVATIZAÇÂO DA EDUCAÇÂO?

Ensino doméstico e pagamentos privados de educaçâo

Algumas familias acreditam que nem as escolas públicas nem as privadas oferecem urna educaçâo apropriada aos seus filhos e, por vezes, preferem afastar-se completamente do sis­tema de ensino oficial e ensinar os filhos em casa. Nos Estados Unidos, o Ensino Doméstico é urna forma legítima de cumprir as leis de escolarizaçâo obrigatória estimando-se que cerca de 800 000 alunos (1,7% de todas as crianças em idade escolar) passam pelo menos dois anos como alunos domésticos (Bauman, 2002). Curiosamente, esta deve ser a forma mais extrema de privatizaçâo da educaçâo, pois é financiada e facultada de forma privada e só muito tenuemente monitorizada pelo Estado.

Contudo, é mais comum encontrar apenas urna forma par­cial deste tipo de escolarizaçâo, em que as familias pagam aulas extra privadas: "explicaçôes". Há varios países onde la­res desfavorecidos despendem urna grande fatia do seu orça-mento de educaçâo com explicaçôes privadas ou preparaçâo para exames, que sao utilizadas para suplementar a educaçâo estatal. Entre estes países contam-se o Cambodja, a China, a Indonesia, a Coreia do Sul, as Filipinas, a Tailandia e o Vietname.

Em quase todos os países há também contribuiçôes priva­das para o Ensino Superior: tanto as familias como os governos contribuem para as despesas deste nivel de ensino. Nor­malmente, esta partilha de recursos é mais elevada no ensino privado, embora ocorra em todos os níveis. Como estes paga­mentos frequentemente ultrapassam o financiamento estatal para este nivel de ensino, pode considerar-se que, na pràtica, este sistema educativo está a ser privatizado.

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A PRIVATIZAÇÂO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICAÇÔES

Competiçâo entre escolas e instituiçôes educativas

Urna forma de criar um mercado educativo é incentivar as escolas - ou outro tipo de organizaçoes educativas - a compe-tirem entre si. Quando a escola tem um mercado certo ou um monopolio é menos provável que tente responder as necessi-dades dos alunos. Em contraste, quando as familias têm a pos-sibilidade de escolher a escola, tenderäo a escolher a que res­ponder melhor as suas necessidades.

Consequentemente, este tipo de reforma implicaría criar meios para por as escolas a competir entre si para oferecer a melhor educaçâo. A competiçâo pode ser incentivada das se-guintes formas: a) permitindo a entrada no mercado de novas escolas; b) descentralizando decisöes dos Ministerios da Edu­caçâo para as próprias escolas; ou c) fragmentando grandes direcçôes regionais em organismos mais pequeños.

Implementar programas de privatizaçâo

Em termos gérais, há varias oportunidades para privatizar o fornecimento, financiamento e monitorizaçâo dos serviços educativos. De facto, estudos intemacionais demonstram que muitos países puseram em pràtica algum tipo de privatizaçâo (Patrinos, 2000). Por exemplo, foram experimentados sistemas semelhantes de subsidios a alunos para frequentarem escolas privadas, no Brasil, no Botswana, na China, no Gana, na Ìndia, ñas ilhas Maurícias e na Tanzania. Sao atribuidas bolsas de es­tudos em escolas privadas no Bangladesh, no Brasil, na China, na Colombia, na Gambia, Guatemala, Indonesia, México, Marrocos, Moçambique, Senegal e Tanzania.

Estes países, de todos os continentes, têm sistemas de edu­caçâo e mercados de trabalho muito diferentes, mas o recurso a estes programas sugere que a privatizaçâo do ensino - pelo

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O QUE É A PRIVATIZACÄO DA EDUCAÇÂO?

menos através de pequeñas medidas e näo de urna reorgani-zaçâo gérai - é urna hipótese praticável (West, 1997). Há ainda muitas experiencias em diversos países em diferentes fases do processo de privatizaçâo a partir das quais se podem tirar con-clusôes gérais.

Os planificadores e responsáveis educativos deveráo decidir quais as reformas apropriadas e que teriam maior impacto na melhoria da qualidade dos serviços educativos, distribuindo os recursos de forma equilibrada a firn de responder as neces-sidades sociais. No capítulo seguinte vamos explicar por que é que muitos decisores optaram por criar semimercados de educaçâo e, no Capítulo HI, estabeleceremos um método abran-gente para avahar as decisöes tomadas no sentido da privati­zaçâo.

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As causas da p r i v a t i z a c ä o

Análise as pressöes de privatizacäo

Há varios factores que provocam a privatizacäo na educa­çâo. Estes factores diferem de intensidade entre países e en­tre os très níveis de ensino básico, secundario e superior, mas quando combinados representam urna poderosa força incenti-vadora da privatizacäo, por muito que os governos lhes tentem resistir. Antes de indicar estes factores, é necessario observar que alguns defensores da privatizacäo sao motivados por em-penhamento ideológico nos direitos do individuo em detri­mento da intervençâo estatal. Estas pessoas acreditara que cada familia tem o direito inviolável de escolher a educaçâo dos filhos e que cabe ao governo justificar por que é que nao devia ser assim. Outros insistem na questäo da eficiencia, en-quanto os detractores da privatizacäo argumentam que um sistema de ensino baseado na capacidade financeira das fa­milias é injusto. O caminho sensato será o de ver a privatiza­cäo como forma de reequilibrar a relaçao entre a intervençâo do governo e a autonomia das familias, pois ambos säo impor­tantes, mesmo que a privatizacäo enfatize o segundo em de­trimento do primeiro.

Pressöes do lado da procura

O primeiro factor que pode explicar a privatizacäo educativa é simples: o desejo dos pais. Em muitos países a educaçâo é

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇÛES

encarada como um meio importante de progressäo econòmica e social. Isso implica maior procura pela educaçâo (James, 1987) e se o governo näo puder fornecer e financiar a educa-cao que os pais esperam para os seus filhos, entáo aqueles re-correräo a operadores privados. A isto chama-se "excesso de procura", para além daquela que é fornecida pelo Estado, e normalmente incentiva a privatizaçâo dos níveis secundario e superior, à medida que os pais procuram dar aos filhos mais anos de ensino do que os que estäo disponiveis ñas escolas públicas. Por outro lado, muitos pais querem para os seus filhos urna educaçâo diferente da que é proporcionada pelas escolas estatais. Há muitos países em que a educaçâo pública reflecte os valores de urna dada religiäo, ideologia ou morali -dade; noutros países o sistema de ensino é assumidamente secular, mas em qualquer um dos casos haverá familias in-satisfeitas a desejar um tipo de educaçâo diferente. A esta si-tuaçâo chama-se "diversificaçâo da procura" e pode encorajar a privatizaçâo dos très níveis de ensino.

Tanto a procura em excesso como a procura diversificada aumentaram ñas últimas décadas. A primeira aumentou por­que a educaçâo se tornou mais importante para a ascensäo so­cial e económica: para obterem empregos bem remunerados, por exemplo, os trabalhadores têm de ter níveis mais elevados de competencia, o que exige ensino vocacional extra; outros trabalhadores podem necessitar de diplomas apenas disponi­veis ñas universidades. Há varios estudos económicos que re-velam que a relaçâo salarios/educaçâo tem vindo a subir desde a década de 80 e enquanto continuar a aumentar tam-bém aumentará a procura de mais educaçâo.

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AS CAUSAS DA PRIVATIZACÄO

O aumento da procura de educaçâo pode constituir um fardo para o governo que terá de recorrer ao bolso de contri-buintes renitentes. Em muitos países em desenvolvimento e economias em transiçâo cujos sistemas fiscais e financeiros estatais ainda näo estäo totalmente estabilizados, o recurso a privados pode ser a única forma de fazer o sistema educativo acompanhar a procura crescente.

A diversificaçâo da procura tem-se expandido por duas Or­dens de razôes: urna é que muitas escolas públicas oferecem ensino padronizado ou mesmo uniforme (frequentemente de-vido ao facto deste ser definido no topo, por exemplo no mi­nisterio da educaçâo nacional). Quanto mais uniforme for um ensino público, maior será o número de familias a procurar al­ternativas. Esta situaçâo choca com a crescente migraçâo e desenvolvimento das sensibilidades étnicas. A outra razâo é que assistimos a urna crescente especializaçâo das socieda­des e economias: surgem cada vez mais oficios e profissôes a que o sistema educativo tem de responder. Por esta razâo há escolas que escolhem currículos mais artísticos ou mais cien­tíficos, há cursos universitarios de tecnologías da informacáo, de cibernética e de bioengenharia, tal como há cursos mais tradicionais. Há também escolas que ensinam línguas ou crenças religiosas minoritarias, ou ainda escolas que fomecem todo o seu ensino numa lingua mais internacional, como o in­glés ou o francés.

Pressöes do lado da oferta

A outra razâo motivadora da privatizaçâo é o declínio da qualidade, e nalguns casos a reduçâo dos fundos disponíveis,

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICACÖES

no sector público (Murphy, 1996). Muitos pais podem sentir que as escolas públicas locáis nao sao eficazes no forneci-mento da educaçâo desejada - tal insatisfaçâo é notoria em varios países (Hanuschek, 1998; Rauch e Evans, 2000), insatis­façâo essa reportada pelos pais em termos muito limitados (como a incapacidade da escola garantir a segurança dos filhos). Estes pais podem, consequentemente, procurar alternativas, nomeadamente no sector privado.

Em alguns casos, o número de alunos aumentou muito mais depressa que os orçamentos para a educaçâo, o que resultou em salas sobrelotadas, turmas grandes e professores com sobrecarga de trabalho. Parte desta imagem de degradaçâo deve-se à reduçào do financiamento escolar por aluno. Os elei-tores que nao sejam pais podem recusar-se a financiar educa­çâo para outras familias ou os fundos do orçamento educativo podem ser desviados para outros sectores (defesa, saúde, se­gurança social, etc.) para responder a necessidades urgentes. Se as vantagens da educaçâo recaem fundamentalmente so­bre o individuo e nao sobre a sociedade, os cidadäos podem legitimamente questionar-se porque haveräo de pagar para outro ter vantagens económicas. Consequentemente, os polí­ticos seguirâo esta preferencia dos eleitores, atribuindo menos fundos à educaçâo pública. A consequência é que os pais, cuja lei obriga a educar os seus filhos, teräo propensäo a esco-lher escolas privadas.

Encontramos pressöes similares no ensino superior. Como este ensino tem um custo mais elevado por aluno (os rácios professor/discente sao mais baixos e os recursos educativos mais dispendiosos), os governos têm tendencia a esperar que

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AS CAUSAS DA PRIVATIZACÄO

os alunos suportem urna fatia cada vez maior das suas despe­sas educativas. Esta pressâo gerou urna série de reformas pri-vatizadoras neste nivel, como propinas pagas pelos alunos, criaçâo de universidades privadas e financiamento à base do desempenho (ver Weiler, 2001, para alguns dados em relaçào à Europa).

Outra explicaçào para a impressâo de declinio qualitativo do ensino público pode ser que o sistema estatal atingiu o seu li­mite. Com o rápido crescimento populacional, as escolas do Estado podem estar sobrelotadas, exigindo o recurso a presta­dores privados de serviços. Na República Dominicana, por exemplo, as escolas privadas recebem subsidios se aceitarem alunos de familias desfavorecidas ñas zonas em que as esco­las públicas atingiram o limite de alunos que podem compor­tar. Do mesmo modo, desde 1992, com a introduçào de escolas privadas de elite na China, tem havido um crescimento acen­tuado de varios tipos de escolas privadas (Xu, 2002).

Pressôes gérais

Além dos factores atrás mencionados, há outras pressôes mais gérais a impelir a privatizaçâo dos sistemas de ensino. Um desses factores sao as mudanças económicas e sociais. A globalizaçâo, associada à liberalizaçào de mercados, pressio-nou e incentivou os governos a procurar sistemas educativos mais eficientes, mais flexíveis e mais alargados. A privatiza­çâo pode ser urna resposta a estas mudanças. Por exemplo, há urna enorme procura internacional por ensino superior em inglés (mais de um terco dos alunos de doutoramento nos

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUOACÄO - CAUSAS E IMPLICACÖES

Estados Unidos sao estrangeiros, muitos dos quais seni bol­sas governamentais e, por isso, pagando o curso do seu prò­prio bolso).

Outro factor que explica em parte a tendencia privatizadora é o incentivo de agencias internacionais - como o Banco Mundial, por exemplo. Só na última década este organismo prestou assistência aos seguintes países: a) ajudou El Salvador a recorrer a bancos privados como financradores de bolsas de estudo; b) encorajou a competiçâo entre escolas públicas e privadas na Indonesia; c) incentivou a participaçâo pri­vada em programas de formaçâo vocacional no Mali; d) definiu a formaçâo de professores pelo sector privado na República Dominicana e ajudou a gerir melhor os contractores privados no serviço público. Existe ainda o programa Edlnvest da compa-nhia International Finance Corporation (http://www.ifc.org/edinvest) que providencia oportunidades financeiras de parceria entre serviços educativos públicos e privados.

Ou seja, de um modo geral, o Banco Mundial e outras agen­cias supranacionais encorajaram as reformas que tendem para a privatizaçâo do sistema educativo. Para alguns países este apoio institucional pode constituir urna boa motivaçào.

Finalmente, a privatizaçâo da educaçâo pode parecer um esforço para reduzir as desigualdades do ensino público. Em países como os Estados Unidos da América, as familias mais abastadas podem escolher a escola, quer comprando urna casa na zona escolar que lhes interessa quer enveredando pelo sistema privado de ensino ou mesmo exercendo a sua pressäo política para evitar que os seus filhos sejam obrigados a frequentar escolas problemáticas de baixa qualidade. Pelo

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AS CAUSAS DA PRIVATIZAÇÂO

contràrio, para as familias mais desfavorecidas, os cheques--ensino podem constituir a única forma de escolher a escola, evitando as escolas mais degradadas. Estes programas estäo em vigor nalguns estados dos EUA, como Milwaukee e Cleveland.

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I Um sis tema de avaliacäo das reformas de privatizacäo

Introducäo aos criterios de avaliacäo

Neste capítulo apresenta-se urna estrutura sistemática para avaliar muitas das reformas educativas explicadas anterior­mente. Estas reformas podem ter consequências de grande al­cance e é necessario que os responsáveis educativos sejam capazes de as compreender em toda a sua dimensäo. O nosso sistema - explicado em detalhe em Levin, H. M. (2002) - enu­mera quatro criterios básicos que podem ser expostos como um conjunto de perguntas. Primeiro, será que a reforma dá li-berdade de escolha aos utentes da educaçâo? Esta liberdade é muito valorizada pelos pais. Segundo, será a reforma eficiente? A educaçâo é um pesado investimento - tanto em termos de tempo como de dinheiro - pelo que todos os custos e poupan-ças derivados da privatizacäo devem ser cuidadosamente ava­hados. Terceiro, será que a reforma será equitativa, ou seja, justa para todos os alunos e respectivas comunidades? Quarto, será que a reforma irá gerar a coesäo social que é suposto um sistema educativo contribuir para urna sociedade funcional, com valores e instituiçôes comuns?

Em seguida explicaremos cada um destes criterios, junta­mente com os dados empíricos relevantes (ver também Gill, Timpane, Ross e Brewer, 2001). Cada critèrio deve ser anali -sado com atençâo, visto que todas as reformas têm sempre um custo: por exemplo, a maior liberdade de escolha pode sa­crificar a coesâo social. Infelizmente, muitos dos paladinos da

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇOES

privatizaçâo focam apenas alguns aspectos das reformas, "es-quecendo" outros. Insistem, por exemplo, nas vantagens que os cheques-ensino trazem ao dar maior liberdade aos pais. Säo os adversarios da privatizaçâo que vâo focar os outros aspec­tos, afirmando, por exemplo, que os beneficios fiscais podem introduzir desigualdade social.

O resultado é que os debates entre estes dois grupos sao fre­quentemente inconclusivos e abrangem apenas alguns dos as­pectos que precisam de ser considerados.

Superficialmente, pode parecer que os defensores da priva­tizaçâo enfatizam a eficiencia em relaçâo a todos os outros cri­terios e, de facto, pode considerar-se que a pressâo para pri-vatizar é, na realidade, pressâo por um sistema de ensino mais eficiente. No entanto, tanto defensores corno detractores, de-veriam reflectir em cada um dos criterios para validar os seus argumentos.

Estes quatro criterios säo, portante, urna tentativa delibe­rada de estruturar um método abrangente de avaliaçào, per-mitindo a compreensäo e avaliaçao dos efeitos da reforma. Deste modo pretende-se demonstrar que argumentos parciais e tendenciosos säo insuficientes para tomar decisöes informa­das sobre contritos de intéresses. E, por muito difícil que pa-reça conseguir compreender a amplitude das consequências da privatizaçâo, propöe-se que cada urna seja julgada e com­parada em relaçâo aos objectivos dos próprios decisores e pla-nificadores educacionais.

Liberdade de escolha

Este criterio refere-se ao direito das familias escolherem escolas para os seus filhos que assentem nos seus valores,

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UM SISTEMA DE AVALIAÇÀO DAS REFORMAS DE PRIVATIZAÇÂO

filosofías educativas, crenças religiosas e tendencias políticas. A liberdade de escolha é considerada um valor em si, inde-pendentemente dos outros objectivos do sistema educativo (Friedman, 1993) e assenta nos beneficios privados da educa-çào e na necessidade de assegurar que as escolas escolhidas estäo de acordo com a educaçâo dada pelas familias. É fre­quente os defensores da privatizaçâo enfatizarem este criterio e insistirem na liberdade de escolha dos pais - esta pode ser urna forma de os decisores educacionais fazerem pressäo pela reforma e ganharem apoio comunitario.

Há dois argumentos a favor da liberdade de escolha da es­cola por parte dos pais. Primeiro, e claramente urna prioridade, os pais têm o direito fundamental de decidir quai é o melhor interesse dos seus filhos. Eles têm mais incentivos para sustentar e apoiar o bem-estar dos filhos do que urna qualquer organizaçâo governamental, e têm urna ideia mais clara das necessidades educativas dos seus filhos e dos estilos pedagó­gicos que preferem. É claro que alguns pais poderäo desprezar as obrigaçoes para com os seus descendentes, mas esta é mais a excepçào que a regra. A liberdade de escolha da escola é particularmente relevante onde haja preferencias e compe­tencias variadas entre os estudantes, como é o caso de países onde coexistam diferentes tradiçôes religiosas, grupos cultu­ráis e línguas, sendo pouco provável que estas sejam adequa-damente servidas por um sistema de ensino unificado.

O segundo argumento em defesa da liberdade de escolha é o aumento da transparencia. Quando é da responsabilidade dos país escolher o tipo de educaçâo que desejam para os fi­lhos, estes preocupar-se-âo mais com a educaçâo dada pela escola. Se urna escola prestar educaçâo de má qualidade, os pais nao a escolherào, diminuirá o número de alunos e seräo

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÂO - CAUSAS E IMPLICACÖES

necessárias mudanças estruturais ou mesmo o encerramento da escola.

Os pais podem exercer a sua liberdade de escolher a escola de múltiplas formas: escolhendo a zona escolar onde desejam viver, urna escola dentro da área onde se encontram e/ou ma­tricular o filho numa escola privada (se trverem essa opçào).

Mas há também duas questöes que se levantam com a li­berdade de escolha dos pais. A mais importante é a possibili-dade dessas escolhas serem social, cultural e politicamente inaceitáveis. Urna familia pode escolher educar os filhos de urna forma intolerante para com outros elementos sociais ou escolher urna educaçâo segregada de outros grupos (pela raga, pela religiâo ou pelo poder económico). O problema é definir que escolhas sao efectivamente inaceitáveis e como podem os governos impedir tais escolhas. É de sublinhar que escolha e segregaçâo nao sao sinónimos. Os sistemas de livre escolha ou cheques-ensino podem ter efeitos benéficos para urna dis-tribuiçào mais equitativa dos alunos. A liberdade de escolha pode, inclusive, traduzir-se em melhor desempenho dos alu­nos, mesmo que a distribuiçâo de alunos nao seja mais ou me­nos segregada socialmente. Os cheques-ensino podem permi­tir aos alunos escolher urna escola que se adapte as suas preferencias em relaçâo a aspectos mais benignos, como a lo-calizaçâo geográfica, a segurança, as instalaçôes desportivas ou as disciplinas existentes.

A outra preocupaçào é de que, mesmo para os apoiantes da liberdade de escolha, o custo de escolher a escola pode ser alto. Os pais podem querer assistir a urna aula, identificar a or-ganizaçâo da escola, avahar a qualidade de ensino e calcular as notas que os filhos poderäo ter, juntamente com os custos adicionáis após a matrícula, antes de tomar urna decisäo. Mas

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UM SISTEMA DE AVAIIACÄO DAS REFORMAS DE PRIVATIZAÇÀO

se estas informaçôes implicarem custos elevados ou as esco­las näo se distinguirem qualitativamente entre si, entäo a es-colha da escola será apenas a criaçâo de custos adicionáis sem gerar satisfaçâo. Pode aplicar-se um argumento similar quando os pais deciderti transferir o aluno da escola que fre­quenta para outra que julgam melhor, excepto que neste caso os pais devem antever a adaptaçâo e problemas que a criança sofrerá com a mudança.

Os estudos nos EUA indicam que os pais däo valor à possi-bilidade de escolherem a escola (Peterson e Hassel, 1998). Muitas familias indicam sentirem-se satisfeitas por participa-rem em programas de cheques-ensino ou por poderem escolher charter schools, em detrimento das escolas normáis. Alias, o facto de muitos pais escolherem tipos diferentes de escolas quando têm essa possibilidade é urna prova incontornável do seu valor. Garantir a liberdade de escolha é urna forma impor­tante de elevar os níveis de satisfaçâo em relaçâo ao sistema de ensino (Tesk e Scheiner, 2001).

Há ainda très perigos a ter em conta quando se pretende dar liberdade de escolha para melhorar a qualidade da educaçâo.

Um (que abordaremos adiante com mais detalhe) é que al-gumas familias podem escolher escolas que conduzam de facto à segregaçâo social. Outro é que poderá haver um leque limitado de opçôes para aumentar a escolha de algumas fami­lias. Muitas familias, por exemplo, julgam que a oferta de que dispöem já é satisfatória; nos EUA très quartos das familias es-tâo plenamente satisfeitas com a escola dos seus filhos, mesmo quando acham que a qualidade da educaçâo prestada é baixa (Henin e Sugarman, 1999). Outras familias näo querem perturbar a educaçâo do filho obrigando-o a mudar de escola. Muitas familias preferem delimitar a escolha da escola a um

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A PRIVATIZAÇÂO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICACÖES

número muito limitado de vezes durante a vida escolar dos fi-lhos para nao perturbarem o seu percurso. O terceiro perigo é que as próprias escolas privadas podem nao querer educar qualquer pessoa. Urna escola de inspiraçâo religiosa poderá ter propensäo para impedir a entrada de alunos ateus, por exemplo (há poucas razöes que permitam a rejeiçào de alunos por parte das escolas públicas). Isso poderá implicar que os pais sao "livres de escolher" por principio, mas nao na pràtica.

Estes factos sugerem que as vantagens da liberdade de esco-lha nao sao assim tao significantes, pelo menos no caso do sis­tema de ensino americano e só um número muito reduzido de familias aproveitaria plenamente mais liberdade de escolha.

Eficiencia produtiva

Este criterio diz respeito à melhoria dos resultados educati­vos dentro dos limites orçamentais existentes. É importante que qualquer actividade seja desempenhada eficientemente para nao desperdigar recursos que podem ser aplicados nou-tros campos (por exemplo, fundos educativos podem ser redi-reccionados para a saúde ou para a defesa). Como a educaçâo constituí urna proporçâo apreciável das despesas totais do go­verno, a necessidade de aumentar a sua eficiencia torna-se mais premente.

A privatizaçâo do ensino pode ser urna forma importante de melhorar a eficiencia: os economistas apresentaram já varias razöes por que os agentes privados utilizam os recursos de forma mais eficiente que as organizaçôes governamentais (é necessario esclarecer aqui a distinçào entre utilizaçâo efi­ciente de recursos e definiçâo eficiente de objectivos: fazer algo de forma eficiente nao quer dizer que se está a fazer eficien­temente o que é correcto). Muitas dessas razöes da eficiencia

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UM SISTEMA DE AVALIAÇÂO DAS REFORMAS DE PRIVATIZAÇÀO

do privado sobre o público podem aplicar-se ao sector da edu-caçâo.

Primeiro, para conseguir gerir sistemas educativos, os gover-nos necessitam de reunir vastas quantidades de informaçào (Hoxby, 2000). Os agentes governamentais precisam de ter em conta as preferencias educativas dos pais, os níveis de esforço dos alunos, os custos de gerir urna escola e o valor de profes­sor es, materials e edificios, além de manterem toda esta infor­maçào actualizada para acompanhar as mudanças sociais e económicas. Recolher, interpretar e aplicar esta informaçào exige um dispendio muito grande de recursos e pode ser mais eficiente que sejam os próprios pais a procurar a informaçào e a lidar directamente com a escola, estimulando a partilha de informaçào sem um intermediario estatal: os pais indicariam os serviços e estilo de ensino que preferem e as escolas apon-tariam os recursos e financiamento necessários para os apli­car. Urna das razöes por que as escolas públicas parecem me­nos eficientes é porque têm de recolher toda esta informaçào por si próprias e depois implementá-la nos serviços que os pais desejam.

Em segundo lugar, qualquer organizaçào será ineficiente se nao tiver objectivos claros e tiver limites orçamentais impos­tes do exterior (Chubb e Moe, 1988) - a este conceito chama--se "ineficiência-x". Como as escolas têm varios objectivos educacionais para cumprir - ensinar varias disciplinas acadé­micas, competencias sociais, valores cívicos, etc. - pode ser difícil identificar a sua real eficiencia e, logo, ser difícil conse­guir incentivar essa mesma eficiencia. Por outro lado, muitos sistemas educativos utilizam meios "suaves" de limitaçào orçamental: há pouca pressäo para encerrar ou reestruturar escolas com níveis de desempenho muito baixos ou que nao

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCAÇAO - CAUSAS E IMPLICAÇOES

empreguem todo o seu potencial. Se nao existirem penaliza-çoes para a má qualidade, as escolas näo teräo incentivo para procurar padröes de excelencia. (Os problemas de urna gestäo orçamental "dura" serâo discutidos mais à frente.) Pelo con­tràrio, as companhias privadas deparam com objectivos claros - gerar lucro para os seus proprietários - e fortes limites orça-mentais - se näo gerarem lucro, encerram. A pressäo pela efi­ciencia destas empresas pode ser muito maior que para as or-ganizaçoes públicas. (Contudo, muitos fornecedores de ensino privado sao nao-lucrativos ou de inspiraçâo religiosa, näo se sabendo se este tipo de escolas têm as mesmas pressôes que urna empresa comercial.)

Em terceiro lugar, um mercado livre encoraja o desenvolvi-mento de novos serviços e produtos, enquanto que um agente governamental tem de fazer novas leis e regras para introduzir serviços novos ou adicionáis. Estas leis demoram tempo a ser aprovadas e implementadas, pelo que há mais oportunidades para inovar num mercado concorrencial de privados que sob um monopolio estatal. Este conceito é conhecido por "inefi-ciência-y". Sendo os operadores privados mais inovadores, tal inovaçâo poderá ser importante caso as tecnologias educati­vas mudem de forma rápida.

Em quarto lugar, a gestäo e propriedade privadas sao consi­deradas mais eficientes que a propriedade e gestäo públicas (Shleifer e Vishny, 1998). As escolas públicas, por exemplo, po-dem ser limitadas por mais regulamentaçao (sobre o pessoal, por exemplo) ou por regras gérais aplicadas a todas as escolas de urna regiäo. Pelo contrario, os gestores privados têm incen­tivos para seguir de perto as suas companhias a fim de garan­tir que estas cumprem os seus objectivos. Por outro lado, têm de estabelecer complexos contratos com os seus funcionarios

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UM SISTEMA DE AVALIACÄO DAS REFORMAS DE PRIVATIZAÇÀO

para os incentivar a trabalhar muito e experimentar diferentes combinaçoes de profissionais (corno mais professores e menos pessoal administrativo) para adequar a escola às condiçôes lo­cáis. Seguindo esta linha de raciocinio, os custos podem ser in-flacionados quando as empresas estâo sob controlo político.

Estes conceitos económicos e modelos de privatizaçâo fo-ram experimentados em muitas áreas em varios países, de­monstrando um substancial aumento de eficiencia após a pri­vatizaçâo em varios dominios (como a produtividade, o de-sempenho e as receitas) em industrias como a mineraçâo, as telecomunicaçôes e os serviços. Há também alguns dados de aumento da eficiencia com a privatizaçâo do sector educativo, embora a maior parte deles ateste mais a eficacia que a efi­ciencia. Os dados que citaremos aqui dizem principalmente respeito aos Estados Unidos, onde a maior parte da investiga-cao foi conduzida. (No Capítulo IV abordaremos as reformas de outros países, como o Chile, a Colombia e a Holanda.)

O mais forte argumento em prol da privatizaçâo é a eficien­cia produtiva. Note-se que este argumento diz fundamental­mente respeito a eficiencia interna, ou seja, a eficiencia com que dada meta é atingida, e nao à eficiencia externa, isto é, se as metas atingidas sao as melhores. É claro que os responsá-veis educativos devem controlar ambos os tipos de eficiencia, mas este estímulo para a eficiencia interna deve-se a tres ra-zöes: a) maior competiçâo; b) melhores estruturas de gestäo e propriedade dentro das organizaçôes; c) melhores sistemas de monitorizaçâo e incentivos. Estes sao os argumentos utiliza­dos para justificar a privatizaçâo na educaçâo, tal como nou-tros sectores empresariais. Mas, embora os resultados da pri­vatizaçâo da educaçâo sejam consistentes com os de outros sectores, os seus efeitos benéficos sao talvez mais modestos.

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICACÖES

A competiçâo entre escolas públicas e privadas numa de­terminada zona geográfica deveria tornar ambas as escolas mais eficientes no serviço educativo que prestam e, indo mais longe, poder-se-ia dizer que quanto mais ampio o leque de escolhas das familias, mais eficientes seriam todas as es­colas dessa regiâo. Urna análise cuidada dos efeitos da pres-säo competitiva na melhoria da educaçâo nos EUA (baseada em 40 estudos empíricos) mostra que esta conclusáo está cor­recta (Belfield e Levin, 2002). Há efeitos positivos com o au­mento da competiçâo (medido pelo número de opçoes educa­tivas oferecidas aos alunos) em varios aspectos, como os resultados dos testes e o sucesso escolar. Mas os efeitos sao também muito modestos: um desvio padrâo da pressäo com­petitiva (que exigiria urna reforma em larga escala) nao pro-duziria um incremento de mais de 0,1 nos resultados medios. Mais especificamente, um aumento de 1 na competiçâo faria subir os resultados académicos pouco mais de 0,1, as taxas de graduaçâo entre 0,08 e 0,18, a eficiencia escolar 0,2 e os salarios futuros dos alunos 0,1. Ou seja, os efeitos da competi­çâo väo na direcçâo certa, mas dois tercos dos estudos mos-tram que os resultados nao sao significativos.

Há estudos sobre os efeitos dos cheques-ensino no sucesso dos alunos (Howell e Peterson, 2002), mas sao experiencias em pequeña escala, envolvendo cerca de 2000 alunos em tres lo­cáis dos EUA, em que familias de baixos rendimentos foram seleccionadas aleatoriamente para receber um cheque-ensino de 1400 dólares (equivalente a 25% das despesas na escola pú­blica). Esta experiencia mostra que os cheques-ensino au-mentam realmente os níveis de sucesso escolar, mas numa es­cala muito modesta e apenas evidente num grupo de alunos afro-americanos de um único local. A transferencia de um grupo de alunos afro-americanos de Nova Iorque da escola

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pública para urna escola privada fez subir os seus resultados em 6,3% depois de dois anos. Portante a "competiçâo e esco-lha" parecem ter um efeito benéfico no desempenho acadé­mico. (Muitos comentadores observar am também urna relaçâo entre a competiçâo no ensino superior e o desempenho das universidades.)

A segunda componente de qualquer ganho em eficiencia é urna melhor gestäo ou propriedade. Há muitas formas de in­centivar tal privatizaçào. Urna reforma que permita a entrada das escolas no mercado ou entregue mais poder as escolas apenas encorajaría aqueles com competencias de gestâo acima da média. Com urna maior liberdade de mercado as es­colas privadas poderiam adquirir ou aglutinar-se as escolas públicas, ou urna empresa comercial podia licenciar o seu equipamento escolar. Com mais liberalizaçâo, os directores de escola teriam um papel mais importante na gestäo da escola e os ministerios da Educaçâo um papel mais supervisor que de gestäo directa.

Contudo este ganho de eficiencia assume a existencia de escolas de qualidade superior e a urna reforma que incentive estas escolas a aumentar, e nao a baixar, a qualidade dos seus serviços. Urna análise cuidada da eficiencia relativa das esco­las privadas (católicas) e públicas americanas apresenta ape­nas ganhos limitados (ver McEwan, 2001). Em relaçâo ao sucesso escolar parece haver apenas: a) efeitos modestos em matemática entre os alunos de etnias minoritarias e baixos rendimentos entre o 2° e o 5o anos (mas nao entre os anos 6o

a 8o e alunos de origem nao-africana) que frequentem escolas católicas; b) nenhuns efeitos substanciáis na leitura. Quando se aplica urna análise transversal (em vez dos dados brutos) os efeitos sào ainda mais escassos. A frequência das escolas

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católicas parece aumentar as probabilidades de conclusaci do ensino secundario e frequência universitaria (especialmente entre as minorías das zonas urbanas), mas nao sugere benefi­cios evidentes pela existencia de diferentes tipos de provisáo escolar.

Outra análise dos dados compara as charter schools com as escolas públicas tradicionais. Embora se saiba pouco sobre a sua eficiencia, as charter schools nao säo, em média, nem mais nem menos eficazes que as escolas públicas típicas. Os estudos realizados pelo Banco Mundial indicam que em al-guns países em vias de desenvolvimento os alunos das esco­las privadas superam os alunos das escolas públicas (quando a selecçào de alunos e a origem familiar é comparável) e o seu custo por alunos é mais baixo (Jimenez, Lockheed e Paqueo, 1991). Contudo, urna reanálise de Tsang (2002) verificou que os custos por aluno sao equivalentes quando se contabilizan! todas as despesas; além de que estes estudos nao fazem a distinçâo entre escolas novas e escolas privadas com alguma longevidade. Em resumo, os peritos em administraçâo escolar nao podem fornecer aconselhamento muito preciso sobre que características tornam as escolas mais eficientes, nem podem indicar com segurança que as escolas privadas säo mais efi­cientes que as escolas públicas.

O terceiro alicerce do argumento da eficiencia diz respeito aos beneficios da monitorizaçâo (Bishop, 1996). Neste caso te­mos indicios muito menos concretos, especialmente sobre quai a monitorizaçâo mais eficiente: se a parental, se a gover­nmental , se através dos resultados escolares. Esta falta de clareza deve-se a varias razöes: normalmente nao existem consensos sobre quais os objectivos de um sistema educativo e, consequentemente, o que deveräo os professores ensinar e os alunos aprender até ao final da escolarizacäo. Sem um

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conjunto definido de objectivos é impossível responsabilizar profissionais educativos ou mesmo alunos.

Adicionalmente, há alguns problemas de gestäo com os pro­gramas de monitorizaçâo. Poderá nao ser muito fácil respon­sabilizar o corpo docente pelas suas práticas: o ensino muitas vezes é monitorizado de forma periódica (visto que os custos de urna monitorizaçâo continua sao quase tao elevados como o pròprio ensino). Pode também ser difícil monitorizar os pro-fessores por estes ensinarem apenas urna fracçâo do que um aluno aprende e, por isso, nao poderem ser responsabilizados pelos resultados globais de um aluno. Mesmo quando os re­sultados escolares sao medidos em termos do contributo dado para o desempenho do aluno, nao é possível determinar a efi­ciencia de prof essores individualmente. Urna forma de moni­torizaçâo é a monitorizaçâo interna da escola - em que os pro­fessor es se consideram "mutuamente responsáveis". Contudo, mesmo este método apresenta a dificuldade de os professores nao terem o hábito de trabalhar em equipas, que é urna forma fácil de monitorizaçâo colectiva. Temos ainda a complicaçâo adicional de os padröes de monitorizaçâo estatal actuáis esta-rem muito longe da perfeiçâo. O sistema de educaçâo ameri­cano, por exemplo, é frequentemente criticado pelas suas re­formas que: a) nao apresentam estrategias de implementaçâo credíveis; b) sao aplicadas conjuntamente com muitas outras reformas; c) ocorrem em circunstancias políticas volúveis; e d) nao têm força para serem aplicadas a estruturas adminis­trativas. Por último, mas nao menos importante, grande parte da progressäo educativa de um aluno faz-se devido a factores externos à escola (como o ambiente familiar), pelo que esta tem apenas urna capacidade limitada de elevar o sucesso e o cum­plimento dos objectivos educativos para além da vontade da familia.

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Os contratos de monitorizaçâo podem ser complicados de estabelecer se implicarem custos elevados para os contratan­tes. Tipicamente estes custos consideram apenas as despesas de cumprimento do contrato (como obter alunos suficientes); mas näo incluem os custos estruturais (professores e instala-çôes). Normalmente incluem: a) descobrir com quem se está a negociar; b) informar as pessoas com quem se está a lidar; c) negociar o acordo; d) lavrar o contrato; e e) inspeccionar o serviço para determinar que o contrato é cumprido. Estes cus-tos podem ser elevados e os pais podem reclamar se recaírem sobre os seus ombros. Contudo, há poucas estimativas empí­ricas dos custos destes acordos e näo foi determinado se estes sao mais elevados na educaçâo que noutras áreas (relativa­mente complexas e morosas), ou se os operadores privados têm custos contratuais mais elevados que as organizaçoes pú­blicas. A privatizaçâo pode servir para transferir estes custos do Estado para os pais, que seriam forçados a avaliar eles pró-prios qual a melhor escola para os seus filhos. Contudo, os pró-prios pais podem preferir que lhes digam onde devem colocar os filhos em vez de terem de escolher por si próprios.

Apesar de tudo, o segundo objectivo da privatizaçâo da educaçâo é maior eficiencia e há indicios que mostram que esta é possível. Ou seja, os efeitos da competiçâo, tal como da propriedade privada, parecem ser positivos, se bem que modestos. Mas, mesmo que haja urna maior eficiencia do es-tabelecimento escolar, poderá haver perdas de eficiencia em níveis administrativos mais elevados com a necessidade de gastos adicionáis (ver Levin, 1998), além de que, em relaçâo à monitorizaçâo, os indicios sao ainda menos concretos.

Finalmente, há um importante pormenor a ter em conta em relaçâo a todos estes estudos: a maioria deles concentra-se na

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eficiencia e näo na eficacia. Isto é, as pesquisas mostram que há práticas e organizaçôes que melhoram, mas näo nos dizeni se essa melhoria compensa os cusios envolvidos. Muitas re­formas de privatizaçao exigem fundos adicionáis e so deverào ser implementadas se as melhorias esperadas compensarem os gastos.

Equidade

Este critèrio abränge um objectivo universalmente aceite da escolarizaçâo: o da justiça nas oportunidades, recursos e resul­tados educativos, independentemente do género, classe social, raga, lingua ou localizaçâo geográfica dos alunos. A equidade pode ser avaliada em termos de investimentos - será que to­dos os alunos recebem o financiamento e recursos adequados do Estado de acordo com as suas necessidades? Será que os alunos com necessidades educativas especiáis têm escolari­zaçâo apropriada? A equidade também pode ser avaliada em termos de resultados - será que todos os alunos terminam a sua escolarizaçâo com competencias suficientes e oportunida­des iguais para progredir na vida?

Os opositores da privatizaçao defendem que esta produzirá mais desigualdade social (embora, reafirmando o que já foi dito, isso dependa mais da forma como a privatizaçao é im-plementada). É certo que as familias com maiores rendimen-tos beneficiam da privatizaçao de varias maneiras: as familias que já pagam pelo ensino privado poderäo receber um subsi­dio governamental por algo que já estavam dispostas a pagar. O subsidio irá compensar as mensalidades que estavam a pa­gar nas escolas privadas, sendo esta ocorrência muito prová-vel na maioria dos programas de cheques-ensino e mais ainda com os beneficios fiscais. Além disse, estas familias terào maior

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poder de compra para adquirir mais serviços educativos no sector privado, pelo que, se for criado um programa de che-ques-ensino e os pais puderem pagar mais que o seu valor, os mais ricos poderäo adquirir consideravelmente mais educa-çào, o que resultará em desigualdade entre alunos. Se o che-que-ensino nao cobrir despesas de deslocaçâo, por exemplo, as familias sem veículo pròprio (ou que vivam em zonas rurais) seräo penalizadas, o que pode ser um factor muito importante em países com percentagens significativas da populaçâo a vi-ver no campo. Do mesmo modo, os pais com nivel sociocultu-ral mais elevado podem ser beneficiados com a privatizaçào pois, estando provavelmente mais informados sobre as esco-lhas disponíveis, estaräo em melhor posiçâo para aproveitar os novos serviços educativos. O resultado provável é que os filhos das familias mais abastadas terao melhores hipóteses de be­neficiar da escolha da escola.

A equidade do sistema educativo pode também ser afec­tada pelos padröes de inscriçâo. De facto, boa parte do debate político sobre a justiça das reformas concentra-se em que es­colas os alunos se poderäo inscrever, isto é, se os alunos sao agrupados de acordo com o seu estatuto socioeconómico ou de acordo com as características associadas à sua condiçâo, como a raça e a capacidade fisica e mental. Um sistema edu­cativo segregado pode tornar-se injusto. Para os apoiantes da escola comum, a selecçào de alunos conforme a sua capaci­dade ou raça destrói o sistema público de ensino e produz es­colas que sao fossos de degradaçào.

Há provas que quando as familias podem escolher a escola preferem matricular os filhos em escolas onde predomine o seu pròprio grupo racial. Há também urna grande quantidade de familias que deseja introduzir os filhos em meios da mais elevada

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competencia e estatuto social. Se considerarmos que a demo­cracia assenta na maior experiencia possível de situaçôes e pessoas, tal estratificaçâo pode ser vista como socialmente in-desejável.

Os estudos internacionais sobre a segregaçâo na privatiza-çào do ensino mostram resultados relativamente consistentes. Na Nova Zelandia há indicios de divisoes étnicas devido à pri-vatizaçâo através da descentralizaçâo. A proporçâo de alunos de minorías ou com necessidades especiáis aumentou entre 4 a 6% ñas escolas com menos sucesso e caiu 2% ñas escolas de melhor qualidade (Fiske e Ladd, 2000). No entanto, os nú­meros absolutos de estudantes minoritarios ñas escolas mais bem sucedidas aumentou 1,3%, ou seja, os alunos de minorias estavam a espalhar-se pelas escolas. No Reino Unido há evi­dencias que as familias - recebendo a liberdade de escolher a escola - seleccionavam as que apresentavam níveis socio­económicos semelhantes ao seu (Gorard, Taylor e Fitz, 2002). Contudo, o efeito global da divisäo socioeconómica do sistema foi apenas ligeira e sujeita a variaçôes cíclicas de tendencia desprezíveis. Foram encontrados indicadores semelhantes na Escocia e na Bélgica, onde a competiçào entre escolas causou maior desnivel de capacidades entre escolas e níveis de en­sino, e na Holanda as escolas existentes tornaram-se mais po­larizadas, enquanto as escolas novas se tornaram etnicamente mais homogéneas (e geralmente com urna orientaçào reli­giosa). Para reforçar estas conclusöes, há provas de estudos sobre os cheques-ensino que mostram que as familias que mais beneficiam deles sao as de nivel socioeconómico mais elevado que a média (Witte, 1999), familias essas que abando­nan! as escolas públicas com piores desempenhos.

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No entanto, mesmo onde há maiores divisöes, é necessario compreender porque é que isto é um "problema". A divisäo pode ser mais eficiente e, se seguir principios inocuos, pouco importante. O efeito desta separaçao pode ser visto através de varios prismas. Um deles é a aprendizagem entre colegas - os alunos aprendem entre si e o que aprendem depende de quem sao os seus colegas. Outro é através da instruçào, que pode ser facilitada se os alunos tiverem características semelhantes (por exemplo, através da homogeneizaçao das escolas). Só que os ganhos de eficiencia com tal homogeneizaçao sao muito duvidosos. Um terceiro prisma é através do mercado de traba­llio, que assinala o valor das diferentes escolas. É obvio que as familias procuraráo escolas que permitam maior sucesso no mercado de trabalho. Se o aluno pertencer a urna escola de re-conhecida qualidade (isto é, com prestigio no mercado de tra­balho), os empregadores poderäo ter mais tendencia a oferecer um emprego a esse aluno. Já nos casos em que as escolas säo todas iguais, essa distinçâo já nâo existe, pelo que nao haverá incentivo a inscrever o aluno numa dada escola e a separar os alunos desta forma. No final, nao é fácil identificar a importan­cia relativa destes factores: os efeitos dos pares, da eficiencia pedagógica e do mercado de trabalho podem ser muito té­nues. Nesse caso, pode nâo ser importante - em termos da efi­ciencia - quai a escola escolhida.

Há tres potenciáis paliativos para a preocupaçâo com a se-gregaçào social. O primeiro é que os efeitos da separaçao po­dem ser combatidos se o financiamento for discriminado. Assim, na Nova Zelandia, os alunos das escolas com mais dificuldades recebiam mais fundos. Esta pode ser urna forma de equilibrar as diferenças. Mas se as escolas procurarem atrair alunos que proporcionem urna melhor relaçao de maior sucesso académico por custo, isso nao implica que seráo

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seleccionados os melhores alunos - tal apenas sucedería se os alunos mais competentes dispusessem do mesmo financia-mento que os menos competentes e tivessem os mesmos cus-tos. Ao fixar quantias determinadas de financiamento por aluno é possível conceber um programa de cheques-ensino que re­distribua os fundos pelos menos favorecidos do actual sistema.

A segunda possibilidade é fazer com que as privatizaçoes apenas abranjam as familias e alunos mais desfavorecidos. Muitos programas de cheques-ensino - especialmente os de menor escala - têm associado um limite de rendimento, sendo apenas elegíveis as familias abaixo desse limite de rendi­mento. Do mesmo modo, os beneficios fiscais poderäo ser apenas atribuidos com base no mérito ou no rendimento das familias. A concepçâo de um programa tem um impacto sig­nificativo na avaliaçâo da sua equidade.

Finalmente, a liberdade de escolha pode tornar o sistema educativo mais justo (Godwin e Kemerer, 2002). Os seus defen­sores argumentam que a possibilidade de escolher a escola abrirá as portas dos alunos que estao condenados a permanecer em escolas de baixa qualidade e que a competiçâo proporcionará maiores incentivos a responder as necessidades de todos os alunos de forma mais completa que as escolas actuáis. Muitos pais já exercem a liberdade de escolha e muitas familias estäo satisfeitas com as escolas a que actualmente recorrem. Os pro­gramas para promover a escola ou aumentar a qualidade des-tas beneficiariam, assim, aqueles que só têm más escolas e nao têm escolha, como é o caso das familias mais desfavorecidas. É pensando assim que os defensores da privatizaçâo conside-ram que muitas reformas - como os programas de livre escolha de escolas - iräo beneficiar especialmente aqueles que tinham apenas serviços de baixa qualidade. Logo, a privatizaçâo pode

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ajudar aqueles que estäo pior servidos pelo sistema público, serri beneficiar necessariamente os que estâo melhor ou näo precisam de outras alternativas.

Coesäo social

As escolas devem prover o bem social; esta é a principal ra-zäo pela quai sao financiadas pelo estado. O significado de "bem social" varia de sociedade para sociedade, mas numa democracia este bem social deve estar reflectido na garantia de urna experiencia educativa comum que dé aos alunos o empurräo que precisam para se tornarem membros activos das instituiçôes sociais, políticas e económicas da sociedade. Numa teocracia, o bem social pode dar ênfase à interiorizaçâo de urna crença religiosa específica mas, de modo gérai, o objectivo democrático da escolarizaçào é visto corno a neces-sidade de elementos comuns em relaçâo ao currículo, aos va­lores, aos objectivos, à lingua e à orientaçâo política. Urna democracia exige que os seus elementos dominem as com­petencias e conhecimentos necessários para a participaçâo cívica e econòmica, incluindo o conhecimento dos direitos e deveres pessoais de acordo com a lei, os principios do governo democrático, urna compreensáo genérica da economia e a pre-paraçâo para assumir funçôes produtivas.

Esta noçâo de coesäo social pode ter um profundo impacto político, gerando oposiçâo ideológica à privatizaçâo. Contudo, é muitas vezes difícil identificar "coesäo social" e os factores precisos que unem urna nacáo. Tentou-se definir coesäo so­cial como o ponto até ao qual se pode conseguir urna acçâo colectiva. Esta acçâo colectiva - tanto para a defesa nacional como para o acordo geral sobre o sistema político - depende do grau de identificacäo dos individuos uns com os outros, a

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existencia de urna liderança forte e regras claras para a parti-cipaçâo no grupo social (isto é, quem é cidadào). Pode ser im­portante que o sistema educativo promova - ou, pelo menos, näo ponha em causa - a capacidade de acçâo colectiva, pelo que os individuos podem ter mais dificuldades em identificar --se com aqueles que näo tiveram a mesma experiencia esco­lar - mesmo os líderes fortes teräo dificuldades se näo tiverem experiencias comuns com que se possam identificar com o ci­dadào comum, perturbando assim as normas sociais e a cida-dania.

Há duas formas através das quais um sistema educativo pode gerar bens sociais. Urna délas é pela pròpria concepcäo do sistema de ensino: os bens sociais säo criados quando se toma acçâo colectiva, isto é, quando todos os alunos têm di­retto ao mesmo tipo de educaçao. É esta a ideia inerente à "es­cola unificada": os bens sociais säo criados através das activi­dades comunitarias. É obvio que a privatizacáo iria subverter esta "escolarizaçao unificada" - se as familias podem por de parte a escola pública ou puderem pagar mais pela educaçao dos filhos, já näo faräo parte desta actividade comunitaria. Se as familias mais ricas puderem adquirir educaçao elitista e ex­clusiva para os seus filhos, a coesäo social pode ser prejudi-cada, tal como quando os alunos recebem urna educaçao oposta aos objectivos globais da sociedade. (Näo säo apenas os pais que podem gerar exclusividade social, as escolas pri­vadas podem impor restriçôes ñas matrículas para excluir "alunos indesejáveis".) Este é um argumento comum contra a privatizaçao e deve ser levado a serio.

Um segundo meio de produzir bem social é através do que os alunos aprendem na escola. O ensino das competencias sociais e da importancia das virtudes cívicas pode ser urna

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forma eficaz de aumentar a coesäo social. Algumas escolas po-dem incluir disciplinas de formaçâo cívica, introduçâo à polí­tica ou educaçâo moral e religiosa no seu currículo, enquanto outras podem incentivar acçôes de solidariedade por parte dos alunos, ou abordar temáticas ambientáis. A questào é se as es-colas privadas podem ensinar mais destas competencias (ou fazê-lo de forma mais eficiente) que as escolas públicas e se as familias iriam (num contexto de ensino privado) exigir mais deste tipo de educaçâo.

Os opositores da privatizaçâo e, especialmente, dos cheques--ensino, defendem que um mercado de escolhas competitivas conduziria a convulsöes sociais em vez de coesäo social, com as familias a favorecer a educaçâo que privilegie as vanta-gens individuáis em detrimento dos beneficios sociais, e as escolas a competir para lhes responder. Esta situaçâo pode re­sultar no deteriorar da participaçâo cívica, das normas social­mente aceites e da capacidade de acçâo social.

As provas em relaçâo ao primeiro caso sao do reino da es-peculaçâo. Na Europa a ligaçâo entre educaçâo privada e coe­säo social nao é obvia, mas dependente de circunstancias lo­cáis, da percentagem de escolarizaçâo privada disponível e da presença de outras comunidades. Na Holanda, por exemplo, a maioria das escolas sao privadas, mas nao se considera que o país tenha falta de coesäo social, enquanto noutros países as escolas privadas sao urna forma de evitar a integracäo com outros alunos das escolas públicas. Em parte, a coesäo social pode ser mantida obrigando as escolas privadas, que acei-tam fundos públicos, a seguir regulaçâo pública estrita (corno é o caso da Holanda). Recentemente, muitos países com regi­mes despóticos mantiveram sistemas de ensino público, tal como países em guerra civil. É, portante, difícil a este nivel

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UM SISTEMA DE AVALIACÄO DAS REFORMAS DE PRIVATIZACÄO

estabelecer urna relaçâo clara entre a escolarizaçâo pública e a coesào social. Mesmo em perspectivas mais específicas a correlaçào nao é obvia. Algumas escolas privadas de cariz re­ligioso têm um activo papel cívico e missionàrio, como é o caso das escolas católicas dos Estados Unidos, que oferecem bolsas de estudo aos alunos, mesmo que nao sejam da fé crista (Sander, 2001). Se as escolas privadas forem na verdade mais inclusivas para outros grupos sociais, entâo a noçâo de a es­cola unificada ser apenas possível no sector público deixa de fazer sentido. Contudo, estes indicios devem ser analisados com cautela em países em vias de desenvolvimento ou com fortes divisöes sociais, religiosas ou étnicas, casos em que o ensino pode necessitar de ser mais cuidadosamente regulado pelo Estado para garantir que tais divisöes nao se acentuam.

Os indicadores para o segundo caso sao mais convincentes. Por exemplo, estudos americanos verificaram que muitas es­colas católicas sao tao eficientes, quando nao mais, a transmi­tir conhecimentos de política e tolerancia para com outros grupos e a incentivar o serviço comunitario (Campbell, 2001). Outros apontam que mesmo as familias mais marginalizadas pela sociedade (em termos de crenças políticas e sociais) es-peram que os filhos sejam educados na obediencia da maioria das normas sociais. Mas estes efeitos variam de país para país: em alguns (como a Alemanna) é suposto os país orienta-rem a convivencia dos filhos enquanto as escolas se concen-tram na transmissäo de conhecimentos científicos. Neste caso, a principal preocupaçâo é que as escolas sejam eficien­tes na transmissäo de informaçâo especializada.

Até agora, os indicadores sobre a relaçâo entre a privatiza-çâo e a coesäo social säo pouco claros. Talvez as sociedades sejam suficientemente robustas e adaptáveis para suportar

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mudanças no seu sistema educativo serti prejudicar a sua coe-sâo social, mas isso dependerá da radicalidade das mudan­ças. Se a reforma de privatizaçâo for mínima, ou afectar ape­nas o serviço público e nâo o financiamento público, talvez a coesäo social nao seja afectada (ou as mudanças sejam inde-tectáveis). Por outro lado, se a privatizaçâo incentivar as fa­milias a gastar mais dinheiro na educaçâo, e esta gerar maio-res competencias de socializaçâo, entâo talvez a coesäo social aumente.

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A privatizaçao em varios pontos do mundo

Exemptas e indicadores

Neste capítulo enunciaremos os modelos e resultados das varias reformas privatizadoras em varios países, incluindo os Estados Unidos, onde foram feitos varios estudos de relevo, mas também países da América do Sul, da Europa e da Asia. Os exemplos foram seleccionados para ilustrar a variedade de opçoes de privatizaçao e os efeitos prováveis dessas reformas, interpretados em relaçào as razöes da privatizaçao e aos quatro criterios apresentados no capítulo anterior. Contudo, é impor­tante notar que o impacto de urna reforma depende de varios factores que podem ser específicos de cada país, além de que muitos estudos apenas conseguem esclarecer aspectos limita­dos do processo reformador - os planificadores e decisores po­líticos teráo, na aplicaçâo do sistema, de tomar decisôes sob condiçôes de considerável incerteza.

O programa universal de cheques-ensino: Chile

Em 1980, o Chile introduziu um programa universal de che­ques-ensino, juntamente com a delegacäo da responsabilidade da educaçâo para as autoridades locáis (McEwan, 2001). O pro­grama universal de cheques-ensino permitía aos alunos matri-cularem-se tanto em escolas públicas como privadas e estas escolas receberiam urna quantia mensal baseada no número de alunos inscritos. O cheque-ensino era por isso urna quantia fixa

IV

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇOES

para cada aluno, embora com algumas variaçôes para casos de extrema pobreza ou isolamento geográfico.

O impacto imediato da reforma era aumentar o número de escolas privadas e a percentagem de inscriçôes nessas escolas e, entre 1981 e 1996, as matrículas neste sector aumentaram de 15% para 33% do universo de alunos. O privado também se tor-nou mais variado, com escolas religiosas a multiplicarem-se, tal como as escolas nao-religiosas. Mas nao existe qualquer prova que as escolas privadas fossem mais eficientes que as escolas públicas, pois ñas comparaçoes entre notas de exames as privadas tinham resultados equivalentes aos das escolas públicas, embora as escolas católicas apresentassem notas ligeiramente melhores que ambos os sectores, e as escolas pri­vadas de elite (que nao aceitavam cheques-ensino) apresen­tassem as notas mais altas de todas, mas também os maiores custos.

O programa de cheques-ensino em larga escala: Colombia

O Programa de Ampliación de Cobertura de la Educación Secundaria (PACES) foi criado em 1991 para atribuir cheques--ensino a mars de 125 000 alunos colombianos (ver Angrist, Bettinger, Bloom, King e Kremer, 2001). O cheque-ensino foi definido a cerca de 50% do custo da educaçào privada sendo apenas elegíveis para o receber familias de zonas pobres ou com filhos ñas escolas básicas públicas e apenas podendo ser usados em escolas com fins nao lucrativos.

A avaliaçâo do PACES revela muitos factos importantes so­bre os programas de cheques-ensino em grande escala. Primeiro, que o cheque-ensino aumentava consideravelmente

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A PRIVATIZAÇAO EM VARIOS PONTOS DO MUNDO

as hipóteses de um aluno receber urna bolsa de estudo para urna escola privada (embora apenas metade das escolas priva­das aceitasse os cheques). Teve também influencia ñas práti-cas de inscriçào ñas escolas privadas, com os pais a demons­trar com clareza a preferencia por um novo tipo de escola. Em segundo lugar, os beneficiarios do cheque-ensino permane-ciam na escola por um período de tempo ligeiramente mais longo e alguns tinham menos reprovaçoes. A maior diversidade de escolha permitia aos alunos descobrir o tipo de escolariza-çào mais adequado. Em terceiro lugar, os recipientes dos che­ques indicaram notas mais altas tres anos após a sua aplicaçâo: quando considerados outros factores, verificou-se que a recep-çâo do cheque-ensino tinha o efeito de subir as notas médias em cerca de 0,2 pontos (embora este efeito fosse apenas esta-tisticamente significativo ñas raparigas). Isto é o equivalente a um ano extra de escolarizaçâo, que por sua vez é equivalente a um aumento de salario de 10% na Colombia. Pelo menos no que diz respeito aos participantes, o sistema de cheques-ensino foi extremamente eficiente. Até porque o sistema de cheques-en­sino encorajou a familia a gastar mais dinheiro com a educaçâo dos filhos - o que era em parte necessario para cobrir as men-salidades escolares. É claro que apenas as familias mais abas­tadas sao capazes de suportar os pagamentos acrescidos, pelo que poderá ter havido consequências ao nivel da coesäo e jus-tiça social.

O programa restrito de cheques-ensino: Milwaukee, EU A

O Milwaukee Parental Choice Program foi lançado em 1990 como um programa restrito de cheques-ensino para alunos das escolas públicas de Milwaukee. Os alunos elegíveis - ape­nas de familias mais desfavorecidas - podiam utilizar o cheque

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em qualquer escola particular e religiosa certificada que, em 2002, eram já em número de 103, com um total de 11 624 alu-nos matriculados no ámbito do programa. O cheque-ensino é actualmente do valor de 5783 dólares por aluno, o que lhes dá urna folga considerável para escolher urna escola sem ter de suportar por si os custos elevados das mensalidades.

Há varios aspectos desta reforma a destacar. Primeiro, que é um programa de ámbito limitado, destinado a resolver um pro­blema urbano específico: a falta de educaçào de qualidade para os alunos de Milwaukee. Neste aspecto a sua intençâo é reduzir as desigualdades na qualidade da educaçào entre alu­nos dos suburbios e alunos das baixas citadinas6. Em segundo lugar, os indicios apontam que, dentro do grupo desfavore­cido, sao as familias relativamente mais educadas e menos po­bres que utilizam o cheque-ensino. Este efeito apoia a espe-culaçâo que o programa de cheques-ensino retira os alunos mais capazes do ensino público. Em terceiro lugar, o programa impöe regulacöes muito ténues ñas escolas privadas envolvi­das, que nem têm de apresentar os resultados dos alunos, pelo que nao é possível avaliar a eficiencia relativa das escolas que os alunos escolhem. Avaliaçôes directas realizadas em condi-çôes quase experimentáis revelam apenas melhorias modes­tas para estes alunos: comparando-os com os alunos que fica-ram de fora do programa, há um impacto positivo de 0,08 a 0,12 pontos de incremento por ano a matemática, mas ne-nhum efeito na leitura (Rouse, 1998). Por firn, como o programa é bastante restrito, parece nao haver problemas adversos de coesáo social. Nao foi detectada qualquer mudança no sentido

6 Os autores referem-se a urna situaçâo, também cada vez mais comum em Portugal, o facto de no centro da cidade se concentrarem os bairros problemáticos e degrada­dos enquanto a classe média se estabelece na periferia. (N. do T.)

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A PRIVATIZAÇAO EM VARIOS PONTOS DO MUNDO

de deixar de favorecer a educaçâo para a participaçâo cívica em detrimento da educaçâo para o ganho pessoal.

O programa universal de escolha da escola pública: Inglaterra

Em 1988, o Education Reform Act conferiu a todas as fami­lias de Inglaterra e Gales o direito de escolherem qualquer urna das escolas estatais, mesmo se localizadas fora da sua área ou regiäo, para matricular os filhos. Em Inglaterra, o termo public schooF aplica-se a um conjunto de escolas privadas indepen-dentes, de cariz tradicionalista. As escolas estatais recebiam os seus fundos conforme o número de alunos inscritos (de acordo com um recenseamento feito a todas escolas em Janeiro de cada ano), sendo aqueles decididos ao nivel central, com influencia mínima das autoridades locáis (ao nivel dos serviços especiáis, por exemplo), e atribuidos directamente à escola. Por outras palavras, a lei em causa fundou um pro­grama nacional de escolha da escola, criando um mercado competitivo dentro do sistema público e associando directa­mente os orçamentos das escolas com a escolha dos pais. Esta reforma consiste essencialmente na criaçâo de um semimer-cado da educaçâo em larga escala.

Fizeram-se varias avaliaçôes rigorosas desta reforma e as conclusöes foram quase unanimemente positivas. Os pais apreciaram a liberdade de escolher a escola e deixarem de ser obrigados a inscrever os filhos na escola da área de residen­cia, as autoridades escolares saudaram a autonomia de que

7 Literalmente "escola pública" mas, como referem os autores, com um significado muito diferente do convencionado. (N. do T.)

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICACÖES

passaram a gozar com a atribuiçâo directa de fundos (Bullock e Thomas, 1997). Há indicios que as escolas se tenham tor­nado mais eficientes devido à pressäo competitiva dos outros estabelecimentos (Bradley, Johnes e Millington, 2001) e nao fo­rain detectados efeitos na equidade ou coesäo social: as esco­las näo se tornaram mais ou menos segregadas segundo a ca-pacidade, raça ou estatuto socioeconómico que antes das reformas, nem há provas que algumas escolas se tenham de­gradado substancialmente (Gorard, Taylor e Fitz, 2002). Ou seja, obtiveram-se pequeños ganhos na eficiencia e alguns ga­nhos na liberdade de escolha sem perda de coesäo social ou maior desigualdade.

O sistema de gestäo privada da escola: Holanda

Na Holanda deparamos com um sistema educativo substan­cialmente privatizado (Patrinos, 2002). Cerca de 70% dos alunos holandeses frequentam escolas geridas por entidades privadas. Muitas destas entidades sao fundaçoes religiosas (nao só pro­testantes ou católicas - as duas religiöes dominantes - mas também judias e muçulmanas), mas também existem escolas laicas e escolas com abordagens pedagógicas específicas. Embora estas escolas possam impor criterios de admissäo de estudantes, muitas adoptam um sistema aberto.

É relativamente simples fundar urna escola privada, basta que haja urna solicitacäo de um número mínimo de pessoas de dada comunidade, mas as escolas näo podem ter corno objectivo o lucro. O financiamento estatal cobre os custos de investimento e as autoridades municipais pagam as despe­sas de funcionamento. Ou seja, o sistema holandés assenta na gestäo privada e nos fundos públicos. Contudo, há tam­bém urna monitorizaçâo pública muito estrita, regras para o

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A PPJVATIZAÇÂO EM VARIOS PONTOS DO MUNDO

currículo, o número de horas de aula, os programas, a infor-maçào dos resultados escolares e os métodos de avaliaçâo.

Os estudos deste sistema revelam dados positivos para a li-berdade de escolha e a eficiencia académica, sem desigualda­des dramáticas ou aparente perda de coesäo social (Patrinos, 2002; Walford, 2000). Um número muito significativo de pais indica que conseguiu escolher urna escola de acordo com as suas necessidades. Os alunos holandeses costumam atingir bons resultados nos testes internacionais e há indicadores de que as escolas católicas têm melhores resultados que as esco­las públicas (Levin, J.D., 2002). Por firn, apesar de o país estar dividido em comunidades protestantes e católicas, há poucas provas que indiquem urna maior divisâo social devido à exis­tencia de sistemas escolares separados.

Liberalizacäo da esco la privada: Repúbl ica Checa

No principio dos anos noventa, a República Checa reformu-lou o seu sistema educativo, abrindo-o ao mercado educativo (Filer e Muenich, 2000). O financiamento público era distribuido consoante o número de alunos inscritos na escola e qualquer escola acreditada poderia receber subsidios estatais. Adicio-nalmente, foi dada autonomia aos professores e às escolas para gerir matrículas, currículos e avaliaçâo e às escolas se­cundarias para alargar o seu àmbito para mais níveis de en-sino. Cada escola privada passou a receber dois tipos de sub­sidios: o primeiro era automático e abrangia cerca de 50% do financiamento dado às escolas públicas, o segundo dependía de urna inspecçâo à escola por urna delegaçâo governamental e, somado ao primeiro subsidio, nao podia ultrapassar o limite total de 90% do financiamento de urna escola pública.

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Globalmente, a reforma teve um forte impacto na liberaliza-çâo do mercado educativo, com varios efeitos. Primeiro, o sec­tor privado correspondeu à oportunidade multiplicando o nú­mero de escolas, nomeadamente em zonas urbanas ou regiöes em que a qualidade das escolas públicas era bastante baixa. Em 1996/97, a proporçâo de alunos ñas escolas privadas do en-sino básico e secundario era de 5%, facto este que sugere que a competiçâo no mercado educativo incentiva a concurrencia entre escolas de alta e baixa qualidade. Segundo, mesmo que o número de escolas privadas tenha passado de zero para 440 em menos de dez anos, a quantidade de alunos que acolheram nao foi particularmente significativa, pois a maioria destas es­colas eram mais pequeñas que as escolas públicas. Isto é con­sistente com os indicios de outros países, de que um mercado competitivo pode incentivar novas escolas de prestigio a elevar a qualidade do ensino, mas que é pouco provável a substi-tuiçâo do sistema público por escolas privadas. Por último, a maioria das escolas privadas introduziu taxas adicionáis para serviços educativos extra (embora muitas escolas de inspira-cao religiosa obtenham agora financiamento da diocese ou pa-róquia locáis para cobrir alguns dos custos). Ou seja, as escolas desenvolveram estrategias para cobrar aos diferentes alunos diferentes formas de pagamento, o que poderá representar urna desvantagem para as familias mais carenciadas, com mais ne-cessidades educativas.

O financiamento privado do Ensino Superior: indicadores internacionais

Desde 1980 que se assiste a urna mudança significativa de quem paga o ensino superior, que passa do governo para os alunos e suas familias. Este reequilíbrio na "partilha de custos" ocorreu em varios países, com diversos sistemas e tradiçôes

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de ensino superior. Esta mudança reflecte em parte o aumento geral da percentagem de alunos que pretenderli frequentar o ensino superior, obtendo assim salarios mais elevados, mas näo um aumento do número de estabelecimentos deste nivel de ensino. Esta partilha de custos funciona principalmente através de: a) introduçào de propinas para os alunos; b) subida das taxas cobradas por serviços relacionados (como das resi­dencias e cantinas universitarias); c) reduçôes no financia-mento que os alunos recebem do Estado; e/ou d) incentivos concedidos as universidades privadas para corresponderem ao excesso de procura (Johnstone e Shroff-Mehta, 2000). Cada urna destas reformas teve o efeito de transferir a carga econò­mica do ensino superior para o aluno.

Esta transferencia de encargos pode ser um meio impor­tante de averiguar a vontade dos estudantes pagarem pela sua educaçâo e também as suas preferencias. Näo só as propinas geram receitas para a universidade, como servem para racio­nalizar os lugares ñas universidades e facultar informaçâo im­portante sobre a procura do ensino superior. O valor das pro­pinas é muito variável de país para país: enquanto no Canadá e nos EUA estas podem variar de universidade para universi­dade, noutros, como o Japäo e o Reino Unido, a propina é fixa e invariável. E frequente que os alunos de familias carenciadas recebam boisas ou isençôes de propinas, mas os termos em que säo dadas säo cada vez mais restritivos (ainda que alguns países, como a Escocia e a Irlanda, tenham reduzido as propi­nas nos anos 90 e os países escandinavos hesitem mesmo em introduzi-las). Contudo, as propinas de valor fixo (mesmo que zero) näo proporcionam grande informaçâo sobre a vontade dos alunos pagarem pelo ensino superior, pelo que é pouco provável que sejam eficientes.

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇÛES

Urna abordagem alternativa é combinar a partilha de cursos com mais empréstimos a estudantes. Por exemplo, na Australia foram introduzidas propinas, em 1989, no valor de 25% dos cursos totais (depois de 1996 foram definidos très ní-veis de propinas, com montantes e modos de pagamento dife­rentes), podendo os alunos adiar o pagamento destas até ga-nharem salarios acima de um dado limite, gozando de juros muito baixos. A criaçâo deste Higher Education Contribution Scheme parece näo ter tido grande efeito no desencoraja-mento dos alunos de aceder a este nivel de ensino ou a mudar o seu padräo de matrículas ao longo dos varios níveis salariais (Chapman, 1997). No entanto, o sistema está muito longe de conseguir cobrir os seus custos, com base nos encargos actuáis de um curso universitario, pelo que nao estamos perante urna privatizaçào total.

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Implicaçôes no p laneamento educacional

Implicaçôes gérais

Neste último capítulo vamos apresentar as implicaçôes das reformas de privatizaçâo no planeamento educativo e na im-plementaçâo de programas. Separaremos estas implicaçôes em varios dominios: políticos, jurídicos e económicos, embora muitos deles se confundam e sobreponham.

É obvio que as opçôes de privatizaçâo sao bastante latas, o que permite estrategias de reforma bastante flexi veis, sendo possível que estas sejam concebidas para responder a qual-quer número de objectivos. Para demonstrar a importancia da concepçâo, passaremos a comparar tres planos. Por exemplo, nos sistemas de cheques-ensino é necessario que o decisor educativo especifique os criterios de elegibilidade, o valor dos cheques e os serviços de apoio a criar.

No Quadro 1 (ver p. 19) temos tres alternativas criadas com base num plano desenvolvido por Sawhill e Smith (1999, p. 269) e Levin (2002). Estes très planos de cheques-ensino vâo do mais ampio ao mais restritivo em termos de elegibilidade, financiamento e serviços de apoio. Estas très opçôes foram es­coltadas por motivos puramente ilustrativos e para demonstrar as possibilidades de privatizaçâo através dos cheques-ensino.

A Opçâo 1 é um programa de cheques-ensino "generoso", pois permite cheques-ensino a todos os alunos, utilizável em todas as escolas e em que estas aceitam os alunos que quiserem. As

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICAÇÔES

escolas religiosas, à distancia, ensino doméstico e ciberesco-las tornam-se assim opçôes válidas para as familias que rece-bem o cheque. Esta opçâo é também bastante generosa em termos de financiamento: o valor do cheque-ensino é equiva­lente ao que é gasto no ensino público e é aplicado por igual a todas as familias, independentemente das suas condiçoes, e pode ser complementado com pagamentos extra, se a familia assim o desejar. Com este cheque-ensino, as familias poderäo recorrer as opçôes do ensino privado e gastar tanto quanto pu-derem. Finalmente, a Opçâo 1 é "generosa" em termos de re-gulamentaçâo, pois é pago o transporte do aluno para que ele frequente qualquer escola, mas esta nao é obrigada a informar sobre a qualidade da educaçâo ou o currículo que oferece. Logo, o Estado teria muito pouco controlo sobre o sistema edu­cativo.

Em contraste, as Opçôes 2 e 3 sâo bastante mais restritivas em termos de elegibilidade, financiamento e serviços de apoio. A Opçâo 2 é, em termos genéricos, um programa de cheques--ensino "de incentivo": apenas sao elegíveis as familias mais carenciadas e as escolas independentes, mas o financiamento varia conforme o desempenho da escola e as familias podem gastar menos que o valor do cheque e recuperar a diferença. Esta característica pôe a pressâo ñas escolas para serem efi­cientes e fornecer apenas os serviços que as familias querem. Por outro lado, esta opçâo também especifica que nao deve existir informaçao recolhida pelo Estado, o que coloca a res-ponsabilidade ñas escolas e nos pais para comunicaren! entre si directamente. A Opçâo 3 pode ser vista como um programa "centrado na monitorizaçâo": os cheques-ensino só sao dispo-nibilizados quando a escola nao responde a certos padrôes de exigencia, os pais devem ter acesso à informaçao completa e as escolas que recebem os cheques-ensino têm de manter os

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IMPLIOAÇÛES NO PLANEAMENTO EDUCACIONAL

resultados dos alunos acima de um dado patamar. Para este programa, a privatizaçào garante que as escolas nao descem abaixo de um certo nivel.

A Tabela 1 é apenas um exemplo da variedade de opcöes disponíveis em varios campos. Os decisores podem escolher entre cada um destes campos para conceber programas de cheques-ensino adequados, consoante as suas prioridades e constrangimentos financeiros.

Implicacöes políticas

Talvez a mais importante implicaçâo para o planeamento das reformas de privatizaçào seja o da "materia política". Boa parte do debate e das opcöes políticas tomadas em relaçâo à privatizaçào sao motivadas por razöes políticas ou ideológicas. Os defensores refer em apenas as evidencias, que apoiam a sua posiçào, de que a privatizaçào terá grandes beneficios para o sistema educativo. Do mesmo modo, os opositores diräo ape­nas que a privatizaçào danificará o sistema educativo e pro-duziräo evidencias para se apoiar. Isto sao posiçôes de força, para as quais nenhuma prova será suficientemente irrefutável.

Os decisores deveräo estar conscientes que os programas de privatizaçào suscitaräo uma forte reacçâo política, tanto a favor como contra, dos grupos "de interesses especiáis". Os principáis opositores da privatizaçào costumam ser os repre­sentantes da educaçâo e os sindicatos de professores, que constituem a mais bem organizada "oposiçâo" à privatizaçào e receiam a ameaça aos seus postos e condiçôes de trabalho. Mas há outros que se opöem à privatizaçào, uns que a consi-deram uma opçào educativa verdadeiramente má, outros que sâo ideologicamente motivados em favor do governo e em

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUOAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇÔES

detrimento dos interesses privados (ver o debate em Carnoy, 1997), que iräo defender que a escola pública está a ser posta em perigo e a coesáo social prejudicada (ou que as escolas pri­vadas sao menos eficientes). Todos eles resistiräo acerrima­mente às tentativas de introduzir a competiçâo no mercado educativo ou de mudar o equilibrio de poder dos profissionais da educaçào para os pais. Os decisores terào de ter em conta que por em causa os profissionais da educaçào pode fazer pe-rigar qualquer reforma, incluindo a privatizaçâo. Em Gales, por exemplo, houve urna série de reformas na década de 90 para introduzir um sistema de monitorizaçào privado na educaçào que foram boicotadas por altos responsáveis educativos. Nos EUA, os sindicatos de professores instauraram processus judi-ciais e mobilizaram protestos contra os programas de che-ques-ensino.

Pelo contrario, os contribuintes, os pais e familias que já re-correm a escolas privadas poderào ser altamente favoráveis à privatizaçâo. Também eles seräo motivados pelo interesse prò­prio: os contribuintes poderâo esperar que haja ganhos de efi­ciencia que resultem em impostos mais baixos; os pais podem julgar que a privatizaçâo lhes dará mais opçôes; e as familias que recorrem a escolas privadas podem desejar reduzir as des­pesas com a escola. Haverá, também, grupos a favor da priva­tizaçâo porque julgam ser urna reforma eficaz ou por estarem ideologicamente empenhados em reduzir o envolvimento do governo na esfera da vida privada. Todos estes grupos certa­mente darâo ênfase aos ganhos com a liberdade de escolha e com a eficiencia produtiva de mais privatizaçâo.

De forma gérai, opôem-se à privatizaçâo os grupos que pro­curane maior intervençâo governamental no sistema educativo e sâo-lhe favoráveis os grupos que defendem maior liberdade

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IMPLICAÇÔES NO PLANEAMENTO EDUCACIONAL

individual e impostos mais babeos. Este cálculo político sim­ples sugere que o apoio à privatizaçâo será dos que pagam im­postos mais elevados sob o actual sistema. Contudo, as refor­mas educativas, ao contrario de outras, afectam mais alguns grupos que outros. Concretamente, as familias com ñlhos em idade escolar preocupar-se-äo muito mais com as reformas educativas que a maioha dos eleitores: para estas familias a qualidade da educagäo pode ser um problema crítico na deci-säo de que partido politico ou comunidade apoiar. É provável que sejam contra reformas que possam reduzir o financia-mento do sistema educativo, e nem todas as familias aprecia-räo políticas de maior liberdade de escolha da escola. Alias, al-gumas familias procuram deliberadamente escolas elitistas e näo ficaräo contentes com "escolhas" que minem esse eli-tismo. Adicionalmente, alguns grupos apoiarâo a privatizaçâo, apesar de terem objectivos diferentes (como impostos mais baixos, por um lado e melhores escolas, por outro).

Mas há também muitos elementos da sociedade que nao compreendem as reformas de privatizaçâo e näo conseguem identificar os efeitos destas reformas. Ideias como cheques--ensino ou (nos Estados Unidos) charter schools sao incom-preensíveis para a maioria da populaçâo e, quando as reformas sao complexas e de impacto pouco claro, muitas pessoas de-sinteressam-se e optam pelo status quo (este efeito é provável, mesmo antes da concepçâo da reforma). Os decisores educa­tivos devem ter consciência que há muitas dúvidas, incertezas e ignorancia sobre o que sao as reformas de privatizaçâo e que impacto teräo.

Dado o leque de reformas de privatizaçâo que sao possíveis e exequíveis, algumas teräo apoio popular e maioritário (ou se-räo menos problemáticas). Por exemplo, permitir que sejam

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A PRIVATIZAÇÀO DA EDUCAÇÀO - CAUSAS E IMPLICAÇOES

empresas privadas a fornecer os manuais escolares pode ser politicamente aceitável, mas, pelo contrario, permitir que ou­tras empresas privadas vendam serviços educativos pode ge-rar oposiçâo política daqueles que nao apoiam a privatizaçâo. Outras formas de aumentar o apoio das reformas sao pura­mente semánticas, como substituir o termo "cheque-ensino", mais polémico, por "bolsa", mais inocuo. Mas houve varias re­formas que falharam pelas razöes referidas atrás. Em 1996/97, o governo británico propos um programa de cheques-ensino para o pré-escolar para tentar aumentar o número de infantá-rios no país. Mas o projecto seria abandonado devido à mu-dança de governo, näo sendo já o novo executivo politica­mente defensor da privatizaçâo e estando desejoso de manter boas relacöes com os responsáveis locáis de educaçâo. Em 1993/94, Porto Rico propos um plano alargado de cheques--ensino que foi abandonado após protestos dos sindicatos de professores. A forma como o programa de privatizaçâo é con­cebido e implementado pode fazer urna grande diferença para a sua popularidade e sucesso.

Embora estas conclusöes sejam de ámbito gérai, é possível ser mais definitivo, com base ñas experiencias de varios paí­ses. Como observamos no primeiro capítulo, há tres formas principáis de privatizaçâo: serviços, financiamento e monitori-zaçâo. De urna forma gérai, a última destas é a menos polé­mica: muitos pais gostarâo de ter mais escolhas e mais infor-maçâo sobre a qualidade das suas escolas, e os profissionais da educaçâo teräo dificuldade em negar que os pais devem ter mais influencia sobre este aspecto (Moe, 2001). A segunda -incentivar mais financiamento privado da educaçâo - pode ser politicamente menos atraente. Nos países onde a maior parte da escolaridade obrigatória decorre no ensino público, as fami­lias resistirâo à introduçâo ou aumento de cusios. Há muitas

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IMPLICAÇOES NO PLANEAMENTO EDUCACIONAL

economías onde as familias säo já co-financiadoras da escola-rizaçâo: a questäo é se o seu fardo deve aumentar ou näo. Até porque há pouco apoio as familias que podem pagar o ensino privado - na maioria dos países estas constituem urna minoria do eleitorado. A aprovaçào política da prestaçâo de serviços educativos privados é ainda mais complexa e exige a com-preensäo dos factores jurídicos, culturáis, religiosos e sociais envolvidos. Como observamos anteriormente, contratar priva­dos para fornecer serviços paralelos, como as cantinas, pode ser urna opçào bem aceite e muitos profissionais da educaçâo säo favoráveis à autonomia de poder tomar essas decisöes ao nivel da escola, em vez de terem de se submeter a contratos firmados por autoridades administrativas de nivel superior. Este tipo de privatizaçâo - mais urna "liberalizaçâo" das estru-turas educativas - revelou-se muito satisfatória para os profis­sionais educativos tanto no Reino Unido como na Nova Zelandia durante as reformas do inicio da década de 90. Contudo, o fomecimento privado de serviços educativos (ou seja, as aulas dadas aos alunos) gera com frequência grande controversia política. Veja-se o exemplo dos EUA, onde os for-necedores comerciáis de educaçâo provocaram reacçôes an­tagónicas consideráveis por parte dos sindicatos de professo-res, associaçoes comunitarias e organizaçôes políticas. Este tipo de privatizaçâo é, por isso, politicamente "escaldante".

Implicaçoes económicas

Os efeitos económicos das reformas de privatizaçâo va-riam consoante a escala da reforma. Urna opçâo privatiza-dora similar à da Opçâo 1 seria consideravelmente mais dis­pendiosa que um programa abrangendo apenas familias mais desfavorecidas, por exemplo.

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A PRIVATIZAÇAO DA EDUCACÄO - CAUSAS E IMPLICAÇÔES

A introduçâo de um progiama de cheques-ensino pode re­sultar em consideráveis cusios de reorganizaçâo. Estes custos foram estudados nos EUA por Levin e Driver (1997), que cal­cularan! que o total dos custos do sector público subiriam cerca de 27% com a criaçâo do sistema universal de cheques--ensino. Estes custos seriam constituidos por duas despesas de grande impacto e très de menor significado. A primeira grande despesa é acolher os alunos que antes frequentavam o ensino privado e agora passaráo a ser elegíveis para receber os cheques-ensino. Nem todas as escolas aceitaräo os cheques, nem todos os alunos os utilizami, mas urna larga percentagem dos alunos do privado provavelmente iria aproveitá-lo. Logo, as despesas públicas aumentariam tanto quanto o número de alunos que recorresse ao cheque vezes o valor deste. Nos va­rios países em que a percentagem de alunos no privado ultra­passa os 5%, isto implica urna pesada despesa. O segundo grande custo é o do transporte: para assegurar que os alunos têm escolhas exequíveis é necessario disponibilizar transpor­tes para as varias escolas. Isto porque agora é suposto, e mesmo encorajado, que os alunos escolham escolas fora da sua zona de residencia. É obvio que em muitos países em desenvolvi­miento pode nao haver transportes para zonas rurais remotas, as quais, dada a sua esparsa populacäo, näo teräo grande es-colha de estabelecimentos escolares.

As tres despesas menores que devem ser tidas em conta sao: a necessidade de fiscalizar e controlar se todos os estu-dantes elegíveis recebem o cheque-ensino e se näo há alunos nao-elegíveis a recebê-lo; a necessidade de manter actuali­zada a informaçào sobre quais as escolas que aceitam o che­que, e, finalmente, o julgamento de casos conflituosos em que os termos do cheque-ensino sao pouco claros ou em que haja divergencias entre as escolas e os alunos.

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IMPLICAÇOES NO PLANEAMENTO EDUCACIONAL

Em adiçâo, o custo da reforma deverà ter em conta a neces-sidade de responder aos desafios dos que se lhe opöem - a existencia de grupos que se opöem à privatizaçâo faz aumen­tar os custos de aplicaçâo da privatizaçâo (por exemplo, com os atrasos na implementaçâo do programa). Os programas po-dem ser temporariamente interrompidos ou perturbados por grupos que se recusam a ver as suas escolas privatizadas. Há ainda um custo final de reestruturar o sistema educativo antes de o privatizar. Por exemplo, se urna companhia privada for contratada para tomar conta de um dado serviço da escola, aquela pode exigir que os recursos já existentes sejam organi­zados. Um exemplo é a aversâo que as companhias privadas tern em encarregar-se de trabalhadores com contratos colecti­vos: normalmente estas companhias preferem ter total con­trolo sobre quem é empregue, quantos funcionarios sao ne-cessários e quanto é que cada um deverà receber.

A privatizaçâo pode alterar o fluxo de dinheiro para o go­verno, tanto a curto como a longo prazo. Em alguns casos, a privatizaçâo implica a transferencia de bens das organizaçôes governamentais para as companhias privadas. A curto prazo, estas transferencias podem aumentar as receitas do governo, aumentos esses que devem ser equilibrados pelo governo para garantir educaçâo livre e universal nos anos seguintes. Afinal, a privatizaçâo, muitas vezes, é apenas urna troca de recursos e näo um aumento de receitas. É claro que a carga de custos e receitas pode variar nos varios níveis do sistema educativo: um esquema de cheques-ensino, como a Opçâo 1, por exem­plo, tem de ser altamente descentralizado, com os fundos a se-rem desviados para as bases do sistema de ensino.

Os potenciáis ganhos de eficiencia da privatizaçâo depen-derâo de como a reforma é aplicada. Neste caso os factores

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A PRIVATIZAÇÂO DA EDUCAÇÂO - CAUSAS E IMPLICACÖES

mais importantes sao o "prego" do serviço e como vendê-lo. Logo, para urna reforma liberalizar a provisäo das escolas, um decisor tem de decidir o valor dos fundos disponibilizados aos novos operadores e em que termos. No caso das charter schools americanas, estas recebem consoante o número de alunos, o que inclui custos operacionais e custos nao fixos, tendo estas escolas de procurar fundos adicionáis para cobrir despesas ex­tra. Neste caso, as charter schools estäo em desvantagem eco­nòmica, mas reduz-se o risco de o sector público ter de pagar a mais por este serviço. Outra abordagem de baixo risco é oferecer beneficios fiscais para as despesas educativas, mas fixá-los num valor baixo. Por outro lado, o responsável deverà também decidir a duraçâo do contrato: enquanto as escolas públicas têm contratos ilimitados, muitas charter schools têm contratos de très ou cinco anos. Impor limites temporais ao contrato reduz o risco do decisor - se a escola privada for pior que as escolas públicas é fácil terminar o contrato - mas eleva o risco para os privados. Esta incerteza provavelmente reflec-tir-se-á, em parte, no prego que o operador privado cobrar ao Estado. (Outros riscos para a eficiencia sao o peso morto de in­centivar um monopolio do sector privado ou o desenvolvi-mento de corrupçâo no sector privado.)

De modo geral, quando se decide o custo da privatizagáo, todos os termos do "contrato social" têm de ser declarados em simultáneo, de modo a que o serviço possa ser adequada-mente avahado. É vital proceder a um avaliaçâo rigorosa do serviço: em educaçào pode pretender-se urna melhoria dos re­sultados escolares, mas também que se inculquem competen­cias sociais aos alunos. Todas estas expectativas e exigencias devem ser contratualizadas pois, fundamentalmente, o criterio económico que rege a privatizaçâo é aumentar o valor dos be­neficios dos consumidores. No entanto, se houver ganhos de

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IMPLICAÇÔES NO PLANEAMENTO EDUCACIONAL

eficiencia a obter da privatizaçâo, deve esperar-se que os ope­radores privados "lucrem" por entrar no mercado educativo. Embora o conhecimento destes lucros possa gerar oposiçâo, estes lucros säo urna motivaçâo necessaria para começar urna nova escola.

Os ganhos económicos da privatizaçâo dependerá do nú­mero de novos fornecedores de educaçâo ou de quantas esco­las aumentaiäo a sua capacidade. A privatizaçâo apenas será possível se existirem novos fornecedores de serviços educati­vos. Os responsáveis pela educaçâo teräo um papel vital no encorajamento de novas opçoes de escolarizaçâo. Urna deci-säo importante é se se deve permitir que as escolas privadas que recebem fundos públicos possam ter urna orientaçâo reli­giosa. Há muitas familias que colocam os seus filhos em esco­las religiosas (pelo menos no ensino básico) tanto porque con­sideranti importante dar aos filhos urna educaçâo dentro da sua fé, como porque as organizaçoes religiosas têm acesso a re­cursos que servem para apoiar os cursos da escolarizaçâo. Logo, as escolas religiosas säo as que mais beneficiamo com a introduçâo de reformas libérais (embora no Chile tenha apare­cido um número considerável de escolas nâo-religiosas). No entanto, muitos contribuintes seräo renitentes em financiar escolas religiosas, especialmente se forem escolas de urna de-nominaçâo religiosa diferente da sua. De modo geral, quanto mais abrangentes as regras, isto é, inclusivas de escolas reli­giosas, empresas comerciáis, cooperativas de professores ou de pais, mais possibilidade há de sur gir em novos operadores de educaçâo.

Mas determinar novas regras para permitir o surgimento de novas escolas e seu financiamento nao é garantía que haverá mais escolas. A resposta das novas escolas é bastante lenta:

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demora varios anos construir novas instalaçôes escolares, por exemple Fundar escolas em comunidades pequeñas - espe­cialmente em áreas rurais ou com sistemas de transporte defi­cientes - pode ser um grande risco. É possível que ñas econo­mías emergentes os recursos e infra-estruturas necessários para fundar urna nova escola (ou centro de explicacöes) sejam relativamente baratos. Mas também é necessario ter em conta que as respostas dos possíveis operadores serâo mais lentas a curto prazo que a longo prazo, além de que as escolas privadas teräo receio de aceitar o dinheiro do governo se este implicar regulamentaçâo intrusiva da gestào da escola, como o curri-culo, a composiçâo do corpo docente ou a selecçâo de alunos. Quando as escolas privadas esperam regulaçào adicional do governo, normalmente säo menos propensas a aceitar alunos com cheques-ensino. Por firn, os beneficios da escolha da es­cola e do mercado podem ser mais obvios com urna populaçâo numerosa e num ampio ambiente urbano, onde as escolhas sao mais variadas. Pode ser mais fácil a privatizaçâo urbana que a privatizaçâo rural, factores que os decisores políticos também deveräo ter em conta.

Se asprivatizaçoes realmente aumentam a eficiencia, entäo o sector público pode ser capaz de reduzir os impostos mas manter ospadröes de qualidade educativa. É importante que os decisores garantam que os ganhos de eficiencia com a pri­vatizaçâo säo reais e usados de forma eficaz, de modo a com­pensar aqueles que suportam o custo da privatizaçâo. Se os contribuintes recearem que o sistema de educaçâo privada origine menor coesäo social, poderäo exigir impostos mais baixos. Ou entäo, os ganhos com eficiencia podem ser rein-vestidos para aumentar os resultados escolares. O mais pro-vável é que os profissionais da educaçâo encarem a privati­zaçâo e a partilha de custos como urna forma de aumentar o

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número de alunos e servir mais alunos (tanto ñas escolas públicas como privadas). Finalmente, os decisores podem encarar a privatizaçâo de alguns sectores educativos como urna resposta necessaria às pressöes par entais, mesmo que näo haja financiamento público disponível. Em vez de impe­dir a educaçâo por falta de dinheiro do governo, os decisores podem incentivar os pais a pagarem eles próprios a educa­çâo extra.

Impl icaçôes jurídicas

As mudanças do sistema educativo têm frequentemente implicaçôes legáis, e a privatizaçâo näo constituí excepçâo. Há duas grandes razöes de preocupaçâo em relaçâo à legali-dade destas reformas, ambas derivadas do facto de a educa­çâo ser obrigatória em muitos países até certa idade e da es-colha das familias poder nao ser legítima no campo da lei.

Primeiro que tudo, as reformas de privatizaçâo podem con­ferir às familias maior liberdade de escolha sobre o tipo de educaçâo apropriado. Mas, se as familias tiverem maior li­berdade de escolha, poderäo "escolher" näo obedecer às re­gras de escolaridade obrigatória. Por exemplo, urna familia pode incentivar o filho a estudar em casa, ou enviá-lo para urna escola de má qualidade ou mesmo nao o enviar para qualquer escola. Neste caso, o Estado tem a obrigaçâo de fazer cumprir a lei para garantir que todas as crianças fre-quentem a escola durante o número mínimo de anos até atin-girem o patamar necessario. Esta condiçào pode exigir urna monitorizaçâo do comportamento da familia, o que pode im­plicar grandes custos.

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Em segundo lugar, alguns métodos educativos podem nao ser reconhecidos pela lei. Nos EUA, por exemplo, o ñnancia-mento público disponibilizado às familias para cumprirem as exigencias de escolaridade obrigatória nao pode, normal­mente, ser utilizado numa escola religiosa. Esta lei geral tem algumas excepçoes: em Junho de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça8 deliberou que os cheques-ensino poderiam ser utilizados ñas escolas religiosas privadas de Cleveland, no es­tado de Ohio. Em Milwaukee, no estado de Wisconsin, os cheques-ensino foram também aprovados pelo Supremo Tri­bunal Estatal, mas tanto num caso comò no outro, de-senrolaram-se longas e custosas batalhas jurídicas para deter­minar que era legai utilizar os cheques-ensino em escolas religiosas, além de que a decisào nao é aplicável a todos os estados americanos.

Obviamente, as questöes de legalidade das reformas seräo dependentes das constituicöes e leis de cada país, mas é pos-sível tirar algumas conclusöes gérais. Urna délas é a distinçâo entre a escolaridade obrigatória e as leis da educaçâo obriga­tória. Nos países onde existir legislaçâo a regular a escolariza-çâo obrigatória é provável que o ensino doméstico seja ilegal, pois este pode nao ser legalmente considerado "escolariza-çâo", embora também seja urna forma de "educaçâo". Logo, provavelmente é legal em países com leis de educaçâo obriga­tória. Outra conclusâo é que a privatizaçâo pode afectar tantos aspectos do sistema educativo que é necessario estudar cui­dadosamente as suas ramificaçôes legáis. Esta atençâo torna--se ainda mais premente devido à controversia política sobre a privatizaçâo. Se a experiencia americana, com as suas leis

Nos EUA, o Supremo Tribunal de Justiça delibera tanto sobre processos cíveis e cri­mináis, como sobre questöes constitucionais ou de legislaçâo estadual (N. do T.)

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ambiguas e grupos políticos aguerridos servir de orientaçâo, entäo é de prever urna batalha legal pela reforma privatizadora. Mas estas batalhas, possíveis mesmo onde nao há separaçâo entre a Igreja e o Estado, podem constituir-se como urna alter­nativa à oposiçào política.

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Sugestöes para saber mais

As seguintes obras poderäo proporcionar urna visäo apro-fundada da temática da privatizacäo da educacäo:

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Os leitores interessados poderäo também consultar páginas da Internet dedicadas ao tema. O National Center for the Study of Privatization in Education do Teachers College da Univer-sidade de Columbia (www, ncspe. org) é um centro de estudos independente, dedicado ao estudo da privatizacäo da educa­cäo, onde poderá encontrar resultados de investigaçoes, avalia-çoes e noticias sobre o assunto, além de ligaçoes a outras pá­ginas relacionadas. Alerta-se o leitor para que muitas páginas dedicadas à privatizacäo escolar têm urna posiçao ideològica, pelo que os estudos que apresentam podem ser enviesados.

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os autores

Clive Belfield é vice-presidente do "National Center" para o Estudo da Privatizaçâo do Ensino, professor associado do "Teachers College" da Universidade de Columbia e investigador sénior honorario na "School of Education" da Universidade de Birmingham.

Henry Levin é professor da cátedra William Heard Kilpatrick de Gestäo Educativa no "Teachers College" da Universidade de Columbia, presidente do "National Center" para o Estudo da Privatizaçâo do Ensino e professor emérito da cátedra David Jacks de Gestâo do Ensino Superior na Universidade de Stanford. Tem varias obras e artigos publicados sobre privatizaçâo do ensino.

"Tanto nos países desenvolvidos como nos países em vias de

desenvolví mento acredita-se que escolas de regulaçao e gestâo privadas

quer estejam na posse ou nao de entidades públicas — sao mais

eficientes, mais eficazes e têm melhores resultados que as escolas

geridas pelo Estado. Mas isso será mesmo verdade?"

*

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4 ISBN 972-41-3817-8 Nr. de CÓdrao 707494